FALTA DE CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE 1 Andreia Chora nº 001587 Sara Garcia nº 001595 “A consciência é tão inexplicável racionalmente quanto a própria liberdade, mas, tal como esta, é por todos admitida como evidente.” Jescheck 2 ACÓRDÃO DO TRIB. DA REL. PORTO PROCESSO: 0240988 ANO: 2005 B e C foram condenados como co-autores materiais de um crime de exploração ilícita de jogo. Recurso: os factos provados não integram os elementos do crime de exploração ilícita de jogo. 3 TIPO DE ILÍCITO Decreto-lei 10/95 de 19 de Janeiro Artigo 108.º Exploração ilícita de jogo 1 - Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até dois anos e multa até 200 dias 4 TIPICIDADE Elemento objectivo: exploração, por qualquer forma, de jogo de fortuna ou azar fora de locais legalmente autorizados. Elemento subjectivo: dolo (art. 13º CP) - Intelectual: conhecimento material dos elementos e circunstâncias do tipo legal. - Volitivo: vontade de adoptar a conduta ilícita. 5 FACTOS PROVADOS: B e C são proprietários de um salão de jogos. O salão foi alvo de uma fiscalização. Foram encontradas duas máquinas de fortuna e azar (os resultados não dependem da perícia do jogador): - uma máquina que, quando accionada por um controlo remoto, faz surgir um jogo semelhante ao Poker. - uma máquina idêntica a uma Slot machine 6 SLOT MACHINE DE UM CASINO 7 FACTOS NÃO PROVADOS: B e C tinham conhecimento que o telecomando accionava o jogo de Poker. (o comando não foi encontrado) B e C sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. E: B e C são indivíduos com poucos conhecimentos na matéria, para quem jogos proibidos são apenas os que pagam prémios em dinheiro. 8 SUBSUNÇÃO Elemento objectivo: B e C exploravam jogos de fortuna e azar. Elemento subjectivo: dolo Intelectual: B e C não representaram que aqueles jogos fossem de fortuna e azar. Volitivo: B e C queriam explorar estes jogos com intuitos lucrativos. 9 ELEMENTO INTELECTUAL DO DOLO Art. 16º/1: o erro sobre proibições cujo conhecimento sejam razoavelmente indispensáveis para que o agente possa tomar conhecimento da ilicitude do facto, exclui o dolo. Inclui-se no dolo a consciência das circunstâncias do facto que preenche um tipo de ilícito objectivo? 10 DECISÃO Não se mostra preenchido o tipo de crime: - B e C não representam que se trata de um jogo de fortuna e azar. Art. 16º/3 e art. 13º: não se prevê punibilidade a título de negligência, logo, B e C são absolvidos. 11 ACÓRDÃO DO STJ PROCESSO: 048495 ANO:1996 Cada um dos arguidos foi condenado como autor de um crime de sequestro previsto e punido no artigo 160, n. 2, alínea d) do Código penal de 1982 (actual art. 158º) Arguidos: A, B ,C , D Agentes da PJ que investigavam F , arguido, num processo em que G é a queixosa. 12 FACTOS PROVADOS Os arguidos deslocaram-se a um restaurante a fim de contactar F, e aí acabaram por ter conhecimento pela G que E sabia dos factos ali em investigação. Abordaram o ofendido E (amigo de F). Convidaram-no a acompanhá-los e a entrar no carro da PJ, para prestar declarações como testemunha. 13 E ofereceu resistência. Foi agredido a soco e a pontapé, sendo agarrado à força pelos braços e introduzido contra a sua vontade na viatura da PJ. Foi levado para as instalações da PJ, nas quais ficou detido durante algumas horas. 14 E disse aos arguidos que não sabia nada sobre o assunto e que não pretendia ir para as instalações da PJ. E não se recusou a qualquer identificação. G ,na queixa que apresentou contra o F, não fez qualquer referência a E. 15 Os arguidos são agentes da PJ há alguns anos. A é subinspector. Durante toda a sua actuação os arguidos estavam convencidos que a sua actuação era legal. Os arguidos sabiam que ao empurrar o ofendido para dentro do automóvel da PJ e ao reconduzi-lo às instalações da PJ estavam a privá-lo de liberdade. 16 FACTOS NÃO PROVADOS Que os arguidos soubessem, que a sua conduta era proibida e punida por lei. Que os arguidos quisessem privar o ofendido da sua liberdade, muito embora, soubessem que ao empurrá-lo para o automóvel e ao conduzi-lo às instalações da PJ estavam a privá-lo da sua liberdade. 17 FUNDAMENTAÇÃO Questão principal: erro sobre a ilicitude, excludente da culpa, e a censurabilidade ou não de tal erro, nos termos do art. 17º CP. O Tribunal de 1ª instância considera o erro sobre a ilicitude não censurável, excludente da culpa. Os agentes da P.J., por pertencerem a uma brigada de homicídios, lidam diariamente com a violência, por isso têm de ter uma linguagem própria , dotada de um certo autoritarismo. 18 Art. 91º da Lei Orgânica da PJ: 1 - São deveres especiais dos funcionários da Polícia Judiciária os seguintes: a) b) c) Agir com integridade, imparcialidade e dignidade; Não praticar actos de tortura, tratamentos desumanos, cruéis ou degradantes, não executando qualquer ordem ou instrução que implique tais actos; Agir com a determinação necessária, mas sem recorrer à força mais que o estritamente necessário, rectius razoável para cumprir uma tarefa legalmente exigida ou autorizada. Art. 272º CRP: proporcionalidade 19 Todo este circunstancialismo convence da fragilidade da conclusão de que os arguidos actuaram sem consciência da ilicitude do facto. Mas admitindo que sim, ainda necessário que o erro não lhes fosse censurável. O art. 17º refere-se a crimes cuja punibilidade se pode presumir conhecida e se tem de exigir que seja conhecida de todos os cidadãos normalmente socializados. 20 - - Censurabilidade : os agentes não tomaram consciência, devendo fazê-lo, da ilicitude da conduta. afectaram um valor essencial como a liberdade por meios violentos e desproporcionados. 21 DECISÃO Não é de admitir que os arguidos desconheçam as normas limitadoras da sua actuação em casos como este. O erro sobre a consciência da ilicitude é, sem dúvida, censurável. É de considerar que os arguidos, consciente e voluntariamente afectaram a livre circulação do ofendido E. o o Se o erro for censurável, o agente é punido com a pena aplicável ao crime doloso respectivo, a qual pode ser especialmente atenuada. “(…)decide-se: a) Conceder parcial provimento aos recursos, revogando a decisão recorrida e condenando cada um dos arguidos como autor de um crime de sequestro previsto e punido no artigo 160, n. 2, alínea d) do Código penal de 1982, na pena de seis meses de prisão; b) Decretar a suspensão da execução da mesma pena pelo período de um ano. 22 TEORIAS Teoria do dolo estrita: exclui sempre o dolo. Teoria do dolo limitado: exclui o dolo só quando o desconhecimento não é censurável. Teoria da culpa : - censurável: punido por crime doloso, embora a pena possa ser atenuada. - não censurável: exclui-se a culpa. 23 ERRO SOBRE A PROIBIÇÃO = FALTA DE CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE A consciência da ilicitude é posta em termos leigos – ilicitude material. Erro directo sobre a ilicitude (art. 17º) O agente pode estar em erro sobre: • • • Não conhece a norma de proibição que respeita directamente ao facto; Conhecendo a norma, tem-na por inválida. Interpreta a norma incorrectamente. 24 FALTA DE CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE art. 16 – Erro sobre a proibição legal (2ª parte do nº 1) Estamos perante uma falta de conhecimento que deve ser imputada a uma falta de informação ou de esclarecimento e que por isso, quando censurável, conforma o específico tipo de censura da negligência. Deficiência da consciência psicológica FD art. 17º - Erro sobre a ilicitude Estamos perante uma deficiência da própria consciência ético-jurídica do agente, que não permite apreender correctamente os valores jurídico-penais, e que por isso, quando censurável, conforma o específico tipo de censura do dolo. Deficiência da consciência ética 25 art. 16º/1 Erro sobre a proibição legal Proibições cujo conhecimento é razoavelmente indispensável para haver consciência da ilicitude. Proibições axiologicamente neutras O erro afasta o dolo (mesmo que censurável ?) art. 17º - Erro sobre a ilicitude Proibições que todos devem conhecer: não matar, não roubar, não agredir, etc. O erro não censurável afasta a culpa causa de exclusão da culpa Se o erro for censurável, há culpa agente é punido com a pena aplicável ao crime doloso, embora a pena possa ser especialmente atenuada. 26 Qual vai ser o critério prático que o juiz vai utilizar para demarcar as condutas axiologicamente neutras das que não o são? Existem condutas axiologicamente neutras? E o desvalor da ilicitude que lhes está associado? Direito penal vs. Direito Penal secundário 27 QUANDO É QUE O ERRO É CENSURÁVEL? O erro sobre a ilicitude é censurável quando “for revelador de uma personalidade ou de uma atitude ético-pessoal de indiferença perante o bem jurídico lesado ou posto em perigo” TC FD reconduz o critério de censurabilidade ou não censurabilidade da falta de consciência das ilicitude a uma ideia de culpa na formação da personalidade. 28 QUANDO É QUE O ERRO É CENSURÁVEL? Critério de evitabilidade: “ o mesmo que se utiliza no facto negligente para apurar o dever de exame do agente” TS e Jescheck - conceito material de culpa. O erro será censurável ou não censurável, conforme a situação concreta da pessoa, consoante lhe fosse exigível ou não que desconfiasse.” TPB e Roxin 29 TEORIA DO MÍNIMO ÉTICO - JELLINECK Se o facto constitui uma infracção de Direito e uma violação da ordem moral e ética – erro evitável. 30 “ A interpretação da 2ª parte do nº 1, do art. 16º, deve ser o mais restrita possível - por razões de prevenção geral e especial – devendo ser concedido relevância decisiva à utilização de um critério de evitabilidade que abranja a maioria dos casos.” TS Há que evitar o “ amolecimento ósseo do Direito penal”. TPB 31