Profesorado. Revista de currículum y formación del profesorado, 10, 2 (2006) 1 O FENÓMENO DAS EXPLICAÇÕES VISTO ATRAVÉS DE UMA ANÁLISE COMPARADA 1 The private tutoring scenario: contributions to a comparative analysis Alexandre Ventura António Neto-Mendes Jorge Adelino Costa Sara Azevedo Universidade de Aveiro (Portugal) Resumen: La prácticas de apoyo al aprendizaje fuera de la escuela, que se analizan en este artículo, han merecido nuestra atención por diversas razones: 1) el hecho de que son prácticamente un fenómeno mundial, a pesar de los sistemas educativos difieran de un país a otro; 2) el hecho de que las repercusiones de las explicaciones sobre los resultados escolares puedan llevar a una reubicación de los principios de equidad e igualdad de oportunidades; 3) la constatación de que los costes financieros soportados por las familias de los alumnos, por un lado, y el número creciente de “explicadores” disponibles (trabajando a tiempo parcial o en jornada completa), por otro, confieren a esta actividad una importancia social y económica considerable. Este abordaje prima un análisis cualitativo del fenómeno de las clases particulares, con el objetivo de conocer mejor algunas de sus formas: su ejercicio en exclusividad o como complemento del salario obtenido en el decurso de otra actividad; como iniciativa de base individual, característica de una actividad liberal; en el contexto de un centro/academia local; o en el contexto de un centro de estudios con franquicia, de dimensión nacional o multinacional. Al realizar un análisis comparado de este fenómeno, buscaremos mostrar como las explicaciones constituyen una actividad promovida de forma creciente en organizaciones (centros de explicaciones), sobre todo en los grandes centros urbanos. Estos centros de explicaciones están para suplementar o competir con las escuelas utilizando metodologías de sistematización o especialización. Palabras clave: clases particulares; academia; apoyo al aprendizaje fuera del centro escolar 1 Investigação integrada no Projecto intitulado Xplika – O mercado das explicações, a eficácia escolar e o sucesso dos alunos. Equipa de investigação: Jorge Adelino Costa (coord.), António Neto Mendes e Alexandre Ventura. Projecto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e pelo Programa Operacional Ciência e Inovação 2010. Recibido: 18/06/2006 Aceptado: 07/11/2006 2 http://www.ugr.es/local/recfpro/Rev102ART2port.pdf Abstract: Private tutoring, which we will analyse in this paper, has earned our attention due to several reasons: 1) the fact that it is practically a worldwide phenomenon, even though educational systems vary from country to country; 2) the fact that the repercussions of private tutoring on pupils’ results may provoke a reequation of equity and equality of opportunity principles; 3) the belief that the financial costs sustained by the pupils’ families, on one hand, and the rising number of private tutors available (working part-time or full-time), on the other, grant this phenomenon a considerable social and economic importance. This approach privileges a qualitative analysis of the private tutoring scenario, with the aim of getting to know better some of its forms: its exercise as the sole employment of the tutor or as a supplement to the salary earned in another activity; private tutoring as a self-employment or employee activity; private tutoring that takes place in a local tutoring centre; private tutoring that takes place in a tutoring franchise, at a national or multinational level. By conducting a comparative analysis of the phenomenon, we will try to show how private tutoring is increasingly being carried out in organized businesses (tutoring centres), especially in big cities. These tutoring centres are supplementing or competing with schools increasingly using systematization and specialization parameters. Key words: Private tutoring, tutoring centres, support to the learning outside of the school Resumo: As explicações, que iremos analisar neste artigo, têm merecido a nossa atenção por diversas razões: 1) o facto de que são praticamente um fenómeno mundial, apesar dos sistemas educativos diferirem de país para país; 2) o facto de as repercussões das explicações sobre os resultados escolares poderem levar a uma reequação dos princípios de equidade e igualdade de oportunidades; 3) a constatação de que os custos financeiros suportados pelas famílias dos alunos, por um lado, e o número crescente de “explicadores” disponíveis (a trabalharem em part-time ou em full-time), por outro, conferem a esta actividade uma importância social e económica considerável. Esta abordagem privilegia uma análise qualitativa do fenómeno das explicações, com o objectivo de conhecer melhor algumas das suas formas: o seu exercício em exclusividade ou como complemento do salário obtido no decurso de outra actividade; a explicação como iniciativa de base individual, característica de uma actividade liberal; a explicação no contexto de um centro de explicações de expressão local; a explicação no contexto de um centro de explicações franchisado, de dimensão nacional ou multinacional. Ao realizar uma análise comparada deste fenómeno, procuraremos mostrar como as explicações constituem uma actividade promovida de forma crescente em organizações (centros de explicações), sobretudo nos grandes centros urbanos. Estes centros de explicações estão a suplementar ou a competir com as escolas utilizando metodologias de sistematização e especialização. Palavras finque: explicações, centro de explicações, apoio à aprendizagem fosse da escola ***** 1. INTRODUÇÃO Profesorado. Revista de currículum y formación del profesorado, 10, 2 (2006) 3 Pode afirmar-se, sem grandes margens para erro, que as explicações são um daqueles fenómenos cuja difusão à escala global não merece contestação. Aliás, pensamos não ser forçado dizer-se que a “difusão mundial da escola” (matéria que tem sido estudada, entre outros, por John W. Meyer e que já mereceu, em Portugal, honras de antologia organizada por Nóvoa e Schriewer, 2000) tem como correlato a difusão mundial das explicações. Ainda que a história das explicações esteja em grande parte por fazer (ao invés do que se passa, como sabemos, com a história da escola), parece-nos plausível admitir que o desenvolvimento dos modernos sistemas educativos e a consolidação da “gramática da escola” (Tyack e Tobin, 1994; Nóvoa, 1995), nomeadamente a centralidade conquistada quer pela pedagogia colectiva (“ensinar a todos como se fossem um só”) quer pelos exames, criaram o ambiente propício para o aparecimento de respostas educativas “alternativas” através das explicações. Sem pretendermos ser exaustivos, apresentamos de seguida alguns argumentos em que nos baseamos para fazermos a afirmação anterior: 1. as explicações podem permitir (embora tal possa não acontecer sempre) um ensino individualizado, o que contrasta com o ensino massificado oferecido pelos sistemas educativos modernos; 2. as explicações podem apresentar-se como o espaço de realização dos trabalhos de casa, o que mostra mais uma dimensão da complementaridade que pode existir com o sistema regular de ensino; 3. as explicações podem ainda realizar a função (quiçá uma das mais apreciadas pelos clientes destes serviços 2 ) de preparação para os exames, cuja relevância máxima é atingida no caso do exame nacional; 4. as explicações podem cumprir ainda a função (mais social do que académica, reconheça-se) de apoio à família, oferecendo serviços de ocupação dos tempos livres vitais para uma família nuclear cada vez mais restrita e com elevados índices de ocupação laboral fora da esfera doméstica. Sublinhar a importância das explicações no contexto educacional das sociedades parece ser um daqueles lugares comuns que aparentemente ninguém contesta. E, no entanto, essa importância não permitiu ainda que o tema conquistasse o espaço que mereceria, seja sob o ponto de vista académico, político, social ou económico. O epíteto de “actividade na sombra” parece ser revelador do que queremos afirmar. Nós próprios já demos conta destas preocupações em trabalhos anteriores (Costa, Ventura e Neto-Mendes, 2003; Costa, Neto-Mendes e Ventura, 2006), ainda que privilegiando enfoques diferentes daqueles que nos movem no presente artigo. 2 Não dispomos ainda de evidências empíricas que permitam sustentar uma avaliação deste tipo relativamente à realidade portuguesa. Há, todavia, estudos em curso, realizados no âmbito deste projecto, que poderão contribuir para um conhecimento mais profundo e mais rico desta problemática. 4 http://www.ugr.es/local/recfpro/Rev102ART2port.pdf Mas se falámos até agora da relevância académica e social do fenómeno das explicações, não gostaríamos de esquecer o seu impacto económico, ou sócio-económico se preferirem. E este pode ser visto em duas perspectivas: de um lado, o esforço individual exigido a cada família que não pode ser negligenciado conhecido que é o baixo nível salarial médio português no contexto da União Europeia; do outro lado, o impacto das explicações enquanto actividade económica, envolvendo largas centenas (ou milhares, este levantamento está por fazer em Portugal…) de explicadores que fazem disso a sua actividade principal ou em part-time – embora não se conheçam estudos, é geralmente comentada pelos pais que recorrem aos seus serviços a relutância dos explicadores em fornecerem o documento comprovativo dos pagamentos efectuados para efeitos da sua contabilização no conjunto das despesas com a educação a incluir na declaração dos rendimentos familiares (vulgo IRS, imposto sobre o rendimento dos singulares). Estas práticas económicas informais alimentam a chamada “economia paralela” que alguns estudos estimam representar entre um quarto e um quinto do PIB português. Das palavras anteriores parece ressaltar uma ideia que gostaríamos de reforçar na abertura deste texto: quando falamos de explicações devemos afastar qualquer veleidade de simplicidade na sua abordagem. Efectivamente estamos perante um fenómeno complexo, representado por um conjunto diversificado de práticas que procurámos já ilustrar ao mostrar a sua penetração pelos vários continentes (Costa, Neto-Mendes e Ventura, 2006). Procuraremos nas páginas que se seguem focalizar a nossa análise nesse conjunto diversificado de práticas que consubstanciam, provavelmente de forma crescente, a afirmação de uma ocupação social – a de explicador(a) – que encontra, pelo menos em Portugal, um terreno fértil para a sua expansão no bloqueamento do acesso aos sistemas escolares por parte de professores diplomados que vêem assim nas explicações uma forma de empregabilidade alternativa (Neto-Mendes, 2004). 2. AS EXPLICAÇÕES E AS SUAS DIFERENTES FORMAS As explicações podem ser providas de diversas formas. Os indivíduos que as provêem podem ser professores ou estudantes, podem ser trabalhadores independentes ou empregados de um organismo comercial que lhes paga um salário (Glasman e Besson, 2004: 53). As explicações podem ser providas a um indivíduo de cada vez, na casa do explicando ou do explicador, em pequenos grupos de cinco ou seis alunos, num centro de explicações ou numa sala de aulas após o horário normal de funcionamento da escola (Glasman e Besson, 2004: 53). Em alguns países as explicações são providas em grandes salas de aulas ou mesmo em grandes salas de conferência equipadas com ecrãs de televisão (Bray, 1999: 21). O tamanho dos negócios de explicações pode ir da pequena actividade não declarada às entidades fiscais até à grande empresa com sucursais em diversos países e que é cotada na bolsa (Glasman e Besson, 2004: 53). Bray e Kwok (2003: 612) acrescentam que os programas de estudo utilizados pelos explicadores podem ser bastante estruturados ou podem ser ad hoc e dependentes das necessidades específicas dos explicandos em determinadas alturas. Profesorado. Revista de currículum y formación del profesorado, 10, 2 (2006) 5 2.1. As explicações como uma actividade secundária As explicações que são providas de uma forma individual, em que o explicador se ocupa de apenas um aluno (ou de um pequeno grupo de alunos) por sessão são a mais antiga e mais tradicional forma de se darem explicações. Por exemplo, Ireson (2004: 110) indica que no Reino Unido as explicações têm uma história como um trabalho respeitável para estudantes universitários à procura de um rendimento extra e para professores desejando suplementar os seus salários. Acreditamos ser este o caso em muitos outros países. Nesta situação, as explicações funcionam como um suplemento a uma actividade principal, sendo provida pelos explicadores no seu tempo livre, e os rendimentos obtidos através destas não são, em muitos casos, declarados às entidades fiscais. As explicações são, neste caso, uma “actividade na sombra”, já que o que é ganho através do seu exercício não está ao alcance dos serviços de impostos (Bray, 1999: 28). Como nos dizem Hrynevych et al. (2005) esta é uma ocorrência muito comum quando as explicações são providas de forma individual. As explicações deste tipo funcionam de uma maneira informal, sem contrato ou afiliação a qualquer tipo de organização ou ordem profissional. De acordo com a Associação Regional de Formação Profissionalizada das Ilhas Canárias (Asociación Regional Canaria de Formación Profesionalizada - ARCAP) as explicações levadas a cabo como uma actividade secundária, não sujeita a impostos, e nem mesmo declarada aos serviços de Segurança Social, constituem uma actividade económica submersa, com a qual se tem lidado de uma maneira permissiva (ElDia.es, 2005). A ARCAP alega que este tipo de explicações gera 28.5 milhões de euros por ano nas Ilhas Canárias e, como estes rendimentos não são declarados, 4 milhões de euros estão a ser sonegados ao tesouro público (ElDia.es, 2005). Esta situação levou o presidente desta Associação, que acredita que nas Ilhas Canárias cerca de 1.500 professores do sistema público de ensino de diversos níveis provêem este tipo de serviços, a apresentar uma denúncia ao gabinete da Inspecção do Trabalho pedindo-lhe para investigar as actividades dos indivíduos responsáveis por quase cem anúncios oferecendo explicações (ElDia.es, 2005). Esta Associação argumenta que esta forma de explicações se constitui como competição injusta a negócios legais de explicações, e condena especialmente os professores que trabalham para o sistema público de ensino e que provêem este tipo de explicações em paralelo (ElDia.es, 2005). Como vimos, em muitas situações, as explicações são providas por professores ou estudantes que desejam obter um rendimento extra. Por outro lado, em países com uma situação económica difícil, em países onde o governo é incapaz de assegurar o funcionamento normal do sistema escolar (não sendo capaz de pagar os salários dos professores regularmente, por exemplo) ou em países onde a profissão de professor não é muito valorizada, os professores, devido aos seus baixos salários, podem prover explicações porque necessitam deste rendimento para sobreviver. Bray (1999: 26-30) diz-nos que em países que atravessam dificuldades económicas, como é o caso de alguns países da Europa de Leste, este fenómeno está bastante difundido. Por exemplo, Baimova (2003) menciona que no Azerbeijão, muitos professores procuram um segundo 6 http://www.ugr.es/local/recfpro/Rev102ART2port.pdf trabalho e/ou outros meios de suplementar os seus salários. Estes meios podem incluir explicações, aulas especiais e actividades extracurriculares (Baimova, 2003). Por vezes, neste caso, as explicações podem estar associados a uma forma de corrupção, já que as sessões de explicações funcionarão como um suborno. Janashia (2004) diz-nos que na Geórgia a corrupção envolvendo explicações manifesta-se através de um sistema de explicadores que preparam estudantes para os exames de acesso ao ensino superior, mas onde, de facto, o que é pago pelas explicações funciona como um suborno para os estudantes assegurarem a sua entrada para o departamento da Universidade da sua escolha. Leshukov (2005) diz-nos que também na Rússia muitos professores universitários provêem explicações a estudantes que desejam aceder aos departamentos da Universidade onde eles ensinam, funcionando então as sessões de explicações como uma espécie de suborno indirecto. Outra forma de corrupção relacionada com as explicações é aquela que envolve professores que provêem explicações pelas quais são remunerados aos mesmos alunos pelos quais são responsáveis no sistema formal de ensino, e o uso por parte destes de diferentes técnicas menos escrupulosas que garantam que têm uma clientela para os seus serviços. Biswal (1999: 222) menciona que em países em vias de desenvolvimento é muito frequente encontrar professores que provêem explicações remuneradas aos seus próprios alunos. Este autor diznos que isto se deve aos seus baixos salários, mas também ao facto de que o que acontece nas escolas só possa ser verificado/monitorizado de uma maneira muito imperfeita, o que encoraja professores a leccionar aulas com pouca qualidade para fomentar uma procura por sessões de explicações que eles proverão aos seus próprios alunos (Biswal, 1999: 222). Bray (1999: 37) indica que esta situação se pode encontrar em países tão diferentes como Chipre, Indonésia, Nigéria e Rússia. Alguns professores poderão recorrer às técnicas mencionadas acima, por exemplo, atrasando propositadamente a apresentação de conteúdos na aula de maneira a que não se consiga explorar completamente o currículo previsto para aquele ano/período, assegurando-se assim de que há uma procura pelos seus serviços como explicadores, já que os alunos terão necessidade de aceder aos conteúdos que não foram estudados na aula (Bray, 1999: 37-38). Wanyama e Njeru (2004) mencionam que esta situação também ocorre no Quénia, onde alguns professores podem, para além disto, decidir omitir uma parte do currículo nas suas aulas regulares, e depois oferecer-se para apresentá-la em sessões de explicações. Críticos desta situação apontam também para o elemento de chantagem que poderá estar envolvido nesta situação, já que os professores podem fazer entender aos seus alunos, directa ou indirectamente, que aqueles que não frequentem as sessões de explicações providas por eles serão penalizados nas suas classificações nos testes ou noutras actividades (Bray, 1999: 37 e 38). Os professores poderão também reter propositadamente os seus alunos para criar procura para os seus serviços como explicadores (Bray, 1999: 37 e 38). Alguns críticos desta situação argumentam, como Hrynevych et al. (2005) que as explicações providas pelos professores aos seus próprios alunos Profesorado. Revista de currículum y formación del profesorado, 10, 2 (2006) 7 deveriam ser banidas. No Egipto, por exemplo, o governo tentou lutar contra as explicações providas por professores que trabalham no sistema público de ensino ao declarar esta forma de explicações ilegal (World Bank, 2002: 42). No entanto, Assaad e Elbadawy (2004: 2) dizem-nos que estas sessões continuam a ser uma prática disseminada neste país. 2.2. As explicações como actividade principal Em muitos países o número de negócios dedicados às explicações está a aumentar, competindo com as explicações providas por professores ou estudantes individuais, que são, como vimos, a forma mais tradicional de explicações. Como também mencionámos acima, as explicações providas de uma forma individual são em muitas situações levadas a cabo como uma actividade secundária, o que implica uma ocupação a tempo parcial. Miron (2005) menciona que de acordo com o Presidente da Associação Nacional de Explicações dos Estados Unidos da América (National Tutoring Association of the United States of America) a maioria dos explicadores trabalha a tempo parcial, mas o número de negócios a tempo inteiro está a aumentar. Ireson (2004: 110) diz-nos que no Reino Unido as explicações são normalmente providas de uma forma individual, mas que também existem centros de explicações. Assim, em alguns países, as explicações são já um grande negócio, com muitos indivíduos a dedicarem-se inteiramente a esta actividade, como empregados a tempo inteiro num centro de explicações ou como trabalhadores independentes que dirigem um destes centros. Por exemplo, é-nos dito por Antoninis e Tsakloglou (2001: 199) que na Grécia muitos dos grandes provedores de explicações são recém-licenciados das áreas de humanidades e ciências, que se organizam em centros de explicações conhecidos como frontisteria. Antoninis e Tsakloglou (2001: 199) dizem-nos que a procura de auxílio extra-escolar pelos candidatos aos exames de acesso ao ensino superior levou ao desenvolvimento das explicações como um sistema educativo paralelo. A competitividade relacionada com os exames de acesso ao ensino superior e o desejo de ser bem sucedido nestes levou a um aumento na procura de explicações e resultou, como observam Tsakloglou e Cholezas (2005: 5 e 6), no aumento do número de centros de explicações. De acordo com estes autores, a maioria dos estudantes dos níveis mais avançados do ensino secundário frequenta centros de explicações, mesmo os estudantes de meios menos favorecidos economicamente (Tsakloglou e Cholezas, 2005: 6). Psacharopoulos (2002: 10) menciona que mais de um bilião de euros é gasto em centros de explicações por ano, valor superior ao que o Estado gasta nas escolas secundárias. Uma situação semelhante parece ocorrer na Turquia. Tansel e Bircan (2004: 5 e 6) indicam que neste país as explicações são utilizadas para preparar os alunos para os exames de acesso a escolas correspondentes às escolas portuguesas do ensino secundário, privadas ou especiais (por exemplo, as Anatolian High Schools, onde as aulas são leccionadas em inglês e as Science High Schools) e para suplementar o que é ensinado aos alunos nas escolas 8 http://www.ugr.es/local/recfpro/Rev102ART2port.pdf correspondentes às escolas do ensino básico e secundário português, mas que estão maioritariamente relacionadas com os competitivos exames de acesso ao ensino superior que existem na Turquia. Tansel e Bircan (2004: 4) acrescentam que a instituição de exames de acesso ao ensino superior nos anos 70 levou a um aumento no número de centros de explicações, que preparam os seus clientes para estes exames. Estes autores afirmam que embora outras formas de explicações também existam na Turquia (explicações providas de forma individual por um professor, quer na sua casa quer na casa do cliente, ou explicações providas em escolas após os horários normais de funcionamento), estes centros de explicações são a forma mais comum (Tansel e Bircan, 2004: 5). Tansel e Bircan (2004: 5) explicam ainda que estes centros, ou dersane, em turco, estão localizados por todo o país e são organizações de tipo escolar onde professores profissionais provêem explicações num ambiente de sala de aula. No Brasil muitos estudantes frequentam centros de explicações, que são apelidados de cursinhos, e que operam de uma maneira similar aos centros de explicações turcos. Estes centros dirigem-se a estudantes que se preparam para realizar exames de acesso ao ensino superior (Bacchetto, 2003: 1). De facto, Nascimento (2003) afirma que estes cursinhos são filhos ilegítimos dos exames de acesso às universidades públicas (a estes exames é dado o nome de vestibular no Brasil) constituindo-se gradualmente num grande sistema de educação, paralelo ao sistema formal, mais forte e mais “importante” que este. Este autor alega que estes cursinhos se tornaram uma “necessidade” para o estudante que deseja obter uma vaga numa universidade (Nascimento, 2003). De acordo com a pesquisa mencionada num artigo de jornal “72% dos calouros «top» fizeram cursinho” em 2005, 72 em cada 100 estudantes que foram admitidos na Universidade de São Paulo frequentaram um cursinho e apenas 27% dos estudantes não o fizeram (Fernandes, 2005). A importância dada à frequência destes centros de explicações para se obterem bons resultados nos exames de acesso ao ensino superior levou ao desenvolvimento no Brasil de diversos cursinhos “alternativos” (aos quais também é dado o nome de cursinhos “populares” ou “comunitários”). Estes cursinhos, que provêem explicações por uma taxa reduzida ou mesmo simbólica, são dirigidos a estudantes de meios menos favorecidos economicamente, que não podem frequentar um centro de explicações comercial, pelo seu custo elevado. Em 2001, existiam no Brasil cerca de 800 destes centros, que serviam quase 60.000 estudantes (Filho e Rodrigues, 2001). A Coreia do Sul é conhecida como um país que utiliza explicações a uma grande escala e parece que o seu uso está a aumentar. Por exemplo, Ihlwan (2000) diz-nos que em 1990 os sul-coreanos gastaram 8.3 biliões de dólares em explicações e que em 2000 gastavam mais de 26 biliões de dólares. Em muitos lares sul-coreanos uma média de 700/1.000 dólares é gasta por mês em explicações (Card, 2005). Este autor acrescenta ainda que os sul-coreanos se orgulham da quantidade de sessões de explicações que os seus filhos frequentam, sendo particularmente bem-visto que os seus filhos tenham como explicadores indivíduos licenciados de uma das três universidades mais prestigiadas da Coreia do Sul (a Universidade Nacional de Seoul, a Universidade da Coreia e a Universidade Yonsei) ou que frequentem o centro de explicações Profesorado. Revista de currículum y formación del profesorado, 10, 2 (2006) 9 com a melhor reputação (Card, 2005). Devido à importância atribuída às explicações, Ihlwan (2000) diz-nos que na Coreia do Sul os centros de explicações estão a tornar-se um grande negócio. De acordo com este autor, cerca de 6 milhões de crianças, maioritariamente entre os 6 e os 12 anos, estão a utilizar actualmente serviços de preparação para testes, serviços estes que recebem 2.7 biliões de dólares por ano (Ihlwan, 2000). Por exemplo, em 2000, a Daekyo Co., uma empresa dedicada às explicações, enviava 13.000 explicadores para as casas dos seus 2.1 milhões de subscritores uma vez por semana, e a Jongro Academy, outra empresa de explicações, tinha 4.500 alunos que pagavam uma média de 310 dólares por mês (Ihlwan, 2000). Num estudo conduzido por Bray e Kwok (2003: 615) em Hong Kong, os autores chegaram à conclusão que grandes proporções de alunos frequentavam sessões de explicações em massa (em salas com um grande número de alunos) para preparação de exames, preferindo-as a sessões individuais ou em pequenos grupos, e que estas explicações em massa se tornavam particularmente populares nos anos de escolaridade mais avançados. Assim, 72.4% dos alunos dos anos 6-7 do ensino secundário recebiam explicações em massa, comparados com 33.0% dos alunos dos anos 4-5 (Bray e Kwok, 2003: 615). Como podemos ver através destes exemplos, em muitos países a utilização de centros de explicações está a tornar-se bastante difundida, e pode estar mesmo a tornar-se a forma preferida de se receberem explicações. Estes negócios estão a gerar grandes lucros, dado que o número de estudantes que os frequentam está a aumentar. Esta tendência parece ser vista por alguns professores como uma oportunidade interessante de negócio e leva-os a abrirem os seus próprios centros de explicações, tornando-se desta maneira trabalhadores independentes e dedicando-se exclusivamente a esta actividade. A opção pela abertura de um negócio de explicações pode parecer particularmente interessante a professores que recebem salários baixos e a professores desempregados que não conseguiram ainda obter uma colocação numa escola. Embora a ideia de abrir um centro de explicações seja principalmente atraente para professores, dada a sua ligação à educação, outros indivíduos, que não possuem uma certificação em ensino, podem também investir num negócio deste tipo. De facto, como nos é indicado por Aurini (2004: 478), estes empreendedores no negócio das explicações podem vir de contextos muito diversos, tendo, por exemplo, formação na área dos negócios, da Geografia, da Psicologia ou da Física. Isto deve-se ao facto de, em muitos países, como nos é explicado por Aurini (2004: 483), os negócios das explicações não serem regulamentados pelos governos. Por isso, os negócios de explicações podem também ser dirigidos por indivíduos que não vêm de um contexto educacional. Estes negócios de explicações, para além de criarem um posto de trabalho para o(s) indivíduo(s) que decidem abrir um centro, também geram emprego para outros indivíduos que colaboram como explicadores. Os indivíduos que trabalham nestes centros podem fazê-lo a tempo parcial ou a tempo inteiro. 10 http://www.ugr.es/local/recfpro/Rev102ART2port.pdf Alguns indivíduos abrem centros de explicações pequenos e locais e outros preferem abrir franchises de negócios de explicações bem conhecidos, já que actualmente existem alguns negócios de explicações que se expandiram e se tornaram grandes negócios nacionais ou mesmo multinacionais, oferecendo oportunidades de franchising. Nos Estados Unidos da América, alguns observadores são de opinião que a Lei No Child Left Behind (“Nenhuma Criança Deixada Para Trás”) promulgada em 2002 pelo Presidente Bush nesse país está a provocar um aumento no número de centros de explicações e nos lucros obtidos por estes negócios, especialmente pelas franchises de companhias muito conhecidas. Como nos é dito por Primont e Domazlicky (2005: 77) a Lei No Child Left Behind (NCLB) é um plano ambicioso que tem como objectivo melhorar o desempenho académico de todos os alunos do ensino público. Esta Lei coloca uma ênfase maior nos resultados de testes estandardizados para avaliar o progresso do estudante e da escola e as escolas têm que atingir um “progresso anual adequado” («adequate yearly progress») nos resultados dos alunos ou serão objecto de possíveis sanções (Primont e Domazlicky, 2005: 77). Estes autores explicam ainda que uma escola que não consegue atingir um “progresso anual adequado” no segundo ano consecutivo tem que providenciar “school choice” (escolha de escola) dentro do ensino público e responsabilizar-se pelos custos de transporte de qualquer aluno que deseje uma transferência para outra escola e que no terceiro ano consecutivo a escola é obrigada, para além de possibilitar esta escolha, a prover serviços educacionais suplementares (supplemental education services) – explicações em leitura e em matemática – que são escolhidos pelos pais dos alunos em conjunto com o distrito escolar (Primont e Domazlicky, 2005: 78). No que diz respeito aos provedores destes serviços educacionais suplementares, os diferentes estados americanos têm que seleccionar um grupo de provedores e depois efectuar um contrato com alguns destes (Gorman, 2004). Os provedores podem ser organizações públicas ou privadas e os próprios distritos escolares podem funcionar como provedores destes serviços (Gorman, 2004). Após o processo de selecção, os distritos escolares têm que notificar os pais das suas opções e os pais podem inscrever os seus filhos no provedor que preferirem (Gorman, 2004). Boehner (2005) diz-nos que, de acordo com o Departamento da Educação norte-americano, mais de 1600 provedores de serviços educacionais suplementares foram aprovados pelos diferentes estados desde que a Lei No Child Left Behind entrou em vigor. Gorman (2004) menciona que em 2004, também de acordo com o referido Departamento, as empresas privadas representaram 72% dos provedores e que cerca de um quarto dos provedores fazia parte do sistema público de ensino. Trejos (2004) afirma que cada vez mais distritos escolares estão a organizar os seus próprios serviços de explicações para poderem também ter direito aos fundos que financiam estes serviços. Na opinião de Gorman (2004) actualmente parecem ser as grandes empresas de explicações e os distritos escolares os líderes de mercado. Esta Profesorado. Revista de currículum y formación del profesorado, 10, 2 (2006) 11 autora refere que dentro deste novo mercado os distritos escolares possuem um poder considerável devido ao seu duplo papel como administradores do programa de serviços educacionais suplementares e como provedores potenciais (Gorman, 2004). As grandes empresas de explicações parecem ser as mais populares entre pais e alunos, devido, por exemplo, ao facto de serem marcas conhecidas, já que vários destes negócios já estão estabelecidos no mercado há um tempo considerável (Gorman, 2004). Estas empresas também parecem ter o potencial para adquirir uma grande parte do mercado visto que algumas delas foram já aprovadas em cerca de 20 a 30 estados (Gorman, 2004). Esta autora dá-nos o exemplo de uma empresa de explicações, a empresa Club Z, que no ano lectivo de 2003/04 tinha sido aprovada em 25 estados e tinha prestado serviços a 7.000 crianças como provedora de serviços educacionais suplementares através da Lei No Child Left Behind (Gorman, 2004). Outro exemplo é-nos dado por Elliott (2005: 17), que afirma que de acordo com um artigo no jornal Baltimore Sun, os lucros da empresa Catapult (que é uma provedora de serviços educacionais suplementares em muitos estados norte-americanos) resultantes de serviços prestados relacionados com esta Lei, aumentaram para mais de 21 milhões de dólares na primeira metade de 2004, sendo que na primeira metade de 2003 os lucros obtidos tinham sido menos de 3 milhões de dólares. De acordo com Gorman (2004), à medida que este mercado se desenvolve, tanto alguns especialistas como alguns provedores são de opinião que dois grandes vencedores emergirão: provedores empresariais e distritos escolares. Isto deve-se ao facto destas organizações possuírem os maiores recursos, a maior capacidade para chegar aos pais e às crianças, e a escala para absorver a imprevisibilidade inerente a este mercado (Gorman, 2004). Saulny (2005) relata que de acordo com analistas de mercado a indústria das explicações financiada por fundos federais, propulsionada pela Lei No Child Left Behind, duplicou de tamanho em cada um dos últimos dois anos e tem o potencial de se tornar um negócio capaz de gerar 2 biliões de dólares por ano. Alguns provedores de serviços educacionais suplementares recebem 1.997 dólares por criança inscrita nos seus programas (Saulny, 2005). Uma sondagem nacional a 91 distritos escolares e 30 departamentos estatais de educação conduzida pela Association of Community Organizations for Reform Now (Associação de Organizações Comunitárias pela Reforma Agora) chegou à conclusão de que a maioria dos provedores recebia entre 900 e 1.700 dólares por aluno no ano lectivo de 2003/04 (Elliott, 2005: 16). Saulny (2005) acrescenta que o desejo de receber uma parte dos fundos destinados para serviços educacionais suplementares levou algumas empresas de explicações a oferecer aos pais prémios, como computadores, que servem como incentivo para que estes os escolham como provedores. Para além disto, centenas de novos negócios e grupos comunitários foram criados para beneficiarem desta Lei, juntando-se a nomes estabelecidos no auxílio à preparação para os testes e explicações, como a Princeton Review, a Kaplan e o Huntington Learning Center (Saulny, 2005). Especialistas indicavam que estes grupos iriam ganhar 200 12 http://www.ugr.es/local/recfpro/Rev102ART2port.pdf milhões de dólares em 2005, com cerca de 30% desta quantia a ir para grandes empresas nacionais (Saulny, 2005). E espera-se que estes rendimentos continuem a crescer, à medida que mais escolas sejam consideradas com deficiências de acordo com esta Lei e mais pais aproveitem os programas de explicações (Saulny, 2005). Segundo Saulny (2005) apenas cerca de 11% dos alunos com direito a beneficiar destes programas estaria a receber explicações neste momento. Gordon (2003: 3) acredita que a Lei No Child Left Behind reconheceu legalmente a eficácia e a popularidade das explicações nos Estados Unidos da América. Este autor acrescenta que esta Lei teve dois grandes impactos na maneira como as explicações são vistas (Gordon, 2003: 3). Em primeiro lugar, a Lei No Child Left Behind começou a institucionalização das explicações, já que antes desta Lei as explicações eram vistas como apoio aos trabalhos de casa, ou como parte de programas empreendidos por estudantes ou grupos comunitários voluntários ou, por outro lado, como uma actividade elitista, que apenas as famílias mais influentes podiam permitir-se (Gordon, 2003: 3). Na opinião deste autor, as explicações profissionais podem ser um verdadeiro auxílio como experiência de aprendizagem de curto prazo para ajudar os alunos a aprender “a aprender”, para melhorar capacidades académicas específicas, e para levar o aluno a ser mais produtivo de dia para dia na sala de aula, assim como ensinar aos pais como apoiar a aprendizagem dos seus filhos em casa, e que a Lei No Child Left Behind forçou educadores e pais a aperceberem-se disto (Gordon, 2003: 3). Em segundo lugar, esta Lei começou a responder à importante questão: “O que é um explicador profissional”? (Gordon, 2003: 3). Este autor considera que antes da Lei No Child Left Behind qualquer indivíduo poderia alegar ser um explicador e que esta Lei é o primeiro passo num processo para definir claramente quem é e quem não é um explicador profissional (Gordon, 2003: 3). 3. A INDÚSTRIA DAS EXPLICAÇÕES: ALGUNS EXEMPLOS DE UMA GLOBALIZAÇÃO Para além dos exemplos que já referimos, existe um número crescente de empresas que realiza investimentos fora das fronteiras dos países em que foram originalmente criadas, conquistando novos mercados e diversificando os seus serviços e produtos de forma a preencher ou criar necessidades nos seus presentes ou potenciais clientes. Em muitos países o investimento em franchises de explicações está a aumentar. Algumas empresas de explicações desenvolveram a sua estratégia de expansão de tal maneira que se tornaram empresas multinacionais. Por exemplo, a companhia Educate, Inc., originária de Baltimore, nos Estados Unidos da América do Norte proporciona explicações através de diversas marcas que incluem a Catapult Learning, a Sylvan Learning Centers e a Schülerhilfe (http://educate-inc.com). A empresa Catapult Learning colabora directamente com escolas e distritos escolares para prover serviços educacionais suplementares Profesorado. Revista de currículum y formación del profesorado, 10, 2 (2006) 13 (http://www.catapultlearning.com/). No ano lectivo de 2003/04, através do seu programa “Estação de Educação” (Education Station), esta empresa prestou serviços educacionais relacionados com a Lei No Child Left Behind a aproximadamente 16.700 alunos (http://www.catapultlearning.com/). A empresa Sylvan Learning Centers possui mais de 900 centros, situados não apenas nos Estados Unidos da América, mas também no Canadá, Guam e Hong Kong (http://www.educate.com). A empresa Schülerhilfe tornou-se parte da companhia Educate, Inc. em 1998 e possui mais de 1.000 centros de explicações na Alemanha e na Áustria (http://www.schuelerhilfe.de). Outro exemplo é a empresa Acadomia, criada em França, fornecedora de explicações no domicílio dos alunos, que possui agora 75 centros em França (http://www.acadomia.fr) e se expandiu para a Alemanha e para a Espanha. Na Alemanha possui 4 centros (http://www.acadomia.de) e em Espanha 23 (http://www.acadomia.es). Devido ao crescimento de negócios nacionais e multinacionais de explicações, e às suas estratégias de franchising bem-sucedidas, em alguns países e em algumas situações deu-se uma evolução na maneira como as explicações são vistas. As explicações são comummente vistas como uma actividade que suplementa o ensino que é provido na escola, e em que o explicador auxilia o aluno a compreender o que foi leccionado na aula ou ajuda-o a preparar-se para um teste ou exame. Alguns negócios começam a diferenciarse das explicações “tradicionais” porque vão para além do apoio aos trabalhos de casa e preparação para os testes e oferecem diferentes objectivos educacionais, dando relevância, como é mencionado por Aurini e Davies (2003: 6), ao desenvolvimento de diversas habilidades e capacidades. Muitos destes negócios, como nos é dito por Aurini (2003: 15; 2004: 483), desenvolvem o seu próprio currículo, testes de nivelamento, manuais e livros de exercícios usados nas sessões de explicações e métodos de avaliação. Aurini (2003: 3) afirma que alguns destes negócios de explicações, porque oferecem muitos serviços diferentes dos “tradicionais” e se distanciaram do papel de suplemento ao que é ensinado na escola, começaram a autodenominar-se “centros de aprendizagem” (learning centres). Os serviços oferecidos pelos “centros de aprendizagem” incluem, como é mencionado por Aurini (2003: 3), programas pré-escolares, programas de matemática e leitura, programas de escrita e de comunicação em público, e em alguns casos, cursos para acreditação. Estes “centros de aprendizagem” oferecem desta maneira uma alternativa e não um suplemento ao que é ensinado na escola (Aurini, 2004: 483). Um exemplo de uma empresa “centro de aprendizagem” é a Kumon. Este negócio foi criado há 50 anos no Japão e actualmente conta com 3.7 milhões de alunos a frequentar mais de 25.000 centros Kumon em 43 países (http://www.kumon.com). No sítio Internet norte-americano desta empresa é-nos dito que a Kumon é um programa de matemática e leitura que emprega um método único de aprendizagem concebido para auxiliar cada criança a desenvolver as capacidades de que esta precisa para ter um desempenho adequado ao seu 14 http://www.ugr.es/local/recfpro/Rev102ART2port.pdf potencial (http://www.kumon.com). O “coração” do sistema de ensino Kumon é um currículo de mais de vinte níveis de capacidades bem definidos e centenas de pequenas tarefas (com materiais que vão do ensino pré-escolar até ao ensino universitário) ao longo dos quais a criança avança através de pequenos incrementos. A Kumon, que não segue o programa de estudos estabelecido na escola formal, não usa nem um modelo de sala de aula nem um modelo de explicador, mas antes um esquema guiado de aprendizagem auto-motivada Os níveis em que os alunos são colocados nos centros Kumon não estão relacionados com o ano de escolaridade que frequentam na escola mas com os resultados obtidos num teste de nivelamento. Na base do programa Kumon está o uso de fichas de exercícios. As fichas fornecidas ao aluno incluem um exemplo que ilustra o conceito que deve ser aprendido, e a seguir a este é apresentado um exercício simples relativo ao exemplo. Nestas fichas, cada nova tarefa é ligeiramente mais complexa que a anterior. Antes de o aluno poder avançar de uma tarefa para a seguinte, o material deve ser completado com um bom resultado, dentro de um período de tempo predeterminado. Todo o trabalho é avaliado e os resultados obtidos são anotados, de maneira a poder estabelecerse quando o aluno domina bem o material e está pronto para avançar. Uma tarefa que leva tempo demais a ser completada ou que é completada com muitos erros é repetida até ser dominada. As fichas de exercícios que os alunos utilizam são-lhes atribuídas diariamente, mas a maioria dos alunos frequenta um centro Kumon apenas duas vezes por semana. Isto significa que em cinco dias por semana as fichas devem ser resolvidas no domicílio do aluno, o que normalmente ocupa vinte minutos por dia. No que diz respeito aos explicadores empregados na Kumon, aos quais é dado o nome de Instrutores, é-nos dito que formação em ensino e uma licenciatura são úteis, mas não essenciais, e que as características mais importantes que um individuo que deseje trabalhar na Kumon deve possuir são interesse e disponibilidade para assumir um compromisso em ajudar as crianças da comunidade (http://www.kumon.com). Para além disto, os centros Kumon possuem um clube chamado Clube Cósmico da Kumon (Kumon Cosmic Club) que permite aos alunos juntar pontos, que podem ser obtidos de acordo com o seu progresso nos programas de leitura e matemática Kumon, e que podem ser trocados por prémios. Estes prémios incluem, por exemplo, vales de desconto em livrarias, câmaras de filmar ou máquinas fotográficas. O programa de pontos encoraja os alunos a atingir marcos de aprendizagem Kumon ao recompensá-los com Pontos do Clube Cósmico e Cartões Coleccionáveis do Clube Cósmico à medida que obtém bons resultados nos seus estudos Kumon (http://www.kumon.com). Como se pode ver pela descrição desta empresa, o seu objectivo não é suplementar aquilo que é ensinado aos alunos na escola, pois não oferece ajuda para a realização dos trabalhos de casa ou para a preparação de testes, não parecendo também interessada em saber o que os alunos estão a aprender na escola, mas ao estabelecer os seus próprios objectivos, o seu próprio currículo e ao criar os seus materiais de ensino, parece apresentar-se como uma entidade separada, com um programa e métodos tão válidos como aqueles utilizados na Profesorado. Revista de currículum y formación del profesorado, 10, 2 (2006) 15 escola formal. Assim, podemos ver esta empresa como concorrente da escola formal, já que alega promover, por exemplo, um domínio dos elementos básicos da leitura e da matemática, um papel tradicionalmente atribuído às escolas. 4. AS EXPLICAÇÕES EM PORTUGAL Em Portugal, a forma não-oficial de explicações, em que os explicadores não declaram os seus rendimentos às autoridades fiscais, é utilizada por um número significativo de indivíduos, mas as formas “oficiais” de explicações estão a desenvolver-se, como pode ser comprovado pela constatação de que novos centros de explicações abrem todos os dias (Costa, Neto-Mendes e Ventura, 2006: 11). Isto indica-nos que a utilização de centros de explicações em Portugal está a aumentar. Por exemplo, numa investigação que está a ser conduzida pelos autores mencionados acima, foram identificados no início de 2006, na cidade em que esta investigação está a ser levada a cabo (que é, de acordo com os padrões portugueses, uma cidade de tamanho médio) 20 centros de explicações em funcionamento (Costa, Neto-Mendes e Ventura, 2006: 12). Uma das razões por detrás do aumento do número de centros de explicações em Portugal está relacionada com a existência de uma grande quantidade de professores desempregados, que (devido à pouca oferta) não conseguirão uma colocação numa escola num futuro próximo e estão assim disponíveis como trabalhadores qualificados para assumir uma nova ocupação social commumente conhecida como “explicador” (Costa, Neto-Mendes e Ventura, 2006: 11). Parece, de facto, que em Portugal um número cada vez maior de professores está a dedicar-se às explicações (Neto-Mendes, 2004: 31). A dificuldade em obter uma colocação numa escola, que tem sido experienciada nos últimos anos (motivada pela baixa taxa de natalidade e consequente diminuição do número de alunos, turmas e necessidade de professores) levou a que as explicações se tornassem a actividade principal de muitos professores e mesmo, em alguns casos, a única actividade profissional a que se dedicam/dedicarão, quando chegam à conclusão de que nunca obterão uma colocação numa escola (Neto-Mendes, 2004: 32). De facto, embora não exista pesquisa que o confirme, as explicações parecem ser, para alguns professores, o primeiro contacto que têm com o ensino (Neto-Mendes, 2004: 32). A falta de vagas nas escolas levou, assim, ao desenvolvimento de trabalho independente, já que vários professores decidem abrir os seus próprios negócios, criando o seu próprio emprego, muitas vezes na forma de centros de explicações (Neto-Mendes, 2004: 32). No que diz respeito à utilização de franchises de centros de explicações, em Portugal esta prática não está ainda muito difundida. Existem já, no entanto, algumas empresas que usam esta estratégia e que se encontram a crescer rapidamente. Este é o caso, por exemplo, da empresa Mathanasium, um “centro de aprendizagem” que se dedica à matemática, originária dos Estados Unidos da América do Norte e que possui agora diversas agências franchisadas em Portugal (http://www.mathnasium.com.pt) e da Tutor Time, também ela norteamericana e que abriu recentemente o seu primeiro centro português 16 http://www.ugr.es/local/recfpro/Rev102ART2port.pdf (http://www.tutortime.pt). Alguns negócios nacionais estão também a experienciar bastante sucesso. Podemos indicar o exemplo da Teen Academy, com 4 centros (http://www.teenacademy.pt) e da Academia do Estudante, com vários centros espalhados pelo País. 5. CONCLUSÃO A informação apresentada neste texto é suficiente para apoiar a noção de que as explicações, como actividade social relevante, estão longe de ser um fenómeno simples e linear. A sua complexidade deve-se a novas condições políticas, sociais, económicas e culturais, que determinam mudanças significativas na maneira como a sociedade vê tudo o que está relacionado com a escola. Embora este não seja o tema do nosso artigo, o aumento na utilização de explicações e a diversidade da sua oferta parecem ilustrar bem o desenvolvimento de um “mercado educacional” 3 , ao qual nem sempre parecemos dar a atenção que merece. Este cenário tão dinâmico desafia sistemas educativos em todo o mundo e cria questões desconfortáveis, no que diz respeito à equidade e igualdade de oportunidades do sistema formal de educação. Esta situação faz-nos lembrar a célebre frase de George Orwell na sua obra “Animal Farm” (1945) 4 , Todos os estudantes são iguais mas alguns são mais iguais que outros. Com esta indústria da educação em crescimento e catalizada em diversos países, abertamente ou não, por políticas governamentais, as condições para a obtenção de sucesso pelos alunos não são as mesmas. Para além disto, e ao mesmo tempo, a este passo, os sistemas estatais de ensino poderão estar em perigo dentro de algumas décadas. Referências Antoninis, Manos, & Tsakloglou, Panos (2001). Who Benefits from Public Education in Greece? Evidence and Policy Implications. Education Economics, Vol. 9, No. 2, 197-222. http://taylorandfrancis.metapress.com/openurl.asp?genre=article&eissn=14695782&volume=9&issue=2&spage=197 [Consulta, 15/11/2005] Assaad, Ragui, & Elbadawy, Asmaa (2004). Private and Group Tutoring in Egypt: where is the Gender Inequality? Economic Research Forum (ERF) 11th Annual Conference 14-16 December. Beirut, Lebanon. http://www.erf.org.eg/11conf_Lebanon/Labor/Ragui_&_Asmaa.pdf [Consulta, 07/11/2005] Aurini, Janice (2003). 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