Universidade Presbiteriana Mackenzie
A TIPIFICAÇÃO DO CRIME POLÍTICO DURANTE A DITADURA MILITAR
BRASILEIRA
Felipe dos Santos Lopes (IC) e Regina Célia Pedroso (Orientadora)
Apoio: PIBIC Mackenzie/MackPesquisa
Resumo
Este trabalho tem como tema central o estudo de alguns processos crimes que tramitaram durante o
regime militar brasileiro. Trata-se de processos cujos réus foram enquadrados como “criminosos
políticos” e/ou “presos políticos” ao longo da Ditadura Militar brasileira (1964-1985). Busca-se
compreender esse período da recente história de nosso país, por meio da análise de processos que
tramitaram na Justiça Militar Brasileira, os quais são fontes de informação que mostram as ações e
reações que o então sistema vigente praticava contra os indivíduos que contrariavam a ordem. Para
tanto escolhemos seis processos contra militares objetivando observar a tipologia do crime político
cometido por militares da ativa. Cabe mencionar o fato de que embora o Ministério Público
promovesse as ações, aparentemente os acusados tinham todos os direitos processuais
assegurados, vale dizer, ocorria devido processo legal, pois havia citação, intimação, ampla defesa,
contraditório, requerimento de laudos periciais, entre outras. Ou seja, o Poder Judiciário garantia
direitos aos indivíduos, possibilitando um processo justo e imparcial. Estes processos tramitaram pela
Justiça Militar, cabe agora saber se o respeito a essas garantias está ligado à ordem vigente ou se
ocorreu um corporativismo entre os militares que julgavam seus colegas de quartel devidamente,
enquanto a justiça comum não garantia aos cidadãos as mesmas garantias e submetiam estes a uma
justiça parcial, inclinada a favorecer os interesses do governo instituído.
Palavras-chave: Ditadura Militar, presos políticos, legalidade autoritária
Abstract
This work is focused on the study of some cases crimes processed during the Brazilian military
regime. These are processes whose defendants were framed as "political criminals" and / or "political
prisoners" during the Brazilian military dictatorship (1964-1985). We seek to understand this period of
recent history of our country, through the analysis of cases handled in the Brazilian Military Justice,
which are sources of information that show the actions and reactions that the then existing system
practiced against individuals who spoke against the order. We chose six cases against the military
aimed to observe the typology of political crimes committed by active duty military. It is worth
mentioning the fact that although the prosecutor filed the cases, the defendants apparently had all the
procedural rights guaranteed, ie, due process occurred because there was subpoena, legal defense,
contradictory, application of expert reports, among other . That is, the Judiciary guarantee rights to
individuals, enabling a fair and impartial process. These proceedings before the military justice
system, it is now about whether these guarantees are linked to the existing order or if there was a
corporatism in the military who thought his colleagues duly barracks, while the common law does not
guarantee citizens the same assurance and subjected such a partial justice, inclined to favor the
interests of the established government.
Key-words: Military Dictatorship, political prisoners, authoritarian legality
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INTRODUÇÃO
Este artigo tem como tema central um estudo geral acerca dos tipos de crimes cometidos
pelos indivíduos enquadrados como “criminosos políticos” e/ou “presos políticos” ao longo
da Ditadura Militar brasileira, especificamente militares que foram processados a partir da
legislação vigente. Foi realizado um levantamento qualitativo dos tipos de crimes cometidos
contra o Estado - enquadrados a partir da Lei de Segurança Nacional de 1967 e que vigorou
até o final da Ditadura. Assim, a relação entre legislação e práticas criminais será
visualizada ao longo do texto principal.
Esse corpo documental – processos crimes – além de nos fornecer o enquadramento legal
da subversão, também nos fornece a sentença proferida pelo Poder Judiciário – o que
também é de nosso interesse – visto que a maior parte dos presos políticos foi submetida ao
quadro de legalidade da época.
Com essa pesquisa vamos discutir “como pano de fundo” o que se passou no Brasil durante
o regime militar focando principalmente na legislação de segurança desta época e do estado
de exceção que ocorreu. Muitos dos direitos que temos hoje, principalmente na esfera
jurídica e política, não se tinham durante a ditadura, assim pretendemos em um nível
comparativo posterior, observar as infrações políticas modernas com as infrações
estabelecidas naquele período obscuro de nossa história.
Objetiva-se com esse estudo detido aos processos da justiça Militar a compreensão da
lógica do crime e seu enquadramento na legislação de época, bem como a sentença
aplicada. Cabe ressaltar que essa compreensão é primordial para a análise que se pretende
fazer posteriormente acerca do crime político na Ditadura Militar brasileira.
A história da repressão política no Brasil ainda é um tema tabu e que tem no pesquisador
deste início de século o trabalho prioritário de resgatar as facetas desses momentos
políticos, que relegaram ao cidadão sua exclusão da política e por extensão uma cidadania
de segundo plano, uma vez que seus direitos políticos foram cassados. Compreender o
funcionamento das instituições da violência que deram o suporte da repressão política pode
conduzir a compreensão do funcionamento do Estado repressivo a mostrar suas entranhas
e artimanhas.
REFERENCIAL TEÓRICO
Após o Golpe de 64, instaurou-se no Brasil o chamado Regime Militar, ou seja, uma
Ditadura dirigida e governada pelos oficiais militares brasileiros. O regime perdurou entre os
anos de 1964 até 1985. Os presidentes da república militares, a saber, foram: Humberto de
Alencar Castello Branco (1964-1967), Arthur da Costa e Silva (1967-1969), Junta Militar
(08/1969-10/1969), Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), Ernesto Geisel (1974-1979),
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João Batista de Oliveira Figueiredo (1979-1985). Segundo Gusson (2010) durante esses
anos o regime combateu os militantes contrários ao governo vigente. O movimento
estudantil teve grande representação nas lutas políticas e sociais, nesse contexto, tornou-se
importante nos quadros de oposição. Em resposta a esta ação estudantil, o governo fez uso
de diversos aparatos para combater os estudantes, tais como a instrução de processos
judiciais contra manifestações estudantis consideradas subversivas.
Reportando-se ao período, lembramos que se tratava de Guerra Fria e instalada a Ditadura
era necessário mecanismos legais para garantir seu funcionamento repressivo. Logo o meio
mais eficaz para isso foi a Legislação, diante de leis é que se tornam possíveis e legais a
prática de determinados atos pelo Governo. O Poder Público só pode praticar atos que a lei
lhe atribua e permita (princípio da legalidade). Justifica-se o mencionado pelos dizeres de
Barros (2010), após a 2ª Guerra Mundial pairou-se um sentimento de proteger a paz mundial
e proporcionar avanço do progresso da humanidade.
Com isso criaram-se leis a fim de garantir isso. No Brasil sentimos tal tendência com a Lei
de Segurança Nacional, a qual no regime militar atribuiu à justiça militar a competência para
processar e julgar militares e civis pela pratica de crimes referidos na lei. Em 1967 foi
editado o Decreto-Lei nº 314, este dispositivo reformou a então legislação vigente, porém
apesar da reforma, esta não se fez suficiente para os objetivos desejados pelo regime, logo
em 1969, o Decreto-Lei nº 898, revogou o dispositivo de 1967 e em seu artigo 3º assim
definiu “a Segurança Nacional compreende, essencialmente, medidas destinadas à
preservação da segurança externa e interna, inclusive a prevenção e repressão da guerra
psicológica adversa a da guerra revolucionária ou subversiva”. De acordo com Barros
(2010), este decreto inseriu no ordenamento jurídico as penas de morte e prisão perpétua,
sanções estas previstas em quinze infrações ditadas pela Lei de Segurança Nacional. Sem
dúvida, este foi mais um dos instrumentos legislativos utilizados na ditadura com o intuito de
fortalecer seu poder e fazer da repressão mecanismo para conquistar respeito da
sociedade. Este decreto ainda vedou o sursis (suspensão condicional da pena) para os
crimes que atentavam contra a Segurança Nacional (artigo 75) e incluiu no rol de crimes
contra a Segurança Nacional, os delitos de assalto, roubo e depredação de estabelecimento
de crédito ou financiamento.
No entanto esta lei não foi suficiente, então sucessivamente foram editados Atos
Institucionais (AI), o pico da legislação repressiva ocorreu com o AI-5 em 1968, entre uma
das garantias suprimidas por esta lei, foi a proibição de habeas corpus. Para Cademartori
(2010), a edição do AI-5 inaugura uma fase em que o princípio jurídico absoluto passa a ser
a defesa da segurança nacional, o que requer a neutralização de um grande número de
normas até então em vigor.
Com a proibição do habeas corpus, a inexistência de
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comunicação de prisão e de prazo para a conclusão de inquérito, o preso político ficava
entregue sem defesas aos órgãos de segurança. Permaneceria ali, submetido a torturas até
confessar o que seus interrogadores quisessem, momento em que seria comunicada sua
prisão à Justiça Militar. Como o ambiente em 1968 era desfavorável ao governo militar, este
editou o AI-5, que concentrou o poder nas mãos do Poder Executivo, o Presidente da
República passou a gozar de grandioso poder uma vez que ele podia até mesmo legislar.
Segue as implicações do AI-5: suspensão dos direitos políticos e cassação de mandatos por
10 anos, intervenção nos estados e municípios, suspensão das garantias constitucionais
quanto à vitaliciedade e inamovibilidade, podendo demitir e reformar militares, aposentar
funcionários e juízes, decretação de estado de sítio e sua prorrogação, estendendo prazo de
vigência, confisco de bens resultantes de enriquecimento ilícito, suspensão de habeas
corpus, recesso do congresso e das assembléias por prazo indeterminado, entre outras.
Desta forma, como menciona Martins (1999), o AI-5 acentuou a militarização do regime e
resultou de uma série de manifestações de várias frentes de oposição à ditadura que
vinham se avolumando desde o início de 1968. Ainda segundo o mesmo autor, este
instrumento arbitrário de poder suspendeu todas as garantias civis em nome da guarda e do
respeito a “Segurança Nacional” e, para completar, concedeu ao Poder Executivo o direito
de legislar.
Diante de tais informações, fica evidente a gravidade do que se estabeleceu durante esses
anos de regimes políticos fortes da história do Brasil, no qual os direitos humanos não
faziam parte da mentalidade governista, e nem mesmo o direito a liberdade contra abusos
de autoridade era assegurado aos cidadãos brasileiros, caracterizava-se sem dúvida um
estado de exceção, no qual o único direito assegurado era obediência a ordem mandante.
Para Rizzo de Oliveira (apud ROUQUIÉ, 1980) no governo Geisel, a Justiça Militar foi
transformada num dos principais focos de contradições do regime, baseada em uma
legislação contraditória, rígida e repressiva.
Embora sejam evidentes a repressão e a inexistência de direitos, em entrevista ao programa
Dossiê da emissora Globo News (04.04.2010), o General Leônidas Pires Gonçalves, excomandante do DOI-CODI do Rio de Janeiro, alega que no Brasil não houve exílios durante
a Ditadura Militar, e afirma que todos aqueles que se dizem exilados, são na verdade
fugitivos e assustados, cita entre eles até o ex Presidente da República Fernando
Henrique Cardoso. Menciona também que alguns desses “fugitivos” foram se preparar
militarmente para promover revolução no Brasil. O regime militar de 1964 possuiu um
quadro de complexidade e sofisticação se compararmos com a Ditadura de Getúlio Vargas
(1937-1945). Getúlio Vargas alicerçou sua estrutura repressiva na repressão policial. Fato
notório que bem ilustra o momento varguista foi o caso de Olga Benário Prestes que foi
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deportada para a Alemanha. Este acontecimento é bem ilustrado por Moraes Godoy (2007),
mulher que lutou e morreu por seus ideais, judia e comunista. Olga foi entregue grávida ao
governo alemão, acusada de vínculo com o comunismo, seus julgadores foram Carlos
Maximiliano (maior especialista em interpretação do direito no Brasil), Francisco Campos
(jurista mineiro, serviu as ditaduras, autos da Constituição de 1937 e do AI-2 de 1964) e
Vicente Rao (advogado e professor de Direito, autor da lei de Segurança Nacional que
enquadrou Olga).
Portanto podemos afirmar que o regime militar após ser instalado de imediato atuou
legislando sob normas já existentes e normas que tornasse possível e legal seus atos
repressivos e ditatoriais. A Ditadura Militar utilizou-se do arcabouço repressivo varguista.
MÉTODO
A documentação preponderante para a realização desta pesquisa está no Fundo Brasil
Nunca Mais, composto por uma gama de documento acerca da repressão política durante a
Ditadura Militar. São mais de 700 processos de presos políticos brasileiros durante a
Ditadura Militar, além de 10.170 documentos reproduzidos relativos à material encontrado
em posse dos militantes políticos e anexados aos processos como prova do crime político. A
partir desse corpo documental foi instituída a pesquisa qualitativa com enfoque para a
análise dialética do fato jurídico.
Com relação ao trato com o documento, foi realizada a leitura e sistematização das
informações contidas nos processos judiciais da alçada da Justiça Militar, em fichas
padronizadas que foram utilizadas para a redação dos resultados e discussão neste artigo
científico e para a formação de um futuro banco de dados sobre o período em questão
(futuramente prevê-se, outros projetos em continuidade a este para a composição de um
banco de dados de acesso livre). Nosso método qualitativo de pesquisa prevê a análise dos
documentos anexos aos processos (geralmente são as provas incriminatórias) buscando a
lógica/traços da violência simbólica, violência moral ou violência física; e a detecção de
documentos que apontem para o crime ou para a sentença judicial.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Seguirá agora a apresentação de seis peças processuais que tramitaram na Justiça Militar
durante o período da Ditadura Militar. Visa-se com este estudo, demonstrar o que
exatamente ocorria, quais as garantias asseguradas dentro desta esfera do Poder em nosso
país.
Iniciamos com o processo 263. Pelo exame dos autos verificamos a história do réu, José
Anselmo dos Santos, o qual foi indiciado pelo Ministério Público (MP), por extraviar armas
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de um quartel. Segundo consta, no dia 01-04-1964, o acusado retirou do Serviço de Material
Bélico de Corpo de Fuzileiros Navais, os fuzis “FS nº 6506 e 6713, bem como 1500
cartuchos, seguindo ordens do ex-vice-ALM Aragão. Na denúncia, o MP afirma que o
armamento foi entregue ao denunciado, por cautela rubricada, pelo ex-MG-FN Ary da Frota
Roque. Depois de recolher as armas, ao chegar ao prédio dos Correios, José entregou uma
delas a um colega ignorado e ficou com a outra. Após a vitória da Revolução de 1964, o réu
fez desaparecer o fuzil que ficou em sua posse. Segundo relatos, ele havia atirado a arma
dentro do rio D’Ouro, no Estado do Rio de Janeiro. Diante disso, o MP requereu a
condenação do réu ao artigo 265, do Código Penal Militar de 1944 (CPM). Apresentada tal
denúncia pelo MP, o réu foi citado, no entanto não se apresentou; em seguida, foi citado por
edital, ainda assim não apareceu. Desta forma, foi decretada revelia e nomeou-se um
curador. Como havia um possível envolvimento de oficias generais no caso, a pedido do
MP, o processo foi ao Superior Tribunal Militar (STM). Contudo, o STM remeteu os autos
novamente a Auditoria da Marinha, pois Aragão não tinha mais direito a foro do STM, pois
fora demitido da Marinha.
Instaurada a ação na Marinha, em suas alegações finais, o MP afirmou que a denúncia
estava inteiramente provada, visto que a assinatura do réu confirma que ele realmente
retirou as armas. O testemunho de Alexandre Souber também confirma o delito cometido
por José; Jair Baptista Lopes, também testemunha, responsabiliza o denunciado pelo
extravio das armas, pois ele recebeu o material no dia 01-04-1964. Ary da Frota Roque
afirma que entregou as armas a José, e alega que o acusado é de alta periculosidade,
devendo ser condenado a pena máxima. Por outro lado, a defesa diz que a única prova
existente nos autos, é uma fotocópia referente às citadas armas, e serve apenas de indício;
não é conclusivo e é inequívoco sobre a responsabilidade penal do denunciado. As provas
testemunhais são apenas um terreno de presunções, além do mais, no processo não estão
indenes de dúvidas relativas à autoria do crime. Logo, a defesa pede improcedência da
acusação e absolvição do réu.
Na sentença, a Auditoria disse que extraviar, só é crime, quando praticado dolosamente,
sendo assim, por inexistência de provas do ato voluntário do acusado, no sentido de
extraviar a arma que receberá como militar, a denúncia não pode ser considerada
procedente. Por unanimidade, o Conselho Permanente de Justiça decidiu absolver José,
pois além do acima exposto, os depoimentos não encontram nenhuma outra confirmação
nos autos, portanto, não produz certeza no espírito do julgador e não serve de suporte a
uma sentença condenatória.
Diante de tal decisão, o MP apelou junto ao STM, pelas seguintes razões: as provas
documentais e testemunhais não deixam dúvidas da culpabilidade do acusado, a fotocópia
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referente à entrega das armas, comprova pela assinatura do réu, que ele de fato retirou o
material. Alexandre Soubre afirma que, José lhe disse no DOPS, ter jogado o fuzil no rio,
sendo assim, não resta dúvida de que o acusado extraviou as armas dolosamente e, diante
disso, a sentença deve ser reformada para condenar José. A defesa por seu turno alegou
que a sentença era de melhor direito, e que deveria ser mantida pelo Tribunal. A
Procuradoria Militar da 1ª Auditoria de Marinha da 1ª Circunscrição Judiciária Militar em seu
parecer, afirmou que o enquadramento deveria ser o artigo 214 do CPM de 1944, e não o
artigo 265 do CPM de 1969, pois ao tempo do crime era essa a legislação vigente para tal
fato. Diante das provas apresentadas, tal órgão requereu a manutenção da sentença, não
autorizando desta forma a condenação, pois existem apenas indícios e não há nada
conclusivo e inequívoco sobre a responsabilidade penal do réu.
Por tal pedido, coube ao STM confirmar a sentença apelada, foi mantida por unanimidade
no citado Tribunal, sendo assim, José foi absolvido das acusações a ele dirigidas.
No processo 276, o réu, José Eduardo Pinto da Silva, foi indiciado porque em 1964 tentou
aliciar militares (colegas de farda) para a prática de crimes. José também pertencia a uma
organização de caráter internacional que foi dissolvida por força de dispositivo legal.
Quando depôs no Inquérito Policial Militar (IPM), José afirmou que pertenceu ao Partido
Comunista (PC) e que se afastou do mesmo quando entrou no Exército, sua entrada no
partido ocorreu no dia 01/05/1963, por lá trabalhou no setor cultural dando aulas teóricas
sobre o Comunismo.
Concluído o IPM, foi declarado que José: afirmou abertamente ser comunista, no Exército
iniciou um trabalho de aliciar elementos para construir um grupo com o fim de se apossar do
aquartelamento, o soldado estava muito ligado a elementos civis pertencentes ao PC.
Diante do exposto, houve crime militar porque o réu tentou aliciar seus colegas com as
seguintes finalidades: a) por ocasião de uma formatura da divisão, pretendia tumultuar o
desfile de sua unidade, comprometendo-lhe o bom nome; b) desejava tomar o
aquartelamento, colocando-o a serviço do PC.
A prova de tal conclusão são as declarações do indiciado e o depoimento de testemunhas.
Desta forma, o Ministério Público (MP) com fundamento nos autos do IPM, denunciou José
nos artigos 133 e 134 do Código Penal Militar de 1944. Requereu também a prisão
preventiva do soldado, pedido este que foi deferido em 09/02/1965.
Após a denúncia, a 3ª Auditoria da 1ª Região Militar, citou legalmente José, seu advogado
requereu um exame pericial a fim de avaliar a sanidade do réu, o pedido foi deferido e pelo
laudo constatou-se que se tratava de uma personalidade não social e incapaz,
definitivamente, para o serviço no Exército.
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Em 27/04/1965 a defesa pediu o arquivamento do processo alegando que, José não tinha
agido com dolo, e também foi requerido que ele fosse entregue a custódia dos pais. No dia
04/05/1965 o réu foi solto mais não ocorreu o arquivamento do processo.
Nas alegações finais, o MP argumentou que a condenação deveria ocorrer, pois a denúncia
foi integralmente provada com a confissão do acusado e confirmada pela prova
testemunhal. Afirmou ser o réu reincidente. A defesa contestou, dizendo que José sofre de
uma moléstia bastando ver a vida pregressa dele pra se constatar isto. Além do mais o
laudo da perícia também provou a falta de sanidade do acusado. Pediu a absolvição e
alegou para tanto que o réu nunca declarou ser comunista, era apenas uma conversa e que
não pretendia aliciar ninguém e que não ficou provado o contrário nos autos.
O Conselho Permanente de Justiça da 3ª Auditoria da 1ª Região Militar sentenciou
improcedente a denúncia, argumentando para isso que não foi praticado atos que se
enquadrem nos artigos 133 e 134 do Código Penal Militar. Afirmou ainda que, declarar-se
comunista não torna possível uma condenação, porque a Constituição Federal vigente
aquele tempo garantia a livre manifestação de pensamento, além do mais, jurisprudências
do Superior Tribunal Militar (STM) assim também entendiam. Desta forma o réu foi absolvido
por 4 votos a 1.
A Promotoria discordou da sentença e apelou junto ao STM afirmando que houve confissão
clara e expressa, a ação do soldado pretendia atrapalhar a ação de sua Cia, aliciou
militares, incitou seus colegas a desobediência e por fim o laudo pericial lhe conferiu
responsabilidade penal. A Procuradoria Geral requereu a condenação à luz do artigo 134 do
Código Penal Militar, pois devido o réu ser um militar, ele levou a efeito em sua unidade a
prática de tal crime. Esse mesmo órgão reconheceu que não era possível a condenação
pelo artigo 133 porque faltava ao réu condição de liderança e capacidade para aliciar
elementos de sua unidade.
O STM ao julgar, entendeu que José não tinha capacidade para influir o suficiente pra aliciar
e incitar, e os autos demonstram que o soldado não foi levado a sério por seus colegas,
assim sendo, os fatos não se enquadram nos artigos da denúncia e por isso a corte mantém
a sentença apelada e absolve o réu.
No processo 285 do Fundo Brasil Nunca Mais encontramos a história de José Arimathea
Coradello Lima. Verificamos que o réu era militante do Partido Comunista do Brasil (PC) e
entregou um livro chamado “Eu, Gregório Bezerra Acuso” a um amigo, esse levou o livro ao
quartel, pois lhe foi pedido que após ler deveria indicar a amigos e assim o fez, levou a obra
até o Quartel do Estabelecimento Central de Transportes onde servia como soldado. O livro
acabou sendo apreendido, visto que é uma publicação subversiva, incita à subversão da
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ordem política social, desobediência coletiva às leis, animosidade entre as forças armadas e
a classe civil, isso consta na página 5 do processo. Uma das testemunhas afirmou em
depoimento que encontrou o livro em uma gaveta da mesa do Coronel da Guarda, leu, mais
não contou a ninguém que havia feito. Reinaldo dos Neves Ferreira, quem levou o livro ao
quartel e o recebeu de José , em seu depoimento afirmou que José entregou o livro a pai de
Raimundo e que este o repassou, o depoente ficou entusiasmado com José pois este lhe
prometeu que se tornaria um dos “grandes” do país. Outra testemunha disse ter encontrado
o livro por um acaso, leu, sabia que o livro era de Reinaldo, porque este havia lhe dito pra ler
o livro, no entanto achou a obra subversiva mais não suficiente para induzir a enveredar por
tal caminho.
Depois de realizado o inquérito policial, o Ministério Público (MP) pediu a condenação de
José, com vistas aos depoimentos das testemunhas, nos artigos 33 e 34 do Decreto Lei nº
314 de 1967. José foi devidamente citado por edital, no entanto não compareceu e tornouse revel. O Conselho Permanente da 2ª Auditoria da 1ª Região Militar absolveu José,
fundamentou sua decisão no fato de faltar tipicidade, fato este que ficou devidamente
provado pelas provas dos autos. Realmente podemos ver pelo processo que a acusação do
MP não tem muito fundamento, por outro lado, de acordo com os artigos o crime era
possível, tanto é que o MP fez a acusação.
Diante de tal absolvição, o MP recorreu, alegou que a decisão tratava-se de uma aberração
jurídica, devido ao fato de que ficou claro que José entregou o livro e que afirmar a
inexistência disso é demonstrar a não leitura dos autos. A defesa de José por sua vez
alegou que a sentença devia ser mantida porque faltam provas do crime e a denúncia não
preenche as exigências do artigo 188 do Código de Justiça Militar. Em pró réu também foi
alegado ausência da vontade de delinqüir para integrar o dolo, elemento este que é
consubstancialmente do delito. A Procuradoria Geral da Justiça Militar da 2ª Auditoria da 1ª
Região Militar pediu a condenação de José.
Após as alegações, o STM decidiu condenar José a 18 meses de detenção à luz dos artigos
33, I, II, III, IV, § único e 34 do Decreto Lei nº 314 de 1967. A fundamentação da sentença
afirmou que José quis catequizar Reinaldo e que, portanto é o vilão da história e por isso
merece a condenação. No dia 30/05/1969 saiu o mandado de prisão, no entanto José não
foi encontrado, logo não ocorreu à prisão. Posto isso, em 16/07/1975 foi declarada extinta a
punibilidade pela prescrição da pena (artigo 126 e 125 do Código de Processo Penal Militar).
Em 24/04/1975 o advogado de José requereu que fosse recolhido o mandado de prisão
expedido, visto que a pena havia prescrito. No dia 20/06/1975 foi reconhecida a prescrição
da pena, desta forma verificou-se que neste processo embora tenha ocorrido à condenação
o réu não cumpriu a pena, pois não foi encontrado pelo Poder Público.
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Já no processo 319, pela leitura dos autos verificamos o caso de José Ferreira de Souza, 3º
Sargento Q.S.T.A, (quadro de soldados Taifeiros da Aeronáutica) além de seu cargo militar
ele também era Presidente do Clube de Taifeiros da Aeronáutica. Pela gestão em tal cargo
ele foi acusado de praticar diversas ações ilegais, tais como: incitar colegas à indisciplina,
propaganda de idéias comunistas nos boletins do clube (esses eram de sua
responsabilidade), corrupção e favorecimento junto a ministros, perseguições aos contrários
a direção do clube e a presença de livros comunistas na biblioteca da instituição por ele
presidida.
Apesar das diversas suspeitas o Ministério Público (MP) centrou a denúncia nos seguintes
fatos e dizeres: “Durante o período em que ocupou o cargo de Presidente do Clube dos
Taifeiros da Aeronáutica, praticou o crime de incitamento de seus colegas à indisciplina, por
intermédio de seus discursos e boletins do Clube do Taifeiros da Aeronáutica, conforme
confessou em seu depoimento serem de sua inteira responsabilidade” (folhas 2). Feita a
denúncia o processo teve seu tramite legal respeitado, houve sorteio e compromisso do
conselho, citação do réu, consulta a antecedentes do réu, qualificação, inquirição de
testemunhas e interrogatório do réu.
Nas alegações finais junto à 1ª Auditoria, o MP centrou-se nos seguintes pontos: a) nos
boletins haviam teses incompatíveis com a disciplina militar ( reivindicações da classe,
incitamento à indisciplina); b) depoimento de Francisco Antonio de Souza, que diz: “ que é
de seu conhecimento que por intermédio do Boletim do Clube dos Taifeiros da Aeronáutica
era feito o incitamento à indisciplina”; c) testemunha na página 58 declara: “ o TM Joel
constantemente afirmava que o Clube dos Taifeiros era o sindicato dos taifeiros”, em outras
palavras, era o veículo que levava às autoridades constituintes às renvindicações dos
taifeiros; d) TM-Q-TA-Co Jarbas Ribeiro declarou: “que a responsabilidade pela matéria
publicada nos Boletins da Associação dos Taifeiros da Aeronáutica era do Presidente do
Clube”; e) no Inquérito Policial Militar (IPM) Joel disse que “ era o responsável pelas
matérias publicadas nos boletins. Não havendo nunca o caso de publicação de matéria, em
boletim, sem seu conhecimento”. A defesa por sua vez limitou-se a afirmar que o crime não
ocorreu e desta forma pleiteava a absolvição de Joel.
Posto isso, o Conselho Permanente de Justiça da 1ª Auditoria da Aeronáutica, por maioria
de votos absolveu Joel, fundamentou a decisão no fato de que verificando os boletins não é
possível atribuir ao acusado intenção de incitamento a indisciplina pela autorização das
publicações, logo não se encontrou no processo, elementos de convicção que autorizem o
reconhecimento de sua responsabilidade criminal.
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Insatisfeito com a sentença o MP apelou ao Superior Tribunal Militar (STM), na apelação
argumentou que o depoimento de Francisco Antonio de Souza e as teses dos boletins que
eram de responsabilidade do acusado estavam evidentes e eram motivos suficientes para
condenação do réu as penas previstas do parágrafo único do artigo 134 do Código Penal
Militar. A defesa pediu a manutenção da sentença apelada afirmando que o recurso não
encontra amparo nas provas dos autos, o acusado não praticou qualquer ato capaz de
justificar a denúncia e as testemunhas afirmaram unanimemente que Joel não incitava seus
companheiros à prática de insubordinação, indisciplina. A Procuradoria Geral por sua vez
pediu a reforma da sentença e a condenação do réu, pois as provas testemunhais e
documentais comprovam o delito praticado. Citou um trecho de um dos boletins, tal era:
“repetindo, sentimo-nos força operante, mercê da combatividade dos colegas, coesos e
disciplinados para obtenção do ideal mais discutido de todos os tempos – a condição
igualitária de todos os entes humanos”, a Procuradoria afirma que tal trecho, princípio
basilar da filosofia comunista, é prova do delito.
Feitas as alegações de defesa e acusação o STM manteve a sentença apelada, segundo o
Tribunal, verificando o andamento do processo é possível notar que o réu sequer foi punido
administrativamente, porque a Comissão de Investigação Sumária não conseguiu enquadrálo no artigo 7º do AI-I. Logo as provas também não bastam para condená-lo.
No processo 471 o senhor Jocelyn Barreto Brasil da Lima, segundo consta nos autos,
estava seriamente comprometido na sublevação contra o regime democrático brasileiro,
tinha propósito de atentar contra a segurança do Estado e sua ordem Política e Social. O
Ministério Público (MP) alegou que o Coronel foi preso por determinação do Exm Sr.
Comandante da Primeira Zona Aérea, Brigadeiro do Ar. Armando Serra de Menezes porque
queria o réu submeter o Brasil ao jugo comunista, valendo-se das classes operárias e
estudantis. Além do mais, compareceu a inúmeras reuniões políticas e culturais de caráter
comunista e nelas pregava a subversão à ordem pública. Também confessou o acusado,
que viajou para o nordeste e norte pregando a “inadiabilidade das reformas de base” e diz
ser um elemento atuante e fanático entregue totalmente a subversão. Desta forma o MP
requereu a condenação aos artigos 12 e 33, I e IV do decreto lei nº 314 de 1967.
Estes autos passaram por uma história interessante, logo após o Inquérito Policial Militar,
foram remetidos a Justiça Comum de Belém do Pará, a promotoria ai ofereceu denúncia. O
processo foi para a Auditoria da 8ª Região Militar, e o MP atuante em tal região também
ofereceu denúncia, mas faltaram juízes para compor o Conselho, seguiram os autos até a
Auditoria da 10ª Região Militar (Fortaleza) e novamente faltou juiz. Foi remetido o processo
para a Auditoria da 7ª Região Militar (Recife), nova denúncia do MP e mais uma vez faltou
juiz. Vai até a Auditoria da 6ª Região Militar (Salvador), ausência de juízes, ai chegou os
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VII Jornada de Iniciação Científica - 2011
autos a 1ª Auditoria da Aeronáutica em Guanabara, o MP ofereceu denúncia, porém a
Auditoria suscitou conflito de negativo de jurisdição devido à demissão do acusado do
quadro de oficiais, no entanto o Superior Tribunal Militar julgou improcedente. Assim sendo,
formou-se finalmente o Conselho Especial de Justiça, seis testemunhas foram inquiridas,
algumas delas por carta precatória inquiritória na 8ª Região Militar.
Nas alegações finais o MP limitou-se ao já dito na denúncia e requereu a condenação as
penas descritas nos dispositivos legais mencionados acima. A defesa, por sua vez, requereu
a absolvição afirmando que a denúncia é inepta.
Feito isso, a Auditoria procedeu ao julgamento. Afirmou ser defeso ao Estado disciplinar,
restringir e até proibir o mau uso da liberdade de agir. Confessar-se comunista é uma das
formas de externar sua convicção ideológica, sendo assim, convicções de caráter
doutrinário só será crime se alterar, perturbar ou subverter a Ordem Política ou Social
vigente no país ou a sua segurança interna e externa. Ficou claro que o MP não conseguiu
provar os fatos, pois apontamentos encontrados em poder do réu quando foi preso são
anotações sem qualquer significado subversivo, as testemunhas nada afirmaram sobre
agitação de massa, divulgar doutrina comunista ou modificação do regime constituído. Logo
as provas não autorizam concluir pela responsabilidade do réu nos dispositivos da Lei de
Segurança Nacional. E desta forma, por unanimidade de votos foi considerada
improcedente a denúncia.
O MP insatisfeito com tal veredicto apelou junto ao STM, todavia, a Procuradoria Geral da
Justiça Militar da 1ª Auditoria da Aeronáutica entendeu que a sentença não merece reforma,
porque é manifesta a insuficiência de elementos probatórios capazes de levar o intérprete a
concluir pela condenação, visto que é necessária a plena convicção do comportamento
delitivo do apelado. Das provas utilizadas, a documental (manuscrito do réu) não tem
sentido de subversão, apenas é uma pesquisa eleitoral. A prova testemunhal esfumaçou-se,
pois as testemunhas não afirmaram ter havido coação, inculparam o réu e perderam-se em
evasivas. Posto isso, a insuficiência de provas, afirma que o acusado não praticou crime e o
MP nada apresenta de concreto no recurso, desta forma, deve se manter a sentença
apelada.
Feitas tais alegações o STM negou provimento à apelação e confirmou a sentença, visto
que, não resultou provada nos autos a existência de qualquer crime cometido pelo réu,
parecer este que combina com o pedido da Procuradoria.
E, no processo 569 ocorreu o caso do soldado Jarbas da Silva que fazia parte do corpo da
Polícia Militar de Porto Alegre. Segundo apurou-se, ele elaborava planos subversivos e para
isso buscava o apoio de seus colegas de corporação, seu desejo era promover insurreição
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armada e tentar subverter a ordem e a estrutura social vigente no Brasil. Além do mais era
tido a difamar o Presidente da República, enaltecia figuras políticas cassadas e militares
expurgados. Afirmava participar de um movimento que estabeleceria guerrilhas (o
movimento liderado por Leonel Brizola, de que trata o processo 501 do Fundo Brasil Nunca
Mais). Pra piorar, o soldado ainda promoveu a criação e divulgação de um panfleto, que
segundo os órgãos de acusação, eram contra a ordem e a disciplina.
Por tais feitos, que se verificam pelo Inquérito Policial Militar (IPM) feito, o Ministério Público
enquadrou Jarbas nos artigos: 23, 36, 45 e 49 do Decreto Lei nº 898 de 29/09/1969 e artigo
214 do Código Penal Militar de 1944.
A história da participação no plano da guerrilha não era verdade, como informou o IPM, por
isso o soldado acabou sendo acusado de ter caluniado oficiais das Forças Armadas, pois
em sua história citou nomes de tais profissionais.
Em relação ao panfleto, segue uma cópia abaixo que foi copiada da folha 18 do volume 2 do
processo hora estudado: “Soldados Unidos, vide nossas famílias na miséria”: “Nós que
deveríamos ser bem remunerados pela missão árdua e cheia de perigos que
desempenhamos. Enquanto que extermineis a vossa pouca saúde, pela precária
alimentação, os senhores oficiais com suas mesas fartas, suas esposas bem trajadas e
seus filhos nos melhores colégios riem as nossas custas, sem o pobre PM, portanto
conclamamos a união de nossa valorosa classe na:- reivindicação de melhores salários e maior amparo para nossas famílias, que também são gente.”
No seu depoimento, no processo, Jarbas afirmou que conversava sobre política com seu
chefe de corporação, disse que viam as ações de Carlos Lamarca como corretas devido aos
fins que pretendiam, no entanto tais conversas ocorriam em jantares regados a vinho e que
por isso a língua afrouxava.
Diante de tal situação, a Brigada Militar solucionou o caso da seguinte maneira: por ter agido
de contrário a Legislações Nacionais, ele foi expulso da Brigada sendo o fundamento legal a
letra “b” do art. 34 do decreto nº 8835 de 23/02/1942.
Após a expulsão, o Ministério Público (MP) requereu a prisão do soldado à luz do art. 255, a,
b e c; art. 254, a e b do Código de Processo Penal Militar.
O processo estava em andamento na Justiça Militar do Estado, no entanto, após o
requerimento do MP os autos foram remetidos a 1ª Auditoria da 3ª Região Militar do Exército
Nacional. Mas os autos voltaram a já citada Justiça Estadual devido dúvidas a respeito da
competência. Oferecida a denúncia pela Procuradoria, a Justiça Federal entendeu que não
poderia aceitar visto que a Justiça do Estado deveria ter aceitado a denúncia do MP ou
suscitado conflito negativo de jurisdição, pois a Justiça Militar Federal já havia declinado de
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sua competência anteriormente. Os autos foram a Justiça da Brigada Militar estadual onde
foi requerido o conflito negativo de jurisdição junto ao Tribunal Federal de Recursos que
entendeu ser a Justiça Militar Federal a competente, pois os delitos são violações a Lei de
Segurança Nacional, ou seja, lei federal.
Feito isso, o réu foi devidamente citado pela 1ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária
Militar. No depoimento o soldado assumiu serem verdadeiros os fatos constantes na
denúncia, porém afirmou que tudo não se passava de brincadeira.
Nas alegações finais a Procuradoria pediu a condenação, pois considera procedentes as
denúncias visto que o depoimento de Jarbas (a folha 532 do processo) e as provas
testemunhais. A defesa por sua vez, alegou ser o réu inocente, como se verifica pelas
provas colhidas nos autos.
No dia 03/05/1973 em Porto Alegre, o Tribunal designado ao caso, absolveu por
unanimidade de votos o réu das denúncias contra ele oferecidas devido à falta de tipicidade
(art. 439, b, do Código de Processo Penal Militar). Na fundamentação da sentença foi dito
que embora Jarbas tenha feito os panfletos e os distribuídos, eles não ferem o art. 23 do
Decreto Lei nº 898/69, pois não tinha cunho subversivo. O movimento revolucionário era
pura fantasia do réu, logo se torna impossível atribuir a ele os art. 36, 45 e 49 do decreto a
cima já citado. Em relação a calunia, faltou publicidade ao ato, portanto inaplicável é o art.
214 do Código Penal Militar ao caso. Além do mais o soldado já foi punido, foi expulso da
corporação, puni-lo novamente seria uma condenação muito rigorosa.
Descontente com a decisão o MP apelou ao Superior Tribunal Militar (STM) embasado no
argumento de que ficaram provadas nos autos as acusações, a defesa rebateu afirmando
estar à sentença de acordo com a justiça. O Tribunal ao julgar a apelação, apesar de
considerar Jarbas um péssimo militar (era um bêbado), manteve a sentença apelada e
assim fez coisa julgada, sendo o réu absolvido das denúncias.
Pela análise destes seis processos, podemos afirmar a existência de legislação repressiva
intensa atuando contra qualquer movimento que demonstrasse um mínimo de contrariedade
ao regime, constatamos isso porque a maioria das denúncias se tratava de crimes
subversivos, desordem e insurreição militar. Esse quadro institucionalizado da legislação de
exceção atuou na edificação da legalidade autoritária – conceito amplamente utilizado para
entender o posicionamento das instituições do direito frente às arbitrariedades do regime
militar.
Os processos foram escolhidos dentre aqueles movidos contra militares, com o intuito de
observarmos a lógica da suspeição e incriminação dentro dos quadros das forças armadas.
Dos réus julgados, no entanto, houve cinco absolvições e apenas uma condenação, e está
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Universidade Presbiteriana Mackenzie
ainda só ocorreu no Superior Tribunal Militar, na primeira instância o réu fora absolvido.
Diante disto, fica claro que o Ministério Público, embora agindo dentro da legalidade, tornouse um dos pilares da repressão, uma vez que oferecia denúncia a qualquer fato mínimo,
exemplo disto é o processo de número 285 do Fundo Brasil Nunca Mais, no qual o réu foi
condenado por ter indicado a leitura de uma obra literária a um amigo.
Fica clara a fragilidade das acusações, as provas eram normalmente testemunhais e alguma
anotação sem muita importância do acusado, logo a maioria dos processos foram julgados
improcedentes justamente pela falta de prova conclusiva sobre a culpabilidade do indivíduo.
Cabe aqui uma observação, apesar de não ter ocorrido nenhuma menção a tortura nos
autos, é pertinente o fato de que em todas as peças, a grande prova da acusação eram
depoimentos testemunhais, mesmo amigos dos acusados, davam depoimentos no qual
imputavam ao colega de farda, total culpabilidade, e estavam sempre de acordo com as
alegações do Ministério Público. Destacamos aqui os depoimentos testemunhais que
ocorreram no Processo de nº 319, na página 306, Francisco Antonio de Souza afirma “que é
do seu conhecimento que por intermédio do Boletim do Clube dos Taifeiros da Aeronáutica
era feito o incitamento a indisciplina. O TM-Q-TA-Co Jarbas Ribeiro na página 22 da mesma
ação declara que “a responsabilidade pela matéria publicada nos Boletins da Associação
dos Taifeiros da Aeronáutica era do Presidente do Clube, ou seja, de Joel Ferreira de Souza
(o réu deste processo)”. No Processo de nº 263 verificamos o testemunho de Jair Baptista
Lopes, página 300, no qual responsabilizou o denunciado pelo extravio das armas, pois o
mesmo as recebeu no dia 01-04-1964. Em todos esses depoimentos ficou bastante claro
que os testemunhos estavam sempre de acordo e eram as bases centrais das acusações
feitas pelo Ministério Público.
Será isso apenas coincidência? Ficamos com a posição de que estes depoimentos
testemunhais eram tirados mediante uso de coerção. A respeito disso temos um importante
comentário de Fico (2007) no qual o autor diz, a responsabilidade pela tortura já ficou
atestada na declaração do ex- presidente da República Ernesto Geisel sobre a necessidade
dela, no entanto caberia apenas levá-la a efeito sem dar na vista, de modo clandestino. Este
mesmo autor menciona que dos 50 mil presos durante o Regime Militar no Brasil, cerca de
20 mil foram torturados.
Cabe aqui também mencionar o fato de que embora o Ministério Público promovesse as
ações, aparentemente os acusados tinham todos os direitos processuais assegurados, vale
dizer, ocorria devido processo legal, pois havia citação, intimação, ampla defesa,
contraditório, requerimento de laudos periciais, entre outras. Ou seja, o Poder Judiciário
garantia direitos aos indivíduos, possibilitando um processo justo e imparcial. Estes
processos tramitaram pela Justiça Militar, cabe agora saber se o respeito a essas garantias
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está ligado à ordem vigente ou se ocorreu um corporativismo entre os militares que
julgavam seus colegas de quartel devidamente, enquanto a justiça comum não garantia aos
cidadãos as mesmas garantias e submetiam estes a uma justiça parcial, inclinada a
favorecer os interesses do governo instituído.
CONCLUSÃO
Diante do estudo realizado, verificamos que a Ditadura Militar ocorrida no Brasil tratou-se de
um período que comportou legislação e práticas de execução de extrema exceção, que
marcou a história de nosso país, pois ocorreram diversos atos ilegais, tais como: tortura,
quebra de direito civis e políticos, parcialidade no judiciário, perseguições políticas etc.
Como afirma Pereira (2010): organizou-se a partir do Golpe de 1964 uma caça às bruxas a
supostos comunistas na sociedade e instaurou uma ditadura, que se tornaria cada vez mais
repressiva nos anos que se seguiria. O regime militar brasileiro, que terminou em 1985, foi
um dos precursores para um novo tipo de autoritarismo na América Latina.
Por meio da afirmação do citado autor e verificando o período, a partir dos processos
estudados torna-se evidente o fato de que estes acontecimentos embora sejam de
responsabilidade do governo que vigorou durante estes anos, tem forte influência
americana, pois era de interesse dos Estados Unidos a repressão ao comunismo, que se
fazia um forte inimigo na busca da hegemonia mundial intentada por esta nação com forte
cunho imperialista.
Todo um arcabouço foi montado para garantir a vigência do governo autoritário, exemplo
disso foi: Legislação repressiva, propaganda ideológica em prol do regime, aparelhos
policias de repressão, sistemas de informações sigilosas, censura na imprensa e caça aos
revolucionários comunistas. Recentemente o General Leônidas Pires Gonçalves afirmou
que pagou 150 mil a um integrante do comitê central do Partido Comunista do Brasil (PC do
B) para obter informações de uma reunião dos integrantes do partido que ocorreria em São
Paulo.
Até mesmo o Poder Judiciário não ficou isento de participação nesta estrutura, embora
sempre agindo na legalidade proclamada. O Superior Tribunal Militar, condenou um
indivíduo a 18 meses de detenção pelo fato de ter indicado a um jovem militar a leitura de
uma obra que o regime então vigente julgava ser de cunho subversivo.
Os crimes políticos durante a ditadura no Brasil incidiam na militância em organização
partidária proibida, participação em ação violenta armada, manifestação de idéias inclusive
por meios legais, participação em diferentes postos do governo deposto em 1964, além da
simples identificação política com ele. Assim podemos afirmar que a tipificação do crime
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político recaiu sobre o universo da propagação das idéias políticas oposicionistas. O
suspeito era aquele que professava a ideologia comunista.
Logo, pela análise dos processos e do estudo doutrinário a respeito destes anos fortes de
nossa pátria, ficamos com a conclusão de que a estrutura montada para defender e manter
vigente o regime militar atingiu todos os setores e com a força militar impôs-se por 20 anos
um governo autoritário no Brasil que tinha como principal meta erradicar o comunismo e
tornar-se cada vez mais capitalista e defensor dos ideais norte americanos na América,
afinal o continente é para os americanos, mesmo que isto custe marginalização de direitos
humanos e do regime democrático. Esse é o nosso legado.
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Contato: [email protected] e [email protected]
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Felipe dos Santos Lopes