Títulos Eletrônicos e Novo
Código Civil
Manoel Ignácio T. Monteiro e Fernanda dos Santos Teixeira
Sócio e advogada associada do escritório Stuber e Advogados Associados
1
INTRODUÇÃO
A questão é saber se o Novo
Código Civil - NCC, ao regular a
matéria dos títulos de crédito, inovou
ao fazer referência expressa aos “títulos
eletrônicos”. Considerando-se a crescente utilização de meios eletrônicos nas
operações financeiras, teria finalmente
sido regulado a criação de títulos de crédito eletrônicos? Quais seriam os riscos
de sua utilização?
BREVES COMENTÁRIOS
SOBRE OS TÍTULOS DE CRÉDITO
Os títulos de crédito originaramse na Idade Média, quando houve uma
expansão do comércio. Os títulos de crédito eram muito utilizados nas feiras e
mercados para permitir a circulação de
recursos financeiros.
Os requisitos essenciais dos títulos de
crédito são: (i) autonomia; (ii)
literalidade; e (iii) cartularidade.
A autonomia é requisito fundamental
para a circulação dos títulos de crédito.
Pelo princípio da autonomia, o
adquirente de um título de crédito passa
a ser detentor de um crédito, independente da relação anterior entre os possuidores do referido título. Assim, não se
podem opor ao portador de boa-fé as exceções decorrentes da relação obrigacional
que originou o título de crédito.
A literalidade exprime a existência, o
conteúdo e a modalidade do direito contido no título. Os atos feitos em documentos separados, ainda que entre as
mesmas partes de um título de crédito,
não produzirão efeitos perante o portador desse título. O credor do título de
crédito pode exigir o que nele está mencionado, insuscetível de discussão,
como, o valor, o prazo, etc. O credor não
poderá pedir mais do que estabelecido
no título.
A cartularidade consiste na
materialização do direito no documento. Sendo o título de crédito um instrumento de circulação representativo do
crédito, pelo princípio da cartularidade,
2
o credor do título deverá provar que se
encontra na posse do documento para
exercer o direito nele mencionado. A
cartularidade é o princípio que deve ser
especialmente analisado, pois um título de crédito eletrônico existiria apenas
como bytes em um computador.
A cartularidade não é requisito absoluto no direito brasileiro. Existem hipóteses em que a lei permite ao credor o exercício de direito representado pelo título
cambial, mesmo que o credor não se encontre na posse do mesmo. A Lei n.º
Os títulos de crédito
originaram-se na Idade
Média, quando houve
uma expansão do
comércio. Os títulos de
crédito eram muito
utilizados nas feiras e
mercados para permitir a
circulação de recursos
financeiros.
Além dos requisitos essenciais aos títulos de crédito, mencionados acima, podemos acrescentar dois outros requisitos: (i) independência; e (ii) abstração.
Por independência, entende-se que o
título de crédito não necessita de outro
documento para ter validade e eficácia.
O título de crédito basta-se a si mesmo,
sem necessidade de outro documento
para completá-lo. Entretanto o requisito de independência não é essencial ao
título de crédito, podendo ou não ocorrer. Existem títulos de crédito que são
vinculados a outros documentos; já a
nota promissória e a letra de câmbio são,
em princípio, títulos independentes.
A abstração diz respeito à
desvinculação do título de crédito ao
negócio jurídico que o originou. Assim,
não é necessário que o título de crédito
mencione o negócio fundamental que
lhe deu origem. O requisito “abstração”
não é absoluto, pois contrapõe-se aos
títulos causais, em que é necessário a
menção da causa (i.e. duplicata, que só
pode ser emitida em decorrência de uma
entrega efetiva de mercadorias ou de um
efetivo serviço prestado).
TÍTULOS DE CRÉDITO NO
NOVO CÓDIGO CIVIL
O NCC disciplina os títulos de
crédito nos artigos 887 a 926. O artigo
887 define como título de crédito o “documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os
requisitos da lei”.
3
5.474, de 18 de julho de 1968 (“Lei de
Duplicatas – LD”) prevê, em seu artigo
13, parágrafo 1º o protesto por indicação, meio pelo qual o credor da duplicata retida pelo devedor pode protestála, apenas fornecendo ao cartório os elementos que individualizam o crédito,
tais como: nome do devedor, valor do
débito, fatura originária, etc. Atualmente, essas informações
são
fornecidas aos
bancos pelos
seus clientes e REQUISITOS ESSENCIAIS
aos cartório de
AOS TÍTULOS DE
protesto através
de meios eletrôCRÉDITO
nicos, não havendo circulação física dos títulos.
DISCLOSURE DAS TRANSAÇÕES FINANCEIRAS - ANO IX - EDIÇÃO 100 - Março 2004
AUTONOMIA
LITERALIDADE
CARTULARIDADE
INDEPENDÊNCIA
ABSTRAÇÃO
1
Após analise da exposição de motivos
do NCC e do seu artigo 903, podemos
concluir que o NCC posicionou-se favoravelmente à emissão de títulos de
crédito atípicos. Por outro lado, os títulos de crédito típicos continuam regidos por lei especial.
O Novo Código
contemplou o fenômeno da
“descartularização” ou desmaterialização” do
título de crédito.
4
VALIDADE E EFICÁCIA DOS
TÍTULOS ELETRÔNICOS
Esse é o tema principal deste artigo. O NCC traz a possibilidade de emissão de títulos eletrônicos que constem
da escrituração do emitente, desde que
contenham os requisitos mínimos, tais
como: (i) a data de emissão; (ii) a indicação precisa dos direitos que confere;
(iii) a assinatura do emitente; e (iv) a
data de vencimento (considerando-se à
vista o título de crédito que não contiver a indicação de vencimento).
Dentre os requisitos mínimos acima citados, destaca-se a necessidade de assinatura do emitente do título. Em se tratando de título eletrônico, a assinatura
do emitente deveria também ser feita de
forma eletrônica, para a qual existe regulamentação específica relativa à chamada certificação eletrônica.
Nesse sentido, o NCC contemplou o fenômeno da “descartularização” ou
“desmaterialização” do título de crédito, em virtude da informática e das modernas técnicas de administração
adotadas pelas empresas, pois o meio
magnético vem substituindo paulatinamente o papel como suporte de informações.
Ainda assim deve-se analisar a aplicação, validade, eficácia e executividade
dos títulos eletrônicos no mundo jurídico, em contraposição aos princípios que
regem os títulos de crédito, especialmente o da literalidade e cartularidade, já
acima mencionados.
Se o documento que representa o crédito sequer é emitido, não haveria sentido
algum em se condicionar a cobrança do
crédito à posse de uma papel inexistente.
Ao discutirem a atualidade dos princípios aplicáveis aos títulos de crédito os estudiosos do direito concluem que exigir-se a confecção do título em papel,
representa uma dispensável formalidade,
se as relações entre credor e devedor documentaram-se todas por meio eletrônico.
Em decorrência desse entendimento, “o
registro da concessão e circulação do crédito em meio magnético tornou obsoletos os preceitos do direito cambiário intrinsecamente ligados à condição de documento dos títulos de crédito.
Cartularidade, literalidade, distinção entre atos em ‘branco’ e ‘em preto’ representam aspectos da disciplina cambial
desprovidos de sentido, no ambiente
informatizado.”
Assim, havendo a denominada
desmaterialização dos títulos de crédito
continuaria sendo respeitado o princípio
da autonomia das obrigações cambiais,
com a consequente manutenção dos princípios da abstração e impossibilidade do
credor opor-se a terceiros de boa-fé.
No ordenamento jurídico brasileiro existe uma série de títulos de crédito que são
emitidos por meios eletrônicos (i.e. duplicata escritural).
Há tempo que as empresas vêm substituindo a duplicata física (documento em
papel) pela duplicata escritural, porque
os caracteres da duplicata escritural são
enviados às instituições financeiras pela
Internet, por disquetes ou outro meio eletrônico, visando a remessa do aviso de
cobrança ao sacado.
Quando a duplicata escritural é paga, a
ausência de documento físico não traz
problemas. Entretanto, quando não é
paga, o credor deve efetuar a indicação a
protesto da duplicata escritural, uma vez
que o artigo 8º, parágrafo único da Lei
n.º 9.492, de 10 de setembro de 1997
(“Lei de Protesto”) permite que as indicações a protesto das duplicatas mercantis e de prestação de serviços sejam feitas por meio magnético ou de gravação
eletrônica de dados. O instrumento de
protesto da duplicata, quando realizado
por indicações, acompanhado do comprovante da entrega das mercadorias,
constituiria
título
executivo
extrajudicial.
Entretanto, como bem argumenta
Newton de Lucca1, a duplicata escritural
esbarra no problema da caracterização legal de apresentação do título a pagamen-
to, uma vez que não houve a padronização do boleto, por parte das autoridades
monetárias, e os bancos não possuem
meios de comprovação adequados do
seu recebimento pelo sacado, o que caracterizaria a apresentação legal do título a pagamento.”
Mais ainda, “recentes Provimentos emanados das corregedorias dos Tribunais
de Justiça de alguns estados de nossa
federação, v.g., o do Estado de Santa
Catarina, do Rio Grande do Sul, de São
Paulo e de Rondônia, recomendaram aos
Oficiais de Protesto de Títulos que se
abstivessem
“...de receber para apontamento duplicatas não aceitas, ou indicação de duplicatas não aceitas, da espécie venda
mercantil ou de prestação de serviços,
quando desacompanhadas da prova de
vínculo contratual que autorize, respectivamente, a entrega do bem ou a prestação dos serviços (§3º do art. 20 da Lei
n.º 5.474/68, acrescentado pelo Decreto-Lei n.º 436, de 27.01.69)2.”
A execução de
títulos eletrônicos
somente seria
possível mediante
alteração legislativa
do Código de
Processo Civil e das
normas cambiais em
vigor.
Desta forma, o autor alega que “a cobrança eletrônica ou duplicataescritural, como normalmente se designa essa sistemática de cobrança que prescinde da existência do título tradicional, enquanto cártula, passou a encontrar sério óbice para a sua
operacionalização de vez que, para que
se efetive o protesto por indicação, passou a ser exigida declaração da instituição financeira apresentante no sentido
de que ela, efetivamente, enviou ao sacado a duplicata correspondente.”
Ao comentar o parágrafo 3º do artigo
889, Newton de Lucca3 caracteriza a duplicata escritural como título de crédito
atípico e, portanto, passível de ser emitido eletronicamente.
Um outro obstáculo à emissão de títulos
1
LUCA, Newton de. A atividade empresarial no âmbito do Projeto de Código Civil. Ed. Juarez de Oliveira, 2000, página 62.
Cf. Circular n.º 49, de 15 de abril de 1996, assinada pelo Desembargador João Martins, Corregedor-Geral da Justiça. Em igual sentido, Circular 32/93, do Rio Grande do Sul.
3
LUCCA, Newton de. Comentário ao Código Civil – volume XII, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2003, páginas 138 a143.
2
DISCLOSURE DAS TRANSAÇÕES FINANCEIRAS - ANO IX - EDIÇÃO 100 - Março 2004
2
eletrônicos diz respeito à inexistência
de lei que regulamente os documentos
eletrônicos, conferindo-lhes validade
e eficácia legal.
Assim, o portador de um título eletrônico não pago encontrará dificuldades
para comprovar que esse título foi emitido em consonância com os requisitos
previstos no NCC, em especial o requisito de assinatura do emitente do título.
A nosso ver, independentemente do fato
de tratar-se de título de crédito típico
ou atípico, a problemática dos títulos
eletrônicos diz respeito à sua
executividade.
Tanto Newton de Lucca quanto Fabio
Ulhoa Coelho entendem que o direito
abriga a possibilidade de emissão de
títulos eletrônicos. Entretanto, a execução de títulos eletrônicos somente
seria possível mediante alteração
legislativa do Código de Processo Civil e das normas cambiais em vigor. Por
enquanto, o título executivo deveria
ser exibido em juízo como documento
em papel.
VALIDADE E EFICÁCIA DO
PROTESTO DE TÍTULOS
ELETRÔNICOS.
Superada a discussão acerca da validade
dos títulos eletrônicos, é necessário
considerar as dificuldades para a
efetivação do protesto dos mencionados
títulos.
A Lei de Protesto define a competência
e regulamenta os serviços relativos ao
protesto de títulos e outros documentos
de dívidas.
O artigo 1º da Lei de Protestos dispõe
que “o protesto é o ato formal e solene
pelo qual se prova a inadimplência e o
5
descumprimento de obrigação originada
em títulos e outros documentos de
dívida.”
O artigo 8º da Lei de Protesto dispõe
que:
“Art. 8º Os títulos e documentos de
dívida
serão
recepcionados,
distribuídos e entregues na mesma data
aos Tabelionatos de Protesto,
obedecidos os critérios de quantidade e
qualidade.
“O protesto é o ato
formal e solene pelo
qual se prova a
inadimplência e o
descumprimento de
obrigação originada
em títulos e outros
documentos de
dívida.”
Parágrafo único. Poderão ser
recepcionados as indicações a protestos
das Duplicatas Mercantis e de Prestação
de Serviços, por meio magnético ou de
gravação eletrônica de dados, sendo de
inteira
responsabilidade
do
apresentante os dados fornecidos,
ficando a cargo dos Tabelionatos a mera
instrumentalização das mesmas.”
O parágrafo único do artigo 8º acima
mencionado trouxe a possibilidade do
protesto por indicação de duplicatas ser
feito mediante a apresentação de dados
em forma eletrônica.
6
CONCLUSÃO:
O NCC possibilita a emissão de
títulos a partir dos caracteres
criados em computador ou meio técnico
equivalente, e que constem da
escrituração do emitente, desde que
contenham os seguintes requisitos
mínimos: (i) a data de emissão; (ii) a
indicação precisa dos direitos que
conferem; (iii) a assinatura do emitente;
e (iv) a data de vencimento
(considerando-se à vista o título de
crédito que não contiver a indicação de
vencimento).
Dentre os requisitos mínimos acima
citados, destaca-se a necessidade de
assinatura do emitente do título. Em se
tratando de título eletrônico, a assinatura
do emitente seria também feita de forma
eletrônica.
Entretanto, os principais obstáculos à
emissão de títulos eletrônicos são: (i) a
inexistência de lei que regulamente os
documentos eletrônicos, conferindolhes validade e eficácia legal; (ii) a
impossibilidade de protestar o título
eletrônico, já que a Lei de Protesto
somente admite que sejam feitos por
meio magnético ou de gravação
eletrônica de dados (artigo 8º, parágrafo
único) quando se tratar de duplicatas
mercantis e de prestação de serviços.
Os demais títulos de crédito devem ser
apresentados fisicamente e devem
conter todas as características previstas
em lei.
Apesar de ser possível a criação de
títulos eletrônicos, o portador de um
título assim emitido, não pago,
encontrará dificuldades para cobrar o
seu crédito através do Judiciário.
Programa de Certificação Continuada
ANBID
Exame da CPA-20
Otimize seu tempo, preparando-se para o exame da CPA-20 de forma rápida e objetiva, através do MACPEC. Cerca de 60% dos usuários
do nosso e-learning já obtiveram a certificação.
Acesse
www.macpec.com.br
para informações detalhadas.
Central de Atendimento
(11) 3284.0255
DISCLOSURE DAS TRANSAÇÕES FINANCEIRAS - ANO IX - EDIÇÃO 100 - Março 2004
3
Download

Títulos Eletrônicos e Novo Código Civil