A LIDERANÇA EMPRESARIAL CONTEXTUAL Feliciano de Mira1 RESUMO A emergência das economias de heterogeneidade estrutural tem diversificado os mercados da globalização obrigando os empresários a recorrer a performances cada vez mais contextualizadas e inovadoras para realização dos seus objectivos. A coexistência diversificada de mercados, dentro dum mesmo sistema económico mundial, obriga os agentes económicos a seguir uma liderança cruzada, envolvendo elementos estruturantes diversificados, gerando uma hibridez funcional. Ao efectuar a revisitação aos autores ocidentais mais significativos do pensamento clássico sobre empresários e empresas, destacamos os elementos estruturantes da liderança empresarial, verificando a persistência das regularidades do seu pensamento na actualidade contemporânea. PALAVRAS-CHAVE: empresários; empresas; liderança; saberes empresariais; cruzamentos empreendedores. 1 INTRODUÇÃO As variáveis contextuais são estruturantes dos saberes aplicados pelos agentes empresariais na sua performance, tornando-se os pilares epistemológicos da actividade empresarial. Porém, a recente crise internacional demonstrou, que apesar dos contextos, as conexões entre as elites e os poderes transnacionais dos diferentes países, reproduz traços aproximativos nas suas formas de liderança empresarial. Mas a impossibilidade de homogeneizar ou de reduzir ao mesmo corpo as unidades múltiplas, obriga a atravessar os territórios das incertezas e das contradições. A complexidade dos fenómenos empresariais contemporâneos assenta em premissas cada vez mais 1 Doutror em Socieconomie du Developpement pela EHESS-Paris; Doutor em Sociologia Económica e das Organizações e Mestre em Sistemas Sócio-Organizacionais das Atividades Económicas pelo ISEGUTL-Lisboa. Pós-Doutorado em Estudos Culturais Comparados pelo CES da Universidade de Coimbra. Docente do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental da UNEB-BA, Campus VIII. Coordena o Grupode Pesquisa em Socioeconomia do Desenvolvimento Sustentável da UNEB. 1 sofisticadas, que se acumulam de forma sistematizada ou por transferência dos acervos familiares e pessoais, da memória e da experiência compartilhada. Não obstante esta transição ser resultante de factores temporais, contextuais e relações de poder, a revistação aos clássicos do campo empresarial suscita um nova releitura da sua fundamentação substantiva e facilita a interpretação dos processos de mudança empresarial pós-moderna. 2 A FIGURA SOCIAL DA LIDERANÇA EMPRESARIAL A importância e influência dos valores ligados à religião protestante calvinista sobre as inclinações empreendedoras é o centro do clássico estuda de Max Weber, “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” para quem a dedicação ao trabalho e ao estudo, no ascetismo e na reprovação da auto-indulgência e exibicionismo, formaram pessoas que se realizam em função de um padrão de excelência internamente estruturado. Assim o exercício de cada profissão exprime uma indicação vocacional indicativa da presença de Deus, tornando as concepções religiosas uma determinante dos comportamentos económicos. Esta dimensão subjectiva do pensamento económico faz salientar a importância de diferentes factores não especificamente económicos na origem da organização da actividade económica. A actividade religiosa e as empresas cruzam-se fazendo emergir factores psicológicos e sociológicos no desencadear das forças que produzem a criação e organização da empresa. A relação entre os valores religiosos e a acção empreendedora é responsável pelo desencadear das forças que produzem a criação e organização da empresa e estão na origem do crescimento do capitalismo moderno. Max Weber atribui o crescimento do capitalismo moderno à acção empreendedora e à especificidade de certos valores religiosos mantidos pela religião protestante calvinista. Neste contexto o capitalismo define-se pela existência de empresas caracterizadas pela separação entre a família e os factores de produção, dirigidas por empresários cujo fim é realizarem o máximo lucro, através da organização racional do trabalho e da produção. Como ponto de partida podemos afirmar que uma empresa é uma organização, onde um grupo de pessoas está consciente de si próprias e desenvolve um conjunto de tarefas com o objectivo de atingir determinados metas, dentro de um sistema estruturado de funções distribuídas entre pessoas e tecnologias, de limites identificáveis e sob a orientação de uma estrutura de liderança. Mas a organização é mais do que isso, pertence a uma sociedade maior, cada 2 organização apresenta um configuração hipercomplexa, resultado de um conjunto de motivações económicas e sociais. As organizações são sistemas abertos influenciados por uma multidão de forças e mudanças ambientais ligadas com particular destaque para a religião, a família e etnicidade, mesmo em sociedades complexas da actual fase de pós-modernidade. A análise da cultura e da sua influência na formação dos empresários, apresenta uma forte variável explicativa para interpretar o funcionamento dos mercados, pelo que a personalidade do líder representa a sua cultura numa situação específica. Então a empresa é uma unidade de meios humanos, materiais e financeiros que actuando segundo imperativos decorrentes das regras do mercado, através da produção de bens ou serviços, visa satisfazer as necessidades, quer da comunidade quer dos que nela participam com capital, direcção e trabalho. Desta maneira, tanto a actividade profana como a profissional, foram colocadas no centro de interesse dos crentes através do protestantismo ascético, onde o empresário é visto como uma categoria socioprofissional que decorre de um acto de predestinação divina. Assim é entendida "a profissão concreta do indivíduo, como uma ordem especial de Deus no sentido de ele ocupar o lugar concreto para que está predestinado" (WEBER, 1982:56). É na conjugação destes aspectos que segundo Max Weber deve ser interpretado o espírito do capitalismo, devendo o empresário ao mesmo tempo que segue uma disciplina racional e manter um intenso desejo de lucro. "A ordem económica capitalista tem necessidade desta devoção à vocação de ganhar dinheiro" (id., ibid.:46). Os empresários realizamna, não apenas no mero interesse de acumulação, mas na perspectiva do reinvestimento e criação de nova riqueza. A sua actividade deve apresentar um tipo-ideal de organização formal e mecanismos que põe em movimento essa organização formal, a que chamamos burocracia que “apresenta diferentes níveis de autoridade; a acção está sujeita a regras bem definidas e impessoais; cada tarefa tem as suas regras a aplicar; os funcionários são escolhidos conforme a competência. (id.,1944:85) A burocracia representa ainda a forma mais perfeita de organização e funcionamento das empresas e é dentro deste espaço que o empresário tem de agir e recriar as suas capacidades de liderança. O indivíduo é o fundamento do sistema social, o qual actua com base no entendimento que tem da situação social. Por outro lado a sua acção baseia-se na sociedade e suas instituições, mais do que em forças sociais misteriosas ou abstracções, o que o obriga a exercitar as características empreendedoras, é sua função inovar “fazer novas combinações denominadas empresas” (SHUMPETER, 1961:130) O seu papel funcional é essencial no processo produtivo, a evolução económica está associada à 3 ideia de capacidade empreendedora, que implica a ruptura com as situações de equilíbrio estabelecidas pelo mercado. O empresário é o agente que dinamiza o processo denominado "destruição criativa", entendido o conceito de destruição por contraste ao acto de criar. A "introdução bem sucedida de uma nova mercadoria ou produto traz o germen da destruição", (id., 1951:163) de outras mercadorias ou produtos que alimentavam o circuito económico. Embora esta acção inovadora mantenha em comum a racionalidade dos processos anteriores, ela visa e é realizada em ordem a um novo tipo de produtos, reproduzindo novas empresas e dinamizando os mercados. O "processo de destruição criativa constitui um dado fundamental do capitalismo a que a empresa capitalista tem de se adaptar" (id., ibid.:164) para se manter no mercado. A actividade do empresário é relevante em todo este processo porque são os "empresários as pessoas que tomam as decisões de direcção" (id., ibid:165). No desempenho desta função é essencial o sentido da decisão mais do que a decisão em si, pois é o sentido da decisão que conduz a novas combinações que levam ao êxito. "Os ganhos empresariais não são rendimentos permanentes, emergem sempre que uma decisão empresarial que em condições de incerteza alcança sucesso" (id., 1964:179). O valor da decisão está centrado na orientação que ela segue aferida pelos resultados, os ganhos que obtém independentemente da quantidade de capital aplicado. A família é um dos factores mais decisivos na formação dos indivíduos, funciona como meio de controlo e equilíbrio social, forma de integração e transmissão de valores e saberes ancestrais, através dos seus membros, assim como mecanismo regulador de condutas e apaziguamento social. A família molda atitudes e conceitos, condicionando e potenciando horizontes. O tipo de organização familiar não só reflecte as crenças e os valores tradicionais existentes no espaço geográfico residencial, como influência a organização das próprias actividades económicas. O ambiente educacional da família molda atitudes e visões, condiciona ou potencializa horizontes através de "efeitos persistentes" sobre os indíviduos e as suas inclinações empreendedoras. "As variações familiares significam diferentes coisas em culturas diferentes" (MACCLLELAND, 1972:123). Os valores culturais diferentes ou as variações nas estruturas familiares alteram os padrões motivacionais. Nos estudos pioneiros sobre a motivação empresarial David MacClleland (1987) identifica o empresário como o homem que organiza a empresa, a unidade de negócio, e/ou que aumenta a sua capacidade produtiva. No mesmo estudo constacta que as religiões de misticismo positivo muito forte, (o Zen no Japão, ou os Vaishnavas da Índia), estimulam a 4 eficiência individual e a responsabilidade pessoal, desenvolvendo o ambiente educacional que motiva as inclinações empreendedoras. Segundo estas suposições o indivíduo empreendedor tem uma estrutura motivacional diferenciada que apresenta a necessidade de realização, como uma necessidade específica marcante. A necessidade de realização é a força motriz da iniciativa empreendedora que identificada e descrita por MacClelland recebeu a denominação de "n achievement", o que significa "conquistar algo com esforço próprio" (id.,ibid.:230). Segundo a sua "Teoria das Necessidades Socialmente Adquiridas", as pessoas desenvolvem três necessidades: realização, poder e afiliação. A realização é a necessidade que o indíviduo tem de ser bem sucedido, marca o seu temperamento enérgico e inconformista e o gosto por papéis que representam risco. Nesta teoria, o poder representa a necessidade de conquistar um certo grau de influência sobre outras pessoas, enquanto a afiliação encerra as motivações associadas ao desempenho de actividades sociais e comunitárias como forma de obter segurança pessoal. Segundo o autor, cada um de nós será influenciado por cada uma destas necessidades, dependendo da situação que está a vivenciar na sua vida. As experiências pessoais estruturam os interesses e orientam cada uma das três necessidades descritas de forma dominante. Nesta fundamentação, o empresário é um produto motivacional que orienta a sua actividade no plano funcional e no plano comportamental, tendo por base os valores, crenças e estímulos sociais e culturalmente adquiridos. As funções empresariais numa perspectiva histórica ou transcultural, vista em diferentes épocas e lugares, podem ser consideradas de diferentes maneiras, ainda que todas tendam para um reforço de prestígio na hieraquia social. Então o papel empresarial caracteriza-se pela : a)Aceitação moderada de riscos como função da capacidade de decisão; b)Actividade instrumental vigorosa e/ou original; c)Responsabilidade; d)Conhecimento dos resultados das decisões; (O dinheiro como medida dos resultados) e)Previsão de possibilidades futuras; f)Aptidões de organização. (id., 1972:256) Então a necessidade de realização sintetiza todas estas características e leva o empresário a comportar de maneira particular segundo padrões de liderança correspondentes ao seu papel, o que leva a distinguir o comportamento dos empresários do comportamento empresarial separando o status do papel que desempenha. Nesta perspectiva teórica todas as necessidades poderão ser aprendidas independentemente da idade das pessoas, através da formação comportamental, a qual poderá transformar 5 indivíduos em empresários geradores de empresas , criação de emprego, riqueza e bem estar social, o que não promove a necessidade de se implementarem escolas de empreendedorismo e inovação, como liga as actividades empresariais aos processos de desenvolvimento socioeconómico e introduz a componente de responsabilidade social das empresas. Estas orientações apresentam grande relevância quer para as sociedades mais tradicionais como outras de grande complexidade étnica. No caso contemporâneo das potências emergentes dos BRIC’S e dos países da sua esfera de influência, estes pressupostos podem participar na compreenção das origens sociais e psicológicas das forças econômicas chaves chamadas a intervir no processo de crescimento e desenvolvimento da sociedade. As relações empresariais e económicas estão intimamente vinculadas a outras relações que envolvem estruturas políticas e sociais religiosas e de parentesco. Nos estudos que Geert Hofsted (1984) efectuou sobre as relações de interdependência entre personalidade, cultura e sistema social, mostrou as consequências das culturas nacionais sobre o funcionamento das organizações, apontando quatro dimensões básicas para a configuração do modelo organizacional: - A distância do poder foi apresentada distância psicológica entre pessoas dentro da organização imposta pelo poder hierárquico; - O domínio sobre a incerteza ou fuga à incerteza representa o grau em que a ambiguidade é vista como algo de ameaçador ou gerador de ansiedade. A maneira como os valores de individualismo/colectivismo são vistos e adoptados entre pessoas ou grupos, assim como são aplicados para a actividades de trabalho e a solução de problemas; - As relações masculinidade/feminilidade, entendidas como o grau em que os valores e comportamentos que parecem corresponder aos traços do estereotipo de masculino são valorizados comparativamente aos mesmos traços no feminino dentro da sociedade. Se empresário representa a sua cultura numa situação específica como foi atrás enunciado, as tendências reveladas por estas quatro dimensões vão determinar a dinâmica do processo de desenvolvimento. Mas paradoxalmente, foi destes pressupostos que surgiu a ideia de universalização dos comportamentos empresariais, que tomou forma através da aplicação do princípio da transferibilidade gerencial nos programas de cooperação económico internacional, fazendo doutrina no pensamento hegemónico da globalização das relações internacionais. As chancelarias, apesar de 6 equivocadas, não tem prescindindo de manter na agenda da sua diplomacia económica a transferência de teorias gerais de liderança e administração independentemente do espaço cultural onde decorrem na procura de uma integração económica global. Uma característica da actividade empresarial é a independência de acção do empresário e a dificuldade de enquadrar o seu comportamento nas categorias tradicionais das organizações (HENRY MINTZBERG, 1995). Num contexto empresarial, o empresário é um líder, mas as suas tarefas são mais do que liderança, porque planeia, organiza, dirige, controla e coordena as diversas funções que exerce. As actividades dos empresários estão voltadas para o desempenho de um conjunto de papéis relacionados, que embora possam ser descritos individualmente compreendem a três tipologias: - Os papéis interpessoais de relacionamentos do empresário com outros membros da organização e do seu meio ambiente, enquanto líder, define as relações de subordinação e de intermediação, é o elemento de ligação entre as pessoas da organização e o exterior, pelo que devemos destacar este carácter de representante simbólico e de identidade da organização; - O líder empresarial é o porta-voz da organização, compartilha informações com grupos do meio ambiente da organização e distribui o que acha adequado aos seus subordinados, mas tambémtroca informações, procura e sistematiza informações no meio externo; - Os papéis decisórios do líder empresarial compreendem as decisões voluntárias, inovadoras ou reactivas face a uma crise, tendo de assumir-se empreendedor, responsável pela mudança e a iniciativa, face a situações involuntárias tem de procurar as soluções adequadas; distribuidor de recursos, decidindo "quem é que fica com o quê" e representar a organização em negociações de rotina ou de grande importância. Segundo a configuração estrutural das empresas, Mintzberg (1995) salienta na sua classificação cinco tipos de organizações: As Organizações de Estrutura Simples onde o principal mecanismo de coordenação é a supervisão directa, a parte chave da organização é o vértice estratégico com uma centralização horizontal e vertical. As organizações com uma Burocracia Mecanicista que apresentam a standardização dos processos de trabalho, sendo a chave de organização a tecnoestrutura, aplicando-se uma descentralização horizontal limitada. As organizações de Burocracia Profissional onde principal mecanismo da coordenação reside na estandardização dos resultados, a parte 7 chave da organização está no centro operacional e o tipo de descentralização pode ser horizontal ou vertical. Já nas organizações de Estrutura Divisionalizada a coordenação é feita pela standardização dos resultados, a chave da organização está na linha hierárquica e a descentralização é vertical. Por fim, nas organizações de tipo Adhocracia, onde a coordenação é feita por ajustamento directo, a parte chave da organização está nas funções logísticas e o tipo de descentralização é selectivo. A articulação dos papéis gerenciais de Mintzberg com a tipologia das organizações oferecem uma leitura diversificada e representativa das realidades empresarias do mundo empresarial da globalização económica nesta fase da pósmodernidade emergente onde os valores do neo-liberalismo assumiram uma posição de dominação hegemónica perante a tolerância dos governos dos BRIC´S de quem se esperava uma maior resistência e desconstrução da arquitectura de acumulação mundial. Esta atitude deve-se em parte ao facto destes países serem herdeiros de um mercado centralizado retraiu o espirito empreendedor, e o empresário privado era considerado ideologicamente um arrivista. Apostavam em empreendimentos de grande escala e capital intensivo que aumentaram a dívida externa e geraram crises inflacionárias. As políticas económicas travavam o crescimento do sector moderno e bloquearam o tradicional associado à atracção do urbano sobre o rural. 3 CRUZAMENTOS EMPREENDEDORES Apesar dos estrangulamentos formalistas, temos vindo a observar que em espaços geográficos diferentes, existem formas de organização e funcionamento das empresas e dos mercados, que saem dos parâmetros da economia institucionalizada. Os mecanismos e os processos das suas actividades resultam da simbiose de variáveis culturais e económicas, formais e informais, que introduzem acentuadas dispersões e rompem com as concepções unívocas. O seu resultado é uma tipologia diversificada de unidades económicas que interagem sem dependência entre si, configurando um segmento crescente, autónomo e coexistente, ou um novo mercado, que obriga a formas imaginativas de direcção e gestão empresarial. Estão nesta situação as empresas africanas, pois apresentam uma configuração híbrida onde nem o modelo ocidental nem o local são dominantes, mas ambos participam no crescimento económico nacional e asseguram lucros para os empresários. Nas economias de heterogeneidade estrutural, encontramos elementos que 8 permitem fundamentar a existência de uma “crioulidade económica”2 que se erigiu durante a modernidade, e que reproduziram em novas formas de acção e tomada de decisões. O traço dominante destas racionalidades económicas africanas é a sua articulação com as exigências sociais (HENRY, 1995; MIRA, 1996) e a isso chamam "empresas de mestiçagem" (HENRY, 1995:180). Na versão do chileno Manfred MaxNeff, trata-se da aplicação de saberes de subsistência ancestrais, próprios da cultura específica de um determinado povo, em simbiose com as acessibilidades de requalificação propiciado pela globalização. O novo herói africano é o empresário africano, mas sai dos parâmetros de classificação ocidental de Max Weber, nas suas funções enquanto líder apresenta uma maneira de gerir o negócio na fronteira da actividade informal, com forte centralização pessoal e profundo vínculo a redes de solidariedade comunitárias (MIRA, 1995) Porém o diálogo étnico entre o campo político e económico, uma das peculiaridades do tecido empresarial das economias de heterogeneidade estrutural, tem degenerado na etnização politica e empresarial. Como resultado, tem transformando as bases de sobrevivência da família alargada africana, num padrão de acumulação de recursos gerador de profundas desigualdades sociais (MIRA 2012). A actual realidade do tecido empresarial sub-saharaniano aponta para o empresário, com um homem de negócios múltiplos que se sustenta e sustenta os regimes políticos. A maioria dos políticos-militares nacionalistas e patrióticos tornou-se político-empresário (MIRA, 2005), a sua gestão está colada ao neo-patrimonialismo governamental. Na dobragem do séc XX estas elites perderam as capacidades de investimento do capital doméstico por esgotamento das apropriações indevidas da ajuda internacional, todavia, tiveram a felicidade da descoberta de grandes jazidas de hidrocarbonetos, o que intensificou o investimento externo e veio trazer um fôlego de longa duração através dos mega-projectos de exploração. Neste contexto, a liderança empresarial passou a estar configurada por volumosos movimentos financeiros e operações transnacionais alavancadas pelo mercado da globalização. Nesta fase os politico-empresários de grande dimensão, tem aberto a possibilidade de outros membros das suas etnias com menor capacidade financeira participar nos empreendimentos atrvaés de alianças e combinações de interesse mútuo. Este modelo não configura 2 O conceito de crioulidade tem aparecido normalmente como uma categoria da literatura e da sociolinguística, ou então da antropologia e da biologia genética por via da mestiçagem, de maneira que alguns autores atribuem a estes dois conceitos a mesma significação, não obstante existirem diferenças assinaláveis. 9 nenhum trust, deve ser entendido no quadro semântico das representações económicas e financeiras dos negócios e apresentam especificidades. Os estudos comparados realizados em empresas de França, Japão, Canadá, Togo Benim e Burkina Faso realizadas pelo Instituto de Estudos Políticos da EHESS dizem-nos que a par da racionalidade universal de obtenção do lucro na gestão empresarial, a cada momento e em cada função da empresa surgem respostas locais. A mesma opinião demonstra Fariba Adelkhah quando trata do imaginário económico no Irão islâmico, cuja racionalidade económica interliga religião, política e negócios num sistema de vida colectivo (BAYART, 1994). Também os princípios empresariais da “comunidade de negócios globais” aplicada pelas diásporas ismaelitas apresentam aspectos funcionais inovadores para a performance empresarial. Os seus membros tem um forte vínculo com as orientações islâmicas e do seu guia espiritual Aga Khan IV. Aplicam as novas tecnologias através da comunicação em rede para realizar a grande parte dos negócios, a sua língua de comunicação é em inglês, ou o gujarati da Índia cujo passado comum compartilham. As suas operações estão caucionadas pela confiança familiar e as utilizações creditícias garantidas por bens patrimoniais. Os lucros podem ser convertidos em activos imobiliários, mercadorias ou capitais, fugindo às taxas de transferência de valores e impostos sobre mais-valias e pautas aduaneiras, tendencialmente saem do sistema formal (MIRA, 2014). A singularidade etno-cultural substitui a classificação nacional e mundial tal como reconhece Jeffrey Sachs, quando aborda a coerência interna das economias nacionais e as reformas neoliberais. As políticas económicas propostas pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial tem tentado formatar as práticas empresariais em todos as escalas da actividade económica através da concessão de benefícios ao investimento como no caso do “tripé da sustentabilidade” na lógica do desenvolvimento sustentável. Se por uma lado procura concretizar a equidade entre o capital humano, o capital natural e o lucro trazem a tendência de homogeneização comportamental foi contornada pelo engenho dos empresários, e as preocupações ambientais não resolveram a questão ecológica central: o padrão de acumulação e a fórmula da distribuição da riqueza. Como afirma Amartya Sen não traz mudança significativa no entendimento dos determinantes do progresso, da prosperidade ou do desenvolvimento. A estabilidade entre o crescimento económico, protecção do meio ambiente e decisão empresarial, só poderá 10 realizar-se sob a arbitragem dos poderes instituídos e concretizar-se através de política de equidade social sustentável, vinculada à imaginação, criatividade e investimento. 4 CONCLUSÕES Um céu de interrogações paira sobre este movimento que se inscreve na reinvenção do espírito do capitalismo, enquanto as economias de heterogeneidade estrutural proliferam e reagem às contingências do mercado e a acção dos empresários varia do lugar que ocupa na escala do mercado onde actua e dos seus determinantes formativos. A fusão reprodutiva de valores e comportamentos em tempo útil é visível nos espaços onde o imaginário das famílias e das empresas efectuou essas novas combinações. Historicamente as suas raízes remontam às primeiras trocas entre povos " nada pode melhor do que o comércio para iniciar a conversa" dizia o filósofo Agostinho da Silva. As economias estão a ficar cada vez mais integradas, exigindo a coexistência contraditória e a aceitação intercultural, enquanto os agentes económicos concretizam a “destruição-criativa” shumpeteriana carregados de elementos motivacionais empreendedores. As fronteiras institucionais são assim quebradas para "construir o país do qual, ciência e magia, por abandono e vontade, por cepticismo (que significa procura) e por fé (de fidelidade irmã) fazem surgir realidades utópicas” (Agostinho da Silva). A invenção da comunhão da forma de estar no processo produtivo é diferente da sua acessão no campo das artes e letras, mas "parece o real obedecer uma e outra vez ao que os homens futurem desde que os impregne o saber, persista o persistir e seja puro o alvo" (iden). Ao empresário contemporâneo exige-se um conhecimento transcultural, que deve ser entendido como um valor acrescentado pré-negocial assim como aos estudiosos destas matérias para interpretar a acção empresarial. 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