ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA conass documenta . n7 conass documenta . n7 Equipe de elaboração Coordenação do Progestores Secretaria Executiva do Conass Coordenação do projeto Márcia Cecília Huçulak René José Moreira dos Santos Rita de Cássia Bertão Cataneli Colaboradores / Elaboração dos Textos de Subsídio Luis Fernando Rolim Sampaio Marcos Akerman Olinda do Carmo Luiz Revisão Suzana Silveira Pereira Projeto Gráfico Fernanda Goulart Arte final Fernanda Goulart Fernanda Rubinger Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Acompanhamento e avaliação da Atenção Primária / Conselho Nacional de Secretários de Saúde. – Brasília : CONASS, 2004. XXX p. (CONASS Documenta ; 7) ISBN 85-89545-04-0 SUS (BR). 2. Medicamentos. I. Título. II. Série. NLM WA 525 Presidente Gilson Cantarino O’Dwyer - RJ Vice-Presidentes Álvaro Antônio Melo Machado - AL Fernando Agostinho Cruz Dourado – PA João Paulo Barcellos Esteves - MS Osmar Terra - RS Secretários Estaduais de Saúde AC - Cassiano Figueira Marques de Oliveira AL - Álvaro Antônio Melo Machado AP – Cláudio Antônio Leão Costa Secretário Executivo Ricardo F. Scotti AM – Wilson Alecrim BA - José Antônio Rodrigues Alves CE - Jurandi Frutuoso Silva DF - Arnaldo Bernardino Alves Assessoria Técnica Ana Luiza Wenke Motta de Castilho Déa Mara Carvalho Gisele Onete Marani Bahia Júlio Strubing Müller Neto Luis Fernando Rolim Sampaio Márcia Cecília Huçulak Regina Helena Arroio Nicoletti René José Moreira dos Santos Rita de Cássia Bertão Cataneli Viviane Rocha de Luiz ES - João Felício Scárdua GO - Fernando Passos Cupertino de Barros MA – Helena Maria Dualibe Ferreira MG - Marcus Vinicius Pestana da Silva MT - Marcos Henrique Machado MS - João Paulo Barcellos Esteves PA - Fernando Agostinho Cruz Dourado PB - José Joácio de Araújo Morais PE - Guilherme José Robalinho PI - Bruno Cristiano de Souza Figueiredo PR - Cláudio Murilo Xavier RJ - Gilson Cantarino O´Dwyer Apoio Administrativo Adriano Salgado de Farias Carolina Abad Cunha Júlio Barbosa de Carvalho Filho Luciana Toledo Lopes Lucileia de Souza Santos Paulo Arbués Carneiro Sheyla Cristina Ayala Macedo RN - Ivis Alberto Lourenço Bezerra RO - Milton Luis Moreira RR – Lúcio Elber Licarião Távora RS - Osmar Terra SC – Luis Eduardo Cherem SE - Eduardo Alves Amorim SP - Luiz Roberto Barradas Barata TO - Petrônio Bezerra Lola conass documenta . n7 4 conass documenta . n7 SUMÁRIO PG 5 Introdução Apresentação 6 9 O Papel das Secretarias Estaduais de Saúde no Acompanhamento e Avaliação da Atenção Primária à Saúde: Contribuições para Discussão 21 Introdução 22 1 - A APS no contexto atual dos Sistemas de Saúde 23 2 - A responsabilidade do Gestor Estadual e o Papel das SES na APS 32 3 - Referências 38 Atenção Primária nas Secretarias Estaduais de Saúde: um Diagnóstico Preliminar 42 Avaliação da Atenção Primária: uma breve aproximação de conceitos e caminhos 43 1. Referencial Teórico sobre monitoramento, avaliação e controle 51 2. Concepção e Conceituação de avaliação da Atenção Primária 55 3. Metodologias de avaliação e monitoramento da Atenção Primária 69 4. Como observação final para refletirmos juntos: visita a um restaurante 71 5. Referências Apresentação O CONASS tem pautado suas ações através da construção de consensos, e um dos marcos dessa sua proposta foi o 1º Seminário realizado em Sergipe, em julho de 2003, que definiu as prioridades e propostas dos Secretários Estaduais de Saúde concernentes à Organização, Gestão e Financiamento do SUS. A Atenção Primária foi uma das áreas eleitas pelos Secretários como prioritária, o que denota a preocupação dos gestores estaduais com a integralidade das ações e para a qual foi feito um Seminário específico para a construção de consensos, em 27 e 28 de Novembro de 2003, na Bahia. Por outro lado, o CONASS, com o objetivo de criar condições favoráveis para o melhor desempenho das funções e responsabilidades das Secretarias Estaduais, propôs, através do PROGESTORES, o Projeto de Fortalecimento das Secretarias Estaduais de Saúde para Cooperação Técnica com os Municípios, com ênfase na Regionalização da Assistência e na Gestão da Atenção Primária. Esse projeto compõe-se dos seguintes objetivos: diagnóstico da estrutura das SES para acompanhamento e avaliação da Atenção Primária, nos Municípios; identificação de documentos, instrumentos e processos utilizados para esse fim, os quais contribuirão para a definição de prioridades e de uma agenda de trabalho; disponibilizar textos de apoio para as equipes das SES elaborarem proposta de metodologia de avaliação e acompanhamento da Atenção Primária; organização de uma oficina de trabalho do CONASS, com técnicos das SES, objetivando oferecer subsídios para a consolidação do processo de monitoramento e avaliação nas estruturas das SES; elaboração de material de apoio para as SES desenvolverem cooperação técnica com as Secretarias Municipais de Saúde, no que concerne à Atenção Primária. Esse documento contempla o resultado do levantamento da área de Atenção Primária nas Secretarias Estaduais de Saúde, especificamente relativo às questões de monitoramento e avaliação e procura oferecer, através de textos elaborados por autores convidados pelo CONASS, subsídios às equipes estaduais para elaboração de instrumentos e metodologias de monitoramento e avaliação da área de Atenção Primária, visando fortalecer o papel dos estados na cooperação técnica com os municípios. Gilson Cantarino O`Dwyer Presidente do CONASS conass documenta . n7 5 6 conass documenta . n7 Introdução No 1º Seminário do CONASS para construção de consensos – Organização, Gestão e Financiamento do SUS, realizado em Sergipe, de 10 a 12 de Julho de 2003, os Secretários Estaduais estabeleceram, como uma das prioridades, o “fortalecimento da Atenção Primária, entendendo-a como eixo fundamental para a mudança de modelo assistencial”.1 Os gestores estaduais concordam que a gestão e a execução das ações e serviços de Atenção Primária são responsabilidades inerentes ao gestor municipal, e definiram como da esfera estadual as macrofunções de formulação da política, de planejamento, de co-financiamento, de formação, capacitação e desenvolvimento de recursos humanos, de cooperação técnica e de avaliação, no âmbito do território regional e estadual. Para os gestores estaduais, são atribuições das Secretarias Estaduais de Saúde na Atenção Primária: co-financiar a Atenção Primária, a partir de critérios e de plano de investimento, definidos pela gestão estadual; garantir a eqüidade na oferta de serviços de Atenção Primária; promover cooperação técnica com os municípios, com orientação para a organização dos serviços de Atenção Primária que considere a incorporação de novos cenários epidemiológicos; promover a capacitação e o desenvolvimento de recursos humanos na Atenção Primária, com ênfase em: - educação permanente; - assessoramento aos municípios nas questões legais de contratação de pessoal (discutir normas, salários regionais, execução de concursos); realizar acompanhamento, avaliação e regulação dos serviços de Atenção Primária, visando sua qualificação; executar ações da Atenção Primária de forma suplementar ou transitória, nos municípios que não desempenham sua responsabilidade na área. Atendendo às deliberações dos Secretários, o CONASS constituiu grupo de trabalho para discussão de metodologias e instrumentos para acompanhamento, 1 Progestores - 1º seminário para construção de consensos avaliação e regulação da Atenção Primária, e realizou o 2º Seminário para construção de consensos – Atenção Primária, precedido por uma oficina com os Coordenadores Estaduais de Atenção Básica, na qual foi realizado um diagnóstico da situação da área de Atenção Primária das Secretarias Estaduais e cujas conclusões estão publicadas no CONASS - Documenta número 2: Atenção Primária – Seminário do CONASS para a construção de consensos. Além disso, outras duas linhas de trabalho direcionadas para a Atenção Primária nas Secretarias Estaduais estavam em desenvolvimento pelo CONASS: 1. O projeto de Fortalecimento das Secretarias Estaduais de Saúde para Cooperação Técnica aos Municípios, com ênfase na Regionalização da Assistência e na Gestão da Atenção Primária, através do PROGESTORES2 , componente II, que tem como um dos seus produtos a realização de uma oficina para os técnicos das Secretarias Estaduais, visando aprofundar as questões referentes ao monitoramento e avaliação das coordenações de Atenção Primária sobre este tema, e à elaboração de material de apoio. 2. A elaboração de um projeto com o foco no intercâmbio de tecnologias e na avaliação da Atenção Primária à Saúde (APS), como parte de uma proposta de cooperação entre o CONASS e os Programas Internacionais do Departamento de Medicina de Família e Comunidade da Universidade de Toronto. O projeto inicial era ambicioso no sentido de sua amplitude técnica, no âmbito da Atenção Primária, constituindo-se de quatro fases: 1 - Diagnóstico da atual situação do acompanhamento da Atenção Básica/ Programa de Saúde da Família (AB/PSF) pelas Secretarias Estaduais; 2 - Formação das equipes de coordenação do projeto e do comitê consultivo; 3 - Desenvolvimento da proposta metodológica de acompanhamento e avaliação da Atenção Básica; 4 - Capacitação de equipes estaduais. A presença de pesquisadores brasileiros no Canadá, nesse período, em contato com uma referência técnica permanente no CONASS facilitou a cooperação e a elaboração do instrumento que permitiu o diagnóstico apresentado nesse documento. Paralelamente às atividades já em desenvolvimento pelo CONASS, o Ministério da Saúde apresentou a proposta de institucionalização das ações de monitoramento e avaliação da Atenção Primária pelas Secretarias Estaduais de Saúde em todos os municípios brasileiros, através do redirecionamento dos recursos do PROESF – Projeto de Expansão e Consolidação do Programa de Saúde da Família, componente III, aprovado em reunião da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) de 12/02/2004. Com isso ocorreram alguns redirecionamentos nas linhas de trabalho anteriormente citadas. 2 Programa de Informação e Apoio Técnico às Equipes Gestoras Estaduais do SUS conass documenta . n7 7 8 conass documenta . n7 Como parte do PROGESTORES, e procurando municiar de informações o CONASS e as equipes técnicas das Secretarias Estaduais, como subsídio ao processo de implantação do monitoramento e avaliação da APS, bem como possibilitar a produção de desenhos de cooperação estratégica nesse campo, o CONASS solicitou a consultores a produção de textos que abordem o papel das Secretarias Estaduais no acompanhamento e avaliação da Atenção Primária à Saúde e tragam um referencial teórico sobre o monitoramento, avaliação e controle. O documento ora apresentado contém os textos e o diagnóstico acima citados, que foram apresentados e discutidos na OFICINA CONASS - MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA, realizada nos dias 6, 7 e 8 de junho de 2004, em Brasília/DF, com os Coordenadores Estaduais de APS das SES. O CONASS acredita que o processo de acompanhar, monitorar e avaliar as ações e os serviços da Atenção Primária contribui para o aprimoramento das estruturas, processos e resultados da estratégia, ampliando e fortalecendo a cooperação entre as Secretarias Estaduais e os municípios, o que refletirá na ampliação do acesso e qualificação da atenção prestada à população, nos serviços de saúde. Nesse sentido, este documento, em muito, pode contribuir para a elaboração dos Planos Estaduais para o fortalecimento das ações de monitoramento e avaliação da Atenção Primária pelas Secretarias Estaduais de Saúde. Atenção Primária nas Secretarias Estaduais de Saúde: Um diagnóstico preliminar Sumário metodológico O instrumento utilizado para esse diagnóstico, como citado anteriormente, foi desenvolvido a partir da experiência dos pesquisadores canadenses e brasileiros, de informações de técnicos do CONASS e dos relatórios de seminários de consenso e reuniões do comitê de Atenção Primária do CONASS, que apontavam algumas das dificuldades que vinham sendo enfrentadas pelas SES. Trata-se de um questionário semiestruturado, distribuído durante a Oficina de Monitoramento e Avaliação da Atenção Primária à Saúde do CONASS, realizada nos dias 06 e 07 de julho de 2004 em Brasília. Apenas três estados não responderam Acre, Amazonas e São Paulo. Dessa forma o universo da pesquisa é de 23 estados e o distrito federal, totalizando 24 unidades federadas. A proposta inicial era aplicar o questionário não só nos níveis centrais das SES, mas também em suas regionais, considerando esse um ponto crítico já apontado por alguns estados. Entretanto, para esse primeiro momento, foram consolidados os dados das respostas dos níveis centrais das SES. Resultados e discussão Papel das SES na APS Na discussão do papel das SES no acompanhamento, monitoramento e avaliação das equipes de Atenção Básica e PSF, nos municípios, foram reafirmadas as proposições do Seminário do CONASS para construção de consensos, realizado em Salvador, em 2003 (CONASS, 2004). Levantou-se a importância de institucionalizar a avaliação e o monitoramento na estrutura das SES, de forma coordenada com as estruturas regionais, onde elas existam. A capacitação das equipes das SES em monitoramento e avaliação da APS, tanto no nível central quanto nos níveis regionais, foi apontada como uma prioridade. À SES foi atribuído o papel de definidor de políticas, norteador, cooperador, cofinanciador e orientador para os municípios no planejamento, desenvolvimento, execução e fortalecimento da APS, e na avaliação, regulação e monitoramento, incluindo a conass documenta . n7 9 10 conass documenta . n7 definição de instrumentos e metodologias de avaliação. Foi destacada a importância de se delimitar as ações estratégicas da Atenção Básica com base estadual, como também do seu papel de assessoria e apoio técnico-administrativo para organizar esses serviços nos municípios. Também, foram apontadas, como papéis das SES no monitoramento e avaliação da APS, a supervisão das equipes de Saúde da Família e de Saúde Bucal, a realização de curso básico do PSF para municípios e a disponibilização de capacitação nas áreas estratégicas da Atenção Básica para as equipes municipais. Infra-estrutura de pessoal para monitoramento e avaliação Em relação à estrutura disponível para o trabalho de monitoramento e avaliação, verificou-se que 71% das SES dispõem de equipe para tal, mas que não se dedicam somente a essas ações. Em 17%, ou seja, em apenas quatro SES, existe equipe específica para tais atividades, 8%, ou duas SES têm uma pessoa de referência e, 4%, uma SES não tem equipe ou pessoa de referência para a realização das ações de monitoramento e avaliação da Atenção Primária. A questão da estrutura física e de pessoal, ou seja, a quantidade de funcionários e a necessidade de sua qualificação foi apontada como o principal problema a ser superado pelas SES. GRÁFICO 1 – Infra-estrutura de pessoas para monitoramento eavaliação da APS nas SES – 2004 Fonte: dados da pesquisa Em razão da expectativa de um grande volume de trabalho operacional e analítico, no monitoramento e avaliação da APS, nos territórios estaduais, esperava-se um maior número de equipes específicas nos níveis centrais das SES. Essa situação fica ainda mais grave quando se avaliam as informações dadas acerca das regionais de saúde. Excetuando as cinco SES (21%) que não possuem estruturas regionais nos estados, treze secretarias (54%) informaram que tem equipe mista que não faz apenas as ações de monitoramento e avaliação da APS, quatro SES (17%) tem uma pessoa de referência, e duas SES (8%) não tem equipe ou pessoa de referência. Em nenhum estado pesquisado foi apontada a presença de equipes específicas de avaliação, nas regionais de saúde. GRÁFICO 2 – Infra-estrutura de pessoas nas estruturas regionais das SES para monitoramento e avaliação da APS - 2004 Fonte: dados da pesquisa Quanto à utilização de padrão para a definição do número de avaliadores estaduais, 41%, ou seja, dez SES, participantes da amostra apontaram que existem critérios para essa definição, 38%, ou nove SES, não utilizam padrão, e 21%, ou cinco SES não responderam essa questão. Entretanto, ao analisar esses critérios, verifica-se que estes apontam para quantitativos numéricos de 1 a 3 pessoas para cada estrutura regional. Afirma-se que a implantação do PACS/PSF fez emergir a necessidade de uma coordenação regional para acompanhamento do programa nos municípios, e que os Planos Diretores de Regionalização e a divisão dos estados em microrregiões e regiões foram importantes na definição dessas equipes. O número de equipes de Saúde da Família, e a necessidade de incorporação de técnicos de diferentes áreas da SES, também foram apontados como critérios utilizados na definição de equipes regionais de monitoramento e avaliação da APS. conass documenta . n7 11 12 conass documenta . n7 GRÁFICO 3 – Utilização de padrão para distribuição de equipes regionais para monitoramento e avaliação da APS nas SES -2004 Fonte: dados da pesquisa Quanto à realização de treinamentos específicos para as equipes responsáveis pelo monitoramento e avaliação, verificou-se que 58%, ou quatorze SES, não realizaram treinamentos. Apenas 17%, ou seja, quatro SES realizaram treinamentos específicos para as equipes. Seis (25%) das SES não responderam a essa questão. As quatro SES que realizaram treinamentos relataram a utilização de formato presencial, sendo a própria SES a instituição responsável pelo mesmo. Em apenas uma Secretaria, além do treinamento presencial, foram utilizados mecanismos de educação a distância em cooperação com instituições acadêmicas. Nessas quatro secretarias, o número de profissionais treinados variou de 10 a 150, sendo o último treinamento realizado nos anos de 2003 e 2004. A duração do treinamento foi de até 40 horas para três SES, e mais de 40 e menos de 120 para uma SES. GRÁFICO 4 – Realização de treinamento específico para as equipes de monitoramento e avaliação da APS nas SES - 2004 Fonte: dados da pesquisa Avaliando o quadro 1, em que se buscou mensurar o conhecimento dos avaliadores estaduais em relação a conceitos ligados a monitoramento e avaliação da APS, verifica-se que conceitos complexos como os de acessibilidade, promoção da saúde e eqüidade foram apontados como os mais bem conhecidos das equipes. Destaca-se que o bloco de componentes de qualidade em saúde, conceitos e métodos de avaliação e monitoramento são os temas menos conhecidos. Isso demonstra a necessidade de envidar esforços na definição de conceitos do campo da avaliação. QUADRO 1 - Nível de informação dos avaliadores sobre temas ligados à avaliação da Atenção Primária Primeiro contato / acessibilidade Promoção da saúde Eqüidade Territorialização Integralidade Coordenação Vigilância da saúde Atuação interdisciplinar Programação e planejamento Acolhimento Mobilização e participação comunitária Continuidade / longitudinalidade Qualidade em Saúde Conceitos em avaliação em saúde Monitoramento e controle Métodos para avaliação em saúde 81 81 80 80 78 77 77 75 73 73 72 69 65 63 63 62 Fonte: dados da pesquisa Classificação do mais conhecido para o menos conhecido a partir da seguinte pontuação: conhecem muito bem: 4 pts; conhecem razoavelmente: 3 pts; ouviram falar: 2 pts; não conhecem: 1 pt; Total de 96 pontos. Infra-estrutura – recursos materiais Para a ampliação da capacidade de avaliação das SES, na APS, é importante considerar a possibilidade de acesso à internet, para transmissão de informações, comunicação e também educação permanente das equipes. Considerando a capilaridade da Atenção Básica - responsabilidade de todos os municípios - e a dimensão continental do país, o acesso à internet torna-se uma ferramenta imprescindível para as SES e estruturas regionais executarem essa função. Em 92%, ou vinte e duas secretarias o acesso fácil à internet é considerado satisfatório para as equipes que desenvolvem trabalhos de acompanhamento da APS, nos níveis centrais das SES, na comunicação com os municípios, entre as regionais e com o conass documenta . n7 13 14 conass documenta . n7 nível central da SES e outras instituições. Em 8%, ou duas secretarias, o acesso à internet não foi considerado adequado. GRÁFICO 5 – Disponibilidade de acesso fácil à internet para equipes de acompanhamento da APS, nas SES – 2004 Fonte: dados da pesquisa Essa mesma realidade não se reflete nas estruturas regionais, para as quais no mínimo, 41%, ou dez respostas foram negativas nessa questão, refletindo a necessidade de maior disponibilidade de acesso à internet pelos níveis regionais da SES. Nove respostas, ou 38%, consideraram o acesso fácil nas regionais, sendo que 21%, ou cinco secretarias, não responderam a essa questão. A ausência desse instrumento, hoje, considerado básico para o trabalho e educação permanente dos avaliadores, reforça a necessidade de ampliação da capacidade operativa das estruturas regionais. GRÁFICO 6 – Disponibilidade de acesso fácil à internet para equipes regionais de acompanhamento da APS, nas SES - 2004 Fonte: dados da pesquisa Problemas identificados A identificação de problemas enfrentados pelas equipes estaduais no processo de acompanhamento e avaliação da APS demonstra que há persistência dos já apontados em discussões do CONASS, em 2003. É importante destacar que não foi sugerida a inclusão de nenhum problema novo além dos resgatados em documentos anteriores pelos pesquisadores. O ordenamento dos problemas, segundo sua prioridade e importância, permitiu a construção de um escore, conforme apresentado no Quadro 2. Dessa maneira, entre os problemas muito importantes, destacam-se a falta de treinamento e insuficiência de recursos humanos. Esse dado, associado à ausência de capacitações para as equipes, como apontado anteriormente, reafirma a necessidade de investir nesse campo. A terceira questão apontada como muito importante foi a falta de articulação política interna nas SES. Isso reflete a dificuldade, explicitada em outros momentos pelas pessoas responsáveis pela avaliação de Atenção Básica nas SES, em trabalhar operacionalmente com o princípio da integralidade na APS. A questão que se coloca é como superar a divisão programática cristalizada no SUS, que impede a articulação e viabilização da APS como proposta estruturante. Essa é uma tarefa hercúlea, sendo necessária, para desempenhá-la, uma grande contribuição dos atores que participam desse momento de reafirmação da APS, nas SES. O sucesso traria importantes desdobramentos aos demais níveis de atenção do SUS. A dispersão da avaliação, em diferentes áreas das SES, foi apontada como a quarta questão mais importante. Essa preocupação pode sugerir uma tendência das pessoas a imaginar que uma boa opção seria agrupar a avaliação em uma grande área na conass documenta . n7 15 16 conass documenta . n7 SES, como estratégia para sua viabilização. Essa estratégia, entretanto, não tem obtido consenso nas discussões. Problemas de infra-estrutura física aparecem também na categoria de média importância, demonstrando que as questões tanto de infra-estrutura de recursos humanos como de materiais e equipamentos ainda são de alta relevância. Reforça essa tese a dificuldade de acesso à internet por parte das equipes de APS nas estruturas regionais das SES, apontada anteriormente. A autonomia dos municípios na sua relação com as SES é uma discussão polêmica, que surge com freqüência nos fóruns estaduais. Tal problema foi delineado, em uma das respostas, como relação direta dos grandes municípios com o Ministério da Saúde, sem a participação das SES. Essa questão, também, foi apontada nas discussões da “Oficina de Monitoramento e Avaliação da APS”, sendo reforçada, em alguns momentos, pelo desenho do componente 1, do PROESF. QUADRO 2 – Principais problemas enfrentados pelas equipes estaduais na avaliação da APS, segundo ordem de importância - 2004 Problema Importante a. Treinamento b. Autonomia municipal c. Articulação SES d. Dispersão de áreas e. Estrutura física f. Recursos humanos 12 1 12 5 5 13 Média importância 7 10 8 17 12 6 Pouco importante 4 12 4 1 6 4 Fonte: dados da pesquisa Avaliação da APS A maioria absoluta, 92%, ou vinte e duas SES, já realiza a avaliação da APS. Apenas duas (8%) das SES apontaram que não o fazem. A periodicidade da avaliação apresenta diferentes padrões, sendo, em sua maioria, (55%) as SES realizam anualmente. Também, são significativas as avaliações semestrais (20%), ou quatro SES, e mistas, que incluem mensais, trimestrais, semestrais e anuais são realizadas, em cinco SES (25%). GRÁFICO 7 – Realização de avaliação da APS pelas SES e periodicidade – 2004 AVALIAÇÕES AB / APS REGULARIDADE Fonte: dados da pesquisa Nas duas perguntas em que se faz a solicitação de uma breve descrição da metodologia utilizada atualmente para, respectivamente, avaliação e monitoramento, percebe-se claramente uma dificuldade conceitual e de definição metodológica nas respostas. Mesmo assim, praticamente todos os estados citam diretamente o Pacto da Atenção Básica como componente operacional da avaliação, fazendo ressalvas ao formato cartorial do processo de sua realização. Também, são citados a Programação Pactuada e Integrada da Epidemiologia e Controle de Doenças (PPI-ECD), e a utilização dos sistemas nacionais de informação (SINASC, SIM, SINAN, SIAB SIH). Vários estados citaram a continuidade de utilização do instrumento de monitoramento aplicado pelo Ministério da Saúde, em 2001-2002. São citadas, ainda, realização de oficinas regionais e visitas in loco, no caso das equipes de saúde da família. Destaca-se que os termos “pontual” e “esporádico” aparecem com grande freqüência nas descrições de metodologia. conass documenta . n7 17 18 conass documenta . n7 Em relação à utilização de indicadores para avaliação da APS, destaca-se que todas as SES pesquisadas utilizam-se de parte ou da totalidade dos indicadores do Pacto da Atenção Básica para seu trabalho. Isso reforça a importância desse instrumento pelo seu grau de institucionalização e também pela sua abrangência. Os indicadores do SIAB são citados por 79% das SES, ou seja 19 estados. Em relação ao indicador de satisfação do usuário, apenas o estado do Ceará registrou sua utilização. É importante destacar que quase 50% dos estados apontaram a utilização de indicadores estaduais específicos e/ou outros, e a maioria deles inclui indicadores da PPI ECD. Analisando a periodicidade da análise dos indicadores, construção de relatórios e sua divulgação, verifica-se que, agrupando a totalidade ou parte dos indicadores do pacto da Atenção Básica, cerca de 20% das SES o faz mensalmente, 30%, semestralmente e 50%, anualmente. Apenas três SES (13%) relataram não fazer divulgação dos resultados do trabalho de análise. Já os indicadores do SIAB são analisados em doze (50%) SES, mensalmente, em três (13%), semestralmente e em quatro (17%), anualmente, não sendo analisados em cinco (21%) SES. Apesar de a análise ocorrer em dezenove (80%) SES, sete (29%) delas não consolidam relatórios e onze (45%) não divulgam os resultados das análises. Vários pontos poderiam ser levantados em relação aos resultados relatados. Destacam-se três deles, pela sua relevância: 1. a necessidade de análise mais detalhada da conveniência de avaliações mensais de indicadores como rotina, por parte das SES; 2. o potencial do pacto de Indicadores da Atenção Básica, como um instrumento de abrangência nacional que produz análise, relatórios e divulgação dos resultados. A pactuação das três esferas de governo potencializa o processo até a divulgação dos resultados; 3. a instituição de indicadores estaduais específicos em oito estados demonstrando um avanço do comprometimento das SES para o fortalecimento e a qualificação da APS, bem como da capacidade do SUS no respeito às diferentes situações regionais de saúde. GRÁFICO 8 – Indicadores acompanhados em relação ao quantitativo de SES na avaliação e monitoramento da APS – 2004 Fonte: dados da pesquisa Nesse mesmo sentido, pode-se verificar que quase a metade das SES (42%), definiu prioridades estratégicas além das definidas como prioridades nacionais, e 54%, ou treze secretarias, não têm prioridades definidas diferentes daquelas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, para a área, 4%, ou uma SES não respondeu essa questão. conass documenta . n7 19 20 conass documenta . n7 GRÁFICO 9 – Percentual das SES que definiram prioridades para a APS diferentes das definidas pelo Ministério da Saúde - 2004 Fonte: dados da pesquisa Conclusão Os resultados discutidos demonstram que o monitoramento e avaliação ainda são incipientes, na maioria das SES. É necessário que essas se fortaleçam institucionalmente, para o bom desempenho da função. A importância das SES, nesse processo, é incontestável, tendo em vista a capilaridade da APS, responsabilidade de todos os municípios brasileiros, em contraste com a baixa capacidade da maioria dos municípios na organização de seus sistemas de saúde. Dessa maneira, as SES e suas estruturas regionais, em especial no caso dos pequenos municípios, são o recurso institucional mais próximo, sendo os responsáveis pelo fortalecimento e consolidação de uma APS de qualidade, no país. O Papel das Secretarias Estaduais de Saúde no Acompanhamento e Avaliação da Atenção Primária à Saúde: Contribuições para Discussão Luis Fernando Rolim Sampaio Assessor técnico do CONASS, mestre em Saúde Coletiva conass documenta . n7 21 22 conass documenta . n7 Introdução O processo de implantação do Sistema Único de Saúde, em curso no Brasil, representa um movimento de reforma setorial dos mais expressivos já realizados no país. São visíveis os significativos avanços alcançados pelo sistema público de saúde brasileiro na universalização do acesso aos serviços de saúde, no processo de descentralização, no controle social, entre outros, significando um acúmulo de capital social para o país. Há que se destacar que um importante componente desse processo foi a decisão de priorização da Atenção Primária à Saúde1 para a reorganização dos sistemas de saúde, tendo como estratégia operacional o Programa de Saúde da Família. Visando fortalecer o papel das Secretarias Estaduais de Saúde na Atenção Primária à Saúde, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde - CONASS constituiu um grupo de trabalho com o objetivo de discutir esse tema no âmbito dos estados. Deve-se considerar que uma das principais dificuldades que vêm sendo apontadas pelos gestores estaduais, nesse campo, é a formulação de metodologias e definição de instrumentos para a avaliação da Atenção Primária à Saúde - APS. Outras dificuldades podem ser apontadas, como a falta de iniciativa própria e de cultura institucional da Secretaria Estadual de Saúde para desenvolver métodos e instrumentos de avaliação, mantendo dependência às iniciativas do Ministério da Saúde; o relacionamento direto do Ministério da Saúde com os municípios, dificultando a inserção das Secretarias Estaduais de Saúde no processo de acompanhamento, controle e avaliação; e a ausência de equipes técnicas qualificadas (CONASS, 2003). Na busca da superação das dificuldades elencadas, as Secretarias Estaduais de Saúde e o CONASS têm aprofundado o debate sobre competências e responsabilidades dos estados na Atenção Primária à Saúde. Esse texto apresenta uma sintética revisão de bibliografia para nortear o entendimento de Atenção Primária. A seguir, levanta alguns pontos relativos ao processo de implantação e qualificação da APS na perspectiva dos estados, destacando o papel e as repercussões da ação das SES na APS, a avaliação e o monitoramento, os sistemas e a gestão das informações, as Comissões Intergestores Bipartite e a cooperação técnica com os municípios na Atenção Primária à Saúde. Espera-se que essa seja uma contribuição para as equipes estaduais, visando reforçar a identidade estadual na Atenção Primária à Saúde, ou seja, o desenvolvimento de um olhar próprio dos estados no processo de cooperação entre os entes federados, para consolidação da APS no SUS. 1 Atenção Primária a Saúde vem sendo chamada, no Brasil, de Atenção Básica e nesse documento, os dois termos serão tratados como sinônimos. 1. A APS no contexto atual dos Sistemas de Saúde Existe um considerável consenso entre os tomadores de decisão em saúde, em diversos países, que a Atenção Primária à Saúde é um componente essencial para um bom desempenho dos sistemas de saúde. Acumulam-se evidências de que nos sistemas nacionais de saúde, orientados pelos princípios da Atenção Primária, os custos são menores, há maior satisfação dos usuários e alcançam-se melhores indicadores de saúde, mesmo em situações de grande iniqüidade social (SHI 1992, 1999; STARFIELD, 1994, 2002; MACINKO 2003; WHO EUROPE, 2004). Nesse contexto, a Atenção Primária à saúde vem sendo colocada como uma megatendência dos sistemas de saúde no mundo (RUBINSTEIN, 2001). Essa realidade vem sendo reconhecida recentemente por governos e instituições internacionais (ZURRO, 1999; STARFIELD, 2002; OPAS, 2003; WHO, 2003; WHO EUROPE 2004). Entretanto, esse mesmo consenso não existe quando se fala em mecanismos operacionais para esses objetivos comuns (SALTMAN, 2004). 1.1 Definindo Atenção Primária Diferentes interpretações de Atenção Primária à Saúde são apresentadas na literatura nacional e internacional. Em 1986, Vuori apontou quatro diferentes interpretações para a APS: um conjunto de atividades, como sugerido na declaração de alma-ata; um nível do cuidado dentro do sistema de saúde, em que as pessoas têm seu primeiro contato com o sistema; uma estratégia para organização dos serviços de saúde, funcionalmente integrada no sistema de saúde, que permita o acesso ao cuidado, tenha relevância dentro das necessidades da população, seja baseada na participação da comunidade, tenha uma boa relação custo efetividade e seja caracterizada pela colaboração entre todos os setores da sociedade. Isso requer reorientação de pessoal e recursos da atenção secundária e terciária para a Atenção Primária; uma filosofia que deve permear todo o sistema de saúde. Nesse sentido, um país pode considerar-se como praticante da aps se todo seu sistema de saúde for caracterizado por justiça social, eqüidade, solidariedade internacional, auto-responsabilidade e aceitação de um conceito ampliado de saúde. conass documenta . n7 23 24 conass documenta . n7 Essa classificação foi detalhada por Starfield (1993), colocando a APS como uma estratégia organizativa da atenção à saúde, definida pelos princípios e diretrizes que esses serviços devem proporcionar, como: atenção generalizada, não restrita a grupos de idade, gênero ou problemas de saúde; atenção acessível, integrada e continuada, trabalho em equipe; atenção centrada na pessoa e não na enfermidade; atenção orientada à família e à comunidade; atenção coordenada, incluindo o acompanhamento do usuário nos outros níveis de atenção; e apoio constante aos usuários nos aspectos relacionados à sua saúde e bem-estar. Segundo Zurro (1999), são interpretações equivocadas as que consideram a APS como assistência de baixa qualidade, medicina pobre e rudimentar para povos e cidadãos pobres, e que são direcionadas a uma análise primordialmente economicista dos serviços de saúde. No Brasil, também, são apresentadas diferentes interpretações para a APS. “Os cuidados primários de saúde, ao assumirem na primeira metade da década de oitenta um caráter de programa de medicina simplificada para os pobres de áreas urbanas e rurais, em vez de uma estratégia de reorientação do sistema de serviços de saúde”, acabou por afastar o tema do centro das discussões à época (PAIM, 1998, p.10). Ainda hoje, persiste a acepção de programa focalizado, apesar da “superioridade conceitual da versão da Atenção Primária como estratégia de reformulação de todo o sistema de saúde” (MENDES, 1996, p.272). Pragmaticamente, pode-se adotar a conceituação de estratégia para o reordenamento do nível de Atenção Primária, com potencial de catalisar o reordenamento dos outros níveis. É interessante observar que a utilização, pelo Ministério da Saúde, do termo Atenção Básica para designar Atenção Primária apresenta-se como reflexo da necessidade de diferenciação entre a proposta do PSF e a dos cuidados primários de saúde, interpretados como política de focalização e como atenção primitiva à saúde (TESTA, 1987). Dessa maneira criou-se, no Brasil, uma terminologia própria, importante naquele momento histórico (SOUZA, 2004). Nos dias de hoje, alguns autores já vêm utilizando a terminologia internacionalmente reconhecida de Atenção Primária (MENDES, 2003). O CONASS, também, definiu essa terminologia como a mais adequada e chegou ao seguinte conceito, adotado pelos Secretários Estaduais de Saúde: Atenção Primária à Saúde é um conjunto de intervenções de saúde no âmbito individual e coletivo que envolve promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. É desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios (território processo) bem delimitados, pelas quais essas equipes assumem responsabilidade. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de saúde das populações de maior freqüência e relevância. É o contato preferencial dos usuários com os sistemas de saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, acessibilidade (ao sistema), continuidade, integralidade, responsabilização, humanização, vínculo, eqüidade e participação social. A APS deve considerar o sujeito em sua singularidade, complexidade, integralidade e inserção sóciocultural, e buscar a promoção de sua saúde, a prevenção e tratamento de doenças e a redução de danos ou de sofrimentos que possam comprometer suas possibilidades de viver de modo saudável (CONASS, 2004). Na operacionalização desses princípios, tem-se, no Brasil, como estratégia prioritária, o Programa de Saúde da Família. A Saúde da Família, apesar de não ser a única estratégia quando se analisam as experiências dos diversos municípios brasileiros, é, sem dúvida, hoje, a de maior abrangência (Souza & Sampaio, 2002; MENDES, 2003). Mendes propõe um modelo de análise do processo de implantação do PSF no SUS, que conta com quatro momentos: o de transição incipiente, o de transição intermediária, o de transição terminal e o de consolidação. “Esses momentos caracterizam-se por singularidades que se manifestam numa dimensão horizontal de extensão, indicada pela cobertura populacional do PSF, e numa dimensão vertical de profundidade, dada pelo grau de institucionalização do PSF” (MENDES, 2002 p. 31). O autor aponta que o PSF se encontra atualmente no momento de transição intermediária, em que ainda existe pouca sustentabilidade endógena do processo e que é ainda fortemente dependente de estímulos externos. Nesse sentido o autor defende que se avance na melhoria da qualidade da Atenção Primária, na “totalidade das unidades básicas do país, com sistemas de incentivos dirigidos exclusivamente à expansão de equipes do PSF e à conversão do modelo tradicional para o modelo PSF” (MENDES, 2002 p.39). O que se espera de uma estratégia que implemente os princípios da APS é que seja capaz de resolver cerca de 80% da demanda dos serviços de saúde de uma comunidade, já que a maior parte dessa demanda concentra-se em poucos problemas. Sabe-se, por exemplo, que cerca de 50 diagnósticos respondem por mais da metade da demanda das unidades básicas de saúde e que, por sua alta capacidade resolutiva, encaminha somente de 5 a 20% dos casos para serviços de referência (TAKEDA, 2004). O clássico estudo de White, publicado em 1961, demonstrou que de cada 1000 pessoas com mais de 15 anos 750 apresentam algum tipo de sintoma ou problema de saúde durante um mês. Desse grupo, cerca de 500 resolvem o problema por si mesmas, sem assistência médica, e 250 procuram o médico uma ou mais vezes, sendo 9 hospitalizadas e apenas 5 delas encaminhadas ao especialista. Estudo, semelhante, conduzido 40 anos depois, mostrou resultados semelhantes, apesar do enorme volume de incorporação tecnológica ocorrida nesse período. Nesse novo estudo, realizado no final da década de 90, de cada 1000 pessoas acompanhadas no período de um mês, 800 apresentaram algum tipo de sintoma ou problema de saúde, mas somente 217 visitaram o médico e 8 foram hospitalizadas (GREEN, 2001). Isso demonstra claramente a importância e a necessidade de investir nos serviços de Atenção Primária a fim de torná-los resolutivos, como peça chave no processo de conass documenta . n7 25 26 conass documenta . n7 reorganização das redes e sistemas de saúde. Esses serviços devem estar muito bem preparados para resolver todos os problemas de saúde comuns, isto é, que se apresentam com alta freqüência em um determinado território. Pelo fato de serem problemas comuns, muitas vezes são banalizados e entendidos como “coisas simples”, sendo tratados por equipes despreparadas e sem infra-estrutura adequada. Ao contrário, esses problemas, apesar de comuns, muitas vezes exigem das equipes grande habilidade clínica, habilidades comunicacionais e de interação interpessoal e capacidade de negociação individual e coletiva no seu território de atuação. 1.2 Evidências em APS O volume de evidências em relação às vantagens dos sistemas de saúde baseados em APS vem aumentando significativamente, nos últimos anos. Um recente estudo da Divisão Européia da Organização Mundial da Saúde2 levantou evidências para tomadores de decisão na área de políticas públicas de saúde, buscando responder quais as vantagens e desvantagens da reestruturação de sistemas de saúde focados em Atenção Primária (WHO EUROPE, 2004). Foram encontradas evidências da superioridade dos sistemas baseados em APS em várias questões, entre elas: saúde da população e gastos em saúde, eqüidade e acesso, qualidade e eficiência da assistência, custo efetividade e satisfação do usuário (WHO EUROPE, 2004). Em relação à satisfação do usuário, estudos demonstram maior satisfação, de forma geral, nos sistemas de saúde, fortemente baseados em Atenção Primária. Entretanto, a satisfação nos serviços de Atenção Primária varia em relação ao como o serviço é prestado, ao estilo do médico, à disponibilidade dos serviços, entre outros fatores (STARFIELD, 2002; WHO EUROPE, 2004). Na qualidade e custo efetividade da assistência, destaca-se que, apesar de serem poucos os estudos rigorosos disponíveis, comparações entre a assistência baseada em médicos de família3 e especialistas4 evidenciam que a qualidade e os indicadores de 2 Esse estudo encontra-se disponível na Rede de Evidências para Tomadores de Decisão em Saúde no endereço http://www.euro.who.int/eprise/main/who/progs/HEN 3 Os médicos com formação específica em Atenção Primária são também chamados generalistas em alguns países. No Brasil, o Conselho Federal de Medicina reconhece esse profissional como médico de família e comunidade, motivo pelo qual utilizaremos essa nomenclatura no texto. 4 Starfield apresenta diversos estudos comparativos entre os clínicos de adultos, pediatras e outros especialistas e os médicos de família. Para saber mais, veja o capítulo “Profissionais de Atenção Primária, subespecialistas e outros profissionais não médicos”, do livro Atenção Primária: Equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia, publicado pelo Ministério da Saúde e UNESCO, em 2002. resultados da assistência prestada são semelhantes. Entretanto, médicos de família têm vantagens, entre as quais, melhores resultados na continuidade e integralidade da atenção, com melhoria de indicadores de resultados, e maior racionalidade no uso dos recursos dos sistemas de saúde, com redução de custos. A ampliação do acesso a médicos de família resulta em redução das hospitalizações, menor utilização de especialistas e serviços de emergência e menor chance de os pacientes serem submetidos a intervenções desnecessárias. Já o acesso direto a especialistas aumenta o custo e piora a qualidade da assistência (STARFIELD, 2002; WHO EUROPE, 2004). O trabalho em equipe, também, vem sendo destacado como estratégico para a APS. Alguns países, como Finlândia, Espanha e Portugal têm estimulado equipes de APS, como política nacional. Sabe-se, entretanto, da dificuldade de realização desse trabalho de forma eficiente, sendo o mais evidente dos problemas o desafio da comunicação e do intercâmbio de informações para a coordenação da atenção (STARFIELD, 2002). Na realidade, é importante que a Atenção Primária seja prestada por profissionais treinados e habilitados clinicamente para essa prática (STARFIELD, 2002). O Brasil encontra-se no processo de construção de uma estratégia brasileira para APS, que é a saúde da família. Apesar da indisponibilidade, nesse momento, de todos os profissionais devidamente habilitados para tal, não se pode perder de vista a imagem objetivo de um novo cenário, no qual se inverta a relação existente no país entre médicos de Atenção Primária e especialistas, e amplie-se a capacidade resolutiva das equipes multiprofissionais. 1.3 Características da APS Atualmente, quatro características são colocadas como “próprias” da Atenção Primária: primeiro contato, longitudinalidade, integralidade ou abrangência e coordenação (STARFIELD,1992; 2002). O conhecimento dessas características é de extrema importância e serve como um dos referenciais para o processo de avaliação da APS. O primeiro contato remete-se à capacidade de acessibilidade, considerando a estrutura disponível, no sentido da existência de barreiras, sejam na própria unidade prestadora como o exemplo das filas, sejam no transporte, ou sejam até mesmo aquelas de natureza cultural ou lingüística. A proximidade dos serviços da residência dos usuários, preconizada pelo Programa de Saúde da Família - PSF5, é uma tentativa de facilitar esse 5 BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia Prático do Programa de Saúde da Família. Brasília, 2001. 128 p. conass documenta . n7 27 28 conass documenta . n7 primeiro contato. Cabe ressaltar que a organização da Atenção Básica, a partir de unidades de saúde com populações adscritas de 30 a 50 mil pessoas, como acontece em algumas metrópoles brasileiras, ao contrário, pode ser um elemento restritivo ao primeiro contato. Se observarmos os diferentes modelos de prestação de serviços em países que têm a APS como base de seus sistemas de saúde, veremos que a vinculação de usuários segue padrões que não se assemelham a esse (WHO EUROPE, 2004). Assim, é importante avaliar se a capacidade instalada de serviços de Atenção Primária responde ao que se espera destes. O processo de territorialização proposto pelo PSF, realiza esse dimensionamento de acordo com os problemas de saúde mais comuns e com a base populacional a ser atendida, facilitando-o. A utilização de instrumentos de programação das ações para as equipes pode tornar-se, então, uma ferramenta para facilitar o acesso aos serviços (SAMPAIO E MENDONÇA, 2003). Felizmente, a cultura da procura direta pela população por um especialista e da livre demanda, como símbolo da qualidade da atenção, própria do modelo médico hospitalocêntrico, vem sendo questionada. Alguns países, como Austrália, Dinamarca, Finlândia, Inglaterra e Holanda restringem o acesso a especialistas, fazendo o encaminhamento ao médico de família (RUBINSTEIN, 2001), o que tem repercussão direta nos custos e na eficiência do sistema (STARFIELD, 2002). A longitudinalidade poderia ser traduzida como o vínculo, a relação mútua entre o usuário e o profissional de saúde e a continuidade enquanto oferta regular dos serviços. Na saúde da família, as equipes com tempo integral de trabalho dedicado à uma população têm esse fator como um facilitador do processo de vinculação do usuário. Como se sabe, um percentual significativo de profissionais não cumpre a carga horária integral. Isso reforça a necessidade de qualificação dos processos de avaliação e acompanhamento descentralizados, que vêm sendo feitos no SUS, bem como a necessidade de monitoramento constante das equipes, por parte dos gestores municipais e estaduais. Outra importante questão, que dificulta a construção da longitudinalidade, é a alta rotatividade de profissionais. Nas discussões com os profissionais do PSF, isso tem sido creditado à ausência de contratos regulares, através do Regime Jurídico Único ou da CLT, o que dificulta a fixação do profissional, por falta de estabilidade. Entretanto, avaliandose o monitoramento da equipes do PSF, realizado pelo Ministério, em 2001 e 2002, vê-se que, em alguns estados, mais de 50% dos profissionais contratados são estatutários ou celetistas. Isso não quer dizer, entretanto, que esses estados tenham uma maior permanência de profissionais em suas equipes, se comparados aos outros estados que não têm essas modalidades de contratação. É também relevante que a permanência dos profissionais, nas equipes, varie para as diferentes categorias profissionais, sendo menor entre os médicos e maior entre os auxiliares. Torna-se necessário analisar outros fatores, para além da forma de contratação, que possibilitem a fixação desejada dos profissionais. A abrangência envolve a capacidade dos serviços em oferecer o que está planejado. Diz respeito às ações programadas para aquele serviço, à sua adequação às necessidades da população e à sua resposta as essas demandas, enquanto capacidade resolutiva. Nesse sentido, deve ficar claro que as equipes de APS devem encontrar o equilíbrio entre a resolutividade da clínica individual e as ações coletivas de caráter preventivo e promocional, como condição sine qua non para apresentar os resultados esperados. A coordenação da atenção relaciona-se à capacidade do serviço em proporcionar o seguimento do usuário no sistema, ou seja, garantir a referência a outros níveis de atenção, quando necessário. Tal proposição aproxima-se, na vertente dos sistemas de saúde, à integração vertical (MENDES, 2001), enquanto articulação entre os pontos de atenção para garantia da continuidade da assistência na rede de serviços. Alguns esforços têm sido feitos para o dimensionamento da capacidade a ser instalada nos outros pontos de atenção do sistema, a partir da demanda de referência dos serviços de APS (SAMPAIO, 2003). Dessas características “próprias”, derivam três aspectos adicionais: a centralização na família, a competência cultural e a orientação comunitária (STARFIELD, 2002). A centralização na família remete ao conhecimento dos membros da família e dos problemas de saúde dessas pessoas, bem como ao reconhecimento da família, enquanto espaço singular. A competência cultural trata da capacidade de reconhecer as multiplicidades de características e necessidades específicas de subpopulações, que podem estar afastadas dos serviços pelas suas peculiaridades culturais, como diferenças étnicas e raciais, entre outras. A orientação comunitária abrange o entendimento de que as necessidades se relacionam ao contexto social, e que o reconhecimento dessas necessidades pressupõe o conhecimento desse contexto. Ressalta-se que a presença dos Agentes Comunitários de Saúde nas equipes do PSF tem um grande potencial para facilitar a superação de barreiras na integração das equipes às comunidades, nos aspectos da competência cultural e orientação comunitária. A viabilização estratégica da APS, como proposta acima, apresenta entraves diferenciados, entre os países. De um lado, encontram-se aqueles que não possuem infraestrutura de serviços, e onde a pobreza e a falta de condições básicas de saneamento, alimentação, moradia, entre outros, dificultam a viabilização de uma estratégia tão ampla. De outro, nos países desenvolvidos, a inércia dos potentes sistemas de saúde centrados na assistência hospitalar e especializada pode ser o obstáculo principal para a implantação da estratégia (ZURRO, 1999). No Brasil, transitamos entre esses dois extremos, tendo exemplo de ambos se comparamos as diversas regiões do país. conass documenta . n7 29 30 conass documenta . n7 1.4 Os diferentes desenhos organizativos dos serviços de APS Uma grande diversidade dos desenhos organizativos para a prestação de serviços pode ser observada quando se analisam os sistemas de saúde baseados na APS (STARFIELD, 2002; LAMARCHE,2003; SALTMAN,2004; WHO EUROPE, 2004). No Brasil, a descentralização, com gestão municipal dos sistemas de serviços de saúde, torna o território municipal um campo fértil a essa diversidade. Entretanto, se por um lado o respeito às particularidades locais é louvável e necessário, por outro, a responsabilidade de indução de desenhos organizativos, que evidenciem bons resultados, é dos níveis nacional e estaduais, especialmente, quando se sabe que a capacidade em operar sistemas de saúde é muito diversa entre os mais de 5 mil municípios brasileiros. Alguns aspectos, em especial do PSF, são bastante particulares do modelo brasileiro de APS, entre eles: a territorialização com adscrição da clientela, a proposta de trabalho em equipe, a figura do agente comunitário de saúde e a presença maciça de unidades públicas estatais com trabalhadores vinculados ao estado e à carga horária de trabalho. QUADRO 1 - Número absoluto de unidades de Atenção Básica vinculadas ao SUS por tipo de vinculação administrativa. Brasília, 2004. Unidades básicas Centro de Saúde/Unidade Básica Posto de Saúde Unidade de Saúde da Família – isolado VINCULAÇÃO ADMINISTRATIVA Privada Federal Estadual Municipal 259 103 01 34 29 0 402 127 0 22855 10896 66 Total 23550 11155 67 Fonte: CNES/MS, consulta em 15/06/2004. A adscrição da clientela a uma equipe, com uma base territorial bem definida, como proposto pelo PSF, não é uma característica freqüente, em outros países6. Se por um lado, a definição de uma base territorial facilita a atenção com foco na família, por outro, reduz a possibilidade de escolha do usuário. Outra proposta de vinculação de clientela, utilizada especialmente em países europeus e no Canadá, e que vem sendo 6 Aparentemente, é uma herança do modelo do médico de família cubano, que influiu decisivamente nos primeiros momentos do PSF. Chegou-se inclusive a cogitar, à época, a exigência de que os médicos e enfermeiros fossem obrigados a residir na mesma área em que trabalhavam. Essa normativa, entretanto, não chegou a ser efetivamente aplicada (Heloiza Machado de Souza, comunicação direta com o autor). testada em algumas cidades brasileiras é a do cadastramento do usuário pelo médico ou equipe médica de sua preferência, algumas vezes sem nenhuma base territorial específica. Isso amplia a liberdade de escolha do usuário, mas, por outro lado, dificulta, podendo mesmo inviabilizar a proposta de um trabalho com foco na família. A forte presença estatal na prestação de serviços de APS é outro aspecto do sistema de serviços de APS, no país. Isso, muitas vezes, é defendido como um fator facilitador de maior compromisso dessas unidades e desses profissionais com o SUS. Entretanto, muitas vezes, o corporativismo e os conflitos de interesses existentes nesses espaços têm efeito contrário ao esperado7. A composição das equipes é outra questão que apresenta uma enorme variação, a depender do perfil epidemiológico, social e da disponibilidade de recursos humanos capacitados. Nos países europeus, as equipes de Atenção Primária variam de enfermeiras comunitárias e médicos generalistas isolados, até equipes com mais de 30 profissionais, com formação mais diversificada. De uma maneira geral, médicos de família e enfermeiras de unidade e comunitárias, na sua maioria com treinamento em serviço social, são invariavelmente incluídos. Também, são freqüentes assistentes sociais, psicólogos, fonoaudiólogos, osteopatas entre outros (STARFIELD, 2002; WHO EUROPE, 2004). No Brasil, os desenhos das equipes municipais do PSF seguem, em sua maioria, a orientação do Ministério da Saúde, com a agregação de outros profissionais, dependendo da disponibilidade e da capacidade financeira dos municípios. Uma proposta de classificação dos modelos de organização da prestação de Atenção Primária, no Canadá, aponta quatro diferentes categorias, que vão da prestação da assistência pelo médico de família isolado, em seu consultório, até o trabalho em equipes multiprofissionais integradas ao sistema de saúde. As conclusões mostram a superioridade do modelo de equipes integradas, à exceção da acessibilidade (LAMARCHE et al., 2003). Na realidade, independentemente do tamanho da equipe, o mais importante é que esta esteja preparada para trabalhar enquanto equipe, e não como uma simples agregação de profissionais no mesmo espaço físico, sendo resolutiva para os problemas de saúde que se apresentem em seu território. 7 Outras dificuldades da gestão descentralizada da Atenção Básica são as dimensões agigantadas e as heterogeneidades das redes de saúde; as frágeis capacidades administrativas e gerenciais dos municípios e das instâncias estaduais; as fortes tradições centralizadoras, entre outras (CANESQUI, 2002). conass documenta . n7 31 32 conass documenta . n7 2. A responsabilidade do Gestor Estadual e o Papel das SES na APS Em consonância com a evolução da discussão da APS no Brasil e no mundo, os Secretários Estaduais de Saúde das 27 Unidades da Federação, reunidos em Sergipe, em julho de 2003, no Seminário do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde – CONASS, propuseram o fortalecimento da Atenção Primária, entendendo-a como eixo fundamental para a mudança de modelo de atenção à saúde (CONASS, 2003). Os secretários apontam a valorização e a priorização das atividades de Promoção da Saúde, que deve ser entendida a partir de um enfoque mais abrangente do conceito de saúde e de seus múltiplos determinantes, com ênfase na articulação intersetorial, por meio de parcerias intra e extragovernamentais, devendo constar das políticas, planos e orçamentos estaduais de saúde como um dos eixos para a mudança do modelo de atenção à saúde. Defendem a responsabilidade inerente do gestor municipal pela organização e operacionalização da Atenção Primária, mas entendem como da esfera estadual as macrofunções de formulação da política, de planejamento, de cofinanciamento, de formação, de capacitação e de desenvolvimento de recursos humanos, de cooperação técnica e de avaliação, no âmbito do território regional e estadual (CONASS, 2003). Essas macrofunções podem ter como estratégias operacionais: Formulação política – definir áreas prioritárias para a APS, de acordo com a realidade estadual, criar\implementar instrumentos de compromisso dos gestores com a APS e PSF, apoiar a consolidação do PSF e dar sustentabilidade, comprometer a CIB na discussão da APS. Cooperação técnica – desenvolver instrumentos de gestão da clínica como protocolos integrados, guidelines e padrões; realizar eventos para troca de experiências entre municípios e equipes; intercambiar experiências com outros estados e países com sistemas baseados em APS. Planejamento e programação – inserir a APS no planejamento e programação dos níveis centrais e regionais; apoiar e desenvolver instrumentos de programação para equipes de APS. Co-financiamento8 – criar incentivos estaduais dirigidos ao PSF; vincular incentivos ao desempenho e melhoria de indicadores. 8 Experiências de financiamento estadual para o PSF estão em curso em 11 estados, demonstrando a priorização dessa proposta por várias Secretarias Estaduais (CONASS, 2004). Desenvolvimento de RH – criar\ampliar vagas nas residências financiadas com recursos estaduais para PSF, priorizar os temas da APS nos pólos de educação permanente. Monitoramento e avaliação – realizar monitoramento constante das equipes de PSF, verificando a existência de estrutura física e de recursos humanos e a realização das ações previstas para as equipes; realizar supervisão amostral da APS em regionais, municípios e equipes; viabilizar a disponibilização de dados comparativos entre municípios e\ou regionais; monitorar as internações sensíveis à atenção ambulatorial; avaliar a cobertura de serviços de APS, monitorando os bancos de dados periodicamente; acompanhar os sistemas de informação, elaborando relatórios e divulgando os resultados. 2.1 Repercussões das ações das SES na Atenção Primária As macrofunções citadas anteriormente refletem-se na organização e na prática das equipes de Atenção Primária no território estadual. Esses reflexos podem ser visualizados claramente, ao se observar alguns exemplos 9, como os relacionados a seguir: No monitoramento das equipes de saúde da família no Brasil, realizado pelo Ministério da Saúde, nos anos de 2001 e 2002, pôde ser visto que a forte política de descentralização dos programas de tuberculose e hanseníase, no Estado de Tocantins, apresentava resultados nas equipes do PSF. Tal decisão da SES colocou o Estado de Tocantins, se comparado aos outros estados da Federação, entre os mais altos percentuais de equipes que realizam diagnóstico e tratamento desses dois agravos (sempre com percentuais próximos ou superiores a 80% das equipes de PSF). Avaliando a cobertura de exames de Papanicolau, em 2001, pôde-se ver que uma ação típica das equipes de APS, quando recebem um forte estímulo da política estadual, nesse caso, no Estado do Paraná, levou o Estado à posição de destaque em relação ao número de municípios que alcançaram cobertura adequada desse exame, entre as unidades federadas, em 2002. Também, no monitoramento das equipes de saúde da família, o Estado com a maior participação de membros das equipes do PSF em reuniões de conselhos de saúde era o Rio Grande do Sul (67,5%, quando 37,4% era a média nacional). Isso pode ser creditado ao forte estímulo dado pela SES na questão da participação e no controle social como 9 Os dados apresentados foram colhidos de apresentações realizadas por técnicos do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde, em 2002. conass documenta . n7 33 34 conass documenta . n7 política estadual. Em dezembro de 2002, o estado em que os municípios apresentavam a menor cobertura média do PSF, no país, era o Rio Grande do Sul (cerca de 10%, quando 30%, era a média nacional), demonstrando que, mesmo em políticas nacionais caracteristicamente de execução municipal, as SES têm influência direta na indução ou não da sua implantação em seu território. Esses exemplos demonstram a importância do papel das SES e do reconhecimento dos estados como atores estratégicos no desenvolvimento e acompanhamento da APS, no seu território. Necessita-se discutir, entretanto, como potencializar esse papel. O avanço na qualidade dos processos e resultados exige estratégias inovadoras, que incorporem trabalhos de redes horizontalizadas de comunicação e não, simplesmente, reforcem as idéias de estruturas piramidais e verticalizadas (HARZHEIM e ÁLVAREZ-DARDET, 2001). Assim sendo, a utilização de metodologias participativas, em uma lógica de cooperação e parceria com os municípios aponta-se, aparece como uma possibilidade. 2.2 Desafio da utilização dos sistemas de informação São sem número as queixas ao se trabalhar com os sistemas de informação no país. Felizmente, parece que esse não é um “privilégio” brasileiro. A complexidade do tema é grande e, no campo da Atenção Primária a questão da informação é tão essencial, que o desenvolvimento de tecnologias de informática específicas para a APS já vem acontecendo em alguns países. Na Inglaterra, informática em Atenção Primária já é reconhecida como uma especialidade acadêmica (LUSIGNAN, 2003). Entretanto, a melhoria da qualidade dos dados dar-se-á à medida que sua utilização e análise permitam a divulgação e a correção dos problemas detectados. Várias iniciativas têm surgido, visando à utilização da informação como base para tomada de decisão, tanto no manejo clínico como na gestão nos sistemas de saúde10. Uma das dificuldades está em disponibilizar, no momento certo, a informação necessária ao tomador de decisão (INNVAER, 2002). O enorme volume de informações e evidências, no campo da saúde, disperso em um emaranhado de sistemas de informações, dificulta sobremaneira sua utilização. Quando se analisa o volume de dados acumulados nos sistemas nacionais de informação, verifica-se que ele é desproporcional ao volume de 10 Um exemplo disso é o site da Health Evidence Network, que pode ser visto no seguinte endereço: http://www.euro.who.int/eprise/main/who/progs/HEN informação para a gestão que se produz. Um importante papel reservado ao sistema de informação, no processo de institucionalização da avaliação, é o de disponibilizar sumários de informações que permitam uma análise crítica e possam orientar corretamente a tomada da decisão. O que se pode apontar é que essa não é uma cultura incorporada pelos tomadores de decisão no Brasil. 2.3 Papel das CIBs no acompanhamento e avaliação da APS As Comissões Intergestoras Bipartites são espaços políticos privilegiados para a discussão operacional e estratégica da implantação da APS, no território estadual. Infelizmente, tem-se hoje que, na maioria das vezes, as CIBs limitam-se a cumprir um papel burocrático de aprovação da implantação de novas equipes ou de autorização para suspensão e descredenciamento de equipes de PSF, aprovação do Pacto da Atenção Básica, sem aprofundar a discussão do acompanhamento e avaliação do desempenho dos indicadores da APS no Estado. Isso se dá, muitas vezes, pela falta de capacidade técnica das equipes estaduais em oferecer evidências que orientem a tomada de decisão. Reforça-se a necessidade de capacitação dessas equipes técnicas para avaliação e acompanhamento da APS. O que se espera é que as CIBs possam ser municiadas de informações que possibilitem a tomada de decisão para o avanço da organização do sistema de saúde, bem como para correção de rumos quando se apresentarem evidências de que isso seja necessário. 2.4 Construção do processo de acompanhamento e avaliação da APS: uma cooperação técnica das SES com os municípios Como foi exposto no texto acima, a importância do processo de cooperação das SES com os municípios, entre outras questões, advém de ser esse um caminho para viabilizar as prioridades definidas para a políticas de saúde no estado. Acompanhar os reflexos dessas políticas nos sistemas municipais de saúde é, em última instância, propiciar o cumprimento das políticas definidas para o estado, em seu território.Também, é evidente o papel indutor de políticas das SES, bem como o papel de equalização e adaptação das políticas nacionais ao território estadual. Especificamente em relação à institucionalização do monitoramento e avaliação, ha que se discutir com as SES a disponibilização de uma infra-estrutura mínima para execução desse trabalho, incluindo tanto uma equipe de profissionais que possam se dedicar a essa tarefa como também equipamentos de informática e suporte, tanto nos conass documenta . n7 35 36 conass documenta . n7 níveis centrais como regionais. Algumas SES já possuem alguma infra-estrutura, e as que não possuem podem ser orientadas e apoiadas para tal. O componente 3 do PROESF11 tem sido apontado como importante incentivo, nesse sentido. Outro passo será a discussão da capacitação e sustentabilidade dessas equipes. A solução para a alta rotatividade dos quadros treinados para efetivação de estratégias como a APS, não esta em, simplesmente, treinar mais profissionais. Passa necessariamente pelo estabelecimento de condições que permitam o suporte e retenção dos profissionais nesse trabalho (WHO, 2003). Torna-se necessário garantir condições favoráveis à fixação de profissionais de alto nível técnico para o desenvolvimento do trabalho, nessas equipes. Ressalta-se que a APS, abrangendo todo o escopo de ações propostas, pressupõe rearranjos organizacionais que permitam e viabilizem a integração de áreas que hoje trabalham de forma isolada, nas SES. Isso inclui a articulação de áreas técnicas, mas também de áreas de planejamento e avaliação. Entre outras questões que podem ser apontadas para as SES realizarem seu papel de monitoramento, qualificação e avaliação da APS, em cooperação com os municípios, estão o apoio aos municípios na análise das informações para tomada de decisão; a viabilização da troca de experiências entre municípios, por exemplo, promovendo eventos que possibilitem a divulgação das boas experiências; a formação de redes para democratização de informações de forma ágil e de fácil acesso para equipes e municípios, nas SES; a disponibilização de informações de forma clara e de fácil acesso na internet; a divulgação de resultados que permitam a comparação do desempenho da APS em diferentes municípios; o desenvolvimento de propostas de padrões/protocolos regionais/estaduais que sejam orientadores para organização dos serviços municipais; e o intercâmbio internacional de experiências com países que tenham seus sistemas baseados fortemente em APS. Entretanto, é importante diferenciar o papel das SES na relação com os municípios de pequeno e grande portes que possuem diferenciadas capacidades de gestão. O Brasil conta hoje com mais de 5 mil municípios. Desses, 50% apresentam população inferior a 10 mil habitantes e 80%, menos de 30 mil habitantes. Pouco mais de 200 municípios têm população superior a 100 mil habitantes. Essa excessiva fragmentação é resultante da lógica distributiva do federalismo fiscal brasileiro que, durante muitos anos, beneficiou pequenos municípios, incentivando sua multiplicação. Isso aponta para a 11 O PROESF é um acordo de empréstimo internacional e está estruturado em 3 Componentes técnicos, cada um deles agrupando sub-componentes e linhas de ação: Componente 1 - Apoio à Conversão do Modelo de Atenção Básica de Saúde; Componente 2 - Desenvolvimento de Recursos Humanos; Componente 3 - Monitoramento e Avaliação. Esse último componente tem parte de seus recursos destinados às SES, para que possam trabalhar a institucionalização da avaliação da APS, nos estados. perda, no país, de uma escala mínima para que se desenvolvam funções de governo de maneira consolidada e homogênea, nos municípios (DAIM, 1997). Apesar da evidente inexistência de capacidade de governo em muitos municípios, vive-se paradoxalmente, na saúde, o dilema da municipalização autárquica (MENDES 2001). A concepção da NOB 96, essencialmente “municipalista”, criou, segundo (LEVCOVITZ, 1997), uma falsa e “radical oposição entre a redistribuição de funções entre as esferas de governo, de natureza político administrativa, e a estruturação funcional de sistema de serviços de saúde, de caráter operacional”. É importante destacar que a descentralização é um processo orientado por um conjunto de princípios: a flexibilidade, o gradualismo, a progressividade, a transparência no processo de tomada de decisões e o controle público (MENDES apud LOBO, 2001), e que não se trata de um movimento unívoco oposto à centralização. “Ao contrário, apresenta-se na realidade política como unidade dialética que se exprime, fatualmente, pela convivência de tendências de centralização e descentralização, ainda que o vetor de maior peso possa ser o descentralizatório” (MENDES, 2001). Nesse cenário é importante que as SES apóiem de perto municípios de pequeno porte que não tenham estrutura mínima para atender as funções a eles delegadas. Para esses municípios, talvez, seja prudente que as SES avaliem a APS, com recorte na unidade de saúde ou equipe do PSF. Em grandes municípios, o recorte deve mudar para indicadores mais gerais, cabendo aos próprios municípios olharem para dentro de seus territórios e equipes. Concluindo, para desempenhar seu papel na APS, as SES terão que se mobilizar técnica e politicamente para discussão em APS, buscando a qualificação de suas equipes para o monitoramento e avaliação, visando à consolidação da APS, no território estadual. Espera-se que os pontos levantados, nesse documento, possam estimular a discussão e reforçar a importância dos sistemas de saúde com foco na Atenção Primária à saúde. Em especial, espera-se contribuir para a construção da identidade estadual na APS, ou seja, para a definição do papel das SES na Atenção Primária à saúde, no SUS. conass documenta . n7 37 38 conass documenta . n7 3. Referências CANESQUI, A. M. Sobre a avaliação da Atenção Básica. Ciência e Saúde Coletiva. Saúde: os desafios da gestão local. Rio de Janeiro. v. 7, n. 3, p. 415-17, 2002. CONASS - Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Atenção Primária, seminário para construção de consensos; Série CONASS documenta, Cadernos de Informação técnica e memória do Progestores, Brasília, n. 2, , 2004, 44 p. CONASS - Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Relatório Final do 1º Seminário para construção de consensos: preocupações e prioridades dos Secretários estaduais de saúde quanto à organização, gestão e financiamento do SUS. Projeto PROGESTORES, Aracaju, Sergipe, 2003, 116 p. DAIM, S. A superposição das funções de gestão do sistema e gerência das unidades estatais. In: Seminário do financiamento e da provisão de serviços no SUS – Rio de Janeiro,1999. GREEN LA et alli. The ecology of medical care revisited. N Engl J Med. 2001; 344:2021–2025. HARZHEIM, E. ÁLVAREZ-DARDET, C. Armadilha das pirâmides Cadernos de Saúde Pública vol.17 no.4 Rio de Janeiro jul/ago. 2001. INNVAER, S. et al. Health Services Research Unit. National Institute of Public Health, Oslo, Norway. Health policy-makers’perceptions of the use of evidence: a systematic review. J Health Serv Res Policy Vol 7 n.4 October 2002 p 239-45 LAMARCHE et al. Choices for change: the path for restructuring primary healthcare services in Canada. Canadian Health Services Research Foudation November 2003. LEVCOVITZ E ; LIMA LD; MACHADO CV. Política da Saúde nos anos 90: relações intergovernamentais e o papel das Normas Operacionais Básicas. Ciência e Saúde Coletiva volume6(2), 2001. ABRASCO LUSIGNAN S. What is primary care informatics? J Am Med Inform Assoc 2003 JulAug 10(4); 304-309. 2. MACINKO, J. STARFIELD, B. SHI, L. The contribution of primary care systems to health outcomes within Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) countries, 1970-1998. Health services research, 2003, 38(3):831-865 p. MENDES, E. V. Um novo paradigma sanitário: a produção social da saúde. In: Uma agenda para saúde. São Paulo: Hucitec, 1996. p.233-300. MENDES, E. V. Os grandes dilemas do SUS. Salvador: Casa da Qualidade; ISC, 2001. 167 p. T. II. MENDES, E. V. Atenção Primária à Saúde no SUS. Fortaleza: Escola de Saúde Publica do Ceara; 2002. 92 p. ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE/ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE; Atenção Primária de Saúde nas Américas: As Lições Aprendidas ao Longo de 25 Anos e os Desafios Futuros, Informe Final, Junho/2003 Washington D.C., EUA. PAIM, J. S. Descentralização das ações e serviços de saúde no Brasil e a renovação da proposta “Saúde para Todos”. Conferência Regional sobre tendências futuras e a renovação da meta saúde para todos. Rio de Janeiro: UERJ/IMS, 1998. 21 p. (série estudos em saúde coletiva; n.175). RUBINSTEIN, E. Introducción a la medicina familiar: Profam - Programa de Educación a Distância da Medicina Familiar y Ambulatória. Buenos Aires: Fundación MF, 2001. 2. ed. 338 p. SALTMAN, R. RICO, A. BOERMA W. Eds. Primary care in the driver’s seat? Organizational Reform in European Primary Care. Copenhagen, Denmark, 2004. http://www.euro.who.int/observatory/Studies/20020522_7 SAMPAIO, L. F. R. MENDONÇA, C. S. ProAB – Um instrumento de programação para equipes da Atenção Básica. In: A produção sobre saúde da família - trabalhos apresentados no VII Congresso ABRASCO 2003. Ministério da Saúde, OPAS, ABRASCO, 2003 conass documenta . n7 39 40 conass documenta . n7 SAMPAIO, L. F. R. Integralidade da atenção à saúde: análise crítica da programação da Atenção Básica – PPI/AB,2001/2002. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação do Instituto de Saúde Coletiva, da UFBA, Salvador, 2003. SHI, L. The relationship between primary care and life chances. Journal of health care for the poor and underserved, 1992, 3:321-335. SHI, L., STARFIELD, B., Kennedy, B., & Ichiro, K. Income inequality, primary care, and health indicators. Journal of Family Practice. 1999;48:275-284. SOUZA, H. M. SAMPAIO, L. F. R.; Atenção Básica: Política, Diretrizes e Modelos Coetâneos no Brasil Atual. In: (NEGRI, B.; FARIA, R.; VIANA, A. L. Orgs.). Recursos Humanos em Saúde: Política, Desenvolvimento e Mercado de Trabalho. Campinas: NEEP; Unicamp, 2002. STARFIELD B. Atenção Primária: EquilÍbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologias. Brasília: UNESCO/Ministério da Saúde, 2002. STARFIELD B. Is primary care essential? Lancet, 1994, 344:1129-1133. STARFIELD B. Primary care. Concept, evaluation and policy. New York, Oxford University Press, 1992. TAKEDA, S. Organização de serviços de Atenção Primária à saúde. In.: DUNCAN, B.B. et alli. Medicina ambulatorial: Condutas de Atenção Primária baseadas em evidências. 3 ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. 1600p. VUORI H. Health for all, primary health care and the general practitioners. Keynote address, WONCA, 1986. VUORI H. Primary health care in Europe-problems and solutions, community medicine medicine 1984, 6:221-231. WORLD HEALTH ORGANIZATION EUROPE, What are the advantages and disadvantages of restructuring a health care system to be more focused on primary health services? HEN Health Evidence Network, January 2004. WORLD HEALTH ORGANIZATION, Evidence and Information for Policy, Global Report: A Global Review of Primary Health Care: Emerging Messages. Technical Geneve, 2003 WORLD HEALTH ORGANIZATION. The World Health Report 1999. Making a difference. Geneva, 1999. WORLD HEALTH ORGANIZATION. The world health report 2000. Health Systems: Improving Performance. Geneva, 2000. ZURRO, A. M.; PÉREZ J. F.C. Atención primária: conceptos, organización y práctica clínica. 4. ed. Barcelona: Ediciones Harcourt, 1999. conass documenta . n7 41 42 conass documenta . n7 Avaliação da Atenção Primária: uma breve aproximação de conceitos e caminhos Marco Akerman Secretário Adjunto da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, doutor em Saúde Pública e Epidemiologia, professor da Faculdade de Medicina do ABC. Olinda do Carmo Luiz Assessora da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, doutora em Saúde Pública, professora da Faculdade de Medicina do ABC. 1. Referencial Teórico sobre monitoramento, avaliação e controle Avaliação é o processo de julgamento sobre o mérito de algo. Ela pode determinar se uma intervenção deve ter continuidade, se está sendo efetiva ou ainda se necessita de financiamento adicional. A avaliação é, portanto, uma parte importante na implementação de projetos e programas. Uma boa avaliação fornece informações sobre o que o programa está fazendo, se os objetivos estão sendo alcançados e aponta para novas estratégias. Indica processos que estão adequados, quais não e porquê; se houve resultados inesperados e o que pode ser modificado a partir da implantação do programa, inclusive apontando para a elaboração de novos programas. Ela ocorre paralelamente ao planejamento e à implementação de um programa, constituindo um processo contínuo de fornecimento de feedback sobre o desenvolvimento, encorajando a reflexão sobre resultados e provendo a base para considerar estratégias futuras. Portanto, ela envolve um plano, o cômputo dos dados e a comunicação dos resultados e recomendações. O desenvolvimento de um plano de avaliação depende da clareza das propostas, envolve a seleção da escala e do escopo, a determinação de uma metodologia e a organização do processo a ser conduzido. Quando a avaliação é realizada desde o início do programa, ela fornece informações para identificar problemas durante seu desenvolvimento e, assim, permite modificações oportunas. Quando, por outro lado, ela é realizada ao final, somente os efeitos e impactos são focalizados. A avaliação, como processo, concentra-se na forma como o programa vem sendo implementado, ou seja, se as atividades estão sendo conduzidas como o planejado. Desta forma ela permite o julgamento sobre o grau de alcance dos objetivos. Para Fiocruz (2003), o objetivo central de um sistema de saúde deve ser melhorar a saúde da população. No entanto, seu alcance é um processo complexo, envolvendo objetivos intermediários e ações intersetoriais. Além disso, a assistência, seja ela individual, seja coletiva, é apenas um dos fatores envolvidos na melhora da saúde da população, o que demanda um refinamento do conhecimento sobre os determinantes do processo saúde-doença. A metodologia da avaliação dos sistemas de saúde depende da clareza sobre princípios, objetivos e metas, além de uma definição sobre quais dimensões poderiam ser o objeto da avaliação. conass documenta . n7 43 44 conass documenta . n7 O desafio para os autores consiste em definir como deve ser realizada a medida do desempenho em termos de qualidade, eficiência e eqüidade e, com base nisso, estruturar sistemas de avaliação que possibilitem promover mudanças com vistas a melhores resultados. O texto aponta ainda que o desempenho do sistema de saúde no Brasil deve ser avaliado, levando-se em conta o contexto social, econômico e político, refletindo a história do sistema de saúde e a atual conformação. Tendo esse contexto como pano de fundo, seriam identificados os problemas de saúde prioritários, evitáveis e passíveis de intervenção, focalizando seus determinantes. A expressão desses problemas, nas diferentes regiões geográficas e grupos sociais, seriam delineadas por meio de medidas de morbidade, mortalidade, limitação de atividade física e qualidade de vida. O sistema de saúde, assim, deveria ser estruturado a partir desse perfil das necessidades de saúde expressas pela morbi-mortalidade. A partir dessa orientação, a avaliação possibilitaria o julgamento sobre o melhor ou pior desempenho. Analisando a experiência de diversos países, o texto Fiocruz (2003) aponta a necessidade de um processo amplo de pactuação, envolvendo os diferentes atores, e considerando a conformação do sistema de saúde, seus objetivos e metas. “Desta maneira, gestores, prestadores e usuários dos serviços de saúde definiriam a partir dos critérios de relevância, confiabilidade, validade, capacidade de discriminação e viabilidade, um conjunto mínimo de indicadores para compor um sistema de monitoramento das diversas dimensões do desempenho do sistema de saúde” (FIOCRUZ, 2003, pg. 12). A consolidação e desagregação dos indicadores devem permitir, segundo os autores, a expressão das desigualdades geográficas e sociais. O ponto de partida para a estruturação de um sistema de avaliação é a definição dos objetivos e metas, que podem variar segundo os valores e princípios de quem os formula. Outro aspecto importante é a especificação das dimensões a serem avaliadas, pois que estas delimitam quais as medidas e indicadores mais adequados. Os resultados em saúde podem ser influenciados por inúmeros fatores externos aos sistemas, por isso, Fiocruz (2003) considera importante, na avaliação, a abordagem dos processos, definindo medidas de curto e médios prazos. A partir da análise comparativa de alguns sistemas de avaliação (Reino Unido, Austrália, EUA e a proposta da OPS), os autores chegam à conclusão de que não existem consensos a respeito de conceitos e medidas de desempenho. Ainda que algumas semelhanças possam ser detectadas, os indicadores utilizados abordam distintas dimensões dos sistemas de saúde. Os desafios para enfrentar as dificuldades são sinteticamente apresentados: como discriminar nas variações do desempenho o que é controlável e incontrolável, isto é, o que é resultado do sistema de saúde (outcomes) e o que não é; como identificar o que deve ser acionado para melhorar o desempenho; como estabelecer padrões ou benchmarks para avaliar o desempenho” (FIOCRUZ, 2003, pg. 90). Os processos de avaliação são de longo prazo e permanentes, o que proporciona mudanças contínuas e sucessivas. Os países com sistemas descentralizados, com grande diversidade regional e fragmentação, demandam de forma mais marcante uma articulação nacional dos processos de avaliação. 1.1 Medição, estimação, monitoramento e controle Aguilar e Ander-Egg (1995) distinguem dois tipos de avaliação: aquela que julga o alcance de objetivos e aquela que é realizada antes de produzir ou conduzir um projeto/programa com o intuído de julgar a pertinência de fazê-lo. Sendo a decisão pela ação, a avaliação informa a melhor maneira de realizá-la. A avaliação, segundo esses autores, não é a mesma coisa que medição. Medir é quantificar ou determinar a extensão de algo. Por seu turno, avaliar implica atribuir valor à informação, emite um juízo sobre o objeto avaliado. Embora sejam conceitos diferentes, a medida contribui no processo de julgamento, na avaliação. A estimação, também, envolve julgamento, no entanto, difere da avaliação, visto ter um caráter de aproximação, enquanto a avaliação procura um maior grau de precisão. O segmento ou monitoramento é diferenciado da avaliação pelos autores: “O segmento [ou monitoramento] é um processo analítico que, mediante um conjunto de atividades permite registrar, compilar, medir, processar e analisar uma série de informações que revelam o curso ou desenvolvimento de uma atividade programada.” É uma forma de exame contínuo e periódico, requerido por uma unidade administrativa com o propósito de assegurar o cumprimento do calendário de trabalho e a entrega de insumos no momento oportuno (bens, fundos, serviços, mão de obra, tecnologia e outros recursos). Tudo isso orientado para alcançar os objetivos” (AGUILAR e ANDER-EGG, 1995, pg. 20). Enquanto o monitoramento busca alcançar as metas, a avaliação julga se as metas e objetivos foram alcançados. A finalidade do monitoramento é a execução de um projeto ou programa, realizada a partir do feedback das informações examinadas continuamente, com vistas a modificar e reorientar de forma permanente as dimensões operativas, sempre de acordo com os objetivos iniciais. O monitoramento assessora o processo de planejamento ao organizar o fluxo de informações (quantitativas e qualitativas); analisar os dados de forma a verificar se o conass documenta . n7 45 46 conass documenta . n7 projeto/programa está sendo realizado como foi previsto inicialmente; propor soluções imediatas para atrasos, restrições ou acontecimentos imprevistos. Ela pode até propor a revisão dos objetivos, pressupostos ou dos procedimentos de execução. Ao oferecer um sistema de informação sobre o objeto avaliado, o monitoramento contribui com o processo de avaliação, mas é possível haver avaliação sem monitoramento e vice-versa. Hartz (2000), também, diferencia monitoramento de avaliação. À análise continuada dos sistemas de informação, acompanhando procedimentos, produtos e situações de saúde, a autora denomina monitoramento. Já a avaliação utiliza informações complementares e focaliza o impacto das mudanças pretendidas. Outra distinção importante é entre avaliação e controle. Para Aguilar e AnderEgg (1995), o controle é a verificação, a constatação do que acontece, já a avaliação é uma ponderação, o julgamento dos resultados verificados que, por sua vez, precisam ter sido verificados anteriormente. No entanto, não há consenso, na literatura, em relação à definição de controle. Blumm (2002), no Vocabulário da Saúde em Qualidade e Melhoria da Gestão, do Ministério da Saúde, apresenta o conceito de controle como processos e técnicas de acompanhamento da operação de procedimentos com o intuito de eliminar causas de desempenho insatisfatório. Nesse caso, controle confunde-se com monitoramento. A programação introduz racionalidade e organização à ação, com o intuito de alcançar metas e objetivos. A avaliação julga a execução da programação, tendo em vista os objetivos e metas, previamente, estabelecidos. A expressão supervisão não foi encontrada na revisão bibliográfica aqui realizada. Acredita-se ser uma definição do âmbito da administração e não da área da avaliação: “ato de dirigir, orientar ou inspecionar em plano superior” (FERREIRA, 1975). É um ato em que “um chefe” visita um espaço de produção qualquer para “ver se as coisas estão funcionando direito”. Quanto ao termo acompanhamento, um termo que, também, não é usual na literatura sobre avaliação, poderia ser associado a “estar junto”, uma condição estabelecida entre iguais. Daí, poderia ser utilizada como parte de um processo de cooperação técnica, em que entes autônomos, sem relação de subordinação ou controle, estabeleçam um processo de trocas, ou, como diz o popular “Aurélio”, compartilham dos mesmos sentimentos (FERREIRA, 1975). 1.2 Avaliação normativa e pesquisa avaliativa Nas últimas décadas, é crescente o número de formulações a respeito da avaliação em saúde. Contandriopolos et al (1997) destacam, entre as inúmeras razões para a intensa produção de conhecimento na área, o caráter complexo dos sistemas de saúde, as incertezas na relação entre os problemas de saúde e as intervenções, o rápido desenvolvimento de novas tecnologias médicas e as expectativas crescentes da população. Essa proliferação de formulações tem como conseqüência, por um lado, a enorme diversidade terminológica, sem a preocupação de uma conceituação precisa e, por outro, o surgimento de numerosas definições de avaliação, cujo conteúdo é variável. Citando outros autores, Contandriopolos et al (1997) identificam quatro estágios no desenvolvimento dos conceitos de avaliação. No primeiro, a atividade é essencialmente técnica e refere-se à aplicação adequada de instrumentos que permitem medir os fenômenos estudados. No segundo estágio, que se configura entre os anos 20 e 30, a avaliação passa a descrever como os programas se articulam para alcançar resultados. No terceiro estágio, o julgamento fundamenta a avaliação. O quarto e último estágio vêm configurando-se mais recentemente, quando a avaliação é entendida como um processo de negociação entre os atores envolvidos na intervenção a ser avaliada. Os autores destacam uma definição de avaliação que consideram de relativo consenso: “Avaliar consiste fundamentalmente em fazer um julgamento de valor a respeito de uma intervenção ou sobre qualquer um de seus componentes, com o objetivo de ajudar na tomada de decisões. Este julgamento pode ser resultado da aplicação de critérios e normas (avaliação normativa) ou se elaborar a partir de um procedimento científico (pesquisa avaliativa)” (CONTANDRIOPOLOS et al., 1997, pg. 31). Uma intervenção tem como objetivo modificar uma situação problemática. Ela é constituída pelo conjunto de meios (financeiros, físicos, humanos e simbólicos) organizados para produzir bens ou serviços, em um contexto específico. A intervenção envolve a ação de diversos atores que imprimem uma forma particular em função de seus próprios objetivos. Portanto, os objetivos de uma avaliação são inúmeros e podem relacionar-se inclusive com os conflitos e consensos entre os atores envolvidos. Os autores delimitam dois tipos de avaliação: a avaliação normativa e a pesquisa avaliativa. A avaliação normativa aproxima-se do que Aguilar e Ander-Egg (1995) chamaram de seguimento ou monitoramento, e envolve a comparação entre as informações obtidas com critérios e normas estabelecidos. Abarca a apreciação dos recursos (estrutura), dos serviços ou bens produzidos (processo) e dos resultados obtidos. Na apreciação da estrutura, busca-se comparar os recursos disponíveis com critérios e normas correspondentes, verificando-se desta forma se são suficientes para atingir os resultados esperados. É nessa modalidade que são abordadas a competência do pessoal, a organização administrativa, a quantidade de recursos disponíveis e sua adequação. conass documenta . n7 47 48 conass documenta . n7 Na apreciação do processo, comparam-se os serviços decorrentes da implantação do programa ou intervenção com critérios e normas predeterminados, tendo em vista os resultados esperados. Ela tem uma dimensão técnica que aprecia a adequação dos serviços em função das necessidades dos usuários, e sua qualidade é definida a partir de critérios e normas profissionais. A apreciação do processo tem ainda a dimensão das relações interpessoais, que aborda a interação entre usuários e produtores de cuidados e envolve o apoio, a cortesia e o respeito dos produtores de cuidados, bem como a satisfação do usuário. Na dimensão organizacional da apreciação do processo são focalizados a acessibilidade aos serviços, a cobertura e a continuidade dos cuidados. Ela envolve o caráter multiprofissional e a relação entre as organizações de cuidados. A apreciação dos resultados é a comparação entre os resultados observados e os resultados esperados, também, utilizando normas e critérios. Contandriopoulos et al (1997) consideram esse tipo de abordagem insuficiente para realizar um julgamento. Para eles, a pesquisa avaliativa é mais adequada para a abordagem dos resultados. Os três componentes da avaliação – estrutura, processo e resultado – foram inicialmente formulados por Donabedian (1980). A estrutura corresponde aos insumos (humanos, financeiros ou materiais); o processo, ao conjunto de procedimentos e atividades oriundas do funcionamento da estrutura, e os resultados referem-se às mudanças na saúde de indivíduos ou coletividades ou ainda à satisfação dos usuários. Medina et al. (2000) apontam que, na prática, nem sempre é fácil distinguir estrutura, processo e resultado, pois que a organização dos serviços de saúde é complexa, e os diversos pontos de vista dos atores focalizam aspectos diferentes na sua definição. Outra crítica é a de que uma boa estrutura nem sempre está relacionada com um bom processo e bons resultados. Os resultados em saúde, por sua vez, estão relacionados com a multideterminação, sendo a qualidade dos serviços e sistemas apenas um dos fatores das condições de saúde. Além da avaliação normativa, Contandriopoulos et al (1997) apontam ainda a pesquisa avaliativa como uma forma de julgamento sobre os resultados de um projeto/programa, com o objetivo de ajudar na tomada de decisão. Trata-se de um procedimento realizado depois da ocorrência de uma intervenção que analisa aspectos como a pertinência, os fundamentos teóricos, a produtividade, os efeitos e o rendimento de uma intervenção. A pesquisa avaliativa é composta por seis tipos de análise, que são realizadas isoladamente ou no seu conjunto. O primeiro tipo é a análise estratégica, que aborda a pertinência da intervenção, ou seja, a adequação entre a intervenção proposta e o problema que lhe deu origem. Portanto, ela questiona se o problema é pertinente, considerando todos os problemas existentes e, diante do problema, se a intervenção é a mais adequada. O segundo tipo de pesquisa avaliativa é a análise da intervenção, que consiste no estudo da relação entre os objetivos da intervenção e os meios utilizados. Analisam-se a adequação da teoria que embasa a intervenção, se os recursos e atividades são suficientes e se sua organização é a mais apropriada para alcançar os objetivos. A análise da produtividade é o terceiro tipo de pesquisa avaliativa e procura estudar a aplicação dos recursos com o intuito de verificar a possibilidade de produção de maior quantidade de serviços, como os mesmos recursos ou a mesma quantidade, com menos recursos. É nesse tipo que se problematiza a produtividade de serviços de suporte, como manutenção ou alimentação e serviços clínicos, como recursos laboratoriais ou radiológicos. No quarto tipo de pesquisa avaliativa aborda-se a influência dos serviços sobre a saúde da população. Chamada de análise dos efeitos, esse tipo de pesquisa, também, procura identificar os efeitos não desejados da intervenção e, quando possível, os efeitos de curto e longo prazos. O quinto tipo é a análise do rendimento, cujo âmbito é o estudo dos custos, ponderando as vantagens da intervenção com seu custo. O último tipo é, então, a análise da implantação, que tem como objeto o grau de implantação da intervenção e seus efeitos, bem como a influência do contexto no funcionamento do programa/projeto. Assim, é que a avaliação normativa ajuda os gestores nas suas atividades cotidianas. Ela é realizada pelos próprios responsáveis pela implantação do projeto/programa. Já a pesquisa avaliativa exige rigor científico no embasamento teórico e na aplicação metodológica e é freqüentemente realizada por pesquisadores exteriores à intervenção. 1.3 Eficácia, efetividade, eficiência e meta-avaliação É necessário ainda delimitar alguns outros conceitos muito utilizados, quando se fala em qualidade dos serviços de saúde. O primeiro deles é a definição de eficácia, que consiste na capacidade de uma determinada tecnologia de produzir o efeito desejado, em condições ideais. Desta forma, podemos afirmar, por exemplo, que o acompanhamento pré-natal é eficaz em reduzir a morbi-mortalidade infantil e materna em uma população. A efetividade, por seu turno, é a capacidade de produzir o efeito desejado, em condições reais. Ainda, no nosso exemplo, o acompanhamento pré-natal será efetivo na redução da morbi-mortalidade de uma população somente se houver cobertura e qualidade adequadas na sua realização. A eficiência pondera a relação entre o impacto real e os custos das ações. Assim, é que o mapeamento genético realizado de rotina no pré-natal para diagnósticos de síndromes genéticas tem uma baixa eficiência, pois tem conass documenta . n7 49 50 conass documenta . n7 um alto custo para detectar pouquíssimos casos, além do que o diagnóstico das síndromes genéticas, durante a gestação, não se traduz em redução da morbi-mortalidade. Uma outra concepção interessante é a idéia de meta-avaliação. Para Scrivem (1991), a meta-avaliação é a avaliação da avaliação, ou dos avaliadores e representa um compromisso ético e científico, já que implica decisões que vão interferir com a saúde e o bem-estar da população. Ela pode ser realizada na forma de uma auto-avaliação do profissional responsável pela avaliação, utilizando um checklist cientificamente validado, ou por um pesquisador externo. Seja como for, a meta-avaliação deve, como em qualquer processo avaliativo, ter conceitos claros, ser compreensível em todos os detalhes, ser efetiva, ter credibilidade e ética; ser factível e ser relatada em espaços apropriados. Os padrões de mérito devem ser explícitos e a forma de apresentação deve ser adequada, buscando responder às necessidades que desencadearam a avaliação. Para finalizar esta parte do artigo, é importante a afirmação de Contandriopoulos et al. (1997, pg. 45): “É até provável que quanto mais uma avaliação seja bem-sucedida, mais ela abra caminhos para novas perguntas. Ela semeia dúvidas sem ter condições de dar todas as respostas e não pode nunca terminar realmente, deve ser vista como uma atividade dinâmica no tempo, apelando para atores numerosos, utilizando métodos diversos e envolvendo competências variadas.” 2. Concepção e Conceituação de Avaliação da Atenção Primária1 A cobrança crescente da sociedade civil por resultados visíveis que atestem o correto uso dos recursos públicos e melhorem sua qualidade de vida; o limitado sucesso de muitos programas; e o desconhecimento dos efeitos e impactos produzidos pelos investimentos realizados nas políticas públicas e nos programas e projetos de desenvolvimento social têm feito com que os governos, organizações não governamentais, fundações de corporações públicas e privadas, principalmente agências internacionais de fomento e os países doadores reivindiquem, cada vez mais, a inclusão de metodologias de monitoramento e avaliação de processo, resultados e impacto dos programas implementados. Na América Latina, são raros os programas que aprofundam seus esforços avaliativos, no sentido de demonstrar efeitos e impactos. A maior parte deles restringe-se apenas à descrição das discrepâncias entre o realizado e o programado, e entre os recursos implementados e as coberturas alcançadas. E o campo da Atenção Primária não está imune a essas demandas sociais. Em 1978, em Alma Ata (ex-União Soviética, atual Kazaquistão), o conceito de Atenção Primária ganhou espaço internacional como estratégia de extensão de cobertura para populações com acesso precário a serviços de saúde. Evoluiu, posteriormente, e passou a ser compreendido como a “base da pirâmide assistencial”, na lógica de organização de serviços, que se constitui como “primeiro contato” do usuário com uma rede hierarquizada. Hoje em dia, atinge o status de um conjunto estratégico de intervenções de saúde de caráter individual e coletivo, com alto potencial de reorientar as ações de saúde no âmbito de sistemas de saúde públicos e privados, tanto no Brasil, como no exterior. Desde então, temos nos deparado com dificuldades em determinar o que devemos definir como “produto” da operação de um serviço ou de uma rede de Atenção Primária. Como diz Starfield (2002) “na atenção primaria, muitos dos problemas dos pacientes são tão pouco entendidos que a natureza de seu curso ou progressão é desconhecida. Diferentemente, da área hospitalar, em que uma admissão pode ter um ponto de entrada e saída mais claras e, portanto, resultados serem mais facilmente 1 Seguimos aqui a denominação "Atenção Primária" proposta pelo CONASS (2003) no seu 2º Seminário para a Construção de Consensos. conass documenta . n7 51 52 conass documenta . n7 descritos, no ambiente ambulatorial o ”produto“ é difícil de se definir e até de medir”. Campbell et al., (2003) alinham-se com esse debate e adicionam que “muitas áreas em saúde tem uma frágil base metodológica para medir sua performance e que isso é mais nítido, ainda, na área de atenção primária”. Muitos autores vêm aceitando o desafio de construir uma base metodológica mais sólida para avaliação em Atenção Primária (HOLLAND, 1983; MCCORMICK, 1983, VUORI, 1989; MADUREIRA, 1989; BLACK, 1990; OPAS 1992; MEDINA et al., 2000; HARTZ, 2000; BODSTEIN, 2002; STARFIELD, 2002; CAMPBELL, 2003), mas o campo, ainda, encontra-se aberto a experimentações que possibilitam uma ampla variedade de “desenhos”, “indicadores” e de “categorias avaliativas”. Há, ainda, um predomínio dos estudos que enfocam a avaliação dos aspectos assistenciais e individuais da Atenção Primária. Por exemplo: os estudos internacionais de Edward et al. (1985), que abordam a auditoria da dor abdominal, o de Gonella et al. (1995), que analisa hipertensão e diabetes, bem como os brasileiros de Silveira et al. (2001), sobre atendimento pré-natal os de Oliveira et al. (2002), sobre amamentação. A partir do desencadeamento de reformas dos sistemas de saúde em muitos países, no final da década de 80 e início da de 90, começam a surgir estudos avaliativos mais voltados para o desempenho da rede de Atenção Primária, como um todo e não apenas para aspectos assistenciais de serviços isolados. Por exemplo, Murray e Jolley (1999), na Austrália; Conill (2002), no Brasil; Koppel et al. (2003), na Estônia e Villabi et al. (2003), na Espanha. Outro debate que permeia o campo da avaliação em Atenção Primária é sobre a natureza e o desenho da avaliação que se quer desenvolver, ou, em outras palavras, quais categorias avaliativas devem ser consideradas e quais metodologias são mais apropriadas. Bodstein (2002) discute que...“é no nível municipal que ocorre o processo de implementação da política de Atenção Básica, gerando efeitos de difícil avaliação, dada a diversidade de contextos locais”. A autora sugere, então, a importância de se “avaliarem processos e resultados intermediários voltados para o desempenho institucional, que podem ser traduzidos em vontade política e compromisso público, capacidade de gestão e maior controle e participação social, mais do que exatamente efeitos ou impactos mais diretos sobre a oferta de serviços”. Já Hartz (2002) adverte que esta proposta faria com que “monitoramento” e “avaliação” não se distinguissem entre si, borrando o limite entre si e ofuscando o papel crítico que uma avaliação não normativa poderia ter no aprimoramento dos programas. A autora propugna então que as duas atividades sejam separadas e com características e objetivos distintos e aponta o “monitoramento” como contínuo, com foco nos produtos e resultados imediatos, desenvolvida por avaliadores internos, munidos de dados de rotina, enquanto a avaliação seria episódica, com foco na efetividade e no impacto, feita por avaliadores externos, munidos de dados gerados por estudos e investigações específicas (Hartz, 2002). Conill (2002) sugere que, para além de uma “avaliação processual”, como sugere Bodstein (2002), as categoriais “acesso”, “integralidade” e “controle social” sejam, também, levadas em conta. Bodstein (2002) concorda com a importância desses atributos, mas argumenta ser difícil traduzi-los em indicadores que possam ser usados em distintos contextos. Concordamos com a proposta de Bodstein (2002), pois entendemos que, do ponto de vista do gestor, priorizar o foco da análise em produtos intermediários atende mais ao processo de tomada de decisões do que uma avaliação que busque indicadores de resultados e impacto. Como mencionamos anteriormente, avaliar refere-se ao intento de se determinar o mérito ou valor de uma intervenção. No caso da Atenção Primária, segundo um ideário já consagrado e em constante evolução, à atividade de avaliação proposta não corresponderia o papel de “determinar o seu mérito ou valor” recomendando, ou não, sua substituição por um novo projeto ou programa. Isso porque documentos elaborados por formuladores de políticas públicas e artigos científicos da área demonstram a pertinência e os fundamentos teóricos da estratégia da Atenção Primária. Com isso, poder-se-ia deslocar o olhar avaliativo para uma análise mais contextualizada da estratégia em cada um dos municípios brasileiros ou territórios específicos, enfocando-a no processo de implementação da Atenção Primária, na sua gestão e no comprometimento dos atores envolvidos. Essas considerações não querem fazer da Atenção Primária um dogma, como se fosse uma intervenção impermeável a juízos de valor e mérito quanto aos seus constituintes teóricos e estratégicos, mas apenas delimitar o escopo da avaliação do ponto de vista da gestão. Com isso, não descartamos que há um campo aberto e frutífero para a pesquisa avaliativa, como sugere Hartz (2000) e Hartz (2003)2. Para além desse debate, é importante delinear alguns princípios gerais que poderiam permear um projeto de avaliação de Atenção Primária. Participação: a avaliação deve envolver, de uma maneira apropriada, em cada estágio da análise, todos aqueles que têm interesse legítimo na iniciativa que está sendo avaliada. Múltiplos métodos: a avaliação deve ser delineada, utilizando-se elementos de vários 2 Ao leitor interessado em aprofundar-se neste debate, sugerimos reportar-se à Revista Ciência e Saúde Coletiva, volume 7 No 3, 2002, onde, a partir do artigo de Bodstein (2002), “Atenção Básica na agenda da saúde”, um conjunto de autores - com destaque para, Canesqui (2002), em “Sobre a avaliação da Atenção Básica”; Hartz (2002), em “Institucionalizar e qualificar a avaliação: outros desafios para a Atenção Básica”; e Conill (2002), em “Complementando a discussão sobre a Atenção Básica: podem o acesso, a integralidade e o controle social se constituírem em temática de consenso para a avaliação da Reforma Brasileira” - debatem o tema proposto por Bodstein. conass documenta . n7 53 54 conass documenta . n7 campos disciplinares, lançando mão de vários procedimentos para coletar dados, assegurando que seja utilizado um mix de informação relacionado com processo e resultado. Capacitação (capacity building): a avaliação deve aprimorar a capacidade de indivíduos, organizações e governos de equacionar relevantes problemas de Atenção Primária. Adequabilidade (appropriateness): a avaliação de iniciativas de Atenção Primária deve ser planejada levando-se em conta a natureza complexa da intervenção e o seu impacto de longo prazo. 3. Metodologias de Avaliação e Monitoramento da Atenção Primária O debate em torno do tema assinalado no título, acima, tem estado presente de forma importante na literatura nacional e internacional (BEACHAM et al., 2003; CAMPBELL et al., 2003; KOPPEL et al., 2003; PRO-ADESS, 2003; ROBLIN et al., 2003; VILLALBI et al., 2003; HARTZ, 2000; MEDINA et al., 2000; RODRIGUES et al., 2000; SILVEIRA et al., 2000; BOND, 1999; MURRAY e JOLLEY, 1999; MADUREIRA et al., 1989, bem como os autores mencionados nos dois tópicos, acima)3. A partir desses autores, selecionamos aspectos que reputamos relevantes para o presente artigo e, por meio deles, criamos “nossa lente” para leitura e síntese do material selecionado: esquemas conceituais gerais, desempenho assistencial, fixação de parâmetros de boa prática, avaliação de impacto, desempenho de sistemas nacionais de saúde. Com isso, criamos o seguinte roteiro para construir uma possível “seqüência metodológica” passível de aplicação em contextos distintos: apresentação de um arcabouço conceitual geral para avaliação de Atenção Primária que denote o esforço da literatura para construir base metodológica para esse campo de avaliação; apresentação de uma breve seleção de metodologias que enfatizem a avaliação de aspectos assistenciais de serviços isolados; apresentação de um exemplo de elaboração de protocolo, indicador e padrões para avaliação de desempenho clínico; apresentação de metodologias/indicadores que denotem esforço para avaliar resultados e impactos de serviços de Atenção Primária; apresentação de aspectos relevantes de estudos de casos de avaliação de desempenho de sistemas de saúde nacionais; apresentação de um projeto nacional para desenvolvimento de metodologia de avaliação do desempenho do sistema de saúde brasileiro (PRO-ADESS). conass documenta . n7 55 56 conass documenta . n7 3.1 Apresentação de um arcabouço conceitual geral para avaliação de Atenção Primária que denote o esforço da literatura para construir base metodológica para esse campo de avaliação Como já dissemos, anteriormente, a avaliação em Atenção Primária possui uma frágil base metodológica e conceitual. No entanto, há tentativas importantes de preencher essa lacuna para que se avance nesse campo. Starfield (2002), valendo-se da consagrada tríade de Donabedian (1980) – estrutura, processo e resultados – apresenta um marco conceitual (ver, abaixo) que pode se constituir numa aproximação útil para quem deseja empreender um processo avaliativo mais sistemático. O fato de que Villalbi et al. (2003) utilizam esse marco na avaliação da reforma da Atenção Primária em saúde, em Barcelona, Espanha, indica grau de validação e aplicabilidade dos conceitos e indicadores sugeridos. De uma forma resumida, Starfield (2002) indica “aspectos da estrutura dos serviços” (pessoal, instalações e equipamentos, variedade do serviço, financiamento, etc) denominados de CAPACIDADE (OU ESTRUTURA), ou “produtos intermediários”, inseridos na dinâmica do atendimento aos pacientes (reconhecimento do problema, diagnóstico, conduta, returno, etc), denominados de DESEMPENHO (OU PROCESSO). O marco conceitual de Starfield (2002), também, indica formas para se avaliar RESULTADOS para a saúde e sugere: longevidade, desconforto, percepção de bem-estar, riscos, capacidade de recuperação, entre outros. A autora sugere que a divisão em “caixinhas” é apenas didática e que não há descontinuidade entre CAPACIDADE e DESEMPENHO, pois estabelece uma linha tênue entre a provisão e recebimento da atenção como um continuum da relação entre capacidade e desempenho. A inclusão no marco conceitual das “características culturais e de comportamento”, bem como o “ambiente social, político, econômico e físico” mostram a compreensão da autora de que a utilização do modelo pressupõe a influência, sobre ele, do contexto em que está inserido o serviço sob avaliação. 3.2 Apresentação de uma breve seleção de metodologias que enfatizem a avaliação de aspectos assistenciais de serviços isolados Uma das fontes de dados mais utilizadas para avaliar a qualidade da Atenção Primária do ponto de vista assistencial, são os prontuários clínicos. Duas técnicas valemse de informações sobre diagnósticos, exames, consultas, etc, contidas nos prontuários: os perfis de atenção que comparam serviços distintos em relação a esses dados coletados, e a auditoria, que analisa o cuidado baseado em critérios de boa prática definidos a priori. Um estudo relatado por Payne (1984) avalia a qualidade da atenção em cinco tipos de unidades de saúde, que incluem ginecologia, medicina de família, medicina interna e pediatria de serviços privados, universitários e de medicina de grupo. Dez condições foram padronizadas e depois revisadas em prontuários, para seu desenvolvimento real: exames periódicos em adultos, exame ginecológico periódico, exame médico pediátrico periódico, uso terapêutico de medicamentos com efeitos colaterais importantes, anemia, hipertensão, doença cardíaca crônica. vulvovaginites, infecções agudas e crônicas do trato urinário. Os resultados mostraram que os médicos mais jovens e os médicos especialistas tiveram melhor desempenho e que a titulação não estava, consistentemente, associada com bom desempenho. Essas técnicas, entretanto, estarão sempre na dependência da qualidade dos registros (CLEMENTS, 1992). A técnica do estadiamento da gravidade da doença atendida em Atenção Primária, proposta por Gonella et al. (1984), infere que, quanto mais grave o estado de uma pessoa que procura um serviço de Atenção Primária, presume-se que menos adequada foi a atenção anterior dispensada ao paciente. A abordagem do algoritmo é uma análise de fluxo da atenção que parte, não de padronização de tratamentos, mas, sim, do estabelecimento de um fluxograma de cuidados a partir de um problema (dor de cabeça) e não de um diagnóstico (GREENFIELD et al., 1981). A padronização de fluxos de cuidado melhora o registro nos prontuários e diminui consumos de remédios e exames. Para concluir essa amostra de metodologias para avaliar qualidade assistencial, resumimos o método do marcador (ou traçador) proposto por Kessner et al., 1973. A avaliação começa com a identificação de um problema na comunidade, por exemplo, asma, e segue-o por meio de processo de atenção médica para determinar quando e, se existe atenção de má qualidade. Os pacientes são selecionados por pesquisas, na comunidade, tomando como referência o “traçador” definido a priori, por exemplo: hipertensão, atenção pré-natal, faringite estreptocócica, imunizações, como adotado por Nutting et al. (1981), em seu estudo. O serviço de referência para as pessoas selecionadas é, então, identificado, e seu processo de atendimento é seguido desde o reconhecimento do problema até a alta, passando pelo diagnóstico, condutas e acompanhamento do caso. 3.3 Apresentação de um exemplo de elaboração de protocolo, indicador e padrões para avaliação de desempenho clínico Há também relatos de estudos de caso de avaliação, por exemplo, de uma clínica de Atenção Primária de adultos, em que os profissionais do serviço, a priori, conass documenta . n7 57 58 conass documenta . n7 estabelecem um nível hipotético de desempenho (“padrão de boa prática”), que eles consideram adequado e comparam o nível de desempenho real com esse padrão, levando-se em conta algumas categorias: longitudinalidade21, integralidade, coordenação, manutenção de registros, habilidades comunicativas, qualidade da atenção (BARKER et al., 1989). O Quadro 1 mostra um outro exemplo, que pode ser útil para os gestores, sobre o estabelecimento de protocolos, indicadores e padrões sobre condições específicas de atendimento em UBS tradicional ou no PSF. QUADRO 1: Definição e exemplos de um protocolo, indicadores, critérios e padrões para a conduta com pacientes hipertensos Definição Protocolo (ou diretriz) Indicador Critérios Padrão Meta para o padrão Resultado obtido Fonte: Campbell et al. (2 Definições desenvolvidas sistematicamente para ajudar médicos e pacientes a tomarem decisão em circunstâncias clínicas específicas. Eles, essencialmente, definem a melhor prática. Elemento passível de mensuração da performance da prática, na qual há evidência ou consenso que podem ser usados para avaliar qualidade do cuidado Definições, sistematicamente desenvolvidas, relacionadas a um único ato médico. A definição é a mais clara possível, possibilitando determinar retrospectivamente que elemento do cuidado ocorreu. Exemplo Se a leitura da pressão sangüínea se eleva em uma ocasião, o paciente teria seguimento em duas outras ocasiões, no prazo de 6 meses Paciente com pressão sangüínea > 160/90 mm Hg teria nova medida de pressão, no prazo de 3 meses Se a pressão arterial de um único paciente for > 160/90mm Hg, ela foi medida novamente pelo prazo de 3 meses? Nível de adesão ao critério ou indicador Estabelecido prospectivamente como nível de cuidado a ser atingido Nível de cumprimento da meta 90% dos pacientes de um serviço com pressão arterial > 160/90mm Hg devem ter sua pressão medida novamente, num prazo de 3 meses 80% dos pacientes de um serviço com pressão arterial > 160/90mm Hg devem ter sua pressão medida novamente, num prazo de 3 meses conass documenta . n7 59 60 conass documenta . n7 3.4 Apresentação de metodologias/indicadores que denotem esforço para avaliar resultados e impactos de serviços de Atenção Primária O debate sobre priorizar medidas de processo/resultados intermediários ou de impacto persiste na literatura e não há sinais de que irá diminuir. Entretanto, há autores que não fazem disso uma polarização, e entendem ser possível uma combinação dessas duas dimensões do cuidado em projetos avaliativos. Há, então, proposições de se compor o esquema capacidade/ desempenho/resultados com algumas medidas específicas para impacto populacional, com relação a algumas condições selecionadas: diabetes, doenças cardiovasculares, câncer de mama, câncer cervical, doenças infecciosas e parasitárias (incluindo AIDS), asma, gestação e programas de vacinação. O Quadro 2, abaixo, baseado em Starfield (2002), exemplifica esse esforço em relação a duas condições: um programa – imunização – e uma doença - câncer de mama. QUADRO 2: Proposição da aplicação completa do modelo de Starfield (2002) para câncer de mama e programas de imunização Condição CÂNCER DE MAMA IMUNIZAÇÃO Capacidade (Estrutura) - Presença de serviços de mamografia (diretamente ou por encaminhamento) - Disponibilidade de imunizações adequadas à idade Sistema de rastreamento - Sistema de lembrete - Encaminhamento / recebimento de mamografias - Acompanhamento de mamografias anormais - Agressividade do tratamento - Menos oportunidades perdidas - Redução do estágio da doença no decorrer do tempo - Recebimento de antígenos de forma oportuna (pode escolher vários pontos de saída) - Mortalidade reduzida - Incidência reduzida de doenças previsíveis, por imunização Desempenho (Processo) Resultados Intermediários Impacto Fonte: Starfield (2002) 3.5 Apresentação de aspectos relevantes de estudos de casos de avaliação de desempenho de sistemas de saúde nacionais As proposições, acima enunciadas, denotam esforços importantes de caracterização de um “produto” da Atenção Primária, mas, ainda, limitariam-se a um enfoque sobre a qualidade da atenção individual (desempenho clinico), ou sobre a atenção a uma população de usuários registrados em serviços específicos. Ainda, ficaria de fora desse esforço uma visão avaliativa sobre uma rede de serviços e como ela responderia a necessidade de saúde de uma população em geral e sobre a importante questão da eqüidade. O Quadro 3, a seguir, proposto por Starfield (2002), faz uma tentativa de ampliar os aspectos a serem considerados numa avaliação de Atenção Primária para além do desempenho meramente assistencial, em que três características estão envolvidas na avaliação dos programas de Atenção Primária: (1) aspectos exclusivos da Atenção Primária; (2) aspectos derivativos; e (3) aspectos fundamentais, mas não exclusivos. Essas “categorias avaliativas” propostas estão listadas na primeira coluna do Quadro 3. conass documenta . n7 61 62 conass documenta . n7 QUADRO 3: Lista de categorias avaliativas propostas, tipo de informação necessária para avaliá-las e respectivas fontes de informação para obtê-las Categoria Avaliativa Tipo de informação necessária Fontes de informação Aspectos exclusivos - Acessibilidade da unidade - Acesso à atenção - Uso da unidade como local de primeiro contato - Projeto do programa - Pesquisa - Formulários de queixa / auditoria / entrevista LONGITUDINALIDADE - Definição da população eletiva - Conhecimento do paciente e de seu meio social - Extensão e força da relação com os pacientes, não importando o tipo de necessidade para a atenção - Registro de idade e sexo - Auditoria de registro / entrevista - Queixas / auditoria de registros / entrevista - Entrevista / pesquisa INTEGRALIDADE - Espectro de problemas a serem tratados - Atividades preventivas primárias e secundárias - Reconhecimento e manejo dos problemas de saúde (incluindo saúde mental) na população - Porcentagens de pessoas manejadas referenciadas sem encaminhamento - Projeto do programa - Formulários de queixa / auditoria do prontuário - Projeto do programa (por exemplo, consultas domiciliares) / auditoria de registro / entrevista - Sistemas de informações clínicas COORDENAÇÃO DA - Mecanismos para continuidade - Reconhecimento de informações de consultas prévias - Reconhecimento de consultas para encaminhamento / consultoria (ocorrências e resultados) - Projeto do programa (pessoal, registros) - Auditoria do prontuário - Projetos do programa / auditoria do prontuário ATENÇÃO AO PRIMEIRO CONTATO ATENÇÃO Categoria Avaliativa Tipo de informação necessária Fontes de informação Aspectos essenciais, mas não exclusivos FORMATO DO PRONTUÁRIO MÉDICO CONTINUIDADE DA ATENÇÃO COMUNICAÇÃO PROFISSIONAL - Lista de problemas - Exatidão do preenchimento do prontuário médico - Unidade de prontuário - Auditoria de prontuário - Porcentagem de consultas com o mesmo profissional no acompanhamento - Sistemas de informação - Conteúdo / qualidade da interação - Observação / gravação em fita - Qualificação do pessoal - Adequação, exatidão e oportunidade dos serviços - Projeto do programa - Auditoria do prontuário, observação, entrevista, pacientes simulados - Conhecimento dos recursos da comunidade - Uso dos serviços da comunidade - Entrevista (pessoal) - Auditoria do prontuário / entrevista PACIENTE QUALIDADE CLÍNICA DA ATENÇÃO PROTEÇÃO DOS PACIENTES Aspectos Derivativos CENTRADO NA FAMÍLIA COMPETÊNCIA CULTURAL ORIENTADO PARA A COMUNIDADE Conhecimento dos membros da família Conhecimento dos problemas de saúde dos membros da família Auditoria do prontuário / entrevista Auditoria do prontuário / entrevista Providências para atender a necessidades especiais associadas às características culturais Prestação de serviços especiais para atender às necessidades culturais Projeto do programa (administração) Levantamento Mecanismos para alcance do conhecimento das necessidades de saúde da comunidade Participação nas atividades comunitárias Envolvimento comunitário na unidade Conhecimento das estatísticas da comunidade / entrevista Entrevista Projeto do programa Fonte: Starfield, 2002 conass documenta . n7 63 64 conass documenta . n7 Sem dúvida, essa lista de categorias avaliativas listadas extrapola o desempenho clínico exclusivo e amplia a visão avaliativa. No entanto, ainda, concentra-se em fontes de dados individuais: prontuários, formulários de queixas, entrevistas e métodos de observação da prática individual, o que poderia dificultar a elaboração de indicadores para serem comparados com outras redes de serviços ou conformar base populacional de análise. Três estudos de casos de avaliação mais abrangente de Sistemas de Saúde foram selecionados para uma análise mais cuidadosa: Koppel et al (2003) avaliam a reforma da Atenção Primária na Estônia (situada na Europa, esse país báltico pertencia à ex-União Soviética); Villabi et al. (2003) avaliam a reforma da Atenção Primária em Barcelona, Espanha, iniciado em 1985 e que “está na suas etapas finais”; e Conill (2002), que avalia o Programa de Saúde da Família (PSF) em Santa Catarina. A reforma na Estônia, que se iniciou em 1992, teve como principais características: o desenvolvimento da Atenção Primária, pela introdução da “medicina familiar”; a garantia a toda população do acesso ao “médico de família”; e a busca por um financiamento estável para esses serviços (KOPPEL, 2003). A avaliação utilizou um conjunto de indicadores para avaliar a reforma baseada em critérios da economia da saúde – eficiência alocativa, eficiência técnica e sustentabilidade financeira – construídos a partir de bases de dados coletados rotineiramente pelo “Fundo Estoniano de Seguro Saúde Solidário” e pelo “Departamento de Estatística e Análise do Ministério da Gestão Social”. Os Quadros 4, 5 e 6 mostram esses indicadores. QUADRO 4: Indicadores de eficiência alocativa da Atenção Primária na Estônia, 1997-1999 Indicador 1997 1998 Número de médicos especializados em medicina de família (freqüência acumulada) Número de médicos de família / 10.000 habitantes Proporção entre número real de médicos e quantidade planejada Média de pacientes por médico 174 Relação do número de enfermeiras em relação aos médicos de família Fonte: Koppel (2003) baseado em Kalda (2001) 1999 Meta 299 370 807 1.2 22% 2.1 37% 2.6 46% 5.8 100% __ 1654 1651 __ __ __ 1900 400 1:1 +/- QUADRO 5: Indicadores de eficiência técnica da Atenção Primária na Estônia, 1997-1999 Indicador 1997 1998 1999 Média anual de consultas por médico de família Média anual de consultas por habitante/ano Número médio de visitas por pessoa nas listas de pacientes Proporção de consultas domiciliares em relação às outras consultas Proporção de médicos de família que possuem equipamentos completos 3230 0,39 __ 4471 0,92 1,68 4122 1,06 1,44 13,0% 12,7% 10,9% __ 52%* __ - a partir de 2000 está sendo contabilizado o “número de referências para outros níveis de atenção, por número de paciente na lista” * dado não monitorado de rotina Fonte: Koppel (2003) baseado em Kalda (2001) QUADRO 6: Indicadores de sustentabilidade financeira Indicadores Proporção de captação dentro do orçamento dos médicos de família Proporção de pagamentos básicos do consultório efetuados dentro do orçamento dos médicos de família Percentagem de gastos com exames e procedimentos pagos separadamente e não incluídos no recurso de captação Fatia de gastos com Atenção Primária em relação ao total de gastos com todos os serviços no seguro saúde Fatia de gastos com Atenção Primária em relação ao total de gastos 1997 1998 1999 __ 73% 73% __ 11% 11% __ 18% 18% __ 14,9% 14,9% __ 8,2% 8,2% Fonte: Koppel (2003) baseado em Kalda (2001) Comentários em relação ao estudo de Koppell et al. (2003): indicadores de eqüidade de acesso e de financiamento não foram incluídos no conjunto de indicadores; o ritmo da reforma não pôde ser avaliado, pois não há dados disponíveis antes de 1997; métodos qualitativos precisam ser agregados aos dados quantitativos; os dados foram capazes de detectar mudanças no sistema de Atenção Primária. Villalbi et al. (2003) adotaram o marco conceitual de Starfield (2002), acima apresentado, para avaliar as reformas da Atenção Primária ocorridas em Barcelona, conass documenta . n7 65 66 conass documenta . n7 Espanha, a partir de 1985. O artigo não apresenta os resultados obtidos, pois a avaliação, parece que se encontra, ainda, em andamento. Entretanto, o artigo aponta as necessidades, os requerimentos e os objetivos que um projeto de avaliação em Atenção Primária deveria conter: à medida que um novo modelo substitui um anterior, é necessário que profissionais e suas organizações sejam envolvidos na definição de objetivos da avaliação; deve-se estimular processo de auto-avaliação por profissionais e suas associações; os desenhos avaliativos propostos devem ter uma rica diversidade de desenhos e resultados; os eixos da avaliação podem se diferenciar entre os distintos atores envolvidos: os profissionais teriam maior interesse em monitorar seus progressos, os que financiam os serviços teriam maior interesse em avaliar os êxitos e fracassos em relação aos objetivos estabelecidos entre distintos provedores, e os provedores teriam que demonstrar interesse pelos dois eixos de interesse dos profissionais e dos financiadores; toda avaliação cujos resultados não tenham conseqüências é inútil. Teria que gerar subsídios para informar o processo de tomada de decisões e ter implicações na distribuição de recursos; a avaliação não pode ser um exercício ritual, pois perderia credibilidade entre os profissionais. Por isso, é fundamental que os resultados sejam devolvidos e discutidos com todos os envolvidos com o sistema ou serviços considerados; se for objetivo da avaliação ter uma perspectiva populacional mediante o estudo de registros de morbidade, mortalidade e atenção hospitalar ela deve definir com clareza o território sob análise e quais serviços de Atenção Primária a ele se referem; ao se avaliar resultados e impacto de serviços de Atenção Primária sobre uma determinada população, é importante caracterizar a estrutura de idade, sexo e as condições de vida e seu nível de saúde prévio; avaliação requer desenvolvimento de sistemas de informação mais abrangentes que os dados rotineiramente coletados; uma diversidade de fontes de informação é necessária, entre elas, a opinião dos usuários. A utilização de instrumentos validados e que avaliam não somente a satisfação dos usuários é necessário. O Primary Care Assessment Tool (Instrumento de Avaliação da Atenção Primária) é apontado como um método promissor (SHI et al., 2001) O estudo de Conill (2002) que avaliou o PSF em Florianópolis, Santa Catarina, sob a ótica de duas categorias avaliativas, “acesso” e “integralidade”, fornece um quadro claro dos procedimentos metodológicos utilizados, o que muito ajudaria quem quiser replicar esse estudo em sua realidade específica. Procedimentos metodológicos utilizados: análise temática a partir de: entrevistas semi-estruturadas com técnicos e gestores sobre suas percepções das políticas municipais no período dezembro de 1999 a março de 2000, documentos, atos legislativos e observação participante da IV Conferência Municipal de Saúde de Florianópolis para contextualizar o programa sob análise; cinco equipes foram selecionadas numa amostra intencional (entre as 25 existentes) e estudadas por meio de observação direta, entrevistas, documentos e análise do SIAB; definição de critérios que podem influenciar o produto de uma organização de Atenção Primária, em conjunto com informantes-chaves: contexto, características da comunidade, história e interesse dos atores que iniciaram o programa; incluiu-se, no estudo, a opinião de 20 familiais (4 por equipe, divididas em “muito freqüentadora” e “pouco freqüentadora” da unidade); a operacionalização das variáveis deu-se em torno dos princípios do PSF, articulados em dois grandes blocos: acesso e integralidade; o acesso foi entendido como “físico”: área, material, equipamentos, recursos, humanos e “vínculo psico-sociocomunitário”: disponibilidade de serviço e interação; a integralidade foi subdividida em “caráter completo do cuidado”: gama de serviços ofertados e “continuidade”: referência, acompanhamento dos grupos de risco, atendimento domiciliar. Entre os resultados obtidos pelo projeto de avaliação destacam-se os seguintes: aumento na oferta de serviços; grande diversidade de práticas; grau de implantação moderadamente adequado; maior integralidade na atenção, mas com problemas de acesso (relação equipe/número de famílias). 3.6 Apresentação de um projeto nacional para desenvolvimento de metodologia de avaliação do desempenho do sistema de saúde brasileiro (PRO-ADESS) A OMS (Organização Mundial de Saúde) e a OECD (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento) apresentaram, recentemente, metodologias de avaliação de desempenho de Sistemas de Saúde, baseados em resultados de saúde (OMS) e efetividade (OECD). O Relatório da OMS (WHO, 2000) mostrou-se polêmico com sua proposição de um indicador composto, gerado por um conjunto de variáveis, aplicado a todos os países (Overrall Health System Performance). Críticas contundentes foram feitas ao modelo, e uma resposta brasileira a esse conjunto de críticas traduziu-se na conformação de um conass documenta . n7 67 68 conass documenta . n7 projeto de desenvolvimento de metodologia de avaliação do desempenho do sistema de saúde brasileiro - PRO-ADESS –, que reuniu um conjunto de renomados pesquisadores de instituições acadêmicas nacionais (FIOCRUZ, 2003). Optou-se por incluir, nesse artigo, o material desse projeto, pela sua abrangência e ineditismo, pelo qual seus resultados estão sendo divulgados pela internet no sítio www.proadess.cict.fiocruz.br. Mesmo não sendo uma proposta específica de avaliação para Atenção Primária, o modelo conceitual estabelecido (Anexo 1), o conjunto de categorias avaliativas propostas (anexo 2) e a lista de indicadores baseados nessas categorias, obtida de fontes de diversos países (anexo 3), poderiam ser utilizados para esse fim. 3.7 Avaliar ou monitorar? Os exemplos de metodologias, acima mencionados, propiciam um olhar panorâmico sobre a literatura da área. São muito mais pesquisas avaliativas do que experiências de monitoramento. A própria fonte de pesquisa utilizada, Medline e Lattes, propicia essa maior concentração de pesquisas avaliativas, geralmente, desenvolvida por centros universitários, em detrimento de relatos de monitoramento. Isso não quer dizer, entretanto, que organizações não universitárias, como os serviços de saúde não possam desenvolver pesquisas avaliativas. Pode até ser que já venham desenvolvendo-as, mas não possuem a tradição de publicá-las em revistas científicas. Já os estudos e projetos apresentados, neste texto, propiciam a escolha de indicadores passíveis de ser monitorados rotineiramente. O PRO-ADESS e a avaliação do sistema de saúde, na Estônia, são dois exemplos ilustrativos. O Pacto de Indicadores da Atenção Básica desencadeado a partir de 1998, com as portaria GM/MS No 3.925, certamente, valeu-se de muitos destes indicadores propostos pela literatura. E ele, certamente, é um instrumento para debater caminhos para o monitoramento da Atenção Primária, no Brasil. O artigo de Carvalho et al. (2000), sobre a experiência da Paraíba, é uma demonstração de como ele vem sendo utilizado. Em reportagem da Folha de São Paulo de 16 de fevereiro de 2004, em que se debate o aumento da desigualdade social, a coordenadora da área de saúde da criança da SMS de São Paulo, entrevistada pelo jornal, mostra outra utilidade do Pacto, ao citar dados de monitoramento da Atenção Básica: “hoje, ainda, 39% das mulheres, em média, fazem menos consultas de pré-natal do que o necessário. Em áreas de exclusão, o percentual chega a 44%”. Ela ressaltou ainda, mostrando o que é uma atividade de monitoramento, que “entre 2001 e 2002 aumentou de 51,4% para 55,7% o percentual de mulheres que fazem um mínimo de sete consultas de pré-natal”. 4. Como observação final para refletirmos juntos: visita a um restaurante Esse texto teve como objetivo atender aos três pontos demandados pelo CONASS sobre avaliação da Atenção Primária: (1)“referencial teórico sobre acompanhamento, monitoramento, avaliação e supervisão”; (2) “concepção e conceituação de avaliação da Atenção Primária”; (3) “metodologias de avaliação e monitoramento da Atenção Primária”. Apresentamos, abaixo, uma analogia em relação ao referencial teórico sobre o tema que poderia servir como material didático para problematização em oficinas e capacitações. Um jornalista que faz crítica culinária, quando visita restaurantes e pede alguns pratos, “julga o mérito e o valor” daquele restaurante a partir de seus pedidos. Isto é, avalia a qualidade do restaurante em questão e emite um parecer, a sua reportagem que será publicada num jornal. O chefe da cozinha desse restaurante, que, ali, havia introduzido esses pratos, por criação própria ou por imitação de outros, provava, a cada três dias, suas receitas, para saber se os cozinheiros estavam combinando os ingredientes de maneira correta como ele havia projetado, isto é, monitorava seu projeto de forma contínua. Enquanto isso, o dono do restaurante visitava a cozinha, duas vezes por dia, para ver seu funcionamento e emitir ordens sobre a limpeza e organização do espaço ao chefe e aos cozinheiros, exercendo seu papel de supervisão. O dono do restaurante possuía um amigo de infância, hoje um gourmet, que o visitava semanalmente, e compartilhava com seu amigo, pratos do restaurante. Depois das refeições ia para a cozinha e conversava com o chefe e os cozinheiros, emitindo opiniões sobre o que havia provado. Em duas oportunidades, criou junto com o chefe da cozinha e seus cozinheiros duas receitas novas que foram incorporadas ao cardápio. Esse acompanhamento que o amigo fazia das receitas daquele restaurante já durava dez anos, dois a menos do que a existência do restaurante. Nesses 12 anos de existência do restaurante, vários clientes haviam provado os pratos ali servidos. Muitos voltavam sempre, outros foram apenas uma vez e alguns nunca mais voltaram, pois não gostaram dos pratos e do serviço. Nesse período, muitas receitas foram retiradas do cardápio, outras mantidas. Quanto à reportagem do jornalista, poderá ter, ou não, influência sobre a freqüência da clientela ao restaurante e, dependendo do teor do seu julgamento, conass documenta . n7 69 70 conass documenta . n7 sensibilizar, ou não, o dono do restaurante e o chefe da cozinha a introduzir modificações nas receitas e no serviço. Essa analogia poderia ajudar a identificar quem seriam os atores do SUS na “provisão das nossas refeições” e que papel cada um teria no processo de supervisionar, acompanhar, monitorar e avaliar a qualidade dos serviços produzidos. Com certeza, na nossa realidade, essa divisão dos limites entre o papel de cada um não aparece de forma tão clara, e até é desejável que, em alguns momentos, misturese, não para confundir responsabilidades, mas para que visões e interesses distintos possam contribuir com o todo. 5. Referências AGUILAR, Maria José, e ANDER-EGG, Ezequiel. Avaliação de serviços e programas sociais. Petrópolis: Vozes, 1995. BARKER et al. Recognition of information and coordination of ambulatory care by medical residents. Med. Care, 27: 558-62, 1989. BEACHAM B., KALUCY, L. E LOWCAY B. Priorities for research in the área of primary health care. How relevant are recently completed General Practice Evaluation Program project? Aust Fam Physician. 32(5):377-80. BLACK, Nick. Quality assurance of medical care, Journal of Public Health Medicine, 12(2): 97-104. BLUMM, Márcia H. N. (org). Vocabulário da saúde em qualidade e melhoria da gestão. Brasília: Ed. MS, 2002. BODSTEIN, Regina. Atenção Básica na agenda da saúde. Cienc. Saúde coletiva. 7(3),2002. BOND, M. Placing poverty on the agenda of a primary health care team: na evaluation of na action research Project. Health Soc Care Community. 7(1):9-16, 1999. CAMPBELL et al Research methods used in developing and applying quality indicators in primary care BMJ 325: 816-19, 2003. CANESQUI, Ana Maria. Sobre a avaliação da Atenção Básica. Cienc. Saúde coletiva. 7(3), 2002. CARVALHO, André Luis B. et all. O pacto dos indicadores da Atenção Básica: um instrumento de monitoramento e avaliação da gestão do SUS na Paraíba. Divulg. Saúde debate (20):46-51, 2000. CIENCIA & Saude Coletiva. Cienc. Saúde coletiva. 7(3), 2002. conass documenta . n7 71 72 conass documenta . n7 CLEMENTs, C. Audit: the crucial role of medical records. British Medical Journal, 304: 643,1992. CONILL, Eleonor M. Complementando a discussão sobre a Atenção Básica: podem o acesso, a integralidade e o controle social se constituírem em temáticas de consenso para a avaliação da reforma brasileira? Cienc. Saúde coletiva. 7(3), 2002. CONTANDRIOPOULOS, André- Pierre., CHAMPAGNE, François., DENIS, Jean-Louis., PINEAULT, Raynald. Avaliação na área da saúde: conceitos e métodos. In: HARTZ, Zulmira M. A. Avaliação em saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação de programas. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 1997. DONABEDIAN, A. Basic approaches to assessment: struture, process and outcome. In: DONABEDIAN, A. Explorations in quality assesment and monitoring. Michigan: Health Administration Press, 1980. EDWARDS, M. et al. Audit of abdominal pain in general practice. J R Coll General Practitioners, 35: 235-8, 1985. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio, Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1975. FIOCRUZ Desenvolvimento de metodologia de avaliação do desempenho do sistema de saúde brasileiro (PRO-ADESS), Relatório Final obtido no sítio www.proadess.cict.fiocruz.br, 2003. FOLHA DE SÃO PAULO. Para secretário, causa do problema é a crise. 16 de fevereiro de 2004 GONELLA, J et al. Staging of diseasses: a case-mix measurement. JAMA, 251 (63744), 1984; GREEFIEL et al. Comparison of a criteria map to a criteria list in quality-of-care assessment for patients wit chest pain: the relations to each to outcome. Med. Care 19:225-72, 1981. HARTZ, Zulmira M. A. Pesquisa em avaliação da Atenção Básica: a necessária complementação do monitoramento. Divulg. saúde debate. 21:29-35, 2000. HARTZ, Zulmira M. A. Institucionalizar e qualificar a avaliação: outros desafios para a Atenção Básica. Cienc. Saúde coletiva. 7(3), 2002 HOLLAND, Walter W. Evaluation of health care. Oxford, New York, Toronto: Oxford University Press, 1983. KALDA, R. Structure and outcome of family practice quality quality in the changing health care system of Estonia. Dissertacione Medicinae Universitatis Tartuensis, vol, 68, Estonia: University of Tartu, 2001(citado por Koppel, 2003). KESSNER, D et al. Assessing health quality: the case for tracers. N. Engl. J. Med, 288 (189-94), 1973. KOPPEL, A., MEIESAAR K., VALTONEN, H., MESA, A., LEMBER, M. Evaluation of primary health care reform in Estonia. Soc Sci Med. 52(12):2461-6, 2003. MADUREIRA, Paulo R., CAPITANI, Eduardo M. C., SOUZA, Gastão Wagner. Avaliação de qualidade da atenção a saúde na rede básica. Cad. Saude publica. 5(1):45-59, 1989. McCORMICK, J. Evaluating primary care. In: HOLLAND, Walter W. Evaluation of health care. Oxford, New York, Toronto: Oxford University Press, 1983. MEDINA, Maria Guadalupe; AQUINO, Rosana; CARVALHO, André L. B. Avaliação da Atenção Básica: construindo novas ferramentas para o SUS. Divulg. saúde debate. 21:15-28, 2000. MURRAY, C. e JOLLEY, G. Initiative in primary health acre: evaluation of a South Australian program. Aust Health Rev. 22(3): 155-61, 1999. NUTTING, P. et al. Assessing the performance of medical care systems: a method and its application. Med, care 20: 679-90, 198. OLIVEIRA, M. I., CAMACHO, L. A.,TEDSTONE, A. E. A method for the evaluation of primary health care units’ practice in the promotion, protection, and support of breastfeeding: results from the state of Rio de Janeiro, Brazil. J Hum Lact. 19(4):365-73, 2003. conass documenta . n7 73 74 conass documenta . n7 Organização Pan-Americana da Saúde. Health Service Reserach: an anthology, Washington: PAHO, 1992. PAYNE, B et al. Relationship of physician characteristics to performance quality and improvement. Health Services Research 19:307-32, 1984. ROBLIN, D. W., VOGT, T. M., FIREMAN, B. Primary health care teams. Opportunities and challenges in evaluation of service delivery innovations. J Ambul Care Manage. 26(1):22-35. RODRIGUES, Ricardo M., ANDRADE, Erika R. A. S., FREITAS, Giovana C. R., ESPINOLA, Juliana M. Sistemas de informação da Atenção Básica: uma avaliação qualitativa da base estadual do SIAB da Paraíba. Divulg. Saúde debate (20):61-6, 2000. SCRIVEM, Michael. Evaluation thesaurus. Newbury Park, London, New Delhi: Sage Publications, 1991. SHI, L. et al Validating the Adult Primary Care Assessment Tool, J. Fam. Pract 50: E, 2001. SILVEIRA, Denise S., SANTOS, Ina S., COSTA, Juvenal. Atenção pré-natal na rede básica: uma avaliação da estrutura e do processo. Cad. Saúde Publica, 17(1):131139, 2001. STARFIELD, Barbara. Atenção primaria: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde, 2002. VILLALBI, J. R., PASARIN M., MONTANER, I., CABEZAS, C., STARFIELD, B. Evaluation of primary health care. Aten Primaria. 31(6):382-5, 2003. VUORI, H. Research needs in quality assurance, Quality Assurance in Health Care, 1: 147-159, 1989. conass documenta . n7 75 76 conass documenta . n7