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II Congresso Nacional de Formação de Professores
XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores
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Trabalho Completo
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO MATERIAL PEDAGÓGICO DO CURRÍCULO
OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
Silvana Alves Freitas, Branca Jurema Ponce
Eixo 7 - Propostas curriculares e materiais pedagógicos no ensino e na formação de
professores
- Relato de Pesquisa - Apresentação Oral
A pesquisa analisa a proposta de formação de professores contida no material curricular
divulgado oficialmente pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo aos
professores coordenadores no momento da implantação da proposta curricular dos anos de
2007 a 2010. Trata-se de um trabalho em que se utilizou a pesquisa bibliográfica e a análise
do discurso em textos oficialmente divulgados na rede pública de educação. Buscou-se
compreender a proposta de formação de professores, especialmente a endereçada ao
professor coordenador, tomado nesse documento como formador de docentes. Palavraschave: Material pedagógico. Formação de professores. Currículo Oficial do Estado de São
Paulo.
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Ficha Catalográfica
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO MATERIAL PEDAGÓGICO DO
CURRÍCULO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
Branca Jurema Ponce; Silvana Alves Freitas. Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
Este trabalho realizou-se no âmbito de uma pesquisa mais ampla
denominada “Política curricular para a educação básica e sua ressonância na
prática docente” sob a coordenação da Profa. Dra. Branca Jurema Ponce da
PUCSP.
Entre 2007 e 2011, na gestão do então Governador José Serra (20072010) do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), foi implantada a
Proposta Curricular do Estado de São Paulo, que se tornou, em 2011, o
Currículo Oficial do Estado de São Paulo.
Essa proposta curricular está inserida no bojo da institucionalização de
políticas públicas educacionais com traços neoliberais ocorridas ao longo das
décadas de 1990 e 2000 no Brasil. A implantação e a implementação de
políticas de currículo com esses traços têm incidido, por meio de seu
conteúdo e de sua forma, diretamente na formação das identidades presentes
na escola, não apenas na dos alunos, mas na de todos os profissionais da
educação escolar.
A compreensão da identidade é fundamental para refletir sobre a
formação de educadores. É uma construção que pode ser favorecida ou não
pela vivência do currículo por meio das práticas pedagógicas.
Com o propósito de compreender as configurações das relações
interpessoais e a formação que é propiciada por meio da proposta curricular
do Governo Serra (2007-2010), procurou-se apreender, pelo emprego da
análise do discurso, a concepção de professor coordenador que emerge da
leitura dos materiais curriculares. Utilizou-se, também como material de
pesquisa, a palestra de capacitação proferida aos professores coordenadores
e outros gestores da Rede Pública, oferecida pela Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo (SEE/SP).
O professor coordenador tem, segundo essa proposta curricular, o
papel de “formador docente, articulador e fomentador curricular”. É
considerado o “pilar” do currículo pela proposta oficial.
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Para analisar o discurso foi preciso, por um lado, conceituá-lo como
nos ensina Brandão (2010, p. 46), como “uma das instâncias em que a
materialidade ideológica se concretiza [...]” e, por outro, considerar as
condições de produção no sentido estrito – imediato – e mais amplo - o
contexto sócio-histórico e ideológico “como processo de luta hegemônica na
esfera do discurso [...]” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 114).
Recorremos também à Giroux (1997, p. 36) para conceituar a
ideologia como “um constructo que se refere às formas nas quais os
significados são produzidos, mediados e incorporados em formas de
conhecimento, práticas sociais e experiências culturais” e à Severino (2001),
que recorre neste caso à Gramsci, e compreende que a ideologia das classes
dominantes alinhava-se por meio de um consenso em torno de uma visão
particular atrelada ao poder hegemônico, sustentando-o, naturalizando-o e
legitimando-o.
O Currículo Oficial do Estado de São Paulo
O currículo oficial do Estado de São Paulo se insere no processo de
reformas educacionais ocorridas em contexto mundial, marcado pelo modelo
neoliberal, que entende a crise da educação nos países latino-americanos
como uma crise de eficiência, eficácia e produtividade – portanto, como crise
de qualidade no sentido gerencial.
Em 1990, a Conferência Mundial de Educação para Todos, em
Jomtien, na Tailândia, articula em torno de si as agências internacionais como
Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef), em torno da explicitação de diretrizes
das políticas educacionais pautadas no neoliberalismo.
Sob essa égide encontram-se as reformas educacional-administrativas
promovidas pela SEE/SP a partir de 1995. Em 2007, na gestão de José
Serra, Governador eleito pelo PSDB, são implantadas reformas políticas na
área do ensino por meio da Pasta da Educação, ocupada por Maria Lúcia
Vasconcelos, do Partido Democrático (DEM), na esteira dessa concepção.
Após um curto mandato, Maria Lúcia Vasconcelos é substituída por Maria
Helena Guimarães de Castro, do PSDB, com a missão de reorganizar o
ensino paulista em busca da melhoria da qualidade (gerencial) da educação.
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A preocupação dos responsáveis governamentais com a qualidade é
justificada, por eles mesmos, pelo fraco desempenho dos alunos nas
avaliações institucionais. Com base nesses resultados são desencadeadas
ações imediatas para a implantação do Programa São Paulo Faz Escola.
A Secretaria Estadual realizou a seleção de oito mil professores
coordenadores para apoio à implantação e orientação desse programa (SÃO
PAULO, 2008, p. 30). A principal tarefa desses professores será a gestão do
currículo proposto nas unidades escolares.
A primeira ação desse grupo de professores foi a “implantação da
Proposta Curricular da Secretaria da Educação do Estado” (SÃO PAULO,
2008, p. 6) que consistiu, segundo o documento, em “anunciar a Proposta,
esclarecer seus fundamentos e princípios, conduzir a reflexão da comunidade
escolar e organizar o planejamento da escola” (SÃO PAULO, 2008, p. 6).
Esse encaminhamento está contido no material didático-pedagógico oficial:
nos Cadernos dos Gestores do Currículo e nos Cadernos dos professores e
dos alunos, que contém o conteúdo a ser trabalhado, a metodologia e a
avaliação interna à escola.
Diz o texto: é preciso “promover alianças e consensos para sua
implementação (a da proposta curricular)” (SÃO PAULO, 2008, p. 9).
Pressupõe-se, por um lado, uma reinvenção da figura do professor
coordenador para que ele possa cumprir as exigências de suas novas
atribuições, até então difusas dentro das escolas e, por outro, uma
(re)organização social na escola para atender às práticas pedagógicas
expressas naquela proposta.
A
busca
de
compreensão
do
novo
papel
desse
professor
(coordenador) foi o grande estímulo desta pesquisa. O material de análise
emergiu da leitura atenta e criteriosa da Proposta Curricular e pautou-se na
busca de compreensão da proposta de formação de professores contida no
currículo proposto.
O professor coordenador como “formador docente, articulador e
fomentador curricular”
A supervisão proposta pelo “Programa São Paulo Faz Escola” é
realizada no interior das escolas e privilegia o professor licenciado para
coordenar os trabalhos pedagógicos. Esta coordenação consiste - o que está
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previsto no documento - em uma ação de resolução de problemas
emergenciais. O professor coordenador foi a alternativa escolhida para
atender emergências nas unidades de ensino, que são regidas por políticas
públicas, que têm optado por medidas operacionais fortemente pautadas por
aspectos econômicos que desconsideram a educação escolar como um
investimento fundamental na construção da cidadania ativa.
Esses profissionais são, em geral, professores licenciados para
disciplinas específicas e têm encontrado dificuldades para delimitar sua
competência e constituir a sua identidade na rede, apesar de contar com uma
legislação que normatiza sua função. As dificuldades existentes decorrem de
sua formação, assim como da falta de um diálogo efetivo que ilumine a
concepção de currículo que está em pauta e que lhe permita compreender
aspectos relativos à estrutura e à conjuntura escolar no novo perfil proposto
para as unidades e para a rede pública escolar.
Foram analisados recortes do Caderno do Gestor e de um curso de
capacitação oferecido aos professores coordenadores por ocasião da
implementação
do
currículo.
Esses
materiais
pedagógicos
foram
disponibilizados em vídeo no site da SEE/SP. Eles apresentam um discurso
impregnado de exterioridade. Os sujeitos concretos que estão nas escolas
são considerados – no máximo - como possíveis bons executores de um
programa pré-concebido. De cada um se espera que desempenhe o seu
papel segundo uma proposta básica, embora se diga que os cadernos
contenham apenas sugestões. O Programa não parte dos sujeitos existentes
na realidade escolar. Quem são os professores? Como é a sua formação, a
sua história? Quem são os alunos?
O conteúdo e a metodologia preconcebidos para a execução indica o
processo de desqualificação e “requalificação” pelo qual passam os
professores. Apple (2002, p. 161) nos alerta:
Observe também o processo de desqualificação [...]. Habilidades
de que professores e professoras costumam precisar, que eram
tidas como essenciais para a arte de trabalhar com crianças – tais
como o planejamento e a elaboração do currículo, o planejamento
de estratégias curriculares e de ensino para grupos e indivíduos
específicos, com base num conhecimento íntimo das pessoas –
não são mais necessárias.
Ele prossegue sua explicação: “Enquanto a desqualificação
envolve a perda da ‘arte’, a atrofia gradual das habilidades
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pedagógicas, a requalificação envolve a substituição pelas habilidades
e visões ideológicas capitalistas” (2002, p.161).
Pudemos observar esse processo de requalificação promovido
pelo uso do Caderno dos Professores e do Caderno dos Alunos. Ele
exerce sobre os professores o que o autor denomina de controle
técnico que estimula a relação não cooperativa entre pares, pelo fato
de dispensar o diálogo sobre os afazeres docentes em várias
dimensões: em relação ao conteúdo a ser ensinado, ao método a ser
adotado, ao processo de avaliação, às relações intersubjetivas
presentes nas relações pedagógicas, etc.
Os saberes próprios da tarefa pedagógica são desprestigiados e
empobrecidos pela Proposta. Com ela perde-se o essencial, o
genuinamente pedagógico. Envolta em um discurso progressista, ela
propõe que as tarefas educativas escolares sejam burocraticamente
encaminhadas. Mate (2009, p. 125) afirma a respeito das reformas
curriculares:
Por força de seu status a reforma constrói e carrega, assim, um
“sistema de verdade” que, para além de seu significado formal,
tem significados práticos. Desorganiza o cotidiano das escolas e
de professores, invalidando muitas experiências, e, ainda que
utilize o discurso da autonomia (da escola, do aluno, do professor),
simultaneamente o nega, pois conduz ao cumprimento de
inúmeras tarefas, burocratizando as práticas e dificultando ações
genuinamente criativas.
A burocratização do trabalho do professor é uma forma de
controle das tarefas exercidas pela escola. Segundo Apple (2002, p.
156), trata-se de:
uma estrutura em que o controle é menos visível, uma vez que os
princípios do controle estão embutidos nas relações sociais
hierárquicas do local de trabalho. As regras impessoais e
burocráticas a respeito da direção do trabalho, os procedimentos
para avaliar o desempenho e as sanções e recompensas são
ditados por medidas oficialmente aprovadas.
Sobre os Cadernos, em vídeo, uma gestora explica:
Nós organizamos quatro cadernos porque nós estamos
acostumados a trabalhar por bimestre. Não significa que no final
do primeiro bimestre o professor tem que trabalhar todas as
atividades propostas nas sequências didáticas. Por quê? Porque o
nosso foco, até mesmo o foco das sequências didáticas, é o
desenvolvimento de competências e habilidades que estão
claramente indicadas em cada Caderno do Professor. Então,
vejam. Suponhamos que o professor diga pra vocês que ele não
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quer usar o Caderno do Professor, ora, ele não tem liberdade
para fazer o que ele quer, ele pode trabalhar com suas fontes,
com seus recursos, o seu material, desde que ele garanta que os
alunos desenvolverão aquelas competências e habilidades
previstas no currículo, sim, porque há um todo organizado que é o
mínimo que nós temos que garantir para os nossos alunos. Então,
o Caderno do Professor é um guia, é um suporte, é um apoio pros
nossos professores, com uma sugestão de organização do seu
trabalho (SÃO PAULO, 2009).
Marcado pela contradição, o trecho evidencia a indignação da
locutora com o fato de o professor achar que pode ter liberdade.
Expressa de forma patente: “ora, ele não tem liberdade para fazer o
que ele quer”. Isso caracteriza também um tipo de controle existente,
que, segundo Apple (2002, p. 156), é o controle simples, que “consiste
exatamente nisso, em dizer ao trabalhador que o empresário o
contratou, que ele decidiu o que deve ser feito, e que ou o trabalhador
obedece ou é despedido”. Sem o auxílio de subterfúgios, estabelece-se
a relação assimétrica do poder.
Em um contexto que se autoproclama como democrático, o
autoritarismo existente impõe-se por relações diretas como as
estabelecidas pelo controle simples, assim como pela cooptação, onde
a arbitrariedade e o processo de exclusão não ficam tão visíveis.
O discurso oficial da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
caracteriza-se como autoritário, pois “procura a assimetria de cima para
baixo” (ORLANDI, 2009, p. 52), de modo que “no discurso autoritário a
relação com a referência é exclusivamente determinada pelo locutor: a
verdade é imposta” (ORLANDI, 2009, p. 155). O professor coordenador é
aquele que emerge da Proposta como o líder que irá conduzir a escola a
todas as mudanças previstas, o “pilar” do currículo. É compreendido como o
“formador docente, articulador e fomentador curricular”.
O Currículo Oficial do Estado de São Paulo apresenta uma proposta
de (re)organização social do trabalho pedagógico pautado na adesão não
reflexiva, que pressupõe uma postura ingênua dos envolvidos. Essa
construção
acaba
por promover nas
escolas
uma
“engenharia
da
unanimidade” (APPLE, 2001, p. 19), uma ilusão de democracia por “requerer”
discursivamente a participação de todos no processo educativo escolar.
Esse “consenso” – ou a simples adesão – desconsidera o processo
político inerente às relações humanas, que pressupõe o dissenso (OLIVEIRA,
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2000). Instala-se um processo de silenciamento tácito das vozes, que se dá
pelos controles dos tipos simples, técnico e burocrático.
Sobre esse tipo de proposta curricular, Ponce (2009, p. 11-12) afirma
que:
Redes estaduais, municipais e privadas de ensino têm trabalhado
com propostas centralizadas de currículo, com aulas prontas,
apostiladas, sequenciadas, fechadas em tempos determinados,
que não prevêem a presença dos sujeitos envolvidos na prática
educativa, a não ser como executores estritos da prescrição
pedagógica. Também não se prevê a necessária transformação da
escola em espaço de convívio democrático e solidário, de
construção do debate sobre a vida pública. A construção do sujeito
democrático, que vive e preza a democracia como um valor, tem
sido apenas um discurso nessas propostas.
O fracasso escolar, tomado como elemento desencadeador da
(re)organização curricular, é um problema de ordem estrutural. Entretanto,
tratá-lo de forma gerencial é um equívoco. A escola não é uma empresa, nem
o fracasso é uma crise gerencial. Ele tem de ser analisado e superado por
meio de opções políticas, pedagógicas, didáticas e curriculares que acolham
os professores dando-lhes vez e voz, bem como aos alunos e todos os
sujeitos envolvidos nos afazeres escolares.
REFERÊNCIAS
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OLIVEIRA, Francisco de. Privatização do público, destruição da fala e
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PAOLI, Maria Célia. Os sentidos da democracia: políticas do dissenso e
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ORLANDI, Eni P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do
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SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação, sujeito e história. São Paulo:
Olho d’Água, 2001. 175 p.
8
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