CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO
ANA PAULA PAVELSKI
OS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO EM FACE
DO EXERCÍCIO ABUSIVO DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR
CURITIBA
2008
ANA PAULA PAVELSKI
OS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO EM FACE
DO EXERCÍCIO ABUSIVO DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Direito Empresarial e Cidadania do Centro
Universitário Curitiba, como requisito parcial para
a obtenção do Título de Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Milléo Baracat
CURITIBA
2008
ANA PAULA PAVELSKI
OS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO EM FACE
DO EXERCÍCIO ABUSIVO DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR
Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre
em Direito pelo Centro Universitário Curitiba.
Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:
Orientador:
_________________________________
Prof. Dr. Eduardo Milléo Baracat
_________________________________
Membro examinador interno
_________________________________
Membro examinador externo
Curitiba, _____ de _________________ de 2008.
Dedico esta dissertação aos meus pais,
Bernardo e Faustina, incentivadores e
zelosos em todos os momentos.
AGRADECIMENTOS
Ao Luiz, palas palavras doces de sempre e pela compreensão nos
momentos ausentes.
À Angélica, pela ajuda na reta final.
Ao meu orientador professor Eduardo, pelos esclarecimentos e idéias,
exemplo de dedicação à pesquisa acadêmica.
A todos os professores do programa de Mestrado em Direito do
UNICURITIBA e especialmente aos professores Luiz Eduardo Gunther e Gisela
Bester, pelo apoio incansável e pelo carinho.
Ao professor Wilson Ramos Filho, pelos esclarecimentos e pela acolhida.
Ao professor José Affonso Dallegrave Neto, pelas idéias.
Ao pessoal do escritório, pelo incentivo, pelo auxílio na pesquisa e pela
compreensão das ausências.
[…] podemos afirmar que embora o conceito de
abuso do direito possa ser considerado como um
grande mito jurídico, teve um grande valor histórico
já que serviu paradoxalmente para destruir, em
parte, um dos mais grandes mitos do pensamento
jurídico: o da existência dos direitos absolutos.1
1
WARAT, Luis Alberto. El Concepto Del Abuso Del Derecho y La Teoria Kelseniana. In: MEZZAROBA,
Orides et al. [Coord.]. Epistemologia e ensino do direito: o sonho acabou. Florianópolis:
Fundação Boiteaux, 2004. p.300. Texto original: "[...] podemos afirmar que si bien el concepto del
abuso del derecho puede ser considerado a nivel científico como un gran mito jurídico, ha tenido
un enorme valor histórico ya que ha servido paradójicamente para destruir, en parte, uno de los
más grandes "mitos" del pensamiento jurídico: el de la existencia de los derechos absolutos."
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS...............................................................................................
8
RESUMO..............................................................................................................
9
ABSTRACT..........................................................................................................
10
INTRODUÇÃO .....................................................................................................
11
1
O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR ...................................................
14
1.1
TRABALHO: HUMANIZAÇÃO, INCLUSÃO SOCIAL? ..............................
14
1.2
O MUNDO DO TRABALHO NA ATUALIDADE: CONTEXTUALIZAÇÃO.....
22
1.2.1
A Globalização e o Neoliberalismo ..........................................................
23
1.2.2
A Reestruturação da Produção ...............................................................
28
1.2.3
E a Moldura do Contrato de Trabalho?....................................................
36
O PODER NA RELAÇÃO EMPREGADO – EMPREGADOR....................
39
1.3.1
Poder .......................................................................................................
39
1.3.2
O Poder Diretivo do Empregador: Fundamentos Constitucionais e
1.3
Celetários ................................................................................................
42
1.3.3
Origem do Poder Diretivo ........................................................................
45
1.3.4
Poder Diretivo e Subordinação................................................................
56
1.3.5
Natureza Jurídica do Poder de Direção...................................................
61
1.3.6
Aspectos do Poder Diretivo .....................................................................
68
ABUSO DO DIREITO E CONTRATO DE TRABALHO.................................
71
2.1
ABUSO DO DIREITO: SUPOSTOS ..........................................................
71
2.2
ABUSO DO DIREITO: CONCEPÇÕES E ATUAL ESTADO DA ARTE ....
77
Abuso do Direito e Figuras Afins .............................................................
91
2
2.2.1
2.3
2.4
2.4.1
APLICAÇÃO DA TEORIA DO ABUSO DO DIREITO NO CONTRATO
DE TRABALHO .........................................................................................
95
CARACTERIZAÇÃO DO ABUSO DO DIREITO........................................
99
A Boa-Fé ................................................................................................. 100
2.4.1.1
Interpretação ......................................................................................... 103
2.4.1.2
Limite ao exercício de direitos subjetivos .............................................. 105
2.4.1.3
Criação de deveres jurídicos ................................................................. 108
2.4.2
Fim Econômico ou Social ........................................................................ 113
2.4.3
Bons Costumes ....................................................................................... 118
2.5
SANÇÕES AO ATO ABUSIVO ................................................................. 120
2.5.1
Sanção Direta.......................................................................................... 121
2.5.2
Sanção Indireta ....................................................................................... 122
3
OS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO EMPREGADO ........................... 123
3.1
DIREITOS DE PERSONALIDADE ............................................................ 123
3.1.1
Características e Classificações .............................................................. 128
3.1.2
Natureza Jurídica..................................................................................... 132
3.1.3
O Problema da Eficácia ........................................................................... 134
3.2.1.1
Contratos de trabalho: eficácia direta dos direitos de fundamentais? ... 143
3.2
OS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO EMPREGADO ....................... 147
3.3
CASUÍSTICA SOBRE DIREITOS DA PERSONALIDADE DO
EMPREGADO E EXERCÍCIO ABUSIVO DO PODER DIRETIVO DO
EMPREGADOR ........................................................................................ 150
3.3.1
A Intimidade e a Vida Privada ................................................................. 153
3.3.2
A Honra e a Imagem................................................................................ 157
3.4
A NEGOCIAÇÃO COLETIVA, O ABUSO DO DIREITO E OS
DIREITOS DE PERSONALIDADE: PROIBIÇÃO DE RETROCESSO ...... 165
CONCLUSÃO ...................................................................................................... 172
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 178
LISTA DE SIGLAS
BGB - Código Civil Alemão
CLT
- Consolidação das Leis do Trabalho
OIT
- Organização Internacional do Trabalho
OMC - Organização Mundial do Comércio
OMS - Organização Mundial da Saúde
ONU - Organização das Nações Unidas
STF
- Supremo Tribunal Federal
STJ
- Superior Tribunal de Justiça
TRT
- Tribunal Regional do Trabalho
TST
- Tribunal Superior do Trabalho
RESUMO
Este trabalho de pesquisa objetiva analisar quando o exercício do poder diretivo do
empregador poderá ser considerado abusivo, em face dos direitos de personalidade
do empregado. Nele examinam-se as condições do mercado de trabalho na
atualidade, como a globalização e o neoliberalismo têm influenciado na reestruturação
da produção, ou seja, nas formas de organização da produção no âmbito empresarial,
bem como as conseqüências na relação de emprego. Para tanto, inicia-se pela
análise dos fundamentos constitucionais e celetários do poder diretivo do empregador,
sua origem e sua natureza jurídica, demonstrando-se que não mais pode ser considerado
como um direito subjetivo do empregador, ante a tutela que o ordenamento jurídico
lhe dispensa. A fim de defender a idéia de aplicação da teoria do abuso do direito
quanto ao poder diretivo do empregado, descreve-se a viragem de paradigma pela
qual passaram as codificações, os novos valores do ordenamento, notadamente a
dignidade da pessoa humana como norte. Trata-se das várias teorias sobre o abuso
do direito e como se encontra o atual pensamento a respeito do tema. Aprofundando
a defesa da aplicação da teoria do abuso do direito na relação de emprego,
demonstram-se os balizadores para consideração do ato como abusivo, tais como a
boa-fé objetiva, os bons costumes e os fins econômicos e sociais, já no âmbito do
contrato de trabalho. Discorre-se sobre as sanções ao ato abusivo. Na seqüência,
analisam-se os direitos de personalidade, descrevendo suas características e
abordando algumas classificações. Quanto aos direitos de personalidade, aborda-se
a possibilidade de considerá-los como situações jurídicas subjetivas, também por
conta da tutela que a ordem jurídica lhes dispensa. Descreve-se, ainda, o hibridismo
dos direitos de personalidade pelo fato de estarem presentes na Constituição
Federal e no Código Civil, defendendo-se o caráter de direito fundamental de referidos
direitos e, a partir disso, a eficácia deles no contrato de trabalho, concluindo-se pela
eficácia direta. Ao final, demonstram-se hipóteses de aplicação da teoria do abuso
do direito no poder diretivo do empregador, especialmente considerado o exercício
frente aos direitos de personalidade do empregado.
Palavras-chave: Contrato de trabalho. Direitos de personalidade. Empregado. Poder
diretivo do empregador. Abuso do direito.
ABSTRACT
This present research work aims to analyze when the exercise of power directive of
the employer may be considered abusive, in view of the rights of personality of the
employee. This study aims to analyze when it examines-if the conditions of the labor
market nowadays, such as globalisation and neoliberalism have influenced the
restructuring of production, or, in the forms of organization of production in business,
as well as the consequences in the employment relationship. For both, starts-analysis of
the constitutional foundations and labor law of power directive of the employer, its
origin and their legal nature, demonstrating-that not more than can be considered as
a subjective right of the employer, in view of the tutelage that the juridical order you
exemption. In order to defend the idea of application of the theory of abuse of right as
the directive of the employee, describes-if the turn of paradigm which have passed
the codification, the new values of planning, notably the dignity of the human person
as north. This-if the various theories about the abuse of right and that it is the current
thinking on the theme. Deepening the defense of the application of the theory of abuse
of right in the employment relationship, show-if the balizadores for consideration of
the act as abusive, such as the good-faith aims, morality and the economic and social
purposes, already under the contract of employment. Talked-about the sanctions on
the wrong abusive. In sequence, analyze-if the rights of personality, describing their
characteristics and addressing some classification. As regards the rights of personality, it
addresses-if the possibility of considering-them as legal situations subjective, also on
account of tutelage legal them exemption. Describes-if, in addition, hybridism the
rights of personality by the fact of being present in Federal Constitution and the Civil
Code, defending-if the character of fundamental rights of those rights and, from this,
the effectiveness them the contract of employment, concluding-by direct effectiveness.
At the end, show-situations for the application of the theory of abuse of rights in
power directive of the employer, especially considered the financial year forward to
the rights of personality of the employee.
Key-words: Contract of employment. Rights of personality. Employee. Power directive
of the employer. Abuse of rights.
11
INTRODUÇÃO
"A Ambev foi condenada pela Justiça do Trabalho, em 2006, em primeira
instância, a pagar a indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 1 milhão,
decorrente da prática de assédio moral contra seus funcionários".2
Cotidianamente, toma-se conhecimento de decisões da Justiça do Trabalho
que tratam de condenações por danos morais ou materiais em decorrência de atos
abusivos perpetrados pelos empregadores, no exercício do poder de comando e
organização da atividade empresarial. Fiscalizações dos órgãos ligados ao Ministério
do Trabalho e Emprego realizam inúmeras autuações de empresas, ante o
comportamento abusivo perante o quadro de empregados.
As hipóteses tornam-se mais surpreendentes a cada dia que passa: desde o
controle do uso de sanitários, em termos de lapso temporal e freqüência, até a
imposição de atitudes absurdas para aqueles empregados que não cumprem as metas
estabelecidas. Em busca de atrair clientes, empregadas são compelidas a vestir trajes
que deixem à mostra partes do corpo. A justificativa tem sido a mesma: atender aos
mitos modernos da produtividade e da competitividade.
Relevante se evidencia considerar o poder diretivo do empregador quando se
confrontam os direitos de personalidade dos empregados, pois é impossível separar a
atividade realizada pelo trabalhador de sua pessoa. Com efeito, as relações empregatícias revelam-se complexas, envolvendo muito mais do que as obrigações de realizar
o trabalho – pelo empregado – e pagar o salário combinado – pelo empregador, o
que se verá ao longo da pesquisa. Há um vínculo pessoal muito forte entre os sujeitos
de tal relação.
2
Notícia disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/92784/condenacao-faz-ambevpromover-campanha-contra-assedio-moral> Acesso em: 14 ago. 2008.
12
Nesse cenário, o estudo da aplicação da teoria do abuso do direito no contrato
de trabalho se perfaz importante porque, justamente, trará contribuições para o estabelecimento de limites ao poder diretivo do empregador, principalmente considerando os
direitos de personalidade dos empregados. Tais limites encontram fundamentos na boafé objetiva, nos fins sociais e econômicos do contrato de trabalho e nos bons costumes.
Igualmente relevante se denota o estudo a respeito do significado e da amplitude
conferida pela ordem jurídica atual aos direitos de personalidade. Porque previstos na
Constituição Federal, referidos direitos assumem o caráter de fundamentais, devendo-se
analisar como se dará sua aplicação nas relações entre particulares, tendo em vista
o contrato de trabalho como pano de fundo da presente pesquisa.
Registre-se que as relações aqui consideradas referem-se àquelas nas quais
se fazem presentes os requisitos do artigo 3.o3 da CLT: onerosidade, pessoalidade,
habitualidade e subordinação. Relações também delineadas pelo artigo 2.o4 da CLT,
ao tratar do empregador. Examinar-se-ão, portanto, as relações de emprego. A CLT,
ainda, denomina tais situações como contratos de trabalho, haja vista o contido em
seu artigo 4425.
Assinala-se a observação porque a legislação pátria, especialmente no artigo
114, I6 da Constituição Federal, ao tratar da competência material da Justiça do
Trabalho, menciona relações de trabalho, ou seja, também abarca aquelas relações
em que não se faz presente a subordinação, como, por exemplo, nos casos do
trabalhador autônomo, do representante comercial.
As expressões relação de emprego e contrato de trabalho contêm o mesmo significado na presente dissertação e a utilização de ambas será realizada sem distinções.
3
o
Art. 3. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual
a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
4 Art. 2.o Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da
atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
5 Art. 442. Contrato individual de trabalho é o acordo, tácito ou expresso, correspondente à relação
de emprego.
6 Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da
administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios;
[...]
13
A pesquisa concentrar-se-á, primordialmente, nas relações de trabalho no âmbito
empresarial, não se tratando de empregados domésticos e do meio rural, embora se
reconheça a existência do poder diretivo do empregador também nestas relações,
assim como atividade empresarial no meio rural, o que fatalmente determinará a
ocorrência de afronta aos direitos de personalidade dos rurícolas e dos domésticos,
caso o exercício de referido poder seja abusivo.
Analisando o meio empresarial, traçar-se-ão idéias a respeito da realidade atual,
marcada pelas influências do neoliberalismo, no qual a reestruturação da produção tem
precarizado as relações empregatícias e enfraquecido a atuação sindical, principalmente em se tratando da proteção dos trabalhadores.
Contextualizar-se-ão a gênese da teoria do abuso do direito e os atuais entendimentos a respeito do tema. Embora sejam analisadas sanções para o ato abusivo,
não se deterá no estudo delas, traçando-se apenas considerações com relação a
hipóteses de abusividade no exercício do poder diretivo do empregador em relação a
direitos de personalidade do empregado, especialmente a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem.
Afinal, o abuso do direito, como instituto de dogmática do direito civil, pode ser
aplicado na relação de emprego? Devem ser considerados os direitos de personalidade
do empregado no contrato de trabalho? Em que situações há abuso de direito no
poder diretivo do empregador quando se confronta com o direito de personalidade
do empregado?
A temática desta dissertação firma-se na Linha de Pesquisa número 2 do
Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do UNICURITIBA, de nome "Atividade
Empresarial e Constituição: inclusão e sustentabilidade", uma vez que a pesquisa
compreende tópicos de Direito do Trabalho e de Direito Constitucional, somando-se
o fato de o poder diretivo do empregador ter suporte na atividade empresarial.
14
1
O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR
1.1
TRABALHO: HUMANIZAÇÃO, INCLUSÃO SOCIAL?
Trabalho, em termos filosóficos, pode ser definido como uma atividade humana
que transforma a natureza. Atividade esta de ordem material ou intelectual.
Gilberto Cotrim assevera: "Podemos definir trabalho como toda atividade na
qual o ser humano utiliza sua energia física e psíquica para satisfazer suas necessidades
ou para atingir um determinado fim."7
Há aqui uma distinção entre a atividade humana e a atividade animal, pois o
homem faz projetos e os coloca em prática. Um ciclo: existe um projeto que antecede
uma ação, a qual, à medida que vai sendo colocada em prática, resulta noutros
projetos, os quais originarão outras ações e assim sucessivamente.
O trabalho, por conta de tal visão, é o elemento que possibilita a relação dialética
entre o homem e a natureza, entre a teoria e a prática. Permite-se, dessa forma, uma
noção de liberdade. Liberdade no entendimento de que, se por um lado o ser humano é
cercado de determinismos (causas, necessidades), ele pode tomar consciência de
suas cercanias e então agir de forma a transformá-las e superá-las.
Em verdade, além da transformação da natureza, o trabalho propicia a transformação do próprio homem. Aquele que trabalha altera sua visão do mundo e de si
mesmo, relaciona-se com seus semelhantes, descobre novos horizontes, novos
conceitos e concepções, conhece e produz conhecimento.
Para Miguel Reale, o trabalho é uma forma de criação de valores:
Ele já é, por si mesmo, um valor, como uma das formas fundamentais de
objetivação do espírito enquanto transformador da realidade física e social,
visto como o homem não trabalha porque quer, mas sim por uma exigência
indeclinável de seu ser social, que é um "ser pessoal de relação", assim como
não se pensa porque se quer, mas por ser o pensamento um elemento
7
COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 15.ed. reform. e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2000. p.23.
15
intrínseco ao homem, no seu processo existencial, que se traduz em
sucessivas "formas de objetivação". Trabalho e valor, bem como, por via de
conseqüência, trabalho e cultura, afiguram-se termos regidos por essencial
dialética de complementaridade.8
Trabalhar tem um sentido de humanização da natureza e do próprio homem.
"O trabalho é inseparável do homem, da pessoa humana, confunde-se com a própria
personalidade, em qualquer de suas manifestações."9
Mas essas afirmações não devem ser consideradas como válidas para todos
os tempos.
Analisando a etimologia da palavra trabalho, parte-se do termo latino tripaliare,
derivado do substantivo tripalium, entendido10 como um instrumento de três paus
com pontas, utilizado para debulhar milho e bater feijão, ou, ainda, para rasgar o
linho. Também era um instrumento utilizado para torturas ou para prender animais
que não se permitiam ferrar.
A concepção de trabalho aliada ao sofrimento não se restringe ao significado
do vocábulo, em várias épocas históricas era justamente assim que se pensava.
Tratando de um breve histórico, não se pode deixar de assinalar que até mesmo
na Bíblia essa visão de trabalho comporta uma interpretação positiva e outra
negativa, já no livro do Gênesis. A positiva é a própria Criação Divina e a negativa é
aquela atrelada ao pecado original, pois, em decorrência deste, sobreveio a
condenação humana de tirar com o suor do próprio rosto o sustento da terra11.
Direcionado para a visão bíblica, Ives Gandra da Silva Martins Filho observa
que o trabalho é algo natural ao homem, que não pode ser tido tão-só como castigo
8
REALE, Miguel. Introdução. In: BAGOLINI, Luigi. Filosofia do trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr,
1997. p.11.
9 MORAES, Antonio Carlos Flores de; MORAES FILHO, Evaristo de Moraes. Introdução ao direito
do trabalho. 8.ed. São Paulo: LTr, 2000. p.25.
10 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à
filosofia. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Moderna, 1993. p.9.
11 Idem. Todavia, nessa visão bíblica é importante assinalar que há opinião diferente sobre a visão
quanto ao trabalho decorrente do pecado original, como é o caso das idéias de Alice Monteiro de
Barros, quando menciona que essa é uma concepção hebraica de trabalho como reconstrução, ou
seja, de o ser humano poder resgatar sua dignidade perante Deus. (BARROS, Alice Monteiro de.
Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p.50).
16
em decorrência do pecado original. Explica que o trabalho tem por objeto a participação
do homem na obra criadora e pela qual se desenvolvem as potencialidades do
mundo. Finaliza dizendo que o esforço atrelado ao trabalho, por sua vez, atrelar-seia ao pecado original.12
Na Pré-História, as divisões13 do trabalho estavam ligadas ao sexo, à idade e
à força dos indivíduos. Aos homens, estavam destinadas atividades como caça,
pesca, coleta, guerra. As mulheres eram responsáveis pelos trabalhos domésticos e
também o cuidado dos filhos. Atividades diferenciadas de acordo com a idade, no
caso dos homens, os mais jovens realizavam as atividades de caça, pesca e coleta;
os mais maduros, por sua vez, tinham como responsabilidade a guerra.
Na Antiguidade Clássica, os gregos e romanos14 desvalorizavam os trabalhos
manuais, que eram relegados aos escravos. Valorizava-se o trabalho intelectual e
teórico, por isso mesmo os cidadãos desfrutavam do ócio para poder decidir os destinos
da polis. Considerava-se que os trabalhos manuais, por se tratarem de rotineiros,
não requeriam a reflexão exigida pelos trabalhos intelectuais.
Na Idade Média não se nota significativa mudança da concepção de trabalho,
pois, ainda que não se fale mais em escravos, há o sistema feudal, ou seja, se a
fonte de riqueza está na posse da terra, aqueles que não a detêm devem trabalhar
para garantir sua sobrevivência. A riqueza como fruto do trabalho era, inclusive,
condenada pela Igreja. As classes nobres, nessa época, também desvalorizavam os
trabalhos manuais, dedicando seu tempo a tarefas como caça, guerra, política.
12
MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual esquemático de direito processo do trabalho.
17.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.3.
13 COTRIM, op. cit., p.25.
14 Não se ignora que em Roma tenham sido desenvolvidas formas de trabalho em regime de
liberdade, havia trabalhadores por conta alheia sob duas formas básicas de contratação, a locatio
conduto operis e a locatio conduto operarum. Respectivamente, a contratação de uma obra
específica e a contratação dos serviços. Contudo, foi insignificante o espaço de trabalho livre e por
conta alheia, como precursor dos contratos de trabalho tal como se conheceu posteriormente.
Nesse sentido, ver: LÓPEZ, Manuel Carlos Palomeque; ROSA, Manuel Alvarez de la. Derecho
del Trabajo. 10.ed. Madri: Editorial Centro de Estúdios Ramón Areces, 2002. p.64.
17
No final da Idade Média, observa-se o crescimento das cidades e o desenvolvimento do comércio, responsável direto pelo incremento da demanda para a atividade
manufatureira. Assim, restou difundida a idéia de liberdade, fator essencial15 para
poder trabalhar e comercializar o que estava sendo produzido.
Fortalecido o comércio, desemboca-se no Renascimento, quando então o
trabalho passa a ser visto como aquela atividade de transformação da natureza, de
humanização, anteriormente citada. Concepção que resulta na valorização da ação
de trabalhar, porque se percebe que é fonte de riqueza. Valorização que se estende
ao longo do tempo, persistindo até os dias atuais.
A partir dos argumentos traçados, pode-se afirmar que o trabalho significa
inclusão social, pois é a partir dos frutos que dele resultam que o homem providencia
a subsistência própria e dos seus. Para além da subsistência, o trabalho permite o
fato de o trabalhador "[...] se inserir socialmente, dispondo de crédito na praça,
aperfeiçoando-se pessoal e profissionalmente, contribuindo para o desenvolvimento
e crescimento da empresa."16
Além da subsistência, há uma realização decorrente da ação trabalhar, porque
nela há sempre espaço para a criação humana:
O trabalho passa a ser uma honra ao mesmo tempo em que se confere
segurança ao homem que trabalha.
Já não é mais castigo, nem apenas necessidade passageira. Começa a
ficar em jogo o bem-estar do trabalhador, seguido de sua família.
Passa a ser exigência social, pelo bem que faz também à sociedade, e, por
tudo isso, passa a ser um direito-dever, porque não só individualmente ele é
importante, mas, sobretudo, no seio da família e da comunidade de que se
faz parte.
O trabalho deixou para trás todas as maledicências que o impregnavam para
adquirir status social, pelo que pode contribuir para melhorar o nível de vida.17
15
SIMÓN, Sandra Lia. A proteção constitucional da intimidade e da vida privada do empregado.
São Paulo: Ltr, 2000. p.21.
16 BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p.151.
17 FERRARI, Irany; NASCIMENTO, Amauri Mascaro; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. História
do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p.49.
18
Como diz a letra da canção:
[...]
Um homem se humilha
Se castram seu sonho
Seu sonho é sua vida
E vida é trabalho...
E sem o seu trabalho
O homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata...
[...]18
Não se ignora, contudo, as condições de trabalho desumanas e degradantes
advindas com a Revolução Industrial, por exemplo19, jornadas de quinze horas diárias
nas fábricas de tecidos, crianças de seis anos laborando.
Cabe falar de alienação, na medida em que os instrumentos de trabalho e o
resultado da atividade humana não mais pertencem ao trabalhador. O operário não
escolhe suas condições de trabalho: sua jornada e o valor de seu salário. O produto do
trabalho, a mercadoria, passa a valer mais do que o trabalhador20, há a coisificação
do ser humano, ou seja, a sua desumanização.
A sociedade dita de consumo, marcada pelos valores do mercado, define qual
a melhor imagem a ser passada pelos seus membros. O modelo econômico ergue o
individualismo e a autonomia como pilares, cenário no qual o trabalho passa a ser
um fator de sucesso ou fracasso para o trabalhador, dependendo se propicia a
acumulação de capital ou não. A independência econômica atrela-se à realização
profissional, trabalha-se mais porque se deseja ganhar cada vez mais.21
As condições progridem (em termos) ao longo do tempo, pois é sensível a
existência de movimentos sindicais. Paradoxalmente, o hoje é um mundo de desen-
18
GONZAGUINHA. Um Homem Também Chora (Guerreiro Menino). Disponível em:
<http://letras.terra.com.br/gonzaguinha/250255/>. Acesso em: 25 set. 2008.
19 BECKER, Idel. Pequena história da civilização ocidental. 4.ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1970. p.469.
20 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Trad. Estela dos Santos Abreu. 9. reimp. Rio de Janeiro:
2007. p.22.
21 COUTINHO, Aldacy Rachid. Função social do contrato de trabalho. In: COUTINHO, Aldacy Rachid;
DALLEGRAVE NETO, José Affonso; GUNTHER, Luiz Eduardo (Coord.). Transformações do direito
do trabalho: estudos em homenagem ao Professor Doutor João Regis Fassbender Teixeira. Curitiba:
Juruá, 2000. p.25-26.
19
volvimento científico, tecnológico, globalizado, cujo discurso predominante é o de
formação e aprimoramento da mão-de-obra e onde ainda existe o trabalho escravo.
Recentes fiscalizações de Auditores do Trabalho flagraram exemplos de trabalho
em condições análogas às de escravo nas atividades madeireiras22, na indústria do
álcool23 e até mesmo junto a terceirizações da Petrobrás24, empresa que tem servido
de exemplo no país por suas práticas. Se antes houve a afirmação do trabalho como
expressão da liberdade, em casos como estes a liberdade é o oposto ao trabalho.
O denominado tráfico de seres humanos não é exclusividade da época das
Grandes Navegações, ainda hoje se tem notícia, por exemplo, de mulheres brasileiras
levadas clandestinamente para países da Europa ou para o Japão, com promessas de
trabalhos rentáveis, quando, em verdade, são vendidas para a indústria da prostituição.
A situação não é exclusividade da América Latina. Dentro da Europa, especialmente do Leste Europeu para os demais países do mesmo continente, ocorre
com freqüência o tráfico não só de mulheres, mas também de crianças, tudo com
vistas à exploração sexual e como fonte de trabalho ilegal.
No início de setembro de 2008, ocorreu em Verona, na Itália, uma Conferência
sobre o tráfico de mulheres. Na oportunidade, a ONU revelou alguns dados, como o
22
Na região Norte do Brasil as fiscalizações constantemente encontram trabalhadores submetidos
às condições análogas as de escravo. Um dos casos foi em janeiro de 2007, quando foram
encontrados trabalhadores morando em barracas improvisadas, sem água potável e sanitários,
além de serem obrigados a comprar alimento na mercearia do dono da madeireira, o que resultava
numa
dívida
sempre
maior
do
que
o
próprio
salário.
Disponível
em
<http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,AA
1440739-5598,00MADEIREIRO+DO+PARA+E+DENUNCIADO+POR+TRABALHO+ESCRAVO.html>. Acesso em: 02
set. 2008. No Paraná, situação idêntica foi deflagrada em 2005, na região de Tunas, quando foram
encontrados mais de 80 trabalhadores laborando no reflorestamento de Pinus. Tais pessoas
habitavam em barracas de lona e chão batido na beira de rios, desprovidos de água potável e
sanitários. Disponível em: <http://www.adpf.org.br/modules/news/article.php?storyid=1778>. Acesso
em: 02 set. 2008.
23 Flagrados mais de duzentos trabalhadores em Porecatu, no Paraná, que tinham descontados de
seus salários os instrumentos utilizados para o corte da cana, habitando em alojamentos sem luz
elétrica e sanitários, perfazendo jornadas diárias de doze horas e desprovidos de equipamentos
de proteção individual para a aplicação de agrotóxicos, por exemplo. A mesma empresa, de nome
Usina Central do Estado, emprega mais de mil e oitocentas pessoas em São Paulo. Disponível
em: <http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1407>. Acesso em: 02 set. 2008.
24 No caso, segundo a notícia, eram em torno de 40 trabalhadores sem qualquer equipamento de
proteção, sem registro em carteira de trabalho e alojados em barracas de lonas ou até mesmo em um
galinheiro abandonado, realizando o desmatamento de um terreno. Eram pessoas laborando para
a Petrobrás por meio de empresa terceirizada. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/
0,,MUL741013-5598,00.html>. Acesso em: 02 set. 2008.
20
de que 80% das vítimas do tráfico de seres humanos são mulheres. Trata-se de um
comércio que movimenta cifras que somente perdem para o tráfico de armas e drogas.25
Não menos sensível e freqüente, há outra forma de comércio de seres
humanos: as pessoas pagam para serem transportadas além fronteiras. Brasileiros
que desejam entrar nos Estados Unidos ilegalmente pagam o transporte via México;
chineses pagam para entrar ilegalmente também nos Estados Unidos, assim como
sul asiáticos, para ingressar em diversos países da Europa.
Perceba-se que se tornaram possíveis distinções no denominado comércio de
seres humanos: o tráfico humano e o contrabando humano. Quando se fala em
tráfico, o traficante coage o imigrante e o vende para o mercado de trabalho. No
caso do contrabando, o indivíduo paga o contrabandista por uma passagem de
fronteiras, o que resulta, muitas vezes, na escravização de tal indivíduo pelo próprio
contrabandista, ante a dívida contraída pelo imigrante para que fosse realizada sua
travessia entre um país e outro.26
A movimentação de pessoas através de diferentes países não tem precedente,
em números, na história da humanidade. Fazendo-se uma comparação, na época
das Grandes Descobertas e tempos posteriores, com o estabelecimento de atividades
econômicas baseadas na mão-de-obra escrava, foram aproximados doze milhões de
escravos africanos comercializados em quatrocentos anos. Atualmente, somando
tráfico de mulheres e crianças e o transporte de trabalhadores ilegais, os números
chegam a quatro milhões de pessoas por ano.27
Em verdade, há uma confusão de valores, vive-se num "[...] mundo pósmoderno, que já não tenta codificar e uniformizar as diferentes realidades, mas permite
e até deseja o heterogêneo, o caótico, o variado."28
A concorrência transformou a busca pelo desenvolvimento científico em algo
incessantemente e frenético. As pessoas convivem com produtos de ponta em suas
25
26
Disponível em: <http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=270967>. Acesso em: 10 set. 2008.
NAÍM, Moisés. Ilícito: o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p.85. O autor menciona na p.84 que um contrabando da China
para os Estados Unidos chega a custar sessenta mil dólares.
27 Idem.
28 VIANA, Márcio Túlio. Trabalho escravo e "lista suja": um modo original de se remover uma mancha.
In: OIT. Possibilidades jurídicas de combate à escravidão contemporânea. Brasília: Organização
Internacional do Trabalho, 2007. p.36. Disponível em: <http://oit.org.br/info/downloadfile.php?fileId=305>.
Acesso em: 27 jul. 2008.
21
casas e em seu trabalho, sequer sabem ao certo como ou quando os utilizar. As
classes mais baixas querem o tênis da moda que tem sistemas de amortecimento
para os passos, os celulares que tiram fotos, gravam vídeos e acessam a rede
mundial de computadores. O consumo tem sido tão desenfreado e estimulado pela
publicidade que parece suprir carências29 diante de laços sociais cada vez mais
precários. A busca da felicidade, por exemplo, é determinada pela compra de algum
bem material.
Ouvem-se todos os dias notícias de jovens que trocam suas vidas, que se
marginalizam em decorrência das drogas e do álcool. Não são mais adolescentes
das classes baixas, mas que cresceram nas melhores escolas e tiveram, em termos de
bens materiais, tudo o que se pode imaginar, o necessário e o completamente supérfluo.
O mercado consumidor tem se informado sobre a origem daquele produto: se
o fabricante tem selo para dizer que não utiliza mão-de-obra infantil, se o material é
reciclável, se a madeira do móvel é de reflorestamento, se o combustível do veículo é
poluente. A responsabilidade socioambiental vem se tornando regra para as empresas,
que estão, cada vez mais, divulgando seus balanços sociais, ou seja, como contribuem
para a melhoria da sociedade em sua totalidade. Resultados que disseminam uma
imagem positiva da empresa junto ao mercado.
Concomitantemente, os direitos humanos e os direitos fundamentais espraiam
seus motes pelos mais variados países. Falando em Brasil, a Emenda Constitucional
45/2004 acrescentou o § 3.o ao artigo 5.o pelo qual, respeitado o processo legislativo de
aprovação por 3/5 nas duas Casas do Congresso Nacional, os tratados internacionais
que versem sobre direitos humanos terão força de Emenda Constitucional.
No direito, fala-se da reconstrução dos modelos privados a partir do viés
constitucional, é a constitucionalização do direito civil, por exemplo. Os operadores
do direito e mesmo as leis, cada vez mais, abrem seus discursos e sua prática à
dignidade da pessoa humana, em detrimento da visão patrimonialista que marcou os
Códigos que se seguiram ao modelo francês napoleônico.
29
VIANA, Trabalho escravo..., p.37.
22
Enfim, um tempo que remete ao questionamento do trabalho como humanização, como valor, como liberdade, também remete à possibilidade de pensamento
de um consumo solidário: "[...] quando sairmos para comprar um novo tênis, a
presença ou a ausência de trabalho digno será um componente tão importante
quanto as bolhas de ar que irão proteger nossos pés."30
As premissas delineadas servem à convicção do todo que se tratará ao longo
da pesquisa, no raciocínio de que o trabalho não deve significar algo degradante ao ser
humano, não sendo concebível afronta, especialmente, dos direitos de personalidade
daquele que se dispõe a trabalhar. Afinal, "[...] o trabalho sempre ocupou o lugar
central em volta do qual as pessoas organizaram suas vidas."31
Enaltece-se, desde logo, a aplicação de um dos pilares da Constituição de 1988,
a dignidade da pessoa humana, quando se fala de trabalho, porque, como dito,
quem o realiza é uma pessoa, um ser humano que deve ser dotado de consciência e
liberdade. Não por acaso, a Constituição também traz como pilar o valor social do
trabalho, prevendo um mínimo de sua realização, de forma a programar melhores
condições na sociedade, ao abarcar os direitos sociais.
1.2
O MUNDO DO TRABALHO NA ATUALIDADE: CONTEXTUALIZAÇÃO
Necessário um recorte histórico na pesquisa, de forma que se possam focar
as relações de trabalho sob o ponto de vista dos direitos de personalidade dos
empregados em face do poder diretivo dos empregadores, no atual estágio do
desenvolvimento econômico.
Ainda que se trate a seguir de industrialização, de serviços, de sociedade da
informação, não se menospreza que cotidianamente, como exemplificado no item
anterior, os meios de comunicação divulgam notícias de trabalhadores que exercem
suas atividades em condições análogas as dos escravos.
30
31
VIANA, Trabalho escravo..., p.39.
FERRARI; NASCIMENTO; MARTINS FILHO, op. cit., p.22.
23
Algo que não deixa de ser fruto da demanda e do atual modelo de desenvolvimento econômico que, se, por um lado, determina a livre circulação de bens,
tecnologias e mesmo pessoas entre as diferentes partes do globo, por outro lado.
acentua as diferenças das mais variadas naturezas. Infelizmente, "os problemas de
distribuição de poder e da riqueza, e portanto os problemas sociais, acompanham a
humanidade em todas as épocas [...]."32
Registra-se desde logo que nem o modelo econômico, nem o mercado, nem as
demandas e nem quaisquer outros fatores como propriedade, distribuição de riquezas,
níveis de educação, diferenças culturais contêm justificativas para a observação
hodierna do mercado de trabalho. Tais fatores tentam explicar as realidades presentes
aos olhos de todos, mas não devem assumir a posição de legítimos quando se está
diante da dignidade da pessoa de um trabalhador.
1.2.1
A Globalização e o Neoliberalismo
Os assuntos abordados habitualmente a respeito dos mais diversos grupos
sociais não têm interesse restrito ao país no qual os indivíduos estão residindo, seja
porque tais assuntos se disseminam como notícias pela convergência que se vive
em termos de meios de comunicação, seja porque, por exemplo, imigrantes
brasileiros que moram num país europeu desejam informações de sua terra natal, de
seu estado, de sua cidade de origem. Interessam os acontecimentos de localidades
distantes, pois, invariavelmente, causam impacto na esfera local, como é o caso da
crise financeira do momento, que teve início notório nos Estados Unidos e tem se
espraiado pelo globo.
Em verdade, sequer os indivíduos precisam estar no mesmo país para dar
sentido a essa troca de idéias: comunicadores instantâneos aproximam as fronteiras,
32
Livre tradução de: "los problemas de distribución del poder y la riqueza, y por tanto los problemas
sociales, acompañan a la humanidad en todas las épocas […]." (MELGAR, Alfredo Montoya.
El Reformismo Social em los Orígenes del Derecho del Trabajo. Revista del Ministerio de
Trabajo y Asuntos Sociales. p.81. Disponível em: <http://www.mtas.es/revista/numeros/
ExtraDTrab03/Estudios05.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2008).
24
os fusos horários, os idiomas e permitem as conversas. As temáticas debatidas não se
importam apenas com a origem do fato, ou seja, onde ele aconteceu, elas interessam a
todos porque podem trazer soluções ou mesmo novos questionamentos.
Ao abrir um jornal qualquer ou revistas dos mais variados enfoques, o leitor
depara-se com manchetes trazendo situações das mais remotas partes do planeta.
Regiões não necessariamente visitadas por ele, pois a interatividade de informações
permite a concepção exata do porquê de aquele assunto importar naquela localidade, e
como influenciará em algum outro ponto distante do globo, suscitando discussões33.
Vive-se a globalização, um fenômeno de âmbito muito mais avassalador que
apenas o intercâmbio de informações. Atividades no âmbito econômico, político,
cultural, social estão ganhando espaço global, fazendo com que diferentes países,
diferentes povos e culturas interajam. Atividades que tinham seus focos de interesse
ligados ao espaço interno passam a, notadamente, despertar viés de proveito
mundial. Ocorre uma "crescente interconexão em vários níveis da vida cotidiana a
diversos lugares longínquos no mundo."34
O desenvolvimento da tecnologia, sobretudo das comunicações, como afirmado,
permitiu uma miscigenação maior de referências culturais. Os orientais ouvem músicas
da Madonna e dos Rolling Stones, assistem a filmes de Spielberg, bebem CocaCola, comem McDonald's e vestem jeans. Os ocidentais dirigem carros Toyota, Honda,
assistem a seus filmes e por que não aos de Akira Kurosawa em televisores Samsung,
preferem comida chinesa e comida japonesa, difundem o budismo e o hinduísmo
como religiões, vestem modelos de roupas indianas e são tratados por acupuntura.
O primeiro estágio chamado ocidentalização do mundo já não pode mais ser
defendido como paradigma dominante, não há mais uma padronização universal.
33
A título de exemplo, observe-se a divulgação de um vídeo na Internet, no qual aparece uma
coreana no metrô, com seu cachorro de estimação e o animal sujou o ambiente. Avisada, ela
ainda discutiu com os demais passageiros e desceu do metrô sem limpar a sujeira. Num primeiro
momento, as imagens, obtidas através do celular de outros passageiros e divulgadas na Internet,
repercutiram na comunidade em que a jovem morava, sendo motivo de reações negativas dos
vizinhos. A situação ganhou espaço na cidade, a jovem teve que sair da universidade onde
estudava, porque foi motivo de rejeição pelos demais alunos e, não bastasse isso, foi motivo de
matéria em jornais americanos e também brasileiros, gerando uma cadeia global de críticas em
relação à atitude. Como se denota, embora o acontecimento seja local, a repercussão pode vir a
se tornar global. (ROSA, Mário. A reputação na velocidade do pensamento: imagem e ética na
era digital. São Paulo: Geração, 2006. p.152).
34 LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização econômica, política e direito: análise das mazelas
causadas no plano político-jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p.125.
25
E essa universalidade de referências culturais tem grande ligação com o marketing,
com a publicidade e a propaganda, peças-chave para o desenvolvimento do consumo
acelerado e da relação global de mercados.
Nota-se, desde logo, a globalização como fábula e como perversidade35. A difusão
de notícias, a comunicação e a diminuição de distâncias existem para alguns: para
quem tem acesso a computadores, para quem pode viajar. A realidade tem mostrado,
abordar-se-á ao longo do texto, o aprofundamento de diferenças locais e mundiais.
Difundem-se problemas tais como: disseminação de novas e antigas doenças, diminuição da qualidade de vida da classe média e também da qualidade da educação.
O meio ambiente, os sentimentos de preservação, desenvolvimento sustentável
também transpassam fronteiras. Isso porque a industrialização e a capacidade de o
ser humano se apropriar dos recursos naturais cresceram sobremaneira, e essa
apropriação foi tão desenfreada, que as conseqüências negativas assolam toda a
esfera terrestre: cite-se o efeito estufa, decorrente da destruição da camada de ozônio.
Quanto ao nível social, pode-se dizer que está atrelado ao desemprego e à
pobreza desencadeados pelos processos de reestruturação da economia, conforme
se tratará a seguir, causadores da exclusão de milhares de indivíduos.
No nível de ordem econômica, os processos implicam, por exemplo, a ampliação
de mercados e a circulação de capitais, bem como a produção em escala global.36
O viés notadamente econômico não é privilégio recente, urge mencionar.
Autores37 delineiam o marco inicial da globalização como as Grandes Navegações
portuguesas e espanholas, porque instituíram o mercado mundial: novas terras
descobertas, novos consumidores, um expressivo intercâmbio de produtos entre o
Novo e o Velho Mundo.
35
Quanto às características de como é e como poderia ser a globalização que permeiam todo o
parágrafo: SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência
universal. 9.ed. Rio de Janeiro: Record, 2002. p.18-21.
36 VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 8.ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. p.72.
37 Nesse raciocínio, pode-se destacar: LIMA, op. cit., p.139.; DARCANCHY, Mara Vidigal.
Teletrabalho para pessoas portadoras de necesidades especiais. São Paulo: LTr, 2006. p.2122.; RABOSSI, Eduardo. Notas sobre la Globalización, los Derechos Humanos y la Violência. In:
GIUSTI, Miguel; RODAS, Francisco Cortés (Coord.). Justicia Global, Derechos Humanos y
Responsabilidad. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad de Antioquia y Universidad
Católica del Perú, 2007. p.234.
26
Passando pelos demais séculos, a interação global dos mercados desemboca
no Século XX38, mitigando a autonomia dos Estados. Organizações internacionais
como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial espalham regras aplicáveis
no âmbito internacional. Todavia, os agentes propulsores de maior resultado do
processo de globalização consistem nas empresas transnacionais, porque estão em
todos os lugares do globo dominando não só a circulação de bens e serviços, mas
também a tecnologia e a produção deles.
Nesse cenário, o Estado do Bem-Estar-Social, garantidor e realizador das
condições de sobrevivência e trabalho dignos, perde campo para as idéias neoliberais,
de intervenção estatal mínima.
O neoliberalismo, proveniente do capitalismo, ganhou espaço no final da década
de 1970, na Inglaterra governada por Margareth Thatcher, seguida pelos Estados
Unidos sob o comando de Ronald Reagan e também países do norte da Europa
ocidental. Após, com a caída do Muro de Berlim, as idéias neoliberais difundem-se
em larga escala, chegando aos países da América Latina, inclusive no Brasil, pelo
Consenso de Washington. A nova ordem global, basicamente, defende os seguintes
aspectos: privatizações, extermínio da inflação, regulação do meio social pelo mercado,
tendo como principais atuantes corporações internacionais.39
As empresas ganham força e espaço no cenário mundial, suas influências e
decisões enfraquecem a soberania dos Estados, o mercado financeiro ganha cada
vez mais espaço. A especulação do capital pelas grandes corporações influencia as
taxas de câmbio, de juros, de investimentos, espaços que eram exclusivamente
dominados pelos governos nacionais. É o lucro mostrando suas garras.
Decorrente da internacionalização das relações comerciais e de capitais, as
empresas concorrem acirradamente, nem que para isso pratiquem o denominado
dumping, a venda de produtos pelo preço de custo ou mesmo abaixo do custo.
38
Giovanni Alves afirma que a globalização como mundialização do capital, sendo este principalmente
financeiro, é uma nova fase do capitalismo a partir das últimas décadas do século XX, vide:
ALVES, Giovanni. Dimensões da globalização: o capital e suas contradições. Londrina: Práxis,
2001. p.44 e 50.
39 LIMA, op. cit., p.159. Ver também sobre o tema os autores: ALVES, Dimensões..., p.77-78;
BENITEZ, Gisela Maria Bester. Quando, por que, em que sentido e em nome de que tipo de
empresa o estado contemporâneo deixa de ser empresário? In: GEVAERD, Jair; TONIN, Marta
Marília (Coord.). Direito empresarial e cidadania: questões contemporâneas. 3. tir. Curitiba:
Juruá, 2006. p.138.
27
O primeiro pensamento que se tem é que isso pode ser benéfico ao consumidor
final, porque os produtos são barateados. Uma reflexão um pouco mais cautelosa
concluirá que o benefício é aparente e temporário, pois essa prática de preços acaba
com a concorrência, especialmente com as empresas menores, facilitando o domínio
do mercado por determinadas empresas. É a possibilidade real de obtenção de lucros.
Ocorre, por conseguinte, o dumping laboral40, porque a baixa de preços de
produtos significa igual baixa nos salários dos trabalhadores que participam do
processo produtivo das mercadorias. Reduzido o custo da produção, possível a
redução do preço final do produto: maior lucratividade.
Os Estados nacionais acabam por seguir regras de âmbito internacional,
merecendo referência no aspecto do dumping regras da Organização Mundial do
Comércio (OMC) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
As relações de trabalho protegidas pelo Estado Social, nesse cenário, sofrem
mudanças estruturais que vão refletir, especialmente, na atitude de empregadores
em relação a seus empregados, porque as empresas tendem a procurar espaços
mais favoráveis ao desenvolvimento de suas atividades, inclusive mediante a divisão
internacional do processo produtivo.
A técnica da informação41 permite a divisão nacional e internacional da produção,
porque consubstanciada na cibernética; a informática, a eletrônica proporcionam comunicações em nível mundial. Comunicação dentro da cadeia produtiva e desta com o
mercado consumidor. Com efeito, o consumo decorre de uma escolha já feita na
produção e disseminada pela publicidade.42 A felicidade é alcançada quando se tem
uma roupa de determinada marca, um celular de último modelo, um carro novo. O ser,
a pessoa humana e o trabalho como humanização cederam lugar ao ter, à mercadoria
e à alienação no trabalho, na franca dominação da economia sobre a vida social.43
40
VIEIRA, Maria Margareth Garcia. A globalização e as relações de trabalho: a lei de contrato a
prazo no Brasil como instrumento de combate ao desemprego. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2005. p.40.
41 SANTOS, M., op. cit., p.25-26.
42 DEBORD, op. cit., p.15.
43 Ibidem, p.18.
28
1.2.2
A Reestruturação da Produção
Além do aspecto anteriormente exemplificado quanto à restrição de preços e
a conseqüência no mercado de trabalho quanto aos valores de salário, deve-se
discorrer sobre outro importante acontecimento no mundo do trabalho, considerado
como a internacionalização dos ciclos produtivos44, a globalização ligada ao mercado
de trabalho.
A produção interna, em países desenvolvidos, torna-se extremamente cara,
não sendo mais possível para os empresários financiar os altos salários prometidos,
ainda no sistema fordista45, sistema caracterizado pela linha de produção e de tal
denominação porque Henry Ford colocou em prática na sua fábrica de automóveis as
idéias de Taylor: empregados dispostos em sistema de esteira, cada um realizando
uma parcela do processo, até o produto final. São espaços fabris concentrados,
unificados e de estoques numerosos (a produção determina o consumo), cujos salários
dos trabalhadores mostram-se recompensadores e garantem aspectos sociais. Além
disso, os sindicatos das categorias têm atuação perante o poder do capital. O
consumismo alarga-se, os operários são os destinatários dos bens que produzem.
Assim, se a empresa reduzisse salários, reduziria o consumo. Se aumentasse
preços, desencadearia inflação e mais aumento dos salários.
Mais uma vez os avanços tecnológicos tanto na comunicação quanto na
logística, atrelados à possibilidade de livre circulação de bens e serviços no mercado
internacional, trouxeram a solução: espalhar as diversas etapas do processo de
produção pelos mais variados locais do globo.
As empresas que antes eram multinacionais passam a transnacionais, pois
não há mais uma única matriz que controla outros locais considerados subsidiários.
Os locais onde existem salários baixos, vantagens tributárias, economias mais seguras
44
MELHADO, Reginaldo. Mundialização, neoliberalismo e novos marcos conceituais da subordinação.
In: COUTINHO, Aldacy Rachid; DALLEGRAVE NETO, José Affonso; GUNTHER, Luiz Eduardo
(Coord.). Transformações do direito do trabalho: estudos em homenagem ao professor doutor
João Régis Fassbender Teixeira. Curitiba: Juruá, 2000. p.79.
45 DUPAS, Gilberto. Economia global e exclusão social: pobreza, emprego, estado e o futuro. São
Paulo: Paz e Terra, 1999. p.186.
29
são procurados. Alteram-se as relações de trabalho, as maneiras de exploração da
mão-de-obra:
A possibilidade de ampla fragmentação da cadeia produtiva global de uma
empresa transnacional, viabilizada a partir da revolução tecnológica na
informática e nas telecomunicações – além da progressiva fragilização das
fronteiras nacionais e da flexibilização dos transportes –, veio possibilitar
uma profunda alteração nos padrões de produção, nos sistemas de gestão
e na forma de utilização da mão-de-obra no mundo atual.46
Imbricada ao novo mundo do trabalho, identifica-se a produção com
características de flexibilidade, de atendimento de demandas do consumo, ou seja, o
toyotismo. Esse processo produtivo tem origem na fábrica de automóveis Toyota, no
Japão pós Segunda Guerra Mundial, e toma importância no cenário mundial nos
anos 80. Trata-se de:
[...] uma nova lógica de produção de mercadorias, novos princípios de
administração da produção capitalista, de gestão da força de trabalho, cujo
valor universal é constituir uma nova hegemonia do capital na produção, por
meio da captura da subjetividade operária pela lógica do capital. É um estágio
superior de racionalização do trabalho, que não rompe, a rigor, com a lógica do
taylorismo-fordismo, é por isso que alguns autores denominam 'neofordismo'.47
A ausência de total rompimento com o fordismo mencionada por Giovanni
Alves pode ser identificada, dentre outros objetivos, porque o toytotismo não é
contrário à produção em massa, desde que ela não seja feita em grandes lotes que
fiquem estocados. Márcio Túlio Viana também sinaliza no sentido de que o toyotismo
é uma extensão do fordismo, dizendo que as novas empresas não funcionam tãosomente numa relação de coordenação; dito autor afirma que existe um comando
central ao qual toda a rede instaurada está submetida.48 Porém, há vários fatores
que diferenciam os sistemas, sendo alguns explicados a seguir.
46
47
DUPAS, op. cit., p.83.
ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do
sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2005. p.31.
48 VIANA, Trabalho escravo..., p.35.
30
Os mais sensíveis a priori são: a redução do quadro, a produção conforme a
demanda e sob medida (just in time), bem como a possibilidade de a autonomação,
ou seja, a possibilidade de parar o processo caso ocorra algo de anormal.
A captação da subjetividade operária, também fator de sensível distinção
entre fordismo e toyotismo, aparece na formação de mercados internos49 de trabalho
nas empresas: claras perspectivas de promoções, carreiras conhecidas por todo o
quadro de empregados, estimulando a idéia de qualificação do trabalhador. Carreira
que engloba não somente cargos, mas também compensações pelo tempo (antigüidade)
de trabalho na empresa como prêmios, adicionais.
Mercados internos que acabaram por desaparecer sob a forma clássica de
empregos vitalícios, sendo apenas mantidos os ressarcimentos financeiros. Isso por
causa da concorrência do que se instaura em nível mundial. A empregabilidade
passa a ser o paradigma do mercado.
Outra forma de captação dessa subjetividade manifesta-se pela conotação de
trabalho em equipe. Os operários atuam integrados, a rapidez dos resultados finais
depende do todo e não somente de uma pessoa (como era no fordismo). Há a
linearização da produção, sendo dispostos em círculo os instrumentos de trabalho, a
fim de que o trabalhador polivalente possa atuar, inclusive no sentido de que todos
fiscalizem todos.
Implantam-se os círculos de controle de qualidade (CCQ) e os círculos de
qualidade total (CQT). Perceba-se a forte competição que se instaura. A tecnologia num
primeiro momento um fator de emancipação do trabalhador, de melhores condições
de realização das atividades e capaz de lhe proporcionar o necessário descanso
para recuperação física e mental, o ócio produtivo, acaba se transformando na vilã.
Horas a mais no trabalho, aparelhos celulares, bips e computadores portáteis que
vão aonde o empregado estiver.
49
ALVES, O novo..., p.51.
31
Não por acaso, para a Toyota, o respeito pela dignidade da pessoa humana
significa:
[...] eliminar da força de trabalho as pessoas ineptas e parasitas, que não
deveriam estar ali; e despertar em todos a consciência de que podem
aperfeiçoar o processo de trabalho por seu próprio esforço e desenvolver o
sentimento de participação. Descobrir e eliminar seqüências desnecessárias
de trabalho e movimentos supérfluos por parte dos trabalhadores é algo
também relativo ao empenho da racionalização.50
Ainda nessa seara de deter a subjetividade operária, cite-se o incentivo a uma
atitude pró-ativa do empregado. Não basta mais que ele se engaje na produção, na
sua qualidade e velocidade. O operário deve trazer idéias novas, sugestões, projetos,
aperfeiçoamento para a atividade empresarial em geral.
Essa consiste numa outra diferença do comportamento entre operários fordistas
e toyotistas, pois enquanto estes colaboram para o desenvolvimento da estrutura
operacional e organizacional do empreendimento, aqueles relegam seus pensamentos
à realidade de que estão domesticados pelo processo produtivo, muitas vezes o que
os instiga a lutar contra as regras do jogo, contra o sistema. Talvez esta seja uma
das explicações para que os movimentos sindicais durante o fordismo tenham sido
mais fortes e expressivos na luta contra o poder do capital.
O movimento sindical resta prejudicado e precário, o que antes poderia significar
a emancipação dos trabalhadores perante o avanço do capital, passa a ser um
coadjuvante deste.
Por questões de visibilidade no mercado, várias condições de trabalho e
regras que a empresa principal não pode colocar em prática acabam difundidas
entre as empresas menores, atendendo aos ditames das acirradas concorrência e
produtividade.
Várias empresas trabalham no mesmo ambiente, porém cada uma delas com
uma categoria econômica diferenciada, com uma representatividade própria, o
que resulta na dificuldade de entendimento e comunicação entre trabalhadores e
seus sindicatos.
50
DOHSE, Knoth; JURGENS, Ulrich; MALSCH Thomas apud IANNI, Octavio. A era do globalismo.
5.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p.131.
32
Há uma verdadeira Babel sindical, o que abre espaço para maior exploração
dos trabalhadores terceirizados pelas tomadoras. O trabalhador se mostra repleto de
fragilidade diante de seu empregador:
É por isso que, na era neoliberal, o novo complexo de reestruturação produtiva,
cujo 'momento predominante' é o toyotismo, pode ser considerado uma
nova ofensiva do capital na produção. Ele é parte intrínseca de um processo
sócio-histórico de desenvolvimento capitalista, cujo resultado é a desconstrução
do mercado de trabalho urbano, por intermédio da precarização de empregos
e salários e da debilitação do operário-massa e do sindicalismo classista, tal
como se constituiu com a industrialização substitutiva.51
Os antigos empregados, também, constituem seus negócios próprios ou, ainda,
trabalham em domicílio. Dentro do sistema produtivo, identificam-se dois tipos de
trabalhadores: aqueles com alta formação, ocupantes de empregos mais estáveis,
salários e retribuições à altura; os demais são da periferia do sistema, sem garantias
e sem condições que exprimam vantagens. É na última categoria que estão os
terceirizados e também os contratados a termo, os quais precisam estar abertos a
mudanças e ser capazes de se adaptar a elas com facilidade, além, é claro, de
enfrentar os baixos salários e jornadas extensas.
Cabe a observação feita por Arnaldo Süssekind quanto aos terceirizados:
"o exagero da terceirização tem ampliado os índices de freqüência e gravidade nos
acidentes de trabalho [...]."52 Os gastos (diminuição do lucro) com segurança e
saúde do trabalhador carecem de expressividade.
Como mencionado, um dos temas preponderantes no discurso empresarial
passa a ser a empregabilidade: elegem-se várias características para a contratação de
um trabalhador considerado como o ideal. Outro aspecto envolve conseguir emprego
rápido, não importando o estado do mercado.
Além disso, pela idéia de empregabilidade, não se constitui responsabilidade da
empresa a recusa na contratação ou mesmo pela rescisão contratual de alguém que
faz parte do quadro. Tudo ocorre por causa do próprio profissional. O trabalhador
51
52
ALVES, O novo..., p.119.
SÜSSEKIND, Arnaldo Lopes. Reflexos da globalização da economia nas relações de trabalho.
In: SOARES, Celso (Coord.). Direito do trabalho: reflexões críticas. São Paulo: LTr, 2003. p.16.
33
deve buscar sua capacitação, qualificação e o alcance de características procuradas
pelo mercado. Na era da empregabilidade, a causa do desemprego reside no sujeito
desempregado e não no mercado.53 Não se pode mais supor apenas empregos com
carteira assinada e de longa duração.54
Instaura-se um cenário de flexibilização e precarização das relações de trabalho,
sem falar, ainda, numa pretensa desregulamentação de tais relações. Não se esqueça,
nesse ponto, o poderio das empresas transnacionais, que, em nome de seus objetivos
de produtividade e de lucro, enfraquecem a soberania estatal.
A atomização e a atemorização do trabalho em face do capital55 acentuam o
desemprego, justamente por causa da neutralização de atuação estatal. O Estado
não é mais o meio pelo qual o indivíduo consegue realizar os direitos sociais, como os
previstos na Constituição Brasileira de 1988, cuja finalidade era melhoria das condições
de vida, igualdade no meio social.
Diferente do que a mídia tem divulgado, o Brasil possui uma legislação trabalhista flexível, a qual, como relembra Maurício Godinho Delgado, teve início ainda
no governo militar, com a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, pela
Lei n.o 5.107/66, vigente em janeiro de 1967, quando se tornou a dispensa do
trabalhador um direito potestativo do empregador56. Assim, o fim da estabilidade no
emprego e a possibilidade de dispensa sem justa causa seguidos pelas modalidades
de contratação a termo de empregados, o contrato de estágio, o banco de horas e a
própria terceirização das atividades-meio das empresas são exemplos.57
53
54
55
56
57
WANDELLI, Leonardo Vieira. Despedida abusiva: o direito (do trabalho) em busca de uma nova
racionalidade. São Paulo: Ltr, 2004. p.85-86.
CARRIERI, Alexandre de Pádua; SARSUR, Amyra Moyzes. Percurso semântico do tema
empregabilidade: a (re)construção de parte da história de uma empresa de telefonia. Revista de
Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v.1, n.1, p.132, jan./abr. 1997.
MELHADO, Mundialização..., p.79.
DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e
os caminhos da reconstrução. 2. tir. São Paulo: LTr, 2007. p.63-64.
Quanto aos exemplos de interferências e modificações que a globalização tem ocasionado nas
relações de trabalho, vide a seguinte obra: CORREIA, Rosani Portela. Novos paradigmas do
contrato de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2008. A autora traça considerações sobre a
remuneração, incursionando no salário-utilidade e na equiparação, relata reflexos na jornada de
trabalho como o banco de horas e o trabalho a tempo parcial, além de outros temas.
34
Alie-se a isso a possibilidade de negociação coletiva tanto entre sindicatos
quanto entre estes e as empresas, diretamente, o que também colabora com a
flexibilização das relações de trabalho.
Quanto à negociação coletiva, seu âmbito é de tamanha importância que até
mesmo o Tribunal Superior do Trabalho, na Súmula 36458, II reconheceu a validade de
cláusulas convencionais que reduzem o percentual do adicional de periculosidade.
Os sindicatos, nesse panorama, se estão enfraquecidos para lutar contra o
neoliberalismo, passam a lutar a favor dele59, são os coadjuvantes, como dito e
como será objeto de exemplos no último capítulo da pesquisa. Há uma manobra
perigosa nisso tudo:
[...] a substituição da lei pela 'livre' negociação com sindicatos fragilizados, sem
legislação de sustento, sem um projeto compromissório mais amplo, é mero
artifício para a desregulação e precarização. O 'acordo' torna-se instrumento
da falta de acordo, a mera subjugação de quem só pode dizer sim.60
Ao capital isso não basta, em nome do lucro cada vez mais pretende uma efetiva
desregulamentação das relações de trabalho. A precarização dessas relações também
tem sido percebida em novas modalidades de contratação, consubstanciadas em
tentativas de escapar à configuração de relação de emprego, ou seja, aquela abrangida
pelas regras da CLT, de acordo com os requisitos que definem empregado e empregador.
Nessa seara, podem estar os prestadores de serviço autônomos, os representantes
comerciais, os estagiários.
58
o
N. 364 - ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. EXPOSIÇÃO EVENTUAL, PERMANENTE E
os
INTERMITENTE. (CONVERSÃO DAS ORIENTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS N. 5, 258 E 280
DA SDI-1)
I - Faz jus ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma
intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma
eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente
reduzido.
II - A fixação do adicional de periculosidade, em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de
exposição ao risco, deve ser respeitada, desde que pactuada em acordos ou convenções coletivos.
59 RAMOS FILHO, Wilson. Direito, economia, democracia e o seqüestro da subjetividade dos
a
juslaboralistas. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 9. Região, Curitiba, v.26, n.1,
p.147, jan./jun. 2001.
60 WANDELLI, op. cit., p.52.
35
O fato é que o mundo todo vem sentindo os efeitos da globalização e dos
sistemas de produção flexíveis: "[...] alastraram a subcontratação e a informalização
da relação salarial à margem da negociação colectiva e da legislação laboral (quando
existentes) com justificações semelhantes: flexibilidade, adaptação ao mercado e
redução de custos."61 Como dito, baixos salários, poder sindical mitigado e desemprego
são conseqüências presentes nos países em geral.
São importantes, para que se tenha noção da situação atual do mercado de
trabalho e do desemprego no Brasil, números62 apresentados em pesquisa do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), válidos para junho de 2008, os
quais levam em consideração as seguintes regiões metropolitanas: São Paulo, Rio
de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto Alegre.
A População Economicamente Ativa (PEA) é estimada em 23,6 milhões, para
o total das regiões metropolitanas. A taxa de desocupação é de 7,8% desse total, ou
seja, aproximadamente 1,84 milhões de pessoas, o que significa quase 70 mil pessoas
a mais que o número de residentes na cidade de Curitiba em 2007.
Dos desocupados, 57,8% eram mulheres e, em relação à faixa etária, 48,0%
têm entre 25 a 49 anos. Ainda entre os desocupados, 18,8% estavam em busca do
primeiro trabalho e 24,6% eram os principais responsáveis na família. Com relação
ao tempo de procura: 23,4% estavam em busca de trabalho por um período não
superior a 30 dias; 50,0%, por um período de 31 dias a 6 meses; 7,1%, por um
período de 7 a 11 meses; e 19,5%, por um período de pelo menos um ano.
Considerando a necessidade de sustento próprio e dos familiares e o fato de
que a legislação nacional somente custeia o seguro desemprego por um período
máximo de cinco meses, mais de trezentas e cinqüenta e oito mil pessoas ficaram
pelo menos um ano à procura de recolocação no mercado de trabalho. Isso é grave.
61
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade.
9.ed. São Paulo: Cortez, 2003. p.308.
62 Os números apresentados foram disponibilizados em 24.07.2008, fazem parte dos Indicadores
IBGE, Pesquisa Mensal de Emprego, junho 2008. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/
Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Mensal_de_Emprego/fasciculo_indicadores_ibge/>. O número
de residentes em Curitiba em 2007 está disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/
default.php>. Ambos acessos em: 28 jul. 2008.
36
Finalmente, há uma outra consideração relevante sobre os efeitos da globalização
no mercado de trabalho. Diante desse cenário de flexibilização e desemprego, as
massas de trabalhadores tendem a se deslocar por todos os lugares mundiais: "[...]
mudanças quantitativas e qualitativas que afetam não só os arranjos e dinâmicas
das forças produtivas, mas também a dinâmica e composição da classe operária."63
Se a infinidade das formas de comunicação produz uma interação, uma
miscelânea de culturas à distância, o mercado de trabalho global permite essa
integração pela aproximação dos indivíduos. Quiçá essa proximidade fosse apenas
positiva. Não o é. A invasão de determinados países que se apresentam como propícios
a melhores salários ou oferecem maior número de empregos, gera uma competição
entre os trabalhadores internos e os imigrantes. Choques de culturas, crenças, raças
e interesses acentuam sentimentos de racismo e discriminação no meio social, do
qual não escapam os próprios ambientes de trabalho.
Nesse palco de diferenças, empregabilidade e desemprego, afloram as formas
abusivas de exercício do poder de direção do empregador.
1.2.3
E a Moldura do Contrato de Trabalho?
As relações de emprego têm sido afetadas em sua essência por conta dessas
mudanças e desse estágio produtivo. Com efeito, há quem chegue a defender que os
requisitos do contrato de emprego restariam obsoletos por conta dos auspícios das
novas tecnologias, da reestruturação produtiva e das relações globais travadas. Há
quem afirme que o trabalho subordinado não mais se sustenta como único paradigma
do Direito do Trabalho, devendo este se debruçar sobre todas as formas de trabalho
humano, especialmente aquelas compatíveis com a dignidade da pessoa humana.64
63
64
IANNI, op. cit., p.123.
ANDRADE, Everaldo Gaspar Lopes. A desconstrução do paradigma trabalho subordinado como
objeto do direito do trabalho. LTr, São Paulo, v.72, n.8, p.913-920, ago. 2008. p.913-920.
37
Necessária se apresenta uma releitura, uma nova interpretação de tais requisitos,
a fim de se amoldarem às novas relações de trabalho, pois ganham espaço figuras
contratuais como job-sharing65, consórcio de empregadores rurais, o teletrabalho66, o
trabalho a tempo parcial, as terceirizações e quarteirizações, o trabalho intermitente.67
A onerosidade denota novos contornos especialmente quando se depara com
a possibilidade de trabalho intermitente, no qual revezam-se períodos de trabalho
com outros de inatividade, sendo o contrato de trabalho por tempo indeterminado68.
Na inatividade, o empregado nada recebe. Outras avaliações ainda podem ser feitas
com relação àqueles trabalhadores que recebem ma
A não-eventualidade, ou seja, a prestação dos serviços de forma periódica,
habitual, de forma à consecução das finalidades do empregador, acaba como que
dividida no mencionado consórcio de empregadores rurais, por exemplo, pois o
empregado presta serviços a cada um deles num certo lapso temporal.
A pessoalidade do empregado, o intuitu personae característico dos contratos
de trabalho por exemplo é mitigada pela possibilidade dos meios de comunicação e
de trabalho à distância. No teletrabalho, por exemplo, acontece de o núcleo familiar
do trabalhador ajudar nas tarefas ou mesmo quaisquer outras pessoas, dependendo
do local em que estas tarefas se concretizem.
65
Dallegrave aborda o tema dizendo que é a divisão de um posto de trabalho a tempo integral por
trabalhadores, os quais dividem não só as tarefas e responsabilidade, mas também o salário.
Afirma que isso tem ocorrido nos EUA, Canadá e Inglaterra. Afirma o autor, por fim, que a CLT
alcança, por analogia ao trabalho em tempo parcial essa realidade. (DALLEGRAVE NETO, José
Affonso. Inovações na legislação trabalhista: reforma trabalhista ponto a ponto. 2.ed. São
Paulo: LTr, 2002. p.171).
66 Nesse ponto, registram-se as observações de Alice Monteiro de Barros quanto a trabalho em
domicílio e teletrabalho. Diz a autora que embora haja afirmações no sentido de que segundo é
uma nova roupagem assumida pelo primeiro, a rigor não se pode confundi-los. O teletrabalho decorre
das grandes inovações tecnológicas, que permitem o trabalho à distância nos mais diversos
lugares. As atividades realizadas pelo teletrabalhador configurariam-se como mais complexas
(desenhos, investigação, secretariado, consultorias e assessorias, atividades com informações em
geral, tradução e tantas outras) se comparadas com aquelas manuais (indústria têxtil, couro,
metal, eletrônica, papel e outras) dos trabalhadores em domicílio. (BARROS, Curso de direito...,
p.294 e segs.).
67 Sobre essas categorias, vide CUNHA, Carlos Roberto. Flexibilização de direitos trabalhistas à luz
da constituição federal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. p.96-98; DALLEGRAVE
NETO, Inovações..., p.161-163.
68 Ibidem, p.162 e nota de rodapé 293.
38
A tecnologia, por outro lado, pode significar maior controle do empregado pelo
empregador, aumentando contatos e espaços em que as atividades laborativas se
realizam. O tempo de descanso, de recuperação física e mental do trabalhador
diminuem ainda mais, até mesmo porque esses meios de comunicação fazem com
que o indivíduo não se desligue de suas responsabilidades perante o empregador.
A subordinação, nesse contexto, torna-se mais intensa. Interessa ao empregador,
inclusive, um perfil minucioso do candidato à vaga, já se estudando e encontrando a
tutela judicial quanto à responsabilidade civil pré-contratual.69
Afigura-se imprescindível a análise da legislação vigente a fim de que os
operadores do direito apliquem-na ao panorama relatado. Uma releitura dos
diplomas trabalhistas deve concretizar-se, porque a interpretação da Consolidação
das Leis do Trabalho deve ser moldada às novas realidades, especialmente pelo
viés constitucional.70
Relembre-se que a Constituição traz o trabalho como um dos valores sociais
que fundamenta o Estado brasileiro. Ademais, as previsões contidas ao longo do
artigo 7.o, especialmente quando este trata da necessidade de proteção do trabalhador
em face da automação, e a ordem econômica (artigo 170) fundada na valorização do
trabalho humano, assim como norteada pelo princípio do pleno emprego, retratam a
possível interpretação constitucional do Direito do Trabalho. Isso sem falar nos direitos
de personalidade, previstos na Constituição e no Código Civil, assim como a boa-fé
objetiva, o abuso do direito. Há uma realidade que desafia essa oxigenação das
normas trabalhistas.
69
70
Considerações sobre o tema seguem no capítulo subseqüente da pesquisa.
DALLEGRAVE NETO, Inovações..., p.176. Em sentido oposto estão menções de José Pastore,
em texto que retrata a realidade de um brasileiro que está desemprego porque é considerado
"qualificado demais" pelas empresas e que passou para tal condição de desemprego depois que a
empresa onde trabalhava há anos terceirizou a contabilidade. Para referido autor, a forma de
solucionar essas questões postas pelos novos paradigmas de produção seriam mudanças na
CLT, que é obsoleta porque fruto de economia fechada e prevendo somente contratação por prazo
indeterminado. (PASTORE, José. O seu emprego até o final do século. In: _____. O desemprego
tem cura? São Paulo: Makron Books, 1998. p.266-270).
39
1.3
O PODER NA RELAÇÃO EMPREGADO – EMPREGADOR
Após as considerações iniciais a respeito do trabalho como fator de dignidade
para a pessoa humana e também do atual estágio de organização do mercado de
trabalho, deve-se adentrar ao principal elo que envolve trabalhador e empregador: a
dependência de um em relação a outro.
1.3.1
Poder
Para se falar em poder, necessariamente se fala no homem. O homem vive
em sociedade e é justamente nessas relações sociais que se estabelece o poder:
dos pais em relação ao filho, econômico, da justiça, do empregador em relação ao
empregado, do professor em relação ao aluno, de Deus e tantos outros que se pode
identificar no dia-a-dia.
Reginaldo Melhado afirma que "[...] poder designa a capacidade de produzir
determinado resultado."71 Constata, ao autor, que o poder está presente em
praticamente todas as dimensões sociais: "[...] no interior da família, na empresa,
nas relações entre grupos ou classes sociais e o poder constitui a alma da mesma
ficção jurídica a que chamamos Estado."72
De acordo com o pensamento de Max Weber, poder é "a possibilidade de que
um homem, ou um grupo de homens realize sua vontade própria numa ação
comunitária, até mesmo contra a resistência de outros que participam da ação". 73
Gabriel Chalita define como "[…] a capacidade de impor a própria vontade
numa relação social."74 Existe a possibilidade de que alguém (uma ou mais pessoas)
71
MELHADO, Reginaldo. Poder e sujeição: os fundamentos da relação de poder entre capital e
trabalho e o conceito de subordinação. São Paulo: LTr, 2003. p.23.
72 Idem.
73 WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Trad. Waltensir Dutra. 5.ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. p.211.
74 CHALITA, Gabriel. O poder: reflexões sobre Maquiavel e Etienne de La Boétie. 3.ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005. p.21.
40
realize aquilo que o detentor do poder deseja, normalmente para atingir uma finalidade
perseguida por este.
Percebe-se, tanto numa quanto na outra definição, os dois pólos da relação que
encerra o poder: de quem o exerce e de quem a ele se sujeita. Noutras palavras,
poder é relacional (exercido por alguém em relação à outra pessoa), pressupõe
alteridade e é inerente a qualquer relação jurídica.75
A interpretação da concepção de poder deve conter uma positividade, pois ele
não tem, normalmente, o objetivo de excluir o indivíduo do seio social, mas de
controlar, gerenciar76 suas atividades de modo a obter sua máxima dedicação e
resultados satisfatórios.
Não seria diferente, ou seja, não se estabeleceria o contrato de trabalho sem
a presença do poder77, que é característica do empregador. Significa dizer que o
empregado é que se sujeita à possibilidade de agir, de produzir efeitos desejados
pelo seu empregador.
A força constitui-se como instrumento78 para o exercício do poder. Não se
imagine tão-somente como força física, coerção ou violência. Em verdade, há várias
e diferentes formas de manifestação do poder que não se confundem com violência
ou coerção. Para Gérard Lebrun, por exemplo:
Se, numa democracia, um partido tem peso político, é porque tem força
para mobilizar um certo número de eleitores. Se um sindicato tem peso
político, é porque tem força para deflagrar uma greve. Assim, força não
significa necessariamente a posse de meios violentos de coerção, mas de
meios que me permitam influir no comportamento de outra pessoa. A força
não é sempre (ou melhor; é rarissimamente) um revólver apontado para
alguém; pode ser o charme de um ser amado, quando me extorque alguma
decisão (uma relação amorosa é, antes de mais nada, uma relação de
forças; cf. as Ligações Perigosas, de Laclos).79
75
76
COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder punitivo trabalhista. São Paulo: LTr, 1999. p.13.
MÜLLER, Marilis de Castro. A patologização do poder nas relações de emprego. In: DALLEGRAVE
NETO, José Affonso; GUNTHER, Luiz Eduardo; POMBO, Sérgio Luiz da Rocha (Coord.). Direito
do trabalho: reflexões atuais. São Paulo: LTr, 2007. p.394.
77 A imbricação entre o poder e o contrato de trabalho, ou seja, a necessidade do poder diretivo do
empregador na relação empregatícia é típica do regime capitalista, o que pode ser especialmente
verificado na obra de MELHADO, Poder e sujeição...,
78 ARANHA; MARTINS, op.c it., p.180.
79 LEBRUN, Gerard. O que é poder. Trad. Renato Janine Ribeiro e Silvia Lara. 14.ed. São Paulo:
2004. (Coleção Primeiros Passos) p.11-12.
41
Ainda quanto ao mesmo tema, para Gabriel Chalita, a coerção pode se configurar
como característica do poder80, atuando como psicológica, física, econômica.
Na relação de emprego, porém, cabe uma observação quanto à força:
A coerção foi substituída por outra forma, mas sutil, de obtenção do trabalho,
numa relação de produção. A diferença se deu pelo fato de o trabalhador
produzir resultado para o empregador, mediante uma contraprestação pecuniária.
O empregado se submete em troca de sua paga e o mecanismo utilizado,
para obter o máximo do trabalhador, em menor tempo, é junto da remuneração,
todo um sistema de premiações e promoções.81
Denota-se que a produtividade do trabalhador e o lucro que ela traz ao
empregador são decisivos no poder que este exerce sobre aquele. Conforme será
descrito em item posterior, o poder do empregador e a sujeição do empregado não
são criações exclusivas do legislador ou mesmo dos doutrinadores, mas decorrem
da realidade econômico-social, porque a produção carece de direção do trabalho
que a realiza.82
Importante advertir, contudo, que o poder estabelecido pelos donos do capital
em relação a seus empregados não deve ser encarado apenas um tipo de fatalidade,
dada a desigualdade que existe entre os sujeitos da relação empregatícia83, encerrando
outros aspectos que serão abordados a seguir.
Ricardo Marcelo Fonseca, a seu turno, identifica o poder do empregador com
o poder disciplinar concebido pelo pensamento de Michel Foucault84, pois há um
constante comando do empregador em relação ao empregado, que não se limita a
concretizar a atividade do empregado, dispondo, inclusive, de meios de regulamentação,
fiscalização e punição do empregado. Desde o controle de horários até o regulamento
de critérios de promoção, de cargos e salários, bem como as advertências verbais
ou escritas, suspensões e a justa causa constituem a vigilância hierárquica contínua
do empregado pelo empregador.
80
81
82
CHALITA, op. cit., p.22.
MÜLLER, op. cit., p.399.
Neste sentido: MELGAR, Alfredo Montoya. El Poder de Dirección del Empresario em las Estructuras
Empresariales Complejas. Disponível em: <http://www.mtas.es/publica/revista/ numeros/48/Est06.pdf>.
Acesso em 13. abr. 2008.
83 MELHADO, Poder e sujeição..., p.13.
84 FONSECA, Ricardo Marcelo. Modernidade e contrato de trabalho: do sujeito de direito à
sujeição jurídica. São Paulo: LTr, 2001. p.139 e segs.
42
Tais atuações do empregador encaixam-se perfeitamente na descrição que o
mesmo autor faz do poder disciplinar segundo Foucault. A disciplina comporta, pois,
três dimensões.
A primeira consiste num mecanismo de vigilância hierárquica, pelo qual o
modelo arquitetônico do edifício permite melhor observação dos indivíduos, fazendo-se
referência ao panóptico. A segunda identifica-se na sanção, que oscila entre o positivo e
o negativo, ou seja, as condutas são limitadas e até punidas quando transgridem
normas (negativo), sendo, todavia, moldadas segundo padrões, aos quais são ofertados
prêmios (positivo). A terceira trata-se do exame, pelo qual o indivíduo é descrito,
analisado, caracterizado de acordo com um fenômeno coletivo, bem como uma célula
única de atuação do poder, individualizado.85
1.3.2
O Poder Diretivo do Empregador: Fundamentos Constitucionais e Celetários
Parte-se de uma análise, a respeito do contrato de trabalho, não somente de
acordo com as previsões celetistas, mas também pela da Constituição Federal, ápice
do ordenamento pátrio.
A Constituição da República Federativa do Brasil encerra seus fundamentos no
seu artigo primeiro86 e, dentre eles, interessam pelo menos três para o estudo que segue:
a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Percebe-se, desde logo, que a dignidade da pessoa humana espraia-se para
a empresa e para o contrato de trabalho. Não menos importante, posteriormente,
85
86
FONSECA, op. cit., p.107-112.
o
Art. 1. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
[...]
43
configura-se o ressurgimento temas no artigo 17087 da Constituição. Conjugando-se
pelo menos esses dois artigos da CF/88, extrai-se que a dignidade da pessoa humana
significa o ponto de partida e o ponto de chegada de todo o ordenamento jurídico.
Por que empresa e contrato de trabalho88? Porque ambos decorrem destas
premissas constitucionais. A livre iniciativa89 determina, por excelência, a atividade
empresarial. E da atividade empresarial decorre o contrato de trabalho. Com efeito,
as relações de trabalho, especialmente as empregatícias (artigo 3.o da CLT),
importam para o estudo da atividade empresarial porque o empregador, para o
direito pátrio (artigo 2.o da CLT), aparece como, essencialmente, a empresa90.
A "liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria, e comércio ou liberdade
de empresa e a liberdade de contrato"91 possibilita a realização de uma atividade
econômica, mormente uma atividade empresarial. O empreendimento, desta forma,
necessitará de crédito (capital), de um local, de máquinas, de equipamentos, da
matéria-prima, do trabalho. O empresário, por conta da liberdade conferida pelo
ordenamento, organizará e estabelecerá sua atividade.
87
88
89
90
91
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim, assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
[...]
II - propriedade privada;
[...]
VIII - busca do pleno emprego;
[...]
Desde logo se entenda que o contrato de trabalho aqui referido é aquele em que estão presentes
o
o
os requisitos dos artigos 2. e 3. da CLT, quais sejam: subordinação, onerosidade, pessoalidade e
habitualidade. É a relação de emprego, portanto. Contudo, como o estudo não trata de diferenciações
entre relação de trabalho e relação de emprego, utilizar-se-ão indistintamente as expressões,
querendo sempre se referir à relação de emprego.
José Afonso da Silva recorda que um dos pilares eleitos para a ordem econômica nacional é a
iniciativa privada e que isso se afigura como a presença do regime capitalista, da economia de
mercado. O outro pilar, prioridade, consubstancia-se na valorização do trabalho humano. Assim, o
Estado orientará e intervirá na economia a fim de que esse valor tenha sentido. (SILVA, José
Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28.ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.788).
Nesse mesmo sentido adverte Rui Assis: "No entanto, a liberdade de empresa e os poderes que lhe
são inerentes não podem ser afirmados sem mais, não podendo designadamente ser considerados
sem que se sublinhe que os mesmos não poderão nunca assumir um caráter absoluto. Trata-se,
seguramente, de reconhecer os limites fixados pelo mesmo direito que reconhece tais poderes."
(ASSIS, Rui. O poder de direcção do empregador. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. p.17-18).
o
Até porque, a CLT menciona expressamente em seu artigo 2. que é o empregador quem assume
o risco da atividade.
SILVA, J. A. da, op. cit., 28.ed., p.793.
44
Referido trabalho pode ser realizado apenas pelo empreendedor, mas, na maioria
das vezes, mesmo no caso da pequena empresa, necessitará de um trabalhador.
A partir do momento em que a atividade empresarial prescinde de um empregado, a
fim de realizar aquilo previsto em seu objeto social, estar-se-á diante da necessidade de
um contrato de trabalho, do qual fazem parte o empregador, nos moldes do artigo 2.o da
CLT92 e o empregado, nos moldes do artigo subseqüente93 de referido diploma legal.
O poder de dirigir a prestação de serviços é conferido ao empregador por
conta do contrato de trabalho, portanto. A origem contratual94 do poder de direção do
empregador consta da CLT, quando esta define em seu artigo 442: "Contrato individual
de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego."
Caso o empregador não tivesse o poder de direção, provavelmente não
conseguiria realizar a atividade econômica a que se propôs justamente por causa
desta impossibilidade de organização da empresa como um todo.95 Ao empregador,
ainda, cabe o risco da atividade econômica, ele responderá e suportará as
conseqüências caso o empreendimento não tenha o satisfatório lucro. Significa que
os empregados deverão receber seus salários e demais frutos oriundos do contrato
de trabalho independentemente da situação econômica da empresa.
Percebe-se, a partir dessa linha de raciocínio, que o poder diretivo do empregador
tem duas origens: uma dita mediata e outra dita imediata. A mediata é a realização
da atividade econômica, ou seja, a livre iniciativa. A imediata, por sua vez, é o
contrato de trabalho.96
92
93
94
95
96
o
Art. 2. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da
atividade econômica, admite, assalaria a prestação pessoal de serviços.
o
Art. 3. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual
a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Considerações sobre a concepção contratual da relação de emprego e outras serão tratadas no
item posterior.
GONÇALVES, Simone Cruxên. Limites do "jus variandi" do empregador. São Paulo: LTr, 1997.
p.15.
BARACAT, Eduardo Milléo. Poder de direção do empregador: fundamentos, natureza jurídica e
manifestações. In: _____ (Coord.). Controle do empregado pelo empregador: procedimentos
lícitos e ilícitos. Curitiba: Juruá, 2008. p.32.
45
Com efeito, o poder de organização da atividade da empresa antecede o
contrato de trabalho, mas o poder de dirigir a prestação de serviços, conferido ao
empregador, somente será originado com a celebração de contrato(s) de trabalho.97
Como exceção a um dos fundamentos mencionados, relembre-se do empregado
doméstico, pois justamente enquadra-se como tal "aquele que presta serviços de
natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito
residencial destas", nos exatos ditames do artigo 1.o da Lei n. 5.859, de 11 de
dezembro de 1972.
Percebe-se, no caso do doméstico, a ausência da origem assinalada como
mediata do contrato de trabalho, pois essencialmente a atividade desenvolvida não
pode ter como finalidade o lucro, ou seja, a pessoa ou a família que se aproveita dos
serviços não pode realizar atividade econômica no âmbito de atuação do empregado
doméstico.
1.3.3
Origem do Poder Diretivo
A doutrina98 não se revela uníssona quanto à origem do poder diretivo do
empregador, são diversos os enfoques apresentados. A maioria dos juristas entende
pelo viés contratual, mas também existem as teorias anticontratualistas.
97
Nesse sentido, ver BARACAT (Idem) e MEIRELES (Poderes do empregador: crítica ao
pensamento dominante. Disponível em: <http://www.unifacs.br.revistajuridica/edicao_novembro2006/
docente/doc2.doc>. Acesso em: 17 jan. 2008); sendo importante mencionar que a doutrina não é
uníssona quanto ao tema, o que será objeto de estudo no item a seguir.
98 Essas teorias podem ser vistas nos estudos mencionados anteriormente e também em MORAES
FILHO, Evaristo de. Do contrato de trabalho como elemento da empresa. São Paulo: LTr, 1993.
p.234-238.; MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo na empresa. São Paulo: Saraiva, 1982.
p.50-63; DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Contrato individual de trabalho: uma visão
estrutural. São Paulo: LTr, 1998. p.65-69; ENGEL, Ricardo José. O jus variandi no contrato
individual de trabalho: estudo teórico-crítico em face de princípios gerais do direito aplicáveis ao
direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p.98-100; SILVA, Leda Maria Messias da. Poder diretivo do
empregador, emprego decente e direitos da personalidade. Revista Jurídica CESUMAR: Mestrado,
Maringá, v.6, n.1, p.271, dez. 2006. Não se pode deixar de lado aqui o entendimento de Márcio
Túlio Viana, que, após refletir sobre as teorias, conclui que cada uma delas explica o poder diretivo
sob um aspecto: "A contratualista revela de onde vem o poder. É o contrato que instrumentaliza a
alienação do trabalho. A da propriedade indica quem exerce o poder. É o empresário, na qualidade de
detentor dos meios de produção. Por fim, a da instituição mostra uma das razões do poder. É uma
necessidade de todo grupo organizado." (VIANA, Márcio Túlio. Direito de resistência: possibilidades
de autodefesa do empregado em face do empregador. São Paulo: LTr, 1996. p.131).
46
A visão anticontratualista99 quanto à origem do poder diretivo deságua em
pelo menos três teorias: a institucionalista, a da relação de trabalho e a da
propriedade privada.
A teoria institucionalista entende que o empreendimento decorre do agrupamento
de indivíduos com finalidades comuns, o que equilibra as forças internas e resulta na
coordenação de atividades. A disciplina resulta da organização interna e o ordenamento
hierárquico se subordina ao ordenamento estatal.100
Amauri Mascaro Nascimento diz: "[...] surge uma instituição toda vez que uma
idéia diretora se impõe objetivamente a um grupo de homens, e as atividades
reciprocamente se autolimitam segundo regras sociais indispensáveis à consecução
de um fim em cuja função a autoridade do todo se constitui e se exerce."101
Octavio Bueno Magano esclarece que os interesses perseguidos pela empresa
não se confundem exclusivamente com os do empresário, como se tem entendido
atualmente. Relata o autor que os interesses da empresa, nessa corrente de pensamento,
assumem variadas identificações, por exemplo: com os membros da comunidade
quando se trata de assegurar o bem comum, com o interesse público porque a empresa
é vista como parte do conjunto produtivo estatal, com os trabalhadores, com os
empregadores porque eles detêm a coordenação geral e respondem pela continuidade
e pelo funcionamento da empresa, com a empresa em si, resultando na limitação
dos papéis do empregador e dos empregados.102
Duas vertentes103 do institucionalismo apareceram: a comunitária e a autoritária.
A comunitária reconhece que a instituição tem um objetivo comum e diferenciado
dos objetivos individuais daqueles que a integram, concluindo-se pela ausência de
desigualdade entre os empregados e o empregador, porque todos atuam de forma a
concretizar, como dito, uma finalidade que lhes é compartilhada. A autoritária, por sua
99
A classificação disposta na pesquisa aparece, por exemplo, em DALLEGRAVE NETO, Contrato
individual..., p 65 e segs.; DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 2.ed.,
2. tir. São Paulo: LTr, 2003. Ressalte-se que Alice Monteiro de Barros classifica as teorias em três
espécies: as contratualistas, retratando o viés tradicional e o moderno, as anticontratualistas, em que
encaixa a teoria da relação de emprego, e a acontratualista, identificando-a com a institucionalização.
100 MAGANO, op. cit., p.54.
101 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 23.ed. São Paulo: Saraiva,
2008. p.601.
102 MAGANO, op. cit., p.54-55.
103 ASSIS, op. cit., p.120-122. Ver também COUTINHO, Poder punitivo..., p.120.
47
vez, liga-se à necessidade de organização da instituição, existindo a necessidade de
uma hierarquia, um posicionamento desigual entre os membros da instituição.
Analisando a CLT, identifica-se a teoria institucionalista, por exemplo, nos
artigos 2.o, 10 e 448, porque trazem a empresa como empregador, quando este, em
verdade, será uma pessoa física ou jurídica.104
As críticas suplantaram a teoria institucionalista por vários fundamentos105.
Não subsiste um objetivo propriamente comum entre empregados e empregadores. Ao contrário, o que sempre se mostrou na prática foram constantes conflitos e
lutas entre tais sujeitos, o que inclusive determinou a evolução do Direito do Trabalho.
No caso do Brasil, como dito em item anterior, a existência da própria Consolidação
das Leis do Trabalho constitui reclame de referidos conflitos de interesses.
Outra crítica reconhecida trata-se de que o poder diretivo fundado na instituição
não abarca as relações empregatícias em que não se verifica a presença de uma
atividade empresarial, ou mesmo de uma empresa que não possui uma organização
vertical e hierárquica plena. No trabalho doméstico, por exemplo, não se teria como
justificar a presença do poder diretivo.
Arrematando, Evaristo de Moraes Filho assevera que a possibilidade de
denominar a empresa de instituição ocorrerá se a referência concebê-la como um
organismo que tende a perdurar indefinidamente, independentemente da duração
das vidas de seus titulares. Diz o doutrinador que é utópico considerar a empresa
como instituição nos moldes que se abordou anteriormente e cita exemplo:
Quem goza da senhoria do mando é o empregador, a quem cabe, soberanamente, nos limites das leis e das demais fontes normativas do direito do
trabalho, imprimir o cunho e dar a direção que quiser ao seu estabelecimento.
Por exemplo, no caso de venda ou traspasse do negócio, não são consultados
os empregados, nem se torna necessária a sua adesão, com ou sem
consentimento expresso. Por isso mesmo é que se constituiu a legislação
do trabalho, tutelar e protecionista de um dos lados do binômio, daquele que
não tem voz ativa na disposição dos bens.106
104
Vislumbra-se a correlação da teoria institucionalista com a CLT em MARTINS, Sérgio Pinto.
Direito do trabalho. 24.ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.83.
105 Quanto às críticas, devem ser consultados MELHADO, Poder e sujeição..., p.65-71; e ASSIS,
op. cit., p.123-124.
106 MORAES FILHO, op. cit., p.252-253.
48
A denominada teoria da relação de trabalho defende que esta surge com a
prestação de serviços, não carecendo do elemento volitivo das partes, notadamente
do empregado. Negada se percebe, portanto, a existência de um negócio jurídico
entre empregador e trabalhador.
Maurício Godinho Delgado, tratando da teoria em questão, define-a como
uma situação jurídica objetiva, ou seja, o "[...] simples fato da prestação de serviços
seria o elemento essencial e gerador de direitos e obrigações na ordem jurídica."107
A vertente de tal pensamento restou sobrepujada pela crítica, porque, por
mais dirigido que seja o contrato de trabalho, denota-se um acordo de vontades
entre empregado e empregador, como se verá a seguir. Ademais, tal teoria não se
coaduna com o ordenamento pátrio na medida em que, por exemplo, o art. 4.o da
CLT trata como serviço efetivo o tempo de aguardo de ordens pelo empregado,
estando à disposição do empregador.
Por certo que ainda no liame anticontratualista, ergue-se a teoria da propriedade
privada, a qual afirma que o poder diretivo do empregador tem origem na propriedade:
"[...] a propriedade como título é o fundamento da empresa."108 O empregador, porque
detém os meios de produção e porque assume o risco da atividade econômica tem o
poder de dirigir a prestação de serviços, assim, formalmente há um contrato entre
empregado e empregador, mas sua principal causa é o direito de propriedade109.
O direito de propriedade, direito sobre as coisas, no entanto, não explica um
comando em relação a pessoas, observação importante quanto ao pensamento da
vertente da propriedade privada. Aldacy Rachid Coutinho, por sua vez, argumenta
que, o fato de o empregador ter o poder, por ser o dono, implica a impossibilidade de
que o delegue a terceiros ou a empregados. Caso existisse participação igualitária na
gestão da empresa e entre o trabalho e o capital, verificar-se-ia a desnecessidade não
só do contrato de trabalho, mas também de sua tutela.110
De outra banda, há a teoria contratualista, devendo como tal ser visualizada
em clássica e moderna.
107
108
109
110
DELGADO, Curso de direito..., p.315.
COUTINHO, Poder punitivo..., p.117.
ENGEL, op. cit., p.99.
COUTINHO, Poder punitivo..., p.117.
49
A visão clássica ou tradicional costuma definir o contrato de trabalho por um
viés civil. Aproximam-no da locação ou arrendamento, da compra e venda, da
sociedade e do mandato.
A idéia de locação ou arrendamento tem sua gênese no Direito Romano111,
por meio dos institutos da locatio operarum e da locatio operis. Respectivamente,
uma pessoa locava seu trabalho para outra, ou, ainda, uma pessoa comprometia-se
a realizar um determinado trabalho ou obra para outra.
Em termos de compra e venda, concebe-se o empregado como vendedor de
seu trabalho para o empregador. O trabalho corresponde a uma mercadoria e o
preço desta seria o salário.
Ambas as teses não podem ser sustentadas porque confundem o trabalhador
com a sua própria força de trabalho. Admitida a locatio operarum como válida,
ratificar-se-ia o trabalho escravo.112
Quanto à compra e venda, ainda, restaria difícil sustentar a característica da
continuidade inerente à relação empregatícia. Em tal concepção, outro caractere
importante tratava-se da autonomia da vontade: as partes estipulariam livremente as
cláusulas objeto da pactuação. Porém, o empregador não pode dispor da força de
trabalho do empregado como dispõe de qualquer outro meio de produção, o trabalhador
não é objeto. Não se confundem, como dito, a pessoa do trabalhador e sua força de
trabalho.113 Urge mencionar a advertência de Alice Monteiro de Barros de proibição
expressa, desde o Tratado de Versalhes, de a força de trabalho ser considerada
como mercadoria.114
A correlação entre contrato de trabalho e contrato de sociedade sustenta que
existe um objetivo comum entre empregado e empregador, ou seja, poder dividir o
resultado da produção. Todavia, não prospera a afirmação porque subordinação não
se confunde com a relação entre os sócios (affectio societatis)115, e também por
causa do contido no art. 2.o da CLT, onde categoricamente está determinado o risco
da atividade econômica como característica do empresário.
111
112
113
114
115
Vide nota de rodapé número 14.
BARACAT, A boa-fé..., p.82.
Ibidem, p.82-83.
BARROS, Curso de direito..., p.216.
Nesse sentido, ver, por exemplo: BARROS, Curso de direito..., p.217; DELGADO, Curso de
direito..., p.310.
50
Ainda na visão tradicional, a teoria do contrato de trabalho como mandato.
Tendo em vista a confiança que permeia a relação de emprego, o empregador seria
o mandante e o empregado, o mandatário. A recusa da teoria é óbvia. O primeiro
argumento está galgado no sentido de que somente nos cargos de confiança as
relações de trabalho transferem ao empregado poderes de mando ou de gestão
característicos de um mandatário. Por outro lado, o mandato aceita revogação a
qualquer tempo e nos contratos de trabalho a rescisão tem impedimentos, citando-se
como exemplo os trabalhadores estáveis.116 Finalmente, o mandato pode ser
gratuito e o contrato de trabalho detém como um de seus requisitos a onerosidade.
Finalmente, o pensamento contratualista moderno, pelo qual não se vincula o
contrato de trabalho a um contrato civil específico como antes se tentou, em vista da
autonomia do Direito do Trabalho.
As partes declaram, ajustam suas vontades117 quanto às condições de trabalho
e o contrato se desenvolverá de acordo com tais definições. O contrato, dessa forma –
visto como um negócio jurídico – cria uma relação jurídica, existe antes da relação
de emprego e não apenas corresponde a ela.118
A vontade livre resgata a dignidade do ser humano, uma vez que superado o
trabalho escravo, forçado. O trabalhador se vincula ao empregador na relação jurídica
de trabalho por meio da manifestação de sua liberdade, de sua vontade de trabalhar
sem que isto lhe tenha sido imposto.119
O poder diretivo do empregador passa a ter sua sede no contrato de trabalho,
ou seja, é tal contrato que determina a possibilidade de que a entidade patronal dirija a
116
Igualmente, verificar: BARROS, Curso de direito..., p.216; DELGADO, Curso de direito...,
p.309-310.
117 A visão do contrato de trabalho como espécie de negócio jurídico, ou seja, em que se faz
presente a vontade das partes contratantes se trata é majoritária na doutrina, citando-se como
exemplos: DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho.
2.ed. São Paulo: LTr, 2007. p.57; DELGADO, Curso de direito..., p.12; GOMES, Orlando;
GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. 17.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
p.122.; MAGANO, op. cit., p.50.; NASCIMENTO, Curso de direito..., p.561; LÓPEZ; ROSA, op.
cit., p.651; VIALARD, Antonio Vazquez. Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social. 9.ed.
Buenos Aires: Astrea, 2001. Tomo I. p.319.
118 DALLEGRAVE NETO, Contrato individual..., p.69.
119 COUTINHO, Função social..., p.33-34.
51
prestação de serviços do empregado. Duas posições correlatas: o trabalhador com seu
dever de obediência e o empregador, estabelecendo o conteúdo do trabalho prestado.120
Refletindo sobre a natureza contratual da relação de emprego, Amauri Mascaro
Nascimento diz que o vínculo entre empregado e empregador é uma relação jurídica
porque há uma relação social que liga tais sujeitos, mostrando-se regulada por normas
jurídicas. Afirma o autor ser a relação jurídica mencionada negocial, porque nela se
identifica a vontade das partes, especialmente no momento da formação do vínculo
jurídico. O elemento volitivo continuará subsistindo durante a execução da relação
contratual, ainda que de maneira mais esparsa, pois as partes precisam respeitar as
disposições legais e coletivas que versam sobre a relação empregatícia, o que,
contudo, não impedirá a fixação de regras por livre estipulação.121
Importante destacar que a vontade das partes não é ilimitada, ante as
peculiaridades que envolvem a relação contratual: o empregado presta serviços ao
empregador de forma não eventual, subordinado e pessoalmente, além de receber
uma contraprestação por isso (onerosidade). Percebe-se que a principal diferença
entre a relação contratual empregatícia e as demais não está no objeto, mas na
maneira como ele se realiza na prática.122 Com efeito, sequer se afirma que já um
conteúdo específico, porque a atividade a ser realizada pelo empregado vai sendo
preenchida ao longo do tempo dentro da relação, o que importa, contudo, trata-se da
especialmente da subordinação, elo entre o empregado e o empregador durante a
realização da atividade.
120
Magano afirma que o contrato de trabalho permite supor o conceito de subordinação e de poder
diretivo. O doutrinador ainda completa as informações sobre a concepção contratualista dizendo
que existem duas correntes: a unitarista e a dualista. A primeira estaria baseada no pensamento do
italiano Renato Corrado, para quem o contrato de trabalho, além de ser a gênese das obrigações
nele contidas, permitiria o surgimento de outras, nele implícitas, por causa do poder diretivo do
empregador. A segunda corrente, dos dualistas, afirma que as obrigações especificadas no contrato
não se confundem com aquelas decorrentes do poder diretivo, pois este se consubstanciaria num
direito potestativo do empregador, ao qual o empregado se ligaria passivamente, ou seja, a ele se
sujeitaria. Não haveria uma obrigação do empregado que a tal direito potestativo correspondesse,
pois a obrigação de prestação de serviços corresponderia ao direito subjetivo do empregador de
exigir tal prestação. Verificar: MAGANO, op. cit., p.50- 53.
121 NASCIMENTO, Curso de direito..., p.606/608.
122 DELGADO, Curso de direito..., p.313.
52
O contrato se perfaz dentro de um sistema tuitivo de normas e de ajustes
coletivos, por conta da flagrante desigualdade de posições entre as partes envolvidas
no vínculo contratual empregatício. Suplanta-se a autonomia da vontade, um dos
ícones do Estado Liberal, individualista, preocupado muito mais com a propriedade,
pela autonomia privada.
Há na doutrina123 quem classifique o contrato de trabalho como de adesão,
justamente por conta dessa posição quase complementar do ajuste das partes, ante
a gama de disposições legais e convencionais mencionadas. A CLT, no artigo 444,
justamente disciplina o tema.124
Os exemplos mais claros de negociação concernem ao valor do salário e
também ao horário de trabalho. Identificam-se, ainda, casos em que as condições de
trabalho têm maior negociação, por exemplo, altos executivos, ou mesmo trabalhadores
altamente especializados.
Ricardo Marcelo Fonseca afirma que o Direito do Trabalho brasileiro é marcado
pelo modelo contratual125, considerando a existência da autonomia da vontade mitigada,
no vínculo estabelecido entre empregado, por obrigações do próprio aparato legislativo
em alguns aspectos. O autor faz uma digressão histórica a respeito do trabalho o
Brasil, citando a escravidão, o estrangeiro livre, ou seja, os imigrantes do final do
século XIX, os movimentos de reivindicação operária que foram surgindo por conta
da posterior urbanização e o seu tratamento violento advindo do Estado. Relata a
Revolução de 1930, Getúlio Vargas e, finalmente, a edição da Consolidação das
Leis do Trabalho em 1943, o marco para o tratamento legal (e contratual) das
relações de trabalho, bem como o instrumento pacificador dos conflitos socais, da
violência e opressão dos patrões em relação aos empregados vistos até então.
123
Nesse sentido, ver BARROS, Curso de direito..., p.219. Ressalte-se o posicionamento em
sentido contrário de Aldacy Rachid Coutinho, afirmando que no contrato de adesão a vontade de
uma das partes é limitada pela manifestação da vontade da outra parte. Um dos contratantes,
normalmente o mais forte economicamente, apresenta cláusulas prontas, uma pactuação
elaborada previamente, a ser simplesmente aderida pela outra parte. Diz a autora que no contrato
de trabalho, por sua vez, a limitação é imposta a ambos contratantes, especialmente ao
empregador, pela intervenção estatal em nome do interesse público. (COUTINHO, Função
social..., p.37-38).
124 Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes
interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, às
convenções coletivas que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
125 FONSECA, op. cit., p.130-135.
53
A doutrina estrangeira que defende o viés contratual da relação de emprego,
assim se manifesta: "[...] saiu reforçado o contrato de trabalho porque não há melhor
instrumento que o contrato para proteger os interesses patrimoniais e para
responsabilizar as partes de seus próprios compromissos."126
Convém relembrar as informações de Sérgio Pinto Martins, que adverte
apresentar a CLT um misto de teorias. Diz o doutrinador que o disposto no artigo 442
revela passagens de institucionalismo – quando se refere à relação de emprego – e
contratualismo – ao mencionar acordo tácito ou expresso – por conta da comissão
de seu projeto, formada por adeptos de ambas teorias. Continua explicando outros
artigos da CLT relacionados ao contratualismo, tais como os de números 444 e 468,
em que aparecem locuções ligadas à manifestação da vontade das partes.127
Registra-se posicionamento doutrinário que não aceita o contrato de trabalho
como negócio jurídico, por pelo menos dois motivos: a exigência de manifestação da
vontade dos contraentes e a por causa da teoria das nulidades.128
Eduardo Milléo Baracat assevera o trabalhador não manifesta sua vontade
quando da contratação, diz, ainda, que muito menos é livre tal vontade, pois não se
vislumbra o empregado discutindo sequer o valor do que receberá como contraprestação,
quanto mais negociando outras condições do vínculo – pelo menos não na maioria dos
contratos de trabalho, excetuando os altos empregados.129 O autor explica a vontade
do trabalhador como fenômeno social, diz que quando este aceita uma proposta de
trabalho "[...] não o faz em seu nome, nem manifesta um atributo de sua alma; ele
expõe, na verdade, a vontade do conjunto das relações sociais nas quais vive."130
126
127
128
129
130
LÓPEZ; ROSA, op. cit., p.653. Livre tradução de: "[...] salió reforzado el contrato de trabajo
porque no hay mejor instrumento que el contrato para proteger los intereses patrimoniales y para
responsabilizar a las partes de sus propios compromisos."
MARTINS, S. P., op. cit., p.87. O art. 468 da CLT assim expressa: "Nos contratos individuais de
trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda
assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de
nulidade da cláusula infringente desta garantia."
BARACAT, A boa-fé..., p.86 e segs. Ver, também, as considerações do mesmo autor no texto
Fontes das obrigações trabalhistas. In: DALLEGRAVE NETO, José Affonso; GUNTHER, Luiz
Eduardo; POMBO, Sério Luiz da Rocha (Coord.). Direito do trabalho: reflexões atuais. Curitiba:
Juruá, 2007. p.159-180.
Idem.
BARACAT, A boa-fé..., p.112.
54
Quanto às nulidades, o autor trata de alguns exemplos, sendo um deles a
contratação de menor de 16 anos. Situação na qual não se reconheceria direito a
CTPS anotada, a férias, a décimo terceiro, a FGTS e outras parcelas trabalhistas,
bem como não se contaria o tempo de serviço para aposentadoria, porque o agente
não apresentaria capacidade para o Direito do Trabalho, sendo nulo o negócio jurídico,
nos termos do artigo 104, I do Código Civil, interpretado concomitantemente com o
artigo 7.o, XXXIII da Constituição Federal.131
Após apresentar e analisar soluções conferidas pela doutrina e mesmo pela
jurisprudência, que ora reconhece os efeitos ex tunc das nulidades, ora os efeitos
ex nunc, Baracat faz sua crítica, defendendo que amoldar o contrato de trabalho
como espécie de negócio jurídico é como um retrocesso para o Direito do Trabalho,
justificando que a propalada autonomia de tal ramo em relação ao Direito Civil não
se consolidaria. Isso porque, historicamente, a autonomia entre os dois ramos do
Direito justifica-se pelo rompimento das regras calcadas no individualismo jurídico do
Estado burguês para ascensão do bem comum, por meio de "[...] novas categorias e
normas, fundamentadas nas idéias de empresa, empregador, instituições representativas, relações coletivas, etc."132
Em contrapartida, José Affonso Dallegrave Neto, fazendo uma digressão histórica
sobre os negócios jurídicos, reafirma a aplicação de sua estrutura geral aos contratos
de trabalho, ante o paradigma de solidarismo constitucional hodierno, bem como das
cláusulas gerais como boa-fé e função social dos contratos e por que não mencionar
o abuso de direito.133
131
BARACAT, A boa-fé..., p.123. Transcrevem-se, ainda, os artigos de lei citados na passagem:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
o
Art. 7. Omissis
[...]
XXXIII - XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de
qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de
quatorze anos; (redação conferida pela Emenda Cosntitucional 20/98)
[...]
132 Ibidem, p.135-136.
133 DALLEGRAVE NETO, Responsabilidade civil..., p 53-58.
55
O autor explica o surgimento da idéia de negócio jurídico a partir da escola
pandectista alemã, precursora de um profundo abstracionismo, propagadora da
igualdade meramente formal das partes contratantes, resultando na excessiva
valorização da autonomia da vontade de tais personagens – a jurisprudência dos
interesses. Considerando necessárias a justiça comutativa e a igualdade também
material, surgem intervenções do agora denominado Estado Social e a autonomia
privada, como dito, supera a autonomia da vontade.
Repensa-se o ordenamento pelo viés constitucional, um norte inspirado pela
dignidade da pessoa humana, pelo solidarismo e pela ética, impregnado de
considerações sobre o progresso social. A influência de tais axiomas no Código Civil
de 2002 é visível para o autor, no qual continuam presentes a acepção do negócio
jurídico e sua regulação, mas assentes nos valores constitucionais mencionados,
demonstrando a passagem da jurisprudência dos interesses para a jurisprudência
dos valores, ocorrendo o denominado dirigismo contratual.
Dallegrave Neto define:
[...] pode-se dizer que o contrato de trabalho é uma relação jurídica complexa,
dinâmica e solidária, mas também é visto como espécie de negócio jurídico
bilateral, não em sua acepção liberal – até porque o elemento volitivo é
abruptamente mitigado por se tratar de um contrato dirigido e de adesão –
mas em concepção solidarista, que reconhece o sujeito de direito não como um
ser abstrato e virtual, mas concreto e economicamente desigual, merecendo
tutela jurídica a partir dessa desigualdade.134
Quanto aos problemas das nulidades, o autor ressalva a existência de incompatibilidades entre os institutos dos negócios jurídicos e os do Direito do Trabalho,
afirmando que elas ocorrem até mesmo em relação a outros contratos e institutos,
citando como exemplo a eficácia do casamento em relação aos filhos e aos terceiros
de boa-fé.
134
DALLEGRAVE NETO, Responsabilidade civil..., p.57.
56
1.3.4
Poder Diretivo e Subordinação
Relacionando-se os artigos 2.o e 3.o da CLT135, uma das principais conclusões
a que se chega é a existência de subordinação na relação empregatícia. Como dito
no item anterior, a dependência do empregado em relação ao empregador constitui um
dos traços diferenciadores do contrato de trabalho em relação aos demais contratos
concebíveis. Orlando Gomes e Elson Gottschalk asseveram sobre subordinação:
[...] é requisito não somente de prestação, como, ainda, o elemento caracterizador do contrato de trabalho, aquele que melhor permite distingui-lo dos
contratos afins. Sua extraordinária importância decorre do fato de ser o
elemento específico da relação de emprego [...].136
A legislação brasileira não define o que seria a "dependência" da qual se
extrai a existência da subordinação. O legislador, portanto, não trata de definir se a
subordinação é econômica, técnica ou jurídica. A concepção a respeito do significado
de dependência para a legislação pátria coube à doutrina.
Analisando-se o tema, contudo, tem-se que a subordinação não pode ser
vista como meramente dependência econômica, técnica ou social.137
Quanto à dependência econômica, justificar-se-ia pelo fato de o salário significar
o meio (exclusivo ou principal) de subsistência do trabalhador. Sem embargo, há
casos em que o trabalhador possui uma condição econômica de mais expressividade
135Art.
o
2. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da
atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
o
§ 1. Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os
profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições
sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
[...]
o
Art. 3. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não
eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
136 GOMES; GOTTSCHALK, op. cit., p.85. Na mesma linha de pensamento, podem ser citados como
exemplos: VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos.
3.ed. São Paulo: LTr, 2005. p.515; MARTINS, S. P., op. cit., p.128-129; CORDEIRO, Menezes.
Manual de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 1999. p.127; SILVA, Otavio Pinto e. Subordinação,
autonomia e parassubordinação nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2004. p.13-14.
137 Sérgio Pinto Martins disciplina não ser a subordinação um status do empregado, mas conseqüência
da atividade que este presta ao empregador. Logo a seguir, cita as espécies de subordinação que
entende existentes: econômica, técnica, moral, social, hierárquica, jurídica, objetiva, subjetiva, estrutural,
direta ou imediata, indireta ou mediata, típica, atípica. (MARTINS, S. P., op. cit., p.129-131).
57
que o seu empregador. Outras ocorrências denotam que o trabalhador se dedica a
outra atividade que lhe rende além do trabalho subordinado. Pense-se em alguém
que, além de trabalhar por conta alheia numa empresa qualquer, faz artesanato e o
comercializa em feiras e outras exposições.
Orlando Gomes e Elson Gottschalk lembram também os trabalhadores que
laboram para mais de um empregador, ou seja, quando há concorrência de contratos
de trabalho. Questionam se a dependência econômica seria em relação àquele
emprego que paga o salário maior e concluem negativamente, dizendo que o trabalhador
se aproveita do que recebe em todos os empregos para poder sobreviver.138
No Brasil, a ocorrência de contratos de trabalho para mais de um empregador
mostra-se possível, por exemplo, quanto aos contratos a tempo parcial e também
para os trabalhadores que laboram sob o regime de jornada 12 x 36. No que toca à
realização de outra atividade além daquelas caracterizadas como uma relação
empregatícia para complemento da renda, não são raras as pessoas que vendem
artesanato, cosméticos e outros diversos produtos por catálogos, doces e salgados
caseiros, fazem peças de design e publicidade, traduções e tantas outras atividades
realizadas sem a configuração do vínculo empregatício. No jargão popular, fala-se em
"criatividade" para obter renda complementar e conferir mais dignidade à subsistência
própria, assim como do seio familiar.
Dessa maneira, embora seja permitido dizer que a maioria das relações de
emprego possui uma dependência econômica, não se pode utilizar do vocábulo
"todas". De outra banda, os proventos de ordem econômica também ocorrem sem a
presença de um vínculo empregatício, notem-se as diversas atividades citadas.
Adentrando-se o tema da dependência técnica, concebe-se como a orientação
técnica139 do serviço passada pelo empregador ao empregado. Ao empregador
caberiam os conhecimentos técnicos e científicos para a realização do trabalho.
No mundo atual, ainda, não raras vezes a qualificação técnica de um trabalhador
é muito maior que a de seu empregador. Nesse caso citem-se vários exemplos, como
os pesquisadores da área de saúde contratados para trabalhar em laboratórios,
138
139
GOMES; GOTTSCHALK, op. cit., p.135.
Ibidem, p.138. Os autores registram que sua confusão com uma dos aspectos da subordinação
jurídica (tratada logo a seguir) é patente, porque se trata da hierarquia pela qual o empregador
especificará o modo de execução do trabalho.
58
engenheiros da construção civil, um advogado que trabalha no jurídico interno de
uma empresa, enfim, uma gama de profissionais que, pela própria exigência de
qualificação imposta pelo mercado de trabalho, têm mais conhecimentos sobre uma
determinada área do que o empregador.
A dependência social funde os dois critérios, quais sejam o econômico e o
jurídico. O contrato de trabalho normalmente conteria subordinação econômica e
jurídica, sendo excepcionalmente presentes uma ou outra.140O critério não se perfaz
suficiente, porque a dependência econômica existe mais como um suporte fático na
relação de emprego, como dito, ainda que o empregado não dependa economicamente
do empregador, subsiste a subordinação jurídica, adiante tratada.
A subordinação mais aceita nos dias de hoje a justificar a sujeição do empregado
ao empregador é aquela denominada como jurídica, pela qual o empregado cumprirá
as ordens emanadas pelo empregador ou por seus prepostos. Alfredo Montoya Melgar
ressalta que "O poder de direção do empresário, aspecto ativo da situação de
dependência jurídica do trabalhador no contrato de trabalho, é fator definidor das
relações laborais e, com elas, de todo o Direito do Trabalho."141
Tais ordens não são ilimitadas, pois ao empregador cabe a "capacidade [...]
de dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador, visando à realização das finalidades da empresa"142, ou seja, trata-se de capacidade limitada, devendo ser exercida
na medida de sua finalidade, estando esta certamente ligada à sustentabilidade
da empresa.
Em verdade, de um lado tem-se que ao empregador é lícito, é necessário este
poder de comando a fim de que a empresa possa ser organizada e atinja sua
finalidade econômica143. De outro lado, tem-se que o empregado está subordinado
ao empregador e necessária se faz sua sujeição a tal poder diretivo.
140
141
GOMES; GOTTSCHALK, op. cit., p.139.
MELGAR, El Poder..., p.135. Livre tradução de: "El poder de dirección del empresario, aspecto
activo de la situación de dependencia jurídica del trabajador en el contrato de trabajo, es factor
definidor de las relaciones laborales y, con ellas, de todo el Derecho del Trabajo." Quanto à
subordinação jurídica, também devem ser consideradas as explanações de Délio Maranhão em
MARANHÃO, Délio et al., Instituições de direito do trabalho. 20.ed. São Paulo: LTr, 2002. v.1.
p.239-242.
142 BARROS, Curso de direito..., p.551. Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena relembra que, quanto à
subordinação jurídica,deve ser exercida nos limites objetivos do contrato. (VILHENA, op. cit.,
p.517). A mesma orientação renova Délio Maranhão (MARANHÃO et al., p.241).
143 GONÇALVES, op. cit., p.100-101.
59
Ocorre que tal sujeição deve ser pautada por limites, como já dito. De fato, as
mudanças econômicas refletem mudanças nas relações que contemplam esse poder.
"Não se pode esquadrinhar a ciência jurídica divorciada do modo de produção e do
modelo de Estado a ela subjacente."144 Como demonstrado, cada vez se concebe
como mais difícil definir o significado de subordinação.
Relembre-se aqui, desde logo, um dos princípios da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), constante da Declaração de Filadélfia: "o trabalho não é uma
mercadoria". Não se pode confundir o trabalho com mercadoria. "O trabalho, como
causa primária de todas as mercadorias, não pode ser idêntico ao seu produto.
É uma atividade potencial, capaz de produzir por si própria. Materializa-se no objeto
que produz ou transforma."145
Em relação aos aspectos tratados como de subordinação jurídica, tem-se
concebido que são carregados de intersubjetividade, de pessoalidade.146 Por isso
mesmo que a doutrina os tem considerado como subordinação jurídica subjetiva,
personalista ou hierárquica.147
Ricardo Marcelo Fonseca, por sua vez, intenciona distinguir subordinação
jurídica de subordinação pura e simples, pergunta-se o autor se a diferenciação
existe.148 Explica o autor que o direito não criou o trabalho subordinado e, portanto, a
subordinação jurídica, pois a subordinação já existia no mundo dos fatos e foi
regulada pelo direito, que para ela traçou limites formais, adjetivando-a de jurídica.
Convergindo com essa idéia, há a dicção de Alfredo Montoya Melgar, para
quem nem a dependência do trabalhador nem o poder diretivo do empregador são
criações da lei, ambos se configuravam como exigências da realidade socioeconômica;
diz o autor que sem o trabalho dirigido, não é possível a produção. Assim, o direito,
quando regula tais situações, está nada mais nada menos que conferindo uma
natureza jurídica a fenômenos da realidade social e econômica.149
144
145
146
147
148
149
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Análise de conjuntura socieconômica e o impacto no direito do
trabalho. In: _____ (Coord.). Direito do trabalho contemporâneo: flexibilização e efetividade.
São Paulo: LTr, 2003. p.8.
NASCIMENTO, Curso de direito..., p.590.
VILHENA, op. cit., p.517.
GUNTHER, Luiz Eduardo; ZORNIG, Cristina Maria Navarro. O vínculo empregatício e o requisito
da subordinação. Bonijuris, Ano XVI, n.484, p.13, mar. 2004.
FONSECA, op. cit., p.138.
MELGAR, El Poder..., p.135.
60
Ainda quanto ao tema subordinação, uma outra corrente se erigiu: a da
concepção objetiva.
Os pensadores do assunto explicam a existência de subordinação pela
prestação de serviços; segundo eles, importam a atividade desenvolvida e o modo
como ela se realiza, não a sujeição pessoal do empregado em relação ao empregador.
"Portanto, a subordinação não seria confundida com submissão a horário, controle
direto do cumprimento de ordens etc, importando, sim, a possibilidade que assiste
ao empregador, de intervir na atividade do empregado."150
Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena explica a construção conceitual do tema sob
vários ângulos. No primeiro deles, aduz que a atividade e o trabalhador não se
separam, todavia, à empresa importa a atividade. Assim, diz haver relação imediata da
empresa com o trabalho e mediata com o indivíduo. A seguir, afirma que o fundamento
da interferência do poder do empregador na conduta do empregado visa à atividade
deste, hierarquicamente, portanto, o poder de direção deve ser exercitado para adequar
o labor do empregado à atividade empresarial. Explica também o acoplamento,
integração, inserção da atividade do trabalhador na do empreendimento, por isso
mesmo, respeitando-se a função ocupada, diz que suas tarefas seriam exercitadas por
meio de atos autônomos, cabendo orientação do empregador. Existiria uma dependência
da atividade da empresa em relação à atividade do empregado, denotando-se a
inserção de uma atividade noutra atividade e não de uma pessoa noutra pessoa.151
Maurício Godinho Delgado explica que o conceito dependência está ligado ao
pessoal, ao subjetivo e que a subordinação que emana do contrato de trabalho é
objetiva, "[...] atua sobre o modo de realização da prestação e não sobre a pessoa
do trabalhador."152
Para a corrente que considera a subordinação como de caráter objetivo, o poder
diretivo do empregado encontrará limite de fácil identificação: deve atuar somente na
atividade do empregado153, de modo a orientá-la, defini-la, desenvolvê-la. Desta forma,
não se justificam intervenções do poder diretivo do empregador que venham a
espraiar efeitos na pessoa dos empregados.
150
151
152
153
GUNTHER; ZORNIG, op. cit., p.15.
VILHENA, op. cit., p.522-523.
DELGADO, Curso de direito..., p.301.
VILHENA, op. cit., p.524.
61
Aproveitando-se do eixo contratual visto no item anterior, de que há negócio
jurídico entre empregado e empregador, pode-se defender a repersonalização de
referidos sujeitos, especialmente do empregado, de modo a dizer que entre eles existe
uma relação jurídica "[...] complexa, dinâmica e solidária, [...] vendo o empregado
não apenas como sujeito abstrato de direito, mas também como cidadão que detém
valor e uma pletora de direitos fundamentais."154 Neste caso, patrimônio e pessoa
não se confundem, devendo sempre esta ser servida por aquele e não o contrário,
de forma a erigir a dignidade da pessoa humana como norte, o que refletirá na
proteção dos direitos de personalidade do trabalhador.
Ainda que sejam várias as concepções sobre a subordinação, traço marcante na
relação entre empregado e empregador, é sensível a preocupação com os direitos
de personalidade dos empregados, os quais, não raras vezes, como se verá, são
afrontados pela atuação abusiva do poder diretivo do empregador.
1.3.5
Natureza Jurídica do Poder de Direção
Quanto à natureza jurídica do poder de direção do empregador, vários entendimentos se fazem presentes, sendo estudados a seguir.
Aparece a definição de poder diretivo como direito potestativo do empregador,
ou seja, ao exercício do direito do empregador nada pode ser oposto, produzirá
efeitos pela mera declaração de vontade de seu titular, o sujeito passivo da relação
estaria num completo estado de sujeição, ou seja, deve suportar a produção dos
efeitos jurídicos inerentes ao direito potestativo.155 Porém, o poder de direção, ao
longo dos anos, vem sofrendo limitações.
Menezes Cordeiro adverte que a consolidação do poder diretivo como direito
potestativo demonstra uma "excessiva simplificação"156. Isso porque, a direção da
154
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Notas sobre a subordinação jurídica e a função social da
empresa à luz do solidarismo constitucional. In: GEVAERD, Jair; TONIN, Marta Marília (Coord.).
Direito empresarial e cidadania: questões contemporâneas. 3. tir. Curitiba: Juruá, 2006. p.204-207.
155 A respeito dessa definição, verificar os ensinamentos de NASCIMENTO, Amauri Mascaro.
Iniciação ao direito do trabalho. 33.ed. São Paulo: LTr, 2007. p.225; ASSIS, op. cit., p.60-61.
156 CORDEIRO, M., op. cit., p.662.
62
atividade do empregado pelo empregador encerra uma complexidade de relações,
de poderes, de pretensões e de encargos.157
Utilizando-se dessa idéia, Rui Assis ainda considera que, embora haja a sujeição
do empregado em relação ao empregador, assim como existe a sujeição do quem
sofre os efeitos do exercício do direito potestativo, essas sujeições são diferentes.
No caso do contrato de trabalho, a sujeição tem se afigurado como construção ampla
da doutrina, e quem define o poder diretivo como direito potestativo tem a idéia de
que o empregador atua de forma a constituir as obrigações do trabalhador, e não
apenas especificá-las.158
Realmente, a idéia de direito potestativo não comporta toda a estrutura do
poder diretivo do empregador e de sua relação com o empregado porque este se
obriga a trabalhar nos moldes que forem exigidos e preenchidos pelo poder diretivo.
Não é uma obrigação de trabalhar qualquer, genérica ou abstrata e até mesmo
inexeqüível, mas de acordo com o especificado pelo empregador.159
Outros doutrinadores160 entendem que o poder diretivo é um direito-função, ou
seja, um "direito com fins altruístas, que deve ser cumprido segundo a sua finalidade,
da maneira mais útil possível pela pessoa habilitada."161 Há uma gradual interferência
e participação dos trabalhadores na decisões da empresa, existindo, igualmente,
uma função determinada pelas normas jurídicas, que o titular deverá realizar.162
157
158
159
160
161
162
Idem.
ASSIS, op. cit., p.61. Cita o autor, ainda, que adepto dessa concepção é Alfredo Montoya Melgar.
Importante mencionar que se tornam identificáveis três espécies de direitos potestativos: os
constitutivos, criadores de uma relação jurídica (v. g. servidão de passagem); os modificativos,
tendentes a modificar uma relação jurídica existente e que perdurará (v.g. separação judicial de
pessoas e bens); os extintivos, que tendem a extinguir uma relação jurídica existente (neste caso,
pode-se colocar como exemplo a rescisão do contrato de trabalho). Quanto a tais considerações,
verificar PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria geral do direito civil. 3.ed. atual. 11. reimp.
Coimbra: Coimbra Editora, 1996. p.175-176.
VIANA, Direito de resistência..., p.134.
A título de exemplo, devem ser conferidas as considerações de Alice Monteiro de Barros (op. cit.,
p.553-554), Octavio Bueno Magano (op. cit., p.30-31), Vilhena (op.cit., p.261-262).
BARROS, Curso de direito..., p.553-554.
NASCIMENTO, Iniciação..., p.225.
63
Embora haja um avanço, especialmente se considerados os paradigmas do
dirigismo contratual hodierno, a existência da valorização da dignidade da pessoa
humana e de cláusulas gerais como a boa-fé objetiva, a função social dos contratos,
ainda assim essa concepção não consegue absorver o tema porque o interesse que
existe no âmbito empresarial não é supra-individual ou superior, não está atrelado a
terceiros, mas à própria organização de tal atividade empresarial.163
Há expressivo número de doutrinadores que entendem o poder diretivo como
direito subjetivo.164
Quanto ao alcance do direito subjetivo, verificam-se algumas vertentes na
doutrina, sendo importante entender o significado, a fim de se avaliar o encaixe do
poder diretivo como tal (ou não). A primeira delas, consubstanciada na teoria da
vontade, cujo principal precursor foi Windscheid, compreende o direito subjetivo como
decorrente do elemento volitivo, como poder de agir de acordo com o assegurado
pela norma jurídica, que traça os limites de ação para a vontade. A segunda teoria,
calcada na teoria do interesse, de Ihering, diz que o direito subjetivo traduz-se num
interesse tutelado pelo ordenamento jurídico, ou seja, somente toma corpo quando a
vontade encontra uma finalidade prática para agir. Citam-se como exemplos o doente
mental, o menor que, não tendo vontade, têm direitos, os quais serão realizados
pela representação. A terceira teoria, por sua vez, é denominada mista, pois abarca
tanto a vontade como a finalidade do exercício desta: a vontade manifesta-se de
acordo com alguma finalidade, visando a sua realização.165
Luis Recasèns Siches explica ser a expressão "ter direito a" sinônima de direito
subjetivo. Analisa o autor três espécies de direito subjetivo a partir de exemplos,
como a seguir se aborda.166
Em relação às expressões "ter direito a professar crenças que entender como
adequadas ou ter direito a conservar e desfrutar de coisa própria", o autor diz que o
direito subjetivo é o reverso material dos deveres jurídicos de terceiros, sendo imposto
163
164
COUTINHO, Poder punitivo..., p.72.
Nessa concepção, conferir: VIANA, Direito de resistência..., p.135; GOMES; GOTTSCHALK,
op. cit., p.133.
165 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004. p.34-35.
166 A despeito das categorias que serão tratadas, ver: SICHES, Luis Recasèns. Introducción al
Estudio Del Derecho. 14.ed. Mexico: Porrúa, 2003. p.140-144.
64
pela norma, independentemente da vontade do titular do direito. O correto, na idéia
do autor, seria afirmar ter a liberdade de professar a crença ou conservar e desfrutar.
As demais pessoas devem se abster de qualquer atitude de interferência na faculdade
do titular do direito subjetivo, há um direito contra todas as demais pessoas. Neste
caso, a repreensão em situação de ataque ao direito subjetivo não dependerá
exclusivamente da vontade do titular, ocorrendo sua proteção até mesmo de ofício
pelos Poderes Públicos.
A outra categoria de direitos subjetivos encerra aqueles que dependem da
vontade do titular quanto à proteção e ao exercício: direitos subjetivos como pretensão.
Aqui se enquadram as expressões "ter direito a ver devolvido um objeto emprestado,
ter um direito de crédito". O direito subjetivo a ser exercido vislumbra destinatário(s)
certo(s) e o titular tanto está autorizado a agir de determinada maneira, quanto pode
exigir prestações, ações de outras pessoas, os sujeitos passivos das obrigações,
usufruindo do aparato jurídico caso necessário.
A última denomina direito subjetivo o poder de formação jurídica. Significa
entender que o titular do direito pode criar, modificar ou extinguir certas relações
jurídicas. Encaixam-se nesse entendimento: os capazes, porque podem celebrar
contratos, o proprietário de um bem, pois pode doar ou mesmo destruí-lo, o credor
porque pode ceder seu crédito a outrem. Os atos do titular do direito funcionam como
produtores de normas jurídicas gerais e particulares. Geral seria o resultado das
eleições, particulares as cláusulas de um contrato.
Esclarecidos esses pontos, percebe-se a gênese da concepção da relação de
emprego como direito subjetivo na segunda espécie, do direito subjetivo como
pretensão. Existiria uma pretensão-obrigação, uma matriz obrigacional na relação de
emprego. Para aqueles que defendem o contrato de trabalho como negócio jurídico,
identidade da relação de emprego com o terceiro aspecto demonstrado também
ocorreria, porque as partes, ao contratarem, formulariam as cláusulas de tal
pactuação, normas jurídicas particulares.
O direito de crédito do empregador em relação ao empregado, ou seja, de exigir
deste a prestação de serviços (débito), explicaria a natureza de direito subjetivo
do poder de direção. Mas não só. O empregado também possui o crédito junto ao
empregador, pois, em troca da prestação de seu serviço, receberá um salário.
65
Percebe-se que, diferente de outras relações, nas quais o sujeito ativo
consubstancia-se no credor e o sujeito passivo no devedor de forma estanque, no
contrato de trabalho há uma complexidade de relações, pois as figuras de credor e
devedor localizam-se tanto no empregador quanto no empregado, dependendo do
ângulo que se toma a relação.
Rui Assis, defensor da corrente do poder diretivo como direito subjetivo, explica
que o contrato de trabalho tem peculiaridades, como a mencionada correlação de
créditos e débitos para empregado e também para empregador. Diz o autor que a
relação de trabalho implica, de forma relevante, a pessoa do trabalhador, o que
dificulta em grande monta a equiparação, a equivalência dos vínculos obrigacionais
entre as partes contratantes. A seguir, o autor também identifica o empregador como o
principal na relação de crédito, isso por causa do seu poder em face da subordinação
do empregado. Defende, por fim, que a relação empregatícia não se compreende
tão-somente como mero negócio bilateral, mas como uma relação jurídica complexa.167
A principal das críticas feitas à concepção do poder diretivo como direito subjetivo
pode ser verificada na correspondência entre direito subjetivo e a atuação da autonomia
privada, aquele como manifestação desta. Como assevera Carlos Alberto da Mota
Pinto, direito subjetivo é sinônimo de liberdade de atuação e poderes, assim entendidos
os poderes-deveres ou poderes funcionais, que não englobam tal liberdade de
atuação, porque "[...] não podem ser exercidos se o seu titular quiser e como queira,
mas devem ser exercidos pelo modo exigido pela função do direito. Se não forem
exercidos quando deviam sê-lo, ou forem exercidos de outro modo, o seu titular
infringe um dever jurídico e é passível de sanções."168 [destaques no original]
Partindo também desta premissa de que a relação de emprego é complexa,
levanta-se corrente de que a natureza jurídica do poder de direção do empregador é
de situação jurídica subjetiva.169
167
168
169
ASSIS, op. cit., p.64-68.
PINTO, op. cit., p.169-170.
BARACAT, Poder de direção..., p.34. Assinale-se que Mauri Mascaro Nascimento, ao retratar os
diversos fundamentos do poder diretivo do empregador (teorias contratualistas e acontratualistas),
refere-se a situação jurídica laboral, com base nos estudos de Menezes Cordeiro e Maria do
Rosário Palma Ramalho. Explica Amauri Mascaro que a relação de emprego tem uma estrutura
complexa, porque envolve créditos e débitos, embora o objetivo seja a prestação de serviços pelo
trabalhador, não há como separar verdadeiramente sua pessoa do vínculo denotando forte
intervenção dos direitos de personalidade do empregado, os direitos subjetivos e potestativos que
66
Fundamentando situação jurídica subjetiva, revela-se que no ordenamento
hodierno, vigente, não há direito subjetivo ilimitado, que dependa do exclusivo interesse
de seu detentor. Observe-se o que foi dito no item anterior em relação à passagem
do paradigma da autonomia privada para a autonomia da vontade e, posteriormente,
pelo que se pode identificar como dirigismo contratual. Em termos de superação do
conceito de direito subjetivo tal como mencionado, Pietro Perlingieri assim preleciona:
No ordenamento moderno, o interesse é tutelado se, e enquanto for conforme
não apenas ao interesse do titular, mas também àquele da coletividade. Na
maior parte das hipóteses, o interesse faz nascer uma situação subjetiva
complexa, composta tanto de deveres, obrigações, ônus. É nesta perspectiva
que se coloca a crise do direito subjetivo. Este nasceu para exprimir um
interesse individual e egoísta, enquanto que a noção de situação subjetiva
complexa configura a função de solidariedade presente ao nível constitucional.170
Na mesma linha cite-se Miguel Reale, que defende os direitos subjetivos
como categoria decorrente da situação subjetiva. Explica com propriedade o autor
que os direitos subjetivos não alcançam todas as situações subjetivas que o Direito
detém, e, seguindo o raciocínio, conclui que categorias como interesse, faculdade,
ônus e especialmente o poder, não devem ser confundidas com os direitos subjetivos.
Quanto ao poder, o autor exemplifica com o pátrio poder, dizendo que não se trata
de direito subjetivo porque exercido de acordo com contornos tecidos no Código
Civil, trata-se de um poder-dever, enquanto o direito subjetivo é eminentemente uma
pretensão (especialmente quando se considera o contrato de trabalho, para os
doutrinadores que assim defendem, como visto). Finalmente, e no caso identifica-se
o poder diretivo do empregador, o autor arremata que situações subjetivas ocorrem
quando "[...] a pessoa satisfaz determinadas exigências legais, resultando-lhe, o
cumprimento do encargo, uma vantagem ou garantia."171
Assim, a relação de emprego também concentra diversas dessas categorias
jurídicas que decorrem das situações subjetivas, dentre elas: direitos subjetivos (v. g.
direito de o empregado exigir seu salário e o direito do empregador de se beneficiar
envolvem as partes, o vínculo empregatício constitui-se a partir de forte tutela do ordenamento
jurídico, a grande ingerência das convenções coletivas de trabalho, enfim, há multiplicidade de
situações. O autor diz, por fim, que se trata de tese nova e que merece considerações. Verificar
em: NASCIMENTO, Curso de direito..., p.609-611.
170 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 2.ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002. p.123.
171 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27.ed. 4. tir. São Paulo: Saraiva, 2004. p.263.
67
da prestação de serviços), ônus (obrigação de o empregador homologar a rescisão
de contrato de trabalho com mais de um ano junto ao sindicato profissional ou ao
Ministério do Trabalho), poderes (poder diretivo do empregador).172
Eduardo Milléo Baracat, identificando o poder diretivo como situação jurídica
subjetiva, diz que ele não gera uma pretensão, no sentido declinado quanto ao direito
subjetivo, mas a sujeição do empregado. Esclarece o autor, ainda, que o poder
de direção do empregador não pode ser renunciado, porque se o fizer, perderá
sua titularidade.173
Importa a concepção do poder diretivo como situação jurídica subjetiva especialmente diante do que será abordado quanto ao exercício abusivo desse poder em
face dos direitos de personalidade do empregado, porque tais direitos, como se verá,
constituem balizadores importantes na atuação desmedida do empregador.
Por fim, necessário se apresenta relembrar Maurício Godinho Delgado, que,
criticando as teorias expostas quanto ao direito potestativo e direito subjetivo, define
o poder intra-empresarial como uma relação jurídica complexa, pois não se separam os
diferentes momentos pelos quais a relação de emprego passou na história, justamente
porque as diferentes características de cada momento não são estanques e isoladas,
vão sendo sucessivamente modificadas. Diz o autor que o poder é relacional e se
adapta, ou seja, detém uma plasticidade de configuração que varia também com a
assimetria de seus pólos componentes (empregado e empregador).174
O doutrinador explica que empregado e empregador, simultaneamente detêm
pretensões e obrigações na relação empregatícia, por isso mesmo conclui que o
poder não é do empregador, mas da realidade socioeconômica em que se perfaz a
relação de emprego. Assim, chama o poder de empregatício, porque relacional,
como dito, e inerente, caracterizador da relação de emprego.175
172
173
174
175
BARACAT, Poder de direção..., p.34-35.
Ibidem, p.36.
DELGADO, Mauricio Godinho. O poder empregatício. São Paulo: LTr, 1996. p.191-192.
Ibidem, p.193.
68
1.3.6
Aspectos do Poder Diretivo
A doutrina não tem uma divisão unificada em relação às formas de manifestação
desse poder do empregador.
Octavio Bueno Magano, por exemplo, afirma que a divisão originaria o poder
organizacional, o poder diretivo stricto sensu e o poder disciplinar.176
Noutra concepção, cite-se Edilton Meireles, para quem, dada a natureza
contratual do poder diretivo, não se pode conceber um poder regulamentar e um
poder disciplinar do empregador que não esteja previsto no contrato.177
Para ainda uma outra corrente178, esse poder se encontra dividido em diretivo,
disciplinar e regulamentar, a qual se tratará na seqüência.
A exteriorização do poder de direção então ocorrerá quando o empregador
ditar as ordens ao empregado, em relação a quando e como realizar suas atividades, o
local em que elas serão realizadas. É por esse poder que o empregador organiza a
atividade do empregado, da forma que melhor corresponda para a realização dos
fins a que a empresa se destina.
Nessa seara, tem-se que ao empregador cabe "concretizar, especificar,
conformar, determinar e precisar o conteúdo da prestação, através de um processo
complexo de decisões, ficando o trabalhador sujeito às correspondentes ordens
e instruções."179
Com efeito, o conteúdo da prestação de serviços do empregado vai sendo
preenchido com o tempo. Isso porque (i) a continuidade da relação empregatícia
(princípio do contrato de trabalho que revela ser ele de trato sucessivo, que perdura no
tempo, ou seja, não se esgota com a realização de certo ato) (ii) os acontecimentos
sociais, econômicos que vão ocorrendo ao longo desse tempo e (iii) as aptidões do
empregado, vão determinando essa organização.
176
177
178
MAGANO, op. cit.
MEIRELES, Poderes do empregador...
Como assinala GONÇALVES, op.cit., p.24, fazem parte de tal divisão Tarso Genro, Emílio
Gonçalves Camerlynck, G. H. & Lyon-Caen. Assinala-se, ainda nesse entendimento, BARACAT,
Poder de direção..., p.52 e ss.
179 ASSIS, op. cit., p.33.
69
Ainda, desse poder de direção ligado à organização da atividade, decorre o
jus variandi. Este, a seu turno, confere ao empregador a possibilidade de modificação,
alteração nas condições de trabalho. Aqui se reafirma que essas alterações decorrem
da dinâmica do mundo, especialmente o econômico, que dita o funcionamento de uma
empresa, impossibilitando sua estagnação.180 E essas alterações estão reguladas
pelo artigo 468181 da CLT, sendo que não podem resultar prejuízo direto ou indireto
ao trabalhador.
O poder regulamentar, por sua vez, concretiza-se pela criação de um regulamento, pelo empregador, no qual são estabelecidas regras a serem seguidas no âmbito
da empresa. Pode ocorrer por regulamento interno, circulares, avisos, etc. Nessa
senda, deve-se dizer que o próprio Tribunal Superior do Trabalho, na Súmula 51182,
prevê esse desdobramento do poder diretivo em poder regulamentar. Em síntese, a
súmula prevê a aplicação do artigo 468 da CLT também às normas oriundas da
regulamentação exarada pelo empregador.
Finalmente, há o poder disciplinar, pelo qual o empregador penaliza o empregado
que descumpre uma ordem, não importando se esta ordem é geral ou especificamente a ele destinada.183 Como fundamentos jurídicos do poder disciplinar,
podem ser citados os artigos 474 e 482 da CLT184 que prevêem, respectivamente, a
possibilidade de o empregado ser suspenso de suas atividades por até trinta dias e
180
181
ENGEL, op. cit., p.102.
Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por
mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos
ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
182 N.o 51 - NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO.
o
ART. 468 DA CLT. (INCORPORADA A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL N. 163 DA SDI-1)
I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só
atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.
II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um
deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro.
183 GONÇALVES, op.cit., p.26.
184 Art. 474. A suspensão do empregado por mais de 30 dias consecutivos importa na rescisão
injusta do contrato de trabalho.
Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando
constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao
serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão
da execução da pena;
70
as hipóteses de dispensa do empregador por justa causa. Ainda aqui, convém
relembrar o parágrafo único do artigo 158 da CLT que trata de outras hipóteses
consideradas como faltas graves do empregado: a recusa injustificada da utilização
dos equipamentos de proteção individual fornecidos pelo empregados e a recusa
injustificada de observação das instruções destinadas a evitar acidentes de trabalho
e doenças ocupacionais.
Conforme ainda assinala Eduardo Milleo Baracat, além da suspensão e da
dispensa por justa causa, o trabalhador está sujeito a advertências verbais ou por
escrito, sendo decorrentes dos costumes.185
Esse poder disciplinar é necessário à própria organização da atividade
empresarial, de forma que os empregados não possam descumprir as ordens que
lhes foram dadas, prejudicando a referida atividade. Contudo, necessário
estabelecer que esse poder disciplinar tem limites previstos no ordenamento jurídico,
como a boa-fé objetiva, o abuso de direito, os direitos de personalidade do empregado.
185
BARACAT, Poder de direção..., p.56-57.
71
2
2.1
ABUSO DO DIREITO E CONTRATO DE TRABALHO
ABUSO DO DIREITO: SUPOSTOS
Diante dos caminhos percorridos pelo discurso jurídico, tem-se que ele é
manifestamente determinado pelos acontecimentos históricos nos quais está inserido,
bem como pelo meio social do qual faz parte. Não há como separar o direito dos
acontecimentos históricos e sociais de cada povo, porque sua função sempre foi
ligada a dar conta das contingências, ou seja, responder aos questionamentos postos
pelo instigante, mutável e inflamável cotidiano dos homens.
Como não poderia deixar de ser, o abuso do direito é idéia que decorre da
quebra do paradigma egoísta do individualismo jurídico que trespassou os códigos
oriundos do Estado Liberal. Cenário da grande ditadura da autonomia da vontade,
porque os indivíduos contratantes eram vistos em patamares de igualdade, fazendo
o contrato lei entre tais personagens, por isso mesmo denominado de pacta sunt
servanda. O Estado assegurava, no plano das codificações a amplitude da manifestação
da autonomia dos indivíduos, ou seja, não se consubstanciava, no ordenamento jurídico,
aspectos relacionados à ordem econômica.
As Constituições tinham finalidade a limitação do Estado e do poder político.
Frutificaram as concepções de direito subjetivo, como visto no capítulo anterior,
arraigando nas pessoas um aspecto técnico e outro ideológico. No técnico, aos
homens permitia-se a participação das mais variadas relações jurídicas, no viés
ideológico, reafirmava-se a liberdade individual na sociedade, fortificando a noção de
vantagens econômicas.186
186
PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. O abuso do direito e as relações contratuais. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002. p.17.
72
Mencionem-se os diplomas legislativos aflorados após a Revolução Francesa187,
cuja classe social prevalente era a burguesia. Em 1804, promulga-se o Código Civil
Napoleônico e os demais a ele são subseqüentes, salientando-se que anteriormente
a ele, a Constituição francesa de 1791 declinava a necessidade da criação de um
código de leis civis, de aplicação nacional: era preciso proteger a liberdade e o patrimônio
burgueses, pois ser proprietário significava a plenitude pessoal.
Liberdade significava poder usar, fruir e dispor das coisas que lhe pertenciam,
sem restrições, exceto quanto aos bons costumes e a ordem pública.188 Todavia, os
direitos não são absolutos nem mesmo ilimitados. Por essência, a concepção de
direito liga-se à de relatividade, sob pena de se negar a própria idéia de direito, ou
seja, de norma de conduta como limitação da atividade humana.189
Observe-se que a acepção de liberdade restou modificada, em comparação
com a Antigüidade Clássica, época na qual ser livre significava participação política.
Quem tinha tal participação era livre e cidadão, quem não a tinha, era escravo,
mesmo que tivesse algum patrimônio decorrente de atividades econômicas que lhes
eram permitidas. Essa idéia de liberdade e valorização da ação política, inclusive, foi
o fator de desvalorização do trabalho para os antigos, como dito no início da
pesquisa. Para os antigos, a liberdade tem uma conotação positiva, de participação
ativa na vida política das cidades, já para os burgueses, a conotação é negativa, de
não interferência de outrem, notadamente o Estado, na atuação do particular, em
suas relações.190
187
A igualdade defendida pela Revolução Francesa teve forte influência no processo de codificação,
eis que se tentava tratar com regras comuns todas as classes sociais. Ocorre que nesse cenário
são importantes as reflexões de Paolo Grossi: "No projeto jurídico burguês, abstração e igualdade
jurídica (ou seja, a possibilidade de igualdade de fato) são noções 'constitucionais' que
fundamentam o mesmo projeto. E a muralha chinesa que separa o mundo do direito (e da
relevância jurídica) do mundo dos fatos é compactíssima, impenetrável. Tão compacta e
impenetrável como talvez nunca se tenha realizado na história jurídica ocidental. Sinal de que o
projeto se misturava também com estratégia, com a exigência de um controle rigoroso no
ingresso dos fatos na cidadela do direito." (GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da
modernidade. Trad. Arno Dal Ri Junior. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. p.127).
188 MARTINS, Pedro Baptista. O abuso do direito e o ato ilícito. 3.ed. atual. por José da Silva
Pacheco. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.2.
189 WARAT, op. cit., p.286.
190 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. p.3. Disponível em:
<http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em: 15. set. 2008.
73
Assim, as codificações refletiram os dogmas da autonomia da vontade e da
propriedade privada, nos quais estava arraigado o Estado Liberal e as contratações
eram as formas mais vorazes de circulação das riquezas. As constituições, por sua
vez, não interferiam nas relações particulares, deflagrando o denominado Estado
mínimo. Sujeitos formalmente iguais jogavam com suas liberdades, o que demonstrou,
historicamente, uma larga e absoluta exploração dos mais fracos pelos mais fortes.191
Modelo Liberal que, no cenário europeu entre os séculos XIX e XX, já não
mais respondia aos questionamentos apresentados pela realidade. Vislumbrou-se,
pois, a exigência de um Estado mais atuante, suprida, pois, com um modelo estatal
completo, numa Constituição de interferência na ordem econômica e social.192
Conhecem-se os auspícios do Estado Social, tomando-se a igualdade nos
planos formal e material, ou seja, não basta tratamento igual perante a lei, mas
também a realização de justiça social. Por isso mesmo, as constituições, além de
limitar o poder político, passam a tratar de aspectos econômicos (tutela da livre
iniciativa) e de direitos sociais.193 A autonomia absoluta da vontade passou a dar
lugar para a autonomia privada, ou seja, a vontade das partes esbarra e deve se
adequar aos traços da lei.194
Rosalice Fidalgo Pinheiro menciona que parte expressiva da doutrina não
distingue as expressões autonomia da vontade e autonomia privada. Porém, reconhece
que as situações são passíveis de distinção. A autonomia da vontade cabe como
construção francesa de voluntarismo; a autonomia privada, por sua vez, cabe aos
alemães, com uma visão mais objetiva do direito.195
Na autonomia da vontade, o individualismo se perfaz dominante, sendo o
indivíduo mais importante que a coletividade. O Estado, portanto, deve realizar os
interesses individuais. Explica a autora que tal concepção encontra como fundamento,
por um lado, a teoria kantiana pela qual a moralidade do homem está na sua razão,
assim, este obriga-se por sua racionalidade, por sua vontade e nada mais. Por outro
lado, vê-se o liberalismo econômico, o contrato como fonte principal de circulação de
191
192
193
194
195
LÔBO, Constitucionalização...
Ibidem, p.4.
Idem.
DALLEGRAVE NETO, Responsabilidade civil..., p.54.
Ver: PINHEIRO, op. cit., p.390-391.
74
riquezas, sendo que os obstáculos à liberdade de contração deveriam ser extintos.
Há uma terceira consideração a ser feita: a propriedade. Sim, para se poder dispor
de algo no mercado de circulação de riquezas.196
A autonomia privada, a seu turno, deixa de lado o dogma da autonomia da
vontade para regular os interesses dos particulares. Encontra-se aqui o fundamento
das acepções de negócio jurídico, sendo sua origem na jurisprudência alemã, que
valoriza a interpretação de limites para a liberdade de contratar, tais como as proibições
legais e os bons costumes, ambos citados pelo Código Civil alemão (BGB). Limites
que se encontram reconhecidos pela ordem jurídica.197
Nesse sentido é a doutrina de Perlingieri:
Os atos de autonomia têm, portanto, fundamentos diversificados; porém,
encontram um denominador comum na necessidade de serem dirigidos à
realização de interesses e de funções que merecem tutela e que são
socialmente úteis. E na utilidade social existe sempre a exigência de que
atos e atividade não contrastem com a segurança, a liberdade e a dignidade
humana (art. 41, § 2, Const.). [...] A autonomia se apresenta, no mínimo e
constante denominador, como ato de iniciativa de pelo menos uma das
partes interessadas na negociação. É a atuação não somente de direitos
subjetivos mas também de deveres de solidariedade e, por vezes, de
específicas obrigações legais de contratar (art. 2.597 Código Civil).198
Os códigos como sistemas enclausurados fracassam e surgem outros diplomas
legais que tentam dar conta das novas realidades: surgem os direitos do consumidor
e do meio ambiente, por exemplo. Na esteira constitucional, refira-se ao princípio da
dignidade da pessoa humana (art. 1.o, III), que se espraia pela totalidade das
relações. Tal princípio, combinado com os valores sociais da livre iniciativa e da
necessidade de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, corroboram para a
passagem da jurisprudência dos interesses para a jurisprudência dos valores199. Há o
dirigismo contratual e uma mudança funcional na interpretação dos institutos jurídicos.
196
197
198
199
PINHEIRO, op. cit., p.391-395.
Ibidem, p.396-400.
PERLINGIERI, op. cit., p.19.
PERLINGIERI, op. cit., p.33-34.
75
Por isso mesmo fala-se em constitucionalização do direito privado: a preocupação
com a abrangência ampla dos institutos civis, aplicados de maneira a refletir uma
maior paz social. Neste diapasão, Paulo Nalin assevera que "a constitucionalização
do Direito Civil não é o único, mas, sim, representa um dos caminhos possíveis para
a eleição de um novo paradigma de renovação dos institutos privados."200
Com essas concepções o Direito do Trabalho deve guardar correlação, ou seja,
sendo um ramo do direito até então denominado privado, deve oxigenar-se de
valores que engendrem a pessoa como centro, porque nele se percebe com clareza
a atuação da propriedade. Como afirma Paulo Luiz Netto Lôbo, o desafio está em
enxergar a pessoa em toda sua dimensão ontológica, e, por meio dela, o patrimônio.201
O abuso do direito, nas premissas antes traçadas, relembrando-se que o
indivíduo vive inserido na coletividade, trata-se de construção jurisprudencial202 num
primeiro momento, na qual a liberdade ganha limites, reconhece-se um caráter de
relatividade203 dos direitos, que antes eram vistos como absolutos. A atividade do
intérprete é relevante porque quem abusa, pelo menos aparentemente, não atua
sem direito, mas crava de ilegitimidade o exercício de um direito o titular que
manifestamente excede os limites trazidos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo
fim econômico ou social de referido direito.204
As construções que tratam do abuso do direito, portanto, localizam-se nas
correntes que enxergam o declínio do alcance do individualismo liberalista, suplantando-o por visões mais sociais.205 Leonardo Vieira Wandelli explica a modernidade
200
201
202
203
204
205
NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva
civil. Curitiba: Juruá, 2001. p.32.
LÔBO, Constitucionalização..., p.6.
MARTINS, P. B., op. cit., p.4. Luiz Alberto Warat menciona que a construção é da jurisprudência
francesa, como forma de se desamarrar do caráter absoluto do direito de propriedade que a lei
consagrava, passando para uma aplicação mais justa e equânime do direito. (WARAT, op. cit., p.286).
Neste sentido: ABREU, Jorge Manuel Coutinho de. Do abuso de direito. Coimbra: Almedina,
1999. p.13.; SÁ, Fernando Augusto Cunha de. Abuso do direito. Coimbra: Almedina, 1997. p.17.
SÁ, F., op. cit., p.18.
Ibidem, p.49-50. No mesmo sentido, Pedro Baptista MARTINS, acrescentando serem os romanos
"Povo simples e rude, a formação de seu direito obedeceu às necessidades práticas da vida,
sendo notório que seus jurisconsultos não se preocupavam, em regra, com as generalizações."
(MARTINS, P. B., op. cit., p.15). Quanto às raízes que remontam ao Direito Romano, o autor
relembra vários doutrinadores as defendem, mas conclui dizendo que falecem de razão (p.48-49).
De toda sorte, deve-se deixar registrado que outros doutrinadores realmente atribuem raízes romanas
ao abuso do direito, ainda que posteriormente suas idéias tenham sido desenvolvidas com mais
precisão. Como exemplo, têm-se as considerações de Lautenschläger, nas quais o autor menciona
76
como cerne das construções sobre o abuso do direito porque é nesse período a gênese
de distinções como a separação de poderes, a diferença entre moral, religião e direito, a
absolutização do direito subjetivo, o caráter complexo das relações socioeconômicas
e a própria existência de textos normativos capazes de originar argumentação.206
Trata-se de construção jurisprudencial notadamente francesa, justamente voltada
para superar as prerrogativas individuais pelas necessidades coletivas, arraigando a
solidariedade e a harmonia no convívio social, conferindo uma maior responsabilidade
aos titulares de direitos.207
que a análise perfunctória do instituto permite a conclusão de que no Direito Romano não era
concebido por causa do brocardo "nullus videtur dolo facere qui suo jure utitur (a ninguém prejudica
aquele que usa de seu direito)". A seguir, o autor narra outros brocardos, dizendo que neles
reside a influência do direito antigo em relação às concepções posteriores, sejam eles: "summum
jus summa injuria (do excesso do direito resulta a injustiça); non omne quod licet honestum est
(nem todo ato lícito é honesto); juris praecepta haec sunt honeste vivere, neminem laedere, suum
cuique tribuere (viver honestamente, não prejudicar ninguém e dar a cada um o que é seu);
malitis non est indulgendum (a malícia não merece indulgência); e ususquisque suis fruatur et non
inhiet alienis (nossos direitos devem ser exercidos sem o intuito de prejudicar o outro)". Ainda
tratado do Direito Romano clássico o autor se refere à prática do que se denominava "emulação",
ou seja, agir com o objetivo de prejudicar alguém. Assinala, por fim, que esta última teoria ganhou
campo no Direito Medieval, em que se vinculou o exercício de direito subjetivo a finalidades social
e econômica. (LAUTENSCHLÄGER, Milton Flávio de Almeida Camargo. Abuso do direito. São
Paulo: Atlas, 2007. p.27-28).
206 WANDELLI, op. cit., p.131.
207 WARAT, op. cit., p.287. O mesmo autor assevera que nem sempre o ritmo do legislador é adequado
com os acontecimentos sociais razão pela qual: "Cuando los derechos subjetivos están inadecuadamente
limitados por el derecho en vigor, surge entonces la aspiración a uma reglamentación jurídica
nueva, que amplia la responsabilidad de los titulares de ciertos derechos subjetivos, cercenando
el alcance de sus derechos reconocidos, para sancionar un daño reputado injusto, pero que la ley
positiva no castiga. Es entonces, cuando se apela al poder jurisdiccional, que interpretando
fielmente la aspiración colectiva impone la obligación de resarcir el daño al causante del mismo,
aún cuando lo haya producido en ejercicio de un derecho. Así surge el abuso del derecho, que
puede presentarse en cualquier época y en cualquier lugar durante la vigencia de cualquier sistema
jurídico, aún el más perfeccionado, o considerado el más justo." Livre tradução: "Quando os direitos
subjetivos estão indadequadamente limitados pelo direito em vigor, surge então a aspiração a uma
regulamentação jurídica nova, que amplia a responsabilidade dos titulares de certos direitos subjetivos,
cerceando o alcance de seus direitos reconhecidos, para sancionar um dano reputado injusto, mas
que a lei positiva não castiga. É então quando se apela ao poder jurisdicional, que interpretando
fielmente a aspiração coletiva impõe a obrigação de ressarcir o dano ao causador do mesmo, ainda
que o haja produzido no exercício regular de um direito. Assim surge o abuso do direito, que pode
se apresentar em qualquer época e em qualquer lugar durante a vigência de qualquer sistema
jurídico, mesmo no mais perfeito, no considerado mais justo." (p.288-289).
77
2.2
ABUSO DO DIREITO: CONCEPÇÕES E ATUAL ESTADO DA ARTE
A primeira impressão da expressão "abuso do direito" engendra a indagação
se não se trata de uma incongruência: como pode haver abuso, se há direito? Para
responder a esta pergunta, inicia-se por pensadores que negaram a autonomia da
teoria do abuso do direito até se chegar àqueles que a admitiram e ao atual estágio
do conceito. Como adiante se verá, o abuso do direito encerra uma transição para
uma nova concepção de antijuridicidade.208
No positivismo jurídico, deve-se ter em mente o paradigma moderno do
direito, abandonando-se a observação da natureza das coisas, o costume, os fatos
que caracterizam determinado momento histórico e social, sentenças, doutrinas e
opiniões, enfim, a convergência de fontes cede espaço à "mística da lei"209.
Assinale-se que tal passagem é fruto do nominalismo, escola filosófica desenvolvida por Guilherme de Ockham, pensador crítico do realismo aristotélico, em que se
desenvolve a idéia de realidade para os indivíduos e para os universais – sendo estes,
por exemplo, o ser humano, o animal, o cidadão, a natureza –, ou seja, de que tudo
existe de forma objetiva, independente da idéia, do descobrir as coisas pelo intelecto.210
Para Guilherme de Ockham, não há os universais, que são apenas signos da
linguagem, demonstrando uma parcialidade dos indivíduos. Assim, o filósofo afirma
a existência dos individuais: não existe o homem, existe a Maria, o José e assim
sucessivamente. Transplantando-se para o campo do direito, abandona-se, como
dito, o direito natural, a resposta jurídica a partir da observação da ordem natural das
coisas e elege-se o indivíduo como centro. O individualismo floresce como idéia a
partir da qual as normas jurídicas, as respostas jurídicas não podem ser conferidas por
observação do natural, deve-se buscar as vontades positivas dos indivíduos. Essa
filosofia vem a ser considerada a gênese do positivismo jurídico, doutrina que defende a
lei como expressão da vontade individual e como conjunto da ordem jurídica.211
208
209
210
WANDELLI, op. cit., p.133.
GROSSI, op. cit., p.44.
VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. São Paulo: Martins Fontes,
2005. p.228-236.
211 Idem.
78
A lei, num primeiro momento, provinha dos reis – os representantes de Deus
na terra – após a revolução, foi democratizada, coincidindo-se a vontade geral com a
vontade legislativa212: O Legislativo forma-se por representantes eleitos pelo povo,
ou seja, pela vontade geral. Instaura-se, portanto, um absolutismo jurídico. Com
efeito, se antes o convívio cedia espaço ao absolutismo dos reis, agora há um
Estado absoluto.
As normas, organizadas e sistematizadas em códigos, são perfeitas e inquestionáveis, sendo possível, tão-somente, a interpretação da vontade do legislador. É o
legalismo ou positivismo legal213.
Expoente do positivismo, Kelsen defende a teoria pura do direito, afastando o
sistema de normas dos valores sociais, justificando, assim, a autonomia epistemológica
do direito.214 Gianluigi Palombella, ao analisar o pensamento do positivista, afirma que
Kelsen define as normas jurídicas como "[...] juízos hipotéticos que, na ocorrência de
uma condição (determinado comportamento qualificado como ilícito), prevêem uma
conseqüência determinada (a sanção)."215
Engendra-se uma verdadeira mitologia jurídica216, pois a lei normalmente tem
aceitação desprovida de críticas, o direito vem a ser um sistema de normas autoritárias
e abstratas, ocorre a subsunção do caso concreto ao texto legal. Ao direito como
ciência, não cabe discutir as fontes das normas, os valores e conflitos sociais dos
quais elas se originaram:
A lei vazia era uma sapientíssima forma dentro da qual um legislador onisciente,
infalível, onipotente, poderia hospedar qualquer conteúdo que desejasse. O
ordenamento jurídico, resumido em um grande esqueleto legislativo, admitia
um só cordão umbilical, aquele com o poder, o único de onde pudesse
retirar vitalidade, nutrimento, efetividade, não reconhecendo nenhum outro
que representasse a complexidade da sociedade.217
212
213
214
215
216
217
HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica européia: síntese de um milênio. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2005. p.378.
Conforme ensinado por HESPANHA (Idem).
PALOMBELLA, Gianluigi. Filosofia do direito. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins
Fontes, 2005. p.161.
Ibidem, p.162.
GROSSI, op. cit., p.46.
Ibidem, p.93.
79
O ordenamento jurídico, portanto, constitui um todo organizado, capaz de
responder a todos os casos postos à atividade jurisdicional, de forma avalorativa, ou
seja, as normas têm validade porque emanam de um poder competente e porque se
fundamentam na Constituição, e esta, por sua vez, tem como fundamento a norma
hipotética fundamental.218
Ao juiz cabia a tarefa de meramente aplicar a lei, de forma que se privilegiasse a
vontade do legislador, ou seja, não se poderiam interpretar as leis conforme as
necessidades de cada caso, não cabiam avaliações ou ponderações de valores na
atividade jurisdicional. Não importava a vontade do julgador, mas o que já constava
da lei, "[...] a interpretação realizada pela ciência jurídica deve – para que possa ser
denominada de científica – ater-se para aquém da interpretação volitiva. A ela não
cabe criar direito novo nem realizar a escolha dos sentidos possíveis no interior da
moldura."219 Tudo em nome da segurança jurídica.
Lacunas do direito eram consideradas ficções jurídicas, e, porque não previstas
no ordenamento – assim como o abuso do direito –, permitia-se ao julgador a atuação
como se legislador fosse, podendo aplicar uma norma considerada melhor ou mais
justa, de origem metajurídica, desde que fosse possível fundamentar a aplicação nas
normas de hierarquia superior. Assim, não se poderia chamar o processo de
interpretação, mas de substituição de uma determinada norma por uma outra nova,
criada por conta de um caso concreto. A norma metajurídica transformava-se em
norma do direito positivo e, neste caso, existindo uma norma regrando a abusividade
do ato praticado, não se fala em abuso de direito, mas em ato ilícito.220
Nítido o distanciamento entre o plano jurídico e o plano social, porque o direito,
engessado em suas próprias construções, não alcançava as mudanças e seus
reclames de respostas provindos da volátil sociedade. As decisões judiciais não
poderiam invocar o abuso do direito, porque norma metajurídica, somente lhes era
permitido falar em ilícito, porque baseadas nas normas postas. Segurança jurídica
neste período é a resposta pronta contida no ordenamento jurídico.
218
219
220
PALOMBELLA, op. cit., p.172-173.
WANDELLI, op. cit., p.141.
WARAT, op. cit., p.296-298.
80
O positivismo, dessa forma, demonstrou claramente à sociedade que o direito
não pode prescindir da simbiose entre fato e norma221, bem como que os direitos
previstos pelo ordenamento não são absolutos. Assim, a concepção de abuso do
direito assinala quão importante é a atividade interpretativa, porque pode ampliar a
responsabilidade do titular de um determinado direito, responsabilidade esta que não se
faz expressa no comando normativo, mas se alcança, justamente, pela interpretação.222
Entendido que Kelsen negava o abuso do direito, passa-se a considerar outros
pensadores que também o negaram, dentre eles, por exemplo, Duguit, Planiol, Ripert e
Rotondi, sendo básicos dois fundamentos: ora a negação dos direitos subjetivos, ora
a defesa do caráter absoluto deles223.
Duguit nega a existência do direito subjetivo, para ele "[...] agir conformemente
ao direito não é exercer um direito subjetivo; da mesma forma, praticar acto cujo
objecto não é em si contrário ao direito, mas cujo fim é ilícito, é pura e simplesmente
violar o direito objectivo."224 [destaque no original]
Não se pode negar o aumento considerável da gama de previsões legais, se
comparadas as sociedades antigas com a sociedade de hoje. Com efeito, os avanços
em todos os campos das ciências, por exemplo, desembocaram novas regras no
mundo jurídico. Até bem pouco tempo atrás, não se falava em normas quanto a
pesquisas com células-tronco, diretrizes de contratos virtuais, ou ainda noutras,
tipificadoras de crimes virtualmente cometidos. Enfim, "[...] a responsabilidade aumenta
na razão direta do desenvolvimento da personalidade jurídica do homem, isto é, na
razão direta do aumento de seus direitos."225
Cunha de Sá, criticando Duguit, afirma a existência dos direitos subjetivos
porque o próprio ordenamento contém normas de caráter permissivo. Assim, quando
há norma prevendo o ter direito de realizar algo ou que é permitido algo, tanto de
forma expressa quanto subentendida (normas imperativas ou proibitivas), tem-se
221
222
223
224
225
SÁ, F., op. cit., p.21-22.
WARAT, op. cit., p.298.
Fundamentos precisamente assinalados por Rosalice Fidalgo Pinheiro (op. cit., p.69).
SÁ, F., op. cit., p.295.
MARTINS, P. B., op. cit., p.23.
81
clara a existência do direito subjetivo, em que pese não se discuta o cerne da
natureza de tal direito.226
De qualquer sorte, não se pode negar a existência de direitos subjetivos,
embora seja concebível a afirmação de que a responsabilidade dos titulares destes
tenha aumentado, citando-se como exemplo a difusão do conceito de solidariedade
ou mesmo de função social, porque o titular de um direito subjetivo deve exercê-lo
conforme o interesse da coletividade e não apenas de acordo com o seu, o individual.
Marcel Planiol, a seu turno, refere-se ao abuso do direito como uma
logomaquia227, porque para ele a expressão abuso do direito transfigura-se numa
contradição lógica entre abuso e direito. Na idéia de Planiol, um ato não pode ser,
simultaneamente, conforme e contrário ao direito. Quando um direito é exercido por
seu titular, trata-se do exercício de um ato lícito, ao qual, portanto, não cabe a
aplicação de nenhuma sanção. Acaso este mesmo titular exceda o exercício de seu
direito, então será responsabilizado, porque a atuação passa a ser sem direito e
passível de sanção.228
Percebe-se como fundamento o direito subjetivo em caráter absoluto. Nas
palavras do autor:
Fala-se facilmente do uso abusivo de um direito,como se esta expressão
tivesse um sentido claro e preciso. Mas é necessário não nos iludirmos: o
direito cessa onde começa o abuso, e não pode haver uso abusivo de um
direito qualquer, porque um mesmo ato não pode ser, a um só tempo, conforme
e contrário ao direito.229
Planiol afirma que existe, em substituição, atuar com excesso de direito ou atuar
sem direito. Afirma ser possível o abuso de coisas, não de direitos. A crítica recai no
sentido da redução do ato abusivo como ilícito, de forma que os direitos subjetivos
tivessem arestas definidas e claras, sem qualquer zona gris. Assim, agir de acordo com
226
227
SÁ, F., op. cit., p.304.
A palavra logomaquia, no léxico, significa "questão sobre palavras; palavreado inútil." (FERREIRA,
Aurélio Buarque de Holanda. Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa. 11.ed., 6.
reimp. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974. p.743).
228 PINHEIRO, op. cit., p.78.
229 PLANIOL, Marcel apud MARTINS, P. B., op. cit., p.25.
82
a extensão um direito subjetivo seria agir sempre de forma lícita, não sendo contida,
aqui, a idéia de responsabilidade. Ou existe o direito, ou ele falta absolutamente.230
Noutra senda, Ripert explica que o elo entre o abuso do direito e o ordenamento
jurídico seria inspirado numa idéia de moralidade. Verificar-se-ia a necessidade de
responsabilizar o titular de um direito que o exercesse imoralmente, ou seja, haveria
um exercício normal do direito, porém intencionado a prejudicar outrem.231 Resta
claro, nesta teoria, o seu caráter subjetivista.
A crítica ferrenha de Cunha de Sá quanto ao pensamento de Ripert repercute
no sentido de que a moral, quando trata do dever de justiça, não se limita a uma
noção omissiva de não fazer mal a outrem, espraiando-se no sentido comissivo, de
utilizar o direito para finalidades razoáveis, úteis, para fazer o bem.232
Em posicionamento que guarda semelhança com o de Ripert, deve ser citado
Rotondi. Este pensador defende a separação entre o mundo do direito e o mundo dos
fatos sociais. Para ele, a idéia de abuso do direito não subsiste no mundo jurídico,
mas naquele dos fatos. Reconhece, contudo, que há um importante papel dos fatos
sociais no direito, porque este se transforma em resposta aos questionamentos
oriundos daqueles. Assim, comportamentos juridicamente previstos como lícitos e
justos transformar-se-iam em reprováveis no meio social porque este, por sua vez,
sofreria mudanças de ordem econômicas, técnicas, físicas. A reprovação do direito
pela consciência coletiva determinaria as mudanças, de forma a abarcar, no plano
jurídico, as novas realidades sociais. O abuso de direito, portanto, não consta do
mundo do direito, mas do social e, como tal, ocorreria transitória e perpetuamente.233
As premissas de Rotondi se mostram corretas, porque realmente o fenômeno
social acarreta alterações no mundo jurídico, mas negar a existência do abuso do
direito como norma poderá impedir a prevenção de tal abuso.234 Percebe-se, aqui,
inclusive, o viés positivista das concepções do autor, se comparadas com as traçadas
sobre Kelsen, no início do presente item.
230
231
232
233
234
SÁ, F., op. cit., p.324-327.
PINHEIRO, op. cit., p.87.
SÁ, F., op. cit., p.366.
Ibidem, p.309-311.
Ibidem, p.316.
83
Até o momento, as teorias consideradas demonstraram que o abuso do direito
ocorreria quase como um acidente sucedido no momento da concretização do direito
subjetivo, sendo abuso do direito e direito subjetivo institutos independentes. A teoria
seguinte às apresentadas, criticando-as, considera o abuso do direito como um limite
externo à prerrogativa individual. Passa-se a considerar o viés da finalidade, ou seja, o
lado teleológico do direito subjetivo.235
Josserand iniciou seus estudos quanto ao abuso do direito na jurisprudência
francesa, tentando identificar os critérios dos quais esta fazia uso para definir um ato
abusivo e teria encontrado vários, dentre eles: o critério intencional (intenção de
prejudicar), o critério técnico (exercício incorreto de um direito, resultando em faltas
graves ou simples), critério econômico (exercício de um direito para satisfação de
um interesse ilegítimo) e o critério social (funcional, finalista). O autor destaca que os
critérios não podem ser considerados de forma separada, porque se entrelaçam,
mas erige o critério finalista como principal, dado o caráter social que ele reconhece
nos direitos subjetivos.236
Coube a Josserand
[...] a construção jurídica pela qual se afirma, simultâneamente, a oposição e
a conciliação do preceito com a sua aplicação [...] ao apercebermo-nos de
que o absolutismo dos direitos seria fatalmente a guerra dos direitos e que o
egoísmo, sob a forma jurídica, não é nem menos perigoso nem menos
estéril do que sob qualquer outra forma. Este egoísmo não estaria apenas
no acto realizado com intenção de prejudicar, mas mais amplamente no
realizar o acto numa direcção diversa da direcção social do direito a que ele
corresponde; [...].237
O autor destaca a relatividade dos direitos, especialmente dos de cunho
subjetivo, frontalmente contrariando as teorias que, como visto, ora negavam a existência
do direito subjetivo, ora lhe conferiam um caráter absoluto. E essa relatividade do
direitos, explica Josserand, fundamentar-se-ia primordialmente por conta de sua gênese,
como produtos da sociedade, compostos por uma missão a ser realizada no seio
social. Diz o autor que mesmo as prerrogativas mais individuais e por ele denominadas
de egoístas, por consubstanciarem produtos derivados da consciência coletiva, não
235
236
237
PINHEIRO, op. cit., p.93-94.
ABREU, op. cit., p.16-17.
SÁ, F., op. cit., p.409.
84
poderiam contrariar as necessidades e os anseios da comunidade. Em verdade,
muito além de considerá-los como sociais por conta da gênese, devem assim ser
considerados por causa da finalidade238: "[...] abusa-se do seu direito quando,
permanecendo nos seus limites, se visa um fim diferente daquele que para ele teve
em vista o legislador."239
Como assinala Rosalice Fidalgo Pinheiro, a teoria de Josserand tem forte
influência do "finalismo sociológico", porque toma o abuso do direito como algo contrário
ao espírito do direito ou a sua função social.240 A autora percebe, nas afirmações do
pensador a forte influência do pensamento de Ihering quanto ao direito subjetivo
como interesse protegido pela norma.
Diante das considerações esposadas resta clara a abstração da finalidade, do
dieito-função, ao que o autor responde que o ato não será abusivo se estiver
engendrado por um motivo legítimo. Mas o que seria o motivo ilegítimo? Ao que o autor
responde dizendo que seria composto de um todo indivisível, formado pela intenção
de prejudicar combinada com os critérios anteriormente relatados. Como exemplos
de tais motivos, citam-se: o conluio, a fraude à lei, o dolo, a má-fé. Percebe-se a
clara existência do elemento intencional cuja legitimidade ou ilegitimidade será
aferida com a finalidade social do direito.241
À tese de Josserand, Cunha de Sá traça críticas, afirmando que a análise da
finalidade do ato praticado pelo titular vai, aos poucos, sendo substituída pela
pesquisa da intenção deste mesmo titular e pela legitimidade de sua ação, o que
transforma o abuso do direito numa categoria metajurídica, exterior e transcendente
ao direito, quanto na verdade o direito deve ser visto como um instrumento para
realização da finalidade reconhecida e almejada pelo meio social. Por conta da forte
presença do elemento intencional, a teoria do abuso do direito se configura reduzida
ao ato ilícito.242
238
239
SÁ, F., op. cit., p.409-410.
Afirmação que cabe a Porcherot, em relação à qual Josserand, diante das idéias expostas, concordou
o
(PORCHEROT apud ABREU, op. cit., p.17, nota de rodapé n. 16).
240 PINHEIRO, op. cit., p.94. Quanto às idéias de Ihering a respeito dos direitos subjetivos, remete-se
à leitura ao primeiro capítulo, especialmente do subitem que trata da natureza do poder diretivo
do empregador.
241 Ibidem, p.96.
242 SÁ, F., op. cit., p.417-418.
85
Manuel de Andrade, por sua vez, tenta explicar o abuso do direito como uma
forma de óbice às injustiças clamorosas oriundas da aplicação de abstrações legais.
Para ele, despicienda a presença do dolo ou da culpa, mas necessária, por outro
lado, a reação de censura da consciência jurídica. Porém, como definir o que seria a
consciência jurídica coletiva, como a interpretar, como se manifesta? Já por essas
indagações percebe-se a vagueza das acepções, o que causaria forte insegurança
quando de sua delimitação pelo julgador, ou seja, o que acarretaria um insegurança
jurídica ao sistema vigente.243
Castanheira Neves, por sua vez, afirma o abuso do direito como aquela
atitude em que há
[...] aparência de licitude jurídica – por não contrariar a estrutura formaldefinidora (legal ou conceitualmente) de um direito, à qual mesmo externamente
corresponde – e, no entanto, viole ou não cumpra, no seu sentido concretomaterialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta
e constitui o direito invocado, [...].244
O ato abusivo viola o limite material do direito, perfazendo-se como que um
direito aparente, ou seja, exibe a forma de um direito que não existe.245
Deve-se considerar o aspecto concreto, repensando-se a própria concepção
de direito subjetivo como estrutura lógico-formal, nele delineando-se a ocorrência
de abusividade de atos. A teoria do abuso do direito passa a ser tratada como categoria jurídica autônoma, sendo necessário, portanto, fundamento jurídico para sua
compreensão. Enxergam-se as estruturas lógico-formal e axiológica-normativa dos
direitos, ou seja, para exercer um direito de forma legítima, não basta seguir à risca
sua estrutura formal, deixando-se de lado sua materialidade246: "[...] o direito
subjectivo sendo formalmente limitado pela sua estrutura e materialmente limitado
pelo seu fundamento, deixa de existir na hipótese de se abusar dele."247
243
244
245
246
247
ABREU, op. cit., p.19-20.
Ibidem, p.22.
Ibidem, p.22-23.
SÁ, F., op. cit., p.451-452.
Ibidem, , p.453.
86
Seguindo as idéias de Castanheira Neves, Cunha de Sá afirma que o abuso
do direito ocorre quando o titular exercita seu direito subjetivo de maneira divergente
de seu conteúdo axiológico, de seu elemento interno. Define-se a origem da
juridicidade do abuso do direito no interior do direito subjetivo, no valor deste, o qual
deve permear e nortear o comportamento do sujeito, de forma que se possa falar em
comportamento devidamente fundamentado.248
Rompe-se definitivamente com a concepção absoluta de direitos subjetivos,
porque o abuso do direito não mais se encontra fora do direito subjetivo, mas dentro dele,
nota-se a impregnação de valores nas concepções de Castanheira Neves e Cunha
de Sá, os fins cedem espaço para os valores. Como muito bem assevera Rosalice
Fidalgo Pinheiro, tais pensamentos coincidem com a passagem da jurisprudência dos
interesses para a jurisprudência dos valores.249 Quanto à passagem da jurisprudência
dos interesses (típica dos sistemas fechados, nos quais se considerava o "ter", o
patrimônio como proeminente) para a jurisprudência dos valores, Perlingieri preleciona:
A jurisprudência dos valores constitui, sim, a natural continuação da jurisprudência dos interesses, mas com maiores aberturas para com as exigências
de reconstrução de um sistema de 'Direito Civil constitucional', enquanto idônea
a realizar, melhor do qualquer outra, a funcionalização das situações patrimoniais
àquelas existenciais, reconhecendo a estas últimas, em atuação dos princípios
constitucionais, uma indiscutida preeminência. Mesmo interesses materiais
e suscetíveis de avaliação patrimonial, como instrumentos de concretização
de uma vida digna, do pleno desenvolvimento da pessoa e as possibilidade
de libertar-se das necessidades (libertà dal bisogno), assumem o papel
de valores.250
Jorge Manuel Coutinho de Abreu, após analisar as construções postas até o
momento, reconhece que o abuso do direito ocorre tanto na ação quanto na omissão
do titular do direito subjetivo. O autor reconhece os direito subjetivos como "meios de
satisfação das necessidades pessoais"251, desta forma, o abuso do direito
contemporaneamente encontra significado nas suas considerações:
248
249
250
251
PINHEIRO, op. cit., p.108-109.
Ibidem, p.109.
PERLINGIERI, op. cit., p.32.
ABREU, op. cit., p.43.
87
[...] se se invoca um direito para legitimar um comportamento inadequado
àquela funcionalidade, essa invocação é espúria, pois tal comportamento
não pode então traduzir as faculdades que o direito se analisa. Isto é, não
pode em rigor falar-se nesse caso de exercício de um direito – por mais que
o comportamento pareça selo (residindo, porém, nesta aparência, o sinal
distintivo do abuso do direito, em relação à pura e simples ilegalidade). Mas
só isto não basta. A simples não actuação ou mesmo negação de interesses
próprios pelo sujeito de um direito é juridicamente irrelevante enquanto se
não projectar na esfera de interesses e outrem. Só quando o referido
comportamento for susceptível de causa um prejuízo não insignificante a um
terceiro se configurará o abuso do direito.252
Edilton Meireles define o abuso do direito como "[...] exercício de um direito que
excede manifestamente os limites impostos na lei, pelo seu fim econômico ou social,
pela boa-fé e pelos bons costumes, decorrente de ato comissivo ou omissivo."253
Cunha de Sá, ao tratar do viés legal do abuso do direito em Portugal, afirma
sua tradução como
[...] acto ilegítimo, consistindo a sua ilegitimidade precisamente num excesso de
exercício de um certo e determinado direito subjetivo: hão-de ultrapassar-se
os limites que ao mesmo direito são impostos pela boa-fé, pelos bons
costumes ou pelo próprio fim social ou económico do direito exercido.254
Luis Alberto Warat considera o ato abusivo como uma ilicitude carregada de
metajuridicidade, destacando-se, portanto, o viés ético que encerra a apreensão do
abuso do direito. Trata-se de uma forma de responsabilizar quem o praticou pelo
prejuízo causado, porque, apesar de o ordenamento tutelar um direito, devem-se ter
em mente os limites para o seu exercício.255
Humberto Theodoro Júnior, ao comentar o Código Civil de 2002, assim se
manifesta:
O titular de qualquer direito para conservar-se no campo da normalidade
não basta legitimar sua conduta dentro das faculdades reconhecidas pelas
normas legais em face de sua individual situação jurídica. Haverá de cuidar
para que o uso das prerrogativas legais não se desvie para objetivos ilícitos
252
ABREU, op. cit., p.43-44. O autor pondera que se utiliza da palavra comportamento justamente
para que possa falar em ação e omissão do titular do direito.
253 MEIRELES, Edilton. Abuso do direito na relação de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p.22.
254 SÁ, F., op. cit., p.103.
255 WARAT, op. cit., p.295.
88
e indesejáveis, dentro do contexto social. O abuso de direito acontecerá
justamente por infringência desse dever e se dará sempre que o agente invocar
uma faculdade prevista em lei, aparentemente de forma adequada, mas
para alcançar um objetivo ilegítimo ou não tolerado pelo consenso social.256
O atual estado da arte indica, portanto, que o abuso do direito não possui um
enunciado desprovido de carga axiológica, bem como resta evidente a preocupação
com a finalidade no exercício do direito pelo seu titular. Abusar do direito, portanto,
significa exercer um direito conferido pelo ordenamento jurídico de forma que sejam
extrapolados limites como a finalidade social ou econômica deste direito, os bons
costumes e a boa-fé.
A aplicação do abuso, o reconhecimento de que o titular pode exercer seu
direito para além de limites, entrando em choque com os direitos dos demais, trata-se
de evidente quebra do paradigma liberal, norteado pelos contornos fechado das normas
e pelo individualismo. Importa não somente a validade formal do ato praticado, mas
também o seu conteúdo axiológico-material.
Diante de todos esses esclarecimentos e caminhos que a teoria do abuso do
direito vem ganhando, denota-se que se trata de um princípio normativo257, o que
significa que não precisa estar prevista258 expressamente para que possa ser aplicada.
256
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo código civil: dos defeitos do negócio
jurídico ao final do livro III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v.3. Tomo II. p.113.
257 ABREU, op. cit., p.49.
258 De toda sorte, a primeira legislação que previu a figura do abuso do direito foi o Código Civil da
Prússia, em 1794. (NOVISKI, Kássia Renate Silvia Noviski. O abuso de direito na esfera contratual.
In: NALIN, Paulo; VIANNA, Guilherme Borba (Coord.). Direito em movimento. Curitiba: Juruá,
2007. p.165). Outros Códigos Civis que possuem o abuso do direto previsto, na atualidade, por
exemplo são: o da Alemanha (§ 226. O exercício de um direito não é permitido quando tem por
fim único causar prejuízo a outrem), de Portugal (art. 334. É ilegítimo o exercício de um direito,
quando o titular exceda manifestamente os limites importados pela boa-fé, pelos bons costumes
o
ou pelo fim social ou econômico desse direito.), da Suíça (art. 2. Todos estão obrigados a exercer
seus direitos e executar suas obrigações segundo as regras da boa-fé), da Argentina (art. 1071.
O exercício regular de um direito próprio ou o cumprimento de uma obrigação legal não podem
constituir como ilícito nenhum ato. A lei não ampara o exercício abusivo dos direitos. Se considerará
assim aquele que contrarie os fins a que aquela tem como objetivo ao reconhece-los ou que exceda
os limites impostos pela boa-fé, pela moral e pelos bons costumes.). Em países como França,
Espanha e Bélgica, o abuso do direito aparece como princípio na construção jurisprudencial.
(THEODORO JÚNIOR, op. cit., p.114-115). Na Itália, o abuso do direito também decorre de
construções jurisprudenciais. A Rússia também prevê o abuso do direito em seu Código Civil e há
o
quem defenda que talvez se trata do mais preciso tratamento ao tema (art. 1. Os direitos civis
são tutelados pela lei, salvo os casos em que os mesmos se exercitem em oposição com seu
destino econômico-social). (CARVALHO NETO, Inácio de. Abuso do direito. 2.ed. Curitiba:
Juruá, 2003. p.33-35).
89
No Brasil, a abusividade de atos encontra diversas previsões legais. A Constituição Federal especialmente trata se abuso do poder de autoridade259 ou abuso do
poder econômico.260 Porém, como adiante se verá, abuso do poder perpetrado por
uma autoridade não deve ser confundido com o abuso do direito aqui tratado.
O Código de Processo Civil, por sua vez, fala em abuso do direito na demanda, por
exemplo, quando prevê as hipóteses de litigância de má-fé. O Código de Defesa do
Consumidor traz, por exemplo, previsões contra cláusulas abusivas quanto ao
fornecimento de produtos e serviços.261
259
o
Como exemplos constitucionais, podem ser citados os artigos 5. , XXXIV, a, LXVIII e LXIX, que tratam
o
de instrumentos de reação dos particulares ao poder do Estado, e também o artigo 14, § 9. .
o
Art. 5. [...]
XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Púbicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso
de poder;
[...]
LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado
por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for
autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
260 Como exemplo, os artigos 14, § 10 e 173, § 4.o.
Art. 14 [...]
§ 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado perante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias
contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção
ou fraude.
Art. 173 [...]
o
§ 4. A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à
eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
261 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento
de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer
natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações
de consumo entre o fornecedor e o consumidor, pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada,
em situações justificáveis;
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste
Código;
III - transfiram responsabilidades a terceiros;
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em
desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
V - (Vetado);
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido
ao consumidor;
90
No âmbito do Direito do Trabalho, deve ser mencionada a lei de greve (Lei
o
n. 7.783/89), que define em seu artigo 14 a greve abusiva, sendo aquela que
contraria as normas existentes na própria lei e que mantenha a paralisação após ser
firmado acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho, ou ainda após decisão
normativa da Justiça do Trabalho. O parágrafo único do mesmo dispositivo legal trata
da greve tida como não-abusiva na vigência de acordo coletivo ou convenção coeltiva.262
Menciona-se a presença do abuso do direito na Lei de Introdução ao Código
Civil, por causa da determinação contida no artigo 5.o, quanto à aplicação da lei, pelo
juiz, atendendo aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.263
Quanto ao Código Civil de 1916, o abuso do direito não encontrava previsão direta e
expressa, era deduzido pela interpretação do contido no art. 160, I.264 O Código Civil
XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual
direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato,
após sua celebração;
XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.
o
§ 1. Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a
ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e
conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
o
§ 2. A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de
sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.
262 Art. 14. Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei,
bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da
Justiça do Trabalho.
Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do
exercício do direito de greve a paralisação que:
I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;
II - seja motivada pela superveniência de fato novo ou acontecimento imprevisto que modifique
substancialmente a relação de trabalho.
263 Art. 5.o Essa menção aparece em NOVISKI, op. cit., p.167.
264 THEODORO JÚNIOR, op. cit., p.115. Importante mencionar, no entanto, que Inácio de Carvalho
Neto também defende que, no Código de 1916, outros dispositivos legais também mencionavam
indiretamente a teoria, tais como os arts. 526, 584, 585, 587, 1530 e 1531. (CARVALHO NETO,
op. cit., p.29). Transcreve-se todos os dispositivos do Código de 1916 a que se faz referência na
presente nota de rodapé, para uma melhor apreensão:
Art. 160. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.
Art. 526. A propriedade do solo abrange a do que lhe está superior e inferior em toda a profundidade,
úteis ao seu exercício, não podendo, todavia, o proporietário opor-se a trabalhos que sejam
empreendidos a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse algum em impedi-los.
Art. 584. São proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar para uso ordinário, a água de
poço ou fonte alheia, a elas preexistente.
91
de 2002, por sua vez, consagrou expressamente o abuso do direito em seu artigo
187265, inspirado na legislação portuguesa.
2.2.1
Abuso do Direito e Figuras Afins
Não se confundem o abuso do direito e o ilícito subjetivo civil (ou ilicitude
própria).266 A importância da diferenciação reside no fato de reconhecer o abuso do
direito como instituto jurídico independente, autônomo do ato ilícito.267
O ato ilícito subjetivo, típico, é aquele no qual o sujeito age afrontando
claramente a norma, age de maneira contrária à norma direta e objetivamente, assim,
em verdade, o indivíduo não tem direito.268
No abuso do direito, o indivíduo exercita seu direito e contraria os limites da
finalidade (econômica, social) da boa-fé e dos bons costumes. Como afirma Fernando
Noronha, o que importa para o abuso do direito são os fins alcançados que fazem
com que uma conduta que em princípio seria considerada lícita, torne-se ilícita.
265
266
267
268
Art. 585. Não é permitido fazer escavações que tirem ao poço ou à fonte de outrem a água necessária.
É porém, permitido fazê-las, se apenas doiminuírem o suprimento do poço ou da fonte do vizinho,
e não forem mais profundas que as deste, em relação ao nível do lençol d'água.
Art. 587. Todo proprietário é obrigado a consentir que entre no seu prédio, e dele
temporariamente use, mediante aviso prévio, o vizinho, quando seja indispensável à reparação ou
limpeza, construção e reconstrução de sua casa. Mas, se daí lhe provier dano, terá direito a ser
indenizado.
Art. 1530. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a
lei permita, ficará obrigado a esperar o tempo que fatlava para o vencimento, a descontar os juros
correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro.
Art. 1531. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as
quantias recebidas, ou pedir mais do que for devido, ficaráobrigado a pagar mão devedor, no
primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir,
salvo se, por lhe estarprescrito o direito, decair a ação.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente
os limites impostos pelo seu fim econômicoou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos do direito das obrigações e
introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1. p.370-371.
Como muito bem acentua Rosalice Fidalgo Pinheiro, os juristas da Modernidade não conseguiam
delinear o abuso do direito fora de conceitos jurídicos que já faziam parte do ordenamento,
justamente por conta da carga de individualismo-normativista que carregou os ordenamentos e o
pensamento da época. (PINHEIRO, op. cit., p.110-111). Até ser reconhecida a autonomia do
abuso do direito, concebiam-se atos ilícitos ou lícitos, conforme se atuava dentro ou em afronta ao
codificado, como visto no item anterior do presente estudo.
MEIRELES, Abuso do direito..., p.28.
92
O autor afirma que o ato abusivo trespassa a barreira do ilícito subjetivo para entrar
na categoria dos atos ilícitos objetivos, também denominados antijurídicos.269
Aproveitando as explicações de Fernando Noronha, a fim de reforçar as duas
espécies de ilicitude mencionadas, relate-se que há a acepção ampla de ilicitude e a
acepção restrita. A ampla também é denominada de ilicitude objetiva, significando
qualquer ação humana que não seja conforme o direito, considera-se o ato em si,
será também sinônima de ato antijurídico. Quanto à restrita, denominada de ilicitude
subjetiva, o ato ilícito será a violação do direito alheio de uma forma subjetivamente
reprovável, ou seja, importa o elemento subjetivo (dolo ou culpa) do agente.270
No ato ilícito subjetivo, portanto, o indivíduo não invoca um direito propriamente
dito para exercê-lo, pelo contrário, afronta diretamente algo previsto no ordenamento
jurídico. Adentrando aqui com um exemplo do contrato de trabalho, seria o caso de
ilícito comum quando o empregador realiza revistas íntimas nos seus empregados,
porque viola frontalmente o contido no artigo 373-A, VI271 da CLT. No caso do abuso
do direito, há o direito, mas o titular dele abusa ao exercitá-lo.
Embora o artigo 187 do Código Civil esteja inserido em capítulo destinado à
previsão do ato ilícito, deve-se reconhecer, portanto, que não se confunde com o
ilícito comum, até mesmo porque possível entendê-lo como ilicitude do tipo objetiva
(sem a necessidade de perquirir a intenção do agente para sua configuração), enquanto
aquele é marcado pela subjetividade.272 Importante mencionar que em reunião
realizada no Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em setembro
269
270
271
NORONHA, op. cit., p. 371.
Ibidem, p.361-362.
Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso
da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas,
é vedado:
[...]
o
a
Cite-se o Enunciado n. 15 aprovado pela 1. Jornada de Direito Material e Processual na Justiça
do Trabalho: 15. REVISTA DE EMPREGADO.
I – REVISTA – ILICITUDE. Toda e qualquer revista, íntima ou não, promovida pelo empregador
ou seus prepostos em seus empregados e/ou em seus pertences, é ilegal, por ofensa aos direitos
fundamentais da dignidade e intimidade do trabalhador.
II – REVISTA ÍNTIMA – VEDAÇÃO A AMBOS OS SEXOS. A norma do art. 373-A, inc. VI, da
CLT, que veda revistas íntimas nas empregadas, também se aplica aos homens em face da
o
igualdade entre os sexos inscrita no art. 5. , inc. I, da Constituição da República. Disponível em
Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/jornada/anexos/ementas_aprovadas.pdf>. Acesso
em: 21 jan. 2008.
VI - proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.
272 NORONHA, op. cit., p.371.
93
de 2002, divulgou-se o seguinte enunciado (de número 37), adotando claramente
para a ilicitude do tipo objetiva: "A responsabilidade civil decorrente do abuso do
direito independe de culpa, e fundamenta-se no critério objetivo-finalísitico."273
Defendendo a aplicação objetiva da ilicitude, Judith Martins Costa preleciona:
[...] o art. 187 precisa ser compreendido à vista de uma nova metodologia
introduzida pelo Código, que opera a separação (metodológica) entre ilicitude e
dever de indenizar, não aludindo diretamente nem ao elemento subjetivo (culpa),
nem ao dano, nem à responsabilidade civil, o que abre ensejo: a sua maior
inserção no campo do direito da Personalidade, possibilitando visualizar novas
formas de tutela, para além da obrigação de indenizar, e à compreensão de
que pode haver ilicitude sem dano e dano reparável sem ilicitude.274
O abuso de direito não pode ser confundido com o desvio de poder, pois este
ocorre quando se fala em atos praticados por agentes públicos atuando no espaço
de discricionariedade de poder, o qual lhes é conferido pelo ordenamento. Dessa
forma, desvio de poder liga-se aos atos administrativos. O abuso do direito, como visto,
ocorrerá nas relações privadas, porque ligado ao exercício de direitos subjetivos.275
Celso Antônio Bandeira de Mello explica o que seria o desvio de poder na
Administração Pública: "Sucintamente, de modo mais preciso, pode-se dizer que
ocorre desvio de poder quando um agente exerce uma competência que possuía
(em abstrato) para alcançar uma finalidade diversa daquela em função da qual lhe
foi atribuída a competência exercida."276
Distinguem-se o abuso do direito e o desvio de poder especialmente porque a
Administração Pública em geral deve resguardar, em seus atos, o interesse público.
Os particulares, por sua vez, atendem às finalidades que lhes interessam, desde, é
claro, respeitadas todas as considerações já traçadas sobre a abusividade do exercício
dos direitos que lhe são outorgados.
Não se pode confundir o abuso de direito com fraude à lei. Embora na prática
por vezes seja difícil reconhecer a distinção entre as figuras, elas efetivamente não
se confundem. Quem atua em fraude à lei simula uma situação jurídica que na
273
274
THEODORO JÚNIOR, op. cit., p.118-119.
MARTINS COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil: do inadimplemento das obrigações.
Rio de Janeiro: Forense, 2003. v.5. p.127.
275 ABREU, op. cit., p.79.
276 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 7.ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: Malheiros, 1995. p.228.
94
realidade não existe, atuando por meios lícitos, utilizando como fundamento um
outro dispositivo legal previsto no ordenamento. Trata-se de uma ilicitude comum.
A aparente congruência ocorre porque aquele que atua em abuso do direito,
não atua sem ser agasalhado por um direito previsto na ordem jurídica.277 Todavia,
no ato abusivo atua contra a finalidade axiológica da lei, contrariando a finalidade
econômica e social, a boa-fé e os bons costumes. A partir disso, detém-se que na
fraude à lei a contrariedade ocorre no âmbito formal, no abuso do direito, por sua
vez, ocorre no plano axiológico-material.
Jorge Manuel Coutinho de Abreu explica, ainda, que o abuso do direito "[...]
parece ser o exercício da norma – e apenas dela- em que o direito se prevê. Por sua
vez, nos actos fraudulentos, há a assinalar a norma cuja proibição é violada e uma
outra com que se pretende encobrir essa norma."278
Comprando-se o abuso do direito e a colisão de direitos279, nota-se que
guardam, também, distinções. Para se falar em colisão de direitos, deve-se supor
que o ordenamento jurídico tutela diversas situações em relação às quais mais de
uma pessoa, simultaneamente, podem ter prerrogativas sobre um determinado
objeto, ou mesmo numa relação.
Assim, quando se fala em colisão de direitos, ambos titulares têm o direito e
deverão harmonizá-los para que possam dele tirar proveito. A doutrina exemplifica a
colisão com o caso de duas pessoas que detêm sobre o mesmo prédio o direitos
iguais de servidão por um caminho que permite a passagem de uma delas em cada
oportunidade. Os indivíduos deverão harmonizar suas prerrogativas para conseguirem
usufruir dessa passagem de forma igual, harmônica.280 Violada a prerrogativa do
outro, no entanto, estar-se-á diante do ilícito comum.
Relembre-se novamente, aquele que atua abusivamente em seu direito,
formalmente exercita esse direito, porque, em verdade, descumpre o limite axiológico
277
278
279
LAUTENSCHLÄGER, op. cit., p.107.
ABREU, op. cit., p.85.
O Código Civil Português, após fazer a previsão do abuso do direito (vide nota de rodapé número
254), traz previsão sobre a colisão de direitos: Art. 335. Colisão de direitos. 1.Havendo colisão de
direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que
todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. 2. Se os
direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.
280 ABREU, op. cit., p.86.
95
e, portanto, não mais tem o direito ou atua além do seu limite. Todavia, torna-se
possível falar em abuso de direito na colisão de direitos quando
[...] o seu titular faz uso do direito violando o princípio da boa-fé, os bons
costumes ou, ainda, por desrespeitar a função econômica ou social de seu
direito. Seria o caso de um condômino que, sem haver uma específica norma
disciplinando o uso do elevador não respeita a ordem de chegada [...] não
dá preferência ao idoso, à mulher grávida, ao deficiente [...].281
2.3
APLICAÇÃO DA TEORIA DO ABUSO DO DIREITO NO CONTRATO DE
TRABALHO
Cumpre ressaltar que o advento da teoria do abuso do direito encontrou
espaço profícuo de desenvolvimento no contrato de trabalho, servindo como fonte
de inspiração para várias sanções legais aos empregadores deles praticantes.
O exemplo citado pela doutrina advém da Corte de Cassação francesa, de 1924.
Na decisão, foi considerada abusiva a dispensa sem justa causa de um empregado,
pois a empresa, mesmo sabendo que as ausências ao posto de trabalho ocorreram
por prescrição médica, rescindiu o contrato de trabalho. Até então, a invocação da
abusividade da conduta da empresa era possível porque a lei não proibia a dispensa
sem justa causa do empregado.282
Em verdade, a aplicação da teoria do abuso do direito no contrato de trabalho
encontra terreno fértil para, notadamente em se tratando do poder exercido pelo
empregador. Como visto no capítulo anterior, às partes não é possível prever, no
momento da contratação, todas as situações às quais estarão sujeitas durante a
relação empregatícia.
Cotidianamente o empregador dirige a prestação de serviços e preenche a
relação com seus empregados. Estes, por sua vez, realizam as ordens e diretrizes
emanadas do comando exercido pelo empregador, de forma a atingir a finalidade a
281
282
MEIRELES, Abuso do direito..., p.31.
WARAT, op. cit., p.290
96
que se propõe a empresa. Além disso, verifica-se que existem vínculos mesmo na
fase de pré-contratação como após o encerramento do contrato que devem ser
tutelados e abrangidos pelo abuso do direito, ante a peculiaridade que encerra a
relação empregatícia:
A relação de trabalho não é um negócio circunstancial, nem uma fugaz transação
mercantil, mas contém, vínculos sociológicos pessoais e permanentes. Ainda
que originada de um fato econômico, não pode resumir-se exclusivamente em
direitos e deveres patrimoniais; coexistem vínculos de ordem moral e espiritual
que, em uma moderna concepção de trabalho, não devemos desconhecer.283
Não se deve esquecer que, hodiernamente, os direitos e deveres advindos do
contrato de trabalho não mais podem ser encarados apenas como a prestação –
empregado labora – e a contraprestação – empregador paga salário. É fato que a
ligação entre preceitos celetistas, civis e constitucionais permite a aplicação, no contrato
de trabalho, de institutos como a função social do contrato e a boa-fé objetiva.
Ora, se o poder diretivo do empregador decorre de uma situação jurídica subjetiva,
não menos importantes são os direitos de personalidade284 do empregado, que podem
ser eleitos como parâmetros para aferição, na prática, até onde o exercício daquele
poder diretivo é legítimo, ou, por outro viés, a partir de onde ele é abusivo. "Quando
os direitos do empregador e do empregado entram em choque, faz-se oportuno
traçar até onde o primeiro detém poder de mando sobre o segundo, em face dos
direitos constitucionalmente garantidos."285
Nas palavras de Octavio Bueno Magano:
A empresa moderna não pode ser concebida como instrumento de realização
de interesses unilaterais de proprietários. [...] Reconhecida a existência do
interesse da empresa, erige-se ato contínuo baliza limitadora do poder diretivo.
Com efeito, se tal interesse existe e deve ser preservado, por constituir a
síntese de outros interesses legítimos, toda ação que dele se afaste mostra-se
abusiva.286
283
BOTIJA, Pérez apud PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner
Giglio. São Paulo: Ltr, 1993. p.272.
284 Considerações sobre os direitos de personalidade serão traçadas no capítulo posterior.
285 SIMÕES, Felipe Siqueira de Queiroz. Internet: direito do empregado x interesse do empregador.
Síntese Trabalhista. Administrativa e Previdenciária. Porto Alegre, v.16, n.189, p.151, mar. 2005.
286 MAGANO, op. cit., p.239.
97
Já se sinaliza, portanto, para a franca aplicação do abuso do direito no contrato
de trabalho, uma vez que o poder diretivo do empregador deve estar em consonância
com a finalidade proposta pelo âmbito empresarial.
O arcabouço de valores erigidos pelo legislador constituinte de 1988 engendra,
como dito no primeiro capítulo, o primado da livre iniciativa (arts. 1.o, IV e 170).
A empresa deve ser entendida como uma espécie de propriedade privada por
excelência e não uma propriedade despreocupada com a realidade, mas preocupada
com o contexto, que deve zelar por sua função social (art. 170, III), pela defesa do
consumidor (art. 170, V), pela defesa do meio ambiente (art. 170, VI) pela busca do
pleno emprego (art. 170, VIII).
A empresa também deve ser sustentável, portanto.
Não menos importante, relembre-se: a Constituição traz como princípio norteador
a dignidade da pessoa humana e o solidarismo que se espraia em todos os aspectos
tratados anteriormente. Referindo-se à Constituição, Eduardo Baracat assevera que
ela "[...] impôs um repensar sobre a forma com que se tem aplicado o Direito, em
especial o Direito do Trabalho [...]."287
A visão jurídica da atividade empresarial, portanto, deve ser a partir das
premissas constitucionais, a fim de que tenha sustentabilidade. Nas palavras de
Dallegrave Neto:
[...] a empresa terá sustentabilidade plena, a qual envolve não apenas a sua
suportabilidade material (recursos e insumos), mas, acima de tudo, compromisso
social perante a comunidade e parceiros internos (empregados e empresas
terceirizadas), além de oferecer segurança para os parceiros externos
(fornecedores e investidores).288
Hodiernamente, a ética empresarial tem ganhado espaço e encerra fatores
internos e externos: está relacionada às pessoas que nela trabalham e a todas as outras
com as quais ela se relaciona. A empresa ética deve resguardar não somente seus
interesses econômicos, mas também atitudes que não prejudiquem especialmente
287
288
BARACAT, op. cit., p.49.
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Compromisso social da empresa e sustentabilidade:
aspectos jurídicos. Revista LTr, São Paulo, ano 71, n.3, p.348, mar. 2007.
98
seus empregados.289 O poder diretivo do empregador, neste contexto, deve ser
realizado de forma que esteja aliado à ética e à sustentabilidade.
Diante de todas essas premissas, a teoria do abuso do direito aplica-se no
contrato de trabalho, em especial com relação ao poder diretivo do empregador, por
força do artigo 8.o, § único da CLT, que prevê a aplicação supletiva do direito comum
ao direito do trabalho. Com efeito:
Ao entrar em vigor o novo Código Civil brasileiro, a aplicação das cláusulas
gerais da boa-fé, da função social e do abuso do direito na órbita do contrato de
trabalho tornou-se imediata, de acordo com o comando do parágrafo único
o
do art. 8. da CLT, que aponta o direito comum como fonte subsidiária do
direito do trabalho naquilo em que não for incompatível com os princípios
fundamentais deste. Deveras, tais princípios são informadores do direito das
obrigações, inclusive daquelas oriundas do contrato de trabalho [...].290
Mas, em verdade, mesmo antes da vigência do Código Civil já se poderia
aplicar o abuso do direito, porque, como dito no item anterior do presente capítulo,
trata-se de um princípio advindo da superação do paradigma individualista Liberal.
Assim deve ser com o Direito do Trabalho, a CLT deve ser oxigenada por valores
previstos na ordem jurídica que tornem a relação empregado-empregador mais
digna, porque, como já falado, as mudanças econômicas têm afetado tais relações
de forma significativa.
Relembre-se que o poder diretivo do empregador trata-se de uma situação
jurídica subjetiva291 e comporta, pois, a aplicação da teoria do abuso do abuso do
direito nas suas manifestações práticas, no contrato de trabalho.
Em que pese no item anterior, onde se traçaram as considerações teóricas
sobre o abuso do direito o pensadores mais se referirem a direito subjetivo, isto
em nenhum momento, na atual realidade, significa dizer que as situações jurídicas
subjetivas não estariam abrangidas pelo abuso do direito. Aliás, como visto292, o
direito subjetivo é categoria que está contida na idéia de situação jurídica subjetiva.
A quebra do ideário liberal normativista-individualista determinou a concepção de
289
290
291
292
DALLEGRAVE NETO, Compromisso social..., p.348.
DALLEGRAVE NETO, Responsabilidade civil..., p.344.
Remete-se ao item 1.3.5 da presente pesquisa.
Remete-se igualmente ao item 1.3.5 da pesquisa.
99
que o sujeito não é um fim em si mesmo, que suas ações devem ter em vista os
outros, a coletividade.
Quanto ao cabimento do abuso do direito nas situações jurídicas subjetivas,
Pietro Perlingieri explica que
As situações subjetivas sofrem uma intrínseca limitação pelo conteúdo das
cláusulas gerais e especialmente daquela de ordem pública, de lealdade, de
diligência e de boa-fé. O ordenamento reconhece a propriedade de um bem,
a titularidade de um crédito, somente enquanto o direito for exercido em
conformidade com as regras; se assim não acontecer, o interesse não será
nem reconhecido e nem tutelado. Apresentam-se, assim, duas importantes
figuras: o abuso da situação subjetiva e o excesso de poder.293
Entendidas as diferenças entre abuso do direito e abuso do poder e sendo o
poder diretivo do empregador de trato privado, pois não faz parte dos poderes da
Administração Pública, resta claro que, se exercido para além dos limites da finalidade
econômica e social, dos bons costumes e da boa-fé, será abusivo e, portanto, ilícito,
passível de sanções.
Reitere-se, ainda, que o abuso do direito atua tanto na execução do contrato de
trabalho como na fase de pré-contratação e pós-contratação.
2.4
CARACTERIZAÇÃO DO ABUSO DO DIREITO
Afirmada a possibilidade de aplicação do abuso do direito no contrato de trabalho,
os critérios a seguir tratados para sua caracterização encerrarão considerações sobre
a aplicação da teoria no referido âmbito.
293
PERLINGIERI, op. cit., p.122. A aplicação do abuso do direito nas situações jurídicas subjetivas
também é afirmada por PINHEIRO, , op. cit., p.29-51.; SÁ, , Abuso do direito., p.612.;
MEIRELES, Abuso do direito..., p.28.
100
2.4.1
A Boa-Fé294
Humberto Theodoro Júnior assevera que a boa-fé tem se apresentado como um
princípio capaz de se amoldar às mudanças sociais, por isso mesmo as legislações
atuais, em sua grande maioria, têm-na trazido como balizadora do abuso do direito.
Como exemplos, citam-se o Código Civil da Suíça, de Portugal, da Argentina.295No
Brasil não foi diferente, ou seja, o indivíduo, portanto, exercerá seu direito dentro do
estabelecido pela norma jurídica, encontrado como um de seus limites a boa-fé.
Para que a boa-fé possa ser abordada, há que se fazer a sua divisão e
distinção de significados (e, como será discutido adiante, de efeitos), já arraigados
na doutrina que trata do tema: subjetiva e objetiva. O tema comporta uma dualidade,
uma ambivalência de sentidos, são duas visões jurídicas de boa-fé.
Há sistemas jurídicos, como no alemão, em que são utilizadas, ortograficamente
falando, categorias diferentes para expressar uma e outra faceta da boa-fé. No BGB,
a boa-fé subjetiva aparece como Gutglauben296 e, por sua vez, a objetiva é Treu
und Glauben297.
A boa-fé que importa ao presente estudo consubstancia-se no sentido
(e aplicação) objetivo. Por isso mesmo, passa-se a diferenciá-la da subjetiva para
chegar a uma definição mais precisa de seu conteúdo, bem como de suas funções.
Como dito, a boa-fé objetiva se perfaz numa faceta de equilíbrio298 nas
relações, especialmente nos contratos, aqui entendido, também, o contrato de trabalho.
A boa-fé objetiva caracteriza-se no dever de os sujeitos agirem com honestidade,
lealdade, probidade, correção, lisura. Valores cujos parâmetros, padrões de conduta
serão definidos conforme o caso concreto.
294
As considerações traçadas no presente subitem fazem parte de um estudo já publicado, cabendo
ressaltar que foram feitas pequenas adaptações. (PAVELSKI, Ana Paula. Funções da boa-fé
a
objetiva no contrato individual de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 9.
Região, Curitiba, ano 31, n.56, p.133-175, jan./jun. 2006).
295 THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 119-120.
296 GUICHARD, Raul. Da relevância jurídica do conhecimento no direito civil. Porto: Universidade
Católica Portuguesa, 1996. p.53.
297 Idem.
298 GOMES, Rogério Zuel. A boa-fé objetiva e a sua função de equilibrio na relação contratual.
Revista Bonijuris, Curitiba, v.5, n.473, p.13, abr. 2003.
101
É um "modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o
qual cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como
obraria um homem reto [...]."299 Ainda a esse respeito:
É uma pauta de conduta da qual se pode abstrair uma norma que obriga as
partes. Mais do que um estado de consciência, a boa-fé objetiva é um
padrão de conduta que pode construir obrigações, auxiliar na interpretação
das declarações e vontade ou completar lacunas da lei ou do contrato.300
Salienta-se que no Brasil, a boa-fé objetiva esteve presente no Código Comercial,
com uma função interpretativa dos contratos, padecendo pouco utilizada. Após, o
Código do Consumidor previu-a expressamente, transformando-a em instituto utilizado
nas decisões, quando então em 2002 o Código Civil trouxe a previsão. Mesmo antes
da previsão legal do Código do Consumidor, a aplicação poderia ocorrer sob a égide
da confiança. Nesse sentido:
A fidelidade tem estreita relação com a vida social humana, pois deriva da
confiança depositada mutuamente. Não é de estranhar-se, portanto, que a
crença recíproca seja um elemento informador dos mais variados
ordenamentos normativos humanos. Seria impossível imaginar que os seres
humanos resolvessem viver em grupos sem que houvesse um mínimo de
confiança recíproca, ainda que surgida da necessidade de proteção comum
frente a inimigos.301
A confiança também é um dos principais elementos do contrato de trabalho.302
A partir dessas considerações, importante ressaltar a boa-fé objetiva como
um reforço material do contrato303. Reforço cuja definição recebe um contorno, um
conteúdo próprio à medida que desenrolada a prática da relação. Trata-se de
cláusula geral que comportará preenchimento a cada concreto. Os parâmetros
quanto ao significado de boa-fé existem, a seguir serão vistos, mas se amoldam à
relação concreta. "Não é possível, efetivamente, tabular ou arrolar, a priori, o
299
300
301
302
303
MARTINS COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.411.
ARAUJO, Francisco Rossal de. A boa-fé no término do contrato de emprego; o pagamento das
verbas rescisórias [resilitórias]. Síntese Trabalhista, Porto Alegre, v.1, n.129, p.19, mar. 2000.
ARAÚJO, Francisco Rossal. A boa-fé no contrato de emprego. São Paulo: LTr, 1996. p.23.
PLÁ RODRIGUEZ, op. cit., p.273.
CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina,
1997. p.331.
102
significado da valoração a ser procedida mediante a boa-fé objetiva, porque se trata
de norma cujo conteúdo não pode ser rigidamente fixado, dependendo sempre das
circunstâncias do caso."304
Nesse campo de atuação da boa-fé, ou seja, para a boa-fé objetiva, a antítese
não é a má-fé, mas a "exteriorização de um comportamento ímprobo [sic], egoísta
ou reprovável, verificado sob a ótica da vida em harmonia dentro da comunidade."305
O próximo passo verifica-se, então, na necessidade de definir, delimitar a
atuação da boa-fé objetiva no contrato individual de trabalho, para conseguir uma
melhor especificação de seu conteúdo na prática (e partir dela). Dentro do contexto
do presente estudo, para que se possa identificar a boa-fé como parâmetro para a
verificação do abuso do direito, são descritas as suas funções, para que, feitos os
esclarecimentos necessários, alinhavem-se suas ligações com o contrato individual
de trabalho.
Com efeito, a aplicação da boa-fé como um princípio imanente também ao
contrato de trabalho já tem sido defendida por Américo Plá Rodriguez, para quem o
instituto "tem no Direito do Trabalho um sentido muito especial, em virtude do
componente pessoal que existe neste ramo jurídico."306 Remete-se às reflexões
lançadas no primeiro capítulo do presente estudo, o vínculo empregatício necessita de
uma visão mais ampla, pautada nos valores constitucionais e não somente na CLT.
A aplicação da boa-fé de forma subsidiária307 ao contrato de trabalho, por
conta da previsão do art. 422 do Código Civil e mesmo por causa da aplicação do
art. 187, como norte para constatação do abuso do direito. Instituto de larga aplicação
no ramo civil, a boa-fé revela-se como uma oxigenação ao Direito do Trabalho,
conferindo-lhe ainda mais capacidade de aproximação com o social, com as constantes
mudanças a ele inerentes e características. Posicionamentos cuja gênese se perfaz
no caleidoscópio social e, normalmente, comportam divergências que demandariam
304
305
MARTINS COSTA, A boa fé... p.412.
MATEO JÚNIOR, R. A função social e o princípio da boa-fé objetiva nos contratos do novo
código civil. Disponível em: <www.jus.com.br>. Acesso em: 22 mar. 2002.
306 PLÁ RODRIGUEZ, op. cit., p.272.
307 O instituto da boa-fé objetiva, de cunho notadamente civil, não esbarra com nenhum princípio da
legislação trabalhista no sentido de negá-lo ou diminuí-lo quanto ao alcance. Muito pelo contrário.
A boa-fé tem conseguido dar conta das várias realidades que surgem na relação empregadoempregador, abarcando as mais diversas situações nela ocorridas. Remete-se aqui à previsão do
o
art. 8. da CLT, como já foi trazido no início do presente capítulo.
103
alterações legislativas308 mais eficientes e rápidas. Não se afirma aqui a desnecessidade
de atuação do legislador, mas a sensível aplicação da boa-fé objetiva às diversas
ocorrências, nelas se amoldando e trazendo respostas, como a seguir se demonstrará.
2.4.1.1 Interpretação
O Código Comercial de 1850, na disposição que tratava da boa-fé, exclusivamente
falava de seu caráter interpretativo aos contratos comerciais. Esta função revela-se
de grande utilidade prática, uma vez que as cláusulas de um contrato firmado devem
ser consideradas segundo os preceitos da boa-fé objetiva. Significa dizer: dentro de
padrões de honestidade, lealdade, transparência, enfim, de forma que ambas as
partes cooperem em igual monta para a realização da finalidade, do objetivo a que
se propuseram pelo contrato firmado
A interpretação pode ser para determinar o conteúdo de uma cláusula, para
delimitar o significado de um termo ou expressão que possam soar vagos ou, ainda,
para estabelecer quais serão os deveres de incumbência de cada contratante. Função
que não está adstrita à atividade interpretativa das partes envolvidas, mas do próprio
julgador, caso o contrato venha a dar ensejo a algum litígio.
O professor Flávio Alves Martins elucida que a interpretação tem
[...] o objetivo de determinar o sentido das estipulações contidas no pacto
celebrado, permitindo-se até a sua reconstrução pelo julgador, que pode
interferir, conseguintemente, nos direitos e deveres das partes envolvidas
na relação jurídica obrigacional [...].309
Dentro da linha310 lógica do mesmo autor, não há um caráter meramente
subsuntivo de uma norma que encerre a boa-fé objetiva. O juiz, ao contrário de apenas
aplicar esta norma ao caso concreto, como o faria num processo de subsunção, vai,
308
309
WARAT, op. cit., p.292-293.
MARTINS, Flávio Alves. A boa-fé objetiva e sua formalização no direito das obrigações
brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p.21.
310 Ibidem, p.22.
104
antes de tudo, ter de interpretar, identificar para depois construir o conteúdo da
norma aplicável àquele caso concreto em particular.
Realizando a função interpretativa dentro de um contrato – seja ele civil, seja
trabalhista –, o julgador, não necessariamente, modificará a essência da relação
obrigacional, poderá apenas fazer correções e retificações de modo a esclarecer o
conteúdo e significado das cláusulas que lhe compõem.
Judith Martins Costa, denomina a função em comento da boa-fé como
"cânone hermenêutico-integrativo"311. Assim, a boa-fé objetiva, além das possibilidades de interpretação elencadas anteriormente, vem a suprir lacunas não somente
internas aos contratos, mas considerados estes perante todo o ordenamento jurídico
vigente, e, também, aos acontecimentos concretos, pois as partes não são capazes
de prever e estabelecer considerações e estipulações sobre todos os acontecimentos.
Aplicando-se tal raciocínio especificamente ao Direito do Trabalho, citem-se
as palavras de Eduardo Milléo Baracat:
Interpretar e integrar o contrato, de acordo com o princípio da boa-fé significa
traduzir o comportamento das partes, de acordo com a finalidade e função
social da correspondente relação jurídica, vista, conforme sua complexidade,
como uma ordem de cooperação, não se tratando tão-somente da dialética
crédito (direito do empregador de dispor da mão-de-obra) e débito (dever do
empregado de prestar o trabalho), mas de um conjunto de direitos e
deveres, em que as partes visam a uma finalidade comum.
[...]
A função interpretativa-integrativa da boa-fé auxilia o operador do Direito do
Trabalho a, diante do fato concreto, qualificar a natureza da relação jurídica
existente, como também preencher as lacunas existentes desse mesmo
vínculo.312
Importante ressaltar que a boa-fé objetiva atua em todas as fases contratuais,
seja na formação do vínculo, seja na celebração do pacto, seja em sua execução,
bem como pós-contratualmente.
A boa-fé é chamada a determinar comportamentos que não fazem parte do
contrato ou mesmo do ordenamento jurídico, de maneira a viabilizar o objetivo do
contrato, de sua obrigação principal.
311
Ela também observa que esta expressão foi utilizada por Clóvis do Couto e Silva (MARTINS
COSTA, A boa fé..., p.428).
312 BARACAT, A boa-fé..., p.183.
105
Assim, atuando como cânone hermenêutico-integrativo, a interpretação das
estipulações de um contrato deve partir de seu sistema interno, ou seja, cada uma
das estipulações deve ser considerada com todo o resto do contrato, para que possa
ser encontrado seu mais amplo significado. Neste raciocínio, são precisas as
considerações comparativas de Judith Martins Costa:
Para a aclaração deste "sentido total" é imprescindível a referência ao princípio
da boa-fé, sendo o raciocínio, aqui, similar ao que se manifesta em matéria
de interpretação da lei quando se intenta averiguar o sentido de uma norma
ou de um complexo de normas, considerando-se os elementos de valoração
postos nos princípios fundamentais do sistema ou do conjunto normativo
em análise.313
Exemplificando a possibilidade juslaboralista da aplicação da boa-fé como forma
de interpretação, Baracat cita a identificação, num contrato, da subordinação jurídica
objetiva. Verificado que a atividade é essencial para o empresário (proprietário, a
quem pertence o risco da atividade econômica) e presentes os demais requisitos
celetistas (art. 3.o da CLT), estará caracterizado o contrato de emprego, ainda que o
pactuado seja uma prestação de serviços autônoma.314
2.4.1.2 Limite ao exercício de direitos subjetivos315
Esta função, também denominada de controladora316, trata da limitação e até
mesmo da supressão de um direito.
Como dito, os acontecimentos históricos demonstraram que não é possível,
nem justo e equilibrado o exercício de direitos sem alguma limitação, direitos subjetivos e mesmo as situações jurídicas subjetivas, notadamente o poder diretivo do
313
314
315
MARTINS COSTA, A boa fé..., p.431.
Tal hipótese é ventilada na obra de BARACAT, A boa-fé..., p.183-184.
No caso do contrato de trabalho e especificamente do poder diretivo do empregador, relembre-se
que sua natureza é de situação jurídica subjetiva, conforme exposado no primeiro capítulo da
pesquisa. De qualquer sorte, aplica-se o abuso do direito e a boa-fé no sentido ora retratados,
sendo que a justificativa para tanto está no presente capítulo, quando se justificou a aplicação da
teoria do abuso do direito no contrato de trabalho.
316 BARACAT, A boa-fé..., p.24.
106
empregado e a sua pretensão de exigir os serviços do empregado não são, de forma
alguma, absolutas.
O contrato deve ser caracterizado pela cooperação e colaboração entre seus
contratantes, de uma forma sinalagmática e equilibrada. A boa-fé é corolária desta
atuação das partes na medida em que determina certos deveres, certas formas de agir,
que, se não respeitadas, terão conseqüências diferenciadas conforme o caso concreto.
Quanto à limitação de exercício de direitos, a boa-fé objetiva é invocada a
atuar em campos como o da exceptio doli317, do abuso do direito, das teorias venire
contra factum proprium318, suppressio319 e tu quoque320. Abordar-se-á, a seguir, cada
um dos temas, sendo que, em relação ao abuso do direito, ressalte-se que, por ser um
dos pontos teóricos da presente pesquisa, sua aplicação pela boa-fé restará melhor
configurada no capítulo terceiro, em face dos direitos de personalidade do empregado.
A boa-fé objetiva, dentro dessas teorias, tem a função de definir seus conteúdos,
pois ao direito e mesmo às cláusulas contratuais, como já foi dito em seção anterior,
não é possível definir todas as hipóteses passíveis de ocorrência numa relação de
emprego, ainda mais se considerado o princípio da continuidade que permeia a
relação mencionada, tendendo esta a perdurar no tempo.
Por exemplo, no caso do venire contra factum proprium, não é possível uma
norma que defina todas as condutas da parte que possam ser contraditórias dentro
de uma relação obrigacional, consideradas todas as suas fases.
Assim, os casos concretos e a aplicação dos preceitos da boa-fé objetiva
viabilizam a limitação do exercício de direitos. A aplicação dessas teorias na prática
deverá, segundo o caso tratado, considerar os parâmetros de lealdade, honestidade,
cooperação – expressões características da boa-fé objetiva.
317
Por essa teoria, à parte não é permitido agir de maneira a prejudicar o outro, embora sua conduta
esteja respaldada por uma norma jurídica.
318 A parte age contrariando comportamento realizado anteriormente por ela mesma. (CORDEIRO,
A. M. da R. M., op. cit., p.742).
319 "o titular do direito, abstendo-se do exercício durante um certo lapso de tempo, criaria, na
contraparte a representação de que esse direito não mais seria atuado; quando, superveniente,
viesse agir, entraria em contradição." (Ibidem, p.809).
320 "[...] uma regra pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica não poderia, sem abuso, exercer
a situação jurídica que essa mesma norma lhe tivesse atribuído". (Ibidem, p.837). Assim, não
pode uma pessoa violar um comando normativo e depois exigir que seu parceiro contratual
o realize.
107
Para ilustrar as teorias mencionadas, na seqüência se relatam algumas
hipóteses trazidas pela doutrina que trata do tema.
Referindo-se à suppressio, Baracat enumera o denominado "perdão tácito"321,
ou seja, a demora em punir o ato faltoso do empregado pode querer significar que o
empregador o perdoou ou, ainda, renunciou à punição.
Quanto à exceptio doli, o exemplo que vem da doutrina especializada no tema
acusa a hipótese em que o empregador, mesmo sabendo que o trabalho que está
sendo imposto ao empregado lhe causará uma doença profissional não toma as
medidas necessárias para evitá-la. A conduta do empregado que se opõe a essas
condições de trabalho enquadra-se perfeitamente na exceptio doli, pela qual ele
enfrenta o ato contrário à boa-fé, praticado pelo empregador.322
Adentrando-se à tu quoque, o exemplo prático que é trazido menciona uma
situação que atualmente não é rara na Justiça do Trabalho. Trata-se daquele
conhecido nos casos de contratação de trabalhadores pela Administração Pública
sem prévio concurso público (art. 37, II da Constituição Federal). Com efeito,
Evidente a violação do tu quoque, pois a própria Administração Pública, por
primeiro, viola o preceito constitucional, para depois negar qualquer direito
ao trabalhador, exatamente por ela mesma haver transgredido a norma.
Beneficia-se a Administração Pública do labor do trabalhador, mas não lhe
reconhece qualquer direito.
Nesse caso, contudo, não é possível reconhecer, por aplicação da boa-fé
objetiva, a existência de um contrato de trabalho entre a Administração Pública
e o trabalhador que não foi aprovado em concurso público. Com efeito.
A boa-fé objetiva deve ser instrumento para viabilizar a aplicação dos princípios
constitucionais, e não negá-los. Assim, se o art. 37, II, da Constituição
inviabiliza o reconhecimento de contrato de trabalho nessas hipóteses, a
boa-fé objetiva não tem a possibilidade de suplantar esta proibição.
A boa-fé objetiva, no entanto, permite a reparação do prejuízo sofrido
pelo trabalhador, de haver trabalhado como se empregado fosse, mas sem
reconhecimento dessa condição. É possível, por conseguinte, impor à
Administração Pública o pagamento de indenização, equivalente a todos os
direitos que, em tese, existiram em qualquer contrato de trabalho, tendo em
vista que devem nortear qualquer relação jurídica os ditames da lealdade e
da confiança.323
Em relação ao venire contra factum proprium, o exemplo trabalhista que pode
ser mencionado está no contrato de experiência, na medida em que o empregador,
321
322
323
BARACAT, A boa-fé..., p.202.
Exemplo extraído da obra de BARACAT (Ibidem, p.204).
Ibidem, p.212.
108
firmando com um empregado esta modalidade de contrato, deixa este confiante no
sentido de que o contrato virá a ser por prazo indeterminado. Porém, advindo o
decurso de tempo, sem qualquer justificativa plausível, o contrato é extinto.
A doutrina que defende o tema afirma que o empregador deve expor as
razões pelas quais o trabalhador é inapto para aquela função, devendo o contrato ser
extinto. Caso contrário, o contrato deve ser considerado como por prazo indeterminado,
tendo o trabalhador direito a receber as parcelas decorrentes de tal pactuação, sem
prejuízo de indenização. A recíproca também seria possível, neste caso.324
Ainda neste assunto de função controladora, releve-se também que será
necessário interpretar e aplicar os casos de exceptio non adimpleti contractus, ou
seja, de uma parte deixar de realizar sua obrigação fundamentando que a outra parte
não realizou uma obrigação correspondente que lhe incumbia, conforme os preceitos
de boa-fé e levando-se em consideração a característica sinalagmática dos contratos.
Enfim, é sensível a diferença de aplicação de todas estas teorias, um tanto quanto
abstratas, quando se tem um parâmetro para isso, como é o caso da boa-fé objetiva.
Como cláusula geral dos contratos, traduzida no art. 422 do Novo Código Civil,
e, como já fartamente demonstrado, aplicável ao contrato individual de trabalho, ela
servirá de base para análise das pactuações juntamente com essas teorias, de acordo
com cada caso concreto apresentado, servindo de fundamento para as decisões.
2.4.1.3 Criação de deveres jurídicos
A relação obrigacional é um todo dinâmico, ou seja, não deve ser vista apenas
pelos seus componentes externos: credor, devedor, vínculo, o qual nada mais é do
que a prestação a ser adimplida por este àquele. Na esfera trabalhista, têm-se as
figuras: empregado, empregador, salário.
324
Este exemplo e ainda um outro estão em BARACAT (Ibidem, p.199-200).
109
Há que se ter uma perspectiva holística325, na qual tudo está em relação com
tudo. Não há somente uma prestação isolada em um contrato, há também, ao lado
desta obrigação principal, um complexo de deveres de prestação e de conduta,
afora demais situações jurídicas exigidas para realização deste ou daquele ato.
A observação de Menezes Cordeiro para o tema é de grande valia:
A complexidade intra-obrigacional traduz a ideias de que o vínculo obrigacional
abriga, no seu seio, não um simples dever de prestar, simétrico a uma pretensão
creditícia, mas antes vários elementos jurídicos dotados de autonomia bastante
para, de um conteúdo unitário, fazerem uma realidade composta. [...] a obrigação
abrangeria uma multiplicidade de pretensões, presentes ou possíveis, para
o futuro, estando o todo unificado em função do conjunto orgânico formado
pela relação global [...]. Várias prestações, susceptíveis de ser atribuídas,
noutras circunstâncias, de modo autónomo, podem estar reunidas num escopo
comum ou aparecer geneticamente ligadas. A obrigação implica, então, créditos
múltiplos e diz-se complexa; tem várias prestações principais, ou, quando uma
delas domine, em termos finais, uma principal e várias secundárias.326
A obrigação assim considerada, ou seja, em seu aspecto interno também,
sugere e melhor, afirma um novo paradigma327 para o direito obrigacional, qual seja,
o da boa-fé objetiva. O antigo paradigma da vontade humana não é mais o supremo
senhor das relações contratuais.
Essa afirmação anterior é explicada facilmente quando relevados os deveres
acessórios ou instrumentais que a boa-fé objetiva evidencia necessários para o
desenrolar de uma obrigação, em todo o seu processo328 dinâmico: negociações,
celebração, execução e momentos posteriores.
Na esfera contratual trabalhista, não se podem mais ter em mente apenas os
deveres principais, qual seja, o de trabalhar pelo empregado e o de pagar o salário,
do empregador. As relações empregatícias devem ser pautadas pela boa-fé em sua
totalidade, especialmente porque a regra geral é que sejam de trato sucessivo e por
tempo indeterminado. Todos os deveres mencionados são inerentes a empregados
325
326
327
328
MARTINS COSTA, A boa-fé..., p.389.
CORDEIRO, A. M. da R. M., op. cit., p.586-591.
MARTINS COSTA, A boa-fé..., p.394.
A idéia de obrigação como um processo dinâmico, que vislumbra uma finalidade, foi trazida pela
professora Judith Martins Costa citando os ensinamentos de Clóvis do Couto e Silva. (Ibidem, p.382).
110
e empregadores. Assim, ambos devem comportar-se de maneira leal, honesta,
cooperando para o escopo principal do contrato que firmaram.
A opinião de Maria Pezzella sobre a dinamicidade e a totalidade das relações
obrigacionais corrobora essa idéia anterior, de que ambas as partes devem estar
envolvidas:
[...] Em virtude da aplicação da boa-fé objetiva no direito das obrigações, a
relação obrigacional passou a ser considerada como uma ordem de
cooperação entra as partes para satisfazer os interesses do credor, com a
necessária preservação também dos interesses do devedor [...], os direitos
não se confinam apenas a um dos pólos da relação, mas estendem-se
também ao outro, com os deveres correspondentes, de modo que não mais
se pode definir a relação jurídica linearmente, como mera soma de obrigações
e direitos, uma vez que é uma totalidade, não se confundindo com os
deveres principais que engloba.329
Nos contratos individuais de trabalho a realidade se mostra coincidente,
[...] porque se parte da suposição de que trabalhador deve cumprir seu
contrato de boa-fé e entre as exigências da mesma se encontra a de colocar
o empenho normal no cumprimento da tarefa determinada. Mas ao mesmo
tempo essa obrigação de boa-fé alcança o empregador, que também deve
cumprir lealmente suas obrigações.330
Alguns desses deveres são: lealdade, correção, informação, sigilo, segredo,
segurança, cooperação, cuidado, proteção. A seguir, serão tratados alguns deles.
Num primeiro momento, citem-se como deveres anexos os de proteção e os
de diligência. Pelo dever de proteção, "[...] considera-se que as partes, enquanto
perdure um fenómeno contratual, estão ligadas a evitar que, no âmbito desse fenómeno,
sejam infligidos danos mútuos, nas suas pessoas ou nos seus patrimónios."331
Assim, os contratantes devem guardar ambos, às suas pessoas, suas integridades físicas, como a seus patrimônios, seus instrumentos de trabalho, cooperando
com a segurança e proteção uns dos outros.
329
PEZZELLA, Maria Cristina Cereser. A boa-fé no direito o princípio da boa-fé objetiva no direito
privado alemão e brasileiro. Juris Síntese Millennium, Porto Alegre, p.13, jul./ago. 2002, não
paginado.
330 PLÁ RODRIGUEZ, op. cit., p.269.
331 CORDEIRO, A. M. da R. M., op. cit., p.604.
111
O exemplo pré-contratual juslaboralista que se pode trazer e aplicar a boa-fé
objetiva como fundamento de um dever de proteção, compreende a situação em que
"durante uma entrevista no estabelecimento da empresa, o teto desabe sobre o
candidato, causando-lhe ferimentos. Observe-se que, no caso, faltou, por parte da
empresa, a devida proteção à pessoa do trabalhador."332
Em relação à aplicação de condutas dentro dos termos da boa-fé objetiva
durante o vínculo empregatício, podem ser citados como exemplos333: o fornecimento
correto de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) para trabalhadores que
desenvolvam atividades insalubres, incentivo e tomada de providências no sentido
de criar, organizar e manter a CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes).
Outro dever trazido à baila com espeque na boa-fé trata-se da lealdade.
A lealdade entre as partes, durante toda a vigência contratual, seja ela de que
natureza for, entendida aqui desde suas negociações até fatos posteriores ao
cumprimento do seu objetivo, é dever acessório de grande relevância. As partes
devem demonstrar e atuar de forma a cumprir efetivamente o contrato, tendo
legítimo interesse em sua consecução.
Para Paul Durand:
As relações de trabalho não consistem em um simples intercâmbio de prestações
de ordem patrimonial. Elas fazem o trabalhador entrar em uma comunidade
de trabalho e obrigam o empregador a testemunhar-lhe uma confiança
necessária. Elas impõem ao trabalhador uma obrigação de boa-fé particular
a pode-se falar de uma obrigação de fidelidade do trabalhador relativamente
ao empregador.334
Quando a lealdade resulta abalada, a confiança está com ela afetada, e isso
pode resultar em conseqüências extremamente negativas à circulação de riquezas,
uma vez que os contratos são seu maior veículo.
332
BARACAT, A boa-fé..., p.225-226. O mesmo autor ainda sustenta para esse exemplo o dever de
a empresa indenizar o trabalhador em relação a despesas médicas, bem como eventuais lucros
cessantes e mesmo prejuízos de ordem moral. Tudo dependerá do caso concreto. Outros
exemplos importantes são aqueles que encerram a discriminação na contratação de empregados
que já ingressaram com ação trabalhista, ou mesmo de exigir exames para verificar se a
candidata está grávida ou não, desde que o estado gravídico não seja incompatível com a função
e as atividades s serem desenvolvidas.
333 Além dessas hipóteses, o autor trabalha com outras, vide BARACAT (Ibidem, p.241-247).
334 DURAND, P. apud PLÁ RODRÍGUEZ, op. cit., p.275-276.
112
Quanto aos deveres de informação e esclarecimento, também decorrentes da
boa-fé, a importante correlação que se pode aventurar neste assunto situa-se em
perquirir quanto à existência de igualdade entre as partes. Significativamente, estar
mais e melhor informado sobre todas as condições, implicações, finalidades de um
contrato é estar em maior igualdade com a outra parte, ou contrariamente, estar dela
separado por um abismo.
No caso de contrato de emprego, sabe-se da hipossuficiência do trabalhador.
Assim, os deveres de informação e esclarecimento são imperiosos, a fim de que se
possa falar da boa-fé como um certo equilíbrio, como já tratado em subcapítulo anterior.
Na fase de formação de um contrato, especialmente aqui o de emprego, as
informações sob todos os aspectos a ele inerentes – partes, prestações, objeto,
duração, horários, locais, condições – são imprescindíveis para que o vínculo
constituído surta os efeitos esperados pelos contratantes. Durante a execução, as
partes, igualmente, devem manter-se informadas, de maneira a cooperar com a
finalidade a que se propuseram. A ausência de informações ou, por outro lado, sua
deficiência, pode acarretar conseqüências em outros deveres funcionais como o
sigilo, a lealdade e até mesmo a proteção.
Um exemplo do dever de informar pode ser colocado quando da contratação de
um trabalhador, este deve informar com clareza sua experiência com as atividades que
irá desenvolver, no caso de possuir esta experiência ser um requisito. O empregador,
por sua vez, deve informar e esclarecer como manusear os equipamentos de trabalho,
se necessário fornecer o treinamento adequado, também informar como desenvolver
a atividade da melhor forma. Ambas partes devem informar-se as respeito de
problemas com o trabalho, com equipamentos, enfim, a informação deve ter, neste
caso, um caráter reflexivo, ou seja, ambos, empregado e empregador têm o dever
de manterem-se informados e a par de todos os acontecimentos.
Outro exemplo prático que parece aplicável é o caso de um trabalhador que
afirma conhecer o equipamento com o qual vai trabalhar e depois vem a danificá-lo
porque, em verdade, não sabia como trabalhar com ele. É uma situação na qual o
empregado não informou, não esclareceu ao empregador suas reais aptidões para
com a atividade que iria desenvolver. Assim, pode-se estudar, dentro do limites que
a CLT traça, uma forma de o empregador ser reparado nos gastos que teve com o
conserto do equipamento.
113
Finalmente, os deveres de sigilo e segredo. Estes deveres acessórios estão
estreitamente vinculados ao dever de lealdade e ao dever de informação. Ainda,
o sigilo e o segredo são deveres que decorrem de colaboração e cooperação entre
as partes.335
Explica-se: durante a relação havida entre contratantes – seja na fase negocial,
seja na celebração, na execução e até mesmo após findo o contrato – pode ocorrer
a troca de informações que se mostrem sigilosas e apenas reveladas porque
pertinentes àquele pacto. Violar este dever, revelar este segredo, divulgar esta
informação, poderá acarretar conseqüências negativas ao parceiro contratual a
ponto de prejudicar o próprio contrato em si, dada a quebra de lealdade e confiança
entre as partes.
Em um contrato de emprego, o sigilo pode ser, por exemplo, em relação a um
segredo da empresa. Ocorrendo de um empregado divulgar tal informação, pode-se
considerar que houve uma conduta contrária à boa-fé e, conseqüentemente, uma
hipótese de justa causa e até mesmo um dever de indenizar.
2.4.2
Fim Econômico ou Social
Trata-se do critério que cuida da concepção clara de que os direitos conferidos
pelo ordenamento jurídico não são absolutos e ilimitados, têm como finalidade atender
a interesses da coletividade.
A noção de função social impõe a compreensão de que os atos ou relações
jurídicas não interessam apenas aos que deles façam parte mas a todos que os cercam,
justamente porque repercutem no meio social, não apenas no plano intersubjetivo.336
Tal noção consta do seio constitucional, especialmente do artigo 2.o, I que
trata da solidariedade como objetivo da República.337 Há uma franca tentativa de
335
336
BARACAT, A boa-fé..., p.255.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Deveres gerais de conduta nas obrigações civis. p.14-15. Disponível em:
<http://www.flavioartuce.adv.br/secoes/artigosc/Art_Paulolobo.doc>. Acesso em: 25 set. 2008.
337 MEIRELES, Abuso do direito..., p.77.
114
reconstrução do conceito e do valor de pessoa, a busca do pleno desenvolvimento do
homem, ao qual o eficientismo e a livre concorrência devem estar subordinados.338
Além disso, como dito no primeiro capítulo, a idéia de empreendimento, de
empresa e atividade empresarial decorre da livre iniciativa, a qual, aliada ao valor
social do trabalho, constitui fundamentos da República insertos no artigo primeiro da
Constituição. Não bastasse isso, a dignidade da pessoa humana também se fez
presente como fundamento. Conjugando tais pilares com o solidarismo, resta clara a
premissa de igualdade e igual dignidade social.339
Observe-se, também, que a Constituição elenca a justiça social como um
dos fundamentos da ordem econômica340, no caput do artigo 170. A seguir, trata
de função social da propriedade no inciso III do mesmo dispositivo citado. Função
social atrelada à propriedade também aparece no rol de direitos fundamentais, vide
art. 5.o, XXIII341.
Dispositivos claros de um Estado Social, cujas premissas até o momento
traçadas opõem-se claramente ao Estado Liberal, em que prevalecia o interesse
individual das partes relacionadas juridicamente, a autonomia da vontade como
regra geral. Quebrado este paradigma do liberalismo, o Estado Social tutela não só
a ordem social, traçando direitos sociais cuja finalidade consubstancia-se no
implemento das condições de vida em sociedade, mas também a ordem econômica.
Em termos de contrato de trabalho, a função social deve ser reconhecida por
pelo menos dois vieses. Um deles remonta à função social da propriedade. Ora, se a
338
339
PERLINGIERI, op. cit., p.35-36.
Ibidem, p.36. O autor, na mesma página da obra citada, define igual dignidade social como "[...]
instrumento que confere a cada um o direito ao respeito inerente à qualidade de homem, assim
como a pretensão de ser colocado em condições idôneas a exercer as próprias aptidões
pessoais, assumindo a posição a estas correspondentes."
340 A primeira Constituição brasileira a tratar da ordem econômica foi a de 1934, inspirada na
Constituição de Weimer (1919), ainda que a primeira Constituição a tratar do tema tenha sido a
mexicana, de 1917. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 31.ed.
São Paulo: Malheiros, 2008. p.285). Alexandre de Moraes relembra que a tutela da ordem
econômica na Constituição consagra o Estado Social, em detrimento do Estado Liberal e
influenciando as previsões sobre a ordem econômica nas demais Constituições. Não que anteriormente
o Estado não interviesse na economia, mas o fazia de uma maneira mínima. De tal ponto em
diante as ops textos constitucionais passam a ter conteúdos programáticos em termos de ordem
social e econômica se correlacionando. (MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23.ed.
São Paulo: Atlas, 2008. p.795).
341 Art. 5.o [...]
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
115
propriedade deve ser exercida de acordo com sua função social e se a livre iniciativa
deve aparecer ligada ao valor social do trabalho, nota-se que as relações de emprego
devem ser vestidas pelo arcabouço constitucional de solidarismo e dignidade da
pessoa humana.
Da noção de propriedade privada e livre iniciativa, denota-se a idéia de empresa
que, como dito, é o foco principal do presente estudo, justamente por conta das
premissas trazidas pela CTL no tocante ao empregador. Percebe-se que os
contratos de trabalho podem decorrer da atividade empresarial, tanto com base
no artigo 2.o342, que atrela ao empregador os riscos do empreendimento, quanto
nos artigos 10343 e 448344, que tratam de sucessão empresarial. Evaristo de Moraes
Filho arremata:
A empresa é um simples complexo de propriedade privada, no meio de
muitos mais. A função social da propriedade não cabe só à empresa e sim a
qualquer espécie de propriedade que tenha relações com a coletividade,
que possa ser utilizada de modo anti-social ou malicioso, em prejuízo
de muitos.345
O outro deles é a função social do contrato, como fator de limitação da liberdade
de contratar, cujo fundamento se encontra no artigo 421346 do Código Civil e se
aplica ao contrato de trabalho supletivamente, por força do art. 8.o, § único da CLT.
Além de limite à liberdade de contratação, a função social condiciona o cumprimento
do contrato porque, como dito, certamente ele surtirá efeitos no coletivo, não apenas
entre os contratantes.
Analisando, ainda, esse dispositivo do Código Civil sobre contratos e considerando
que em referido diploma legal o legislador não trouxe a função social da empresa
prevista expressamente, relaciona-se a noção de empresa aos contratos e
consegue-se, uma vez mais, a aplicação da função social em seu âmbito. Como
explica Dinizar Domingues:
342
343
344
345
346
o
Art. 2. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da
atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
Art. 10. Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por
seus empregados.
Art. 448. A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos
de trabalho dos respectivos empregados.
MORAES FILHO, op. cit., p.257.
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
116
[...] se a função social do contrato é expressa no art. 421 do Código Civil e
se a própria existência da empresa está condicionada à existência de um
contrato, indeclinável que essa empresa se sujeitará ao referido princípio, até
mesmo porque esse exercício da atividade econômica, tratado no art. 981
do Código Civil, está acolmatado aos princípios da ordem econômica [...].347
Eros Grau enfatiza que a função social da propriedade, muito mais do que não
prejudicar outrem, necessita de uma atuação positiva do titular da dita propriedade,
ou seja, exige prestações de fazer.348Assim, a empresa que cumpre sua função
social nos dias atuais, em que flagrantes os níveis altos de desemprego, preserva os
direitos de seus empregados, atua na geração do emprego pleno e, ainda, procura
evitar ao máximo a automação.349
Além disso, máxime se faz o respeito aos direitos de personalidade dos
empregados, que se fazem presentes na relação de emprego porque não se pode
dissociar a pessoa do trabalhador de seu trabalho. Aldacy Rachid Coutinho assevera
que a subordinação deve se readequar à função social do contrato, o poder diretivo
do empregador atuaria sobre o cumprimento do contrato, adentrando somente o
labor e afastando-se da pessoa do trabalhador, como forma de preservação de
sua dignidade.350
Nessa esteira, afrontar os direitos de personalidade dos empregados constitui
abuso do poder diretivo do empregador e quebra da função social da empresa.
O empreendimento que cuida de realizar sua função social não está atento tãosomente às prestações patrimoniais como salários, adicionais e outras vantagens
previstas no artigo 7.o da Constituição e na CLT, mas também cuida da pessoa, dos
direitos de personalidade do trabalhador, de forma a não afrontá-la porque, como se
descreveu anteriormente, o mote dos valores constitucionais vigentes tem como
objetivo a valorização da pessoa.
347
DOMINGUES, Dinizar. Meio ambiente do trabalho: função social e sustentabilidade. In: GUNTHER,
Luiz Eduardo (Coord.). Tutela dos direitos da personalidade na atividade empresarial.
Curitiba: Juruá, 2008. p.81. O autor se refere a contrato porque a empresa, para ser regularmente
constituída, precisa da existência de um contrato social, a ser depositado na Junta Comercial.
348 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica.
5.ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p.259.
349 DALLEGRAVE NETO, Responsabilidade civil..., p.336. O autor traça suas considerações
o
o
citando os seguintes dispositivos constitucionais: art. 7. ; 170, VIII e 7. , XXVII.
350 COUTINHO, Função social..., p.46.
117
A par de todas essas idéias, encontra-se a necessidade de irradiação dos efeitos
da Constituição na interpretação e aplicação de todos os demais diplomas legais
vigentes, especialmente da CLT e do Código Civil. Trata-se da constitucionalização
do direito privado.
Um exemplo que se pode colocar como função social nos contratos de trabalho:
a empresa que fornece cigarros e bebidas alcoólicas a seus empregados descumpre
a sua função social porque embora esteja exercendo uma faculdade jurídica, a
doação de bens, estaria provocando o consumo de produtos que na verdade são
nocivos à saúde de seus empregados, o que poderá acarretar até mesmo o afastamento
destes do mercado de trabalho, prejudicando-lhes a cidadania e a inclusão social.351
A função econômica impõe a observância de um equilíbrio nas relações,
sendo distantes de tal função as estipulações que possam levar uma das partes à
ruína econômica.352
José Afonso da Silva diz que
[...] os direitos econômicos são pressupostos da existência dos direitos sociais,
pois, sem uma política econômica orientada para a intervenção e participação
estatal na economia, não se comporão as premissas necessárias ao surgimento
de um regime democrático de conteúdo tutelar dos fracos e mais numerosos.353
Percebe-se que a ordem econômica se relaciona com a ordem social porque:
[...] enquanto a ordem econômica se consubstancia num conjunto de disposições
concernentes tanto aos direitos dos trabalhadores, como à estrutura da economia
e ao estatuto dos cidadãos, visando assegurar a todos uma existência digna,
conforme os ditames da justiça social (observados os princípios indicados
no artigo 170da Constituição), os direitos sociais, como dimensão dos direitos
fundamentais do homem [...] criam condições materiais e propícias à obtenção
da igualdade real e, consequentemente, ao exercício da cidadania.354
O contrato deve ter mais do que uma função puramente econômica, deve se
"[...] voltar novamente ao cidadão trabalhador e aos valores éticos e sociais."355
351
352
353
354
355
MEIRELES, Abuso do direito..., p.82.
Ibidem, p.84.
SILVA, J. A. da, op. cit., 31.ed., p.286.
LAUTENSCHLÄGER, op. cit., p.93-94.
COUTINHO, Função social..., p.48.
118
2.4.3
Bons Costumes
Outro parâmetro trazido para verificação do abuso do direito trata-se dos bens
costumes. Porém a legislação não os define, tarefa que caberá ao operador do direito
na consideração do caso concreto. Em verdade, acertada a ausência de definição
legal ou mesmo de hipóteses legais para os bens costumes, porque, diferente fosse,
as leis certamente não conseguiriam abarcar todas as situações de bons costumes
ocorrentes na realidade.
No objetivo de apreender o alcance dos bons costumes, debatem-se duas
correntes: a sociológica e a idealista. A primeira busca a acepção de bons costumes a
partir das opiniões sociais preponderantes, denotando-se como possíveis as alterações
dessas mesmas opiniões. A visão idealista, por sua vez, tem origem filosófica ou
religiosa e, contrária às práticas usuais, procura um ideal humano ou divino.356
Os bons costumes significam o "[...] conjunto de regras morais aceitas pela
consciência social."357 Significa dizer que não se trata de práticas, mas de idéias,
convicções. Não se trata da moral colocada em prática, mas da moral que a maioria
entende como necessária de observância. Não se confunde, ainda, com a moral
pessoal de um juiz ou outro operador do direito, trata-se da moral objetiva, da
maioria dominante.358
Feitas as considerações no item anterior quanto à boa-fé objetiva, percebe-se
que há uma fluidez maior quanto ao conceito de bons costumes, isso porque, no
caso da boa-fé, a doutrina e a jurisprudência já lhe conferiram várias hipóteses de
aplicação, são vários os casos concretos tutelados com base na boa-fé. Afirma-se
que um comportamento contrário aos bons costumes afronta a boa-fé, porém, para
que fira os bons costumes um comportamento deverá afrontar de forma grosseira a
boa-fé.359
356
357
358
359
SÁ, F., op. cit., p.189-190.
ABREU, op. cit., p.63.
Ibidem, p.63-64.
ABREU, op. cit., p.64.
119
Diferenciação seja feita também em relação aos bons costumes e a ordem
pública, uma vez que esta significa "[...] o conjunto de princípios fundamentais
subjacentes ao sistema jurídico."360
Edilton Meireles, ainda, diferencia bons costumes de costumes propriamente
ditos. Explica o autor que os bons costumes correspondem aos comportamentos
segundo a moral social. Os costumes, por sua vez, formam o que se denomina de
direito consuetudinário, ou seja, a moral social acrescida da opinio júris.361 Tais
costumes, para serem assim considerados, carecem de dois elementos: um dito
externo, compreendendo a prática geral e constante, por algum tempo, de casos
análogos, e outro dito interno, a convicção de sua obrigatoriedade, como se fosse
uma necessidade jurídica.362
Cunha de Sá cita como exemplo civil de contrariedade aos bons costumes as
cláusulas que proíbem uma determinada pessoa a exercer uma atividade industrial
ou mercantil, desde que, por conta disso, tal pessoa reste impossibilitada de viver,
de prover sua subsistência.363
Transmudando o exemplo de Cunha de Sá para o contrato de trabalho, podese dizer que são abusivas cláusulas de sigilo e não-concorrência do trabalhador
após a rescisão contratual com um determinado empregador que, por exemplo,
detém um conhecimento específico de uma tecnologia, do qual o empregado tomou
ciência ou até mesmo concorreu para desenvolvimento, por causa de seu contrato
de trabalho. Uma cláusula como essa acaba por inviabilizar que o trabalhador
consiga recolocação no mercado de trabalho, ou mesmo que atue por conta própria
após a rescisão, prejudicando seu próprio sustento e, por que não, o sustento de
seus familiares.364
360
361
362
363
364
PINTO, op. cit., p.646.
MEIRELES, Abuso do direito..., p.86.
LAUTENSCHLÄGER, op. cit., p.88.
SÁ, F., op. cit., p.200.
SÃO PAULO, Tribunal Regionaldo Trabalho (2.ª Região). Processo RO 200104087. Órgão
Julgador: Oitava Turma. Juiz Relator: Joé Carlos da Silva Arouca. Data de Publicação: DOSP, 05
mar. 2002. EMENTA: CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA – CUMPRIMENTO APÓS A
RESCISÃO CONTRATUAL – ILEGALIDADE – A ordem econômica é fundada, também, na
valorização do trabalho, tendo por fim assegurar a todos existência digna, observando dentre
outros princípios a busca do pleno emprego. Pelo menos, assim está escrito no art. 170, inciso
o
VIII, da Constituição. O art. 6. do diploma deu ao trabalho grandeza fundamental. A força de
trabalho é o bem retribuído com o salário e assim meio indispensável ao sustento próprio e
120
2.5
SANÇÕES AO ATO ABUSIVO
Revela-se de importância traçar algumas linhas a respeito da sanção no abuso
do direito, isto porque a mera reprovabilidade do ato abusivo pelo ordenamento jurídico
não se mostra capaz de coibi-lo, notadamente se relembradas as considerações
declinadas quando da descrição do contexto social e jurídico em que se passou a
aceitar a aplicação da teoria. A realidade mostrou que a plena autonomia da vontade,
com intervenção mínima do Estado nas relações entre particulares somente acarretou o
aumento das desigualdades. O abuso do direito, como visto, foi uma das concepções
que decorreu da quebra das idéias individualistas do liberalismo.
Miguel Reale define sanção como "[...] todo e qualquer processo de garantia
daquilo que se determina em uma regra."365 O autor continua explicando as diferenças entre as sanções morais e as jurídicas, concluindo que estas possuem como
características a predeterminação e a organização. Predeterminação porque constam
de normas, ou seja, há regras nas quais já fazem parte de seus elementos constitutivos
uma forma de sanção. Organização porque, por exemplo, no caso de um homicídio,
a sociedade está organizada contra o agente criminoso pelo aparelhamento policial
e mesmo pela tutela jurisdicional. A existência do Poder Judiciário se perfaz
justamente por conta da noção de sanção, pois o indivíduo lesado de alguma forma
a ele recorre para restabelecer o equilíbrio das relações.366
O ato ilícito subjetIvo acarreta a responsabilidade civil, normalmente uma
repa-ração pecuniária367. O abuso do direito, ressalte-se novamente, que não se
confunde com o ilícito subjetvo, ante a sua autonomia dogmática – porque detentor
familiar, tanto que a ordem social tem nele o primado para alcançar o bem-estar e a justiça
sociais. Finalmente, o contrato de trabalho contempla direitos e obrigações que se encerram com
sua extinção. Por tudo, cláusula de não concorrência que se projeta para após a rescisão
o
contratual é nula de pleno direito, a teor do que estabelece o art. 9. da Consolidação das Leis do
Trabalho."
CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA. NULIDADE. Nula cláusula de não-concorrência que
impede o exercício de profissão, tendo em vista a vastidão das atividades do ex-empregador, sem
a devida indenização expressiva pelo período de vigência da referida cláusula." (SÃO PAULO TRT - 02a Região, proc. 2570/2003/045/002/005, 05a Turma, Rel. Juiz Fernando Antonio
Sampaio da Silva, DJSP 16/03/2007) In Revista de Direito do Trabalho, Editora Revista dos
o
Tribunais, ano 33, vol. 127, p.302, Rep. Aut. TST n.. 11/95.
365 REALE, Lições preliminares..., p.72.
366 REALE, Lições preliminares..., p.74-75.
367 NOVISKI, op. cit., p.172.
121
de uma antijuridicidade material368 –, comporta dois tipos de sanção, a saber: a
reparação do dano e o desfazimento do ato.
2.5.1
Sanção Direta
A sanção considerada como direta traduz-se na possibilidade de determinar o
desfazimento do ato, o que se denomina de reparação in natura.369
Carvalho Neto narra exemplo da jurisprudência francesa, num caso em que
se construiu uma falsa chaminé muito alta, a qual não tinha qualquer utilidade ao
seu proprietário e cuja principal finalidade era fazer sombra na casa do vizinho. Este
vizinho procurou a tutela judicial e obteve a resposta do tribunal no sentido de que,
embora a propriedade possa ser exercida de algum modo absoluto pelo proprietário,
possibilitando-se o uso, a fruição e o gozo da coisa, ele deve estar atento a limites.
Nesse caso, foi possível que se determinasse o desfazimento da obra.370
Como exemplos de reparação in natura na esfera trabalhista, pode-se dizer a
dispensa sem justa causa abusiva que tenta impedir um empregado adquira o direito
à estabilidade quando, por exemplo, ele padece de patologia decorrente do trabalho,
do ambiente de trabalho ou das atividades em si. A reparação pode ser no sentido
de que ele seja recolocado no seu posto de trabalho.
Nota-se que no exemplo mencionado, a reparação não seria a única solução,
em verdade, o trabalhador poderia ter ingressado com demanda preventiva, buscando
o reconhecimento da patologia como decorrente do labor e a conseqüente impossibilidade de dispensa sem justo motivo. Carvalho Neto reconhece que a tutela inibitória
também faz parte da sanção oponível ao ato abusivo.371
Além do desfazimento do ato, identifica-se que o ato abusivo pode servir como
fundamento à nulidade do ato ou do negócio jurídico.372
368
369
370
371
372
SÁ, F., op. cit., p.625.
CARVALHO NETO, op. cit., p.171.
Ibidem, p.171-172.
CARVALHO NETO, op. cit., p.173.
LAUTENSCHLÄGER, op. cit., p.106.
122
2.5.2
Sanção Indireta
O ato abusivo é equiparado ao ato ilícito para efeitos sancionadores e então
ocorrerá a reparação do dano pela responsabilidade civil. Esta é a modalidade de
sanção denominada de indireta.
Ainda que o abuso do direito, repise-se, constitua posição de autonomia na
dogmática, trata-se de espécie de ilicitude, de antijuridicidade, do tipo material. Assim,
como assinala Coutinho de Abreu, as conseqüências do comportamento abusivo
serão equiparadas as da atuação sem direito, ou seja, ao ato ilícito propriamente
dito, havendo a aplicação da responsabilidade civil. Resta indubitável, ainda, a carência
de que se façam presentes os demais requisitos, como o dolo ou a culpa, o dano e o
nexo de causalidade entre o dano e a atuação abusiva.373
Relembre-se que no Brasil, por força da redação do artigo 187 do Código Civil,
em que está previsto expressamente o abuso do direito e equiparado este a ilicitude,
não se traz disposição a respeito de culpa, daí o porquê de se entender que a
responsabilidade carece do elemento subjetivo, sendo, portanto, do tipo objetiva.374
373
ABREU, op. cit., p.76. No mesmo entendimento, ou seja, de aplicação da responsabilidade civil
do tipo subjetiva, em que se faz necessária a presença da culpa, encontra-se Cunha de Sá (SÁ, F.,
op. cit., p.638-640).
374 Vide as notas de rodapé de números 263 e 264, bem como o conteúdo ao qual elas se referem.
123
3
3.1
OS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO EMPREGADO
DIREITOS DE PERSONALIDADE
Os direitos de personalidade não ganharam proteção específica nos Códigos
do século XIX, porque tais diplomas, como dito no capitulo anterior, tinham como mote
assegurar a propriedade e a individualidade, dogmas do mundo burguês, e, por isso
mesmo, consideradas como codificações patrimonialistas. Era preciso assegurar a
autonomia dos particulares na circulação de suas riquezas, seus bens, sua propriedade.
A tutela dos direitos da personalidade, então, tomou campo ao longo do século XX
e se consolidou375 no pós-Segunda Guerra Mundial, com as mudanças culturais,
ante a intensificação da complexidade das relações sociais. Isso porque as relações
travadas entre os indivíduos no seio social não se resguardam mais a transmissões
de propriedades e seus acessórios, mas principalmente em relações de trabalho
e consumo.376
A importância da personalidade humana, porque inerente à pessoa e necessária
na sua qualidade de vida, tomou espaço377 e repercutiu no direito, havendo o que se
375
Importa esclarecer que vários pensadores chegaram a negar a existência dos direitos de personalidade,
tais como Paul Roubier, Unger, Dabin, Savigny, Thon, Von Thur, Zitelmann, e outros. Para eles, a
personalidade como titularidade de direitos não poderia ser ao mesmo tempo objeto deles. Svigny
ainda chegava a dizer que admitir os direitos de personalidade seria confirmar o suicídio como
legítimo. (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.25).
Quanto a Paul Roubier, esclarece-se que ele afirma não existirem os direitos de personalidade porque
não correspondem à definição de direito subjetivo. Defende o autor que o direito subjetivo é uma
prerrogativa própria de um bem e portanto faz parte do patrimônio, sendo disponível. A seguir define
os direitos de personalidade como situações jurídicas objetivas partindo do raciocínio de que aos
titulares de referidos direitos, a proteção ocorre pela responsabilidade civil, e esta, por sua vez,
trata-se de uma reação natural contra o ataque sofrido pelos direitos da personalidade.
(SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela. 2.ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.75-76).
376 MELLO, Cláudio Ari. Contribuição para uma teoria híbrida dos direitos de personalidade. In:
SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.). O novo código civil e a constituição. 2.ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006. p.72.
377 Importante mencionar que os estudos sobre a personalidade não iniciaram no século passado.
Embora se possam mencionar o gregos antigos com relação à apreensão do tema, foi com o
cristianismo que tomou importância em termos de estudos. Porém, as sociedades ocidentais
relegaram as considerações sobre o tema para a posteridade, havia outros interesses mais
importantes que a pessoa: o ter era mais considerado que o ser. Foi com Sigmund Freud, com
estudos de psicologia no final do século XIX, bem como com atuações do discurso cristão que
ganham cancha os direitos de personalidade. (Ibidem, p.73).
124
denomina de personalização do direito civil. Deixou-se de lado o viés do patrimônio
para se preocupar com a pessoa humana e sua subjetividade. Bens externos e
elementos intrínsecos do homem são tutelados pelos ordenamentos.378 Os direitos
da personalidade, porém, foram assimilados primeiramente pelas constituições,
sendo sintetizadas na dignidade da pessoa humana, ante a interdependência desta
com a proteção dos direitos individuais fundamentais.379
Assim, o estudo dos direitos de personalidade tem como fundamento primordial
o princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, devem ser citadas as
palavras de Elimar Szaniawski:
A Constituição Federal edifica o direito geral de personalidade a partir de
determinados princípios fundamentais nela inseridos, provenientes de um
princípio matriz, que consiste no princípio da dignidade da pessoa humana,
que funciona como cláusula geral de tutela de personalidade. A pilastra central,
a viga mestra sobre a qual se sustenta o direito geral da personalidade, está
o
consagrada no inciso III, do art. 1. da Constituição, consistindo no princípio
da dignidade da pessoa humana.380
Esse entendimento é corolário da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
de 1948, a qual prima pela dignidade do homem.
Orlando Gomes, também defendendo o prisma da dignidade, diz serem os direitos
da personalidade aqueles essenciais à pessoa humana, em aspectos físicos e
psíquicos, protegidos legalmente.381
Caio Mário explica que, ao lado dos direitos economicamente apreciáveis, há
os direitos de personalidade, julgando-os como não menos importantes que os
anteriormente tratados e, por isso mesmo, amparados e protegidos na ordem jurídica.
O autor afirma, a seguir, que decorrem da própria natureza humana.382
Silvio Rodrigues, por sua vez, diz que os direitos de personalidade não se
equiparam àqueles destacáveis da pessoa como o direito a propriedade, diz o autor,
acertadamente, que se tratam de direito inerentes à pessoa. Em se tratando de direitos
inerentes à pessoa, permanecem a ela ligados de forma permanente e perpétua,
378
379
380
381
382
MELLO, op. cit., p.73.
Ibidem, p.77.
SZANIAWSKI, op. cit., p.138.
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p.134-136.
PEREIRA, op. cit., p.237.
125
deslocando-se da órbita patrimonial. Conclui que não se pode alguém destituído do
direito à vida, às liberdades, ao nome, ao corpo e à imagem, bem como à honra.383
Sílvio Venosa, a seu turno, esclarece que a pessoa, para suprir necessidade,
posiciona-se em um dos pólos da relação jurídica (compra, vende, casa-se e outros)
criando o conjunto de direitos e obrigações denominado patrimônio. Este, por sua
vez, significa a projeção econômica dos direitos da personalidade. "Contudo, há direitos
que afetam diretamente a personalidade, que não possuem conteúdo econômico direto
e imediato. A personalidade não é exatamente um direito; é um conceito básico
sobre o qual se apóiam os direitos."384
O português Carlos Alberto da Mota Pinto define os direitos de personalidade
como poderes jurídicos atribuídos a todas as pessoas em decorrência de seu nascimento. Afirma o autor ser tais direitos de caráter absoluto, impondo respeito de todos
os outros, traduzindo-se nos vários modos de ser físicos e morais da personalidade
do titular. O autor continua e afirma que o conteúdo mínimo necessário de tais direitos
integra a vida, a saúde e a integridade físicas, a honra, a imagem, a reserva da
intimidade da vida privada, o nome, a liberdade física e psicológica.385
Rubens Limongi França acentua que as relações jurídicas se verificam em
três campos, a saber: o mundo exterior, a própria pessoa e a pessoa ampliada na
família. Respectivamente, faz a correspondência com direitos patrimoniais, direitos
da personalidade e direitos de família.386
Maria Helena Diniz, por sua vez, ressalta os dois prismas pelos quais se devem
considerar os diretos de personalidade: o axiológico e o objetivo. O primeiro encerra
a materialização dos direitos fundamentais dos indivíduos e o segundo, diz respeito
às previsões legais, constitucionais ou não, que tem como principal objetivo limitar a
atuação do Poder Público que, por outro lado, deve atuar de forma a proteger os
direitos de personalidade.387
383
384
385
386
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 34.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1. p.62.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.149.
PINTO, op. cit., p.87 e 206.
FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de direito civil: todo o direito civil num só volume. 2.ed.
São Paulo: Saraiva, 1991. p.1031.
387 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 21.ed. São
Paulo: Saraiva, 2004. v.1. p.119.
126
No Brasil, relate-se, desde logo, que os direitos da personalidade estão previstos
expressamente em dispositivos constitucionais (art. 5.o, I, II, III, IV, V, VI, VIII, IX, X,
XI, XII, XVII, XXVII e outros).388.
Além dessa previsão constitucional, os direitos de personalidade encontraram
guarida no Código Civil, artigos 11 a 21, o que veio a inovar389 em relação ao Código
Civil de 1916, porque este não390 continha disposições sobre a matéria, até mesmo
porque tal Código faz parte justamente do movimento patrimonialista, conforme
tratado no início deste item.
O Código Civil de 2002, embora de projeto anterior à Constituição de 1988,
assimilou a idéia dos valores inerentes ao ser, à pessoa, em perfeita consonância
com a legislação constitucional. Em verdade, essa nova perspectiva da codificação
388
o
Art. 5. [...]
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou
política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do
morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o
dia, por determinação judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que
a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas
obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar
[...]
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
389 MALLET, Estevão. Direito, trabalho e processo em transformação. São Paulo: LTr, 2005. p.17.
390 Diga-se, por oportuno que, na verdade, a ignorância em relação à personalidade humana não era
total, porque havia dispositivo, por exemplo, prevendo a possibilidade de indenização por lesão à
integridade física e psicológica, era o artigo 1538. (MELLO, op. cit., p.78).
127
tem como norte a quebra de paradigma da visão Liberal, em que, egoisticamente,
prestigiavam-se os direitos de propriedade. O mote da constitucionalização das
disposições legais privadas passou para "[...] a tutela da pessoa, considerada em
toda sua diversidade e complexidade. Por isso se diz que o direito civil experimentou
um processo de personalização".391
Importante ressaltar desde logo que as hipóteses previstas na Constituição
Federal e no Código Civil (neste caso um tanto quanto tímidas) não se perfazem
estanques, ou seja, não é exaustivo, pois a multiplicidade de fatores que influenciam
as relações sociais como os avanços tecnológicos e das mais diversas áreas do
conhecimento impõem a oxigenação dos direitos de personalidade.
A dignidade da pessoa humana, por excelência, é fundamento dessa ausência
de numerus clausus quando se trata dos direitos da personalidade. Isto porque a
dignidade assim entendida não decorre meramente da lei, mas tem seu conteúdo
traçado por diversas conquistas históricas, pelas quais o ser humano conseguiu
estabelecer parâmetros para se proteger de atos praticados por outros humanos.
Isso porque
[...] por ser fruto de determinado momento da história do direito, do Estado e
da sociedade, o conteúdo da dignidade da pessoa humana não é absoluto,
não é uma revelação que se impõe de forma igual a todas as pessoas e,
também, não tem um significado compartilhado por todos os indivíduos, por
mais semelhantes que estes sejam, mesmo que componham a mesma
sociedade e vivam no mesmo momento histórico. E só pode ser apreendido
perante o caso concreto, situando-se especialmente, cronologicamente e
subjetivamente em relação às pessoas envolvidas.392
Deve-se citar que exatamente nessa senda de evolução está o artigo § 2.o393
do artigo 5.o da Constituição Federal de 1988, que prevê justamente que os direitos e as
garantias expressos no texto constitucional não são exaustivos, admitindo outras hipóteses.
391
392
MELLO, op. cit., p.70.
SARLET, Ingo Wolfgang apud VAZ, W. L.; REIS, C. Dignidade da pessoa humana. Revista
Jurídica CESUMAR: Mestrado, Maringá, v.7, n.1, p.191, jan./jun. 2007.
393 Art. 5.o [...]
o
§ 2. Os direitos e garantias expressos nessa Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte.
128
A esfera dos direitos da personalidade comporta a aplicação das cláusulas
gerais394 em termos de técnica legislativa, pois os avanços tecnológicos e científicos,
bem como a constante contraposição entre esses próprios direitos, como no caso da
honra e a liberdade de expressão, a privacidade e o direito à informação, denotam a
dialeticidade na seara da personalidade e sua tutela, deflagrando a impossibilidade
de uma previsão específica e estanque sobre o assunto395.
3.1.1
Características e Classificações
Em se tratando das características dos direitos de personalidade, Orlando Gomes
afirma que são: "[...] absolutos, extrapatrimonais, intransmissíveis, irrenunciáveis,
imprescritíveis, impenhoráveis, vitalícios e necessários, não podendo o seu exercício
sofrer limitação voluntária."396 Respectivamente: absolutos porque oponíveis erga omnes;
não admitem avaliação pecuniária, mas podem ser lesados, gerando obrigação de
indenizar; não podem ser transmitidos a outra pessoa por seus titulares, isso significa
que nascem e se extinguem com a pessoa; não são passíveis de extinção pelo não
uso ou pela ausência de defesa; e, por fim as características peculiares quanto a
não poderem faltar e nem ser perdidos enquanto perdure a vida do titular.397
Quanto ao último aspecto, ou seja, de que são inseparáveis do seu titular,
cabe uma observação, mas pela morte do titular dos direitos de personalidade, se
opera uma transformação no ciclo da personalidade, relacionada a "[...] uma
394
Conforme Karl Engish: "O verdadeiro significado das cláusulas gerais reside no domínio da técnica
legislativa. Graças à sua generalidade, elas tornam possível sujeitar um mais vasto grupo de
situações, de modo ilacunar e com possibilidade de ajustamento, a uma conseqüência jurídica.
O casuísmo esta sempre exposto ao risco de apenas fragmentária e 'provisoriamente' dominar a
matéria jurídica. Este risco é evitado pela utilização das cláusulas gerais." (ENGISH, Karl. Introdução
ao pensamento jurídico. 8.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p.155-156).
395 SCHREIBER, Anderson. Os direitos da personalidade e o código civil de 2002. In: FACHIN, Luiz
Edson; TEPEDINO, Gustavo. Diálogos sobre o direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. v.2. p.235.
396 GOMES, O., Introdução..., p.137.
397 Ibidem, p.138. Em sentido convergente: VENOSA, op. cit., p.150; AMARAL, Francisco. Direito civil:
introdução. 5.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.252; ARARIPE, Jales de Alencar. Direitos da
personalidade: uma Introdução. In: LOTUFO, Renan (Coord.). Direito civil constitucional. São
Paulo: Malheiros, 2002. p.221-225.
129
sucessão ou uma aquisição derivada translativa mortis-causa de direitos pessoais,
com regime especial em razão dos presumíveis interesses pessoais do falecido".398
Ao se referir às características da personalidade, assim se expressa Gustavo
Tepedino:
A extrapatrimonialidade consistiria na insuscetibilidade de uma avaliação
econômica destes direitos, ainda que a sua lesão gere reflexos econômicos.
São absolutos, já que oponíveis erga omnes, impondo-se à coletividade o
dever de respeitá-los. A indisponibilidade retira do seu titular a possibilidade
de deles dispor, tornando-os também irrenunciáveis e impenhoráveis; e a
imprescritibilidade impede que a lesão a um direito da personalidade, com o
passar do tempo, pudesse convalescer, com o perecimento da pretensão
ressarcitória ou reparadora. Finalmente, a intransmissibilidade constitui
característico controvertido, estando a significar que se extinguiria com a
morte do titular, em decorrência do seu caráter personalíssimo, ainda que
os interesses relacionados à personalidade mantenham-se tutelado mesmo
após a morte do titular.399
Em se tratando dos direitos de personalidade previstos na Constituição Federal,
por se constituírem em direitos fundamentais, as características destes e, portanto,
aplicadas àqueles podem ser apreendidas a partir de considerações de Gisela Maria
Bester: historicidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, imprescritibilidade. São
históricos porque surgem, sofrem modificações e desaparecem. Não se deve entender,
contudo, que podem ser suprimidos do texto constitucional, pois fazem parte das
cláusulas pétreas. Inalienáveis porquanto não podem ser negociados ou transferidos,
ante a ausência de caráter patrimonial. A irrenunciabilidade se encontra ligada à
inalienabilidade, pois não podem ser renunciados pelos seus titulares. Por fim, quanto
à imprescritibilidade, a autora diz que não deixam de ser exigíveis.400
398
SOUSA, Rabindranath Valentino Aleixo Capelo. O direito geral de personalidade. Portugal:
Coimbra, 1995. p.404. Orlando Gomes ainda explica que não se transmitem sequer após a morte,
mas ocorrendo o evento morte, gozam de proteção e quem poderá demandar com objetivo de
obter tal tutela será o cônjuge ou qualquer parente próximo. (GOMES, O., Introdução..., p.138).
399 TEPEDINO, op. cit., p.33.
400 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005.
v.1. p.601-602.
130
O Código Civil, por sua vez, em seu artigo 11401, estabelece as seguintes
características: intransmissíveis e irrenunciáveis. Diz ainda o mesmo dispositivo que
os direitos de personalidade não podem ser limitados voluntariamente.402
Em relação à classificação dos direitos de personalidade, Orlando Gomes os
dividem em: direitos à integridade física e direitos à integridade moral. Os primeiros
subdividem-se em duas categorias, a saber: direito à vida e o direito ao próprio corpo
(compreendendo o direito em relação ao corpo inteiro e em relação a partes
separadas e, portanto, o direito de decidir em relação a procedimentos médicos, tais
como: tratamentos, cirurgias, exames e perícias). A segunda categoria subentende:
o direito à honra, o direito à liberdade, o direito à imagem, o direito ao recato, o
direito ao nome e o direito moral do autor.403
Os direitos à integridade física vêm assumindo importante projeção, especialmente por causa dos avanços na ciência e na tecnologia, e também por causa
de novos comportamentos do indivíduo em sociedade. Orlando Gomes, a título de
exemplo, fala da inseminação artificial, dizendo que, embora ainda suscite preconceitos,
não configura afronta à personalidade da mulher.404
Rubens Limongi França, antes de declinar a sua classificação, faz uma crítica
ao tema, afirmando que há falta de critério nas classificações apresentadas, o que
resulta em dificuldades de seu estudo. O autor define a necessidade de agrupar os
direitos da personalidade conforme os aspectos a que cada um concerne. Ele delimita
três gêneros e, dentro deles, suas espécies. O primeiro, compreendendo o direito à
integridade física, está dividido em: direito à vida e aos alimentos, direito sobre o
próprio corpo, vivo e morto, direito sobre o corpo alheio, vivo e morto, direito sobre as
partes separadas do corpo, vivo e morto. O segundo trata-se do direito à integridade
401
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis
e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
402 Quanto à essa limitação, o Enunciado 4 da I Jornada de Estudos de Direito Civil, de 2002,
realizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, assim determina:
"O exercício dos direitos de personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja
permanente." Dois anos após, a III Jornada consignou novo Enunciado, sob o número 139:
"Os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não especificamente previstas
em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé e
aos bons costumes." (GUNTHER, Luiz Eduardo. Os direitos de personalidade e suas repercussões na
atividade empresarial. In: GUNTHER, Luiz Eduardo (Coord.). Tutela dos direitos de personalidade
na atividade empresarial. Curitiba: Juruá, 2008. p.158).
403 GOMES, O., Introdução..., p.138.
404 Ibidem, p.140.
131
intelectual, compreendendo: direito à liberdade de pensamento, direito pessoal de
autor científico, direito pessoal de autor artístico, direito pessoal de inventor. O terceiro e
último gênero liga-se ao direito à integridade moral: direito à liberdade civil, política e
religiosa, direito à honra, direito à honorificência, direito ao recato, direito ao segredo
pessoal, doméstico e profissional, direito à imagem, direito à identidade pessoal,
familiar e social.405
O autor argentino Carlos Ghersi traça o que chama de lista dos direitos da
personalidade, ressaltando, contudo, que não é exaustiva, cabendo ainda outros direitos
da personalidade: dito à vida, à saúde, à integridade psicofísica, à identificação, à
identidade e à intimidade, à dignidade, à honra, à imagem pessoal, o direito à eleição
de aspectos da imagem pessoal (religião, castidade, voto de pobreza, sexualidade),
o direito à não-discriminação.406
Ressalte-se, por fim, que os direitos de personalidade não se perfazem apenas
no plano individual, pois são aplicáveis às pessoas jurídicas, no que couberem,
conforme disposto no artigo 52407 do Código Civil.
Ainda que brevemente quanto à tutela dos direitos de personalidade, ou seja, os
meios que podem ser invocados para prevenção ou reparação de lesões, é importante
trazer a disposição do Código Civil, no artigo 12408, que trata expressamente dos
direitos de personalidade.
Com o provimento jurisdicional antecipatório, forte no artigo 461, § 3.o409 do
CPC, determina-se que o réu cesse a utilização indevida de um nome, paralise
a divulgação de um fato desabonador ou impeça que se concretize invasão de
privacidade. A eficácia da tutela antecipatória, poderá ser assegurada, na forma do
405
406
FRANÇA, op. cit., p.1035-1036.
GHERSI, Carlos A. Análisis Socioeconómico de los Derechos Personalísimos. Buenos Aires:
Cátedra Juridica, 2005. p.54.
407 Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.
408 Art.12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar
perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
409 Art. 461 [...]
o
§ 3. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do
provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévio,
citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão
fundamentada.
132
art. 461, § 4.o410 do Código de Processo, quando o juiz impuser multa diária ao réu
(tradicionalmente denominada astreinte), suficientemente constrangedora.411
3.1.2
Natureza Jurídica
A doutrina baliza sua opinião, majoritariamente, de que os direitos da personalidade constituem direitos subjetivos.
Francisco Amaral preleciona: "Direitos da personalidade são direitos subjetivos
que têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico,
moral e intelectual."412 Justifica, a seguir, que têm como objeto a própria pessoa do
titular, em seus aspectos essenciais e constitutivos, sendo que por conta da natureza
desse objeto resulta uma proteção denominada, pelo autor, de mais reforçada.413
Cláudio Ari Melllo, após traçar considerações sobre os direitos de personalidade
terem aparecidos primeiro nas constituições como direitos fundamentais, designa a
natureza jurídica como sendo de direitos subjetivos constitucionalmente assegurados.414
Rabindranath também entende os direitos de personalidade como direitos
subjetivos, defendendo que são poderes conferidos pelo ordenamento que facultam
as pessoas a pretender ou exigir de outra um comportamento positivo ou negativo.415
Reportando-se aos esclarecimentos travados no primeiro capítulo, quando se
defendeu a natureza jurídica do poder de direção do empregador como situação
jurídica subjetiva, cumpre novamente defender a sua aplicação, destafeita quanto à
natureza jurídica dos direitos de personalidade.
410
411
412
413
414
415
Art. 461 [...]
o
§ 4. O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou da sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixandolhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
VENOSA, op. cit., p.152.
AMARAL, F., op. cit., p.249.
Ibidem, p.251.
MELLO, op. cit., p.77.
O autor faz esta afirmação se referindo à concepção de direito subjetivo no pensamento de
Orlando de Carvalho. (SOUSA, op. cit., p.607).
133
Pietro Perlingieri bem ressalta que a concepção de direitos da personalidade
como direitos subjetivos decorre das concepções patrimonialistas416 já superadas pelos
códigos e mesmo pela personalização do direito privado, como dito neste capítulo.
Gustavo Tepedino explica que, para se entender a natureza jurídica dos direitos
em questão, a personalidade deve ser considerada sob dois ângulos. O primeiro
deles são os atributos da pessoa humana, que a permite ser sujeito de direitos
(como a capacidade). O outro ponto ele denomina estrutural, pois a pessoa, vista por
sua subjetividade, identifica-se com o elemento subjetivo das situações. O autor
ainda faz mais digressões, concluindo que a personalidade, entendida como sujeito de
direito, não pode ser, ao mesmo tempo, seu objeto. Em verdade, se analisada como
valor, por causa dos atributos inerentes e indispensáveis ao ser humano, constituem em
si mesmos bens jurídico. Enfim, a personalidade decorrente da capacidade jurídica
deve ser vista como atributo especial do ser humano, enquanto a personalidade em
sentido natural encerra um conjunto de atributos inerentes à condição humana.417
Com muita precisão, Pietro Perlingieri explana:
A esta matéria não se pode aplicar o direito subjetivo elaborado sobre a
categoria do "ter". Na categoria do "ser" não existe a dualidade entre sujeito
e objeto, porque ambos representam o ser e a titularidade é institucional,
orgânica [...]. onde o objeto de tutela é a pessoa, a perspectiva deve mudar;
torna-se necessidade lógica reconhecer, pela especial natureza do interesse
protegido, que é justamente a pessoa a constituir ao mesmo tempo o sujeito
titular do direito e o ponto de referência objetivo da relação. A tutela da
pessoa não pode ser fracionada em isoladas fattispecie concretas, em
autônomas hipóteses não comunicáveis entre si, mas deve ser apresentada
como problema unitário, dado o seu fundamento representado pela unidade do
valor da pessoa. Este não pode ser dividido em tanto interesses, em tantos
bens, em isoladas ocasiões, como nas teorias atomísticas. A personalidade
é, portanto, não um direito, mas um valor (o valor fundamental do
ordenamento) e está na base de uma série aberta de situações existenciais,
nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela.418
Assim, não existe um número fechado de tutelas. Como dito anteriormente,
os direitos da personalidade não podem ser considerados como taxativos, porque
sempre advirão outros. Isso tudo não impede que o ordenamento faça previsões, mas
416
417
418
PERLINGIERI, op. cit., p.155.
TEPEDINO, op. cit., p.27.
PERLINGIERI, op. cit., p.155-156.
134
se acaso alguém pretender a proteção a um direito da personalidade não previsto no
ordenamento especificamente, deverá sua tutela ser assegurada.419
Arrematando esse raciocínio, Maria Celina Bodin de Moraes esclarece que as
situações subjetivas receberão420 "[...] a tutela do ordenamento se e enquanto estiver
não apenas em conformidade com o poder de vontade do titular, mas também em
sintonia com o interesse social."
Embora o entendimento de direito da personalidade seja ainda pouco difundido,
é o que mais se mostra adequado, sem embargo, em se considerando a sua consonância com a jurisprudência dos valores e a atenção ao conteúdo constitucional em
termos de proteção da dignidade da pessoa humana.
3.1.3
O Problema da Eficácia
Como dito, por razões históricas e concretas, afinal a tutela dos direitos de
personalidade apareceu primeiramente nas constituições, afirme-se que tais direitos
fazem parte dos fundamentais.421 Questiona-se, talvez, o motivo de os mesmos direitos
terem ganhado previsão infraconstitucional, nas legislações denominadas privadas.
Para responder a esta questão, necessário dizer que uma concepção de direitos
fundamentais oponíveis na relação dos indivíduos ante o Estado mostra-se reducionista422, porque é evidente, como será demonstrado inclusive pelo estudo da eficácia
de tais direitos, especialmente tendo em mente os diretos de personalidade, que são
aplicáveis nas relações entre particulares.
Os direitos de personalidade fazem parte dos direitos fundamentais, ante as
previsões constitucionais constantes do artigo 5.o. Em verdade, também estão
previstos no Código Civil, como dito. Afinal, são públicos ou privados? Responder a esta
questão talvez não seja tão fácil como o seria. O processo de constitucionalização
419
420
PERLINGIERI, op. cit., p.156.
MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e
conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e
direito privado. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p.137.
421 MELLO, op. cit., p.79.
422 Ibidem, p.82.
135
do direito privado não permite mais a separação estanque entre a Constituição Federal
de 1988 e o Código Civil, notadamente em se tratando de direitos da personalidade,
pois localizam-se em pontos de franca intersecção entre os dois diplomas legais. Não
se deve, contudo, ignorar a autonomia do Direito Civil e seus institutos, especialmente
aqueles que foram dogmaticamente construídos, servindo como protetores dos direitos
de personalidade, tais como o abuso do direito e a responsabilidade civil. Destarte,
necessário considerar uma confluência, um hibridismo entre institutos do direito
constitucional e outros do direito civil.423
De toda sorte, as hipóteses de direitos da personalidade previstas no Código Civil
também podem ser consideradas como direitos fundamentais, porque materialmente
constitucionais, ante a previsão do § 2.o do artigo 5.o da Constituição Federal já
mencionada.
Nesse norte, Canotilho esclarece que os direitos constantes da Constituição
são considerados como formalmente constitucionais porque ganham enunciados
e proteção por meio de normas que têm a forma constitucional. Com espeque no
dispositivo constitucional citado, embora direitos fundamentais não venham tutelados
por normas que têm a forma constitucional, devem ser considerados como direitos
materialmente fundamentais. Como não se consagra clara a equiparação mencionada,
a orientação resta no sentido de que sejam considerados direitos materialmente
constitucionais aqueles comparáveis por seu objeto e importância em relação aos
direitos formalmente constitucionais.424
As palavras de Cláudio Ari Mello também se fazem profícuas quanto ao tema:
De fato, a fundamentalidade material dos direitos de personalidade, o caráter
decisivo que assumem para assegurar o livre desenvolvimento da personalidade
e tutelar a subjetividade humana, exige uma proteção jurídica que somente
a inserção de normas constitucionais pode oferecer, ou seja, uma garantia
normativa que não esteja livre à disposição do legislador ou do administrador, e
tampouco dos poderes sociais privados ou de outros particulares.425
423
424
MELLO, op. cit., p.84-85.
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direto constitucional e teoria da constituição. 7.ed.
Coimbra: Livraria Almedina, 2003. p.403-404.
425 MELLO, op. cit., p.86.
136
Interpretação como tal referenda não só o princípio da dignidade da pessoa
humana, mas toda a carga axiológica contida no texto constitucional.
Tendo em mente os direitos de personalidade previstos constitucionalmente,
ou seja, como direitos fundamentais, bem como os assim materialmente considerados,
como se constitui o caso dos direitos de personalidade do Código Civil, devem ser
realizadas algumas considerações em relação à aplicação destes na esfera privada,
para depois se chegar ao contrato de trabalho.
Os direitos fundamentais surgiram como formas de limitação do poder estatal,
ou seja, de liberdade dos indivíduos perante o poder estatal.426 Isso significa que
representam proibições para o poder púbico e a possibilidade de os particulares
exercerem direitos e exigirem omissões desse poder estatal. Em breves termos
históricos, pode-se afirmar que alguns direitos fundamentais já apareceram na
Magna Carta de 1215, pacto firmado pelo Rei João Sem-Terra427. Avançando no
tempo, tem-se como expressivas a Constituição dos Estados Unidos da América,
decorrente da independência, de 1787, a Constituição da França de 1791 e,
avançado um pouco no tempo, as Constituições do México de 1917 e a de Weimer
de 1919 que, com suas disposições sobre a ordem econômica, vieram a influenciar
as que lhe foram subseqüentes, inclusive a atual do Brasil, que se inspirou nessa
última, como visto.428
Considerando-se expressamente o Brasil, as Constituições anteriores traçavam
direitos fundamentais, mas particularmente interessa a que está em vigor, qual seja
a de 1988. A assertiva anterior trata-se de importante observação quando se tem em
mente que a partir da atual Constituição tornou-se notória a eficácia, a aplicação prática
das normas do diploma em questão. A partir de 1988, deixou-se de lado, portanto, o
426
Assinale-se que e visão de limitação do poder estatal foi assimilada com os textos constitucionais
positivados oriundos do liberalismo e não por acaso, afinal a burguesia, para disseminar suas
liberdades de forma a atender, principalmente seus interesses econômicos, arraigou a necessidade
de tal limitação. Antes de tais Constituições, a noção inicial de direitos fundamentais, a partir de
teorias jusnaturalistas, não carecia de restrições em relação a seus destinatários, referindo-se
tanto ao Poder Público quanto aos particulares. Verificar: GOMES, Fábio Rodrigues. A eficácia
dos direitos fundamentais na relação de emprego: algumas propostas metodológicas para a
incidência das normas constitucionais na esfera juslaboral. p.51. Disponível em:
<http//www.tst.jus.br/Ssedoc/PaginadaBiblioteca/revistadotst/Ver_71/rev_71_3/ver_3_3.pdf>.
Acesso em: 12 jul. 2008.
427 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5.ed. rev. atual. e ampl. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p.48.
428 Vide esclarecimentos na nota de rodapé número 339.
137
estado de letargia com que vinham sendo tratados os dispositivos constitucionais
até então.
A "prodigalidade legislativa constitucional"429 acabou se tornando de pouca
inaplicabilidade prática, porque, como se observa desde as primeiras Constituições, ou
seja, do Brasil Império até antes de 1988, ou se sucederam movimentos de instabilidade política como golpes de Estado, ditaduras civis e militares, reações populares.
Aliado ao cenário de incerteza, citem-se também disposições constitucionais inócuas
ou até mesmo jocosas que constaram dos textos, trazendo-se a título de exemplo
previsão de que a "lei seria igual para todos" em 1824, quando ainda vigia a
escravatura, ou também a previsão de colônias de férias e clínicas de repouso para
trabalhadores na Constituição de 1969.430
Passada a era de letra morta e transformando-se em prática a constitucionalização do direito privado, ou seja, ganhando campo a aplicação das normas
infraconstitucionais de regulação das relações privadas a partir do viés e da carga
axiológica trazida na Constituição Cidadã, devem-se traçar considerações sobre a
eficácia vertical e horizontal dos dispositivos constitucionais.
A eficácia vertical está relacionada justamente quando se tem uma relação
envolvendo um poder público e um particular. Não se têm dúvidas de que há a
incidência, ou seja, os poderes públicos estão vinculados aos direitos fundamentais
em suas relações com os cidadãos, ou seja, com os particulares em geral.
Há de ser considerado que a Constituição de 1988, diferente de outros países431,
não vinculou expressamente entidades públicas e privadas em relação aos direitos
fundamentais. Há uma omissão legislativa nesse aspecto, o que, de forma alguma,
pode sustentar a inaplicabilidade dos direitos fundamentais, especialmente por conta
do Título II da Constituição, ou seja, pelo reconhecimento dos direitos fundamentais,
assim como dos direitos sociais, bem como por causa das previsões dos parágrafos
primeiro e segundo do artigo quinto.
429
430
431
GOMES, F. R., op. cit., p.48.
Idem.
Ingo Sarlet exemplifica com as Constituições de Portugal, Alemanha e Espanha a previsão expressa
dessa vinculação das pessoas públicas e privadas em relação aos direitos fundamentais.
(SARLET, op. cit., p.360).
138
Com efeito, o art. 5.o, § 1.o432, prevê a aplicabilidade imediata dos direitos
fundamentais e, por sua vez, o § 2.o do mesmo dispositivo constitucional, como dito,
prevê a aplicabilidade não só dos direitos fundamentais previstos, mas também
outros que deles decorram ou que sejam concebidos a partir dos princípios da Carta
Magna, repise-se. Finalmente, o mesmo § 2.o prevê que são aplicáveis os direitos
fundamentais oriundos de tratados internacionais nos quais o Brasil seja parte.
Convém ressaltar, ainda, que essa eficácia vertical deve ser atribuída para
todos os poderes públicos, ou seja, para Legislativo, Executivo e Judiciário.
O legislador não é soberano em suas leis, ou seja, estas devem guardar a
prevalência dos direitos fundamentais eleitos pelo constituinte. Há uma vinculação
positiva e outra negativa do legislador433 para com os direitos fundamentais. A positiva
significa que deve seguir os parâmetros traçados nos direitos fundamentais e ainda
promover a realização, a concretização destes. A negativa, por sua vez, compreende
a impossibilidade de leis que sejam contrárias aos preceitos contidos nas normas de
direitos fundamentais.
O Poder Executivo vincula-se aos direitos fundamentais não somente em relação
a que seus atos em geral sejam por estes pautados, ou seja, que os atos executivos
sejam promotores dos direitos fundamentais, mas também na implementação de
políticas públicas434 que efetivem tais direitos.
O Poder Judiciário, por sua vez, também não atua sem que tenha em vista a
aplicação dos direitos fundamentais. Se, por um lado, deve realizar a aplicação de tais
direitos, por outro lado tem-se que o Judiciário fará o controle de constitucionalidade
de todos os atos dos demais poderes.
Vencidos esses aspectos da eficácia vertical, tem-se a questão da eficácia
horizontal435 dos direitos fundamentais, ou seja, da eficácia de tais direitos nas
relações entre particulares.
432
o
Art 5. [...]
o
§ 1. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
433 CANOTILHO, op. cit., p.1291.
434 AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações
trabalhistas. São Paulo: LTr, 2007. p.55.
435 Também denominada eficácia externa, privada ou em relação a terceiros.
139
O estudo do tema tem importantes considerações na doutrina e jurisprudência
alemãs, mas não somente nesse país, sendo encontrados debates sobre o tema na
Inglaterra, na Itália, na Suíça e até mesmo nos Estados Unidos. Nas constatações
de Canaris:
A temática adquire uma dimensão adicional pela circunstância de se não tratar
aqui, de forma alguma, de um fenómeno exclusivamente alemão. Assim, por
exemplo, o comparatista inglês Markesinis fala, mesmo, de uma "contitutionalism
of private law", e tem aqui em vista uma tendência que vai muito para além
do círculo jurídico alemão. E encontrei exactamente este mesmo pensamento
em Trabucchi, referindo-se ao Código Civil italiano. O Tribunal Federal suíço,
por sua vez, afirmou que "pelo menos a eficácia indirecta em relação a
terceiros, no sentido de um imperativo de intepretação das normas de direito
privado em conformidade com os direitos fundamentais, é praticamente
reconhecida por todos", e fez seu esse entendimento. Com base nas suas
investigações comparatistas, von Bar julga, mesmo, possível sustentar que
"o direito da responsabilidade delitual na Europa de hoje é, cada vez mais,
concebido como uma forma de concretização dos direitos de liberdade
constitucionalmente garantidos". E também nos Estados Unidos da América
existe há muito, sob a epígrafe "state action doctrine", uma intensa discussão
da temática.436 [destaques no original]
A eficácia horizontal ganha importância porque a liberdade individual não
tem sido afrontada apenas pelo Estado, mas pelos próprios particulares, uns em
relação aos outros, dadas suas flagrantes diferenças sociais e econômicas. É preciso
proteger os cidadãos uns dos outros e, por que não dizer, de si mesmos. Com efeito,
a dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Brasileiro, deve aparecer
priorizada não somente entre relações, mas também nas conseqüências pessoais da
atuação do indivíduo. Imprescindíveis, nessa senda, as considerações de Ingo Sarlet:
Não é demais lembrar que, no concernente aos limites da autonomia privada,
a incidência direta da dignidade da pessoa humana nas relações entre
particulares atua também como fundamento de uma proteção da pessoa
conta si mesma, já que a ninguém é facultada a possibilidade de usar de
sua liberdade para violar a própria dignidade, de tal sorte que a dignidade
da pessoa assume a condição de limite material à renúncia e auto-limitação
de direitos fundamentais (pelo menos no que diz com o respectivo conteúdo
e dignidade de cada direito especificamente considerado).437
436
CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet
e Paulo Mota Pinto. Reimpressão da edição de julho 2003. Coimbra: Almedina, 2006. p.20-21.
437 SARLET, op. cit., p.378.
140
Pode-se dizer, portanto, que é a partir dessa aplicação dos direitos fundamentais
que se tem o franco desenvolvimento da influência do Direito Constitucional sobre o
Direito Privado438.
Nos países ocidentais de tradições romano-germânicas tem-se como praticamente consensual os efeitos dos direitos fundamentais nas relações entre
particulares.439 Citaram-se os Estados Unidos como país de discussão sobre o tema
porque, após francas argumentações, constitui-se praticamente como axioma na
doutrina e na jurisprudência a inaplicabilidade dos direitos fundamentais em relação
aos particulares, exceto com relação à 13.a Emenda Constitucional, pois versa
sobre escravidão.440
Trata-se da doutrina do "state action", cujos fundamentos são pelo menos
três. O primeiro revela-se na idéia de que o texto constitucional, na maioria de suas
disposições de direitos fundamentais, refere-se tão-somente aos Poderes Públicos.
O segundo provém do argumento liberal de que a autonomia privada seria perdida
se permitida a atuação da Constituição da esfera da liberdade individual. O terceiro
argumento, ainda, provém da regra americana sobre a competência para legislação
sobre direitos privados, em que se mantém o pacto federativo, competindo aos
Estados e não à União fazê-lo, sendo excetuadas as matérias legais atinentes ao
comércio interestadual e ao internacional.441
A partir de 1940 a Suprema Corte passou a se fundamentar na "public
function theory", relativizando a "state action", afirmando pela aplicabilidade dos direitos
fundamentais em relação aos particulares, nas hipóteses em que estes estiverem
agindo em atividades tipicamente estatais. Dessa forma, quando atividades estatais
forem delegadas para empresas privadas, aplicam-se os direitos fundamentais, assim
como em outras atividades consideradas estatais independentemente de delegação,
mas inexistindo um critério seguro para determinação desta última possibilidade.
Dessa maneira, desde a década de 1970, há tendência de restrição de aplicação da
"publico function theory", o que não tem impedido a Suprema Corte de aplicar os
438
439
VALENCIA, Melis apud AMARAL, J. R. de P., op. cit., p.59.
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2.ed., 2. tiragem. Rio de
Janeiro: Lumen Júris, 2008. p.187.
440 Ibidem, p.189.
441 Ibidem, p.185-186.
141
direitos fundamentais entre os particulares por força de outro argumento: uma
conexão mais profunda entre o agente privado e a uma entidade governamental,
sendo exemplo jurisprudencial o caso de um restaurante que ocupava o espaço
alugado por um Poder Público, sendo decidido que não poderia discriminar clientes
por motivos raciais.442
De toda sorte, a Suprema Corte considera que os entes da federação não podem
promover o desrespeito dos particulares em relação aos direitos fundamentais, tendo
inclusive sedimentado entendimento no sentido de que tais entes não podem conceder
benefícios, subsídios ou isenções para agentes privados que atentem contra os
preceitos constitucionais. Excluem-se, no entanto, as empresas que necessitam de
licenciamento ou cuja atividade sofra regulamentação estatal.443
Em verdade, a jurisprudência e a doutrina americana ainda preservam a
teoria da "state action" porque defendem a preservação da liberdade e da autonomia
da vontade.444
Nos demais países que admitem a aplicação dos direitos fundamentais em
relação aos particulares, duas são as teorias que tratam da forma de aplicação
horizontal dos direitos fundamentais: a da eficácia direta ou imediata e a da eficácia
indireta ou mediata.
A eficácia indireta ou mediata trata-se de construção doutrinária e jurisprudencial alemã, sendo um meio termo entre a teoria negativa da aplicação dos direitos
fundamentais nas relações privas e a teoria da incidência direta de ditos direitos no
âmbito privado.445
Segundo a teoria da eficácia indireta, aplicam-se os direitos fundamentais nas
relações travadas entre particulares somente a partir de uma recepção dos direitos
fundamentais pelo direito privado446, os direitos fundamentais não constituiriam direitos
subjetivos447 em tal âmbito.
442
443
444
SARMENTO, op. cit., p.190-192.
Ibidem, p.193.
Daniel Sarmento afirma que há quem critique na própria doutrina americana o axioma, citando
como exemplo o Prof. Erwin Chemerinsky, defensor da eliminação da teoria, mas atualmente ele
ainda permanece forte. (Ibidem, p.195-196).
445 Ibidem, p.197-198.
446 SARLET, op. cit., p.375.
447 SARMENTO, op. cit., p.198.
142
Destarte, os direitos fundamentais poderiam ser aplicados nas relações entre
particulares após processos interpretativos que utilizem cláusulas gerais e conceitos
jurídicos indeterminados, ou seja, a partir do preenchimento dessas técnicas legislativas
com preceitos advindos dos direitos fundamentais. Necessitar-se-ia de uma ponte448
entre o âmbito constitucional e o privado.
Para essa teoria de eficácia, ainda que haja no seio social desigualdades das
mais variadas espécies e graus, a autonomia privada e a liberdade negocial não podem
ser completamente mitigadas ou mesmo excluídas pela aplicação dos direitos
fundamentais. Pressupõe-se, portanto, a hipótese de os indivíduos renunciarem449
direitos fundamentais enquanto estiverem atuando na esfera privada.
A teoria da eficácia imediata ou direta, por sua vez, afirma que os direitos
fundamentais são oponíveis erga omnes (tanto em relação ao Estado como em
relação aos demais indivíduos)450, ou seja, são válidos para toda a ordem jurídica,
independentemente de pontes com o direito privado, eis que provêm na Constituição,
ou seja, representam o fundamento de validade para todos os demais diplomas
do ordenamento.
A teoria encontra sua gênese na Alemanha e a jurisprudência do Tribunal
Federal do Trabalho de referido país atuou na vanguarda, aplicando-a no julgamento de
vários casos, sendo famoso um de 1957 em que, por meio de previsões constitucionais,
restou anulada cláusula de contrato de trabalho prevendo a dispensa caso as empregadas viesse a se casar, enquanto perdurasse a relação empregatícia. Referido
contrato havia sido firmado entre um hospital particular e suas enfermeiras.451
Quem defende a teoria não prega radicalismos, admitindo, pois a ponderação
entre os direitos fundamentais e a autonomia privada, de forma que esta seja preservada
enquanto legítima.
Quanto ao posicionamento ora tratado, importante fazer referência à Constituição
de Portugal, que em seu artigo 18.1 prevê expressamente: "Os preceitos constitucionais
respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam
448
449
450
451
SARMENTO, op. cit., p.198.
Idem.
AMARAL, J. R. de P., op. cit., p.69. No mesmo norte: SARMENTO, op. cit., p.204.
SARMENTO, op. cit., p.205.
143
as entidades públicas e privadas." Dessa forma, tal país adota majoritariamente a
vinculação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas.452
3.2.1.1 Contratos de trabalho: eficácia direta dos direitos de fundamentais?
Tendo em mente as previsões constitucionais quanto à dignidade da pessoa
humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, assim como os
fundamentos da ordem econômica previstos no artigo 170, defende-se a aplicação
dos direitos fundamentais nos contratos de trabalho, e de forma direta. Faça-se a
análise por outro argumento.
Como discorrido no primeiro capítulo, o contrato de trabalho diferencia-se dos
demais contratos de âmbito privado mormente pela subordinação, ou seja, a sujeição
do empregado em relação ao empregador. Resta desde logo clara a desigualdade
entre as partes contratantes, o que favorece a afronta de direitos fundamentais do
lado mais fraco, o empregado. Nesse sentido João Caupers pondera:
No contrato individual de trabalho existe um manifesto desequilíbrio entre os
poderes patronais – poder determinativo da função, poder conformativo da
prestação, poder regulamentar e poder disciplinar – e os direitos do
trabalhador – pouco mais do que a protecção da retribuição (directa ou
indirectamente, através do que a tutela da categoria e da antiguidade), do
repouso e da segurança do emprego.453
O mesmo autor ressalta que o desequilíbrio existente nos contratos de trabalho
pode aumentar em tempos de desemprego454, porque os empregadores conseguem
substituir mais facilmente os trabalhadores nos postos de trabalho.455
452
453
SARMENTO, op. cit., p.205.
CAUPERS, João. Os direitos fundamentais dos trabalhadores e a constituição. Coimbra:
Almedina, 1985. p.173.
454 Assinale-se que o desemprego tem se mostrado expressivo no Brasil, conforme item 1.2.2 da
presente pesquisa.
455 CAUPERS, op. cit., p.173.
144
A desigualdade apontada confirma, portanto, a aplicação da teoria imediata ou
direta quanto se trata de eficácia dos direitos fundamentais nas relações de emprego.
Reforçando a tese:
A intangibilidade do conteúdo essencial dos direitos fundamentais dos trabalhadores, bem como a flagrante desigualdade existente entre os sujeitos
envolvidos nas relações trabalhistas – empregados e empregadores –, em
face da grande concentração de poder nas mãos do empresário no seio
destas relações, podem ser consideradas como motivos justificadores para
a aplicação da eficácia direta ou imediata dos direitos fundamentais no
âmbito do contrato de trabalho. (destaques no original)456
Além disso, existe uma forte aplicação da pessoa do trabalhador no vínculo
empregatício, porque, reafirme-se, não se pode separar a atividade laboral da pessoa
do empregado. E se a pessoa está fortemente afetada na relação de emprego, seus
direitos de personalidade estarão em inevitável tensão com as atuações do poder do
empregador.
A afirmação pela aplicação direta e imediata também guarda respaldo na
Declaração da OIT sobre princípios e direitos fundamentais no trabalho e seu seguimento,
oriunda da 86.a Conferência Internacional do Trabalho, realizada em 1998, na cidade
de Genebra. Essa Declaração tem por finalidade proteger e fomentar o respeito aos
direitos básicos dos trabalhadores, preceito que foi adotado na Conferência de
Cúpula de Copenhague, de 1995. Essa Declaração, ainda, se refere a oito Convenções
da OIT, a saber: Convenção sobre o trabalho forçado, de 1930 (n.o 29); Convenção
sobre a liberdade sindical e a proteção do direito de sindicalização, de 1948 (n.o 87);
Convenção sobre o direito de sindicalização e negociação coletiva, de 1949 (n.o 98);
Convenção sobre igualdade de remuneração, de 1951 (n.o 100); Convenção sobre a
abolição do trabalho forçado, de 1957 (n.o 105); Convenção sobre a discriminação no
emprego e ocupação, de 1958 (n.o 111); Convenção sobre a idade mínima de admissão
456
AMARAL, J. R. de P., op. cit., p.87. O posicionamento de Daniel Sarmento é no mesmo sentido,
ou seja, de que no Brasil a eficácia dos direitos fundamentais e nas relações privadas deve ser
direta, o que se aplica aos contratos de trabalho, especialmente em se tratando de direitos da
personalidade do trabalhador, porque estes também são direitos fundamentais. (SARMENTO, op. cit.,
p.237). Fábio Rodrigues Gomes assevera, igualmente, a incidência dos direitos fundamentais
deve ser direta, especialmente por causa dos poderes do empregador (especialmente de direção
e disciplinar), que significam uma ameaça em potencial a referidos direitos dos trabalhadores.
(GOMES, F. R., op. cit., p.59-60).
145
no emprego, de 1973 (n.o 138); Convenção sobre as piores formas de trabalho das
crianças, de 1999 (n.o 182).457
Resta evidente que a aplicação dos direitos fundamentais nos contratos de
trabalho deve ser imediata, como engendra preocupação internacional, haja vista a
repetição de situações degradantes no ambiente e nas condições de trabalho, ou
seja, a repetida afronta aos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Retomando o raciocínio do início desta divisão do estudo: se a atividade empresarial (pautada na livre iniciativa) deve resguardar a dignidade da pessoa humana, e ela
(empresa) é que origina o contrato de trabalho e este, por sua vez, o poder diretivo do
empregador, está claro que se espraia para este contrato e para as relações entre
empregadores e empregados a mesma dignidade da pessoa humana mencionada.
Por outro lado, a realização é uma constante busca do ser humano, sendo
que uma das suas facetas é pelo trabalho458, pela profissão desenvolvida, o que
será alcançado num ambiente de labor digno.
Diante desse panorama, reafirme-se que a dignidade da pessoa humana é
início e o fim do ordenamento jurídico e por isso mesmo, em se tratando de contrato
de trabalho, os direitos fundamentais terão aplicação imediata.
[...] sempre será possível afirmar, ao menos um limiar mínimo, que os direitos
fundamentais constituem e configuram um sistema de valores e que os
poderes de caráter privado, como são designadamente os poderes do
empregador, estão pois, como regra, 'sujeitos à relevância dos preceitos
constitucionais – só assim não acontecendo quando tal represente o prejuízo
desrazoável e injustificado da área de liberdade que lhes é reconhecida – [a
ponto de se poder afirmar que] a empresa não é mais um domínio privado
dos seus titulares, em que a Constituição e dos direitos fundamentais não
penetrem'. E, ao menos no núcleo essencial da dignidade humana, assim
terá que ser, de forma necessária, sob pena de se poder chegar a uma
'distorção de duas éticas diferentes' [...].459
457
ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005.
p.207-208.
458 Ressalte-se o que foi dito no primeiro item da pesquisa sobre o tema em questão.
459 ASSIS, op. cit., p.22.
146
A 1.a Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, realizada
em novembro do ano de 2007, aprovou setenta e nove enunciados460 como subsídios
à jurisprudência trabalhista.
Dentre tais enunciados, os dois primeiros tratam dos direitos fundamentais:
1. DIREITOS FUNDAMENTAIS. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO. Os
direitos fundamentais devem ser interpretados e aplicados de maneira a
preservar a integridade sistêmica da Constituição, a estabilizar as relações
sociais, e, acima de tudo, a oferecer a devida tutela ao titular do direito
fundamental. No Direito do Trabalho, deve prevalecer o princípio da dignidade
da pessoa humana.
2. DIREITOS FUNDAMENTAIS – FORÇA NORMATIVA.
o
I – ART. 7. , INC. I, DA CONSTITUÇÃO DA REPÚBLICA, EFICÁCIA PLENA.
FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO. DIMENSÃO OBJETIVA DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS E DEVER DE PROTEÇÃO. A omissão legislativa
impõe a atuação do Poder Judiciário na efetivação da norma constitucional,
garantindo aos trabalhadores a efetiva proteção contra a dispensa arbitrária.
II - [...];
III - [...].
Deve-se relembrar, no entanto, que a análise da aplicação imediata deve ser
realizada caso a caso. O primeiro argumento trata-se de reconhecer que o poder do
empregador não se confunde com o Poder Público quando se trata da necessidade
de proteção do hipossuficiente com o qual está relacionado. Deve-se "[...] ter sempre
em mente que o particular – por mais influente que seja – continua sendo titular de
direitos fundamentais."461
Não bastassem todos os argumentos de ordem constitucional declinados, que
irradiam até mesmo a aplicação dos os direitos de personalidade previstos pelo
Código Civil nas relações de trabalho, deve ser trazida à baila a possibilidade de
aplicar tais direitos nestas relações por força do permissivo contido no artigo 8.o,
§ único da CLT, mesmo motivo utilizado como um dos demais para aplicação da teoria
do abuso do direito, tratado no capítulo anterior. Sendo praticamente omissa a CLT
em termos de direitos da personalidade, aplicam-se subsidiariamente as disposições
do Código Civil.462
460
Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/jornada/anexos/ementas_aprovadas.pdf>. Acesso
em: 21 jan. 2008.
461 GOMES, F. R., op. cit., p.61.
462 MALLET, op. cit., p.19.
147
Porém, como dito no item anterior, pode haver casos de aplicação dos direitos
de personalidade em que exista dúvida em como proceder, porque ambos, empregado
e empregador, podem ter direitos em jogo, especialmente direitos fundamentais.
Assim, Canotilho defende a tese da aplicação imediata, mas pondera que devem
ser analisados os casos concretos de forma diferenciada; ele afirma que somente no
caso concreto constituir-se-á possível a verificação se a aplicação deve ser direta ou
indireta. Num primeiro momento, deve ser feita a aplicação dos direitos legalmente
previstos no âmbito privado conforme os direitos fundamentais. Se essa interpretação
conforme os direitos, liberdades e garantias não bastar, a lei infraconstitucional será
posta de lado. Então, na interpretação o juiz deverá lançar mão das cláusulas gerais
e dos conceitos jurídicos indeterminados, ou seja, por exemplo da boa-fé e do abuso
do direito, combinados com as normas consagradoras do que o autor chama de bens
jurídicos absolutos, como a vida, a liberdade. Assim, tais bens constitucionalmente
tutelados restarão concretizados por meio das decisões judiciais.463
3.2
OS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO EMPREGADO
Em termos de contrato de trabalho, como visto, os sujeitos são o empregado
e o empregador, ambos em seus direitos e deveres. Ocorre que o contrato aqui
tratado não pode ser visto como um contrato empresarial qualquer, tendo em vista
as características peculiares que encerra, especialmente porque não se pode
separar a pessoa do trabalhador de suas atividades.
José Antônio Peres Gediel relata que a importância do trabalho para a economia
de mercado, bem como um acentuado caráter patrimonialista nas relações empregatícias, acabou por dificultar a aplicação dos direitos de personalidade em tal âmbito.
Todavia, com os movimentos humanistas e de repersonalização dos institutos do
direito privado, esse cenário está mudando, especialmente por força da Constituição
463
CANOTILHO, op. cit., p.1291-1292.
148
Federal, na qual constam como fundamentos os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa. A cultura juslaboralista quanto aos direitos de personalidade tem se
mostrado sensível, de forma a atenuar as contradições da sociedade de mercado,
marcada pelo conflito de valores e de direitos.464
Nem poderia ser diferente quanto à assimilação da repersonalização e dos
direitos de personalidade na esfera do contrato de trabalho.
Não se olvide que, hodiernamente, os direitos e deveres advindos do contrato
de trabalho não mais podem ser encarados apenas como a prestação – empregado
labora – e contraprestação – empregador paga salário. É fato que a ligação entre
preceitos celetistas, civis e constitucionais permite a aplicação, no contrato de
trabalho, de institutos como a função social do contrato e a boa-fé objetiva. Nem se
questione a aplicação da dignidade da pessoa humana e, portanto, dos direitos de
personalidade, também porque o trabalho é fator de dignidade do homem.
Além disso, o empregado é necessariamente pessoa física, o que também
serve de argumento para a aplicação dos direitos de personalidade nas relações
de trabalho.465 Como pessoa, o trabalhador deve ser considerado em todos os
seus atributos.
Cumpre assinalar que a CLT, seguindo caminho semelhante ao do Código Civil
de 1916, mostra-se lacônica quanto ao tema dos direitos da personalidade, identificando-se como hipóteses vagas a ofensa à honra e à boa fama como fundamentos
para rescisão do contrato de trabalho por justa causa, consoante disposto nos artigos
482, alínea j466 e 483, alínea e467. Outra hipótese é a proibição de revistas íntimas,
prevista no artigo 373-A, IV. Limitação legislativa que traduz o cunho patrimonialista
das disposições celetárias.
464
GEDIEL, José Antônio Peres. A irrenunciabilidade a direitos da personalidade pelo trabalhador.
In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2.ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p.153-157.
465 MALLET, op. cit., p.18.
466 Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
[...]
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas
físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
467 Art. 483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização
quando
[...]
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da
honra e boa fama;
149
Os direitos de personalidade do empregado, com efeito, podem ser eleitos
como parâmetros para aferição, na prática, até onde o exercício do poder diretivo é
legítimo. Isso porque, "Quando os direitos do empregador e do empregado entram
em choque, faz-se oportuno traçar até onde o primeiro detém poder de mando sobre
o segundo, em face dos direitos constitucionalmente garantidos."468
Como afirma Dray:
[...] a matéria das pessoas e a tutela dos bens que directamente lhe dizem
respeito é igualmente marcante noutros ramos de direito privado especial,
com particular incidência no Direito do Trabalho, onde na desigualdade entre a
posição jurídica do empregador e a do trabalhador é manifesta, caracterizando-se
pelo binômio poder de direcção (situação jurídica activa) versus situação de
sujeição (situação jurídica passiva). (destacado no original)469
Se, por um lado, as relações empregatícias modernas são dinâmicas470 e
pautadas nos fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana e do
solidarismo, bem como porque contratuais encontram na legislação civil conceitos
que a elas se aplicam, por outro lado, têm assumido características que encerram a
abusividade de direito nas condutas, nas diretrizes traçadas pelo empregador,
mitigando os direitos de personalidade dos empregados.
Referindo-se a disposições constitucionais quanto a direitos de personalidade,
Enoque Ribeiro dos Santos assim se manifesta: "Todas essas normas delimitam o
poder diretivo do empregador, mais especificamente no que respeita ao exercício de
fiscalização, de controle e disciplina no exercício de seu poder empregatício."471
Como dito no primeiro capítulo, de um lado tem-se que ao empregador é lícito
e essencialmente necessário o poder de comando, de forma que possa concretizar a
organização da empresa e esta atinja os fins a que se propõe. Ocorre que, diante de
aspectos, valores constitucionais e mesmo civis, este poder diretivo pode ser mitigado e
mesmo limitado, assim como a subordinação do empregado não se configura como
total e incondicional, porque as relações empregatícias devem ser pautadas, sobretudo,
468
469
SIMÕES, op. cit., p.151.
DRAY, Guilherme Machado. Direitos de personalidade: anotações ao código civil e ao código
do trabalho. Coimbra: Almedina, 2006. p.5.
470 DALLEGRAVE NETO, Notas sobre..., p.203.
471 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Limites ao poder disciplinar do empregador: a tese do poder
disciplinar compartilhado. Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário, São Paulo,
v.4, n.21, p.23, nov./dez. 2007.
150
por fundamentos e princípios como dignidade da pessoa humana, solidarismo, função
social, boa-fé objetiva. O poder diretivo do empregador deverá, portanto, ser analisado
sob a ótica do abuso do direito, de forma que se verifique se sua atuação constitui-se
como abusiva ou não ante os direitos de personalidade dos empregados.
Tendo em mente o que se disse sobre a vinculação direta dos particulares
aos direitos fundamentais, na realidade prática ocorrerão casos de dúvida em relação a
qual dos particulares (se o empregado ou se o empregador) estará com a razão,
nestes casos, deverá ser realizada a ponderação, de forma a harmonizar princípios
constitucionais em colisão.
O indivíduo, como trabalhador, ou seja, na qualidade de empregado, por conta
do contrato de trabalho e das características que lhe são inerentes – principalmente por
força da subordinação ao poder diretivo do empregado – poderá sofrer limitações quanto
aos seus direitos individuais fundamentais, dentre eles os direitos de personalidade.472
Exemplos de tais colisões serão tratados em item posterior, com exemplos práticos.
3.3
CASUÍSTICA SOBRE DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO E
EXERCÍCIO ABUSIVO DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR
Não são raras as colisões entre poder diretivo do empregador e direitos de
personalidade dos empregados. Algumas limitações aos direitos de personalidade
dos empregados podem ser admitidas, sendo certo que os balizadores se concretizam
na necessidade, na adequação e na razoabilidade.473
A empresa é decorrente de uma ação humana, por certo que sua finalidade
também deve ser o bem: "A busca do lucro se mistura de maneira inseparável com a
472
473
GOMES, F. R., op. cit., p.61-62.
Critérios citados por Fernando Büscher von Teschenhausen Eberlin, ao explicar o caso de testes
toxicológicos que passaram a ser aceitos após o acidente ecológico de um petroleiro na costa do
Alasca. (EBERLIN, Fernando Büscher von Teschenhausen. Poder de direção do empregador
versus direito à privacidade do empregado. Revista Trabalhista - Direito e Processo, Rio de
Janeiro, v.19, p.135-136, jul./ago./set. 2006).
151
busca do bem comum."474Nessa senda, o bem somente pode ser alcançado se as
ações e atitudes humanas forem pautadas por valores, princípios coletivos de conduta,
mormente a dignidade da pessoa humana.475
Se a atividade empresarial (pautada na livre iniciativa) deve resguardar a
dignidade da pessoa humana, e ela (empresa) é que origina o contrato de trabalho e
este, por sua vez o poder diretivo do empregador, está claro que se espraia para
este contrato e para as relações entre empregadores e empregados a mesma dignidade
da pessoa humana mencionada.
Diante desse panorama, reafirme-se que a dignidade da pessoa humana deve
ser espraiada para as relações de emprego, em todas as suas fases, sendo um
grande passo o respeito aos direitos da personalidade dos empregados, se considerado
o poder diretivo do empregador.
Como bem assinala Wandelli, "[...] associa-se aos intentos de utilizar-se da
teoria do abuso do direito para impor limites aos direitos fundamentais em nome do
interesse geral ou do Estado, moralidade, bons costumes, fins lícitos, ou segurança
nacional."476
Embora não seja tão fácil avaliar a abusividade do direito no contrato de trabalho,
Edilton Meireles sugere alguns critérios para tal verificação. Em suma, serão abusivos
os atos que:
1. restrinjam fora dos limites aceitos para a hipótese direitos e garantias
fundamentais individuais e coletivos;
2. estabeleçam vantagens desproporcionais ou tornem obrigações
excessivamente onerosas;
3. estabeleçam obrigações incompatíveis com a boa-fé, com as funções
econômicas e sociais e com os bons costumes;
4. ofendam os princípios fundamentais do direito do trabalho e de proteção
do trabalhador;
5. imponham a cobrança vexatória, em decorrência do inadimplemento de
obrigação por parte do contratante.477
474
SAVITZ, Andrew W. A empresa sustentável: o verdadeiro sucesso é o lucro com
responsabilidade social e ambiental. Trad. Afonso Celso da Cunha Serra. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2007.
475 PAVELSKI, Ana Paula. Assédio moral: falta de ética e prejuízo da sustentabilidade nas empresas.
In: BARACAT, Eduardo Milléo (Coord.). Controle do empregado pelo empregador: procedimentos
lícitos e ilícitos. Curitiba: Juruá, 2008. p.315-316.
476 WANDELLI, op. cit., p.69.
477 MEIRELES, Abuso do direito..., p.165.
152
Ao tratar do direito de resistência do empregado ante o poder diretivo do empregador, Márcio Túlio Viana diz que a resistência equivale a uma defesa do empregado
em relação ao comando excessivo do empregador. Se a taxa de comando do
empregador variar tendo em vista fatores que não estão presos à lei ou ao contrato,
o poder diretivo estará desatendendo seus fins normais e justamente por isso será
considerado como sem necessidade. O que pode ocorrer de pelo menos dois modos:
intensivo, ou seja, ordens mais duras, e extensiva, uma quantidade maior de ordens.
Nesses casos pode o empregado resistir ao excesso. Nota-se que o poder diretivo
causa constrangimento e o empregado, no seu direito de resistência (jus resistentiae),
poderá dizer de um simples não ou também promover a justa causa do empregador,
com base no artigo 483, a478 da CLT.479
O mesmo autor chega a falar em abuso do direito no poder diretivo, dizendo
que não se faz necessária a atuação de má-fé do empregador, mas um exercício
abusivo do comando que a lei lhe confere.480
Porém, como muito bem ressalta Dallegrave Neto, na prática o direito de
resistência do empregado dificilmente é utilizado, ante o temor de perder seu emprego,
ainda mais em se considerando os níveis de desemprego. Por outro lado, o empregador
quase sempre não tolera exercícios de resistência por parte do empregado, exercendo
seu direito de dispensá-lo.481
A seguir, constam algumas considerações a respeito de casos em que o
poder de direção do empregador estaria configurando abuso do direito em confronto,
principalmente, com os direitos de personalidade do empregado. Assinale-se que
não se configura tarefa fácil tentar citar a casuística, até mesmo porque num mesmo
caso se pode verificar a restrição abusiva de mais de um direito da personalidade,
como a honra e a imagem, a honra e a intimidade.
478
Art.483. [...]
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons
costumes, ou alheios ao contrato;
479 VIANA, Direito de resistência..., p.209. O autor considera que a resistência é um direito do
empregado, servindo como barreira natural ao poder diretivo do empregador, quando este é
exercido em excesso. (p.75).
480 ibidem, p.105.
481 DALLEGRAVE NETO, Responsabilidade civil..., p.349.
153
3.3.1
A Intimidade e a Vida Privada
José Afonso da Silva explica que o direito à intimidade tem sido utilizado no
mesmo sentido do direito à privacidade. Adverte que esta última é uma expressão de
origem anglo-saxônica ("right of privacy"). A seguir, afirma que a Constituição de
1988 deu ensejo à distinção entre direito à intimidade e direito à vida privada, porque no
seu art. 5.o, X traz ambas separadamente, além de outros atributos da personalidade.
Para o autor, portanto, intimidade concerne à esfera mais secreta da vida do indivíduo,
a exclusão do conhecimento de outrem do que se refira ao aspecto pessoal.482
Alexandre de Moraes completa as informações, explicando a interligação entre
a intimidade e a vida privada, porém concluindo pela abrangência mais restrita da
primeira, que, inclusive, estaria no âmbito da segunda. O autor explana que a intimidade
diz respeito a aspectos da esfera íntima da pessoa, relações com familiares e amigos.
A vida privada, por sua vez, compreenderia todos os demais relacionamentos, estando
aqui abarcada a esfera das relações comerciais, trabalho, estudo.483
O direito à intimidade constitui o direito de preservação em segredo em relação a
certos aspectos pelos demais, de forma que não saibam que se é ou o que se faz.484
Porque previstos constitucionalmente, como dito, aplica-se na esfera do contrato de
trabalho, sempre se tendo em mente que, embora haja forte vínculo pessoal na relação
empregatícia, não se separam o trabalhador da sua prestação de serviços.
Um exemplo pode ser retratado em acontecimento ocorrido em Curitiba, no
qual um candidato que disputava nas eleições municipais o cargo de prefeito teve
sua ficha de avaliação funcional divulgada pelo seu adversário. O candidato tinha
trabalhado em estabelecimento bancário e a avaliação se referia a ele como pouco
trabalhador e agitador.485
Observe-se que aqui a empresa abusou de seu direito porque agiu de forma
contrária à boa-fé objetiva, pois feriu seu dever anexo de conduta constituído pelo
sigilo, pela proteção do empregado, aplicável mesmo após a extinção contratual.
482
483
484
485
SILVA, J. A. da, op. cit., 31.ed., p.206-207.
MORAES, A. de, op. cit., p.53.
BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado. São Paulo: LTr, 1997. p.29.
FONSECA, op. cit., p.149-150.
154
A divulgação de dados médicos e genéticos do empregado, assim como
preferências ideológicas, de consumo, bem como quaisquer outras informações obtidas
pela empresa por força do vínculo empregatício, poderá ser considerada como abuso
de direito do empregador, pelo mesmo motivo antes mencionado. Inegável que tal
conduta, ainda, estaria violando o direito à vida privada do empregado.486
Um exemplo citado pela doutrina que põe em xeque a vida privada do empregado
seria a proibição, pelo empregador, de que fosse consumido cigarro no ambiente de
trabalho.
Desde que essa restrição fosse informada pelo empregador aos seus
empregados, em princípio nada haveria de abusivo. Porém, se o empregador, sem
avisar da regra aplicasse punição ao empregado, como uma advertência ou a
suspensão, estar-se-ia diante do abuso do direito no poder diretivo, porque violado o
dever de informação consubstanciado na boa-fé objetiva.
É certo, ainda, que os avanços tecnológicos como sistemas de áudio e vídeo,
para além de significarem apenas fiscalização ou mesmo segurança, podem ser
utilizados de forma inadequada, ferindo, por exemplo, o direito de personalidade
consubstanciado na intimidade do indivíduo. A título de exemplo, deve ser referido
um julgado487 do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais que considerou
como violação da intimidade do indivíduo por causa da instalação de câmeras de vídeo
nas dependências do banheiro utilizado pelos empregados.
Essa conduta do empregador fere frontalmente a função social do contrato
porque limita o direito fundamental e da personalidade consubstanciado na intimidade.
Com efeito, não se tem como justificar, nesse caso, que o especo de trabalho pertence
ao empregador e ele tem, portanto, assegurado constitucionalmente o direito à proprie-
486
487
MEIRELES, Abuso do direito..., p.168.
DANO MORAL – INSTALAÇÃO DE CÂMARAS DE VÍDEOS NO BANHEIRO – CARACTERIZAÇÃO
"DANO MORAL – INSTALAÇÃO DE CÂMERA DE VÍDEO NO BANHEIRO DA EMPRESA –
VIOLAÇÃO À INTIMIDADE DO EMPREGADO – Extrapola os limites do poder diretivo e
fiscalizador, a empresa que instala câmera de vídeo nos banheiros, porque viola a intimidade do
empregado, acarretando-lhe, por óbvio, constrangimentos. Por decorrência de tal ato, deve a
empresa ser responsabilizada pelo pagamento de indenização por dano moral, à luz do inciso X
o
a
a
do art. 5. da Constituição Federal." (TRT 3. R. – RO 00413.2004.103.03.00.7 – 4. T. – Rel. Juiz
Fernando Luiz G Rios Neto – DJMG 18.12.2004 – p.08) JCF.5 JCF.5.X
155
dade. Ponderando os valores envolvidos, indubitável que a preservação da intimidade
do empregado deve prevalecer.488
Observe-se, contudo, que as câmeras, por exemplo, têm sido consideradas
como passíveis de utilização nos demais ambientes de trabalho que não banheiros e
vestiários. Com efeito, as decisões que tratam de revistas de pertences e aplicam a
sanção entendendo que os pertences fazem parte da esfera íntima do empregado e
entram na regra do artigo 373-A, VI da CLT, proibitiva das revistas íntimas.
Pondere-se, ainda quanto à utilização de aparelhos audiovisuais a necessidade
de informação ao empregado de que ele está sendo controlado no seu local de
trabalho por meio de tais tecnologias.
Ainda mais uma conduta abusiva por parte do empregador, na concretização de
seu poder diretivo, verifica-se quando limita o uso de sanitários pelos empregados, por
questões de produtividade. Infelizmente não são raros os casos em que o empregado
tem número de vezes e tempo certo para freqüentar o banheiro do local onde
trabalha. Essa situação já foi apreciada pelo Judiciário, resultando na condenação
em danos morais a favor do empregado, por afronta a sua intimidade.489
488
As considerações sobre exemplo como o do julgado mencionado foram elencadas em MEIRELES,
Abuso do direito..., p.170.
489 Não obstante seja compreensível que o empresário vise ao lucro, isso não lhe dá o direito de impor
aos seus empregados limitações de ordem fisiológicas, como no caso da utilização de sanitários,
violando normas de proteção à saúde e impondo-lhe uma situação degradante e vexatória, com o
escopo de alcançar maior produtividade e, assim, deixando de respeitar os limites de cada um
daqueles que coloca sob o seu comando hierárquico. Efetivamente, tanto a higidez física como a
mental do ser humano são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade,
o
de sua auto-estima e afirmação social, inquestionavelmente tutelados pela Lei Maior (art. 5. ,
incisos V e X). A violência psicológica sofrida implica lesão de um interesse extrapatrimonial,
a
juridicamente protegido, gerando direito à reparação do dano moral." (TRT 3. R. – RO 01068a
2005-016-03-00-8 – 2. T. – Rel. Juiz Anemar Pereira Amaral – DJMG 11.10.2006)
TRT-PR-02-09-2008 [...] II - IMPOSSIBILIDADE OU SANÇÃO PARA UTILIZAÇÃO DO BANHEIRO E
CONSUMO DE ÁGUA DURANTE A JORNADA DE TRABALHO - INSTALAÇÃO DE CÂMERAS À
FRENTE DOS BANHEIROS - DANO MORAL CARACTERIZADO - INDENIZAÇÃO DEVIDA.
Tomar água e ir ao banheiro são necessidades básicas do ser humano. O empregador que nega
a seus trabalhadores a possibilidade de tomar água ou freqüentar o banheiro, durante a jornada,
acaba por negar a condição de ser humano de seu empregado e, assim ofende-lhe em sua
dignidade. O empregado não é máquina e o empresário que utiliza o trabalho humano para a
consecução de sua atividade deve ter isso em mente. A atividade empresarial deve ser exercida
o
sempre mediante respeito à dignidade humana (art. 1. , III, e art. 170 da CRFB), o que pressupõe
a consideração do ser humano como finalidade do progresso econômico, nunca como mero meio.
Ademais, embora o poder empregatício realmente legitime a adoção de medidas para a fiscalização
do local de trabalho, não pode o empregador fazer isso de modo a ofender a dignidade de seus
trabalhadores. Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede os limites
impostos por seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (art. 187 do
o
Código Civil, aqui aplicável por força do art. 8. , parágrafo único, da CLT). Assim, embora a
instalação de câmeras para a fiscalização do ambiente de trabalho seja conduta ordinariamente
156
A restrição dessa natureza imposta pelo empregador não só atenta contra os
fins econômicos do contrato como também contra os bons costumes e fere o dever
de proteção (integridade física do empregado), decorrente da boa-fé.
Também, pode ser verificado o abuso do direito no poder diretivo do empregador
quando o intercepta mensagens eletrônicas sem que ao empregado tenha sido
proibida a utilização de tal meio de comunicação para fins particulares. Poderá ser
constatada a restrição da privacidade do empregado.
Ainda que se conceba que o correio eletrônico da empresa, ou seja, onde
conste o nome da empresa seja uma ferramenta de trabalho e deva para tal fim ser
utilizado, com esteio no dever anexo de informação trazido pela boa-fé objetiva, é de
se dizer que o empregador deve deixar claras, certas e informadas, mormente por
normas internas, as condições e regras de trabalho para o empregado.
Interessantes, os dados divulgados sobre o uso da Internet no ambiente de
trabalho. Nos Estados Unidos, em 2000, uma pesquisa divulgou que 87% das pessoas
usam o correio eletrônico para assuntos não relacionados ao trabalho, 21% dos
empregados afirmaram divertir-se com jogos e piadas, 16% reconheceram planejar
viagens, 10% enviam dados pessoais até mesmo em busca de novos postos de trabalho
e 3% conversam em sites de bate-papo e 2% visitam sites de conteúdo pornográfico.490
Percebe-se que tanto o correio eletrônico quanto a Internet são efetivamente
utilizados pelos empregados para fins que não aqueles destinados a realizarem suas
atividades inerentes ao contrato de trabalho.
Assim, se o empregador deixa as regras quanto à utilização da correspondência
eletrônica e o empregado mesmo assim utiliza o correio eletrônico da empresa para
fins pessoais, inclusive divulgando mensagens eletrônicas de conteúdo pornográfico,
pode-se até mesmo aplicar a justa causa ao empregado.491
admissível, não pode ser adotada de modo divorciado da finalidade permitida em lei, mediante
constrangimento dos empregados. Recursos das rés aos quais se nega provimento, no
a
particular.TRT-PR-03799-2006-513-09-00-8-ACO-31384-2008 - 1. TURMA
Relator: EDMILSON ANTONIO DE LIMA Publicado no DJPR em 02-09-2008.
490 CALVO, Adriana Carrera. O uso indevido do correio eletrônico no ambiente de trabalho.
Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/246>. Acesso em: 21. jun. 2008.
491 PARANÁ. Tribunal Regional do Trabalho (9.a Região). Processo: 01502-2006-001-09-00-9-ACO32945-2008. Órgão Julgador: Quarta Turma. Relator: Luiz Celso Napp. Data de Publicação:
DJPR, 12 set. 2008.
EMENTA Correio eletrônico. Monitoramento. Legalidade. Não fere norma constitucional a quebra
de sigilo de e-mail corporativo, sobretudo quando o empregador dá a seus empregados ciência
prévia das normas de utilização do sistema e da possibilidade de rastreamento e monitoramento
de seu correio eletrônico.
157
Porém, se o empregador violar o conteúdo das mensagens e ainda divulgar,
isso pode configurar o ilícito previsto inclusive penalmente. Há que se ter cautela na
análise dos casos concretos.
María Natalia Oviedo entende, nesse caso dos e-mails corporativos, se
estabelecidas as regras de uso pelos empregados, estes sofrerão limitação no seu
direito à intimidade, podendo-se efetuar o controle que for necessário. Diz a autora
que o empregador pode monitorar o correio eletrônico, controlar tanto o cumprimento
de suas ordens quanto o tempo despendido para a realização destas.492
3.3.2
A Honra e a Imagem
A autodeterminação da própria imagem consta como tutelada no artigo 5.o, X
da Constituição Federal. Pode-se fazer a distinção entre duas formas de imagem: a
imagem-retrato e a imagem-atributo.
A imagem-retrato diz respeito a aspectos físicos da pessoa, como a pintura, a
fotografia, a escultura. A imagem-atributo decorre da vida em sociedade do indivíduo,
a forma pela qual as pessoas o consideram, o vêem, tanto faz se os que com ele
convivem ou mantêm algum contato, ou ainda, conhecem-no pela sua atuação no
mundo social.493
Pense-se no pesquisador que ganha fama por causa da obra que escreveu,
passando a ser considerado pelas pessoas como um estudioso por causa do
conteúdo de sua obra. Imagine-se um pesquisar, cuja imagem está associada a
grandes pesquisas e descobertas no seu meio. Todos esses constituem exemplos
de imagem-atributo, e prejudicada tal imagem por algum acontecimento, haverá, por
TRT-PR-12-09-2008 "E-MAIL" CORPORATIVO. RASTREAMENTO PELA EMPRESA. INEXISTÊNCIA
DE DANO MORAL. Evidente que o empregado, ao receber uma caixa de "e-mail" de seu empregador
para uso corporativo, mediante ciência prévia de que nele somente podem transitar mensagens
profissionais, não tem razoável expectativa de privacidade quanto a esta, podendo o empregador
monitorar e rastrear a atividade do empregado no ambiente de trabalho, sem que tal situação
configure dano moral ao empregado.
492 OVIEDO, María Natalia. Control Empresarial sobre los 'e-mails' de los dependientes. Buenos
Aires: Hammurabi, 2004. p.165.
493 SILVA NETO, Manoel Jorge. A proteção constitucional do direito à imagem do empregado e
da empresa. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/Ssedoc/PaginadaBiblioteca/revistadotst/
Rev_69/rev69_1/rev69_1_6.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2008. p.57-58.
158
óbvio, violação do direito de personalidade. A imagem-atributo, portanto, identifica-se
quando há notoriedade do indivíduo por causa do exercício de uma determinada
atividade, sem juízo de bem ou mal.494
A honra, por sua vez, define-se como a dignidade pessoal, a consideração
desfrutada pela pessoa no meio em que ela vive, os predicados que são atribuídos à
pessoa pelo meio social, é a boa reputação.495 Pode ser dividida em subjetiva e
objetiva: a primeira diz respeito ao apreço próprio, o juízo que cada um faz de si
mesmo, a objetiva, por sua vez, trata-se do respeito e a consideração que o meio
social devota a uma determinada pessoa.496
Avente-se a hipótese de o empregador interferir nas transformações no corpo,
realizadas pelo empregado. Tais transformações dizem respeito a tatuagens e outras
formas de desenho na pele, também pode ser considerada a introdução de pedaços
de madeira o de metal em orifícios do corpo, como brincos, piercings.497
Pergunta-se: configura-se abuso do direito do empregador a interferência com
relação a tais aspectos do empregado? A resposta se confere com uma afirmação,
porque o controle em relação a aspectos como esses configurará intromissão na
esfera íntima do empregado.498 Desrespeitando um direito fundamental, restringindoo, o empregador fere os fins sociais do contrato de trabalho, o que configura abuso
do direito.
Alice Monteiro de Barros, por sua vez, afirma que a jurisprudência tem considerado como legítima a intrusão do empregador em aspectos pessoais do empregado,
nos casos em que chocam as pessoas e quando seja prejudicial ao bom funcionamento
da empresa.499
494
495
496
497
SILVA NETO, op. cit., p.59.
AMARAL, F., op. cit., p.268.
SILVA NETO, op. cit., p.59.
MARQUES, Christiani. O contrato de trabalho e a discriminação estética. São Paulo: LTr,
2002. p.128 -124.
498 Ibidem, p.128 -125.
499 BARROS, Proteção à intimidade..., p.138
159
Como dito, a priori a interferência do empregador deve ser considerada abusiva,
mas existem casos em que se configura como necessária, ante a influência na realização
das atividades, colocando em risco a própria integridade física do empregado. Basta
imaginar a hipótese de algum empregado que tenha piercings no rosto ou pulsos e
mãos e trabalhe com máquinas cujas operações sejam próximas, passem perto de
tais objetos do corpo do empregado. Por questões flagrantes de segurança no local
de trabalho, porque a máquina ou o produto nela fabricado correm o risco de engatar
nesses objetos, causando ferimentos ao empregado, é acentuado. Nesse sentido,
ordens do empregador quanto à não-utilização dos adereços estarão estritamente
dentro de seu poder diretivo, porque, inclusive, respeitando o dever de proteção da
integridade psicofísica do empregado, decorrente da boa-fé objetiva.
Tratando-se de verificar uma hipótese500 de abuso do direito na relação de
trabalho quanto à imagem, observe-se um caso em que a empresa exige que os
empregados utilizem determinadas roupas para trabalhar, especialmente para mostrar
determinados atributos de beleza de suas empregadas, justificando que seriam mais
atraentes ou mesmo convenientes. Num primeiro momento, identifica-se o poder
diretivo do empregados nesta situação, pois a atuação seria de forma a organizar e
coordenar a atividade empresarial. Observe-se que se trata de critério fortemente
subjetivo estabelecer qual a vestimenta mais adequada para certos locais de trabalho.
Em verdade, tem-se um caso típico de abuso do direito no poder diretivo do
empregador porque a atuação mostra-se contrária à finalidade social do contrato, eis
que frontalmente restringe um direito fundamental do empregado, mormente o direito
de personalidade. O ato, ainda, contraria os bons costumes.
O entendimento seria outro se a empresa fornecesse o uniforme e solicitasse
o uso pelos empregados, sem que fossem feridos os bons costumes, pois se trata
de um uniforme que não tem o objetivo de mostrar atributos físicos dos empregados.
Todavia, se o uniforme também se mostrar incompatível com o ambiente de trabalho,
principalmente tendo em vista os bons costumes, poder-se-á novamente falar em
abuso do direito.
500
MEIRELES, Abuso do direito..., p.129.
160
Assim, desde que o uniforme não viole a intimidade do empregado (exposição
de partes íntimas) ou mesmo a honra (temas que façam o trabalhador se sentido
humilhado), podem ser utilizados na empresa.501
Não se olvide que há um padrão médio de vestimentas nos locais de trabalho,
sendo de bom senso justamente evitar roupas que despertem comportamentos de
cunho sexual por parte de clientes, terceiros e até mesmo para que se evite, por
exemplo, o assédio sexual ou mesmo o moral.
Ainda uma outra hipótese quanto à autodeterminação da própria imagem,
trata-se dos casos em que o empregador interfere em aspectos de apresentação pessoal
e higiene como barba, cabelo. Nestes casos, se o comando do empregador não tem
ligação com as atividades, poderá ser considerado como abusivo, porque contrário à
finalidade social do contrato, limitando o direito do empregado à autodeterminação
da própria imagem.
Porém, se as atividades demandarem um padrão de higiene pelo qual o
empregado seja a interferir e pedir para que o empregado mantenha seu cabelo preso
ou utilize tocas, assim como mantenha as unhas aparadas, curtas e limpas, bem como
para que a barba seja curta, então poderá ser tido como sem abusividade, ante a
peculiaridade das atividades realizadas pelo empregado. Cite-se como exemplo um
abatedouro de frangos, uma empresa de manipulação de alimentos, uma cozinha
industrial, um restaurante.
O assédio moral502 pode vir a caracterizar como afronta à honra ou até mesmo à
imagem do empregado, caracterizando violação dos direitos de personalidade pelo
poder diretivo do empregador. Essa espécie de assédio também tem sido denominado
como "mobbing", "bullying", terror psicológico, acosso psicológico. Encerra uma perseguição, condutas repetitivas e reiteradas, direcionadas de forma que a vítima se
sinta afetada em sua dignidade.
501
BARACAT, Eduardo Milléo; MANSUR, Rosane Maria Vieira. Controle extralaboral. In: BARACAT,
Eduardo (Coord.). Controle do empregado pelo empregador: procedimentos lícitos e ilícitos.
Curitiba: Juruá, 2008. p.237.
502 As informações sobre assédio moral aqui trazidas fazem parte, com algumas alterações, do artigo
PAVELSKI, Assédio moral..., p.312-313.
161
Nas palavras da doutrina especializada:
[...] processo constituído por um conjunto de ações ou omissões, no âmbito
das relações de trabalho públicas e privadas, em virtude do qual um ou mais
sujeitos assediadores criam um ambiente laboral hostil e intimidatório em
relação a um ou mais assediados, afetando gravemente sua dignidade pessoal
e causando danos à saúde dos afetados, com vistas a obter distintos fins de
tipo persecutório.503
Eis algumas conseqüências do assédio: "[…] elas podem começar com uma
simples cefaléia, passar por taquicardias, gastrites, dores articulares, ansiedade,
bulimia, anorexia, dependência de drogas, alcoolismo, e levar a mortes súbitas no
ambiente de trabalho ou ao suicídio."504
503
CONTRERAS, Sergio Gamonal apud PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen. Assédio moral. In:
BRAMANTE, Ivani Contini; CALVO, Adriana (Org.). Aspectos polêmicos e atuais do direito do
trabalho: homenagem ao professor Renato Rua de Almeida. São Paulo: LTr, 2007. p.137.
504 OLIVARES, Abajo apud GIUNTOLI, Maria Cristina. Mobbing y otras violencias en el ámbito
laboral: leyes provinciales, proyectos de ley nacional. Buenos Aires: Universitas, 2006. p.17.
Texto original: "[…] ellas pueden comenzar com uma simple cefalea, pasar por taquicardias,
gastritis, Dolores articulares, ansiedad, bulimia, anorexia, adicción a lãs drogas, alcoholismo, y
llevar hasta las 'muertes súbitas en el ámbito laboral o al suicidio." Quanto ao suicidio de trabalhadores
mencionado pelo autor, importante transcrever a seguinte notícia, a respeito de trabalhadores da
Renault, nas unidades francesas: "Na primeira vez foi atribuído a um mero desequilíbrio pessoal.
Um engenheiro de 39 anos que trabalhava no projeto Logan no Technocentre da Renault, na
cidade francesa de Guyancourt, a oeste de Paris, suicidou-se em 20 de outubro passado,
atirando-se do alto do edifício principal, de cinco andares. Várias dezenas de seus companheiros
de trabalho foram testemunhas daquele último e trágico gesto de desespero. A mulher dele
explicou que fazia tempo que sofria de estresse.Nada especialmente chamativo. Todos os anos,
entre 300 e 400 trabalhadores franceses – o número não é totalmente confiável – tiram a própria
vida em seu local de trabalho. A morte do engenheiro, portanto, entrou na estatística, uma quota
razoável para um grande centro da firma automobilística francesa, no qual trabalham cerca de
12.500 pessoas e onde estão sendo desenhados os 26 novos modelos da marca. Na segunda
vez, muitos ficaram com o sangue congelado nas veias. Haviam passado somente três meses
daquele fato chocante quando, em 24 de janeiro, um técnico em informática de 44 anos, Hervé
Tison, associado ao projeto do novo Twuingo, foi encontrado afogado em um tanque de captação
de águas no Technocentre. A investigação realizada pela polícia de Guyancourt concluiu que foi
um suicídio e qualificou a vítima de "depressivo".
A justiça descartou qualquer vinculação entre as duas mortes. Mas os sindicatos começaram a
atribuí-las às más condições de trabalho no Technocentre, especialmente desde que o presidente
da companhia, Carlos Ghosn, implementou o plano Power 8 para tentar levantar a situação
econômica da empresa. O balanço econômico de 2006, divulgado por Ghosn no último dia 8,
confirmou o momento delicado por que passa a companhia: as vendas mundiais caíram 4% (de
2,5 para 2,4 milhões de veículos), enquanto o resultado do exercício caiu quase 15% (de 3.367
para 2.869 milhões de euros).Uma semana antes, cerca de 800 trabalhadores do Technocentre
desfilaram em silêncio pelo recinto, convocados pelos sindicatos, para lembrar seus dois
companheiros desaparecidos e denunciar a situação laboral. "Na violência destes atos, não vemos
nenhuma fatalidade. Há vários meses reina no centro de Guyancourt um clima de ansiedade",
salientou então o sindicato SUD. Outra central, a CGT, denunciou as pressões da empresa para
obter resultados, o forte ritmo de trabalho, as ameaças de deslocalização, a concorrência entre os
162
O assédio pode ocorrer em caráter vertical, ou seja, quando há diferentes
hierarquias entre assediador e assediado. Ainda em relação ao vertical, pode ser
descendente, do maior grau hierárquico em relação ao seu subordinado, e
ascendente, um grupo de empregados, por exemplo, une-se para intimidar um chefe
que pretendem seja substituído.
Pode ocorrer, também, em caráter horizontal, entre pessoas de mesma hierarquia
numa empresa. Em relação às espécies de assédio moral, fala-se hoje do organizacional, definido como condutas abusivas, que sejam sistemáticas e durem por um
certo tempo, resultando no vexame de uma ou mais vitimas e cujo objetivo é obter o
engajamento a políticas e metas da administração, violando direitos fundamentais.505
Em notícia506 veiculada no sítio do Tribunal Superior do Trabalho, os números
são assustadores: na União Européia, dá-se conta de que mais de doze milhões de
trabalhadores viveram essa situação, segundo pesquisa realizada em 1996 pela
Organização Internacional do Trabalho. No Brasil, pesquisa da Médica do Trabalho
Margarida Barreto constata que 42% dos trabalhadores entrevistados já sofreram
com o assédio.
Registre-se que no âmbito Federal, não há legislação tipificadora do assédio
moral, o que, todavia, não impede ações na Justiça do Trabalho que tratem do tema,
havendo condenações (indenizações por danos morais e materiais, rescisão indireta
art. 483 da CLT), uma vez provado o assédio.
técnicos.A direção da Renault negou qualquer relação entre os suicídios – que atribuiu a causas
pessoais – e as condições de trabalho. Mas a Direção Regional do Trabalho constatou que desde
a chegada de Ghosn à presidência da empresa, em 2005, havia um "verdadeiro mal-estar" no
Technocentre. Dois suicídios em três meses no mesmo centro de trabalho não é muito comum,
mas pode corresponder a uma mera e fatal casualidade. Uma hipótese plausível que foi
derrubada na última sexta-feira. Nesse dia foi encontrado morto em sua residência em Saint-Cyrl'Ecole outro trabalhador do Technocentre, Raymond D., 37 anos, um técnico que trabalhava no
projeto do novo Laguna. Havia se enforcado com seu cinturão, aproveitando que sua mulher e
seu filho de cinco anos estavam em viagem no exterior. Mas desta vez a vítima deixou várias
cartas. Nelas, segundo o jornal "Le Parisien", confessava-se incapaz de assumir seu trabalho – "é
muito duro de suportar", escreveu – e culpava pela situação os responsáveis máximos da
empresa. Diante disso a promotoria de Versalhes abriu uma investigação oficial com o fim de
determinar se Raymond D. pode ter sido vítima de assédio moral. A direção da Renault insiste
que "o suicídio é sempre resultado de uma situação pessoal complexa" e pediu que não se tirem
"conclusões precipitadas". A viúva, porém, já tirou as suas: "Meu marido sofria uma pressão
enorme, levava os assuntos para casa e se levantava à noite para trabalhar; ultimamente já não
conseguia dormir", ela explicou. (Disponível em: <http://www.nesc.ufrj.br/assediomoral/noticias/
renault%20070224.htm>. Acesso em: 21 jul. 2007).
505 ARAUJO, Adriane Reis apud DALLEGRAVE NETO, Responsabilidade civil..., p.286.
506 Disponível em: <http://www.tst.gov.br/.>. Acesso em: 20 jun. 2007.
163
Exemplo disso é o estabelecimento de "prendas", como vestir fantasias,
cantar e dançar na frente de colegas quando não é atingida uma meta estabelecida
pela empresa.507 O poder diretivo do empregador fere frontalmente os fins sociais do
contrato porque incide diretamente na honra e na imagem do empregado, fere os
bons costumes, bem como o dever anexo de conduta consistente na proteção
psicofísica do empregado, decorrente da boa-fé objetiva.
De toda sorte, O Ministério do Trabalho e Emprego tem se mostrado atento
e preocupado com o tema assédio moral, tendo criado em 2006 o "Manual do
Empregador Urbano" para as Embaixadas e Organismos Internacionais, no qual
consta referência sobre o significado de assédio moral e também algumas práticas
que podem ser configuradas como tal. Transcreve-se o item:
22.2 Assédio Moral. A jurisprudência e diversos Acórdãos dos Tribunais
Regionais do Trabalho vêm sistematicamente reconhecendo que a violação da
dignidade humana dá direito à indenização por dano moral. Também nesse
sentido, diversos municípios brasileiros têm aprovado leis contra esse tipo de
afronta à dignidade dos trabalhadores. Assédio moral é toda e qualquer conduta
abusiva (gesto, palavra, escritos, comportamentos, atitude, etc.) que intencional
507
a
MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho (3. Região). Processo: 00232-2005-011-03-00-8
RO. Órgão Julgador: Sexta Turma. Juiz Relator: Juiz Convocado Joao Bosco de Barcelos Coura.
Data de Publicação: DJMG, 14 jul. 2005. "A prova produzida narra situações vexatórias e
humilhantes a que estavam submetidos os empregados da Reclamada quando não atingiam suas
metas de vendas, tais como, desfilar com adereços femininos, apresentar revistas homossexuais,
ser amarrado com fita crepe no pilar da sala, colocar nariz de palhaço e ser ofendido com
palavras de baixo calão. Sendo certo que isto ocorreu também com o Reclamante. As atitudes da
Reclamada geravam constrangimentos e humilhações, demonstrando absoluta falta de respeito à
dignidade dos empregados, sendo cabível o pagamento da indenização pelo dano moral
decorrente dessa violação. VALOR DA INDENIZAÇÃO - A fixação do "quantum" está afeta às
circunstâncias em que ocorreu o fato danoso, à gravidade do mesmo, à intensidade do sofrimento
e às condições econômicas do ofensor e do ofendido. Recurso a que se dá provimento para fixar
o valor da indenização por danos morais em R$ 100.616,60."
PARANÁ. Tribunal Regional do Trabalho (9.ª Região). Processo: 16234-2003-013-09-00-7 RO
Órgão Julgador: Quarta Truma. Juiz Relator: Arnor Lima Neto. Data de Publicação: DJPR, 15 jul.
2005. EMENTA: DANO MORAL. EXPOSIÇÃO DO TRABALHADOR A SITUAÇÃO VEXATÓRIA,
PERANTE OS COLEGAS DE SERVIÇO, EM VIRTUDE DO NÃO CUMPRIMENTO DAS METAS
DE PRODUÇÃO. ABUSO DE DIREITO POR PARTE DO EMPREGADOR.
O empregador que promove ou tolera reuniões, ou eventos de âmbito empresarial, em que o
empregado que não consegue atingir as metas de produção é ridicularizado perante os colegas,
mediante "prendas" como sujeição a xingamentos ou a fazer flexões de braços no solo, colocação
de fantasia de presidiário, colocação de saia, peruca e maquiagem se do sexo masculino,
colocação de chapéu com chifres, ou qualquer outra modalidade de humilhação, muito ao
contrário de "criar um ambiente descontraído e amigável", extrapola os limites do exercício do
direito de incentivar melhorias na produtividade e atinge a seara do ato ilícito (artigo 187 do
Código Civil). Neste caso, violado o direito de personalidade do trabalhador, surge em favor deste
o direito à indenização pelos danos morais, nos termos do artigo 927 do mesmo Código.
164
e freqüentemente, atinja a dignidade ou fira a integridade física ou psíquica
de uma pessoa, ameaçando o emprego ou degradando o ambiente de trabalho.
As condutas mais comuns são:
- expedir instruções confusas e imprecisas ao trabalhador;
- dificultar o trabalho;
- atribuir erros imaginários ao trabalhador;
- exigir, sem necessidade, trabalhos urgentes;
- impor sobrecarga de tarefas;
- propiciar constrangimento a trabalhador, tratando-o com menosprezo;
- impor horários diferenciados sem justificativa plausível;
- retirar, injustificadamente, os instrumentos de trabalho;
- agredir física ou verbalmente;
- realizar revista vexatória;
- restringir o uso de sanitários para determinado trabalhador;
- ameaçar ou insultar;
- propiciar o isolamento.508
Ainda outro exemplo de abuso do direito do poder diretivo do empregador
pode ser citado num caso em que a empresa publicou anúncio no jornal convocando
a empregada para que retornasse ao seu posto de trabalho, sob pena de lhe ser
aplicada a justa causa. Abusiva a atitude da empresa, feriu os fins sociais do
contrato, pois uma publicação como tal, especialmente se a localidade de veiculação
do jornal é pequena, afeta a imagem e a honra da empregada. Descumprido, ainda,
o dever anexo de proteção, violando a boa-fé. Ademais, sabe-se que o anúncio em
jornal não cumpre a finalidade de ciência ao empregado sobre a justa causa, se não
voltar às suas atividades.
O empregador, nesses em casos, pode muito bem se valer de outros meios
que efetivamente deixam o empregado ciente da situação e ainda se constituem
como prova da convocação para o retorno ao trabalho, na hipótese de ser
configurado o abandono de emprego, tais como telegramas, correspondências com
aviso de recebimento.509
508
Disponível em <http://www.mte.gov.br/fisca_trab/pub_manual_empregador_urbano.pdf>. Acesso
em: 27 jul. 2008.
509 MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho (3.a Região). Processo: 00364-2005-098-03-00-2
RO. Órgão Julgador: Segunda Turma. Juiz Relator: Desembargador Bolivar Viegas Peixoto. Data de
Publicação: DJMG, 21 set. 2005. EMENTA: ABANDONO DE EMPREGO. PROVA. PUBLICAÇÃO
DE ANÚNCIO NA IMPRENSA LOCAL. ABUSO DE DIREITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS. Ao fundamento de que a autora deixara de comunicar à empresa se estaria ou não
ainda em gozo de benefício previdenciário, optou esta última por publicar anúncio na imprensa
local, em dois dias seguidos, com o título "Abandono de Emprego", no sentido de que se estava
intimando a reclamante "a comparecer ou justificar a esta entidade, no prazo máximo de 48 horas,
sob penas de abandono de emprego". Entendemos, particularmente, que a conduta é injustificável,
configurando verdadeiro abuso de direito, entendido este como a espécie de ato ilícito
caracterizada pelo exercício de determinada prerrogativa com violação aos "limites impostos pelo
165
Uma outra decisão que pode ser citada quanto ao abuso do direito em face da
honra, trata-se de um empregador que havia concedido adiamentos salariais a um
empregado e, após a saída deste da empresa, ainda restou saldo, pois não houve o
desconto nas verbas rescisórias. O empregador emitiu boleto bancário e, por falta de
pagamento deste boleto, incluiu o nome do autor em serviços de restrição de crédito.
Com efeito, essa conduta do empregador desprezou o direito de personalidade
consubstanciado na honra, ferindo os fins sociais, bem como contrariou o dever de
lealdade, decorrente da boa-fé objetiva.510
3.4
A NEGOCIAÇÃO COLETIVA, O ABUSO DO DIREITO E OS DIREITOS DE
PERSONALIDADE: PROIBIÇÃO DE RETROCESSO
As negociações coletivas tiveram origem na Inglaterra, no início do século XIX511,
é na definição de Orlando Gomes, "[...] é uma prévia regulamentação convencional
das condições do trabalho".512
seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes" (artigo 187 do Código Civil).
Ora, ao publicar o referido anúncio na imprensa local, a reclamada expôs a reclamante a situação
inegavelmente vexatória, dando a entender, para todos aqueles que tiveram acesso ao periódico
nos dois dias em que o aviso foi veiculado, que a autora deixara de comparecer ao trabalho sem
qualquer justificativa, ao passo que esta se encontrava em gozo de benefício previdenciário já
antes comunicado a seu empregador. Deve-se ter em vista, ainda, que a publicação feita na
imprensa local de forma nenhuma se mostra mais eficaz que o contato com o próprio empregado,
seja por meio telefônico, seja com a expedição de regular correspondência com aviso de
recebimento ou de telegrama. Deixando a reclamada de adotar o segundo procedimento, não
pode ser outra a conclusão a não ser a de que pretendeu, efetivamente, desqualificar a obreira ou
forjar situação de abandono de emprego - como sustenta a recorrente. Pedido de pagamento de
indenização por danos morais, cumulado com retratação, que se julga procedente.
510 MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho (3.a Região). Processo: 00481-2006-010-03-00-8RO. Relator: Emerson José Alves Lage. Data da publicação: DJMG, 28 jul. 2007. DANOS
MORAIS NO CONTRATO DE TRABALHO - REPARAÇÃO. A conduta do empregador em
inscrever indevidamente o nome de (ex)empregado nos cadastros de inadimplentes dos serviços
de proteção ao crédito, pelo não pagamento de boletas bancárias de cobrança de débito
trabalhista, emitidas antes do acerto rescisório final, importou em abuso do direito, com ofensa à
honra e dignidade do trabalhador, devendo por isso ser reparada nos termos dos artigos 186 c/c
927 do Código Civil.
511 GOMES, Miriam Cipriani. Convenção coletiva de trabalho como meio de preservação de direitos
fundamentais e harmonização de interesses econômicos. In: GUNTHER, Luiz Eduardo (Coord.).
Tutela dos direitos de personalidade na atividade empresarial. Curitiba: Juruá, 2008. p.228.
em nota de rodapé, a autora completa que o surgimento ocorreu pro força do abandono dos
trabalhadores, perpetrado pelo Estado Liberal, em que empregadores e empregados eram
tratados igualmente.
512 GOMES, Orlando. A convenção coletiva de trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p.11.
166
o
A CLT, em seu art. 611513 caput e § 1. , disciplina a Convenção Coletiva de
Trabalho e o Acordo Coletivo de Trabalho, respectivamente.
A convenção coletiva de trabalho também pode ser entendida como uma relação
jurídica, em que todos os pertencentes a uma determinada classe de trabalhadores
reivindicam junto aos empresários deste setor, questões de interesse social grupal.
A consagração514 das convenções coletivas de trabalho foi dada na Constituição
de 1988 que permitiu liberdade de ação aos seus agentes, mas que vem sendo
inundada por interesses econômicos, prevalecendo o interesse do processo produtivo,
tornando o Direito do Trabalho incompatível com os seus propósitos.515
A negociação coletiva é uma constatação de que o homem é um ser social, e
como tal, a busca da autocomposição é a comprovação de que ele sempre objetiva
reduzir os atritos entre capital e trabalho, aperfeiçoando-se a cada negociação
necessária, mediante entendimentos pacíficos.
Para Amauri Mascaro Nascimento:
De um modo geral, negociar é ajustar interesses, é acertar diferentes posições,
é encontrar uma solução capaz de compor vontades. Negociação é uma
discussão que culmina em um contrato, como é comum, mas que pode
também levar a outro tipo de resultado, sem a eficácia normalmente atribuída a
um contrato na sua plena expressão jurídica, como seria, em sentido amplo,
o entendimento do qual pode resultar um pacto social compreendendo os
problemas sócio-econômicos de um país. Negociação não se confunde com
contrato ou pacto, da mesma maneira que a causa não se confunde com o
efeito. Negociação é o processo de execução que leva a um contrato, no
sentido estrito, ou a um pacto, no sentido amplo.516
Os conflitos sociais, os quais são de ordem essencialmente democrática,
enquadram-se na autocomposição. Trata-se do conflito coletivo, em que farão parte
513
Art. 611. Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais
sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho
aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.
o
§ 1. É facultado aos sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos
Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem
condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às
respectivas relações de trabalho.
514 SÁ, Maria Cristina Haddad de. Negociação coletiva de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr,
2002. p.24.
515 Relembre-se o que foi considerado no primeiro capítulo, sobre a reestruturação do processo produtivo
e como isso tem afetado as negociações coletivas em detrimento de melhores condições de trabalho.
516 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do trabalho na constituição de 1988. São Paulo:
Saraiva, 1989. p.244.
167
grupos de trabalhadores e empregador, ou empregadores, na defesa de seus
interesses. Por ser uma dinâmica social relativamente complexa, suas decisões são
amplas, abrangindo inúmeras reivindicações que se complementam para que as
resoluções satisfaçam na íntegra.517
Na autocomposição, o conflito coletivo de trabalho é resolvido de forma
amigável, não havendo violência sob nenhuma hipótese, pois há um consenso para
o ajuste de vontades. Ambos os lados colocam-se dispostos a renúncias para
chegarem a um acordo. A negociação coletiva é, sem dúvida, um dos instrumentos
mais democráticos do conjunto social.
A negociação coletiva tem fundamento na autonomia privada coletiva, ou seja,
as partes têm o poder e a liberdade de convencionar, de negociar. Trata-se de uma
autonomia de iniciativa dos particulares, oriunda da omissão do Estado Liberal quanto
às questões sociais. Os limites de tal autonomia são encontrados na lei.518
As convenções e os acordos coletivos de trabalho devem significar uma
aproximação maior entre os direitos sociais previstos na Constituição Federal, o
arcabouço de as regras da CLT e as categorias às quais se destinam. Os acordos
coletivos, porque firmados entre os sindicatos obreiros e as empresas, diretamente,
constituem uma aproximação ainda maior com as peculiaridades de cada ramo, de
cada atividade, tentando conciliar e conjugar os interesses de seus negociadores:
As negociações coletivas têm o condão de harmonizar os interesses trabalhistas
com as tendências políticas, econômicas e institucionais democráticas da
sociedade, porque sempre que as partes se autocompuserem, dividindo-se
sacrifícios e vantagens, estarão conjugando os seus recíprocos interesses.
[...] Os efeitos positivos da negociação coletiva repercutem não só internamente,
entre as partes convenentes ou dentro da organização nacional do trabalho,
como também em toda a amplitude da sociedade e do Estado, contribuindo para
a ordem geral, para a paz e harmonia de todos os seguimentos da Nação.519
Porém, porque também se tornam fontes dos regramentos das relações entre
empregados e empregadores, é necessário cuidar para que não haja desconstrução
nos Direitos ao serem flexibilizados, pois podem causar alterações ou perdas de
conquistas sociais.
517
518
519
DELGADO, Curso de direito..., p.1.361.
SÁ, M. C. H. de, op. cit., p.36.
Ibidem, p.96.
168
Nessa senda, deve-se relembrar que a negociação coletiva não pode ser
motivo de retrocesso, especialmente, no caso de direitos de personalidade dos
empregados que, assim como os direitos sociais, perfazem-se como fundamentais.
Quanto à proibição de retrocesso, Ingo Sarlet explica que a primeira idéia de
seu gênese deve se erigir a partir da segurança jurídica, na medida em que esta
constitui uma das dimensões do direito geral à segurança que, por sua vez, pode ser
entendido tanto como segurança pessoal e social, como proteção em face de atos
provindos do Poder Público e de particulares.520
Na ordem jurídica brasileira, ainda que não especificamente com o exato nome
de proibição de retrocesso, permite-se identificá-lo por diversos fundamentos, como
a segurança jurídica, conforme mencionado, as previsões de proteção do ato jurídico
perfeito, e da coisa julgada, assim como nas restrições legislativas quanto aos direitos
fundamentais. Em verdade, a proibição de retrocesso dirige-se frontalmente ao legislador, no sentido de que ele não volte atrás em relação a direitos fundamentais sociais,
bem como quanto aos objetivos estabelecidos no artigo 3.o da Constituição Federal.521
Referindo-se à proibição de retrocesso, Canotilho explica que se trata de
[...] proteger direitos fundamentais sociais sobretudo no seu núcleo essencial.
A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade
têm como limite o núcleo essencial já realizado, sobretudo quando o núcleo
essencial se reconduz à garantia do mínimo de existência condigna inerente
ao respeito pela dignidade da pessoa humana.522
A 1.a Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, atenta
à proibição de retrocesso, trouxe o seguinte Enunciado:
9. FLEXIBILIZAÇÃO.
I - FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS. Impossibilidade de desregulamentação dos direitos sociais fundamentais, por se tratar de normas
o
contidas na cláusula de intangibilidade prevista no art. 60, § 4. , inc. IV, da
Constituição da República.
520
521
522
SARLET, op. cit., p.413.
Ibidem, p.416.
CANOTILHO, op. cit., p.340.
169
II - DIREITO DO TRABALHO. PRINCÍPIOS. EFICÁCIA. A negociação coletiva
que reduz garantias dos trabalhadores asseguradas em normas constitucionais
e legais ofende princípios do Direito do Trabalho. A quebra da hierarquia
das fontes é válida na hipótese de o instrumento inferior ser mais vantajoso
para o trabalhador.523
Diante desses esclarecimentos, deve-se afirmar que as negociações coletivas,
porque também constituem fontes de normas para o contrato de trabalho, para além
de não poderem retroceder em termos de direitos sociais, cedendo aos impulsos do
neoliberalismo, muito menos poderão retroceder em termos de direitos da personalidade
dos empregados.
E não são raras as hipóteses do retrocesso nessa matéria. Um exemplo se
trata das revistas. Embora a CLT proíba a realização de revistas íntimas, cuja prática
como já dito, significa um ilícito, há Convenções Coletivas prevendo a sua realização,
desde que não seja em caráter vexatório. Abaixo, citam-se alguns exemplos:
Sindicato dos Empregados no Comércio de São Paulo e Federação do
Comércio do Estado de São Paulo
38 - REVISTAS: As empresas que adotarem o sistema de revistas, não
poderão fazê-las por elemento do sexo oposto ao do revistado.
Parágrafo único: As revistas deverão ser feitas de forma a não expor o
empregado a situação vexatória.524
Sindicato dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro e o Sindicato dos
Lojistas do Comércio do Município do Rio de Janeiro
Cláusula Quadragésima Quarta - REVISTA As empresas que adotarem o
sistema de revista íntima, não poderão fazê-la por elemento do sexo oposto
ao do revistado.
Parágrafo Único – As revistas deverão ser feitas de forma a não expor o
empregado à situação vexatória.525
SINDITÊXTIL - Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem Geral; de
Tinturaria, Estamparia e Beneficiamento, de Linhas; de Artigos de Cama,
Mesa e Banho; de Não-Tecidos e de Fibras Artificiais e Sintéticas do estado
de São Paulo e Sindicato dos Trabalhadores em Geral na Indústria de
Fiação e Tecelagem Malharias e Meias, Cordoalhas e estopas, Acabamento
de Confecções de Malhas, Tinturaria e Estamparia de Tecidos, Beneficiamento
de linhas, de Não Tecidos, Fibras Artificiais e Sintéticas e Especialidades
523
Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/jornada/enunciados/enunciados_aprovados.cfm>.
Aceso em: 21 jan. 2008.
524 Disponível em: <http://www.comercios.org.br/convencao/federacao/Federacao%202007-2008.pdf>.
Acesso em: 27 jul. 2008.
525 Disponível em: <http://www.sindilojas-rio.com.br/antigo/convencoes/convencao08.htm>. Acesso
em: 27 jul. 2008.
170
Têxteis e Afins de Caieiras, Cotia, Franco da Rocha, Francisco Morato,
Itapevi, Mairiporã e São Paulo.
25 - REVISTA
As empresas que adotam o sistema de revista dos trabalhadores, o farão de
forma seletiva, por pessoas do mesmo sexo do revistado, evitando-se
constrangimentos ou exposição dos empregados a situações ridículas,
vexatórias ou humilhantes.526
Essas cláusulas são passíveis de nulidade, porque flagrante que ferem os
direitos fundamentais de personalidade dos empregados, especialmente a
intimidade e a honra.
Em verdade, o abuso do direito deve ser aplicado, pelas mesmas razões que
se aplica ao contrato de trabalho, quanto às negociações coletivas. À luz de tal
teoria, poder-se-á considerar como abusivas cláusulas de Instrumentos Normativos,
anulando-as, especialmente no que concerne aos direitos de personalidade dos
empregados.
Ainda que a proibição de retrocesso, num primeiro momento se dirija aos
direitos fundamentais sociais, quando se analisa o âmbito do contrato de trabalho,
devem-se considerar os direitos da personalidade que, embora fora do rol de direitos
sociais neste ponto como eles significam, porque o respeito à personalidade do
empregado tem sido conquistado cada dia mais por meio de lutas.
Aos poucos, as empresas têm tomado consciência de que a preservação da
dignidade da pessoa do empregado, mormente por meio de seus direitos de personalidade na mais ampla gama, tem retornos benéficos ao ambiente de trabalho.
Nesse sentido, cita-se a seguinte cláusula de convenção coletiva:
Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias,
Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do Rio Grande do Sul
e Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis, Assessoramento, Perícias,
Informações e Pesquisas no Estado do Rio Grande do Sul
a
Cláusula 62. - CONSTRANGIMENTO MORAL
A empresas envidarão esforços para que sejam implementados orientações
de conduta comportamental aos seus supervisores, gerentes e dirigentes
para que, no exercício de suas funções, visem evitar ou coibir práticas que
possam caracterizar agressão e constrangimento moral ou antiético a seus
subordinados.527
526
527
Disponível em: <http://www.sintratextil/-sp.or.br/convencao.asp> Acesso em: 27 jul. 2008.
Disponível em: <http://www.sescon-rs.com.br/legis/acordos/semapi_privadas_2008.html>. Acesso
em: 27 jul. 2008.
171
Com efeito, tal cláusula deve ser louvada e se espera que efetivamente esteja
sendo colocada em prática, pois resguarda a dignidade da pessoa do trabalhador,
cujo trabalho deve ser fator de humanização, liberdade e orgulho e não degradação
explícita, até pela via daquele que deveria protegê-lo, como é o sindicato obreiro.
172
CONCLUSÃO
O trabalho, primordialmente, significa realização humana e é por meio dele
que o homem obtém a inclusão social, porque dele retira seu sustento e o de seus
convivas. Ao mesmo tempo em que se pode fazer a afirmação anterior, a realidade
também mostra que trabalho tem significado degradação do ser humano.
Há tempos, a sociedade de consumo, cujos motes quem dita é o fantasma
denominado "mercado", vem determinando valores também para o mundo do
trabalho. A realização significa independência econômica e isso será conquistado se
a carga de trabalho cada vez mais for aumentada.
Paralelamente a um mundo em que o desenvolvimento científico e a tecnologia
são disparados, assiste-se a freqüentes descobertas de trabalho em condições análogas
às de escravo. Pessoas migram de um ponto a outro do globo para tentar melhores
condições de vida e acabam presas a exploradores do comércio humano. No Brasil,
a realidade não se mostra diferente: cada dia mais fiscalizações de auditores do
trabalho flagram trabalhadores presos a empregadores por dívidas com alimentação,
morando em lugares inóspitos e sem as mínimas condições de dignidade.
A globalização, ao mesmo tempo em que tornou os lugares e pessoas mais
próximos, diminuindo fronteiras e possibilitando acesso interminável à informações, tem
espalhado capitais e empresas por toda a extensão do globo terrestre, precarizando
as relações de emprego, em nome de pilares como competitividade e produtividade.
As empresas, alinhavadas com um modelo neoliberal em que os pilares são
as privatizações e a economia de mercado, reestruturaram seus modelos produtivos
adotando as práticas do toyotismo. Nesta senda, a flexibilidade da produção, marcada
pelo atendimento de demandas de consumo, reduz o quadro de empregados, há
forte presença da autonomação. Várias outras empresas menores trabalham fazendo
partes do todo, o que promove ainda mais o enfraquecimento do poder de negociação sindical.
Se por um lado estão enfraquecidos, por outro os sindicatos coadunam as idéias
do sistema produtivo dominante e, valorizando a idéia de livre negociação, contribuem
para a flexibilização e para a desregulamentação da relação empregatícia.
173
A empregabilidade aparece como característica para colocação no mercado
de trabalho: a recusa na contratação ou mesmo o desligamento do empregado são
responsabilidades a ele inerentes, a empresa não determina essas condições, o
empregado deve buscar sua capacitação e qualificação, de forma que permaneça
empregado. As taxas de desemprego crescem, assim como aumenta o tempo em
que as pessoas permanecem desempregadas.
Nesse cenário, os requisitos da relação de emprego carecem de uma releitura,
especialmente a subordinação, porque, como visto ao longo desta dissertação, o
poder diretivo do empregador, de forma desmedida, tem transformado a relação de
emprego num grande celeiro de afronta aos direitos da personalidade dos empregados.
O poder diretivo do empregador, quando se considera a atividade empresarial,
tem dois fundamentos, um dito mediato – a livre iniciativa, a própria atividade
econômica em si – e outro imediato – o contrato de trabalho. Quando se busca a
origem de tal poder, várias são as correntes que tentam explicá-lo, subdivididas
mormente em dois lados: anticontratualista e contratualista.
Pelo viés anticontratualista, demonstrou-se as idéias e as críticas de três linhas
de pensamento: teoria institucionalista, da relação de trabalho e da propriedade privada.
Pelo viés contratualista, por sua vez, abarcou-se as teorias da visão tradicional e a
visão moderna. Quanto ao contratualismo, argumentou-se que as tentativas de
aproximar o contrato de trabalho a um dos contratos de natureza civil (locação ou
arrendamento, compra e venda, mandato, sociedade) não conseguem abarcar todos
os aspectos da relação empregatícia. Afirmou-se, a seguir, a teoria contratualista
moderna, que reconhece o contrato de trabalho como negócio jurídico, ainda que a
vontade das partes seja reduzida, especialmente porque inserida num contexto de
dirigismo contratual. Registrou-se a crítica que se pode fazer em relação à visão do
contrato de trabalho como negócio jurídico, bem como o posicionamento de que a
CLT contempla aspectos de várias teorias, não somente o contratualismo por conta
da dicção de seu artigo 442.
Quanto à subordinação, porque traço peculiar da relação de emprego,
analisaram-se as várias tentativas de explicá-la. Visto que as teorias da dependência
econômica, técnica e social não obtiveram êxito na tarefa, analisaram-se idéias a
respeito da subordinação jurídica de caráter subjetivo e objetivo. Seguindo, afirmouse a natureza jurídica do poder de direção do empregador como sendo uma situação
174
jurídica subjetiva, ante o arcabouço de normas que o tutelam, deixando-se de lado
os pensamentos a respeito de que tal poder seria um direito potestativo ou um direito
subjetivo. Com efeito, o poder diretivo do empregador, encerra muito mais características do que pretensões. Ao empregador, são conferidos muito mais ônus e deveres
do que propriamente direitos, ou seja, há um interesse que escapa o âmbito da
relação empregatícia, no sentido de que este poder seja exercido.
A fim de demonstrar que o poder diretivo do empregador deve ter limites,
especialmente no que concerne aos direitos da personalidade dos empregados,
perquiriu-se, na pesquisa, como encontrar tal limitação a partir da aplicação da teoria
do abuso do direito, bem como se tal teoria pode ser aplicada ao contrato de
trabalho, visto que sua previsão advém do Código Civil.
As respostas encontradas foram afirmativas. O abuso do direito é construção
teórica marcada pela percepção de que a ordem jurídica baseada nos diplomas
legais advindos do Estado Liberal não respondeu às demandas sociais. As leis de tal
período, porque tinham como norte a limitação do poder estatal e a difusão de valores
como liberdade, individualismo e propriedade, acabaram criando uma sociedade
impregnada de desigualdade.
O enclausuramento dos Códigos determinou um tempo de mera subsunção
entre normas e casos concretos, porém não respondia a todos estes casos, porque
a sociedade é dinâmica e não por isso mesmo não pode ser tratada como um
número finito de hipóteses. O abuso do direito, por conta de sua carga axiológica,
aponta como uma das superações do paradigma liberal-normativista-individualista.
Dentre as várias teorias que tentaram explicar o abuso do direito, demonstrou-se
também algumas que o negaram expressamente. O atual estágio do pensamento
sobre o tema explica definitivamente que os direitos não são absolutos, devendo
ceder espaço a diversos outros valores do próprio ordenamento jurídico e mesmo de
outros metajurídicos. O titular deve observar tais limitações, sendo avaliado principalmente pelos fins alcançados com sua conduta.
Diante desse panorama, afirmou-se que o abuso do direito se trata de um
princípio que até mesmo dispensa previsão legislativa expressa para aplicação.
Quanto ao contrato de trabalho, pode ser aplicado também por força do previsto no
artigo 8.o, § único da CLT e não se trata de reaproximar a relação de emprego das
instituições de direito civil, retirando a autonomia do direito do trabalho em relação a
175
tal ramo, mas de encontrar profícuas formas de limitar, sobretudo ante o enfoque da
presente pesquisa, a atuação do poder diretivo do empregador.
Seguindo a linha do previsto no artigo 187 do Código Civil quanto aos critérios
para verificação do abuso do direito, tratou-se dos bons costumes, dos fins
econômicos e sociais do contrato de trabalho e da boa-fé objetiva, especialmente
quanto a esta, explicaram-se suas três funções: interpretativa, criação de deveres
anexos e limitação de direitos subjetivos.
Argumentou-se que, apesar de se definir a natureza jurídica do poder diretivo
como situação jurídica subjetiva, não se perde a aplicação do abuso do direito,
porque direito subjetivo é uma das espécies de situação jurídica subjetiva e porque
esta tem limites, notadamente as cláusulas gerais como o abuso do direito. Não se
trata de falar de abuso ou desvio de poder unicamente, porque isto se refere aos
poderes decorrentes da administração pública e o poder diretivo do empregador,
nesta pesquisa, tem mote privado.
Verificado o abuso do direito, as sanções passíveis de aplicação são de dois
tipos: direta e indireta. A direita significa o desfazimento do ato abusivo. A indireta,
por sua, vez, comporta a reparação do dano por conta da aplicação da responsabilidade civil que, no Brasil, tem sido entendida como do tipo objetiva quando se
pode analisar a aplicação do abuso do direito.
O estudo do abuso do direito se mostrou especialmente importante quando se
fala nos direitos da personalidade dos empregados, porque não raras vezes, no
cenário hodierno de produção, como descrito, tem-se verificado a afronta a tais
direitos pelo empregador, no exercício de seu poder de comando e de organização
da atividade econômica.
Os direitos da personalidade têm como principal fundamento a dignidade da
pessoa humana. O ser humano deve ser respeitado como um todo, como pessoa,
importa o "ser" muito mais do que o "ter" no atual estágio da ordem jurídica. Ainda
que as variadas relações provindas do mundo social não promovam esta valorização
da pessoa em muitas ocasiões, especialmente em se tratando do contrato de
trabalho, os dissensos levados ao Poder Judiciário devem ser interpretados a partir
dos valores do ordenamento atual, notadamente a dignidade da pessoa humana.
Por isso mesmo, apesar de os direitos da personalidade encontrarem previsões no
Código Civil e na Constituição Federal não podem ser tidos como estanques, como
176
numerus clausus. Justamente por causa da tutela conferida aos direitos de personalidade, afirmou-se que também não se tratam de direitos subjetivos, mas de situações
jurídicas subjetivas, não se trata apenas de conformação com a vontade de seus
titulares, mas da coletividade.
Argumentou-se que os direitos da personalidade encontram previsão constitucional, tratando-se de direitos fundamentais. Quanto àqueles previstos no Código
Civil, devem ser considerados como materialmente constitucionais. Justamente por
força dessas afirmações, estudou-se a eficácia dos direitos fundamentais na relação
entre particulares e, quanto ao contrato de trabalho, chegou-se à conclusão de que
deve ser a eficácia direta, ante a desigualdade existente entre os pólos contratantes,
ou seja, a flagrante hipossuficiência do empregado em relação ao empregador.
Tratou-se, ao final, de alguns casos quanto à afronta dos direitos da personalidade em face do exercício abusivo do poder de direção pelo empregador,
notadamente quanto à intimidade e à vida privada, à honra e à imagem. Em grande
parte das vezes, um mesmo ato do empregador fere mais de um de tais direitos, o
que especialmente importa quanto à aplicação das sanções e, no caso da sanção
indireta, de se avaliar se será de ordem moral e material ou somente de uma de
tais espécies.
Enfim, a pesquisa demonstrou que a aplicação da teoria do abuso do direito no
contrato de trabalho tem especial importância, haja vista a amplitude de exercício do
poder diretivo pelo empregador. É bem verdade que o contrato de trabalho se mostra
inserido num contexto de normas tuitivas, protetivas em relação ao empregado, porém,
mesmo assim não se evidenciam claros os limites do poder diretivo do empregador.
Denota-se que a pessoa do empregado não se separa de sua prestação de
serviços, assim, os direitos de personalidade do trabalhador devem ser tidos como
limites para atuação do poder diretivo. Não se pode esquecer que tais direitos de
personalidade têm também uma espécie de limitação quando se fala de contrato de
trabalho, mas tal limitação nunca pode ser aquela decorrente da violação dos fins
econômicos ou sociais do contrato, dos bons costumes e da boa-fé, porque, nestas
hipóteses, estar-se-á diante do abuso do direito.
Assim, o poder diretivo deve ter limites, especialmente quando se reporta aos
direitos de personalidade dos empregados, porque estes devem ser respeitados
enquanto pessoas, devendo-lhes ser preservada a dignidade, especialmente porque
177
a relação de emprego encerra não mais suas obrigações principais como trabalhar e
pagar salário, mas obrigações anexas, decorrentes da boa-fé objetiva e um delas é o
dever de proteção psicofísica que o empregador deve ter em relação ao empregado.
Tudo isso porque, ainda que se viva num mundo em que o capital e o
mercado determinem comportamentos sociais e a própria organização do sistema
produtivo, possa-se falar em trabalho como fator de inclusão social, de realização
pessoal e não de degradação do ser humano.
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Agendamento de data de defesa perante Banca Examinadora
Curitiba, ________/________/________
Horário:____________
Indicação dos professores membros titulares e suplente:
Membro Externo:____________________________________
Membro Interno:_____________________________________
Suplente (Interno):___________________________________
Deposite-se na Secretaria do Mestrado.
Curitiba, ________/________/________
___________________________________
Professor (a) Orientador (a)
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