A LIDERANÇA EMPRESARIAL CONTEXTUAL
Feliciano de Mira1
RESUMO
A emergência das economias de heterogeneidade estrutural tem diversificado os
mercados da globalização obrigando os empresários a recorrer a performances cada vez
mais contextualizadas e inovadoras para realização dos seus objectivos. A coexistência
diversificada de mercados, dentro dum mesmo sistema económico mundial, obriga os
agentes económicos a seguir uma liderança cruzada, envolvendo elementos
estruturantes diversificados, gerando uma hibridez funcional. Ao efectuar a revisitação
aos autores ocidentais mais significativos do pensamento clássico sobre empresários e
empresas, destacamos os elementos estruturantes da liderança empresarial, verificando a
persistência das regularidades do seu pensamento na actualidade contemporânea.
PALAVRAS-CHAVE: empresários; empresas; liderança; saberes empresariais;
cruzamentos empreendedores.
1 INTRODUÇÃO
As variáveis contextuais são estruturantes dos saberes aplicados pelos
agentes empresariais na sua performance, tornando-se os pilares epistemológicos da
actividade empresarial. Porém, a recente crise internacional demonstrou, que apesar dos
contextos, as conexões entre as elites e os poderes transnacionais dos diferentes países,
reproduz traços aproximativos nas suas formas de liderança empresarial. Mas a
impossibilidade de homogeneizar ou de reduzir ao mesmo corpo as unidades múltiplas,
obriga a atravessar os territórios das incertezas e das contradições. A complexidade dos
fenómenos empresariais contemporâneos assenta em premissas cada vez mais
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Doutror em Socieconomie du Developpement pela EHESS-Paris; Doutor em Sociologia Económica e
das Organizações e Mestre em Sistemas Sócio-Organizacionais das Atividades Económicas pelo ISEGUTL-Lisboa. Pós-Doutorado em Estudos Culturais Comparados pelo CES da Universidade de Coimbra.
Docente do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental da UNEB-BA,
Campus VIII. Coordena o Grupode Pesquisa em Socioeconomia do Desenvolvimento Sustentável da
UNEB.
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sofisticadas, que se acumulam de forma sistematizada ou por transferência dos acervos
familiares e pessoais, da memória e da experiência compartilhada. Não obstante esta
transição ser resultante de factores temporais, contextuais e relações de poder, a
revistação aos clássicos do campo empresarial suscita um nova releitura da sua
fundamentação substantiva e facilita a interpretação dos processos de mudança
empresarial pós-moderna.
2 A FIGURA SOCIAL DA LIDERANÇA EMPRESARIAL
A importância e influência dos valores ligados à religião protestante
calvinista sobre as inclinações empreendedoras é o centro do clássico estuda de Max
Weber, “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” para quem a dedicação ao
trabalho e ao estudo, no ascetismo e na reprovação da auto-indulgência e exibicionismo,
formaram pessoas que se realizam em função de um padrão de excelência internamente
estruturado. Assim o exercício de cada profissão exprime uma indicação vocacional
indicativa da presença de Deus, tornando as concepções religiosas uma determinante
dos comportamentos económicos. Esta dimensão subjectiva do pensamento económico
faz salientar a importância de diferentes factores não especificamente económicos na
origem da organização da actividade económica. A actividade religiosa e as empresas
cruzam-se fazendo emergir factores psicológicos e sociológicos no desencadear das
forças que produzem a criação e organização da empresa.
A relação entre os valores religiosos e a acção empreendedora é responsável
pelo desencadear das forças que produzem a criação e organização da empresa e estão
na origem do crescimento do capitalismo moderno. Max Weber atribui o crescimento
do capitalismo moderno à acção empreendedora e à especificidade de certos valores
religiosos mantidos pela religião protestante calvinista. Neste contexto o capitalismo
define-se pela existência de empresas caracterizadas pela separação entre a família e os
factores de produção, dirigidas por empresários cujo fim é realizarem o máximo lucro,
através da organização racional do trabalho e da produção. Como ponto de partida
podemos afirmar que uma empresa é uma organização, onde um grupo de pessoas está
consciente de si próprias e desenvolve um conjunto de tarefas com o objectivo de atingir
determinados metas, dentro de um sistema estruturado de funções distribuídas entre
pessoas e tecnologias, de limites identificáveis e sob a orientação de uma estrutura de
liderança. Mas a organização é mais do que isso, pertence a uma sociedade maior, cada
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organização apresenta um configuração hipercomplexa, resultado de um conjunto de
motivações económicas e sociais. As organizações são sistemas abertos influenciados
por uma multidão de forças e mudanças ambientais ligadas com particular destaque para
a religião, a família e etnicidade, mesmo em sociedades complexas da actual fase de
pós-modernidade. A análise da cultura e da sua influência na formação dos empresários,
apresenta uma forte variável explicativa para interpretar o funcionamento dos mercados,
pelo que a personalidade do líder representa a sua cultura numa situação específica.
Então a empresa é uma unidade de meios humanos, materiais e financeiros que
actuando segundo imperativos decorrentes das regras do mercado, através da produção
de bens ou serviços, visa satisfazer as necessidades, quer da comunidade quer dos que
nela participam com capital, direcção e trabalho. Desta maneira, tanto a actividade
profana como a profissional, foram colocadas no centro de interesse dos crentes através
do protestantismo ascético, onde o empresário é visto como uma categoria
socioprofissional que decorre de um acto de predestinação divina. Assim é entendida "a
profissão concreta do indivíduo, como uma ordem especial de Deus no sentido de ele
ocupar o lugar concreto para que está predestinado" (WEBER, 1982:56). É na
conjugação destes aspectos que segundo Max Weber deve ser interpretado o espírito do
capitalismo, devendo o empresário ao mesmo tempo que segue uma disciplina racional
e manter um intenso desejo de lucro. "A ordem económica capitalista tem necessidade
desta devoção à vocação de ganhar dinheiro" (id., ibid.:46). Os empresários realizamna, não apenas no mero interesse de acumulação, mas na perspectiva do reinvestimento
e criação de nova riqueza. A sua actividade deve apresentar um tipo-ideal de
organização formal e mecanismos que põe em movimento essa organização formal, a
que chamamos burocracia que “apresenta diferentes níveis de autoridade; a acção está
sujeita a regras bem definidas e impessoais; cada tarefa tem as suas regras a aplicar;
os funcionários são escolhidos conforme a competência. (id.,1944:85) A burocracia
representa ainda a forma mais perfeita de organização e funcionamento das empresas e
é dentro deste espaço que o empresário tem de agir e recriar as suas capacidades de
liderança. O indivíduo é o fundamento do sistema social, o qual actua com base no
entendimento que tem da situação social. Por outro lado a sua acção baseia-se na
sociedade e suas instituições, mais do que em forças sociais misteriosas ou abstracções,
o que o obriga a exercitar as características empreendedoras, é sua função inovar “fazer
novas combinações denominadas empresas” (SHUMPETER, 1961:130) O seu papel
funcional é essencial no processo produtivo, a evolução económica está associada à
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ideia de capacidade empreendedora, que implica a ruptura com as situações de
equilíbrio estabelecidas pelo mercado. O empresário é o agente que dinamiza
o
processo denominado "destruição criativa", entendido o conceito de destruição por
contraste ao acto de criar. A "introdução bem sucedida de uma nova mercadoria ou
produto traz o germen da destruição", (id., 1951:163) de outras mercadorias ou
produtos que alimentavam o circuito económico. Embora esta acção inovadora
mantenha em comum a racionalidade dos processos anteriores, ela visa e é realizada em
ordem a um novo tipo de produtos, reproduzindo novas empresas e dinamizando os
mercados. O "processo de destruição criativa constitui um dado fundamental do
capitalismo a que a empresa capitalista tem de se adaptar" (id., ibid.:164) para se
manter no mercado. A actividade do empresário é relevante em todo este processo
porque são os "empresários as pessoas que tomam as decisões de direcção" (id.,
ibid:165). No desempenho desta função é essencial o sentido da decisão mais do que a
decisão em si, pois é o sentido da decisão que conduz a novas combinações que levam
ao êxito. "Os ganhos empresariais não são rendimentos permanentes, emergem sempre
que uma decisão empresarial que em condições de incerteza alcança sucesso" (id.,
1964:179). O valor da decisão está centrado na orientação que ela segue aferida pelos
resultados, os ganhos que obtém independentemente da quantidade de capital aplicado.
A família é um dos factores mais decisivos na formação dos indivíduos,
funciona como meio de controlo e equilíbrio social, forma de integração e transmissão
de valores e saberes ancestrais, através dos seus membros, assim como mecanismo
regulador de condutas e apaziguamento social. A família molda atitudes e conceitos,
condicionando e potenciando horizontes. O tipo de organização familiar não só reflecte
as crenças e os valores tradicionais existentes no espaço geográfico residencial, como
influência a organização das próprias actividades económicas. O ambiente educacional
da família molda atitudes e visões, condiciona ou potencializa horizontes através de
"efeitos persistentes" sobre os indíviduos e as suas inclinações empreendedoras. "As
variações
familiares
significam
diferentes
coisas
em
culturas
diferentes"
(MACCLLELAND, 1972:123). Os valores culturais diferentes ou as variações nas
estruturas familiares alteram os padrões motivacionais. Nos estudos pioneiros sobre a
motivação empresarial David MacClleland (1987) identifica o empresário como o
homem que organiza a empresa, a unidade de negócio, e/ou que aumenta a sua
capacidade produtiva. No mesmo estudo constacta que as religiões de misticismo
positivo muito forte, (o Zen no Japão, ou os Vaishnavas da Índia), estimulam a
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eficiência individual e a responsabilidade pessoal, desenvolvendo o ambiente
educacional que motiva as inclinações empreendedoras. Segundo estas suposições o
indivíduo empreendedor tem uma estrutura motivacional diferenciada que apresenta a
necessidade de realização, como uma necessidade específica marcante. A necessidade
de realização é a força motriz da iniciativa empreendedora que identificada e descrita
por MacClelland recebeu a denominação de "n achievement", o que significa
"conquistar algo com esforço próprio" (id.,ibid.:230). Segundo a sua "Teoria das
Necessidades Socialmente Adquiridas", as pessoas desenvolvem três necessidades:
realização, poder e afiliação. A realização é a necessidade que o indíviduo tem de ser
bem sucedido, marca o seu temperamento enérgico e inconformista e o gosto por
papéis que representam risco. Nesta teoria, o poder representa a necessidade de
conquistar um certo grau de influência sobre outras pessoas, enquanto a afiliação
encerra as motivações associadas ao desempenho de actividades sociais e comunitárias
como forma de obter segurança pessoal. Segundo o autor, cada um de nós será
influenciado por cada uma destas necessidades, dependendo da situação que está a
vivenciar na sua vida. As experiências pessoais estruturam os interesses e orientam cada
uma das três necessidades descritas de forma dominante. Nesta fundamentação, o
empresário é um produto motivacional que orienta a sua actividade no plano funcional e
no plano comportamental, tendo por base os valores, crenças e estímulos sociais e
culturalmente adquiridos.
As funções empresariais numa perspectiva histórica ou transcultural, vista
em diferentes épocas e lugares, podem ser consideradas de diferentes maneiras, ainda
que todas tendam para um reforço de prestígio na hieraquia social. Então o papel
empresarial caracteriza-se pela : a)Aceitação moderada de riscos como função da
capacidade
de
decisão;
b)Actividade
instrumental
vigorosa
e/ou
original;
c)Responsabilidade; d)Conhecimento dos resultados das decisões; (O dinheiro como
medida dos resultados) e)Previsão de possibilidades futuras; f)Aptidões de
organização. (id., 1972:256)
Então a necessidade de realização sintetiza todas estas características e leva
o empresário a comportar de maneira particular segundo padrões de liderança
correspondentes ao seu papel, o que leva a distinguir o comportamento dos empresários
do comportamento empresarial separando o status do papel que desempenha. Nesta
perspectiva teórica todas as necessidades poderão ser aprendidas independentemente da
idade das pessoas, através da formação comportamental, a qual poderá transformar
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indivíduos em empresários geradores de empresas , criação de emprego, riqueza e bem
estar social, o que não promove a necessidade de se implementarem escolas de
empreendedorismo e inovação, como liga as actividades empresariais aos processos de
desenvolvimento socioeconómico e introduz a componente de responsabilidade social
das empresas. Estas orientações apresentam grande relevância quer para as sociedades
mais tradicionais como outras de grande complexidade étnica. No caso contemporâneo
das potências emergentes dos BRIC’S e dos países da sua esfera de influência, estes
pressupostos podem participar na compreenção das origens sociais e psicológicas das
forças econômicas chaves chamadas a intervir no processo de crescimento e
desenvolvimento da sociedade. As relações empresariais e económicas estão
intimamente vinculadas a outras relações que envolvem estruturas políticas e sociais
religiosas e de parentesco.
Nos estudos que Geert Hofsted (1984) efectuou sobre as relações de
interdependência entre personalidade, cultura e sistema social, mostrou as
consequências das culturas nacionais sobre o funcionamento das organizações,
apontando quatro dimensões básicas para a configuração do modelo organizacional:
- A distância do poder foi apresentada distância psicológica entre pessoas
dentro da organização imposta pelo poder hierárquico;
- O domínio sobre a incerteza ou fuga à incerteza representa o grau em que a
ambiguidade é vista como algo de ameaçador ou gerador de ansiedade. A maneira como
os valores de individualismo/colectivismo são vistos e adoptados entre pessoas ou
grupos, assim como são aplicados para a actividades de trabalho e a solução de
problemas;
- As relações masculinidade/feminilidade, entendidas como o grau em que
os valores e comportamentos que parecem corresponder aos traços do estereotipo de
masculino são valorizados comparativamente aos mesmos traços no feminino dentro da
sociedade.
Se empresário representa a sua cultura numa situação específica como foi
atrás enunciado, as tendências reveladas por estas quatro dimensões vão determinar a
dinâmica do processo de desenvolvimento. Mas paradoxalmente, foi destes
pressupostos que surgiu a ideia de universalização dos comportamentos empresariais,
que tomou forma através da aplicação do princípio da transferibilidade gerencial nos
programas de cooperação económico internacional, fazendo doutrina no pensamento
hegemónico da globalização das relações internacionais. As chancelarias, apesar de
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equivocadas, não tem prescindindo de manter na agenda da sua diplomacia económica a
transferência de teorias gerais de liderança e administração independentemente do
espaço cultural onde decorrem na procura de uma integração económica global.
Uma característica da actividade empresarial é a independência de acção do
empresário e a dificuldade de enquadrar o seu comportamento nas categorias
tradicionais das organizações (HENRY MINTZBERG, 1995). Num contexto
empresarial, o empresário é um líder, mas as suas tarefas são mais do que liderança,
porque planeia, organiza, dirige, controla e coordena as diversas funções que exerce. As
actividades dos empresários estão voltadas para o desempenho de um conjunto de
papéis relacionados, que embora possam ser descritos individualmente compreendem a
três tipologias:
- Os papéis interpessoais de relacionamentos do empresário com outros
membros da organização e do seu meio ambiente, enquanto líder, define as relações de
subordinação e de intermediação, é o elemento de ligação entre as pessoas da
organização e o exterior, pelo que devemos destacar este carácter de representante
simbólico e de identidade da organização;
- O líder empresarial é o porta-voz da organização, compartilha
informações com grupos do meio ambiente da organização e distribui o que acha
adequado aos seus subordinados, mas tambémtroca informações, procura e sistematiza
informações no meio externo;
- Os papéis decisórios do líder empresarial compreendem as decisões
voluntárias, inovadoras ou reactivas face a uma crise, tendo de assumir-se
empreendedor, responsável pela mudança e a iniciativa, face a situações involuntárias
tem de procurar as soluções adequadas; distribuidor de recursos, decidindo "quem é que
fica com o quê" e representar a organização em negociações de rotina ou de grande
importância.
Segundo a configuração estrutural das empresas, Mintzberg (1995) salienta
na sua classificação cinco tipos de organizações: As Organizações de Estrutura Simples
onde o principal mecanismo de coordenação é a supervisão directa, a parte chave da
organização é o vértice estratégico com uma centralização horizontal e vertical. As
organizações com uma Burocracia Mecanicista que apresentam a standardização dos
processos de trabalho, sendo a chave de organização a tecnoestrutura, aplicando-se uma
descentralização horizontal limitada. As organizações de Burocracia Profissional onde
principal mecanismo da coordenação reside na estandardização dos resultados, a parte
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chave da organização está no centro operacional e o tipo de descentralização pode ser
horizontal ou vertical. Já nas organizações de Estrutura Divisionalizada a coordenação é
feita pela standardização dos resultados, a chave da organização está na linha
hierárquica e a descentralização é vertical. Por fim, nas organizações de tipo
Adhocracia, onde a coordenação é feita por ajustamento directo, a parte chave da
organização está nas funções logísticas e o tipo de descentralização é selectivo.
A articulação dos papéis gerenciais de Mintzberg com a tipologia das
organizações oferecem uma leitura diversificada e representativa das realidades
empresarias do mundo empresarial da globalização económica nesta fase da pósmodernidade emergente onde os valores do neo-liberalismo assumiram uma posição de
dominação hegemónica perante a tolerância dos governos dos BRIC´S de quem se
esperava uma maior resistência e desconstrução da arquitectura de acumulação mundial.
Esta atitude deve-se em parte ao facto destes países serem herdeiros de um mercado
centralizado retraiu o espirito empreendedor, e o empresário privado era considerado
ideologicamente um arrivista. Apostavam em empreendimentos de grande escala e
capital intensivo que aumentaram a dívida externa e geraram crises inflacionárias. As
políticas económicas travavam o crescimento do sector moderno e bloquearam o
tradicional associado à atracção do urbano sobre o rural.
3 CRUZAMENTOS EMPREENDEDORES
Apesar dos estrangulamentos formalistas, temos vindo a observar que em
espaços geográficos diferentes, existem formas de organização e funcionamento das
empresas e dos mercados, que saem dos parâmetros da economia institucionalizada. Os
mecanismos e os processos das suas actividades resultam da simbiose de variáveis
culturais e económicas, formais e informais, que introduzem acentuadas dispersões e
rompem com as concepções unívocas. O seu resultado é uma tipologia diversificada de
unidades económicas que interagem sem dependência entre si, configurando um
segmento crescente, autónomo e coexistente, ou um novo mercado, que obriga a formas
imaginativas de direcção e gestão empresarial.
Estão nesta situação as empresas africanas, pois apresentam uma
configuração híbrida onde nem o modelo ocidental nem o local são dominantes, mas
ambos participam no crescimento económico nacional e asseguram lucros para os
empresários. Nas economias de heterogeneidade estrutural, encontramos elementos que
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permitem fundamentar a existência de uma “crioulidade económica”2 que se erigiu
durante a modernidade, e que reproduziram em novas formas de acção e tomada de
decisões. O traço dominante destas racionalidades económicas africanas é a sua
articulação com as exigências sociais (HENRY, 1995; MIRA, 1996) e a isso chamam
"empresas de mestiçagem" (HENRY, 1995:180). Na versão do chileno Manfred MaxNeff, trata-se da aplicação de saberes de subsistência ancestrais, próprios da cultura
específica de um determinado povo, em simbiose com as acessibilidades de
requalificação propiciado pela globalização. O novo herói africano é o empresário
africano, mas sai dos parâmetros de classificação ocidental de Max Weber, nas suas
funções enquanto líder apresenta uma maneira de gerir o negócio na fronteira da
actividade informal, com forte centralização pessoal e profundo vínculo a redes de
solidariedade comunitárias (MIRA, 1995) Porém o diálogo étnico entre o campo político
e económico, uma das peculiaridades do tecido empresarial das economias de
heterogeneidade estrutural, tem degenerado na etnização politica e empresarial. Como
resultado, tem transformando as bases de sobrevivência da família alargada africana,
num padrão de acumulação de recursos gerador de profundas desigualdades sociais
(MIRA 2012). A actual realidade do tecido empresarial sub-saharaniano aponta para o
empresário, com um homem de negócios múltiplos que se sustenta e sustenta os
regimes políticos. A maioria dos políticos-militares nacionalistas e patrióticos tornou-se
político-empresário (MIRA, 2005), a sua gestão está colada ao neo-patrimonialismo
governamental. Na dobragem do séc XX estas elites perderam as capacidades de
investimento do capital doméstico por esgotamento das apropriações indevidas da ajuda
internacional, todavia, tiveram a felicidade da descoberta de grandes jazidas de
hidrocarbonetos, o que intensificou o investimento externo e veio trazer um fôlego de
longa duração através dos mega-projectos de exploração. Neste contexto, a liderança
empresarial passou a estar configurada por volumosos movimentos financeiros e
operações transnacionais alavancadas pelo mercado da globalização. Nesta fase os
politico-empresários de grande dimensão, tem aberto a possibilidade de outros membros
das suas etnias com menor capacidade financeira participar nos empreendimentos
atrvaés de alianças e combinações de interesse mútuo. Este modelo não configura
2
O conceito de crioulidade tem aparecido normalmente como uma categoria da literatura e da
sociolinguística, ou então da antropologia e da biologia genética por via da mestiçagem, de maneira que
alguns autores atribuem a estes dois conceitos a mesma significação, não obstante existirem diferenças
assinaláveis.
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nenhum trust, deve ser entendido no quadro semântico das representações económicas e
financeiras dos negócios e apresentam especificidades.
Os estudos comparados realizados em empresas de França, Japão, Canadá,
Togo Benim e Burkina Faso realizadas pelo Instituto de Estudos Políticos da EHESS
dizem-nos que a par da racionalidade universal de obtenção do lucro na gestão
empresarial, a cada momento e em cada função da empresa surgem respostas locais. A
mesma opinião demonstra Fariba Adelkhah quando trata do imaginário económico no
Irão islâmico, cuja racionalidade económica interliga religião, política e negócios num
sistema de vida colectivo (BAYART, 1994).
Também os princípios empresariais da “comunidade de negócios globais”
aplicada pelas diásporas ismaelitas apresentam aspectos funcionais inovadores para a
performance empresarial. Os seus membros tem um forte vínculo com as orientações
islâmicas e do seu guia espiritual Aga Khan IV. Aplicam as novas tecnologias através
da comunicação em rede para realizar a grande parte dos negócios, a sua língua de
comunicação é em inglês, ou o gujarati da Índia cujo passado comum compartilham. As
suas operações estão caucionadas pela confiança familiar e as utilizações creditícias
garantidas por bens patrimoniais. Os lucros podem ser convertidos em activos
imobiliários, mercadorias ou capitais, fugindo às taxas de transferência de valores e
impostos sobre mais-valias e pautas aduaneiras, tendencialmente saem do sistema
formal (MIRA, 2014).
A singularidade etno-cultural substitui a classificação nacional e mundial tal
como reconhece Jeffrey Sachs, quando aborda a coerência interna das economias
nacionais e as reformas neoliberais.
As políticas económicas propostas pelo Fundo Monetário Internacional e
pelo Banco Mundial tem tentado formatar as práticas empresariais em todos as escalas
da actividade económica através da concessão de benefícios ao investimento como no
caso do “tripé da sustentabilidade” na lógica do desenvolvimento sustentável. Se por
uma lado procura concretizar a equidade entre o capital humano, o capital natural e o
lucro trazem a tendência de homogeneização comportamental foi contornada pelo
engenho dos empresários, e as preocupações ambientais não resolveram a questão
ecológica central: o padrão de acumulação e a fórmula da distribuição da riqueza. Como
afirma Amartya Sen não traz mudança significativa no entendimento dos determinantes
do progresso, da prosperidade ou do desenvolvimento. A estabilidade entre o
crescimento económico, protecção do meio ambiente e decisão empresarial, só poderá
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realizar-se sob a arbitragem dos poderes instituídos e concretizar-se através de política
de equidade social sustentável, vinculada à imaginação, criatividade e investimento.
4 CONCLUSÕES
Um céu de interrogações paira sobre este movimento que se inscreve na
reinvenção do espírito do capitalismo, enquanto as economias de heterogeneidade
estrutural proliferam e reagem às contingências do mercado e a acção dos empresários
varia do lugar que ocupa na escala do mercado onde actua e dos seus determinantes
formativos. A fusão reprodutiva de valores e comportamentos em tempo útil é visível
nos espaços onde o imaginário das famílias e das empresas efectuou essas novas
combinações. Historicamente as suas raízes remontam às primeiras trocas entre povos "
nada pode melhor do que o comércio para iniciar a conversa" dizia o filósofo
Agostinho da Silva. As economias estão a ficar cada vez mais integradas, exigindo a
coexistência contraditória e a aceitação intercultural, enquanto os agentes económicos
concretizam
a
“destruição-criativa”
shumpeteriana
carregados
de
elementos
motivacionais empreendedores. As fronteiras institucionais são assim quebradas para
"construir o país do qual, ciência e magia, por abandono e vontade, por cepticismo
(que significa procura) e por fé (de fidelidade irmã) fazem surgir realidades utópicas”
(Agostinho da Silva).
A invenção da comunhão da forma de estar no processo
produtivo é diferente da sua acessão no campo das artes e letras, mas "parece o real
obedecer uma e outra vez ao que os homens futurem desde que os impregne o saber,
persista o persistir e seja puro o alvo" (iden). Ao empresário contemporâneo exige-se
um conhecimento transcultural, que deve ser entendido como um valor acrescentado
pré-negocial assim como aos estudiosos destas matérias para interpretar a acção
empresarial.
REFERÊNCIAS
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HOFSTED, Geert. Culture's Consequences: International Differences in Work.
Related Values. Beverly Hills, Califórnia, 1984.
11
MACCLELLAND, David. A Sociedade Competitiva. Editora Expressão e Cultura.
Rio de Janeiro, 1972.
______________. Human Motivation. Cambridge University Press. Cambridge, 1987.
MIRA, Feliciano de. Les élites et les entreprises du Mozambique: Globalisation,
systèmes de pouvoir et reclassements sociales. École des Hautes Études en Sciences
Sociales de Paris. 2005
______________. Modelos Organizacionais das PMEs de Maputo - Moçambique.
ISEG/UTL, Lisboa. 1996
______________. Une famille d’entrepreneurs ismailis dans le Mozambique
indépendant, négoce et relations avec les élites. In: Ismailis du Mozambique: mémoire
et histoire. Org. Nicole Khouri e Joana Pereira Leite. L´Harmattan, Paris, 2014
SCHUMPETER, Joseph. Capitalisme, Socialisme et Democratie. Payot, Paris, 1951.
______________. História de Análise Económica. Fundo da Cultura. Rio de Janeiro,
1964.
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SILVA, Agostinho. Ir à India sem Abandonar Portugal. Assirio & Alvim, Lisboa,
1994.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Editorial Presença.
Lisboa, 1982.
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