Variação linguística Códigos Luis Fernando Veríssimo Dona Paulina ensinou à sua filha Rosário que cada ponto do rosto onde se colocasse uma pinta tinha seu significado. Na face, sobre o lábio, num canto da boca, no queixo, na testa... A pinta, bem interpretada, mostrava quem era a moça, e o que ela queria, e o que esperava de um pretendente. O homem que se aproximasse de uma moça com uma pinta — numa recepção na corte ou numa casa de chá — já sabia muito sobre ela, antes mesmo de abordá-la, só pela localização da pinta. A três metros de distância, o homem já sabia o que o esperava. A pinta era um código, um aviso — ou um desafio. Anos depois, dona Rosário ensinou à sua neta Margarida que a maneira de usar um leque dizia tudo sobre uma mulher. Como segurá-lo, como abri-lo, sua posição em relação ao rosto ou ao colo, como abaná-lo, com que velocidade, com que olhar... Só pelos movimentos do leque uma mulher desfraldava sua biografia, sua personalidade e até seus segredos num salão, e quem a tirasse para dançar já sabia quais eram as suas perspectivas, e os seus riscos, e o seu futuro. Muitos anos depois, a Bel explicou para a sua bisavó Margarida que a fatia de pizza impressa na sua camiseta com "Me come" escrito em cima não queria dizer nada, mas que algumas das suas amigas usavam a camiseta sem a fatia de pizza. VARIEDADES LINGUÍSTICAS REGISTROS DIALETOS Modalidade Formalidade Cortesia região geração sexo classe social escolaridade No Brasil é: abridor açougue aeromoça água sanitária água-viva antiguidades aposentado apostila banheiro blusão bonde brega cafezinho caixa, caixinha calcinha conversível encanador esparadrapo Em Portugal é: tira-cápsulas talho hospedeira de bordo lixívia alforreca velharias reformado sebenta casa de banho camisola eléctrico piroso bica boceta cueca descapotável picheleiro penso rápido No Brasil é: estacionar fila grampeador inflável injeção meias multa ônibus pedestre peruca ponto de ônibus salva-vidas sanduíche suco trem xícara Em Portugal é: aparcar bicha agrafador insuflável pica peúgas coima autocarro peão capachinho paragem banheiro sandes sumo comboio chávena Exemplos de variação dialetal TEXTO DE GUIMARÃES ROSA (FALAR MINEIRO) "E eu levava boa matalotagem, na capanga, e também o binóculo. Somente o trambolho da espingarda pesava e empalhava. Mas cumpria com a lista, porque eu não podia deixar o povo saber que eu entrava no mato, e lá passava o dia inteiro, só para ver uma mudinha de cambuí a medrar da terra de-dentro de um buraco no tronco de uma camboatã; para assistir à carga frontal das formigas-cabaças contra a pelugem farpada e eletrificada de uma tatarana lança-chamas; para namorar o namoro dos guaxes, pousados nos ramos compridos da aroeira (...)" (João Guimarães Rosa, São Marcos, in: Sagarana) TEXTO DE SIMÕES L. NETO (FALAR GAÚCHO) "Vancê pare um bocadinho: componha seus arreios, que a cincha está muito pra virilha. E vá pitando um cigarro, enquanto eu dou dois dedos de prosa àquele andante ... que me parece que estou conhecendo ... e conheço mesmo! ... É o índio Reduzo, que foi posteiro dos Costas, na estância do Ibicuí. " (Simões Lopes Neto, Contos gauchescos e lendas do sul) - Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grande dou de talho! (...) - Essa sai ou não sai? – perguntou alguém do lado de fora (...) - Não sai. Estou cansado de pelear. Não quero puxar arma pelo menos por um meês. (...) (Érico Veríssimo, Um certo capitão Rodrigo) TEXTO DE JOSÉ NORDESTINO) LINS DO REGO ( FALAR "Chegou a abolição e os negros do Santa Fé se foram para os outros engenhos. Ficara somente com Seu Lula o boleeiro Macário, que tinha paixão pelo ofício. Até as negras da cozinha ganharam o mundo. E o Santa Fé ficou sem os partidos no mato, com o negro Deodato sem gosto para o eito, para a moagem que se aproximava. Só a muito custo apareceram trabalhadores para os serviços do campo. Onde encontrar mestre de açúcar, caldeireiros, purgador?" (José Lins do Rego, Fogo Morto) • Fala de um senhor que trabalha com Marketing Político: "Olha, hoje em dia, uma campanha, qualquer que seja, sai muito cara e não se admite mais nenhum esforço em qualquer organização do país ou do mundo que não use informática para melhorar seu controle de custos, melhorar a divulgação de suas mensagens junto aos clientes, melhorar a organização da campanha. Então a informática serve para tudo isso, é a ferramenta moderna e que está penetrando em todas as empresas." • Fala de um médico explicando algumas doenças do coração: "Tem gente que nasce com coração maior ou menor, com vários defeitos. Essas são as cardiopatias congênitas, né, o coração pode nascer com inúmeros defeitos. Agora, o tamanho do coração também tem a ver com outros problemas que não são congênitos, como a insuficiência coronariana." • Fala de um advogado, explicando a linguagem que ele usa no Forum: " As expressões são data venia, permissa venia, concessa venia. O senhor, para não usar de aspereza com o juiz, o senhor bota data venia, que quer dizer "com o devido respeito", bota antes data venia e aí fala o que quiser para o juiz. Os sinônimos de data venia seriam permissa venia, concessa venia. Eu jamais repito data venia no mesmo processo. Só data venia, data venia, fica enfadonho, né?" Significado das Expressões Idiomáticas Abrir o coração - Desabafar; declarar-se sinceramente Abrir o jogo - Denunciar; revelar detalhes Abrir os olhos a alguém - Convencer, alertar Agarrar com unhas e dentes - Não desistir de algo ou alguém facilmente. Andar feito barata tonta - Estar distraído. Armar-se até aos dentes - Estar preparado para uma qualquer situação. Arrancar cabelos - Desesperar-se. Arregaçar as mangas - Iniciar algo. Bater as botas - Morrer, falecer. Bater na mesma tecla - Insistir. Baixar a bola - Acalmar-se, ser mais comedido. Comprar gato por lebre - Ser enganado. Com o cu na mão - estar com medo Dar com o nariz na porta - Decepcionar-se, procurar e não encontrar Dar o braço a torcer - Voltar atrás numa decisão Dar com a língua nos dentes - Contar um segredo. Dar uma mãozinha - Ajudar. Engolir sapos - Fazer algo contrariado; ser alvo de insultos/injustiças/contrariedades sem reagir/revidar, acumulando ressentimento Estar com a cabeça nas nuvens - Estar distraído. Estar com a corda no pescoço - Estar ameaçado, sob pressão ou com problemas financeiros Estar com a faca e o queijo na mão - Estar com poder ou condições para resolver algo Estar com a pulga atrás da orelha - Estar desconfiado. Estar com aperto no coração - Estar angustiado Estar com o pé atrás da porta/de pé atrás - Estar desconfiado, cabreiro Estar com os pés para a cova/o pé na cova - Estar para morrer Estar com uma pedra no sapato - Ter um problema por resolver. Estar de mãos a abanar/abanando - Não conseguir o que pretendia Estar de mãos atadas - Não poder fazer nada Fazer com uma perna às costas/de olhos fechados - Fazer com muita facilidade. Fazer tempestade em copo d'água - Transformar banalidade em tragédia Fazer um negócio da China - Aproveitar grande oportunidade Fazer vista grossa - Fingir que não viu, relevar, negligenciar Feito nas coxas - De qualquer modo, sem cuidado Ficar à sombra da bananeira - Ficar despreocupado. Gritar a plenos pulmões - Gritar com toda a força Ir desta para melhor - Morrer, falecer Lavar roupa suja - Discutir assunto particular. Meter os pés pelas mãos - Agir desajeitadamente ou com pressa; confundir-se no raciocínio Meter o rabo entre as pernas - Submeter-se Onde Judas perdeu as botas - Lugar remoto. O gato comeu a língua - Diz-se de pessoa calada. Pendurar as chuteiras - Aposentar-se, desistir Ir pentear macacos - Ir chatear outra pessoa. Pensar na morte da bezerra - Estar distraído/a. Perder as estribeiras - Desnortear-se. Pôr as barbas de molho - Precaver-se Pôr as cartas na mesa/lançar os dados - Expor os factos. Pôr mãos à obra - Trabalhar com afinco Pôr os pontos/pingos nos ís - Esclarecer a situação detalhadamente Procurar uma agulha num palheiro - Tentar algo quase impossível. Prometer mundos e fundos - Fazer promessas exageradas Receber um balde de água fria - Inverter o entusiasmo em desilusão. Riscar do mapa - Fazer desaparecer Sem pés nem cabeça - Sem lógica; sem sentido. Sentir dor de cotovelo - Sentir despeito amoroso. Sentir dor de corno - Sentir despeito amoroso. Segurar a vela - Estar sozinho/a com um casal. Ser um chato de galocha - Ser uma pessoa de comportamento desagradável Ter macacos (ou macaquinhos) no sótão - Ter ilusões, achar que algo muito improvável de acontecer é bastante possível Tirar água do joelho - Urinar Tirar o cavalo (ou cavalinho) da chuva - Desistir com relutância por motivo de força maior ou impedimento hierárquico. Trepar paredes - Estar desesperado. Trocar alhos por bugalhos - Confundir factos e/ou histórias. Uma mão lava a outra (e as duas lavam as orelhas) - Entreajuda; trabalhar em equipa ou para o mesmo fim. Virar casacas - Mudar de ideias facilmente; traidor. Voltar à vaca fria - Voltar ao assunto com que se iniciou uma conversa.