Uma leitura prática do tratamento adequado ao ato cooperativo Paulo César Andrade Siqueira Federação Unimed – SP Bauru – agosto de 2006 Roteiro I - FIXAÇÃO DE CONCEITOS II - O ENTENDIMENTO DO FISCO III - A JURISPRUDÊNCIA IV - A EXCEÇÃO DO INSS V - ALTERNATIVAS VI - CONCLUSÃO I - FIXAÇÃO DE CONCEITOS 1.1. O ATO COOPERATIVO Desprezo o chamado “conceito” legal do art. 79 da Lei 5764/71, por considerá-lo insuficiente, na medida que apenas identifica os sujeitos de uma relação jurídica complexa – as cooperativas e seus sócios, nada aduzindo sobre a substância da relação. Em 2000, escrevi um conceito de ato cooperativo, que, sinceramente, tenho dificuldade de afastar-me dele, pois entendo que, ainda que precário, alcança todas as situações da relação jurídica cooperativa: São atos cooperativos, os inerentes as relações formais definidas no art. 79 da Lei 5764/71, e toda manifestação de uma cooperativa, no cumprimento de suas obrigações estatutárias, visando, necessariamente, a viabilização de uma atividade econômica dos seus sócios, com evidente interesse social, e sem finalidade lucrativa para a sociedade cooperativa, através da redução de custos de produção, distribuição e colocação no mercado e para seus clientes, dos bens, serviços e interesses dos seus sócios. 1.2. TRIBUTAÇÃO NAS COOPERATIVAS Pelo art. 111 da Lei 5764/71 são rendas tributáveis as provenientes de operações com não associados, devendo ser considerados não associados, como leciona BECHO, aquelas pessoas que, possuindo os requisitos para a associação, a cooperativa não estão vinculados. Nada obstante a legislação referir-se a “renda”, uma instituição de Direito Tributário, a doutrina admite, sem dissonância, que deve-se entender, no caso do art. 111 da LCoop, a incidência geral de tributos, no que é acompanhada pela jurisprudência. A tese correta, assim, é de que o ato cooperativo não enseja a incidência de quaisquer tributos. Somente a ocorrência de atos com não cooperados é que ensejaria contabilização em separado e a devida tributação geral, segundo cada legislação das várias espécies de tributos, incidentes sobre o ato não cooperativo 1.3. Os ingressos financeiros relevantes Conforme determinado pelo Conselho Federal de Contabilidade, as cooperativas devem adotar demonstrações de o patrimônio segundo suas peculiaridades, da forma da NBCT.10.8 e 10.21. É tecnicamente incorreto demonstrar o patrimônio cooperativo de outra forma, ainda que não ilegal, em face da liberdade que os contadores têm de definir a forma de contabilização deste patrimônio. Corretamente, são ingressos financeiros, os valores recebidos pela cooperativa, que não poderão ser confundidos com receita, exceto, quando se tratar de atos não cooperativos. 1.4. O adequado tratamento tributário A Constituição Federal, art. 146, III, “c”, consagra a necessidade de se dar o adequado tratamento ao ato cooperativo, princípio o qual, faz da Lei 5764/71, mais do que uma mera lei ordinária em matéria de tributação nas cooperativas, posto ter sido recepcionada pela Carta como autentica lei complementar. Conforme leciona CARRAZZA, não se poderia pensar que a constituição admitiria um tratamento inadequado a alguém, ao que se deve inferir que o comando dirige-se a que os intérpretes hão de considerar as peculiaridades deste tipo societário, para a distinguir das demais sociedades em relação a tributação. 1.5. Conclusão preliminar Com estes conceitos introdutórios, firmo a convicção de que ao ato cooperativo e seu resultado financeiro, seja de cooperativas unimed’s ou não, não há incidência tributária do INSS, do ISS, do IR, PIS, COFINS ou da CSLL, devendo o ato realizado através de não cooperado sofrer normal tributação. II – DO ENTENDIMENTO DO FISCO 2.1. Sobre as Cooperativas em Geral Devemos separar o entendimento que o fisco têm extraídos dos fatos e das cooperativas, em relação as autonomias municipais e federais. 2.1.1. O Fisco Municipal Em regra, as prefeituras têm entendido que as cooperativas, e em especial as UNIMED’S, estão obrigadas a pagar o ISSQN sobre seu faturamento total, pelo mero fato de que os serviços que são realizados através delas, estão inseridos na lista de serviços da LC 116/03, e assim, seria devida a tributação sobre o faturamento da cooperativa. 2.1.2. O Fisco Federal O fisco federal não reconhece as não incidências nas cooperativas, por entenderem que sempre que a cooperativa atua com o mercado, com os clientes dos serviços, bens e produtos do interesse dos cooperados, pratica ato com não associado e tem que ser tributada. O entendimento é rigorosamente lastreado no art. 79 da Lei 5764/71, por entenderem que, somente quando o cooperado atua com sua cooperativa, ou quando se trate de operações entre cooperativas, que seria excluída a tributação pela não incidência. É, na verdade um sofisma, posto que, a contrario senso, as cooperativas seriam criadas para que “taxista carregasse taxistas em seus carros” como intuiu genialmente Geraldo Ataliba. Mas é exatamente este caso que o fisco federal admite como excludente de tributação, apesar do “dislate” que tal entender consagra. 2.2. A desclassificação fiscal 2.2.1. Conceito e âmbito A prática de se desclassificar as cooperativas, em razão de entender a fiscalização que as cooperativas não são o que sua demonstração patrimonial demonstra, é criticada pelos contadores, posto que, não sendo os fiscais contadores, não poderiam interferir na forma de contabilização de um determinado patrimônio. Esse entendimento dos contadores, de forma conflitante, vem recebendo adesão dos tribunais, e do Conselho de Contribuintes do MF, mas, é forçoso reconhecer que é francamente majoritária a jurisprudência dos tribunais e do 2º Conselho de Contribuintes, permitindo a desclassificação, se fundamentada em divergência de resultado desfavorável ao fisco. 2.2.2. Extensão A desclassificação apressada vem incluindo a produção médica, o que é com as despesas das cooperativas e até mesmo o plano de saúde do cooperado, que não consegue-se separar da contabilidade geral das cooperativas. Surpreende a voracidade cega do fisco federal, que, até mesmo após 2001, com o atual texto do § 9º do art. 3º, da Lei 9718/98, na redação da MP 2158-35, continua autuando as UNIMED’S pelo total do faturamento. III – ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS 3.1. SOBRE O ISS A matéria da não incidência do ISS vem sendo perdida na maioria dos estados da federação, mas no âmbito do STJ, é pacífico o entendimento que, para as UNIMED’S é devida a exigência do ISS pelo total dos ingressos da cooperativa. Vamos a recente exemplo:- TRIBUTÁRIO – ISS – COOPERATIVA MÉDICA – ATIVIDADE EMPRESARIAL. 1. A cooperativa, quando serve de mera intermediária entre seus associados (profissionais) e terceiros, que usam do serviço médico, esta isenta de tributos, porque exerce atos cooperativos (art. 79 da Lei n. 5.764/71) e goza de não-incidência. 2. Diferentemente, quando a cooperativa, na atividade de intermediação, realiza ato negocial, foge à regra da isenção, devendo pagar os impostos e contribuições na qualidade de verdadeira empregadora. 3. Recurso especial improvido. (STJ, REsp 727091 / RJ , Ministra ELIANA CALMON, DJ 17.10.2005 p. 282, Unimed Rio). 3.2. TRIBUTOS FEDERAIS ..(...)... 1. Ação ordinária ajuizada por sociedade cooperativa médica, com o escopo de ver reconhecida sua isenção ao pagamento da COFINS, no que se refere aos atos cooperativos praticados. 2. Restou assente na Seção de Direito Público desta Corte Superior que no campo da exação tributária, com relação às cooperativas, a aferição da incidência do tributo impõe distinguir os atos cooperativos, através dos quais a entidade atinge os seus fins, e os atos não cooperativos, estes extrapolantes das finalidades institucionais e geradores de tributação; diferentemente do que ocorre com os primeiros.... .” (AgRg no REsp 727450 / PE, Ministro LUIZ FUX , DJ 29.05.2006 p. 175 ). Súmula 262 Órgão Julgador - PRIMEIRA SEÇÃO Julg.: 24/04/2002, DJ 07.05.2002 p. 204, RSTJ vol. 155 p. 311, RT vol. 800 p. 214. Enunciado Incide o imposto de renda sobre o resultado das aplicações financeiras realizadas pelas cooperativas. 3.3. Uma exceção.... “...Noutro turno, o resultado econômico da prestação de serviços a usuário (cliente), através do médico cooperado, deve ser entendido como ato cooperativo típico, portanto, fora do campo de incidência da indigitada exação.” (TRF5ª, 1ª T., AMS 93456/PE (2005.83.00.012892-0), Rel. Des. Fed. Francisco Wildo) IV – ALTERNATIVAS PROPOSTAS 4.1. Sobre o ISS A) Lei municipal reduzindo a base imponível e a alíquota do ISSQN do futuro, e consolidar o débito e pagar um percentual do faturamento, para o passado, extinguindo todas as ações, sem ônus para as partes. B) Acordo judicial consolidando a dívida e ajustando o pagamento mensal de 0,5% sobre o faturamento da empresa até a extinção da dívida, ajustando a correção monetária devida, e, confessando a base imponível para o furo, com exclusão dos insumos. 4.2. Sobre os tributos Federais Utilizar a base permitida do § 9º do art. 3º, da lei 9718/98, na redação da MP 2158-35, com as exclusões legais, para o caso do PIS/COFINS. Procurar aglutinar esforços para obter da SRF/Pres. República, MP para ampliar o benefício do diploma acima, para o IR e CSL. V – DAS EXAÇÕES DA ANS 5.1. Taxa de Saúde Suplementar Não há tese relevante sobre o caso, para excluir da tributação, apesar de defeitos formais na constituição da taxa, à exemplo da Taxa Ambiental, dada por inconstitucional pelo STF. O custo reduzido, e as decisões dos tribunais superiores, recomendam o pagamento, senão, vejamos- TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. TAXA DE SAÚDE SUPLEMENTAR. CONSTITUCIONALIDADE. LEGALIDADE. PRINCÍPIOS DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E DA ISONOMIA. PODER DE POLÍCIA. LEI N. 9.961/2000. 1. A Taxa de polícia remunera uma atividade permanente e não atos concretos de fiscalização. 2. A Taxa de Saúde Suplementar TSS configura a contraprestação do contribuinte ao poder de polícia exercido pela ANS, que não se resume ao ato de fiscalização "in loco", que dele é, apenas, parte. 3. Há correlação entre o número de usuários do plano de assistência à saúde e o poder de polícia exercido pela ANS porque quanto maior for o número de usuários, maior será o esforço despendido pela autarquia na sua fiscalização. 4. A utilização do princípio da capacidade contributiva, no caso, prestigia o princípio constitucional da isonomia, visando tratar desigualmente os desiguais, mediante aplicação de um critério progressivo. (TRF2, Processo: 200038010012243 , DES. FED. MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, DJ DATA: 20/2/2004 PAGINA: 132 ) 5.2. Ressarcimento ao SUS Os tribunal competente (Rio), tem posição marcada sobre o tema, e o STF, ao menos quando do julgamento da Liminar da ADI 1937, Maurício Correia, Jobim e Marco Aurélio, posicionaram-se a favor do mesmo. Exemplos:- “..4. Prestação de serviço médico pela rede do SUS e instituições conveniadas, em virtude da impossibilidade de atendimento pela operadora de Plano de Saúde. Ressarcimento à Administração Pública mediante condições preestabelecidas em resoluções internas da Câmara de Saúde Complementar. Ofensa ao devido processo legal. Alegação improcedente. Norma programática pertinente à realização de políticas públicas. Conveniência da manutenção da vigência da norma impugnada. ...”(STF - Supremo Tribunal Federal, Classe: ADI-MC – 1931/DF , DJ 28-05-2004 PP-00003 , Maurício Correia). “...3 - Por outro lado, como não há dano no fato de um particular utilizar a rede pública ou integrante do SUS, sendo assistido por plano de saúde, não causa arrepio o fato de o Poder Público recobrar investimento do setor privado, pelo princípio que veda o enriquecimento sem causa, em combinação com o princípio da solidariedade, pois todos são chamados à sua parcela de contribuição para a manutenção da saúde das pessoas. 4 - O princípio da solidariedade fundamenta a regra contida no art. 32 da Lei n. 9.656/98 e, em última análise, se insere no contexto da concretização do objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, a saber, a construção de uma sociedade mais justa, livre e solidária (CF/88, art. 3o, inciso I). 5 - Conclui-se pela constitucionalidade, legalidade e legitimidade do ressarcimento ao SUS instituído pela Lei n. 9.656/98. Precedentes deste Tribunal...” (TRF2, AC – 366563, 8ª TURMA, Dec.: 28/03/2006 , Rel. JUIZ GUILHERME CALMON). VI - CONCLUSÃO Ressalvamos entender que: A) Não há incidência de quaisquer tributos sobre os ingressos de operações como da Unimed; B) A taxa de saúde suplementar é inconstitucional por não definir a referibilidade na forma de custear os serviços da fiscalização; C) O ressarcimento ao SUS ofende a moralidade e onera ilicitamente a saúde suplementar. Mas, é prudente concluir que: A) Deve-se buscar reduzir a alíquota e a base imponível dos tributos federais e municipais, mas, direcionar-se ao pagamento deles; B) Deve-se pagar a TSS; C) Após todas as defesas possíveis, ressarcir ao SUS; e D) Caso haja dúvidas, ao menos que se enfrente a legalidade das exigências, com a garantia de depósitos judiciais. Sobre a questão contábil, sugiro que se reconheçam os citados ônus, façam-se as devidas provisões, e, em AGE, aprove o rateio em vários anos de verba referente a eles, para compensarem as provisões negativas para efeito de resultado e índice de liquidez, que somente será utilizada em caso de necessidade. De qualquer forma, tal índice não deve escandalizar ninguém, posto que, acaso prejudique a liquidez da cooperativa, o máximo que irá resultar, e em perda do direito de obter certidões negativas, o que imagino, a maioria das cooperativas UNIMED’S não obtém de qualquer forma. Não me sinto bem em dar este tipo de parecer, mas, é assim que minha vocação dirige meu trabalho, buscando o menor gravame possível para meus clientes. É é o que peço que os colegas recomendem. Muito obrigado. Paulo César Andrade Siqueira 19 de agosto de 2006 Recife