Informação para maior impacto social
N.16
Julho/Agosto 2013
O projeto Impulso Positivo é apoiado por:
Opinião • Entrevistas • Casos & Testemunhos • Artigos Técnicos • Prémios & Incentivos • Agenda
ARTIGO TÉCNICO
O papel dos cidadãos no
Desenvolvimento
Ana Teresa Santos
Num artigo de 2004, o Professor Ananta Kumar Giri do Madras
Institute for Development Studies referia que muitas vezes os
projetos de Cooperação para o Desenvolvimento são executados
tendo por base uma agenda ética que envolve uma postura
caritativa, focando-se numa relação de doador poderoso
versus recetor agradecido. Tal agenda acaba por fazer do
Desenvolvimento uma atividade centrada nos outros, onde muitos
atores não percebem que a teoria e a prática do Desenvolvimento
fornecem também uma oportunidade de aprendizagem, de
autodesenvolvimento e autotransformação tanto para quem é
objeto como para quem é sujeito do Desenvolvimento. Assim, o
autor defende que “há necessidade de repensar o Desenvolvimento
como uma iniciativa em prol do autodesenvolvimento no sentido
de sermos ao mesmo tempo sujeitos e objetos do Desenvolvimento
(…) não só como um compromisso no cuidado do outro mas
também como um compromisso no cuidar de si mesmo (…). O
Desenvolvimento é uma responsabilidade humana partilhada, e
(…) uma possibilidade humana partilhada”1.
Partindo deste entendimento do Desenvolvimento como uma
responsabilidade partilhada que vai muito para além da vertente
económica, mas que engloba também a vertente ambiental e
social, temos de incluir no processo de Desenvolvimento todos os
cidadãos independentemente da sua pertença geográfica.
Neste campo, a Educação para a Cidadania Global2 desempenha
um papel crucial. É urgente que os cidadãos se sintam parte do
processo de Desenvolvimento. O mundo globalizado em que
vivemos assim o exige. E é neste campo que a Educação para a
Cidadania Global, entendida como educação para a mudança com
uma perspetiva global, tem um papel importante a desempenhar.
No Eurobarómetro 392 “Europeans and Development
Por Ana Teresa Santos
Instituto Marquês de Valle Flôr
Aid”3, publicado em Outubro de 2012, 61% dos portugueses
afirmou total desconhecimento acerca do destino da Ajuda
ao Desenvolvimento em resposta à pergunta “Em que medida
acha que sabe para onde vai (nacionalidade) a Ajuda ao
Desenvolvimento?”. Para além disso, quando confrontados com
a pergunta “Estaria disposto a pagar mais por bens alimentares
ou outros produtos (por exemplo por produtos de comércio
justo) provenientes de Países em Desenvolvimento para a apoiar
as pessoas que vivem nesses países?” 83% dos portugueses
responderam que não, a taxa de rejeição mais alta da UE.
Estes dados demonstram que a temática do Desenvolvimento
e a atuação das Organizações Não Governamentais para o
Desenvolvimento (ONGD) são ainda realidades e processos
muito distantes do dia-a-dia dos cidadãos portugueses, o
que pode colocar em causa a legitimidade das ações levadas
a cabo no setor do Desenvolvimento. Em tempos de crise,
como os que vivemos, é comum as ONGD serem questionadas
sobre o porquê de “ajudar lá fora, quando há tanto para fazer
cá dentro”. A pergunta é legítima mas só é feita porque há
um desconhecimento das causas da crise e há uma enorme
ignorância não só sobre o contexto e âmbitos de atuação das
ONGD como sobre a sua importância para as populações
dos chamados Países em Desenvolvimento. A somar a este
desconhecimento é clara também a falta de reflexão sobre as
temáticas do Desenvolvimento no geral, incluindo sobre as
temáticas que afetam o dia-a-dia dos Países Desenvolvidos.
De forma a tentar contrariar esta tendência de enfoque nos
problemas nacionais, como se esses problemas fossem passíveis
de ser isolados dentro das fronteiras de um país, a Educação para
a Cidadania Global, através de um processo de aprendizagem e
1. A.K. Giri, P.Q. van Ufford, A Moral Critique of Development: Ethics, Aesthetics and Responsibility, Aalborg 2004, página 20.
2. Utilizamos o termo Educação para a Cidadania Global como termo equivalente a Educação para o Desenvolvimento (ED) no contexto do Modelo das 5 Gerações da ED desenvolvido
por Manuela Mesa Peinado. Neste modelo a Educação para a Cidadania Global é apresentada como sendo a 5ª geração da ED.
3. http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/ebs/ebs_392_en.pdf
44 | impulso positivo n.16 | julho/agosto 2013
ARTIGO TÉCNICO
sensibilização participativo e transformativo, promove valores
que permitem às pessoas envolver-se num diálogo respeitoso e
aberto com os outros, identificando agendas partilhadas para
benefícios mútuos. Foca-se na cidadania global ativa com enfâse
na Justiça Social, Globalização e Desenvolvimento Humano,
aplicando uma abordagem baseada nos Direitos Humanos ao
ensino, aprendizagem e campanhas.
A Educação para a Cidadania Global promove assim o
envolvimento do público, e esse envolvimento é essencial uma
vez que o Desenvolvimento precisa de um apoio público forte e
informado. O apoio público dá legitimidade às ONGD e ao governo
para tomarem decisões fortes na luta contra a pobreza e contra a
desigualdade. Para além disso, a nível individual, cada um tem
a possibilidade de fazer a diferença no mundo alterando os seus
comportamentos diários para adotar um estilo de vida mais
sustentável, opção que poderá passar por escolhas de consumo
mais responsáveis, por uma maior consciência ambiental,
por fazer voluntariado num grupo comunitário, entre outras
mudanças em prol de um mundo melhor. O envolvimento do
público permite também debater os temas do Desenvolvimento,
e a necessidade de existir uma mudança no sistema e questionar
muitas das práticas que são realizadas tanto a nível individual,
como político, bem como das organizações da sociedade civil e
também a nível económico.
Num mundo de crescente interdependência global com fronteiras
cada vez mais ténues, e onde para problemas globais se exigem
soluções também globais, a Educação para a Cidadania Global
fomenta igualmente a criação de uma Sociedade Civil Global
que é fundamental para tornar o processo de globalização um
processo positivo, sobretudo através da criação de espaços de
diálogo que promovam a aprendizagem e o respeito mútuo, bem
como a identificação de problemas comuns e soluções para esses
mesmos problemas. Tal Sociedade Civil Global terá potencial
para funcionar como monitor das políticas, contra poder e
motor da mudança.
Muitos dos debates que acontecem no setor do Desenvolvimento,
seja o debate sobre a Coerência das Políticas para o
Desenvolvimento, a Eficácia da Ajuda, a o Código de Conduta
de Mensagens e Imagens, entre outros, acontecem no seio
da Educação para a Cidadania Global, e surgem muitas vezes
porque já há uma consciência crítica por parte dos cidadãos para
as desvantagens de um processo de Desenvolvimento baseado
numa relação vertical entre doador e recetor.
Assim, se envolvermos os cidadãos num processo participativo
de aprendizagem global, os cidadãos irão:
• Evoluir de um processo de entendimento básico das políticas
internacionais do Desenvolvimento para uma compreensão das
causas e efeitos dos assuntos globais, podendo envolver-se e
agir de uma forma informada;
• Desenvolver uma compreensão crítica das interdependências
globais e do seu próprio papel, responsabilidades e estilos de vida
em relação a uma sociedade globalizada;
• Sentir-se encorajados a participar nos esforços mundiais da
erradicação da pobreza e na luta contra a exclusão social através
da ação consciente informada e responsável;
• Defender valores como solidariedade, igualdade, inclusão e
cooperação;
• Promover atitudes positivas em prol da diversidade, respeito dos
Direitos Humanos e compromisso com a justiça social e igualdade.
A Educação para a Cidadania Global passa assim também por
um processo de empoderamento dos cidadãos para que estes se
sintam capazes de agir em prol da mudança que querem ver no
mundo. Uma cidadania ativa que envolve não só o conhecimento
das temáticas, mas também uma tomada de consciência sobre o
papel do “eu” na comunidade em que está inserido e no mundo.
Num mundo onde 1.540.000.000 de pessoas, vivia com menos
de 1,25 dólares por dia, em 2010, e 1 em cada 8 pessoas continua
a dormir com fome4, é necessário que os cidadãos percebam
que o Desenvolvimento para além de ser uma responsabilidade
partilhada é também uma questão de justiça e não de caridade. Só
assim, o trabalho na área da Cooperação para o Desenvolvimento
fará verdadeiro sentido, será sustentável e irá atingir o objetivo
universal de acabar com a pobreza e com as desigualdades.
Se todos assumirmos a nossa responsabilidade enquanto
cidadãos no mundo, cidadãos que podem agir a nível local tendo
um impacto global, entendendo o Desenvolvimento como uma
responsabilidade partilhada, certamente que o trabalho feito na
área da Cooperação para o Desenvolvimento passa a ser muito mais
facilitado, não só porque é melhor compreendido e legitimado,
mas sobretudo porque a responsabilidade do Desenvolvimento não
recai só sobre os cooperantes no terreno e sobre os beneficiários,
mas sim sobre todos os cidadãos do mundo.
E se o Desenvolvimento é uma responsabilidade partilhada,
afinal, qual vai ser o seu papel?5
4. Relatório sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio 2013, publicado pelas Nações Unidas.
5. Mote do Projeto do IMVF – Coerência.pt - www.coerencia.pt
julho/agosto 2013 | impulso positivo n. 16| 45
Download

Impulso Positivo - O Papel dos Cidadãos no Desenvolvimento