CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO ANA PAULA PAVELSKI OS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO EM FACE DO EXERCÍCIO ABUSIVO DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR CURITIBA 2008 ANA PAULA PAVELSKI OS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO EM FACE DO EXERCÍCIO ABUSIVO DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Eduardo Milléo Baracat CURITIBA 2008 ANA PAULA PAVELSKI OS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO EM FACE DO EXERCÍCIO ABUSIVO DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito pelo Centro Universitário Curitiba. Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores: Orientador: _________________________________ Prof. Dr. Eduardo Milléo Baracat _________________________________ Membro examinador interno _________________________________ Membro examinador externo Curitiba, _____ de _________________ de 2008. Dedico esta dissertação aos meus pais, Bernardo e Faustina, incentivadores e zelosos em todos os momentos. AGRADECIMENTOS Ao Luiz, palas palavras doces de sempre e pela compreensão nos momentos ausentes. À Angélica, pela ajuda na reta final. Ao meu orientador professor Eduardo, pelos esclarecimentos e idéias, exemplo de dedicação à pesquisa acadêmica. A todos os professores do programa de Mestrado em Direito do UNICURITIBA e especialmente aos professores Luiz Eduardo Gunther e Gisela Bester, pelo apoio incansável e pelo carinho. Ao professor Wilson Ramos Filho, pelos esclarecimentos e pela acolhida. Ao professor José Affonso Dallegrave Neto, pelas idéias. Ao pessoal do escritório, pelo incentivo, pelo auxílio na pesquisa e pela compreensão das ausências. […] podemos afirmar que embora o conceito de abuso do direito possa ser considerado como um grande mito jurídico, teve um grande valor histórico já que serviu paradoxalmente para destruir, em parte, um dos mais grandes mitos do pensamento jurídico: o da existência dos direitos absolutos.1 1 WARAT, Luis Alberto. El Concepto Del Abuso Del Derecho y La Teoria Kelseniana. In: MEZZAROBA, Orides et al. [Coord.]. Epistemologia e ensino do direito: o sonho acabou. Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2004. p.300. Texto original: "[...] podemos afirmar que si bien el concepto del abuso del derecho puede ser considerado a nivel científico como un gran mito jurídico, ha tenido un enorme valor histórico ya que ha servido paradójicamente para destruir, en parte, uno de los más grandes "mitos" del pensamiento jurídico: el de la existencia de los derechos absolutos." SUMÁRIO LISTA DE SIGLAS............................................................................................... 8 RESUMO.............................................................................................................. 9 ABSTRACT.......................................................................................................... 10 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 11 1 O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR ................................................... 14 1.1 TRABALHO: HUMANIZAÇÃO, INCLUSÃO SOCIAL? .............................. 14 1.2 O MUNDO DO TRABALHO NA ATUALIDADE: CONTEXTUALIZAÇÃO..... 22 1.2.1 A Globalização e o Neoliberalismo .......................................................... 23 1.2.2 A Reestruturação da Produção ............................................................... 28 1.2.3 E a Moldura do Contrato de Trabalho?.................................................... 36 O PODER NA RELAÇÃO EMPREGADO – EMPREGADOR.................... 39 1.3.1 Poder ....................................................................................................... 39 1.3.2 O Poder Diretivo do Empregador: Fundamentos Constitucionais e 1.3 Celetários ................................................................................................ 42 1.3.3 Origem do Poder Diretivo ........................................................................ 45 1.3.4 Poder Diretivo e Subordinação................................................................ 56 1.3.5 Natureza Jurídica do Poder de Direção................................................... 61 1.3.6 Aspectos do Poder Diretivo ..................................................................... 68 ABUSO DO DIREITO E CONTRATO DE TRABALHO................................. 71 2.1 ABUSO DO DIREITO: SUPOSTOS .......................................................... 71 2.2 ABUSO DO DIREITO: CONCEPÇÕES E ATUAL ESTADO DA ARTE .... 77 Abuso do Direito e Figuras Afins ............................................................. 91 2 2.2.1 2.3 2.4 2.4.1 APLICAÇÃO DA TEORIA DO ABUSO DO DIREITO NO CONTRATO DE TRABALHO ......................................................................................... 95 CARACTERIZAÇÃO DO ABUSO DO DIREITO........................................ 99 A Boa-Fé ................................................................................................. 100 2.4.1.1 Interpretação ......................................................................................... 103 2.4.1.2 Limite ao exercício de direitos subjetivos .............................................. 105 2.4.1.3 Criação de deveres jurídicos ................................................................. 108 2.4.2 Fim Econômico ou Social ........................................................................ 113 2.4.3 Bons Costumes ....................................................................................... 118 2.5 SANÇÕES AO ATO ABUSIVO ................................................................. 120 2.5.1 Sanção Direta.......................................................................................... 121 2.5.2 Sanção Indireta ....................................................................................... 122 3 OS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO EMPREGADO ........................... 123 3.1 DIREITOS DE PERSONALIDADE ............................................................ 123 3.1.1 Características e Classificações .............................................................. 128 3.1.2 Natureza Jurídica..................................................................................... 132 3.1.3 O Problema da Eficácia ........................................................................... 134 3.2.1.1 Contratos de trabalho: eficácia direta dos direitos de fundamentais? ... 143 3.2 OS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO EMPREGADO ....................... 147 3.3 CASUÍSTICA SOBRE DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO E EXERCÍCIO ABUSIVO DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR ........................................................................................ 150 3.3.1 A Intimidade e a Vida Privada ................................................................. 153 3.3.2 A Honra e a Imagem................................................................................ 157 3.4 A NEGOCIAÇÃO COLETIVA, O ABUSO DO DIREITO E OS DIREITOS DE PERSONALIDADE: PROIBIÇÃO DE RETROCESSO ...... 165 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 172 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 178 LISTA DE SIGLAS BGB - Código Civil Alemão CLT - Consolidação das Leis do Trabalho OIT - Organização Internacional do Trabalho OMC - Organização Mundial do Comércio OMS - Organização Mundial da Saúde ONU - Organização das Nações Unidas STF - Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justiça TRT - Tribunal Regional do Trabalho TST - Tribunal Superior do Trabalho RESUMO Este trabalho de pesquisa objetiva analisar quando o exercício do poder diretivo do empregador poderá ser considerado abusivo, em face dos direitos de personalidade do empregado. Nele examinam-se as condições do mercado de trabalho na atualidade, como a globalização e o neoliberalismo têm influenciado na reestruturação da produção, ou seja, nas formas de organização da produção no âmbito empresarial, bem como as conseqüências na relação de emprego. Para tanto, inicia-se pela análise dos fundamentos constitucionais e celetários do poder diretivo do empregador, sua origem e sua natureza jurídica, demonstrando-se que não mais pode ser considerado como um direito subjetivo do empregador, ante a tutela que o ordenamento jurídico lhe dispensa. A fim de defender a idéia de aplicação da teoria do abuso do direito quanto ao poder diretivo do empregado, descreve-se a viragem de paradigma pela qual passaram as codificações, os novos valores do ordenamento, notadamente a dignidade da pessoa humana como norte. Trata-se das várias teorias sobre o abuso do direito e como se encontra o atual pensamento a respeito do tema. Aprofundando a defesa da aplicação da teoria do abuso do direito na relação de emprego, demonstram-se os balizadores para consideração do ato como abusivo, tais como a boa-fé objetiva, os bons costumes e os fins econômicos e sociais, já no âmbito do contrato de trabalho. Discorre-se sobre as sanções ao ato abusivo. Na seqüência, analisam-se os direitos de personalidade, descrevendo suas características e abordando algumas classificações. Quanto aos direitos de personalidade, aborda-se a possibilidade de considerá-los como situações jurídicas subjetivas, também por conta da tutela que a ordem jurídica lhes dispensa. Descreve-se, ainda, o hibridismo dos direitos de personalidade pelo fato de estarem presentes na Constituição Federal e no Código Civil, defendendo-se o caráter de direito fundamental de referidos direitos e, a partir disso, a eficácia deles no contrato de trabalho, concluindo-se pela eficácia direta. Ao final, demonstram-se hipóteses de aplicação da teoria do abuso do direito no poder diretivo do empregador, especialmente considerado o exercício frente aos direitos de personalidade do empregado. Palavras-chave: Contrato de trabalho. Direitos de personalidade. Empregado. Poder diretivo do empregador. Abuso do direito. ABSTRACT This present research work aims to analyze when the exercise of power directive of the employer may be considered abusive, in view of the rights of personality of the employee. This study aims to analyze when it examines-if the conditions of the labor market nowadays, such as globalisation and neoliberalism have influenced the restructuring of production, or, in the forms of organization of production in business, as well as the consequences in the employment relationship. For both, starts-analysis of the constitutional foundations and labor law of power directive of the employer, its origin and their legal nature, demonstrating-that not more than can be considered as a subjective right of the employer, in view of the tutelage that the juridical order you exemption. In order to defend the idea of application of the theory of abuse of right as the directive of the employee, describes-if the turn of paradigm which have passed the codification, the new values of planning, notably the dignity of the human person as north. This-if the various theories about the abuse of right and that it is the current thinking on the theme. Deepening the defense of the application of the theory of abuse of right in the employment relationship, show-if the balizadores for consideration of the act as abusive, such as the good-faith aims, morality and the economic and social purposes, already under the contract of employment. Talked-about the sanctions on the wrong abusive. In sequence, analyze-if the rights of personality, describing their characteristics and addressing some classification. As regards the rights of personality, it addresses-if the possibility of considering-them as legal situations subjective, also on account of tutelage legal them exemption. Describes-if, in addition, hybridism the rights of personality by the fact of being present in Federal Constitution and the Civil Code, defending-if the character of fundamental rights of those rights and, from this, the effectiveness them the contract of employment, concluding-by direct effectiveness. At the end, show-situations for the application of the theory of abuse of rights in power directive of the employer, especially considered the financial year forward to the rights of personality of the employee. Key-words: Contract of employment. Rights of personality. Employee. Power directive of the employer. Abuse of rights. 11 INTRODUÇÃO "A Ambev foi condenada pela Justiça do Trabalho, em 2006, em primeira instância, a pagar a indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 1 milhão, decorrente da prática de assédio moral contra seus funcionários".2 Cotidianamente, toma-se conhecimento de decisões da Justiça do Trabalho que tratam de condenações por danos morais ou materiais em decorrência de atos abusivos perpetrados pelos empregadores, no exercício do poder de comando e organização da atividade empresarial. Fiscalizações dos órgãos ligados ao Ministério do Trabalho e Emprego realizam inúmeras autuações de empresas, ante o comportamento abusivo perante o quadro de empregados. As hipóteses tornam-se mais surpreendentes a cada dia que passa: desde o controle do uso de sanitários, em termos de lapso temporal e freqüência, até a imposição de atitudes absurdas para aqueles empregados que não cumprem as metas estabelecidas. Em busca de atrair clientes, empregadas são compelidas a vestir trajes que deixem à mostra partes do corpo. A justificativa tem sido a mesma: atender aos mitos modernos da produtividade e da competitividade. Relevante se evidencia considerar o poder diretivo do empregador quando se confrontam os direitos de personalidade dos empregados, pois é impossível separar a atividade realizada pelo trabalhador de sua pessoa. Com efeito, as relações empregatícias revelam-se complexas, envolvendo muito mais do que as obrigações de realizar o trabalho – pelo empregado – e pagar o salário combinado – pelo empregador, o que se verá ao longo da pesquisa. Há um vínculo pessoal muito forte entre os sujeitos de tal relação. 2 Notícia disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/92784/condenacao-faz-ambevpromover-campanha-contra-assedio-moral> Acesso em: 14 ago. 2008. 12 Nesse cenário, o estudo da aplicação da teoria do abuso do direito no contrato de trabalho se perfaz importante porque, justamente, trará contribuições para o estabelecimento de limites ao poder diretivo do empregador, principalmente considerando os direitos de personalidade dos empregados. Tais limites encontram fundamentos na boafé objetiva, nos fins sociais e econômicos do contrato de trabalho e nos bons costumes. Igualmente relevante se denota o estudo a respeito do significado e da amplitude conferida pela ordem jurídica atual aos direitos de personalidade. Porque previstos na Constituição Federal, referidos direitos assumem o caráter de fundamentais, devendo-se analisar como se dará sua aplicação nas relações entre particulares, tendo em vista o contrato de trabalho como pano de fundo da presente pesquisa. Registre-se que as relações aqui consideradas referem-se àquelas nas quais se fazem presentes os requisitos do artigo 3.o3 da CLT: onerosidade, pessoalidade, habitualidade e subordinação. Relações também delineadas pelo artigo 2.o4 da CLT, ao tratar do empregador. Examinar-se-ão, portanto, as relações de emprego. A CLT, ainda, denomina tais situações como contratos de trabalho, haja vista o contido em seu artigo 4425. Assinala-se a observação porque a legislação pátria, especialmente no artigo 114, I6 da Constituição Federal, ao tratar da competência material da Justiça do Trabalho, menciona relações de trabalho, ou seja, também abarca aquelas relações em que não se faz presente a subordinação, como, por exemplo, nos casos do trabalhador autônomo, do representante comercial. As expressões relação de emprego e contrato de trabalho contêm o mesmo significado na presente dissertação e a utilização de ambas será realizada sem distinções. 3 o Art. 3. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. 4 Art. 2.o Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. 5 Art. 442. Contrato individual de trabalho é o acordo, tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego. 6 Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; [...] 13 A pesquisa concentrar-se-á, primordialmente, nas relações de trabalho no âmbito empresarial, não se tratando de empregados domésticos e do meio rural, embora se reconheça a existência do poder diretivo do empregador também nestas relações, assim como atividade empresarial no meio rural, o que fatalmente determinará a ocorrência de afronta aos direitos de personalidade dos rurícolas e dos domésticos, caso o exercício de referido poder seja abusivo. Analisando o meio empresarial, traçar-se-ão idéias a respeito da realidade atual, marcada pelas influências do neoliberalismo, no qual a reestruturação da produção tem precarizado as relações empregatícias e enfraquecido a atuação sindical, principalmente em se tratando da proteção dos trabalhadores. Contextualizar-se-ão a gênese da teoria do abuso do direito e os atuais entendimentos a respeito do tema. Embora sejam analisadas sanções para o ato abusivo, não se deterá no estudo delas, traçando-se apenas considerações com relação a hipóteses de abusividade no exercício do poder diretivo do empregador em relação a direitos de personalidade do empregado, especialmente a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem. Afinal, o abuso do direito, como instituto de dogmática do direito civil, pode ser aplicado na relação de emprego? Devem ser considerados os direitos de personalidade do empregado no contrato de trabalho? Em que situações há abuso de direito no poder diretivo do empregador quando se confronta com o direito de personalidade do empregado? A temática desta dissertação firma-se na Linha de Pesquisa número 2 do Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do UNICURITIBA, de nome "Atividade Empresarial e Constituição: inclusão e sustentabilidade", uma vez que a pesquisa compreende tópicos de Direito do Trabalho e de Direito Constitucional, somando-se o fato de o poder diretivo do empregador ter suporte na atividade empresarial. 14 1 O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR 1.1 TRABALHO: HUMANIZAÇÃO, INCLUSÃO SOCIAL? Trabalho, em termos filosóficos, pode ser definido como uma atividade humana que transforma a natureza. Atividade esta de ordem material ou intelectual. Gilberto Cotrim assevera: "Podemos definir trabalho como toda atividade na qual o ser humano utiliza sua energia física e psíquica para satisfazer suas necessidades ou para atingir um determinado fim."7 Há aqui uma distinção entre a atividade humana e a atividade animal, pois o homem faz projetos e os coloca em prática. Um ciclo: existe um projeto que antecede uma ação, a qual, à medida que vai sendo colocada em prática, resulta noutros projetos, os quais originarão outras ações e assim sucessivamente. O trabalho, por conta de tal visão, é o elemento que possibilita a relação dialética entre o homem e a natureza, entre a teoria e a prática. Permite-se, dessa forma, uma noção de liberdade. Liberdade no entendimento de que, se por um lado o ser humano é cercado de determinismos (causas, necessidades), ele pode tomar consciência de suas cercanias e então agir de forma a transformá-las e superá-las. Em verdade, além da transformação da natureza, o trabalho propicia a transformação do próprio homem. Aquele que trabalha altera sua visão do mundo e de si mesmo, relaciona-se com seus semelhantes, descobre novos horizontes, novos conceitos e concepções, conhece e produz conhecimento. Para Miguel Reale, o trabalho é uma forma de criação de valores: Ele já é, por si mesmo, um valor, como uma das formas fundamentais de objetivação do espírito enquanto transformador da realidade física e social, visto como o homem não trabalha porque quer, mas sim por uma exigência indeclinável de seu ser social, que é um "ser pessoal de relação", assim como não se pensa porque se quer, mas por ser o pensamento um elemento 7 COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 15.ed. reform. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2000. p.23. 15 intrínseco ao homem, no seu processo existencial, que se traduz em sucessivas "formas de objetivação". Trabalho e valor, bem como, por via de conseqüência, trabalho e cultura, afiguram-se termos regidos por essencial dialética de complementaridade.8 Trabalhar tem um sentido de humanização da natureza e do próprio homem. "O trabalho é inseparável do homem, da pessoa humana, confunde-se com a própria personalidade, em qualquer de suas manifestações."9 Mas essas afirmações não devem ser consideradas como válidas para todos os tempos. Analisando a etimologia da palavra trabalho, parte-se do termo latino tripaliare, derivado do substantivo tripalium, entendido10 como um instrumento de três paus com pontas, utilizado para debulhar milho e bater feijão, ou, ainda, para rasgar o linho. Também era um instrumento utilizado para torturas ou para prender animais que não se permitiam ferrar. A concepção de trabalho aliada ao sofrimento não se restringe ao significado do vocábulo, em várias épocas históricas era justamente assim que se pensava. Tratando de um breve histórico, não se pode deixar de assinalar que até mesmo na Bíblia essa visão de trabalho comporta uma interpretação positiva e outra negativa, já no livro do Gênesis. A positiva é a própria Criação Divina e a negativa é aquela atrelada ao pecado original, pois, em decorrência deste, sobreveio a condenação humana de tirar com o suor do próprio rosto o sustento da terra11. Direcionado para a visão bíblica, Ives Gandra da Silva Martins Filho observa que o trabalho é algo natural ao homem, que não pode ser tido tão-só como castigo 8 REALE, Miguel. Introdução. In: BAGOLINI, Luigi. Filosofia do trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 1997. p.11. 9 MORAES, Antonio Carlos Flores de; MORAES FILHO, Evaristo de Moraes. Introdução ao direito do trabalho. 8.ed. São Paulo: LTr, 2000. p.25. 10 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Moderna, 1993. p.9. 11 Idem. Todavia, nessa visão bíblica é importante assinalar que há opinião diferente sobre a visão quanto ao trabalho decorrente do pecado original, como é o caso das idéias de Alice Monteiro de Barros, quando menciona que essa é uma concepção hebraica de trabalho como reconstrução, ou seja, de o ser humano poder resgatar sua dignidade perante Deus. (BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p.50). 16 em decorrência do pecado original. Explica que o trabalho tem por objeto a participação do homem na obra criadora e pela qual se desenvolvem as potencialidades do mundo. Finaliza dizendo que o esforço atrelado ao trabalho, por sua vez, atrelar-seia ao pecado original.12 Na Pré-História, as divisões13 do trabalho estavam ligadas ao sexo, à idade e à força dos indivíduos. Aos homens, estavam destinadas atividades como caça, pesca, coleta, guerra. As mulheres eram responsáveis pelos trabalhos domésticos e também o cuidado dos filhos. Atividades diferenciadas de acordo com a idade, no caso dos homens, os mais jovens realizavam as atividades de caça, pesca e coleta; os mais maduros, por sua vez, tinham como responsabilidade a guerra. Na Antiguidade Clássica, os gregos e romanos14 desvalorizavam os trabalhos manuais, que eram relegados aos escravos. Valorizava-se o trabalho intelectual e teórico, por isso mesmo os cidadãos desfrutavam do ócio para poder decidir os destinos da polis. Considerava-se que os trabalhos manuais, por se tratarem de rotineiros, não requeriam a reflexão exigida pelos trabalhos intelectuais. Na Idade Média não se nota significativa mudança da concepção de trabalho, pois, ainda que não se fale mais em escravos, há o sistema feudal, ou seja, se a fonte de riqueza está na posse da terra, aqueles que não a detêm devem trabalhar para garantir sua sobrevivência. A riqueza como fruto do trabalho era, inclusive, condenada pela Igreja. As classes nobres, nessa época, também desvalorizavam os trabalhos manuais, dedicando seu tempo a tarefas como caça, guerra, política. 12 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual esquemático de direito processo do trabalho. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.3. 13 COTRIM, op. cit., p.25. 14 Não se ignora que em Roma tenham sido desenvolvidas formas de trabalho em regime de liberdade, havia trabalhadores por conta alheia sob duas formas básicas de contratação, a locatio conduto operis e a locatio conduto operarum. Respectivamente, a contratação de uma obra específica e a contratação dos serviços. Contudo, foi insignificante o espaço de trabalho livre e por conta alheia, como precursor dos contratos de trabalho tal como se conheceu posteriormente. Nesse sentido, ver: LÓPEZ, Manuel Carlos Palomeque; ROSA, Manuel Alvarez de la. Derecho del Trabajo. 10.ed. Madri: Editorial Centro de Estúdios Ramón Areces, 2002. p.64. 17 No final da Idade Média, observa-se o crescimento das cidades e o desenvolvimento do comércio, responsável direto pelo incremento da demanda para a atividade manufatureira. Assim, restou difundida a idéia de liberdade, fator essencial15 para poder trabalhar e comercializar o que estava sendo produzido. Fortalecido o comércio, desemboca-se no Renascimento, quando então o trabalho passa a ser visto como aquela atividade de transformação da natureza, de humanização, anteriormente citada. Concepção que resulta na valorização da ação de trabalhar, porque se percebe que é fonte de riqueza. Valorização que se estende ao longo do tempo, persistindo até os dias atuais. A partir dos argumentos traçados, pode-se afirmar que o trabalho significa inclusão social, pois é a partir dos frutos que dele resultam que o homem providencia a subsistência própria e dos seus. Para além da subsistência, o trabalho permite o fato de o trabalhador "[...] se inserir socialmente, dispondo de crédito na praça, aperfeiçoando-se pessoal e profissionalmente, contribuindo para o desenvolvimento e crescimento da empresa."16 Além da subsistência, há uma realização decorrente da ação trabalhar, porque nela há sempre espaço para a criação humana: O trabalho passa a ser uma honra ao mesmo tempo em que se confere segurança ao homem que trabalha. Já não é mais castigo, nem apenas necessidade passageira. Começa a ficar em jogo o bem-estar do trabalhador, seguido de sua família. Passa a ser exigência social, pelo bem que faz também à sociedade, e, por tudo isso, passa a ser um direito-dever, porque não só individualmente ele é importante, mas, sobretudo, no seio da família e da comunidade de que se faz parte. O trabalho deixou para trás todas as maledicências que o impregnavam para adquirir status social, pelo que pode contribuir para melhorar o nível de vida.17 15 SIMÓN, Sandra Lia. A proteção constitucional da intimidade e da vida privada do empregado. São Paulo: Ltr, 2000. p.21. 16 BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p.151. 17 FERRARI, Irany; NASCIMENTO, Amauri Mascaro; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p.49. 18 Como diz a letra da canção: [...] Um homem se humilha Se castram seu sonho Seu sonho é sua vida E vida é trabalho... E sem o seu trabalho O homem não tem honra E sem a sua honra Se morre, se mata... [...]18 Não se ignora, contudo, as condições de trabalho desumanas e degradantes advindas com a Revolução Industrial, por exemplo19, jornadas de quinze horas diárias nas fábricas de tecidos, crianças de seis anos laborando. Cabe falar de alienação, na medida em que os instrumentos de trabalho e o resultado da atividade humana não mais pertencem ao trabalhador. O operário não escolhe suas condições de trabalho: sua jornada e o valor de seu salário. O produto do trabalho, a mercadoria, passa a valer mais do que o trabalhador20, há a coisificação do ser humano, ou seja, a sua desumanização. A sociedade dita de consumo, marcada pelos valores do mercado, define qual a melhor imagem a ser passada pelos seus membros. O modelo econômico ergue o individualismo e a autonomia como pilares, cenário no qual o trabalho passa a ser um fator de sucesso ou fracasso para o trabalhador, dependendo se propicia a acumulação de capital ou não. A independência econômica atrela-se à realização profissional, trabalha-se mais porque se deseja ganhar cada vez mais.21 As condições progridem (em termos) ao longo do tempo, pois é sensível a existência de movimentos sindicais. Paradoxalmente, o hoje é um mundo de desen- 18 GONZAGUINHA. Um Homem Também Chora (Guerreiro Menino). Disponível em: <http://letras.terra.com.br/gonzaguinha/250255/>. Acesso em: 25 set. 2008. 19 BECKER, Idel. Pequena história da civilização ocidental. 4.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1970. p.469. 20 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Trad. Estela dos Santos Abreu. 9. reimp. Rio de Janeiro: 2007. p.22. 21 COUTINHO, Aldacy Rachid. Função social do contrato de trabalho. In: COUTINHO, Aldacy Rachid; DALLEGRAVE NETO, José Affonso; GUNTHER, Luiz Eduardo (Coord.). Transformações do direito do trabalho: estudos em homenagem ao Professor Doutor João Regis Fassbender Teixeira. Curitiba: Juruá, 2000. p.25-26. 19 volvimento científico, tecnológico, globalizado, cujo discurso predominante é o de formação e aprimoramento da mão-de-obra e onde ainda existe o trabalho escravo. Recentes fiscalizações de Auditores do Trabalho flagraram exemplos de trabalho em condições análogas às de escravo nas atividades madeireiras22, na indústria do álcool23 e até mesmo junto a terceirizações da Petrobrás24, empresa que tem servido de exemplo no país por suas práticas. Se antes houve a afirmação do trabalho como expressão da liberdade, em casos como estes a liberdade é o oposto ao trabalho. O denominado tráfico de seres humanos não é exclusividade da época das Grandes Navegações, ainda hoje se tem notícia, por exemplo, de mulheres brasileiras levadas clandestinamente para países da Europa ou para o Japão, com promessas de trabalhos rentáveis, quando, em verdade, são vendidas para a indústria da prostituição. A situação não é exclusividade da América Latina. Dentro da Europa, especialmente do Leste Europeu para os demais países do mesmo continente, ocorre com freqüência o tráfico não só de mulheres, mas também de crianças, tudo com vistas à exploração sexual e como fonte de trabalho ilegal. No início de setembro de 2008, ocorreu em Verona, na Itália, uma Conferência sobre o tráfico de mulheres. Na oportunidade, a ONU revelou alguns dados, como o 22 Na região Norte do Brasil as fiscalizações constantemente encontram trabalhadores submetidos às condições análogas as de escravo. Um dos casos foi em janeiro de 2007, quando foram encontrados trabalhadores morando em barracas improvisadas, sem água potável e sanitários, além de serem obrigados a comprar alimento na mercearia do dono da madeireira, o que resultava numa dívida sempre maior do que o próprio salário. Disponível em <http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,AA 1440739-5598,00MADEIREIRO+DO+PARA+E+DENUNCIADO+POR+TRABALHO+ESCRAVO.html>. Acesso em: 02 set. 2008. No Paraná, situação idêntica foi deflagrada em 2005, na região de Tunas, quando foram encontrados mais de 80 trabalhadores laborando no reflorestamento de Pinus. Tais pessoas habitavam em barracas de lona e chão batido na beira de rios, desprovidos de água potável e sanitários. Disponível em: <http://www.adpf.org.br/modules/news/article.php?storyid=1778>. Acesso em: 02 set. 2008. 23 Flagrados mais de duzentos trabalhadores em Porecatu, no Paraná, que tinham descontados de seus salários os instrumentos utilizados para o corte da cana, habitando em alojamentos sem luz elétrica e sanitários, perfazendo jornadas diárias de doze horas e desprovidos de equipamentos de proteção individual para a aplicação de agrotóxicos, por exemplo. A mesma empresa, de nome Usina Central do Estado, emprega mais de mil e oitocentas pessoas em São Paulo. Disponível em: <http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1407>. Acesso em: 02 set. 2008. 24 No caso, segundo a notícia, eram em torno de 40 trabalhadores sem qualquer equipamento de proteção, sem registro em carteira de trabalho e alojados em barracas de lonas ou até mesmo em um galinheiro abandonado, realizando o desmatamento de um terreno. Eram pessoas laborando para a Petrobrás por meio de empresa terceirizada. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/ 0,,MUL741013-5598,00.html>. Acesso em: 02 set. 2008. 20 de que 80% das vítimas do tráfico de seres humanos são mulheres. Trata-se de um comércio que movimenta cifras que somente perdem para o tráfico de armas e drogas.25 Não menos sensível e freqüente, há outra forma de comércio de seres humanos: as pessoas pagam para serem transportadas além fronteiras. Brasileiros que desejam entrar nos Estados Unidos ilegalmente pagam o transporte via México; chineses pagam para entrar ilegalmente também nos Estados Unidos, assim como sul asiáticos, para ingressar em diversos países da Europa. Perceba-se que se tornaram possíveis distinções no denominado comércio de seres humanos: o tráfico humano e o contrabando humano. Quando se fala em tráfico, o traficante coage o imigrante e o vende para o mercado de trabalho. No caso do contrabando, o indivíduo paga o contrabandista por uma passagem de fronteiras, o que resulta, muitas vezes, na escravização de tal indivíduo pelo próprio contrabandista, ante a dívida contraída pelo imigrante para que fosse realizada sua travessia entre um país e outro.26 A movimentação de pessoas através de diferentes países não tem precedente, em números, na história da humanidade. Fazendo-se uma comparação, na época das Grandes Descobertas e tempos posteriores, com o estabelecimento de atividades econômicas baseadas na mão-de-obra escrava, foram aproximados doze milhões de escravos africanos comercializados em quatrocentos anos. Atualmente, somando tráfico de mulheres e crianças e o transporte de trabalhadores ilegais, os números chegam a quatro milhões de pessoas por ano.27 Em verdade, há uma confusão de valores, vive-se num "[...] mundo pósmoderno, que já não tenta codificar e uniformizar as diferentes realidades, mas permite e até deseja o heterogêneo, o caótico, o variado."28 A concorrência transformou a busca pelo desenvolvimento científico em algo incessantemente e frenético. As pessoas convivem com produtos de ponta em suas 25 26 Disponível em: <http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=270967>. Acesso em: 10 set. 2008. NAÍM, Moisés. Ilícito: o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p.85. O autor menciona na p.84 que um contrabando da China para os Estados Unidos chega a custar sessenta mil dólares. 27 Idem. 28 VIANA, Márcio Túlio. Trabalho escravo e "lista suja": um modo original de se remover uma mancha. In: OIT. Possibilidades jurídicas de combate à escravidão contemporânea. Brasília: Organização Internacional do Trabalho, 2007. p.36. Disponível em: <http://oit.org.br/info/downloadfile.php?fileId=305>. Acesso em: 27 jul. 2008. 21 casas e em seu trabalho, sequer sabem ao certo como ou quando os utilizar. As classes mais baixas querem o tênis da moda que tem sistemas de amortecimento para os passos, os celulares que tiram fotos, gravam vídeos e acessam a rede mundial de computadores. O consumo tem sido tão desenfreado e estimulado pela publicidade que parece suprir carências29 diante de laços sociais cada vez mais precários. A busca da felicidade, por exemplo, é determinada pela compra de algum bem material. Ouvem-se todos os dias notícias de jovens que trocam suas vidas, que se marginalizam em decorrência das drogas e do álcool. Não são mais adolescentes das classes baixas, mas que cresceram nas melhores escolas e tiveram, em termos de bens materiais, tudo o que se pode imaginar, o necessário e o completamente supérfluo. O mercado consumidor tem se informado sobre a origem daquele produto: se o fabricante tem selo para dizer que não utiliza mão-de-obra infantil, se o material é reciclável, se a madeira do móvel é de reflorestamento, se o combustível do veículo é poluente. A responsabilidade socioambiental vem se tornando regra para as empresas, que estão, cada vez mais, divulgando seus balanços sociais, ou seja, como contribuem para a melhoria da sociedade em sua totalidade. Resultados que disseminam uma imagem positiva da empresa junto ao mercado. Concomitantemente, os direitos humanos e os direitos fundamentais espraiam seus motes pelos mais variados países. Falando em Brasil, a Emenda Constitucional 45/2004 acrescentou o § 3.o ao artigo 5.o pelo qual, respeitado o processo legislativo de aprovação por 3/5 nas duas Casas do Congresso Nacional, os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos terão força de Emenda Constitucional. No direito, fala-se da reconstrução dos modelos privados a partir do viés constitucional, é a constitucionalização do direito civil, por exemplo. Os operadores do direito e mesmo as leis, cada vez mais, abrem seus discursos e sua prática à dignidade da pessoa humana, em detrimento da visão patrimonialista que marcou os Códigos que se seguiram ao modelo francês napoleônico. 29 VIANA, Trabalho escravo..., p.37. 22 Enfim, um tempo que remete ao questionamento do trabalho como humanização, como valor, como liberdade, também remete à possibilidade de pensamento de um consumo solidário: "[...] quando sairmos para comprar um novo tênis, a presença ou a ausência de trabalho digno será um componente tão importante quanto as bolhas de ar que irão proteger nossos pés."30 As premissas delineadas servem à convicção do todo que se tratará ao longo da pesquisa, no raciocínio de que o trabalho não deve significar algo degradante ao ser humano, não sendo concebível afronta, especialmente, dos direitos de personalidade daquele que se dispõe a trabalhar. Afinal, "[...] o trabalho sempre ocupou o lugar central em volta do qual as pessoas organizaram suas vidas."31 Enaltece-se, desde logo, a aplicação de um dos pilares da Constituição de 1988, a dignidade da pessoa humana, quando se fala de trabalho, porque, como dito, quem o realiza é uma pessoa, um ser humano que deve ser dotado de consciência e liberdade. Não por acaso, a Constituição também traz como pilar o valor social do trabalho, prevendo um mínimo de sua realização, de forma a programar melhores condições na sociedade, ao abarcar os direitos sociais. 1.2 O MUNDO DO TRABALHO NA ATUALIDADE: CONTEXTUALIZAÇÃO Necessário um recorte histórico na pesquisa, de forma que se possam focar as relações de trabalho sob o ponto de vista dos direitos de personalidade dos empregados em face do poder diretivo dos empregadores, no atual estágio do desenvolvimento econômico. Ainda que se trate a seguir de industrialização, de serviços, de sociedade da informação, não se menospreza que cotidianamente, como exemplificado no item anterior, os meios de comunicação divulgam notícias de trabalhadores que exercem suas atividades em condições análogas as dos escravos. 30 31 VIANA, Trabalho escravo..., p.39. FERRARI; NASCIMENTO; MARTINS FILHO, op. cit., p.22. 23 Algo que não deixa de ser fruto da demanda e do atual modelo de desenvolvimento econômico que, se, por um lado, determina a livre circulação de bens, tecnologias e mesmo pessoas entre as diferentes partes do globo, por outro lado. acentua as diferenças das mais variadas naturezas. Infelizmente, "os problemas de distribuição de poder e da riqueza, e portanto os problemas sociais, acompanham a humanidade em todas as épocas [...]."32 Registra-se desde logo que nem o modelo econômico, nem o mercado, nem as demandas e nem quaisquer outros fatores como propriedade, distribuição de riquezas, níveis de educação, diferenças culturais contêm justificativas para a observação hodierna do mercado de trabalho. Tais fatores tentam explicar as realidades presentes aos olhos de todos, mas não devem assumir a posição de legítimos quando se está diante da dignidade da pessoa de um trabalhador. 1.2.1 A Globalização e o Neoliberalismo Os assuntos abordados habitualmente a respeito dos mais diversos grupos sociais não têm interesse restrito ao país no qual os indivíduos estão residindo, seja porque tais assuntos se disseminam como notícias pela convergência que se vive em termos de meios de comunicação, seja porque, por exemplo, imigrantes brasileiros que moram num país europeu desejam informações de sua terra natal, de seu estado, de sua cidade de origem. Interessam os acontecimentos de localidades distantes, pois, invariavelmente, causam impacto na esfera local, como é o caso da crise financeira do momento, que teve início notório nos Estados Unidos e tem se espraiado pelo globo. Em verdade, sequer os indivíduos precisam estar no mesmo país para dar sentido a essa troca de idéias: comunicadores instantâneos aproximam as fronteiras, 32 Livre tradução de: "los problemas de distribución del poder y la riqueza, y por tanto los problemas sociales, acompañan a la humanidad en todas las épocas […]." (MELGAR, Alfredo Montoya. El Reformismo Social em los Orígenes del Derecho del Trabajo. Revista del Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales. p.81. Disponível em: <http://www.mtas.es/revista/numeros/ ExtraDTrab03/Estudios05.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2008). 24 os fusos horários, os idiomas e permitem as conversas. As temáticas debatidas não se importam apenas com a origem do fato, ou seja, onde ele aconteceu, elas interessam a todos porque podem trazer soluções ou mesmo novos questionamentos. Ao abrir um jornal qualquer ou revistas dos mais variados enfoques, o leitor depara-se com manchetes trazendo situações das mais remotas partes do planeta. Regiões não necessariamente visitadas por ele, pois a interatividade de informações permite a concepção exata do porquê de aquele assunto importar naquela localidade, e como influenciará em algum outro ponto distante do globo, suscitando discussões33. Vive-se a globalização, um fenômeno de âmbito muito mais avassalador que apenas o intercâmbio de informações. Atividades no âmbito econômico, político, cultural, social estão ganhando espaço global, fazendo com que diferentes países, diferentes povos e culturas interajam. Atividades que tinham seus focos de interesse ligados ao espaço interno passam a, notadamente, despertar viés de proveito mundial. Ocorre uma "crescente interconexão em vários níveis da vida cotidiana a diversos lugares longínquos no mundo."34 O desenvolvimento da tecnologia, sobretudo das comunicações, como afirmado, permitiu uma miscigenação maior de referências culturais. Os orientais ouvem músicas da Madonna e dos Rolling Stones, assistem a filmes de Spielberg, bebem CocaCola, comem McDonald's e vestem jeans. Os ocidentais dirigem carros Toyota, Honda, assistem a seus filmes e por que não aos de Akira Kurosawa em televisores Samsung, preferem comida chinesa e comida japonesa, difundem o budismo e o hinduísmo como religiões, vestem modelos de roupas indianas e são tratados por acupuntura. O primeiro estágio chamado ocidentalização do mundo já não pode mais ser defendido como paradigma dominante, não há mais uma padronização universal. 33 A título de exemplo, observe-se a divulgação de um vídeo na Internet, no qual aparece uma coreana no metrô, com seu cachorro de estimação e o animal sujou o ambiente. Avisada, ela ainda discutiu com os demais passageiros e desceu do metrô sem limpar a sujeira. Num primeiro momento, as imagens, obtidas através do celular de outros passageiros e divulgadas na Internet, repercutiram na comunidade em que a jovem morava, sendo motivo de reações negativas dos vizinhos. A situação ganhou espaço na cidade, a jovem teve que sair da universidade onde estudava, porque foi motivo de rejeição pelos demais alunos e, não bastasse isso, foi motivo de matéria em jornais americanos e também brasileiros, gerando uma cadeia global de críticas em relação à atitude. Como se denota, embora o acontecimento seja local, a repercussão pode vir a se tornar global. (ROSA, Mário. A reputação na velocidade do pensamento: imagem e ética na era digital. São Paulo: Geração, 2006. p.152). 34 LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização econômica, política e direito: análise das mazelas causadas no plano político-jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p.125. 25 E essa universalidade de referências culturais tem grande ligação com o marketing, com a publicidade e a propaganda, peças-chave para o desenvolvimento do consumo acelerado e da relação global de mercados. Nota-se, desde logo, a globalização como fábula e como perversidade35. A difusão de notícias, a comunicação e a diminuição de distâncias existem para alguns: para quem tem acesso a computadores, para quem pode viajar. A realidade tem mostrado, abordar-se-á ao longo do texto, o aprofundamento de diferenças locais e mundiais. Difundem-se problemas tais como: disseminação de novas e antigas doenças, diminuição da qualidade de vida da classe média e também da qualidade da educação. O meio ambiente, os sentimentos de preservação, desenvolvimento sustentável também transpassam fronteiras. Isso porque a industrialização e a capacidade de o ser humano se apropriar dos recursos naturais cresceram sobremaneira, e essa apropriação foi tão desenfreada, que as conseqüências negativas assolam toda a esfera terrestre: cite-se o efeito estufa, decorrente da destruição da camada de ozônio. Quanto ao nível social, pode-se dizer que está atrelado ao desemprego e à pobreza desencadeados pelos processos de reestruturação da economia, conforme se tratará a seguir, causadores da exclusão de milhares de indivíduos. No nível de ordem econômica, os processos implicam, por exemplo, a ampliação de mercados e a circulação de capitais, bem como a produção em escala global.36 O viés notadamente econômico não é privilégio recente, urge mencionar. Autores37 delineiam o marco inicial da globalização como as Grandes Navegações portuguesas e espanholas, porque instituíram o mercado mundial: novas terras descobertas, novos consumidores, um expressivo intercâmbio de produtos entre o Novo e o Velho Mundo. 35 Quanto às características de como é e como poderia ser a globalização que permeiam todo o parágrafo: SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 9.ed. Rio de Janeiro: Record, 2002. p.18-21. 36 VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 8.ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. p.72. 37 Nesse raciocínio, pode-se destacar: LIMA, op. cit., p.139.; DARCANCHY, Mara Vidigal. Teletrabalho para pessoas portadoras de necesidades especiais. São Paulo: LTr, 2006. p.2122.; RABOSSI, Eduardo. Notas sobre la Globalización, los Derechos Humanos y la Violência. In: GIUSTI, Miguel; RODAS, Francisco Cortés (Coord.). Justicia Global, Derechos Humanos y Responsabilidad. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad de Antioquia y Universidad Católica del Perú, 2007. p.234. 26 Passando pelos demais séculos, a interação global dos mercados desemboca no Século XX38, mitigando a autonomia dos Estados. Organizações internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial espalham regras aplicáveis no âmbito internacional. Todavia, os agentes propulsores de maior resultado do processo de globalização consistem nas empresas transnacionais, porque estão em todos os lugares do globo dominando não só a circulação de bens e serviços, mas também a tecnologia e a produção deles. Nesse cenário, o Estado do Bem-Estar-Social, garantidor e realizador das condições de sobrevivência e trabalho dignos, perde campo para as idéias neoliberais, de intervenção estatal mínima. O neoliberalismo, proveniente do capitalismo, ganhou espaço no final da década de 1970, na Inglaterra governada por Margareth Thatcher, seguida pelos Estados Unidos sob o comando de Ronald Reagan e também países do norte da Europa ocidental. Após, com a caída do Muro de Berlim, as idéias neoliberais difundem-se em larga escala, chegando aos países da América Latina, inclusive no Brasil, pelo Consenso de Washington. A nova ordem global, basicamente, defende os seguintes aspectos: privatizações, extermínio da inflação, regulação do meio social pelo mercado, tendo como principais atuantes corporações internacionais.39 As empresas ganham força e espaço no cenário mundial, suas influências e decisões enfraquecem a soberania dos Estados, o mercado financeiro ganha cada vez mais espaço. A especulação do capital pelas grandes corporações influencia as taxas de câmbio, de juros, de investimentos, espaços que eram exclusivamente dominados pelos governos nacionais. É o lucro mostrando suas garras. Decorrente da internacionalização das relações comerciais e de capitais, as empresas concorrem acirradamente, nem que para isso pratiquem o denominado dumping, a venda de produtos pelo preço de custo ou mesmo abaixo do custo. 38 Giovanni Alves afirma que a globalização como mundialização do capital, sendo este principalmente financeiro, é uma nova fase do capitalismo a partir das últimas décadas do século XX, vide: ALVES, Giovanni. Dimensões da globalização: o capital e suas contradições. Londrina: Práxis, 2001. p.44 e 50. 39 LIMA, op. cit., p.159. Ver também sobre o tema os autores: ALVES, Dimensões..., p.77-78; BENITEZ, Gisela Maria Bester. Quando, por que, em que sentido e em nome de que tipo de empresa o estado contemporâneo deixa de ser empresário? In: GEVAERD, Jair; TONIN, Marta Marília (Coord.). Direito empresarial e cidadania: questões contemporâneas. 3. tir. Curitiba: Juruá, 2006. p.138. 27 O primeiro pensamento que se tem é que isso pode ser benéfico ao consumidor final, porque os produtos são barateados. Uma reflexão um pouco mais cautelosa concluirá que o benefício é aparente e temporário, pois essa prática de preços acaba com a concorrência, especialmente com as empresas menores, facilitando o domínio do mercado por determinadas empresas. É a possibilidade real de obtenção de lucros. Ocorre, por conseguinte, o dumping laboral40, porque a baixa de preços de produtos significa igual baixa nos salários dos trabalhadores que participam do processo produtivo das mercadorias. Reduzido o custo da produção, possível a redução do preço final do produto: maior lucratividade. Os Estados nacionais acabam por seguir regras de âmbito internacional, merecendo referência no aspecto do dumping regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT). As relações de trabalho protegidas pelo Estado Social, nesse cenário, sofrem mudanças estruturais que vão refletir, especialmente, na atitude de empregadores em relação a seus empregados, porque as empresas tendem a procurar espaços mais favoráveis ao desenvolvimento de suas atividades, inclusive mediante a divisão internacional do processo produtivo. A técnica da informação41 permite a divisão nacional e internacional da produção, porque consubstanciada na cibernética; a informática, a eletrônica proporcionam comunicações em nível mundial. Comunicação dentro da cadeia produtiva e desta com o mercado consumidor. Com efeito, o consumo decorre de uma escolha já feita na produção e disseminada pela publicidade.42 A felicidade é alcançada quando se tem uma roupa de determinada marca, um celular de último modelo, um carro novo. O ser, a pessoa humana e o trabalho como humanização cederam lugar ao ter, à mercadoria e à alienação no trabalho, na franca dominação da economia sobre a vida social.43 40 VIEIRA, Maria Margareth Garcia. A globalização e as relações de trabalho: a lei de contrato a prazo no Brasil como instrumento de combate ao desemprego. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2005. p.40. 41 SANTOS, M., op. cit., p.25-26. 42 DEBORD, op. cit., p.15. 43 Ibidem, p.18. 28 1.2.2 A Reestruturação da Produção Além do aspecto anteriormente exemplificado quanto à restrição de preços e a conseqüência no mercado de trabalho quanto aos valores de salário, deve-se discorrer sobre outro importante acontecimento no mundo do trabalho, considerado como a internacionalização dos ciclos produtivos44, a globalização ligada ao mercado de trabalho. A produção interna, em países desenvolvidos, torna-se extremamente cara, não sendo mais possível para os empresários financiar os altos salários prometidos, ainda no sistema fordista45, sistema caracterizado pela linha de produção e de tal denominação porque Henry Ford colocou em prática na sua fábrica de automóveis as idéias de Taylor: empregados dispostos em sistema de esteira, cada um realizando uma parcela do processo, até o produto final. São espaços fabris concentrados, unificados e de estoques numerosos (a produção determina o consumo), cujos salários dos trabalhadores mostram-se recompensadores e garantem aspectos sociais. Além disso, os sindicatos das categorias têm atuação perante o poder do capital. O consumismo alarga-se, os operários são os destinatários dos bens que produzem. Assim, se a empresa reduzisse salários, reduziria o consumo. Se aumentasse preços, desencadearia inflação e mais aumento dos salários. Mais uma vez os avanços tecnológicos tanto na comunicação quanto na logística, atrelados à possibilidade de livre circulação de bens e serviços no mercado internacional, trouxeram a solução: espalhar as diversas etapas do processo de produção pelos mais variados locais do globo. As empresas que antes eram multinacionais passam a transnacionais, pois não há mais uma única matriz que controla outros locais considerados subsidiários. Os locais onde existem salários baixos, vantagens tributárias, economias mais seguras 44 MELHADO, Reginaldo. Mundialização, neoliberalismo e novos marcos conceituais da subordinação. In: COUTINHO, Aldacy Rachid; DALLEGRAVE NETO, José Affonso; GUNTHER, Luiz Eduardo (Coord.). Transformações do direito do trabalho: estudos em homenagem ao professor doutor João Régis Fassbender Teixeira. Curitiba: Juruá, 2000. p.79. 45 DUPAS, Gilberto. Economia global e exclusão social: pobreza, emprego, estado e o futuro. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p.186. 29 são procurados. Alteram-se as relações de trabalho, as maneiras de exploração da mão-de-obra: A possibilidade de ampla fragmentação da cadeia produtiva global de uma empresa transnacional, viabilizada a partir da revolução tecnológica na informática e nas telecomunicações – além da progressiva fragilização das fronteiras nacionais e da flexibilização dos transportes –, veio possibilitar uma profunda alteração nos padrões de produção, nos sistemas de gestão e na forma de utilização da mão-de-obra no mundo atual.46 Imbricada ao novo mundo do trabalho, identifica-se a produção com características de flexibilidade, de atendimento de demandas do consumo, ou seja, o toyotismo. Esse processo produtivo tem origem na fábrica de automóveis Toyota, no Japão pós Segunda Guerra Mundial, e toma importância no cenário mundial nos anos 80. Trata-se de: [...] uma nova lógica de produção de mercadorias, novos princípios de administração da produção capitalista, de gestão da força de trabalho, cujo valor universal é constituir uma nova hegemonia do capital na produção, por meio da captura da subjetividade operária pela lógica do capital. É um estágio superior de racionalização do trabalho, que não rompe, a rigor, com a lógica do taylorismo-fordismo, é por isso que alguns autores denominam 'neofordismo'.47 A ausência de total rompimento com o fordismo mencionada por Giovanni Alves pode ser identificada, dentre outros objetivos, porque o toytotismo não é contrário à produção em massa, desde que ela não seja feita em grandes lotes que fiquem estocados. Márcio Túlio Viana também sinaliza no sentido de que o toyotismo é uma extensão do fordismo, dizendo que as novas empresas não funcionam tãosomente numa relação de coordenação; dito autor afirma que existe um comando central ao qual toda a rede instaurada está submetida.48 Porém, há vários fatores que diferenciam os sistemas, sendo alguns explicados a seguir. 46 47 DUPAS, op. cit., p.83. ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2005. p.31. 48 VIANA, Trabalho escravo..., p.35. 30 Os mais sensíveis a priori são: a redução do quadro, a produção conforme a demanda e sob medida (just in time), bem como a possibilidade de a autonomação, ou seja, a possibilidade de parar o processo caso ocorra algo de anormal. A captação da subjetividade operária, também fator de sensível distinção entre fordismo e toyotismo, aparece na formação de mercados internos49 de trabalho nas empresas: claras perspectivas de promoções, carreiras conhecidas por todo o quadro de empregados, estimulando a idéia de qualificação do trabalhador. Carreira que engloba não somente cargos, mas também compensações pelo tempo (antigüidade) de trabalho na empresa como prêmios, adicionais. Mercados internos que acabaram por desaparecer sob a forma clássica de empregos vitalícios, sendo apenas mantidos os ressarcimentos financeiros. Isso por causa da concorrência do que se instaura em nível mundial. A empregabilidade passa a ser o paradigma do mercado. Outra forma de captação dessa subjetividade manifesta-se pela conotação de trabalho em equipe. Os operários atuam integrados, a rapidez dos resultados finais depende do todo e não somente de uma pessoa (como era no fordismo). Há a linearização da produção, sendo dispostos em círculo os instrumentos de trabalho, a fim de que o trabalhador polivalente possa atuar, inclusive no sentido de que todos fiscalizem todos. Implantam-se os círculos de controle de qualidade (CCQ) e os círculos de qualidade total (CQT). Perceba-se a forte competição que se instaura. A tecnologia num primeiro momento um fator de emancipação do trabalhador, de melhores condições de realização das atividades e capaz de lhe proporcionar o necessário descanso para recuperação física e mental, o ócio produtivo, acaba se transformando na vilã. Horas a mais no trabalho, aparelhos celulares, bips e computadores portáteis que vão aonde o empregado estiver. 49 ALVES, O novo..., p.51. 31 Não por acaso, para a Toyota, o respeito pela dignidade da pessoa humana significa: [...] eliminar da força de trabalho as pessoas ineptas e parasitas, que não deveriam estar ali; e despertar em todos a consciência de que podem aperfeiçoar o processo de trabalho por seu próprio esforço e desenvolver o sentimento de participação. Descobrir e eliminar seqüências desnecessárias de trabalho e movimentos supérfluos por parte dos trabalhadores é algo também relativo ao empenho da racionalização.50 Ainda nessa seara de deter a subjetividade operária, cite-se o incentivo a uma atitude pró-ativa do empregado. Não basta mais que ele se engaje na produção, na sua qualidade e velocidade. O operário deve trazer idéias novas, sugestões, projetos, aperfeiçoamento para a atividade empresarial em geral. Essa consiste numa outra diferença do comportamento entre operários fordistas e toyotistas, pois enquanto estes colaboram para o desenvolvimento da estrutura operacional e organizacional do empreendimento, aqueles relegam seus pensamentos à realidade de que estão domesticados pelo processo produtivo, muitas vezes o que os instiga a lutar contra as regras do jogo, contra o sistema. Talvez esta seja uma das explicações para que os movimentos sindicais durante o fordismo tenham sido mais fortes e expressivos na luta contra o poder do capital. O movimento sindical resta prejudicado e precário, o que antes poderia significar a emancipação dos trabalhadores perante o avanço do capital, passa a ser um coadjuvante deste. Por questões de visibilidade no mercado, várias condições de trabalho e regras que a empresa principal não pode colocar em prática acabam difundidas entre as empresas menores, atendendo aos ditames das acirradas concorrência e produtividade. Várias empresas trabalham no mesmo ambiente, porém cada uma delas com uma categoria econômica diferenciada, com uma representatividade própria, o que resulta na dificuldade de entendimento e comunicação entre trabalhadores e seus sindicatos. 50 DOHSE, Knoth; JURGENS, Ulrich; MALSCH Thomas apud IANNI, Octavio. A era do globalismo. 5.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p.131. 32 Há uma verdadeira Babel sindical, o que abre espaço para maior exploração dos trabalhadores terceirizados pelas tomadoras. O trabalhador se mostra repleto de fragilidade diante de seu empregador: É por isso que, na era neoliberal, o novo complexo de reestruturação produtiva, cujo 'momento predominante' é o toyotismo, pode ser considerado uma nova ofensiva do capital na produção. Ele é parte intrínseca de um processo sócio-histórico de desenvolvimento capitalista, cujo resultado é a desconstrução do mercado de trabalho urbano, por intermédio da precarização de empregos e salários e da debilitação do operário-massa e do sindicalismo classista, tal como se constituiu com a industrialização substitutiva.51 Os antigos empregados, também, constituem seus negócios próprios ou, ainda, trabalham em domicílio. Dentro do sistema produtivo, identificam-se dois tipos de trabalhadores: aqueles com alta formação, ocupantes de empregos mais estáveis, salários e retribuições à altura; os demais são da periferia do sistema, sem garantias e sem condições que exprimam vantagens. É na última categoria que estão os terceirizados e também os contratados a termo, os quais precisam estar abertos a mudanças e ser capazes de se adaptar a elas com facilidade, além, é claro, de enfrentar os baixos salários e jornadas extensas. Cabe a observação feita por Arnaldo Süssekind quanto aos terceirizados: "o exagero da terceirização tem ampliado os índices de freqüência e gravidade nos acidentes de trabalho [...]."52 Os gastos (diminuição do lucro) com segurança e saúde do trabalhador carecem de expressividade. Como mencionado, um dos temas preponderantes no discurso empresarial passa a ser a empregabilidade: elegem-se várias características para a contratação de um trabalhador considerado como o ideal. Outro aspecto envolve conseguir emprego rápido, não importando o estado do mercado. Além disso, pela idéia de empregabilidade, não se constitui responsabilidade da empresa a recusa na contratação ou mesmo pela rescisão contratual de alguém que faz parte do quadro. Tudo ocorre por causa do próprio profissional. O trabalhador 51 52 ALVES, O novo..., p.119. SÜSSEKIND, Arnaldo Lopes. Reflexos da globalização da economia nas relações de trabalho. In: SOARES, Celso (Coord.). Direito do trabalho: reflexões críticas. São Paulo: LTr, 2003. p.16. 33 deve buscar sua capacitação, qualificação e o alcance de características procuradas pelo mercado. Na era da empregabilidade, a causa do desemprego reside no sujeito desempregado e não no mercado.53 Não se pode mais supor apenas empregos com carteira assinada e de longa duração.54 Instaura-se um cenário de flexibilização e precarização das relações de trabalho, sem falar, ainda, numa pretensa desregulamentação de tais relações. Não se esqueça, nesse ponto, o poderio das empresas transnacionais, que, em nome de seus objetivos de produtividade e de lucro, enfraquecem a soberania estatal. A atomização e a atemorização do trabalho em face do capital55 acentuam o desemprego, justamente por causa da neutralização de atuação estatal. O Estado não é mais o meio pelo qual o indivíduo consegue realizar os direitos sociais, como os previstos na Constituição Brasileira de 1988, cuja finalidade era melhoria das condições de vida, igualdade no meio social. Diferente do que a mídia tem divulgado, o Brasil possui uma legislação trabalhista flexível, a qual, como relembra Maurício Godinho Delgado, teve início ainda no governo militar, com a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, pela Lei n.o 5.107/66, vigente em janeiro de 1967, quando se tornou a dispensa do trabalhador um direito potestativo do empregador56. Assim, o fim da estabilidade no emprego e a possibilidade de dispensa sem justa causa seguidos pelas modalidades de contratação a termo de empregados, o contrato de estágio, o banco de horas e a própria terceirização das atividades-meio das empresas são exemplos.57 53 54 55 56 57 WANDELLI, Leonardo Vieira. Despedida abusiva: o direito (do trabalho) em busca de uma nova racionalidade. São Paulo: Ltr, 2004. p.85-86. CARRIERI, Alexandre de Pádua; SARSUR, Amyra Moyzes. Percurso semântico do tema empregabilidade: a (re)construção de parte da história de uma empresa de telefonia. Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v.1, n.1, p.132, jan./abr. 1997. MELHADO, Mundialização..., p.79. DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. 2. tir. São Paulo: LTr, 2007. p.63-64. Quanto aos exemplos de interferências e modificações que a globalização tem ocasionado nas relações de trabalho, vide a seguinte obra: CORREIA, Rosani Portela. Novos paradigmas do contrato de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2008. A autora traça considerações sobre a remuneração, incursionando no salário-utilidade e na equiparação, relata reflexos na jornada de trabalho como o banco de horas e o trabalho a tempo parcial, além de outros temas. 34 Alie-se a isso a possibilidade de negociação coletiva tanto entre sindicatos quanto entre estes e as empresas, diretamente, o que também colabora com a flexibilização das relações de trabalho. Quanto à negociação coletiva, seu âmbito é de tamanha importância que até mesmo o Tribunal Superior do Trabalho, na Súmula 36458, II reconheceu a validade de cláusulas convencionais que reduzem o percentual do adicional de periculosidade. Os sindicatos, nesse panorama, se estão enfraquecidos para lutar contra o neoliberalismo, passam a lutar a favor dele59, são os coadjuvantes, como dito e como será objeto de exemplos no último capítulo da pesquisa. Há uma manobra perigosa nisso tudo: [...] a substituição da lei pela 'livre' negociação com sindicatos fragilizados, sem legislação de sustento, sem um projeto compromissório mais amplo, é mero artifício para a desregulação e precarização. O 'acordo' torna-se instrumento da falta de acordo, a mera subjugação de quem só pode dizer sim.60 Ao capital isso não basta, em nome do lucro cada vez mais pretende uma efetiva desregulamentação das relações de trabalho. A precarização dessas relações também tem sido percebida em novas modalidades de contratação, consubstanciadas em tentativas de escapar à configuração de relação de emprego, ou seja, aquela abrangida pelas regras da CLT, de acordo com os requisitos que definem empregado e empregador. Nessa seara, podem estar os prestadores de serviço autônomos, os representantes comerciais, os estagiários. 58 o N. 364 - ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. EXPOSIÇÃO EVENTUAL, PERMANENTE E os INTERMITENTE. (CONVERSÃO DAS ORIENTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS N. 5, 258 E 280 DA SDI-1) I - Faz jus ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido. II - A fixação do adicional de periculosidade, em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de exposição ao risco, deve ser respeitada, desde que pactuada em acordos ou convenções coletivos. 59 RAMOS FILHO, Wilson. Direito, economia, democracia e o seqüestro da subjetividade dos a juslaboralistas. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 9. Região, Curitiba, v.26, n.1, p.147, jan./jun. 2001. 60 WANDELLI, op. cit., p.52. 35 O fato é que o mundo todo vem sentindo os efeitos da globalização e dos sistemas de produção flexíveis: "[...] alastraram a subcontratação e a informalização da relação salarial à margem da negociação colectiva e da legislação laboral (quando existentes) com justificações semelhantes: flexibilidade, adaptação ao mercado e redução de custos."61 Como dito, baixos salários, poder sindical mitigado e desemprego são conseqüências presentes nos países em geral. São importantes, para que se tenha noção da situação atual do mercado de trabalho e do desemprego no Brasil, números62 apresentados em pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), válidos para junho de 2008, os quais levam em consideração as seguintes regiões metropolitanas: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto Alegre. A População Economicamente Ativa (PEA) é estimada em 23,6 milhões, para o total das regiões metropolitanas. A taxa de desocupação é de 7,8% desse total, ou seja, aproximadamente 1,84 milhões de pessoas, o que significa quase 70 mil pessoas a mais que o número de residentes na cidade de Curitiba em 2007. Dos desocupados, 57,8% eram mulheres e, em relação à faixa etária, 48,0% têm entre 25 a 49 anos. Ainda entre os desocupados, 18,8% estavam em busca do primeiro trabalho e 24,6% eram os principais responsáveis na família. Com relação ao tempo de procura: 23,4% estavam em busca de trabalho por um período não superior a 30 dias; 50,0%, por um período de 31 dias a 6 meses; 7,1%, por um período de 7 a 11 meses; e 19,5%, por um período de pelo menos um ano. Considerando a necessidade de sustento próprio e dos familiares e o fato de que a legislação nacional somente custeia o seguro desemprego por um período máximo de cinco meses, mais de trezentas e cinqüenta e oito mil pessoas ficaram pelo menos um ano à procura de recolocação no mercado de trabalho. Isso é grave. 61 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 9.ed. São Paulo: Cortez, 2003. p.308. 62 Os números apresentados foram disponibilizados em 24.07.2008, fazem parte dos Indicadores IBGE, Pesquisa Mensal de Emprego, junho 2008. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/ Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Mensal_de_Emprego/fasciculo_indicadores_ibge/>. O número de residentes em Curitiba em 2007 está disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/ default.php>. Ambos acessos em: 28 jul. 2008. 36 Finalmente, há uma outra consideração relevante sobre os efeitos da globalização no mercado de trabalho. Diante desse cenário de flexibilização e desemprego, as massas de trabalhadores tendem a se deslocar por todos os lugares mundiais: "[...] mudanças quantitativas e qualitativas que afetam não só os arranjos e dinâmicas das forças produtivas, mas também a dinâmica e composição da classe operária."63 Se a infinidade das formas de comunicação produz uma interação, uma miscelânea de culturas à distância, o mercado de trabalho global permite essa integração pela aproximação dos indivíduos. Quiçá essa proximidade fosse apenas positiva. Não o é. A invasão de determinados países que se apresentam como propícios a melhores salários ou oferecem maior número de empregos, gera uma competição entre os trabalhadores internos e os imigrantes. Choques de culturas, crenças, raças e interesses acentuam sentimentos de racismo e discriminação no meio social, do qual não escapam os próprios ambientes de trabalho. Nesse palco de diferenças, empregabilidade e desemprego, afloram as formas abusivas de exercício do poder de direção do empregador. 1.2.3 E a Moldura do Contrato de Trabalho? As relações de emprego têm sido afetadas em sua essência por conta dessas mudanças e desse estágio produtivo. Com efeito, há quem chegue a defender que os requisitos do contrato de emprego restariam obsoletos por conta dos auspícios das novas tecnologias, da reestruturação produtiva e das relações globais travadas. Há quem afirme que o trabalho subordinado não mais se sustenta como único paradigma do Direito do Trabalho, devendo este se debruçar sobre todas as formas de trabalho humano, especialmente aquelas compatíveis com a dignidade da pessoa humana.64 63 64 IANNI, op. cit., p.123. ANDRADE, Everaldo Gaspar Lopes. A desconstrução do paradigma trabalho subordinado como objeto do direito do trabalho. LTr, São Paulo, v.72, n.8, p.913-920, ago. 2008. p.913-920. 37 Necessária se apresenta uma releitura, uma nova interpretação de tais requisitos, a fim de se amoldarem às novas relações de trabalho, pois ganham espaço figuras contratuais como job-sharing65, consórcio de empregadores rurais, o teletrabalho66, o trabalho a tempo parcial, as terceirizações e quarteirizações, o trabalho intermitente.67 A onerosidade denota novos contornos especialmente quando se depara com a possibilidade de trabalho intermitente, no qual revezam-se períodos de trabalho com outros de inatividade, sendo o contrato de trabalho por tempo indeterminado68. Na inatividade, o empregado nada recebe. Outras avaliações ainda podem ser feitas com relação àqueles trabalhadores que recebem ma A não-eventualidade, ou seja, a prestação dos serviços de forma periódica, habitual, de forma à consecução das finalidades do empregador, acaba como que dividida no mencionado consórcio de empregadores rurais, por exemplo, pois o empregado presta serviços a cada um deles num certo lapso temporal. A pessoalidade do empregado, o intuitu personae característico dos contratos de trabalho por exemplo é mitigada pela possibilidade dos meios de comunicação e de trabalho à distância. No teletrabalho, por exemplo, acontece de o núcleo familiar do trabalhador ajudar nas tarefas ou mesmo quaisquer outras pessoas, dependendo do local em que estas tarefas se concretizem. 65 Dallegrave aborda o tema dizendo que é a divisão de um posto de trabalho a tempo integral por trabalhadores, os quais dividem não só as tarefas e responsabilidade, mas também o salário. Afirma que isso tem ocorrido nos EUA, Canadá e Inglaterra. Afirma o autor, por fim, que a CLT alcança, por analogia ao trabalho em tempo parcial essa realidade. (DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Inovações na legislação trabalhista: reforma trabalhista ponto a ponto. 2.ed. São Paulo: LTr, 2002. p.171). 66 Nesse ponto, registram-se as observações de Alice Monteiro de Barros quanto a trabalho em domicílio e teletrabalho. Diz a autora que embora haja afirmações no sentido de que segundo é uma nova roupagem assumida pelo primeiro, a rigor não se pode confundi-los. O teletrabalho decorre das grandes inovações tecnológicas, que permitem o trabalho à distância nos mais diversos lugares. As atividades realizadas pelo teletrabalhador configurariam-se como mais complexas (desenhos, investigação, secretariado, consultorias e assessorias, atividades com informações em geral, tradução e tantas outras) se comparadas com aquelas manuais (indústria têxtil, couro, metal, eletrônica, papel e outras) dos trabalhadores em domicílio. (BARROS, Curso de direito..., p.294 e segs.). 67 Sobre essas categorias, vide CUNHA, Carlos Roberto. Flexibilização de direitos trabalhistas à luz da constituição federal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. p.96-98; DALLEGRAVE NETO, Inovações..., p.161-163. 68 Ibidem, p.162 e nota de rodapé 293. 38 A tecnologia, por outro lado, pode significar maior controle do empregado pelo empregador, aumentando contatos e espaços em que as atividades laborativas se realizam. O tempo de descanso, de recuperação física e mental do trabalhador diminuem ainda mais, até mesmo porque esses meios de comunicação fazem com que o indivíduo não se desligue de suas responsabilidades perante o empregador. A subordinação, nesse contexto, torna-se mais intensa. Interessa ao empregador, inclusive, um perfil minucioso do candidato à vaga, já se estudando e encontrando a tutela judicial quanto à responsabilidade civil pré-contratual.69 Afigura-se imprescindível a análise da legislação vigente a fim de que os operadores do direito apliquem-na ao panorama relatado. Uma releitura dos diplomas trabalhistas deve concretizar-se, porque a interpretação da Consolidação das Leis do Trabalho deve ser moldada às novas realidades, especialmente pelo viés constitucional.70 Relembre-se que a Constituição traz o trabalho como um dos valores sociais que fundamenta o Estado brasileiro. Ademais, as previsões contidas ao longo do artigo 7.o, especialmente quando este trata da necessidade de proteção do trabalhador em face da automação, e a ordem econômica (artigo 170) fundada na valorização do trabalho humano, assim como norteada pelo princípio do pleno emprego, retratam a possível interpretação constitucional do Direito do Trabalho. Isso sem falar nos direitos de personalidade, previstos na Constituição e no Código Civil, assim como a boa-fé objetiva, o abuso do direito. Há uma realidade que desafia essa oxigenação das normas trabalhistas. 69 70 Considerações sobre o tema seguem no capítulo subseqüente da pesquisa. DALLEGRAVE NETO, Inovações..., p.176. Em sentido oposto estão menções de José Pastore, em texto que retrata a realidade de um brasileiro que está desemprego porque é considerado "qualificado demais" pelas empresas e que passou para tal condição de desemprego depois que a empresa onde trabalhava há anos terceirizou a contabilidade. Para referido autor, a forma de solucionar essas questões postas pelos novos paradigmas de produção seriam mudanças na CLT, que é obsoleta porque fruto de economia fechada e prevendo somente contratação por prazo indeterminado. (PASTORE, José. O seu emprego até o final do século. In: _____. O desemprego tem cura? São Paulo: Makron Books, 1998. p.266-270). 39 1.3 O PODER NA RELAÇÃO EMPREGADO – EMPREGADOR Após as considerações iniciais a respeito do trabalho como fator de dignidade para a pessoa humana e também do atual estágio de organização do mercado de trabalho, deve-se adentrar ao principal elo que envolve trabalhador e empregador: a dependência de um em relação a outro. 1.3.1 Poder Para se falar em poder, necessariamente se fala no homem. O homem vive em sociedade e é justamente nessas relações sociais que se estabelece o poder: dos pais em relação ao filho, econômico, da justiça, do empregador em relação ao empregado, do professor em relação ao aluno, de Deus e tantos outros que se pode identificar no dia-a-dia. Reginaldo Melhado afirma que "[...] poder designa a capacidade de produzir determinado resultado."71 Constata, ao autor, que o poder está presente em praticamente todas as dimensões sociais: "[...] no interior da família, na empresa, nas relações entre grupos ou classes sociais e o poder constitui a alma da mesma ficção jurídica a que chamamos Estado."72 De acordo com o pensamento de Max Weber, poder é "a possibilidade de que um homem, ou um grupo de homens realize sua vontade própria numa ação comunitária, até mesmo contra a resistência de outros que participam da ação". 73 Gabriel Chalita define como "[…] a capacidade de impor a própria vontade numa relação social."74 Existe a possibilidade de que alguém (uma ou mais pessoas) 71 MELHADO, Reginaldo. Poder e sujeição: os fundamentos da relação de poder entre capital e trabalho e o conceito de subordinação. São Paulo: LTr, 2003. p.23. 72 Idem. 73 WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Trad. Waltensir Dutra. 5.ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. p.211. 74 CHALITA, Gabriel. O poder: reflexões sobre Maquiavel e Etienne de La Boétie. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.21. 40 realize aquilo que o detentor do poder deseja, normalmente para atingir uma finalidade perseguida por este. Percebe-se, tanto numa quanto na outra definição, os dois pólos da relação que encerra o poder: de quem o exerce e de quem a ele se sujeita. Noutras palavras, poder é relacional (exercido por alguém em relação à outra pessoa), pressupõe alteridade e é inerente a qualquer relação jurídica.75 A interpretação da concepção de poder deve conter uma positividade, pois ele não tem, normalmente, o objetivo de excluir o indivíduo do seio social, mas de controlar, gerenciar76 suas atividades de modo a obter sua máxima dedicação e resultados satisfatórios. Não seria diferente, ou seja, não se estabeleceria o contrato de trabalho sem a presença do poder77, que é característica do empregador. Significa dizer que o empregado é que se sujeita à possibilidade de agir, de produzir efeitos desejados pelo seu empregador. A força constitui-se como instrumento78 para o exercício do poder. Não se imagine tão-somente como força física, coerção ou violência. Em verdade, há várias e diferentes formas de manifestação do poder que não se confundem com violência ou coerção. Para Gérard Lebrun, por exemplo: Se, numa democracia, um partido tem peso político, é porque tem força para mobilizar um certo número de eleitores. Se um sindicato tem peso político, é porque tem força para deflagrar uma greve. Assim, força não significa necessariamente a posse de meios violentos de coerção, mas de meios que me permitam influir no comportamento de outra pessoa. A força não é sempre (ou melhor; é rarissimamente) um revólver apontado para alguém; pode ser o charme de um ser amado, quando me extorque alguma decisão (uma relação amorosa é, antes de mais nada, uma relação de forças; cf. as Ligações Perigosas, de Laclos).79 75 76 COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder punitivo trabalhista. São Paulo: LTr, 1999. p.13. MÜLLER, Marilis de Castro. A patologização do poder nas relações de emprego. In: DALLEGRAVE NETO, José Affonso; GUNTHER, Luiz Eduardo; POMBO, Sérgio Luiz da Rocha (Coord.). Direito do trabalho: reflexões atuais. São Paulo: LTr, 2007. p.394. 77 A imbricação entre o poder e o contrato de trabalho, ou seja, a necessidade do poder diretivo do empregador na relação empregatícia é típica do regime capitalista, o que pode ser especialmente verificado na obra de MELHADO, Poder e sujeição..., 78 ARANHA; MARTINS, op.c it., p.180. 79 LEBRUN, Gerard. O que é poder. Trad. Renato Janine Ribeiro e Silvia Lara. 14.ed. São Paulo: 2004. (Coleção Primeiros Passos) p.11-12. 41 Ainda quanto ao mesmo tema, para Gabriel Chalita, a coerção pode se configurar como característica do poder80, atuando como psicológica, física, econômica. Na relação de emprego, porém, cabe uma observação quanto à força: A coerção foi substituída por outra forma, mas sutil, de obtenção do trabalho, numa relação de produção. A diferença se deu pelo fato de o trabalhador produzir resultado para o empregador, mediante uma contraprestação pecuniária. O empregado se submete em troca de sua paga e o mecanismo utilizado, para obter o máximo do trabalhador, em menor tempo, é junto da remuneração, todo um sistema de premiações e promoções.81 Denota-se que a produtividade do trabalhador e o lucro que ela traz ao empregador são decisivos no poder que este exerce sobre aquele. Conforme será descrito em item posterior, o poder do empregador e a sujeição do empregado não são criações exclusivas do legislador ou mesmo dos doutrinadores, mas decorrem da realidade econômico-social, porque a produção carece de direção do trabalho que a realiza.82 Importante advertir, contudo, que o poder estabelecido pelos donos do capital em relação a seus empregados não deve ser encarado apenas um tipo de fatalidade, dada a desigualdade que existe entre os sujeitos da relação empregatícia83, encerrando outros aspectos que serão abordados a seguir. Ricardo Marcelo Fonseca, a seu turno, identifica o poder do empregador com o poder disciplinar concebido pelo pensamento de Michel Foucault84, pois há um constante comando do empregador em relação ao empregado, que não se limita a concretizar a atividade do empregado, dispondo, inclusive, de meios de regulamentação, fiscalização e punição do empregado. Desde o controle de horários até o regulamento de critérios de promoção, de cargos e salários, bem como as advertências verbais ou escritas, suspensões e a justa causa constituem a vigilância hierárquica contínua do empregado pelo empregador. 80 81 82 CHALITA, op. cit., p.22. MÜLLER, op. cit., p.399. Neste sentido: MELGAR, Alfredo Montoya. El Poder de Dirección del Empresario em las Estructuras Empresariales Complejas. Disponível em: <http://www.mtas.es/publica/revista/ numeros/48/Est06.pdf>. Acesso em 13. abr. 2008. 83 MELHADO, Poder e sujeição..., p.13. 84 FONSECA, Ricardo Marcelo. Modernidade e contrato de trabalho: do sujeito de direito à sujeição jurídica. São Paulo: LTr, 2001. p.139 e segs. 42 Tais atuações do empregador encaixam-se perfeitamente na descrição que o mesmo autor faz do poder disciplinar segundo Foucault. A disciplina comporta, pois, três dimensões. A primeira consiste num mecanismo de vigilância hierárquica, pelo qual o modelo arquitetônico do edifício permite melhor observação dos indivíduos, fazendo-se referência ao panóptico. A segunda identifica-se na sanção, que oscila entre o positivo e o negativo, ou seja, as condutas são limitadas e até punidas quando transgridem normas (negativo), sendo, todavia, moldadas segundo padrões, aos quais são ofertados prêmios (positivo). A terceira trata-se do exame, pelo qual o indivíduo é descrito, analisado, caracterizado de acordo com um fenômeno coletivo, bem como uma célula única de atuação do poder, individualizado.85 1.3.2 O Poder Diretivo do Empregador: Fundamentos Constitucionais e Celetários Parte-se de uma análise, a respeito do contrato de trabalho, não somente de acordo com as previsões celetistas, mas também pela da Constituição Federal, ápice do ordenamento pátrio. A Constituição da República Federativa do Brasil encerra seus fundamentos no seu artigo primeiro86 e, dentre eles, interessam pelo menos três para o estudo que segue: a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Percebe-se, desde logo, que a dignidade da pessoa humana espraia-se para a empresa e para o contrato de trabalho. Não menos importante, posteriormente, 85 86 FONSECA, op. cit., p.107-112. o Art. 1. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; [...] 43 configura-se o ressurgimento temas no artigo 17087 da Constituição. Conjugando-se pelo menos esses dois artigos da CF/88, extrai-se que a dignidade da pessoa humana significa o ponto de partida e o ponto de chegada de todo o ordenamento jurídico. Por que empresa e contrato de trabalho88? Porque ambos decorrem destas premissas constitucionais. A livre iniciativa89 determina, por excelência, a atividade empresarial. E da atividade empresarial decorre o contrato de trabalho. Com efeito, as relações de trabalho, especialmente as empregatícias (artigo 3.o da CLT), importam para o estudo da atividade empresarial porque o empregador, para o direito pátrio (artigo 2.o da CLT), aparece como, essencialmente, a empresa90. A "liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria, e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato"91 possibilita a realização de uma atividade econômica, mormente uma atividade empresarial. O empreendimento, desta forma, necessitará de crédito (capital), de um local, de máquinas, de equipamentos, da matéria-prima, do trabalho. O empresário, por conta da liberdade conferida pelo ordenamento, organizará e estabelecerá sua atividade. 87 88 89 90 91 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim, assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] II - propriedade privada; [...] VIII - busca do pleno emprego; [...] Desde logo se entenda que o contrato de trabalho aqui referido é aquele em que estão presentes o o os requisitos dos artigos 2. e 3. da CLT, quais sejam: subordinação, onerosidade, pessoalidade e habitualidade. É a relação de emprego, portanto. Contudo, como o estudo não trata de diferenciações entre relação de trabalho e relação de emprego, utilizar-se-ão indistintamente as expressões, querendo sempre se referir à relação de emprego. José Afonso da Silva recorda que um dos pilares eleitos para a ordem econômica nacional é a iniciativa privada e que isso se afigura como a presença do regime capitalista, da economia de mercado. O outro pilar, prioridade, consubstancia-se na valorização do trabalho humano. Assim, o Estado orientará e intervirá na economia a fim de que esse valor tenha sentido. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28.ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.788). Nesse mesmo sentido adverte Rui Assis: "No entanto, a liberdade de empresa e os poderes que lhe são inerentes não podem ser afirmados sem mais, não podendo designadamente ser considerados sem que se sublinhe que os mesmos não poderão nunca assumir um caráter absoluto. Trata-se, seguramente, de reconhecer os limites fixados pelo mesmo direito que reconhece tais poderes." (ASSIS, Rui. O poder de direcção do empregador. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. p.17-18). o Até porque, a CLT menciona expressamente em seu artigo 2. que é o empregador quem assume o risco da atividade. SILVA, J. A. da, op. cit., 28.ed., p.793. 44 Referido trabalho pode ser realizado apenas pelo empreendedor, mas, na maioria das vezes, mesmo no caso da pequena empresa, necessitará de um trabalhador. A partir do momento em que a atividade empresarial prescinde de um empregado, a fim de realizar aquilo previsto em seu objeto social, estar-se-á diante da necessidade de um contrato de trabalho, do qual fazem parte o empregador, nos moldes do artigo 2.o da CLT92 e o empregado, nos moldes do artigo subseqüente93 de referido diploma legal. O poder de dirigir a prestação de serviços é conferido ao empregador por conta do contrato de trabalho, portanto. A origem contratual94 do poder de direção do empregador consta da CLT, quando esta define em seu artigo 442: "Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego." Caso o empregador não tivesse o poder de direção, provavelmente não conseguiria realizar a atividade econômica a que se propôs justamente por causa desta impossibilidade de organização da empresa como um todo.95 Ao empregador, ainda, cabe o risco da atividade econômica, ele responderá e suportará as conseqüências caso o empreendimento não tenha o satisfatório lucro. Significa que os empregados deverão receber seus salários e demais frutos oriundos do contrato de trabalho independentemente da situação econômica da empresa. Percebe-se, a partir dessa linha de raciocínio, que o poder diretivo do empregador tem duas origens: uma dita mediata e outra dita imediata. A mediata é a realização da atividade econômica, ou seja, a livre iniciativa. A imediata, por sua vez, é o contrato de trabalho.96 92 93 94 95 96 o Art. 2. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria a prestação pessoal de serviços. o Art. 3. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Considerações sobre a concepção contratual da relação de emprego e outras serão tratadas no item posterior. GONÇALVES, Simone Cruxên. Limites do "jus variandi" do empregador. São Paulo: LTr, 1997. p.15. BARACAT, Eduardo Milléo. Poder de direção do empregador: fundamentos, natureza jurídica e manifestações. In: _____ (Coord.). Controle do empregado pelo empregador: procedimentos lícitos e ilícitos. Curitiba: Juruá, 2008. p.32. 45 Com efeito, o poder de organização da atividade da empresa antecede o contrato de trabalho, mas o poder de dirigir a prestação de serviços, conferido ao empregador, somente será originado com a celebração de contrato(s) de trabalho.97 Como exceção a um dos fundamentos mencionados, relembre-se do empregado doméstico, pois justamente enquadra-se como tal "aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas", nos exatos ditames do artigo 1.o da Lei n. 5.859, de 11 de dezembro de 1972. Percebe-se, no caso do doméstico, a ausência da origem assinalada como mediata do contrato de trabalho, pois essencialmente a atividade desenvolvida não pode ter como finalidade o lucro, ou seja, a pessoa ou a família que se aproveita dos serviços não pode realizar atividade econômica no âmbito de atuação do empregado doméstico. 1.3.3 Origem do Poder Diretivo A doutrina98 não se revela uníssona quanto à origem do poder diretivo do empregador, são diversos os enfoques apresentados. A maioria dos juristas entende pelo viés contratual, mas também existem as teorias anticontratualistas. 97 Nesse sentido, ver BARACAT (Idem) e MEIRELES (Poderes do empregador: crítica ao pensamento dominante. Disponível em: <http://www.unifacs.br.revistajuridica/edicao_novembro2006/ docente/doc2.doc>. Acesso em: 17 jan. 2008); sendo importante mencionar que a doutrina não é uníssona quanto ao tema, o que será objeto de estudo no item a seguir. 98 Essas teorias podem ser vistas nos estudos mencionados anteriormente e também em MORAES FILHO, Evaristo de. Do contrato de trabalho como elemento da empresa. São Paulo: LTr, 1993. p.234-238.; MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo na empresa. São Paulo: Saraiva, 1982. p.50-63; DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Contrato individual de trabalho: uma visão estrutural. São Paulo: LTr, 1998. p.65-69; ENGEL, Ricardo José. O jus variandi no contrato individual de trabalho: estudo teórico-crítico em face de princípios gerais do direito aplicáveis ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p.98-100; SILVA, Leda Maria Messias da. Poder diretivo do empregador, emprego decente e direitos da personalidade. Revista Jurídica CESUMAR: Mestrado, Maringá, v.6, n.1, p.271, dez. 2006. Não se pode deixar de lado aqui o entendimento de Márcio Túlio Viana, que, após refletir sobre as teorias, conclui que cada uma delas explica o poder diretivo sob um aspecto: "A contratualista revela de onde vem o poder. É o contrato que instrumentaliza a alienação do trabalho. A da propriedade indica quem exerce o poder. É o empresário, na qualidade de detentor dos meios de produção. Por fim, a da instituição mostra uma das razões do poder. É uma necessidade de todo grupo organizado." (VIANA, Márcio Túlio. Direito de resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador. São Paulo: LTr, 1996. p.131). 46 A visão anticontratualista99 quanto à origem do poder diretivo deságua em pelo menos três teorias: a institucionalista, a da relação de trabalho e a da propriedade privada. A teoria institucionalista entende que o empreendimento decorre do agrupamento de indivíduos com finalidades comuns, o que equilibra as forças internas e resulta na coordenação de atividades. A disciplina resulta da organização interna e o ordenamento hierárquico se subordina ao ordenamento estatal.100 Amauri Mascaro Nascimento diz: "[...] surge uma instituição toda vez que uma idéia diretora se impõe objetivamente a um grupo de homens, e as atividades reciprocamente se autolimitam segundo regras sociais indispensáveis à consecução de um fim em cuja função a autoridade do todo se constitui e se exerce."101 Octavio Bueno Magano esclarece que os interesses perseguidos pela empresa não se confundem exclusivamente com os do empresário, como se tem entendido atualmente. Relata o autor que os interesses da empresa, nessa corrente de pensamento, assumem variadas identificações, por exemplo: com os membros da comunidade quando se trata de assegurar o bem comum, com o interesse público porque a empresa é vista como parte do conjunto produtivo estatal, com os trabalhadores, com os empregadores porque eles detêm a coordenação geral e respondem pela continuidade e pelo funcionamento da empresa, com a empresa em si, resultando na limitação dos papéis do empregador e dos empregados.102 Duas vertentes103 do institucionalismo apareceram: a comunitária e a autoritária. A comunitária reconhece que a instituição tem um objetivo comum e diferenciado dos objetivos individuais daqueles que a integram, concluindo-se pela ausência de desigualdade entre os empregados e o empregador, porque todos atuam de forma a concretizar, como dito, uma finalidade que lhes é compartilhada. A autoritária, por sua 99 A classificação disposta na pesquisa aparece, por exemplo, em DALLEGRAVE NETO, Contrato individual..., p 65 e segs.; DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 2.ed., 2. tir. São Paulo: LTr, 2003. Ressalte-se que Alice Monteiro de Barros classifica as teorias em três espécies: as contratualistas, retratando o viés tradicional e o moderno, as anticontratualistas, em que encaixa a teoria da relação de emprego, e a acontratualista, identificando-a com a institucionalização. 100 MAGANO, op. cit., p.54. 101 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 23.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.601. 102 MAGANO, op. cit., p.54-55. 103 ASSIS, op. cit., p.120-122. Ver também COUTINHO, Poder punitivo..., p.120. 47 vez, liga-se à necessidade de organização da instituição, existindo a necessidade de uma hierarquia, um posicionamento desigual entre os membros da instituição. Analisando a CLT, identifica-se a teoria institucionalista, por exemplo, nos artigos 2.o, 10 e 448, porque trazem a empresa como empregador, quando este, em verdade, será uma pessoa física ou jurídica.104 As críticas suplantaram a teoria institucionalista por vários fundamentos105. Não subsiste um objetivo propriamente comum entre empregados e empregadores. Ao contrário, o que sempre se mostrou na prática foram constantes conflitos e lutas entre tais sujeitos, o que inclusive determinou a evolução do Direito do Trabalho. No caso do Brasil, como dito em item anterior, a existência da própria Consolidação das Leis do Trabalho constitui reclame de referidos conflitos de interesses. Outra crítica reconhecida trata-se de que o poder diretivo fundado na instituição não abarca as relações empregatícias em que não se verifica a presença de uma atividade empresarial, ou mesmo de uma empresa que não possui uma organização vertical e hierárquica plena. No trabalho doméstico, por exemplo, não se teria como justificar a presença do poder diretivo. Arrematando, Evaristo de Moraes Filho assevera que a possibilidade de denominar a empresa de instituição ocorrerá se a referência concebê-la como um organismo que tende a perdurar indefinidamente, independentemente da duração das vidas de seus titulares. Diz o doutrinador que é utópico considerar a empresa como instituição nos moldes que se abordou anteriormente e cita exemplo: Quem goza da senhoria do mando é o empregador, a quem cabe, soberanamente, nos limites das leis e das demais fontes normativas do direito do trabalho, imprimir o cunho e dar a direção que quiser ao seu estabelecimento. Por exemplo, no caso de venda ou traspasse do negócio, não são consultados os empregados, nem se torna necessária a sua adesão, com ou sem consentimento expresso. Por isso mesmo é que se constituiu a legislação do trabalho, tutelar e protecionista de um dos lados do binômio, daquele que não tem voz ativa na disposição dos bens.106 104 Vislumbra-se a correlação da teoria institucionalista com a CLT em MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 24.ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.83. 105 Quanto às críticas, devem ser consultados MELHADO, Poder e sujeição..., p.65-71; e ASSIS, op. cit., p.123-124. 106 MORAES FILHO, op. cit., p.252-253. 48 A denominada teoria da relação de trabalho defende que esta surge com a prestação de serviços, não carecendo do elemento volitivo das partes, notadamente do empregado. Negada se percebe, portanto, a existência de um negócio jurídico entre empregador e trabalhador. Maurício Godinho Delgado, tratando da teoria em questão, define-a como uma situação jurídica objetiva, ou seja, o "[...] simples fato da prestação de serviços seria o elemento essencial e gerador de direitos e obrigações na ordem jurídica."107 A vertente de tal pensamento restou sobrepujada pela crítica, porque, por mais dirigido que seja o contrato de trabalho, denota-se um acordo de vontades entre empregado e empregador, como se verá a seguir. Ademais, tal teoria não se coaduna com o ordenamento pátrio na medida em que, por exemplo, o art. 4.o da CLT trata como serviço efetivo o tempo de aguardo de ordens pelo empregado, estando à disposição do empregador. Por certo que ainda no liame anticontratualista, ergue-se a teoria da propriedade privada, a qual afirma que o poder diretivo do empregador tem origem na propriedade: "[...] a propriedade como título é o fundamento da empresa."108 O empregador, porque detém os meios de produção e porque assume o risco da atividade econômica tem o poder de dirigir a prestação de serviços, assim, formalmente há um contrato entre empregado e empregador, mas sua principal causa é o direito de propriedade109. O direito de propriedade, direito sobre as coisas, no entanto, não explica um comando em relação a pessoas, observação importante quanto ao pensamento da vertente da propriedade privada. Aldacy Rachid Coutinho, por sua vez, argumenta que, o fato de o empregador ter o poder, por ser o dono, implica a impossibilidade de que o delegue a terceiros ou a empregados. Caso existisse participação igualitária na gestão da empresa e entre o trabalho e o capital, verificar-se-ia a desnecessidade não só do contrato de trabalho, mas também de sua tutela.110 De outra banda, há a teoria contratualista, devendo como tal ser visualizada em clássica e moderna. 107 108 109 110 DELGADO, Curso de direito..., p.315. COUTINHO, Poder punitivo..., p.117. ENGEL, op. cit., p.99. COUTINHO, Poder punitivo..., p.117. 49 A visão clássica ou tradicional costuma definir o contrato de trabalho por um viés civil. Aproximam-no da locação ou arrendamento, da compra e venda, da sociedade e do mandato. A idéia de locação ou arrendamento tem sua gênese no Direito Romano111, por meio dos institutos da locatio operarum e da locatio operis. Respectivamente, uma pessoa locava seu trabalho para outra, ou, ainda, uma pessoa comprometia-se a realizar um determinado trabalho ou obra para outra. Em termos de compra e venda, concebe-se o empregado como vendedor de seu trabalho para o empregador. O trabalho corresponde a uma mercadoria e o preço desta seria o salário. Ambas as teses não podem ser sustentadas porque confundem o trabalhador com a sua própria força de trabalho. Admitida a locatio operarum como válida, ratificar-se-ia o trabalho escravo.112 Quanto à compra e venda, ainda, restaria difícil sustentar a característica da continuidade inerente à relação empregatícia. Em tal concepção, outro caractere importante tratava-se da autonomia da vontade: as partes estipulariam livremente as cláusulas objeto da pactuação. Porém, o empregador não pode dispor da força de trabalho do empregado como dispõe de qualquer outro meio de produção, o trabalhador não é objeto. Não se confundem, como dito, a pessoa do trabalhador e sua força de trabalho.113 Urge mencionar a advertência de Alice Monteiro de Barros de proibição expressa, desde o Tratado de Versalhes, de a força de trabalho ser considerada como mercadoria.114 A correlação entre contrato de trabalho e contrato de sociedade sustenta que existe um objetivo comum entre empregado e empregador, ou seja, poder dividir o resultado da produção. Todavia, não prospera a afirmação porque subordinação não se confunde com a relação entre os sócios (affectio societatis)115, e também por causa do contido no art. 2.o da CLT, onde categoricamente está determinado o risco da atividade econômica como característica do empresário. 111 112 113 114 115 Vide nota de rodapé número 14. BARACAT, A boa-fé..., p.82. Ibidem, p.82-83. BARROS, Curso de direito..., p.216. Nesse sentido, ver, por exemplo: BARROS, Curso de direito..., p.217; DELGADO, Curso de direito..., p.310. 50 Ainda na visão tradicional, a teoria do contrato de trabalho como mandato. Tendo em vista a confiança que permeia a relação de emprego, o empregador seria o mandante e o empregado, o mandatário. A recusa da teoria é óbvia. O primeiro argumento está galgado no sentido de que somente nos cargos de confiança as relações de trabalho transferem ao empregado poderes de mando ou de gestão característicos de um mandatário. Por outro lado, o mandato aceita revogação a qualquer tempo e nos contratos de trabalho a rescisão tem impedimentos, citando-se como exemplo os trabalhadores estáveis.116 Finalmente, o mandato pode ser gratuito e o contrato de trabalho detém como um de seus requisitos a onerosidade. Finalmente, o pensamento contratualista moderno, pelo qual não se vincula o contrato de trabalho a um contrato civil específico como antes se tentou, em vista da autonomia do Direito do Trabalho. As partes declaram, ajustam suas vontades117 quanto às condições de trabalho e o contrato se desenvolverá de acordo com tais definições. O contrato, dessa forma – visto como um negócio jurídico – cria uma relação jurídica, existe antes da relação de emprego e não apenas corresponde a ela.118 A vontade livre resgata a dignidade do ser humano, uma vez que superado o trabalho escravo, forçado. O trabalhador se vincula ao empregador na relação jurídica de trabalho por meio da manifestação de sua liberdade, de sua vontade de trabalhar sem que isto lhe tenha sido imposto.119 O poder diretivo do empregador passa a ter sua sede no contrato de trabalho, ou seja, é tal contrato que determina a possibilidade de que a entidade patronal dirija a 116 Igualmente, verificar: BARROS, Curso de direito..., p.216; DELGADO, Curso de direito..., p.309-310. 117 A visão do contrato de trabalho como espécie de negócio jurídico, ou seja, em que se faz presente a vontade das partes contratantes se trata é majoritária na doutrina, citando-se como exemplos: DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 2007. p.57; DELGADO, Curso de direito..., p.12; GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. 17.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.122.; MAGANO, op. cit., p.50.; NASCIMENTO, Curso de direito..., p.561; LÓPEZ; ROSA, op. cit., p.651; VIALARD, Antonio Vazquez. Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social. 9.ed. Buenos Aires: Astrea, 2001. Tomo I. p.319. 118 DALLEGRAVE NETO, Contrato individual..., p.69. 119 COUTINHO, Função social..., p.33-34. 51 prestação de serviços do empregado. Duas posições correlatas: o trabalhador com seu dever de obediência e o empregador, estabelecendo o conteúdo do trabalho prestado.120 Refletindo sobre a natureza contratual da relação de emprego, Amauri Mascaro Nascimento diz que o vínculo entre empregado e empregador é uma relação jurídica porque há uma relação social que liga tais sujeitos, mostrando-se regulada por normas jurídicas. Afirma o autor ser a relação jurídica mencionada negocial, porque nela se identifica a vontade das partes, especialmente no momento da formação do vínculo jurídico. O elemento volitivo continuará subsistindo durante a execução da relação contratual, ainda que de maneira mais esparsa, pois as partes precisam respeitar as disposições legais e coletivas que versam sobre a relação empregatícia, o que, contudo, não impedirá a fixação de regras por livre estipulação.121 Importante destacar que a vontade das partes não é ilimitada, ante as peculiaridades que envolvem a relação contratual: o empregado presta serviços ao empregador de forma não eventual, subordinado e pessoalmente, além de receber uma contraprestação por isso (onerosidade). Percebe-se que a principal diferença entre a relação contratual empregatícia e as demais não está no objeto, mas na maneira como ele se realiza na prática.122 Com efeito, sequer se afirma que já um conteúdo específico, porque a atividade a ser realizada pelo empregado vai sendo preenchida ao longo do tempo dentro da relação, o que importa, contudo, trata-se da especialmente da subordinação, elo entre o empregado e o empregador durante a realização da atividade. 120 Magano afirma que o contrato de trabalho permite supor o conceito de subordinação e de poder diretivo. O doutrinador ainda completa as informações sobre a concepção contratualista dizendo que existem duas correntes: a unitarista e a dualista. A primeira estaria baseada no pensamento do italiano Renato Corrado, para quem o contrato de trabalho, além de ser a gênese das obrigações nele contidas, permitiria o surgimento de outras, nele implícitas, por causa do poder diretivo do empregador. A segunda corrente, dos dualistas, afirma que as obrigações especificadas no contrato não se confundem com aquelas decorrentes do poder diretivo, pois este se consubstanciaria num direito potestativo do empregador, ao qual o empregado se ligaria passivamente, ou seja, a ele se sujeitaria. Não haveria uma obrigação do empregado que a tal direito potestativo correspondesse, pois a obrigação de prestação de serviços corresponderia ao direito subjetivo do empregador de exigir tal prestação. Verificar: MAGANO, op. cit., p.50- 53. 121 NASCIMENTO, Curso de direito..., p.606/608. 122 DELGADO, Curso de direito..., p.313. 52 O contrato se perfaz dentro de um sistema tuitivo de normas e de ajustes coletivos, por conta da flagrante desigualdade de posições entre as partes envolvidas no vínculo contratual empregatício. Suplanta-se a autonomia da vontade, um dos ícones do Estado Liberal, individualista, preocupado muito mais com a propriedade, pela autonomia privada. Há na doutrina123 quem classifique o contrato de trabalho como de adesão, justamente por conta dessa posição quase complementar do ajuste das partes, ante a gama de disposições legais e convencionais mencionadas. A CLT, no artigo 444, justamente disciplina o tema.124 Os exemplos mais claros de negociação concernem ao valor do salário e também ao horário de trabalho. Identificam-se, ainda, casos em que as condições de trabalho têm maior negociação, por exemplo, altos executivos, ou mesmo trabalhadores altamente especializados. Ricardo Marcelo Fonseca afirma que o Direito do Trabalho brasileiro é marcado pelo modelo contratual125, considerando a existência da autonomia da vontade mitigada, no vínculo estabelecido entre empregado, por obrigações do próprio aparato legislativo em alguns aspectos. O autor faz uma digressão histórica a respeito do trabalho o Brasil, citando a escravidão, o estrangeiro livre, ou seja, os imigrantes do final do século XIX, os movimentos de reivindicação operária que foram surgindo por conta da posterior urbanização e o seu tratamento violento advindo do Estado. Relata a Revolução de 1930, Getúlio Vargas e, finalmente, a edição da Consolidação das Leis do Trabalho em 1943, o marco para o tratamento legal (e contratual) das relações de trabalho, bem como o instrumento pacificador dos conflitos socais, da violência e opressão dos patrões em relação aos empregados vistos até então. 123 Nesse sentido, ver BARROS, Curso de direito..., p.219. Ressalte-se o posicionamento em sentido contrário de Aldacy Rachid Coutinho, afirmando que no contrato de adesão a vontade de uma das partes é limitada pela manifestação da vontade da outra parte. Um dos contratantes, normalmente o mais forte economicamente, apresenta cláusulas prontas, uma pactuação elaborada previamente, a ser simplesmente aderida pela outra parte. Diz a autora que no contrato de trabalho, por sua vez, a limitação é imposta a ambos contratantes, especialmente ao empregador, pela intervenção estatal em nome do interesse público. (COUTINHO, Função social..., p.37-38). 124 Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, às convenções coletivas que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes. 125 FONSECA, op. cit., p.130-135. 53 A doutrina estrangeira que defende o viés contratual da relação de emprego, assim se manifesta: "[...] saiu reforçado o contrato de trabalho porque não há melhor instrumento que o contrato para proteger os interesses patrimoniais e para responsabilizar as partes de seus próprios compromissos."126 Convém relembrar as informações de Sérgio Pinto Martins, que adverte apresentar a CLT um misto de teorias. Diz o doutrinador que o disposto no artigo 442 revela passagens de institucionalismo – quando se refere à relação de emprego – e contratualismo – ao mencionar acordo tácito ou expresso – por conta da comissão de seu projeto, formada por adeptos de ambas teorias. Continua explicando outros artigos da CLT relacionados ao contratualismo, tais como os de números 444 e 468, em que aparecem locuções ligadas à manifestação da vontade das partes.127 Registra-se posicionamento doutrinário que não aceita o contrato de trabalho como negócio jurídico, por pelo menos dois motivos: a exigência de manifestação da vontade dos contraentes e a por causa da teoria das nulidades.128 Eduardo Milléo Baracat assevera o trabalhador não manifesta sua vontade quando da contratação, diz, ainda, que muito menos é livre tal vontade, pois não se vislumbra o empregado discutindo sequer o valor do que receberá como contraprestação, quanto mais negociando outras condições do vínculo – pelo menos não na maioria dos contratos de trabalho, excetuando os altos empregados.129 O autor explica a vontade do trabalhador como fenômeno social, diz que quando este aceita uma proposta de trabalho "[...] não o faz em seu nome, nem manifesta um atributo de sua alma; ele expõe, na verdade, a vontade do conjunto das relações sociais nas quais vive."130 126 127 128 129 130 LÓPEZ; ROSA, op. cit., p.653. Livre tradução de: "[...] salió reforzado el contrato de trabajo porque no hay mejor instrumento que el contrato para proteger los intereses patrimoniales y para responsabilizar a las partes de sus propios compromisos." MARTINS, S. P., op. cit., p.87. O art. 468 da CLT assim expressa: "Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia." BARACAT, A boa-fé..., p.86 e segs. Ver, também, as considerações do mesmo autor no texto Fontes das obrigações trabalhistas. In: DALLEGRAVE NETO, José Affonso; GUNTHER, Luiz Eduardo; POMBO, Sério Luiz da Rocha (Coord.). Direito do trabalho: reflexões atuais. Curitiba: Juruá, 2007. p.159-180. Idem. BARACAT, A boa-fé..., p.112. 54 Quanto às nulidades, o autor trata de alguns exemplos, sendo um deles a contratação de menor de 16 anos. Situação na qual não se reconheceria direito a CTPS anotada, a férias, a décimo terceiro, a FGTS e outras parcelas trabalhistas, bem como não se contaria o tempo de serviço para aposentadoria, porque o agente não apresentaria capacidade para o Direito do Trabalho, sendo nulo o negócio jurídico, nos termos do artigo 104, I do Código Civil, interpretado concomitantemente com o artigo 7.o, XXXIII da Constituição Federal.131 Após apresentar e analisar soluções conferidas pela doutrina e mesmo pela jurisprudência, que ora reconhece os efeitos ex tunc das nulidades, ora os efeitos ex nunc, Baracat faz sua crítica, defendendo que amoldar o contrato de trabalho como espécie de negócio jurídico é como um retrocesso para o Direito do Trabalho, justificando que a propalada autonomia de tal ramo em relação ao Direito Civil não se consolidaria. Isso porque, historicamente, a autonomia entre os dois ramos do Direito justifica-se pelo rompimento das regras calcadas no individualismo jurídico do Estado burguês para ascensão do bem comum, por meio de "[...] novas categorias e normas, fundamentadas nas idéias de empresa, empregador, instituições representativas, relações coletivas, etc."132 Em contrapartida, José Affonso Dallegrave Neto, fazendo uma digressão histórica sobre os negócios jurídicos, reafirma a aplicação de sua estrutura geral aos contratos de trabalho, ante o paradigma de solidarismo constitucional hodierno, bem como das cláusulas gerais como boa-fé e função social dos contratos e por que não mencionar o abuso de direito.133 131 BARACAT, A boa-fé..., p.123. Transcrevem-se, ainda, os artigos de lei citados na passagem: Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei. o Art. 7. Omissis [...] XXXIII - XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (redação conferida pela Emenda Cosntitucional 20/98) [...] 132 Ibidem, p.135-136. 133 DALLEGRAVE NETO, Responsabilidade civil..., p 53-58. 55 O autor explica o surgimento da idéia de negócio jurídico a partir da escola pandectista alemã, precursora de um profundo abstracionismo, propagadora da igualdade meramente formal das partes contratantes, resultando na excessiva valorização da autonomia da vontade de tais personagens – a jurisprudência dos interesses. Considerando necessárias a justiça comutativa e a igualdade também material, surgem intervenções do agora denominado Estado Social e a autonomia privada, como dito, supera a autonomia da vontade. Repensa-se o ordenamento pelo viés constitucional, um norte inspirado pela dignidade da pessoa humana, pelo solidarismo e pela ética, impregnado de considerações sobre o progresso social. A influência de tais axiomas no Código Civil de 2002 é visível para o autor, no qual continuam presentes a acepção do negócio jurídico e sua regulação, mas assentes nos valores constitucionais mencionados, demonstrando a passagem da jurisprudência dos interesses para a jurisprudência dos valores, ocorrendo o denominado dirigismo contratual. Dallegrave Neto define: [...] pode-se dizer que o contrato de trabalho é uma relação jurídica complexa, dinâmica e solidária, mas também é visto como espécie de negócio jurídico bilateral, não em sua acepção liberal – até porque o elemento volitivo é abruptamente mitigado por se tratar de um contrato dirigido e de adesão – mas em concepção solidarista, que reconhece o sujeito de direito não como um ser abstrato e virtual, mas concreto e economicamente desigual, merecendo tutela jurídica a partir dessa desigualdade.134 Quanto aos problemas das nulidades, o autor ressalva a existência de incompatibilidades entre os institutos dos negócios jurídicos e os do Direito do Trabalho, afirmando que elas ocorrem até mesmo em relação a outros contratos e institutos, citando como exemplo a eficácia do casamento em relação aos filhos e aos terceiros de boa-fé. 134 DALLEGRAVE NETO, Responsabilidade civil..., p.57. 56 1.3.4 Poder Diretivo e Subordinação Relacionando-se os artigos 2.o e 3.o da CLT135, uma das principais conclusões a que se chega é a existência de subordinação na relação empregatícia. Como dito no item anterior, a dependência do empregado em relação ao empregador constitui um dos traços diferenciadores do contrato de trabalho em relação aos demais contratos concebíveis. Orlando Gomes e Elson Gottschalk asseveram sobre subordinação: [...] é requisito não somente de prestação, como, ainda, o elemento caracterizador do contrato de trabalho, aquele que melhor permite distingui-lo dos contratos afins. Sua extraordinária importância decorre do fato de ser o elemento específico da relação de emprego [...].136 A legislação brasileira não define o que seria a "dependência" da qual se extrai a existência da subordinação. O legislador, portanto, não trata de definir se a subordinação é econômica, técnica ou jurídica. A concepção a respeito do significado de dependência para a legislação pátria coube à doutrina. Analisando-se o tema, contudo, tem-se que a subordinação não pode ser vista como meramente dependência econômica, técnica ou social.137 Quanto à dependência econômica, justificar-se-ia pelo fato de o salário significar o meio (exclusivo ou principal) de subsistência do trabalhador. Sem embargo, há casos em que o trabalhador possui uma condição econômica de mais expressividade 135Art. o 2. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. o § 1. Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. [...] o Art. 3. Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. 136 GOMES; GOTTSCHALK, op. cit., p.85. Na mesma linha de pensamento, podem ser citados como exemplos: VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3.ed. São Paulo: LTr, 2005. p.515; MARTINS, S. P., op. cit., p.128-129; CORDEIRO, Menezes. Manual de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 1999. p.127; SILVA, Otavio Pinto e. Subordinação, autonomia e parassubordinação nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2004. p.13-14. 137 Sérgio Pinto Martins disciplina não ser a subordinação um status do empregado, mas conseqüência da atividade que este presta ao empregador. Logo a seguir, cita as espécies de subordinação que entende existentes: econômica, técnica, moral, social, hierárquica, jurídica, objetiva, subjetiva, estrutural, direta ou imediata, indireta ou mediata, típica, atípica. (MARTINS, S. P., op. cit., p.129-131). 57 que o seu empregador. Outras ocorrências denotam que o trabalhador se dedica a outra atividade que lhe rende além do trabalho subordinado. Pense-se em alguém que, além de trabalhar por conta alheia numa empresa qualquer, faz artesanato e o comercializa em feiras e outras exposições. Orlando Gomes e Elson Gottschalk lembram também os trabalhadores que laboram para mais de um empregador, ou seja, quando há concorrência de contratos de trabalho. Questionam se a dependência econômica seria em relação àquele emprego que paga o salário maior e concluem negativamente, dizendo que o trabalhador se aproveita do que recebe em todos os empregos para poder sobreviver.138 No Brasil, a ocorrência de contratos de trabalho para mais de um empregador mostra-se possível, por exemplo, quanto aos contratos a tempo parcial e também para os trabalhadores que laboram sob o regime de jornada 12 x 36. No que toca à realização de outra atividade além daquelas caracterizadas como uma relação empregatícia para complemento da renda, não são raras as pessoas que vendem artesanato, cosméticos e outros diversos produtos por catálogos, doces e salgados caseiros, fazem peças de design e publicidade, traduções e tantas outras atividades realizadas sem a configuração do vínculo empregatício. No jargão popular, fala-se em "criatividade" para obter renda complementar e conferir mais dignidade à subsistência própria, assim como do seio familiar. Dessa maneira, embora seja permitido dizer que a maioria das relações de emprego possui uma dependência econômica, não se pode utilizar do vocábulo "todas". De outra banda, os proventos de ordem econômica também ocorrem sem a presença de um vínculo empregatício, notem-se as diversas atividades citadas. Adentrando-se o tema da dependência técnica, concebe-se como a orientação técnica139 do serviço passada pelo empregador ao empregado. Ao empregador caberiam os conhecimentos técnicos e científicos para a realização do trabalho. No mundo atual, ainda, não raras vezes a qualificação técnica de um trabalhador é muito maior que a de seu empregador. Nesse caso citem-se vários exemplos, como os pesquisadores da área de saúde contratados para trabalhar em laboratórios, 138 139 GOMES; GOTTSCHALK, op. cit., p.135. Ibidem, p.138. Os autores registram que sua confusão com uma dos aspectos da subordinação jurídica (tratada logo a seguir) é patente, porque se trata da hierarquia pela qual o empregador especificará o modo de execução do trabalho. 58 engenheiros da construção civil, um advogado que trabalha no jurídico interno de uma empresa, enfim, uma gama de profissionais que, pela própria exigência de qualificação imposta pelo mercado de trabalho, têm mais conhecimentos sobre uma determinada área do que o empregador. A dependência social funde os dois critérios, quais sejam o econômico e o jurídico. O contrato de trabalho normalmente conteria subordinação econômica e jurídica, sendo excepcionalmente presentes uma ou outra.140O critério não se perfaz suficiente, porque a dependência econômica existe mais como um suporte fático na relação de emprego, como dito, ainda que o empregado não dependa economicamente do empregador, subsiste a subordinação jurídica, adiante tratada. A subordinação mais aceita nos dias de hoje a justificar a sujeição do empregado ao empregador é aquela denominada como jurídica, pela qual o empregado cumprirá as ordens emanadas pelo empregador ou por seus prepostos. Alfredo Montoya Melgar ressalta que "O poder de direção do empresário, aspecto ativo da situação de dependência jurídica do trabalhador no contrato de trabalho, é fator definidor das relações laborais e, com elas, de todo o Direito do Trabalho."141 Tais ordens não são ilimitadas, pois ao empregador cabe a "capacidade [...] de dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador, visando à realização das finalidades da empresa"142, ou seja, trata-se de capacidade limitada, devendo ser exercida na medida de sua finalidade, estando esta certamente ligada à sustentabilidade da empresa. Em verdade, de um lado tem-se que ao empregador é lícito, é necessário este poder de comando a fim de que a empresa possa ser organizada e atinja sua finalidade econômica143. De outro lado, tem-se que o empregado está subordinado ao empregador e necessária se faz sua sujeição a tal poder diretivo. 140 141 GOMES; GOTTSCHALK, op. cit., p.139. MELGAR, El Poder..., p.135. Livre tradução de: "El poder de dirección del empresario, aspecto activo de la situación de dependencia jurídica del trabajador en el contrato de trabajo, es factor definidor de las relaciones laborales y, con ellas, de todo el Derecho del Trabajo." Quanto à subordinação jurídica, também devem ser consideradas as explanações de Délio Maranhão em MARANHÃO, Délio et al., Instituições de direito do trabalho. 20.ed. São Paulo: LTr, 2002. v.1. p.239-242. 142 BARROS, Curso de direito..., p.551. Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena relembra que, quanto à subordinação jurídica,deve ser exercida nos limites objetivos do contrato. (VILHENA, op. cit., p.517). A mesma orientação renova Délio Maranhão (MARANHÃO et al., p.241). 143 GONÇALVES, op. cit., p.100-101. 59 Ocorre que tal sujeição deve ser pautada por limites, como já dito. De fato, as mudanças econômicas refletem mudanças nas relações que contemplam esse poder. "Não se pode esquadrinhar a ciência jurídica divorciada do modo de produção e do modelo de Estado a ela subjacente."144 Como demonstrado, cada vez se concebe como mais difícil definir o significado de subordinação. Relembre-se aqui, desde logo, um dos princípios da Organização Internacional do Trabalho (OIT), constante da Declaração de Filadélfia: "o trabalho não é uma mercadoria". Não se pode confundir o trabalho com mercadoria. "O trabalho, como causa primária de todas as mercadorias, não pode ser idêntico ao seu produto. É uma atividade potencial, capaz de produzir por si própria. Materializa-se no objeto que produz ou transforma."145 Em relação aos aspectos tratados como de subordinação jurídica, tem-se concebido que são carregados de intersubjetividade, de pessoalidade.146 Por isso mesmo que a doutrina os tem considerado como subordinação jurídica subjetiva, personalista ou hierárquica.147 Ricardo Marcelo Fonseca, por sua vez, intenciona distinguir subordinação jurídica de subordinação pura e simples, pergunta-se o autor se a diferenciação existe.148 Explica o autor que o direito não criou o trabalho subordinado e, portanto, a subordinação jurídica, pois a subordinação já existia no mundo dos fatos e foi regulada pelo direito, que para ela traçou limites formais, adjetivando-a de jurídica. Convergindo com essa idéia, há a dicção de Alfredo Montoya Melgar, para quem nem a dependência do trabalhador nem o poder diretivo do empregador são criações da lei, ambos se configuravam como exigências da realidade socioeconômica; diz o autor que sem o trabalho dirigido, não é possível a produção. Assim, o direito, quando regula tais situações, está nada mais nada menos que conferindo uma natureza jurídica a fenômenos da realidade social e econômica.149 144 145 146 147 148 149 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Análise de conjuntura socieconômica e o impacto no direito do trabalho. In: _____ (Coord.). Direito do trabalho contemporâneo: flexibilização e efetividade. São Paulo: LTr, 2003. p.8. NASCIMENTO, Curso de direito..., p.590. VILHENA, op. cit., p.517. GUNTHER, Luiz Eduardo; ZORNIG, Cristina Maria Navarro. O vínculo empregatício e o requisito da subordinação. Bonijuris, Ano XVI, n.484, p.13, mar. 2004. FONSECA, op. cit., p.138. MELGAR, El Poder..., p.135. 60 Ainda quanto ao tema subordinação, uma outra corrente se erigiu: a da concepção objetiva. Os pensadores do assunto explicam a existência de subordinação pela prestação de serviços; segundo eles, importam a atividade desenvolvida e o modo como ela se realiza, não a sujeição pessoal do empregado em relação ao empregador. "Portanto, a subordinação não seria confundida com submissão a horário, controle direto do cumprimento de ordens etc, importando, sim, a possibilidade que assiste ao empregador, de intervir na atividade do empregado."150 Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena explica a construção conceitual do tema sob vários ângulos. No primeiro deles, aduz que a atividade e o trabalhador não se separam, todavia, à empresa importa a atividade. Assim, diz haver relação imediata da empresa com o trabalho e mediata com o indivíduo. A seguir, afirma que o fundamento da interferência do poder do empregador na conduta do empregado visa à atividade deste, hierarquicamente, portanto, o poder de direção deve ser exercitado para adequar o labor do empregado à atividade empresarial. Explica também o acoplamento, integração, inserção da atividade do trabalhador na do empreendimento, por isso mesmo, respeitando-se a função ocupada, diz que suas tarefas seriam exercitadas por meio de atos autônomos, cabendo orientação do empregador. Existiria uma dependência da atividade da empresa em relação à atividade do empregado, denotando-se a inserção de uma atividade noutra atividade e não de uma pessoa noutra pessoa.151 Maurício Godinho Delgado explica que o conceito dependência está ligado ao pessoal, ao subjetivo e que a subordinação que emana do contrato de trabalho é objetiva, "[...] atua sobre o modo de realização da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador."152 Para a corrente que considera a subordinação como de caráter objetivo, o poder diretivo do empregado encontrará limite de fácil identificação: deve atuar somente na atividade do empregado153, de modo a orientá-la, defini-la, desenvolvê-la. Desta forma, não se justificam intervenções do poder diretivo do empregador que venham a espraiar efeitos na pessoa dos empregados. 150 151 152 153 GUNTHER; ZORNIG, op. cit., p.15. VILHENA, op. cit., p.522-523. DELGADO, Curso de direito..., p.301. VILHENA, op. cit., p.524. 61 Aproveitando-se do eixo contratual visto no item anterior, de que há negócio jurídico entre empregado e empregador, pode-se defender a repersonalização de referidos sujeitos, especialmente do empregado, de modo a dizer que entre eles existe uma relação jurídica "[...] complexa, dinâmica e solidária, [...] vendo o empregado não apenas como sujeito abstrato de direito, mas também como cidadão que detém valor e uma pletora de direitos fundamentais."154 Neste caso, patrimônio e pessoa não se confundem, devendo sempre esta ser servida por aquele e não o contrário, de forma a erigir a dignidade da pessoa humana como norte, o que refletirá na proteção dos direitos de personalidade do trabalhador. Ainda que sejam várias as concepções sobre a subordinação, traço marcante na relação entre empregado e empregador, é sensível a preocupação com os direitos de personalidade dos empregados, os quais, não raras vezes, como se verá, são afrontados pela atuação abusiva do poder diretivo do empregador. 1.3.5 Natureza Jurídica do Poder de Direção Quanto à natureza jurídica do poder de direção do empregador, vários entendimentos se fazem presentes, sendo estudados a seguir. Aparece a definição de poder diretivo como direito potestativo do empregador, ou seja, ao exercício do direito do empregador nada pode ser oposto, produzirá efeitos pela mera declaração de vontade de seu titular, o sujeito passivo da relação estaria num completo estado de sujeição, ou seja, deve suportar a produção dos efeitos jurídicos inerentes ao direito potestativo.155 Porém, o poder de direção, ao longo dos anos, vem sofrendo limitações. Menezes Cordeiro adverte que a consolidação do poder diretivo como direito potestativo demonstra uma "excessiva simplificação"156. Isso porque, a direção da 154 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Notas sobre a subordinação jurídica e a função social da empresa à luz do solidarismo constitucional. In: GEVAERD, Jair; TONIN, Marta Marília (Coord.). Direito empresarial e cidadania: questões contemporâneas. 3. tir. Curitiba: Juruá, 2006. p.204-207. 155 A respeito dessa definição, verificar os ensinamentos de NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 33.ed. São Paulo: LTr, 2007. p.225; ASSIS, op. cit., p.60-61. 156 CORDEIRO, M., op. cit., p.662. 62 atividade do empregado pelo empregador encerra uma complexidade de relações, de poderes, de pretensões e de encargos.157 Utilizando-se dessa idéia, Rui Assis ainda considera que, embora haja a sujeição do empregado em relação ao empregador, assim como existe a sujeição do quem sofre os efeitos do exercício do direito potestativo, essas sujeições são diferentes. No caso do contrato de trabalho, a sujeição tem se afigurado como construção ampla da doutrina, e quem define o poder diretivo como direito potestativo tem a idéia de que o empregador atua de forma a constituir as obrigações do trabalhador, e não apenas especificá-las.158 Realmente, a idéia de direito potestativo não comporta toda a estrutura do poder diretivo do empregador e de sua relação com o empregado porque este se obriga a trabalhar nos moldes que forem exigidos e preenchidos pelo poder diretivo. Não é uma obrigação de trabalhar qualquer, genérica ou abstrata e até mesmo inexeqüível, mas de acordo com o especificado pelo empregador.159 Outros doutrinadores160 entendem que o poder diretivo é um direito-função, ou seja, um "direito com fins altruístas, que deve ser cumprido segundo a sua finalidade, da maneira mais útil possível pela pessoa habilitada."161 Há uma gradual interferência e participação dos trabalhadores na decisões da empresa, existindo, igualmente, uma função determinada pelas normas jurídicas, que o titular deverá realizar.162 157 158 159 160 161 162 Idem. ASSIS, op. cit., p.61. Cita o autor, ainda, que adepto dessa concepção é Alfredo Montoya Melgar. Importante mencionar que se tornam identificáveis três espécies de direitos potestativos: os constitutivos, criadores de uma relação jurídica (v. g. servidão de passagem); os modificativos, tendentes a modificar uma relação jurídica existente e que perdurará (v.g. separação judicial de pessoas e bens); os extintivos, que tendem a extinguir uma relação jurídica existente (neste caso, pode-se colocar como exemplo a rescisão do contrato de trabalho). Quanto a tais considerações, verificar PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria geral do direito civil. 3.ed. atual. 11. reimp. Coimbra: Coimbra Editora, 1996. p.175-176. VIANA, Direito de resistência..., p.134. A título de exemplo, devem ser conferidas as considerações de Alice Monteiro de Barros (op. cit., p.553-554), Octavio Bueno Magano (op. cit., p.30-31), Vilhena (op.cit., p.261-262). BARROS, Curso de direito..., p.553-554. NASCIMENTO, Iniciação..., p.225. 63 Embora haja um avanço, especialmente se considerados os paradigmas do dirigismo contratual hodierno, a existência da valorização da dignidade da pessoa humana e de cláusulas gerais como a boa-fé objetiva, a função social dos contratos, ainda assim essa concepção não consegue absorver o tema porque o interesse que existe no âmbito empresarial não é supra-individual ou superior, não está atrelado a terceiros, mas à própria organização de tal atividade empresarial.163 Há expressivo número de doutrinadores que entendem o poder diretivo como direito subjetivo.164 Quanto ao alcance do direito subjetivo, verificam-se algumas vertentes na doutrina, sendo importante entender o significado, a fim de se avaliar o encaixe do poder diretivo como tal (ou não). A primeira delas, consubstanciada na teoria da vontade, cujo principal precursor foi Windscheid, compreende o direito subjetivo como decorrente do elemento volitivo, como poder de agir de acordo com o assegurado pela norma jurídica, que traça os limites de ação para a vontade. A segunda teoria, calcada na teoria do interesse, de Ihering, diz que o direito subjetivo traduz-se num interesse tutelado pelo ordenamento jurídico, ou seja, somente toma corpo quando a vontade encontra uma finalidade prática para agir. Citam-se como exemplos o doente mental, o menor que, não tendo vontade, têm direitos, os quais serão realizados pela representação. A terceira teoria, por sua vez, é denominada mista, pois abarca tanto a vontade como a finalidade do exercício desta: a vontade manifesta-se de acordo com alguma finalidade, visando a sua realização.165 Luis Recasèns Siches explica ser a expressão "ter direito a" sinônima de direito subjetivo. Analisa o autor três espécies de direito subjetivo a partir de exemplos, como a seguir se aborda.166 Em relação às expressões "ter direito a professar crenças que entender como adequadas ou ter direito a conservar e desfrutar de coisa própria", o autor diz que o direito subjetivo é o reverso material dos deveres jurídicos de terceiros, sendo imposto 163 164 COUTINHO, Poder punitivo..., p.72. Nessa concepção, conferir: VIANA, Direito de resistência..., p.135; GOMES; GOTTSCHALK, op. cit., p.133. 165 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 20.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.34-35. 166 A despeito das categorias que serão tratadas, ver: SICHES, Luis Recasèns. Introducción al Estudio Del Derecho. 14.ed. Mexico: Porrúa, 2003. p.140-144. 64 pela norma, independentemente da vontade do titular do direito. O correto, na idéia do autor, seria afirmar ter a liberdade de professar a crença ou conservar e desfrutar. As demais pessoas devem se abster de qualquer atitude de interferência na faculdade do titular do direito subjetivo, há um direito contra todas as demais pessoas. Neste caso, a repreensão em situação de ataque ao direito subjetivo não dependerá exclusivamente da vontade do titular, ocorrendo sua proteção até mesmo de ofício pelos Poderes Públicos. A outra categoria de direitos subjetivos encerra aqueles que dependem da vontade do titular quanto à proteção e ao exercício: direitos subjetivos como pretensão. Aqui se enquadram as expressões "ter direito a ver devolvido um objeto emprestado, ter um direito de crédito". O direito subjetivo a ser exercido vislumbra destinatário(s) certo(s) e o titular tanto está autorizado a agir de determinada maneira, quanto pode exigir prestações, ações de outras pessoas, os sujeitos passivos das obrigações, usufruindo do aparato jurídico caso necessário. A última denomina direito subjetivo o poder de formação jurídica. Significa entender que o titular do direito pode criar, modificar ou extinguir certas relações jurídicas. Encaixam-se nesse entendimento: os capazes, porque podem celebrar contratos, o proprietário de um bem, pois pode doar ou mesmo destruí-lo, o credor porque pode ceder seu crédito a outrem. Os atos do titular do direito funcionam como produtores de normas jurídicas gerais e particulares. Geral seria o resultado das eleições, particulares as cláusulas de um contrato. Esclarecidos esses pontos, percebe-se a gênese da concepção da relação de emprego como direito subjetivo na segunda espécie, do direito subjetivo como pretensão. Existiria uma pretensão-obrigação, uma matriz obrigacional na relação de emprego. Para aqueles que defendem o contrato de trabalho como negócio jurídico, identidade da relação de emprego com o terceiro aspecto demonstrado também ocorreria, porque as partes, ao contratarem, formulariam as cláusulas de tal pactuação, normas jurídicas particulares. O direito de crédito do empregador em relação ao empregado, ou seja, de exigir deste a prestação de serviços (débito), explicaria a natureza de direito subjetivo do poder de direção. Mas não só. O empregado também possui o crédito junto ao empregador, pois, em troca da prestação de seu serviço, receberá um salário. 65 Percebe-se que, diferente de outras relações, nas quais o sujeito ativo consubstancia-se no credor e o sujeito passivo no devedor de forma estanque, no contrato de trabalho há uma complexidade de relações, pois as figuras de credor e devedor localizam-se tanto no empregador quanto no empregado, dependendo do ângulo que se toma a relação. Rui Assis, defensor da corrente do poder diretivo como direito subjetivo, explica que o contrato de trabalho tem peculiaridades, como a mencionada correlação de créditos e débitos para empregado e também para empregador. Diz o autor que a relação de trabalho implica, de forma relevante, a pessoa do trabalhador, o que dificulta em grande monta a equiparação, a equivalência dos vínculos obrigacionais entre as partes contratantes. A seguir, o autor também identifica o empregador como o principal na relação de crédito, isso por causa do seu poder em face da subordinação do empregado. Defende, por fim, que a relação empregatícia não se compreende tão-somente como mero negócio bilateral, mas como uma relação jurídica complexa.167 A principal das críticas feitas à concepção do poder diretivo como direito subjetivo pode ser verificada na correspondência entre direito subjetivo e a atuação da autonomia privada, aquele como manifestação desta. Como assevera Carlos Alberto da Mota Pinto, direito subjetivo é sinônimo de liberdade de atuação e poderes, assim entendidos os poderes-deveres ou poderes funcionais, que não englobam tal liberdade de atuação, porque "[...] não podem ser exercidos se o seu titular quiser e como queira, mas devem ser exercidos pelo modo exigido pela função do direito. Se não forem exercidos quando deviam sê-lo, ou forem exercidos de outro modo, o seu titular infringe um dever jurídico e é passível de sanções."168 [destaques no original] Partindo também desta premissa de que a relação de emprego é complexa, levanta-se corrente de que a natureza jurídica do poder de direção do empregador é de situação jurídica subjetiva.169 167 168 169 ASSIS, op. cit., p.64-68. PINTO, op. cit., p.169-170. BARACAT, Poder de direção..., p.34. Assinale-se que Mauri Mascaro Nascimento, ao retratar os diversos fundamentos do poder diretivo do empregador (teorias contratualistas e acontratualistas), refere-se a situação jurídica laboral, com base nos estudos de Menezes Cordeiro e Maria do Rosário Palma Ramalho. Explica Amauri Mascaro que a relação de emprego tem uma estrutura complexa, porque envolve créditos e débitos, embora o objetivo seja a prestação de serviços pelo trabalhador, não há como separar verdadeiramente sua pessoa do vínculo denotando forte intervenção dos direitos de personalidade do empregado, os direitos subjetivos e potestativos que 66 Fundamentando situação jurídica subjetiva, revela-se que no ordenamento hodierno, vigente, não há direito subjetivo ilimitado, que dependa do exclusivo interesse de seu detentor. Observe-se o que foi dito no item anterior em relação à passagem do paradigma da autonomia privada para a autonomia da vontade e, posteriormente, pelo que se pode identificar como dirigismo contratual. Em termos de superação do conceito de direito subjetivo tal como mencionado, Pietro Perlingieri assim preleciona: No ordenamento moderno, o interesse é tutelado se, e enquanto for conforme não apenas ao interesse do titular, mas também àquele da coletividade. Na maior parte das hipóteses, o interesse faz nascer uma situação subjetiva complexa, composta tanto de deveres, obrigações, ônus. É nesta perspectiva que se coloca a crise do direito subjetivo. Este nasceu para exprimir um interesse individual e egoísta, enquanto que a noção de situação subjetiva complexa configura a função de solidariedade presente ao nível constitucional.170 Na mesma linha cite-se Miguel Reale, que defende os direitos subjetivos como categoria decorrente da situação subjetiva. Explica com propriedade o autor que os direitos subjetivos não alcançam todas as situações subjetivas que o Direito detém, e, seguindo o raciocínio, conclui que categorias como interesse, faculdade, ônus e especialmente o poder, não devem ser confundidas com os direitos subjetivos. Quanto ao poder, o autor exemplifica com o pátrio poder, dizendo que não se trata de direito subjetivo porque exercido de acordo com contornos tecidos no Código Civil, trata-se de um poder-dever, enquanto o direito subjetivo é eminentemente uma pretensão (especialmente quando se considera o contrato de trabalho, para os doutrinadores que assim defendem, como visto). Finalmente, e no caso identifica-se o poder diretivo do empregador, o autor arremata que situações subjetivas ocorrem quando "[...] a pessoa satisfaz determinadas exigências legais, resultando-lhe, o cumprimento do encargo, uma vantagem ou garantia."171 Assim, a relação de emprego também concentra diversas dessas categorias jurídicas que decorrem das situações subjetivas, dentre elas: direitos subjetivos (v. g. direito de o empregado exigir seu salário e o direito do empregador de se beneficiar envolvem as partes, o vínculo empregatício constitui-se a partir de forte tutela do ordenamento jurídico, a grande ingerência das convenções coletivas de trabalho, enfim, há multiplicidade de situações. O autor diz, por fim, que se trata de tese nova e que merece considerações. Verificar em: NASCIMENTO, Curso de direito..., p.609-611. 170 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.123. 171 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27.ed. 4. tir. São Paulo: Saraiva, 2004. p.263. 67 da prestação de serviços), ônus (obrigação de o empregador homologar a rescisão de contrato de trabalho com mais de um ano junto ao sindicato profissional ou ao Ministério do Trabalho), poderes (poder diretivo do empregador).172 Eduardo Milléo Baracat, identificando o poder diretivo como situação jurídica subjetiva, diz que ele não gera uma pretensão, no sentido declinado quanto ao direito subjetivo, mas a sujeição do empregado. Esclarece o autor, ainda, que o poder de direção do empregador não pode ser renunciado, porque se o fizer, perderá sua titularidade.173 Importa a concepção do poder diretivo como situação jurídica subjetiva especialmente diante do que será abordado quanto ao exercício abusivo desse poder em face dos direitos de personalidade do empregado, porque tais direitos, como se verá, constituem balizadores importantes na atuação desmedida do empregador. Por fim, necessário se apresenta relembrar Maurício Godinho Delgado, que, criticando as teorias expostas quanto ao direito potestativo e direito subjetivo, define o poder intra-empresarial como uma relação jurídica complexa, pois não se separam os diferentes momentos pelos quais a relação de emprego passou na história, justamente porque as diferentes características de cada momento não são estanques e isoladas, vão sendo sucessivamente modificadas. Diz o autor que o poder é relacional e se adapta, ou seja, detém uma plasticidade de configuração que varia também com a assimetria de seus pólos componentes (empregado e empregador).174 O doutrinador explica que empregado e empregador, simultaneamente detêm pretensões e obrigações na relação empregatícia, por isso mesmo conclui que o poder não é do empregador, mas da realidade socioeconômica em que se perfaz a relação de emprego. Assim, chama o poder de empregatício, porque relacional, como dito, e inerente, caracterizador da relação de emprego.175 172 173 174 175 BARACAT, Poder de direção..., p.34-35. Ibidem, p.36. DELGADO, Mauricio Godinho. O poder empregatício. São Paulo: LTr, 1996. p.191-192. Ibidem, p.193. 68 1.3.6 Aspectos do Poder Diretivo A doutrina não tem uma divisão unificada em relação às formas de manifestação desse poder do empregador. Octavio Bueno Magano, por exemplo, afirma que a divisão originaria o poder organizacional, o poder diretivo stricto sensu e o poder disciplinar.176 Noutra concepção, cite-se Edilton Meireles, para quem, dada a natureza contratual do poder diretivo, não se pode conceber um poder regulamentar e um poder disciplinar do empregador que não esteja previsto no contrato.177 Para ainda uma outra corrente178, esse poder se encontra dividido em diretivo, disciplinar e regulamentar, a qual se tratará na seqüência. A exteriorização do poder de direção então ocorrerá quando o empregador ditar as ordens ao empregado, em relação a quando e como realizar suas atividades, o local em que elas serão realizadas. É por esse poder que o empregador organiza a atividade do empregado, da forma que melhor corresponda para a realização dos fins a que a empresa se destina. Nessa seara, tem-se que ao empregador cabe "concretizar, especificar, conformar, determinar e precisar o conteúdo da prestação, através de um processo complexo de decisões, ficando o trabalhador sujeito às correspondentes ordens e instruções."179 Com efeito, o conteúdo da prestação de serviços do empregado vai sendo preenchido com o tempo. Isso porque (i) a continuidade da relação empregatícia (princípio do contrato de trabalho que revela ser ele de trato sucessivo, que perdura no tempo, ou seja, não se esgota com a realização de certo ato) (ii) os acontecimentos sociais, econômicos que vão ocorrendo ao longo desse tempo e (iii) as aptidões do empregado, vão determinando essa organização. 176 177 178 MAGANO, op. cit. MEIRELES, Poderes do empregador... Como assinala GONÇALVES, op.cit., p.24, fazem parte de tal divisão Tarso Genro, Emílio Gonçalves Camerlynck, G. H. & Lyon-Caen. Assinala-se, ainda nesse entendimento, BARACAT, Poder de direção..., p.52 e ss. 179 ASSIS, op. cit., p.33. 69 Ainda, desse poder de direção ligado à organização da atividade, decorre o jus variandi. Este, a seu turno, confere ao empregador a possibilidade de modificação, alteração nas condições de trabalho. Aqui se reafirma que essas alterações decorrem da dinâmica do mundo, especialmente o econômico, que dita o funcionamento de uma empresa, impossibilitando sua estagnação.180 E essas alterações estão reguladas pelo artigo 468181 da CLT, sendo que não podem resultar prejuízo direto ou indireto ao trabalhador. O poder regulamentar, por sua vez, concretiza-se pela criação de um regulamento, pelo empregador, no qual são estabelecidas regras a serem seguidas no âmbito da empresa. Pode ocorrer por regulamento interno, circulares, avisos, etc. Nessa senda, deve-se dizer que o próprio Tribunal Superior do Trabalho, na Súmula 51182, prevê esse desdobramento do poder diretivo em poder regulamentar. Em síntese, a súmula prevê a aplicação do artigo 468 da CLT também às normas oriundas da regulamentação exarada pelo empregador. Finalmente, há o poder disciplinar, pelo qual o empregador penaliza o empregado que descumpre uma ordem, não importando se esta ordem é geral ou especificamente a ele destinada.183 Como fundamentos jurídicos do poder disciplinar, podem ser citados os artigos 474 e 482 da CLT184 que prevêem, respectivamente, a possibilidade de o empregado ser suspenso de suas atividades por até trinta dias e 180 181 ENGEL, op. cit., p.102. Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. 182 N.o 51 - NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. o ART. 468 DA CLT. (INCORPORADA A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL N. 163 DA SDI-1) I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro. 183 GONÇALVES, op.cit., p.26. 184 Art. 474. A suspensão do empregado por mais de 30 dias consecutivos importa na rescisão injusta do contrato de trabalho. Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; 70 as hipóteses de dispensa do empregador por justa causa. Ainda aqui, convém relembrar o parágrafo único do artigo 158 da CLT que trata de outras hipóteses consideradas como faltas graves do empregado: a recusa injustificada da utilização dos equipamentos de proteção individual fornecidos pelo empregados e a recusa injustificada de observação das instruções destinadas a evitar acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. Conforme ainda assinala Eduardo Milleo Baracat, além da suspensão e da dispensa por justa causa, o trabalhador está sujeito a advertências verbais ou por escrito, sendo decorrentes dos costumes.185 Esse poder disciplinar é necessário à própria organização da atividade empresarial, de forma que os empregados não possam descumprir as ordens que lhes foram dadas, prejudicando a referida atividade. Contudo, necessário estabelecer que esse poder disciplinar tem limites previstos no ordenamento jurídico, como a boa-fé objetiva, o abuso de direito, os direitos de personalidade do empregado. 185 BARACAT, Poder de direção..., p.56-57. 71 2 2.1 ABUSO DO DIREITO E CONTRATO DE TRABALHO ABUSO DO DIREITO: SUPOSTOS Diante dos caminhos percorridos pelo discurso jurídico, tem-se que ele é manifestamente determinado pelos acontecimentos históricos nos quais está inserido, bem como pelo meio social do qual faz parte. Não há como separar o direito dos acontecimentos históricos e sociais de cada povo, porque sua função sempre foi ligada a dar conta das contingências, ou seja, responder aos questionamentos postos pelo instigante, mutável e inflamável cotidiano dos homens. Como não poderia deixar de ser, o abuso do direito é idéia que decorre da quebra do paradigma egoísta do individualismo jurídico que trespassou os códigos oriundos do Estado Liberal. Cenário da grande ditadura da autonomia da vontade, porque os indivíduos contratantes eram vistos em patamares de igualdade, fazendo o contrato lei entre tais personagens, por isso mesmo denominado de pacta sunt servanda. O Estado assegurava, no plano das codificações a amplitude da manifestação da autonomia dos indivíduos, ou seja, não se consubstanciava, no ordenamento jurídico, aspectos relacionados à ordem econômica. As Constituições tinham finalidade a limitação do Estado e do poder político. Frutificaram as concepções de direito subjetivo, como visto no capítulo anterior, arraigando nas pessoas um aspecto técnico e outro ideológico. No técnico, aos homens permitia-se a participação das mais variadas relações jurídicas, no viés ideológico, reafirmava-se a liberdade individual na sociedade, fortificando a noção de vantagens econômicas.186 186 PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. O abuso do direito e as relações contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.17. 72 Mencionem-se os diplomas legislativos aflorados após a Revolução Francesa187, cuja classe social prevalente era a burguesia. Em 1804, promulga-se o Código Civil Napoleônico e os demais a ele são subseqüentes, salientando-se que anteriormente a ele, a Constituição francesa de 1791 declinava a necessidade da criação de um código de leis civis, de aplicação nacional: era preciso proteger a liberdade e o patrimônio burgueses, pois ser proprietário significava a plenitude pessoal. Liberdade significava poder usar, fruir e dispor das coisas que lhe pertenciam, sem restrições, exceto quanto aos bons costumes e a ordem pública.188 Todavia, os direitos não são absolutos nem mesmo ilimitados. Por essência, a concepção de direito liga-se à de relatividade, sob pena de se negar a própria idéia de direito, ou seja, de norma de conduta como limitação da atividade humana.189 Observe-se que a acepção de liberdade restou modificada, em comparação com a Antigüidade Clássica, época na qual ser livre significava participação política. Quem tinha tal participação era livre e cidadão, quem não a tinha, era escravo, mesmo que tivesse algum patrimônio decorrente de atividades econômicas que lhes eram permitidas. Essa idéia de liberdade e valorização da ação política, inclusive, foi o fator de desvalorização do trabalho para os antigos, como dito no início da pesquisa. Para os antigos, a liberdade tem uma conotação positiva, de participação ativa na vida política das cidades, já para os burgueses, a conotação é negativa, de não interferência de outrem, notadamente o Estado, na atuação do particular, em suas relações.190 187 A igualdade defendida pela Revolução Francesa teve forte influência no processo de codificação, eis que se tentava tratar com regras comuns todas as classes sociais. Ocorre que nesse cenário são importantes as reflexões de Paolo Grossi: "No projeto jurídico burguês, abstração e igualdade jurídica (ou seja, a possibilidade de igualdade de fato) são noções 'constitucionais' que fundamentam o mesmo projeto. E a muralha chinesa que separa o mundo do direito (e da relevância jurídica) do mundo dos fatos é compactíssima, impenetrável. Tão compacta e impenetrável como talvez nunca se tenha realizado na história jurídica ocidental. Sinal de que o projeto se misturava também com estratégia, com a exigência de um controle rigoroso no ingresso dos fatos na cidadela do direito." (GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. Trad. Arno Dal Ri Junior. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. p.127). 188 MARTINS, Pedro Baptista. O abuso do direito e o ato ilícito. 3.ed. atual. por José da Silva Pacheco. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.2. 189 WARAT, op. cit., p.286. 190 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. p.3. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em: 15. set. 2008. 73 Assim, as codificações refletiram os dogmas da autonomia da vontade e da propriedade privada, nos quais estava arraigado o Estado Liberal e as contratações eram as formas mais vorazes de circulação das riquezas. As constituições, por sua vez, não interferiam nas relações particulares, deflagrando o denominado Estado mínimo. Sujeitos formalmente iguais jogavam com suas liberdades, o que demonstrou, historicamente, uma larga e absoluta exploração dos mais fracos pelos mais fortes.191 Modelo Liberal que, no cenário europeu entre os séculos XIX e XX, já não mais respondia aos questionamentos apresentados pela realidade. Vislumbrou-se, pois, a exigência de um Estado mais atuante, suprida, pois, com um modelo estatal completo, numa Constituição de interferência na ordem econômica e social.192 Conhecem-se os auspícios do Estado Social, tomando-se a igualdade nos planos formal e material, ou seja, não basta tratamento igual perante a lei, mas também a realização de justiça social. Por isso mesmo, as constituições, além de limitar o poder político, passam a tratar de aspectos econômicos (tutela da livre iniciativa) e de direitos sociais.193 A autonomia absoluta da vontade passou a dar lugar para a autonomia privada, ou seja, a vontade das partes esbarra e deve se adequar aos traços da lei.194 Rosalice Fidalgo Pinheiro menciona que parte expressiva da doutrina não distingue as expressões autonomia da vontade e autonomia privada. Porém, reconhece que as situações são passíveis de distinção. A autonomia da vontade cabe como construção francesa de voluntarismo; a autonomia privada, por sua vez, cabe aos alemães, com uma visão mais objetiva do direito.195 Na autonomia da vontade, o individualismo se perfaz dominante, sendo o indivíduo mais importante que a coletividade. O Estado, portanto, deve realizar os interesses individuais. Explica a autora que tal concepção encontra como fundamento, por um lado, a teoria kantiana pela qual a moralidade do homem está na sua razão, assim, este obriga-se por sua racionalidade, por sua vontade e nada mais. Por outro lado, vê-se o liberalismo econômico, o contrato como fonte principal de circulação de 191 192 193 194 195 LÔBO, Constitucionalização... Ibidem, p.4. Idem. DALLEGRAVE NETO, Responsabilidade civil..., p.54. Ver: PINHEIRO, op. cit., p.390-391. 74 riquezas, sendo que os obstáculos à liberdade de contração deveriam ser extintos. Há uma terceira consideração a ser feita: a propriedade. Sim, para se poder dispor de algo no mercado de circulação de riquezas.196 A autonomia privada, a seu turno, deixa de lado o dogma da autonomia da vontade para regular os interesses dos particulares. Encontra-se aqui o fundamento das acepções de negócio jurídico, sendo sua origem na jurisprudência alemã, que valoriza a interpretação de limites para a liberdade de contratar, tais como as proibições legais e os bons costumes, ambos citados pelo Código Civil alemão (BGB). Limites que se encontram reconhecidos pela ordem jurídica.197 Nesse sentido é a doutrina de Perlingieri: Os atos de autonomia têm, portanto, fundamentos diversificados; porém, encontram um denominador comum na necessidade de serem dirigidos à realização de interesses e de funções que merecem tutela e que são socialmente úteis. E na utilidade social existe sempre a exigência de que atos e atividade não contrastem com a segurança, a liberdade e a dignidade humana (art. 41, § 2, Const.). [...] A autonomia se apresenta, no mínimo e constante denominador, como ato de iniciativa de pelo menos uma das partes interessadas na negociação. É a atuação não somente de direitos subjetivos mas também de deveres de solidariedade e, por vezes, de específicas obrigações legais de contratar (art. 2.597 Código Civil).198 Os códigos como sistemas enclausurados fracassam e surgem outros diplomas legais que tentam dar conta das novas realidades: surgem os direitos do consumidor e do meio ambiente, por exemplo. Na esteira constitucional, refira-se ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.o, III), que se espraia pela totalidade das relações. Tal princípio, combinado com os valores sociais da livre iniciativa e da necessidade de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, corroboram para a passagem da jurisprudência dos interesses para a jurisprudência dos valores199. Há o dirigismo contratual e uma mudança funcional na interpretação dos institutos jurídicos. 196 197 198 199 PINHEIRO, op. cit., p.391-395. Ibidem, p.396-400. PERLINGIERI, op. cit., p.19. PERLINGIERI, op. cit., p.33-34. 75 Por isso mesmo fala-se em constitucionalização do direito privado: a preocupação com a abrangência ampla dos institutos civis, aplicados de maneira a refletir uma maior paz social. Neste diapasão, Paulo Nalin assevera que "a constitucionalização do Direito Civil não é o único, mas, sim, representa um dos caminhos possíveis para a eleição de um novo paradigma de renovação dos institutos privados."200 Com essas concepções o Direito do Trabalho deve guardar correlação, ou seja, sendo um ramo do direito até então denominado privado, deve oxigenar-se de valores que engendrem a pessoa como centro, porque nele se percebe com clareza a atuação da propriedade. Como afirma Paulo Luiz Netto Lôbo, o desafio está em enxergar a pessoa em toda sua dimensão ontológica, e, por meio dela, o patrimônio.201 O abuso do direito, nas premissas antes traçadas, relembrando-se que o indivíduo vive inserido na coletividade, trata-se de construção jurisprudencial202 num primeiro momento, na qual a liberdade ganha limites, reconhece-se um caráter de relatividade203 dos direitos, que antes eram vistos como absolutos. A atividade do intérprete é relevante porque quem abusa, pelo menos aparentemente, não atua sem direito, mas crava de ilegitimidade o exercício de um direito o titular que manifestamente excede os limites trazidos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim econômico ou social de referido direito.204 As construções que tratam do abuso do direito, portanto, localizam-se nas correntes que enxergam o declínio do alcance do individualismo liberalista, suplantando-o por visões mais sociais.205 Leonardo Vieira Wandelli explica a modernidade 200 201 202 203 204 205 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil. Curitiba: Juruá, 2001. p.32. LÔBO, Constitucionalização..., p.6. MARTINS, P. B., op. cit., p.4. Luiz Alberto Warat menciona que a construção é da jurisprudência francesa, como forma de se desamarrar do caráter absoluto do direito de propriedade que a lei consagrava, passando para uma aplicação mais justa e equânime do direito. (WARAT, op. cit., p.286). Neste sentido: ABREU, Jorge Manuel Coutinho de. Do abuso de direito. Coimbra: Almedina, 1999. p.13.; SÁ, Fernando Augusto Cunha de. Abuso do direito. Coimbra: Almedina, 1997. p.17. SÁ, F., op. cit., p.18. Ibidem, p.49-50. No mesmo sentido, Pedro Baptista MARTINS, acrescentando serem os romanos "Povo simples e rude, a formação de seu direito obedeceu às necessidades práticas da vida, sendo notório que seus jurisconsultos não se preocupavam, em regra, com as generalizações." (MARTINS, P. B., op. cit., p.15). Quanto às raízes que remontam ao Direito Romano, o autor relembra vários doutrinadores as defendem, mas conclui dizendo que falecem de razão (p.48-49). De toda sorte, deve-se deixar registrado que outros doutrinadores realmente atribuem raízes romanas ao abuso do direito, ainda que posteriormente suas idéias tenham sido desenvolvidas com mais precisão. Como exemplo, têm-se as considerações de Lautenschläger, nas quais o autor menciona 76 como cerne das construções sobre o abuso do direito porque é nesse período a gênese de distinções como a separação de poderes, a diferença entre moral, religião e direito, a absolutização do direito subjetivo, o caráter complexo das relações socioeconômicas e a própria existência de textos normativos capazes de originar argumentação.206 Trata-se de construção jurisprudencial notadamente francesa, justamente voltada para superar as prerrogativas individuais pelas necessidades coletivas, arraigando a solidariedade e a harmonia no convívio social, conferindo uma maior responsabilidade aos titulares de direitos.207 que a análise perfunctória do instituto permite a conclusão de que no Direito Romano não era concebido por causa do brocardo "nullus videtur dolo facere qui suo jure utitur (a ninguém prejudica aquele que usa de seu direito)". A seguir, o autor narra outros brocardos, dizendo que neles reside a influência do direito antigo em relação às concepções posteriores, sejam eles: "summum jus summa injuria (do excesso do direito resulta a injustiça); non omne quod licet honestum est (nem todo ato lícito é honesto); juris praecepta haec sunt honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere (viver honestamente, não prejudicar ninguém e dar a cada um o que é seu); malitis non est indulgendum (a malícia não merece indulgência); e ususquisque suis fruatur et non inhiet alienis (nossos direitos devem ser exercidos sem o intuito de prejudicar o outro)". Ainda tratado do Direito Romano clássico o autor se refere à prática do que se denominava "emulação", ou seja, agir com o objetivo de prejudicar alguém. Assinala, por fim, que esta última teoria ganhou campo no Direito Medieval, em que se vinculou o exercício de direito subjetivo a finalidades social e econômica. (LAUTENSCHLÄGER, Milton Flávio de Almeida Camargo. Abuso do direito. São Paulo: Atlas, 2007. p.27-28). 206 WANDELLI, op. cit., p.131. 207 WARAT, op. cit., p.287. O mesmo autor assevera que nem sempre o ritmo do legislador é adequado com os acontecimentos sociais razão pela qual: "Cuando los derechos subjetivos están inadecuadamente limitados por el derecho en vigor, surge entonces la aspiración a uma reglamentación jurídica nueva, que amplia la responsabilidad de los titulares de ciertos derechos subjetivos, cercenando el alcance de sus derechos reconocidos, para sancionar un daño reputado injusto, pero que la ley positiva no castiga. Es entonces, cuando se apela al poder jurisdiccional, que interpretando fielmente la aspiración colectiva impone la obligación de resarcir el daño al causante del mismo, aún cuando lo haya producido en ejercicio de un derecho. Así surge el abuso del derecho, que puede presentarse en cualquier época y en cualquier lugar durante la vigencia de cualquier sistema jurídico, aún el más perfeccionado, o considerado el más justo." Livre tradução: "Quando os direitos subjetivos estão indadequadamente limitados pelo direito em vigor, surge então a aspiração a uma regulamentação jurídica nova, que amplia a responsabilidade dos titulares de certos direitos subjetivos, cerceando o alcance de seus direitos reconhecidos, para sancionar um dano reputado injusto, mas que a lei positiva não castiga. É então quando se apela ao poder jurisdicional, que interpretando fielmente a aspiração coletiva impõe a obrigação de ressarcir o dano ao causador do mesmo, ainda que o haja produzido no exercício regular de um direito. Assim surge o abuso do direito, que pode se apresentar em qualquer época e em qualquer lugar durante a vigência de qualquer sistema jurídico, mesmo no mais perfeito, no considerado mais justo." (p.288-289). 77 2.2 ABUSO DO DIREITO: CONCEPÇÕES E ATUAL ESTADO DA ARTE A primeira impressão da expressão "abuso do direito" engendra a indagação se não se trata de uma incongruência: como pode haver abuso, se há direito? Para responder a esta pergunta, inicia-se por pensadores que negaram a autonomia da teoria do abuso do direito até se chegar àqueles que a admitiram e ao atual estágio do conceito. Como adiante se verá, o abuso do direito encerra uma transição para uma nova concepção de antijuridicidade.208 No positivismo jurídico, deve-se ter em mente o paradigma moderno do direito, abandonando-se a observação da natureza das coisas, o costume, os fatos que caracterizam determinado momento histórico e social, sentenças, doutrinas e opiniões, enfim, a convergência de fontes cede espaço à "mística da lei"209. Assinale-se que tal passagem é fruto do nominalismo, escola filosófica desenvolvida por Guilherme de Ockham, pensador crítico do realismo aristotélico, em que se desenvolve a idéia de realidade para os indivíduos e para os universais – sendo estes, por exemplo, o ser humano, o animal, o cidadão, a natureza –, ou seja, de que tudo existe de forma objetiva, independente da idéia, do descobrir as coisas pelo intelecto.210 Para Guilherme de Ockham, não há os universais, que são apenas signos da linguagem, demonstrando uma parcialidade dos indivíduos. Assim, o filósofo afirma a existência dos individuais: não existe o homem, existe a Maria, o José e assim sucessivamente. Transplantando-se para o campo do direito, abandona-se, como dito, o direito natural, a resposta jurídica a partir da observação da ordem natural das coisas e elege-se o indivíduo como centro. O individualismo floresce como idéia a partir da qual as normas jurídicas, as respostas jurídicas não podem ser conferidas por observação do natural, deve-se buscar as vontades positivas dos indivíduos. Essa filosofia vem a ser considerada a gênese do positivismo jurídico, doutrina que defende a lei como expressão da vontade individual e como conjunto da ordem jurídica.211 208 209 210 WANDELLI, op. cit., p.133. GROSSI, op. cit., p.44. VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.228-236. 211 Idem. 78 A lei, num primeiro momento, provinha dos reis – os representantes de Deus na terra – após a revolução, foi democratizada, coincidindo-se a vontade geral com a vontade legislativa212: O Legislativo forma-se por representantes eleitos pelo povo, ou seja, pela vontade geral. Instaura-se, portanto, um absolutismo jurídico. Com efeito, se antes o convívio cedia espaço ao absolutismo dos reis, agora há um Estado absoluto. As normas, organizadas e sistematizadas em códigos, são perfeitas e inquestionáveis, sendo possível, tão-somente, a interpretação da vontade do legislador. É o legalismo ou positivismo legal213. Expoente do positivismo, Kelsen defende a teoria pura do direito, afastando o sistema de normas dos valores sociais, justificando, assim, a autonomia epistemológica do direito.214 Gianluigi Palombella, ao analisar o pensamento do positivista, afirma que Kelsen define as normas jurídicas como "[...] juízos hipotéticos que, na ocorrência de uma condição (determinado comportamento qualificado como ilícito), prevêem uma conseqüência determinada (a sanção)."215 Engendra-se uma verdadeira mitologia jurídica216, pois a lei normalmente tem aceitação desprovida de críticas, o direito vem a ser um sistema de normas autoritárias e abstratas, ocorre a subsunção do caso concreto ao texto legal. Ao direito como ciência, não cabe discutir as fontes das normas, os valores e conflitos sociais dos quais elas se originaram: A lei vazia era uma sapientíssima forma dentro da qual um legislador onisciente, infalível, onipotente, poderia hospedar qualquer conteúdo que desejasse. O ordenamento jurídico, resumido em um grande esqueleto legislativo, admitia um só cordão umbilical, aquele com o poder, o único de onde pudesse retirar vitalidade, nutrimento, efetividade, não reconhecendo nenhum outro que representasse a complexidade da sociedade.217 212 213 214 215 216 217 HESPANHA, António Manuel. Cultura jurídica européia: síntese de um milênio. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p.378. Conforme ensinado por HESPANHA (Idem). PALOMBELLA, Gianluigi. Filosofia do direito. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.161. Ibidem, p.162. GROSSI, op. cit., p.46. Ibidem, p.93. 79 O ordenamento jurídico, portanto, constitui um todo organizado, capaz de responder a todos os casos postos à atividade jurisdicional, de forma avalorativa, ou seja, as normas têm validade porque emanam de um poder competente e porque se fundamentam na Constituição, e esta, por sua vez, tem como fundamento a norma hipotética fundamental.218 Ao juiz cabia a tarefa de meramente aplicar a lei, de forma que se privilegiasse a vontade do legislador, ou seja, não se poderiam interpretar as leis conforme as necessidades de cada caso, não cabiam avaliações ou ponderações de valores na atividade jurisdicional. Não importava a vontade do julgador, mas o que já constava da lei, "[...] a interpretação realizada pela ciência jurídica deve – para que possa ser denominada de científica – ater-se para aquém da interpretação volitiva. A ela não cabe criar direito novo nem realizar a escolha dos sentidos possíveis no interior da moldura."219 Tudo em nome da segurança jurídica. Lacunas do direito eram consideradas ficções jurídicas, e, porque não previstas no ordenamento – assim como o abuso do direito –, permitia-se ao julgador a atuação como se legislador fosse, podendo aplicar uma norma considerada melhor ou mais justa, de origem metajurídica, desde que fosse possível fundamentar a aplicação nas normas de hierarquia superior. Assim, não se poderia chamar o processo de interpretação, mas de substituição de uma determinada norma por uma outra nova, criada por conta de um caso concreto. A norma metajurídica transformava-se em norma do direito positivo e, neste caso, existindo uma norma regrando a abusividade do ato praticado, não se fala em abuso de direito, mas em ato ilícito.220 Nítido o distanciamento entre o plano jurídico e o plano social, porque o direito, engessado em suas próprias construções, não alcançava as mudanças e seus reclames de respostas provindos da volátil sociedade. As decisões judiciais não poderiam invocar o abuso do direito, porque norma metajurídica, somente lhes era permitido falar em ilícito, porque baseadas nas normas postas. Segurança jurídica neste período é a resposta pronta contida no ordenamento jurídico. 218 219 220 PALOMBELLA, op. cit., p.172-173. WANDELLI, op. cit., p.141. WARAT, op. cit., p.296-298. 80 O positivismo, dessa forma, demonstrou claramente à sociedade que o direito não pode prescindir da simbiose entre fato e norma221, bem como que os direitos previstos pelo ordenamento não são absolutos. Assim, a concepção de abuso do direito assinala quão importante é a atividade interpretativa, porque pode ampliar a responsabilidade do titular de um determinado direito, responsabilidade esta que não se faz expressa no comando normativo, mas se alcança, justamente, pela interpretação.222 Entendido que Kelsen negava o abuso do direito, passa-se a considerar outros pensadores que também o negaram, dentre eles, por exemplo, Duguit, Planiol, Ripert e Rotondi, sendo básicos dois fundamentos: ora a negação dos direitos subjetivos, ora a defesa do caráter absoluto deles223. Duguit nega a existência do direito subjetivo, para ele "[...] agir conformemente ao direito não é exercer um direito subjetivo; da mesma forma, praticar acto cujo objecto não é em si contrário ao direito, mas cujo fim é ilícito, é pura e simplesmente violar o direito objectivo."224 [destaque no original] Não se pode negar o aumento considerável da gama de previsões legais, se comparadas as sociedades antigas com a sociedade de hoje. Com efeito, os avanços em todos os campos das ciências, por exemplo, desembocaram novas regras no mundo jurídico. Até bem pouco tempo atrás, não se falava em normas quanto a pesquisas com células-tronco, diretrizes de contratos virtuais, ou ainda noutras, tipificadoras de crimes virtualmente cometidos. Enfim, "[...] a responsabilidade aumenta na razão direta do desenvolvimento da personalidade jurídica do homem, isto é, na razão direta do aumento de seus direitos."225 Cunha de Sá, criticando Duguit, afirma a existência dos direitos subjetivos porque o próprio ordenamento contém normas de caráter permissivo. Assim, quando há norma prevendo o ter direito de realizar algo ou que é permitido algo, tanto de forma expressa quanto subentendida (normas imperativas ou proibitivas), tem-se 221 222 223 224 225 SÁ, F., op. cit., p.21-22. WARAT, op. cit., p.298. Fundamentos precisamente assinalados por Rosalice Fidalgo Pinheiro (op. cit., p.69). SÁ, F., op. cit., p.295. MARTINS, P. B., op. cit., p.23. 81 clara a existência do direito subjetivo, em que pese não se discuta o cerne da natureza de tal direito.226 De qualquer sorte, não se pode negar a existência de direitos subjetivos, embora seja concebível a afirmação de que a responsabilidade dos titulares destes tenha aumentado, citando-se como exemplo a difusão do conceito de solidariedade ou mesmo de função social, porque o titular de um direito subjetivo deve exercê-lo conforme o interesse da coletividade e não apenas de acordo com o seu, o individual. Marcel Planiol, a seu turno, refere-se ao abuso do direito como uma logomaquia227, porque para ele a expressão abuso do direito transfigura-se numa contradição lógica entre abuso e direito. Na idéia de Planiol, um ato não pode ser, simultaneamente, conforme e contrário ao direito. Quando um direito é exercido por seu titular, trata-se do exercício de um ato lícito, ao qual, portanto, não cabe a aplicação de nenhuma sanção. Acaso este mesmo titular exceda o exercício de seu direito, então será responsabilizado, porque a atuação passa a ser sem direito e passível de sanção.228 Percebe-se como fundamento o direito subjetivo em caráter absoluto. Nas palavras do autor: Fala-se facilmente do uso abusivo de um direito,como se esta expressão tivesse um sentido claro e preciso. Mas é necessário não nos iludirmos: o direito cessa onde começa o abuso, e não pode haver uso abusivo de um direito qualquer, porque um mesmo ato não pode ser, a um só tempo, conforme e contrário ao direito.229 Planiol afirma que existe, em substituição, atuar com excesso de direito ou atuar sem direito. Afirma ser possível o abuso de coisas, não de direitos. A crítica recai no sentido da redução do ato abusivo como ilícito, de forma que os direitos subjetivos tivessem arestas definidas e claras, sem qualquer zona gris. Assim, agir de acordo com 226 227 SÁ, F., op. cit., p.304. A palavra logomaquia, no léxico, significa "questão sobre palavras; palavreado inútil." (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa. 11.ed., 6. reimp. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974. p.743). 228 PINHEIRO, op. cit., p.78. 229 PLANIOL, Marcel apud MARTINS, P. B., op. cit., p.25. 82 a extensão um direito subjetivo seria agir sempre de forma lícita, não sendo contida, aqui, a idéia de responsabilidade. Ou existe o direito, ou ele falta absolutamente.230 Noutra senda, Ripert explica que o elo entre o abuso do direito e o ordenamento jurídico seria inspirado numa idéia de moralidade. Verificar-se-ia a necessidade de responsabilizar o titular de um direito que o exercesse imoralmente, ou seja, haveria um exercício normal do direito, porém intencionado a prejudicar outrem.231 Resta claro, nesta teoria, o seu caráter subjetivista. A crítica ferrenha de Cunha de Sá quanto ao pensamento de Ripert repercute no sentido de que a moral, quando trata do dever de justiça, não se limita a uma noção omissiva de não fazer mal a outrem, espraiando-se no sentido comissivo, de utilizar o direito para finalidades razoáveis, úteis, para fazer o bem.232 Em posicionamento que guarda semelhança com o de Ripert, deve ser citado Rotondi. Este pensador defende a separação entre o mundo do direito e o mundo dos fatos sociais. Para ele, a idéia de abuso do direito não subsiste no mundo jurídico, mas naquele dos fatos. Reconhece, contudo, que há um importante papel dos fatos sociais no direito, porque este se transforma em resposta aos questionamentos oriundos daqueles. Assim, comportamentos juridicamente previstos como lícitos e justos transformar-se-iam em reprováveis no meio social porque este, por sua vez, sofreria mudanças de ordem econômicas, técnicas, físicas. A reprovação do direito pela consciência coletiva determinaria as mudanças, de forma a abarcar, no plano jurídico, as novas realidades sociais. O abuso de direito, portanto, não consta do mundo do direito, mas do social e, como tal, ocorreria transitória e perpetuamente.233 As premissas de Rotondi se mostram corretas, porque realmente o fenômeno social acarreta alterações no mundo jurídico, mas negar a existência do abuso do direito como norma poderá impedir a prevenção de tal abuso.234 Percebe-se, aqui, inclusive, o viés positivista das concepções do autor, se comparadas com as traçadas sobre Kelsen, no início do presente item. 230 231 232 233 234 SÁ, F., op. cit., p.324-327. PINHEIRO, op. cit., p.87. SÁ, F., op. cit., p.366. Ibidem, p.309-311. Ibidem, p.316. 83 Até o momento, as teorias consideradas demonstraram que o abuso do direito ocorreria quase como um acidente sucedido no momento da concretização do direito subjetivo, sendo abuso do direito e direito subjetivo institutos independentes. A teoria seguinte às apresentadas, criticando-as, considera o abuso do direito como um limite externo à prerrogativa individual. Passa-se a considerar o viés da finalidade, ou seja, o lado teleológico do direito subjetivo.235 Josserand iniciou seus estudos quanto ao abuso do direito na jurisprudência francesa, tentando identificar os critérios dos quais esta fazia uso para definir um ato abusivo e teria encontrado vários, dentre eles: o critério intencional (intenção de prejudicar), o critério técnico (exercício incorreto de um direito, resultando em faltas graves ou simples), critério econômico (exercício de um direito para satisfação de um interesse ilegítimo) e o critério social (funcional, finalista). O autor destaca que os critérios não podem ser considerados de forma separada, porque se entrelaçam, mas erige o critério finalista como principal, dado o caráter social que ele reconhece nos direitos subjetivos.236 Coube a Josserand [...] a construção jurídica pela qual se afirma, simultâneamente, a oposição e a conciliação do preceito com a sua aplicação [...] ao apercebermo-nos de que o absolutismo dos direitos seria fatalmente a guerra dos direitos e que o egoísmo, sob a forma jurídica, não é nem menos perigoso nem menos estéril do que sob qualquer outra forma. Este egoísmo não estaria apenas no acto realizado com intenção de prejudicar, mas mais amplamente no realizar o acto numa direcção diversa da direcção social do direito a que ele corresponde; [...].237 O autor destaca a relatividade dos direitos, especialmente dos de cunho subjetivo, frontalmente contrariando as teorias que, como visto, ora negavam a existência do direito subjetivo, ora lhe conferiam um caráter absoluto. E essa relatividade do direitos, explica Josserand, fundamentar-se-ia primordialmente por conta de sua gênese, como produtos da sociedade, compostos por uma missão a ser realizada no seio social. Diz o autor que mesmo as prerrogativas mais individuais e por ele denominadas de egoístas, por consubstanciarem produtos derivados da consciência coletiva, não 235 236 237 PINHEIRO, op. cit., p.93-94. ABREU, op. cit., p.16-17. SÁ, F., op. cit., p.409. 84 poderiam contrariar as necessidades e os anseios da comunidade. Em verdade, muito além de considerá-los como sociais por conta da gênese, devem assim ser considerados por causa da finalidade238: "[...] abusa-se do seu direito quando, permanecendo nos seus limites, se visa um fim diferente daquele que para ele teve em vista o legislador."239 Como assinala Rosalice Fidalgo Pinheiro, a teoria de Josserand tem forte influência do "finalismo sociológico", porque toma o abuso do direito como algo contrário ao espírito do direito ou a sua função social.240 A autora percebe, nas afirmações do pensador a forte influência do pensamento de Ihering quanto ao direito subjetivo como interesse protegido pela norma. Diante das considerações esposadas resta clara a abstração da finalidade, do dieito-função, ao que o autor responde que o ato não será abusivo se estiver engendrado por um motivo legítimo. Mas o que seria o motivo ilegítimo? Ao que o autor responde dizendo que seria composto de um todo indivisível, formado pela intenção de prejudicar combinada com os critérios anteriormente relatados. Como exemplos de tais motivos, citam-se: o conluio, a fraude à lei, o dolo, a má-fé. Percebe-se a clara existência do elemento intencional cuja legitimidade ou ilegitimidade será aferida com a finalidade social do direito.241 À tese de Josserand, Cunha de Sá traça críticas, afirmando que a análise da finalidade do ato praticado pelo titular vai, aos poucos, sendo substituída pela pesquisa da intenção deste mesmo titular e pela legitimidade de sua ação, o que transforma o abuso do direito numa categoria metajurídica, exterior e transcendente ao direito, quanto na verdade o direito deve ser visto como um instrumento para realização da finalidade reconhecida e almejada pelo meio social. Por conta da forte presença do elemento intencional, a teoria do abuso do direito se configura reduzida ao ato ilícito.242 238 239 SÁ, F., op. cit., p.409-410. Afirmação que cabe a Porcherot, em relação à qual Josserand, diante das idéias expostas, concordou o (PORCHEROT apud ABREU, op. cit., p.17, nota de rodapé n. 16). 240 PINHEIRO, op. cit., p.94. Quanto às idéias de Ihering a respeito dos direitos subjetivos, remete-se à leitura ao primeiro capítulo, especialmente do subitem que trata da natureza do poder diretivo do empregador. 241 Ibidem, p.96. 242 SÁ, F., op. cit., p.417-418. 85 Manuel de Andrade, por sua vez, tenta explicar o abuso do direito como uma forma de óbice às injustiças clamorosas oriundas da aplicação de abstrações legais. Para ele, despicienda a presença do dolo ou da culpa, mas necessária, por outro lado, a reação de censura da consciência jurídica. Porém, como definir o que seria a consciência jurídica coletiva, como a interpretar, como se manifesta? Já por essas indagações percebe-se a vagueza das acepções, o que causaria forte insegurança quando de sua delimitação pelo julgador, ou seja, o que acarretaria um insegurança jurídica ao sistema vigente.243 Castanheira Neves, por sua vez, afirma o abuso do direito como aquela atitude em que há [...] aparência de licitude jurídica – por não contrariar a estrutura formaldefinidora (legal ou conceitualmente) de um direito, à qual mesmo externamente corresponde – e, no entanto, viole ou não cumpra, no seu sentido concretomaterialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, [...].244 O ato abusivo viola o limite material do direito, perfazendo-se como que um direito aparente, ou seja, exibe a forma de um direito que não existe.245 Deve-se considerar o aspecto concreto, repensando-se a própria concepção de direito subjetivo como estrutura lógico-formal, nele delineando-se a ocorrência de abusividade de atos. A teoria do abuso do direito passa a ser tratada como categoria jurídica autônoma, sendo necessário, portanto, fundamento jurídico para sua compreensão. Enxergam-se as estruturas lógico-formal e axiológica-normativa dos direitos, ou seja, para exercer um direito de forma legítima, não basta seguir à risca sua estrutura formal, deixando-se de lado sua materialidade246: "[...] o direito subjectivo sendo formalmente limitado pela sua estrutura e materialmente limitado pelo seu fundamento, deixa de existir na hipótese de se abusar dele."247 243 244 245 246 247 ABREU, op. cit., p.19-20. Ibidem, p.22. Ibidem, p.22-23. SÁ, F., op. cit., p.451-452. Ibidem, , p.453. 86 Seguindo as idéias de Castanheira Neves, Cunha de Sá afirma que o abuso do direito ocorre quando o titular exercita seu direito subjetivo de maneira divergente de seu conteúdo axiológico, de seu elemento interno. Define-se a origem da juridicidade do abuso do direito no interior do direito subjetivo, no valor deste, o qual deve permear e nortear o comportamento do sujeito, de forma que se possa falar em comportamento devidamente fundamentado.248 Rompe-se definitivamente com a concepção absoluta de direitos subjetivos, porque o abuso do direito não mais se encontra fora do direito subjetivo, mas dentro dele, nota-se a impregnação de valores nas concepções de Castanheira Neves e Cunha de Sá, os fins cedem espaço para os valores. Como muito bem assevera Rosalice Fidalgo Pinheiro, tais pensamentos coincidem com a passagem da jurisprudência dos interesses para a jurisprudência dos valores.249 Quanto à passagem da jurisprudência dos interesses (típica dos sistemas fechados, nos quais se considerava o "ter", o patrimônio como proeminente) para a jurisprudência dos valores, Perlingieri preleciona: A jurisprudência dos valores constitui, sim, a natural continuação da jurisprudência dos interesses, mas com maiores aberturas para com as exigências de reconstrução de um sistema de 'Direito Civil constitucional', enquanto idônea a realizar, melhor do qualquer outra, a funcionalização das situações patrimoniais àquelas existenciais, reconhecendo a estas últimas, em atuação dos princípios constitucionais, uma indiscutida preeminência. Mesmo interesses materiais e suscetíveis de avaliação patrimonial, como instrumentos de concretização de uma vida digna, do pleno desenvolvimento da pessoa e as possibilidade de libertar-se das necessidades (libertà dal bisogno), assumem o papel de valores.250 Jorge Manuel Coutinho de Abreu, após analisar as construções postas até o momento, reconhece que o abuso do direito ocorre tanto na ação quanto na omissão do titular do direito subjetivo. O autor reconhece os direito subjetivos como "meios de satisfação das necessidades pessoais"251, desta forma, o abuso do direito contemporaneamente encontra significado nas suas considerações: 248 249 250 251 PINHEIRO, op. cit., p.108-109. Ibidem, p.109. PERLINGIERI, op. cit., p.32. ABREU, op. cit., p.43. 87 [...] se se invoca um direito para legitimar um comportamento inadequado àquela funcionalidade, essa invocação é espúria, pois tal comportamento não pode então traduzir as faculdades que o direito se analisa. Isto é, não pode em rigor falar-se nesse caso de exercício de um direito – por mais que o comportamento pareça selo (residindo, porém, nesta aparência, o sinal distintivo do abuso do direito, em relação à pura e simples ilegalidade). Mas só isto não basta. A simples não actuação ou mesmo negação de interesses próprios pelo sujeito de um direito é juridicamente irrelevante enquanto se não projectar na esfera de interesses e outrem. Só quando o referido comportamento for susceptível de causa um prejuízo não insignificante a um terceiro se configurará o abuso do direito.252 Edilton Meireles define o abuso do direito como "[...] exercício de um direito que excede manifestamente os limites impostos na lei, pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé e pelos bons costumes, decorrente de ato comissivo ou omissivo."253 Cunha de Sá, ao tratar do viés legal do abuso do direito em Portugal, afirma sua tradução como [...] acto ilegítimo, consistindo a sua ilegitimidade precisamente num excesso de exercício de um certo e determinado direito subjetivo: hão-de ultrapassar-se os limites que ao mesmo direito são impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo próprio fim social ou económico do direito exercido.254 Luis Alberto Warat considera o ato abusivo como uma ilicitude carregada de metajuridicidade, destacando-se, portanto, o viés ético que encerra a apreensão do abuso do direito. Trata-se de uma forma de responsabilizar quem o praticou pelo prejuízo causado, porque, apesar de o ordenamento tutelar um direito, devem-se ter em mente os limites para o seu exercício.255 Humberto Theodoro Júnior, ao comentar o Código Civil de 2002, assim se manifesta: O titular de qualquer direito para conservar-se no campo da normalidade não basta legitimar sua conduta dentro das faculdades reconhecidas pelas normas legais em face de sua individual situação jurídica. Haverá de cuidar para que o uso das prerrogativas legais não se desvie para objetivos ilícitos 252 ABREU, op. cit., p.43-44. O autor pondera que se utiliza da palavra comportamento justamente para que possa falar em ação e omissão do titular do direito. 253 MEIRELES, Edilton. Abuso do direito na relação de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p.22. 254 SÁ, F., op. cit., p.103. 255 WARAT, op. cit., p.295. 88 e indesejáveis, dentro do contexto social. O abuso de direito acontecerá justamente por infringência desse dever e se dará sempre que o agente invocar uma faculdade prevista em lei, aparentemente de forma adequada, mas para alcançar um objetivo ilegítimo ou não tolerado pelo consenso social.256 O atual estado da arte indica, portanto, que o abuso do direito não possui um enunciado desprovido de carga axiológica, bem como resta evidente a preocupação com a finalidade no exercício do direito pelo seu titular. Abusar do direito, portanto, significa exercer um direito conferido pelo ordenamento jurídico de forma que sejam extrapolados limites como a finalidade social ou econômica deste direito, os bons costumes e a boa-fé. A aplicação do abuso, o reconhecimento de que o titular pode exercer seu direito para além de limites, entrando em choque com os direitos dos demais, trata-se de evidente quebra do paradigma liberal, norteado pelos contornos fechado das normas e pelo individualismo. Importa não somente a validade formal do ato praticado, mas também o seu conteúdo axiológico-material. Diante de todos esses esclarecimentos e caminhos que a teoria do abuso do direito vem ganhando, denota-se que se trata de um princípio normativo257, o que significa que não precisa estar prevista258 expressamente para que possa ser aplicada. 256 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo código civil: dos defeitos do negócio jurídico ao final do livro III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v.3. Tomo II. p.113. 257 ABREU, op. cit., p.49. 258 De toda sorte, a primeira legislação que previu a figura do abuso do direito foi o Código Civil da Prússia, em 1794. (NOVISKI, Kássia Renate Silvia Noviski. O abuso de direito na esfera contratual. In: NALIN, Paulo; VIANNA, Guilherme Borba (Coord.). Direito em movimento. Curitiba: Juruá, 2007. p.165). Outros Códigos Civis que possuem o abuso do direto previsto, na atualidade, por exemplo são: o da Alemanha (§ 226. O exercício de um direito não é permitido quando tem por fim único causar prejuízo a outrem), de Portugal (art. 334. É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites importados pela boa-fé, pelos bons costumes o ou pelo fim social ou econômico desse direito.), da Suíça (art. 2. Todos estão obrigados a exercer seus direitos e executar suas obrigações segundo as regras da boa-fé), da Argentina (art. 1071. O exercício regular de um direito próprio ou o cumprimento de uma obrigação legal não podem constituir como ilícito nenhum ato. A lei não ampara o exercício abusivo dos direitos. Se considerará assim aquele que contrarie os fins a que aquela tem como objetivo ao reconhece-los ou que exceda os limites impostos pela boa-fé, pela moral e pelos bons costumes.). Em países como França, Espanha e Bélgica, o abuso do direito aparece como princípio na construção jurisprudencial. (THEODORO JÚNIOR, op. cit., p.114-115). Na Itália, o abuso do direito também decorre de construções jurisprudenciais. A Rússia também prevê o abuso do direito em seu Código Civil e há o quem defenda que talvez se trata do mais preciso tratamento ao tema (art. 1. Os direitos civis são tutelados pela lei, salvo os casos em que os mesmos se exercitem em oposição com seu destino econômico-social). (CARVALHO NETO, Inácio de. Abuso do direito. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2003. p.33-35). 89 No Brasil, a abusividade de atos encontra diversas previsões legais. A Constituição Federal especialmente trata se abuso do poder de autoridade259 ou abuso do poder econômico.260 Porém, como adiante se verá, abuso do poder perpetrado por uma autoridade não deve ser confundido com o abuso do direito aqui tratado. O Código de Processo Civil, por sua vez, fala em abuso do direito na demanda, por exemplo, quando prevê as hipóteses de litigância de má-fé. O Código de Defesa do Consumidor traz, por exemplo, previsões contra cláusulas abusivas quanto ao fornecimento de produtos e serviços.261 259 o Como exemplos constitucionais, podem ser citados os artigos 5. , XXXIV, a, LXVIII e LXIX, que tratam o de instrumentos de reação dos particulares ao poder do Estado, e também o artigo 14, § 9. . o Art. 5. [...] XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Púbicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; [...] LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; 260 Como exemplo, os artigos 14, § 10 e 173, § 4.o. Art. 14 [...] § 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado perante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. Art. 173 [...] o § 4. A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. 261 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor, pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste Código; III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; V - (Vetado); VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; 90 No âmbito do Direito do Trabalho, deve ser mencionada a lei de greve (Lei o n. 7.783/89), que define em seu artigo 14 a greve abusiva, sendo aquela que contraria as normas existentes na própria lei e que mantenha a paralisação após ser firmado acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho, ou ainda após decisão normativa da Justiça do Trabalho. O parágrafo único do mesmo dispositivo legal trata da greve tida como não-abusiva na vigência de acordo coletivo ou convenção coeltiva.262 Menciona-se a presença do abuso do direito na Lei de Introdução ao Código Civil, por causa da determinação contida no artigo 5.o, quanto à aplicação da lei, pelo juiz, atendendo aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.263 Quanto ao Código Civil de 1916, o abuso do direito não encontrava previsão direta e expressa, era deduzido pela interpretação do contido no art. 160, I.264 O Código Civil XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. o § 1. Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. o § 2. A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. 262 Art. 14. Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho. Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que: I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição; II - seja motivada pela superveniência de fato novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho. 263 Art. 5.o Essa menção aparece em NOVISKI, op. cit., p.167. 264 THEODORO JÚNIOR, op. cit., p.115. Importante mencionar, no entanto, que Inácio de Carvalho Neto também defende que, no Código de 1916, outros dispositivos legais também mencionavam indiretamente a teoria, tais como os arts. 526, 584, 585, 587, 1530 e 1531. (CARVALHO NETO, op. cit., p.29). Transcreve-se todos os dispositivos do Código de 1916 a que se faz referência na presente nota de rodapé, para uma melhor apreensão: Art. 160. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido. Art. 526. A propriedade do solo abrange a do que lhe está superior e inferior em toda a profundidade, úteis ao seu exercício, não podendo, todavia, o proporietário opor-se a trabalhos que sejam empreendidos a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse algum em impedi-los. Art. 584. São proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar para uso ordinário, a água de poço ou fonte alheia, a elas preexistente. 91 de 2002, por sua vez, consagrou expressamente o abuso do direito em seu artigo 187265, inspirado na legislação portuguesa. 2.2.1 Abuso do Direito e Figuras Afins Não se confundem o abuso do direito e o ilícito subjetivo civil (ou ilicitude própria).266 A importância da diferenciação reside no fato de reconhecer o abuso do direito como instituto jurídico independente, autônomo do ato ilícito.267 O ato ilícito subjetivo, típico, é aquele no qual o sujeito age afrontando claramente a norma, age de maneira contrária à norma direta e objetivamente, assim, em verdade, o indivíduo não tem direito.268 No abuso do direito, o indivíduo exercita seu direito e contraria os limites da finalidade (econômica, social) da boa-fé e dos bons costumes. Como afirma Fernando Noronha, o que importa para o abuso do direito são os fins alcançados que fazem com que uma conduta que em princípio seria considerada lícita, torne-se ilícita. 265 266 267 268 Art. 585. Não é permitido fazer escavações que tirem ao poço ou à fonte de outrem a água necessária. É porém, permitido fazê-las, se apenas doiminuírem o suprimento do poço ou da fonte do vizinho, e não forem mais profundas que as deste, em relação ao nível do lençol d'água. Art. 587. Todo proprietário é obrigado a consentir que entre no seu prédio, e dele temporariamente use, mediante aviso prévio, o vizinho, quando seja indispensável à reparação ou limpeza, construção e reconstrução de sua casa. Mas, se daí lhe provier dano, terá direito a ser indenizado. Art. 1530. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei permita, ficará obrigado a esperar o tempo que fatlava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro. Art. 1531. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais do que for devido, ficaráobrigado a pagar mão devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se, por lhe estarprescrito o direito, decair a ação. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômicoou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos do direito das obrigações e introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1. p.370-371. Como muito bem acentua Rosalice Fidalgo Pinheiro, os juristas da Modernidade não conseguiam delinear o abuso do direito fora de conceitos jurídicos que já faziam parte do ordenamento, justamente por conta da carga de individualismo-normativista que carregou os ordenamentos e o pensamento da época. (PINHEIRO, op. cit., p.110-111). Até ser reconhecida a autonomia do abuso do direito, concebiam-se atos ilícitos ou lícitos, conforme se atuava dentro ou em afronta ao codificado, como visto no item anterior do presente estudo. MEIRELES, Abuso do direito..., p.28. 92 O autor afirma que o ato abusivo trespassa a barreira do ilícito subjetivo para entrar na categoria dos atos ilícitos objetivos, também denominados antijurídicos.269 Aproveitando as explicações de Fernando Noronha, a fim de reforçar as duas espécies de ilicitude mencionadas, relate-se que há a acepção ampla de ilicitude e a acepção restrita. A ampla também é denominada de ilicitude objetiva, significando qualquer ação humana que não seja conforme o direito, considera-se o ato em si, será também sinônima de ato antijurídico. Quanto à restrita, denominada de ilicitude subjetiva, o ato ilícito será a violação do direito alheio de uma forma subjetivamente reprovável, ou seja, importa o elemento subjetivo (dolo ou culpa) do agente.270 No ato ilícito subjetivo, portanto, o indivíduo não invoca um direito propriamente dito para exercê-lo, pelo contrário, afronta diretamente algo previsto no ordenamento jurídico. Adentrando aqui com um exemplo do contrato de trabalho, seria o caso de ilícito comum quando o empregador realiza revistas íntimas nos seus empregados, porque viola frontalmente o contido no artigo 373-A, VI271 da CLT. No caso do abuso do direito, há o direito, mas o titular dele abusa ao exercitá-lo. Embora o artigo 187 do Código Civil esteja inserido em capítulo destinado à previsão do ato ilícito, deve-se reconhecer, portanto, que não se confunde com o ilícito comum, até mesmo porque possível entendê-lo como ilicitude do tipo objetiva (sem a necessidade de perquirir a intenção do agente para sua configuração), enquanto aquele é marcado pela subjetividade.272 Importante mencionar que em reunião realizada no Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em setembro 269 270 271 NORONHA, op. cit., p. 371. Ibidem, p.361-362. Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: [...] o a Cite-se o Enunciado n. 15 aprovado pela 1. Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho: 15. REVISTA DE EMPREGADO. I – REVISTA – ILICITUDE. Toda e qualquer revista, íntima ou não, promovida pelo empregador ou seus prepostos em seus empregados e/ou em seus pertences, é ilegal, por ofensa aos direitos fundamentais da dignidade e intimidade do trabalhador. II – REVISTA ÍNTIMA – VEDAÇÃO A AMBOS OS SEXOS. A norma do art. 373-A, inc. VI, da CLT, que veda revistas íntimas nas empregadas, também se aplica aos homens em face da o igualdade entre os sexos inscrita no art. 5. , inc. I, da Constituição da República. Disponível em Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/jornada/anexos/ementas_aprovadas.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2008. VI - proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias. 272 NORONHA, op. cit., p.371. 93 de 2002, divulgou-se o seguinte enunciado (de número 37), adotando claramente para a ilicitude do tipo objetiva: "A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se no critério objetivo-finalísitico."273 Defendendo a aplicação objetiva da ilicitude, Judith Martins Costa preleciona: [...] o art. 187 precisa ser compreendido à vista de uma nova metodologia introduzida pelo Código, que opera a separação (metodológica) entre ilicitude e dever de indenizar, não aludindo diretamente nem ao elemento subjetivo (culpa), nem ao dano, nem à responsabilidade civil, o que abre ensejo: a sua maior inserção no campo do direito da Personalidade, possibilitando visualizar novas formas de tutela, para além da obrigação de indenizar, e à compreensão de que pode haver ilicitude sem dano e dano reparável sem ilicitude.274 O abuso de direito não pode ser confundido com o desvio de poder, pois este ocorre quando se fala em atos praticados por agentes públicos atuando no espaço de discricionariedade de poder, o qual lhes é conferido pelo ordenamento. Dessa forma, desvio de poder liga-se aos atos administrativos. O abuso do direito, como visto, ocorrerá nas relações privadas, porque ligado ao exercício de direitos subjetivos.275 Celso Antônio Bandeira de Mello explica o que seria o desvio de poder na Administração Pública: "Sucintamente, de modo mais preciso, pode-se dizer que ocorre desvio de poder quando um agente exerce uma competência que possuía (em abstrato) para alcançar uma finalidade diversa daquela em função da qual lhe foi atribuída a competência exercida."276 Distinguem-se o abuso do direito e o desvio de poder especialmente porque a Administração Pública em geral deve resguardar, em seus atos, o interesse público. Os particulares, por sua vez, atendem às finalidades que lhes interessam, desde, é claro, respeitadas todas as considerações já traçadas sobre a abusividade do exercício dos direitos que lhe são outorgados. Não se pode confundir o abuso de direito com fraude à lei. Embora na prática por vezes seja difícil reconhecer a distinção entre as figuras, elas efetivamente não se confundem. Quem atua em fraude à lei simula uma situação jurídica que na 273 274 THEODORO JÚNIOR, op. cit., p.118-119. MARTINS COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil: do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v.5. p.127. 275 ABREU, op. cit., p.79. 276 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 7.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1995. p.228. 94 realidade não existe, atuando por meios lícitos, utilizando como fundamento um outro dispositivo legal previsto no ordenamento. Trata-se de uma ilicitude comum. A aparente congruência ocorre porque aquele que atua em abuso do direito, não atua sem ser agasalhado por um direito previsto na ordem jurídica.277 Todavia, no ato abusivo atua contra a finalidade axiológica da lei, contrariando a finalidade econômica e social, a boa-fé e os bons costumes. A partir disso, detém-se que na fraude à lei a contrariedade ocorre no âmbito formal, no abuso do direito, por sua vez, ocorre no plano axiológico-material. Jorge Manuel Coutinho de Abreu explica, ainda, que o abuso do direito "[...] parece ser o exercício da norma – e apenas dela- em que o direito se prevê. Por sua vez, nos actos fraudulentos, há a assinalar a norma cuja proibição é violada e uma outra com que se pretende encobrir essa norma."278 Comprando-se o abuso do direito e a colisão de direitos279, nota-se que guardam, também, distinções. Para se falar em colisão de direitos, deve-se supor que o ordenamento jurídico tutela diversas situações em relação às quais mais de uma pessoa, simultaneamente, podem ter prerrogativas sobre um determinado objeto, ou mesmo numa relação. Assim, quando se fala em colisão de direitos, ambos titulares têm o direito e deverão harmonizá-los para que possam dele tirar proveito. A doutrina exemplifica a colisão com o caso de duas pessoas que detêm sobre o mesmo prédio o direitos iguais de servidão por um caminho que permite a passagem de uma delas em cada oportunidade. Os indivíduos deverão harmonizar suas prerrogativas para conseguirem usufruir dessa passagem de forma igual, harmônica.280 Violada a prerrogativa do outro, no entanto, estar-se-á diante do ilícito comum. Relembre-se novamente, aquele que atua abusivamente em seu direito, formalmente exercita esse direito, porque, em verdade, descumpre o limite axiológico 277 278 279 LAUTENSCHLÄGER, op. cit., p.107. ABREU, op. cit., p.85. O Código Civil Português, após fazer a previsão do abuso do direito (vide nota de rodapé número 254), traz previsão sobre a colisão de direitos: Art. 335. Colisão de direitos. 1.Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. 2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior. 280 ABREU, op. cit., p.86. 95 e, portanto, não mais tem o direito ou atua além do seu limite. Todavia, torna-se possível falar em abuso de direito na colisão de direitos quando [...] o seu titular faz uso do direito violando o princípio da boa-fé, os bons costumes ou, ainda, por desrespeitar a função econômica ou social de seu direito. Seria o caso de um condômino que, sem haver uma específica norma disciplinando o uso do elevador não respeita a ordem de chegada [...] não dá preferência ao idoso, à mulher grávida, ao deficiente [...].281 2.3 APLICAÇÃO DA TEORIA DO ABUSO DO DIREITO NO CONTRATO DE TRABALHO Cumpre ressaltar que o advento da teoria do abuso do direito encontrou espaço profícuo de desenvolvimento no contrato de trabalho, servindo como fonte de inspiração para várias sanções legais aos empregadores deles praticantes. O exemplo citado pela doutrina advém da Corte de Cassação francesa, de 1924. Na decisão, foi considerada abusiva a dispensa sem justa causa de um empregado, pois a empresa, mesmo sabendo que as ausências ao posto de trabalho ocorreram por prescrição médica, rescindiu o contrato de trabalho. Até então, a invocação da abusividade da conduta da empresa era possível porque a lei não proibia a dispensa sem justa causa do empregado.282 Em verdade, a aplicação da teoria do abuso do direito no contrato de trabalho encontra terreno fértil para, notadamente em se tratando do poder exercido pelo empregador. Como visto no capítulo anterior, às partes não é possível prever, no momento da contratação, todas as situações às quais estarão sujeitas durante a relação empregatícia. Cotidianamente o empregador dirige a prestação de serviços e preenche a relação com seus empregados. Estes, por sua vez, realizam as ordens e diretrizes emanadas do comando exercido pelo empregador, de forma a atingir a finalidade a 281 282 MEIRELES, Abuso do direito..., p.31. WARAT, op. cit., p.290 96 que se propõe a empresa. Além disso, verifica-se que existem vínculos mesmo na fase de pré-contratação como após o encerramento do contrato que devem ser tutelados e abrangidos pelo abuso do direito, ante a peculiaridade que encerra a relação empregatícia: A relação de trabalho não é um negócio circunstancial, nem uma fugaz transação mercantil, mas contém, vínculos sociológicos pessoais e permanentes. Ainda que originada de um fato econômico, não pode resumir-se exclusivamente em direitos e deveres patrimoniais; coexistem vínculos de ordem moral e espiritual que, em uma moderna concepção de trabalho, não devemos desconhecer.283 Não se deve esquecer que, hodiernamente, os direitos e deveres advindos do contrato de trabalho não mais podem ser encarados apenas como a prestação – empregado labora – e a contraprestação – empregador paga salário. É fato que a ligação entre preceitos celetistas, civis e constitucionais permite a aplicação, no contrato de trabalho, de institutos como a função social do contrato e a boa-fé objetiva. Ora, se o poder diretivo do empregador decorre de uma situação jurídica subjetiva, não menos importantes são os direitos de personalidade284 do empregado, que podem ser eleitos como parâmetros para aferição, na prática, até onde o exercício daquele poder diretivo é legítimo, ou, por outro viés, a partir de onde ele é abusivo. "Quando os direitos do empregador e do empregado entram em choque, faz-se oportuno traçar até onde o primeiro detém poder de mando sobre o segundo, em face dos direitos constitucionalmente garantidos."285 Nas palavras de Octavio Bueno Magano: A empresa moderna não pode ser concebida como instrumento de realização de interesses unilaterais de proprietários. [...] Reconhecida a existência do interesse da empresa, erige-se ato contínuo baliza limitadora do poder diretivo. Com efeito, se tal interesse existe e deve ser preservado, por constituir a síntese de outros interesses legítimos, toda ação que dele se afaste mostra-se abusiva.286 283 BOTIJA, Pérez apud PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner Giglio. São Paulo: Ltr, 1993. p.272. 284 Considerações sobre os direitos de personalidade serão traçadas no capítulo posterior. 285 SIMÕES, Felipe Siqueira de Queiroz. Internet: direito do empregado x interesse do empregador. Síntese Trabalhista. Administrativa e Previdenciária. Porto Alegre, v.16, n.189, p.151, mar. 2005. 286 MAGANO, op. cit., p.239. 97 Já se sinaliza, portanto, para a franca aplicação do abuso do direito no contrato de trabalho, uma vez que o poder diretivo do empregador deve estar em consonância com a finalidade proposta pelo âmbito empresarial. O arcabouço de valores erigidos pelo legislador constituinte de 1988 engendra, como dito no primeiro capítulo, o primado da livre iniciativa (arts. 1.o, IV e 170). A empresa deve ser entendida como uma espécie de propriedade privada por excelência e não uma propriedade despreocupada com a realidade, mas preocupada com o contexto, que deve zelar por sua função social (art. 170, III), pela defesa do consumidor (art. 170, V), pela defesa do meio ambiente (art. 170, VI) pela busca do pleno emprego (art. 170, VIII). A empresa também deve ser sustentável, portanto. Não menos importante, relembre-se: a Constituição traz como princípio norteador a dignidade da pessoa humana e o solidarismo que se espraia em todos os aspectos tratados anteriormente. Referindo-se à Constituição, Eduardo Baracat assevera que ela "[...] impôs um repensar sobre a forma com que se tem aplicado o Direito, em especial o Direito do Trabalho [...]."287 A visão jurídica da atividade empresarial, portanto, deve ser a partir das premissas constitucionais, a fim de que tenha sustentabilidade. Nas palavras de Dallegrave Neto: [...] a empresa terá sustentabilidade plena, a qual envolve não apenas a sua suportabilidade material (recursos e insumos), mas, acima de tudo, compromisso social perante a comunidade e parceiros internos (empregados e empresas terceirizadas), além de oferecer segurança para os parceiros externos (fornecedores e investidores).288 Hodiernamente, a ética empresarial tem ganhado espaço e encerra fatores internos e externos: está relacionada às pessoas que nela trabalham e a todas as outras com as quais ela se relaciona. A empresa ética deve resguardar não somente seus interesses econômicos, mas também atitudes que não prejudiquem especialmente 287 288 BARACAT, op. cit., p.49. DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Compromisso social da empresa e sustentabilidade: aspectos jurídicos. Revista LTr, São Paulo, ano 71, n.3, p.348, mar. 2007. 98 seus empregados.289 O poder diretivo do empregador, neste contexto, deve ser realizado de forma que esteja aliado à ética e à sustentabilidade. Diante de todas essas premissas, a teoria do abuso do direito aplica-se no contrato de trabalho, em especial com relação ao poder diretivo do empregador, por força do artigo 8.o, § único da CLT, que prevê a aplicação supletiva do direito comum ao direito do trabalho. Com efeito: Ao entrar em vigor o novo Código Civil brasileiro, a aplicação das cláusulas gerais da boa-fé, da função social e do abuso do direito na órbita do contrato de trabalho tornou-se imediata, de acordo com o comando do parágrafo único o do art. 8. da CLT, que aponta o direito comum como fonte subsidiária do direito do trabalho naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. Deveras, tais princípios são informadores do direito das obrigações, inclusive daquelas oriundas do contrato de trabalho [...].290 Mas, em verdade, mesmo antes da vigência do Código Civil já se poderia aplicar o abuso do direito, porque, como dito no item anterior do presente capítulo, trata-se de um princípio advindo da superação do paradigma individualista Liberal. Assim deve ser com o Direito do Trabalho, a CLT deve ser oxigenada por valores previstos na ordem jurídica que tornem a relação empregado-empregador mais digna, porque, como já falado, as mudanças econômicas têm afetado tais relações de forma significativa. Relembre-se que o poder diretivo do empregador trata-se de uma situação jurídica subjetiva291 e comporta, pois, a aplicação da teoria do abuso do abuso do direito nas suas manifestações práticas, no contrato de trabalho. Em que pese no item anterior, onde se traçaram as considerações teóricas sobre o abuso do direito o pensadores mais se referirem a direito subjetivo, isto em nenhum momento, na atual realidade, significa dizer que as situações jurídicas subjetivas não estariam abrangidas pelo abuso do direito. Aliás, como visto292, o direito subjetivo é categoria que está contida na idéia de situação jurídica subjetiva. A quebra do ideário liberal normativista-individualista determinou a concepção de 289 290 291 292 DALLEGRAVE NETO, Compromisso social..., p.348. DALLEGRAVE NETO, Responsabilidade civil..., p.344. Remete-se ao item 1.3.5 da presente pesquisa. Remete-se igualmente ao item 1.3.5 da pesquisa. 99 que o sujeito não é um fim em si mesmo, que suas ações devem ter em vista os outros, a coletividade. Quanto ao cabimento do abuso do direito nas situações jurídicas subjetivas, Pietro Perlingieri explica que As situações subjetivas sofrem uma intrínseca limitação pelo conteúdo das cláusulas gerais e especialmente daquela de ordem pública, de lealdade, de diligência e de boa-fé. O ordenamento reconhece a propriedade de um bem, a titularidade de um crédito, somente enquanto o direito for exercido em conformidade com as regras; se assim não acontecer, o interesse não será nem reconhecido e nem tutelado. Apresentam-se, assim, duas importantes figuras: o abuso da situação subjetiva e o excesso de poder.293 Entendidas as diferenças entre abuso do direito e abuso do poder e sendo o poder diretivo do empregador de trato privado, pois não faz parte dos poderes da Administração Pública, resta claro que, se exercido para além dos limites da finalidade econômica e social, dos bons costumes e da boa-fé, será abusivo e, portanto, ilícito, passível de sanções. Reitere-se, ainda, que o abuso do direito atua tanto na execução do contrato de trabalho como na fase de pré-contratação e pós-contratação. 2.4 CARACTERIZAÇÃO DO ABUSO DO DIREITO Afirmada a possibilidade de aplicação do abuso do direito no contrato de trabalho, os critérios a seguir tratados para sua caracterização encerrarão considerações sobre a aplicação da teoria no referido âmbito. 293 PERLINGIERI, op. cit., p.122. A aplicação do abuso do direito nas situações jurídicas subjetivas também é afirmada por PINHEIRO, , op. cit., p.29-51.; SÁ, , Abuso do direito., p.612.; MEIRELES, Abuso do direito..., p.28. 100 2.4.1 A Boa-Fé294 Humberto Theodoro Júnior assevera que a boa-fé tem se apresentado como um princípio capaz de se amoldar às mudanças sociais, por isso mesmo as legislações atuais, em sua grande maioria, têm-na trazido como balizadora do abuso do direito. Como exemplos, citam-se o Código Civil da Suíça, de Portugal, da Argentina.295No Brasil não foi diferente, ou seja, o indivíduo, portanto, exercerá seu direito dentro do estabelecido pela norma jurídica, encontrado como um de seus limites a boa-fé. Para que a boa-fé possa ser abordada, há que se fazer a sua divisão e distinção de significados (e, como será discutido adiante, de efeitos), já arraigados na doutrina que trata do tema: subjetiva e objetiva. O tema comporta uma dualidade, uma ambivalência de sentidos, são duas visões jurídicas de boa-fé. Há sistemas jurídicos, como no alemão, em que são utilizadas, ortograficamente falando, categorias diferentes para expressar uma e outra faceta da boa-fé. No BGB, a boa-fé subjetiva aparece como Gutglauben296 e, por sua vez, a objetiva é Treu und Glauben297. A boa-fé que importa ao presente estudo consubstancia-se no sentido (e aplicação) objetivo. Por isso mesmo, passa-se a diferenciá-la da subjetiva para chegar a uma definição mais precisa de seu conteúdo, bem como de suas funções. Como dito, a boa-fé objetiva se perfaz numa faceta de equilíbrio298 nas relações, especialmente nos contratos, aqui entendido, também, o contrato de trabalho. A boa-fé objetiva caracteriza-se no dever de os sujeitos agirem com honestidade, lealdade, probidade, correção, lisura. Valores cujos parâmetros, padrões de conduta serão definidos conforme o caso concreto. 294 As considerações traçadas no presente subitem fazem parte de um estudo já publicado, cabendo ressaltar que foram feitas pequenas adaptações. (PAVELSKI, Ana Paula. Funções da boa-fé a objetiva no contrato individual de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 9. Região, Curitiba, ano 31, n.56, p.133-175, jan./jun. 2006). 295 THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 119-120. 296 GUICHARD, Raul. Da relevância jurídica do conhecimento no direito civil. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1996. p.53. 297 Idem. 298 GOMES, Rogério Zuel. A boa-fé objetiva e a sua função de equilibrio na relação contratual. Revista Bonijuris, Curitiba, v.5, n.473, p.13, abr. 2003. 101 É um "modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto [...]."299 Ainda a esse respeito: É uma pauta de conduta da qual se pode abstrair uma norma que obriga as partes. Mais do que um estado de consciência, a boa-fé objetiva é um padrão de conduta que pode construir obrigações, auxiliar na interpretação das declarações e vontade ou completar lacunas da lei ou do contrato.300 Salienta-se que no Brasil, a boa-fé objetiva esteve presente no Código Comercial, com uma função interpretativa dos contratos, padecendo pouco utilizada. Após, o Código do Consumidor previu-a expressamente, transformando-a em instituto utilizado nas decisões, quando então em 2002 o Código Civil trouxe a previsão. Mesmo antes da previsão legal do Código do Consumidor, a aplicação poderia ocorrer sob a égide da confiança. Nesse sentido: A fidelidade tem estreita relação com a vida social humana, pois deriva da confiança depositada mutuamente. Não é de estranhar-se, portanto, que a crença recíproca seja um elemento informador dos mais variados ordenamentos normativos humanos. Seria impossível imaginar que os seres humanos resolvessem viver em grupos sem que houvesse um mínimo de confiança recíproca, ainda que surgida da necessidade de proteção comum frente a inimigos.301 A confiança também é um dos principais elementos do contrato de trabalho.302 A partir dessas considerações, importante ressaltar a boa-fé objetiva como um reforço material do contrato303. Reforço cuja definição recebe um contorno, um conteúdo próprio à medida que desenrolada a prática da relação. Trata-se de cláusula geral que comportará preenchimento a cada concreto. Os parâmetros quanto ao significado de boa-fé existem, a seguir serão vistos, mas se amoldam à relação concreta. "Não é possível, efetivamente, tabular ou arrolar, a priori, o 299 300 301 302 303 MARTINS COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.411. ARAUJO, Francisco Rossal de. A boa-fé no término do contrato de emprego; o pagamento das verbas rescisórias [resilitórias]. Síntese Trabalhista, Porto Alegre, v.1, n.129, p.19, mar. 2000. ARAÚJO, Francisco Rossal. A boa-fé no contrato de emprego. São Paulo: LTr, 1996. p.23. PLÁ RODRIGUEZ, op. cit., p.273. CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 1997. p.331. 102 significado da valoração a ser procedida mediante a boa-fé objetiva, porque se trata de norma cujo conteúdo não pode ser rigidamente fixado, dependendo sempre das circunstâncias do caso."304 Nesse campo de atuação da boa-fé, ou seja, para a boa-fé objetiva, a antítese não é a má-fé, mas a "exteriorização de um comportamento ímprobo [sic], egoísta ou reprovável, verificado sob a ótica da vida em harmonia dentro da comunidade."305 O próximo passo verifica-se, então, na necessidade de definir, delimitar a atuação da boa-fé objetiva no contrato individual de trabalho, para conseguir uma melhor especificação de seu conteúdo na prática (e partir dela). Dentro do contexto do presente estudo, para que se possa identificar a boa-fé como parâmetro para a verificação do abuso do direito, são descritas as suas funções, para que, feitos os esclarecimentos necessários, alinhavem-se suas ligações com o contrato individual de trabalho. Com efeito, a aplicação da boa-fé como um princípio imanente também ao contrato de trabalho já tem sido defendida por Américo Plá Rodriguez, para quem o instituto "tem no Direito do Trabalho um sentido muito especial, em virtude do componente pessoal que existe neste ramo jurídico."306 Remete-se às reflexões lançadas no primeiro capítulo do presente estudo, o vínculo empregatício necessita de uma visão mais ampla, pautada nos valores constitucionais e não somente na CLT. A aplicação da boa-fé de forma subsidiária307 ao contrato de trabalho, por conta da previsão do art. 422 do Código Civil e mesmo por causa da aplicação do art. 187, como norte para constatação do abuso do direito. Instituto de larga aplicação no ramo civil, a boa-fé revela-se como uma oxigenação ao Direito do Trabalho, conferindo-lhe ainda mais capacidade de aproximação com o social, com as constantes mudanças a ele inerentes e características. Posicionamentos cuja gênese se perfaz no caleidoscópio social e, normalmente, comportam divergências que demandariam 304 305 MARTINS COSTA, A boa fé... p.412. MATEO JÚNIOR, R. A função social e o princípio da boa-fé objetiva nos contratos do novo código civil. Disponível em: <www.jus.com.br>. Acesso em: 22 mar. 2002. 306 PLÁ RODRIGUEZ, op. cit., p.272. 307 O instituto da boa-fé objetiva, de cunho notadamente civil, não esbarra com nenhum princípio da legislação trabalhista no sentido de negá-lo ou diminuí-lo quanto ao alcance. Muito pelo contrário. A boa-fé tem conseguido dar conta das várias realidades que surgem na relação empregadoempregador, abarcando as mais diversas situações nela ocorridas. Remete-se aqui à previsão do o art. 8. da CLT, como já foi trazido no início do presente capítulo. 103 alterações legislativas308 mais eficientes e rápidas. Não se afirma aqui a desnecessidade de atuação do legislador, mas a sensível aplicação da boa-fé objetiva às diversas ocorrências, nelas se amoldando e trazendo respostas, como a seguir se demonstrará. 2.4.1.1 Interpretação O Código Comercial de 1850, na disposição que tratava da boa-fé, exclusivamente falava de seu caráter interpretativo aos contratos comerciais. Esta função revela-se de grande utilidade prática, uma vez que as cláusulas de um contrato firmado devem ser consideradas segundo os preceitos da boa-fé objetiva. Significa dizer: dentro de padrões de honestidade, lealdade, transparência, enfim, de forma que ambas as partes cooperem em igual monta para a realização da finalidade, do objetivo a que se propuseram pelo contrato firmado A interpretação pode ser para determinar o conteúdo de uma cláusula, para delimitar o significado de um termo ou expressão que possam soar vagos ou, ainda, para estabelecer quais serão os deveres de incumbência de cada contratante. Função que não está adstrita à atividade interpretativa das partes envolvidas, mas do próprio julgador, caso o contrato venha a dar ensejo a algum litígio. O professor Flávio Alves Martins elucida que a interpretação tem [...] o objetivo de determinar o sentido das estipulações contidas no pacto celebrado, permitindo-se até a sua reconstrução pelo julgador, que pode interferir, conseguintemente, nos direitos e deveres das partes envolvidas na relação jurídica obrigacional [...].309 Dentro da linha310 lógica do mesmo autor, não há um caráter meramente subsuntivo de uma norma que encerre a boa-fé objetiva. O juiz, ao contrário de apenas aplicar esta norma ao caso concreto, como o faria num processo de subsunção, vai, 308 309 WARAT, op. cit., p.292-293. MARTINS, Flávio Alves. A boa-fé objetiva e sua formalização no direito das obrigações brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p.21. 310 Ibidem, p.22. 104 antes de tudo, ter de interpretar, identificar para depois construir o conteúdo da norma aplicável àquele caso concreto em particular. Realizando a função interpretativa dentro de um contrato – seja ele civil, seja trabalhista –, o julgador, não necessariamente, modificará a essência da relação obrigacional, poderá apenas fazer correções e retificações de modo a esclarecer o conteúdo e significado das cláusulas que lhe compõem. Judith Martins Costa, denomina a função em comento da boa-fé como "cânone hermenêutico-integrativo"311. Assim, a boa-fé objetiva, além das possibilidades de interpretação elencadas anteriormente, vem a suprir lacunas não somente internas aos contratos, mas considerados estes perante todo o ordenamento jurídico vigente, e, também, aos acontecimentos concretos, pois as partes não são capazes de prever e estabelecer considerações e estipulações sobre todos os acontecimentos. Aplicando-se tal raciocínio especificamente ao Direito do Trabalho, citem-se as palavras de Eduardo Milléo Baracat: Interpretar e integrar o contrato, de acordo com o princípio da boa-fé significa traduzir o comportamento das partes, de acordo com a finalidade e função social da correspondente relação jurídica, vista, conforme sua complexidade, como uma ordem de cooperação, não se tratando tão-somente da dialética crédito (direito do empregador de dispor da mão-de-obra) e débito (dever do empregado de prestar o trabalho), mas de um conjunto de direitos e deveres, em que as partes visam a uma finalidade comum. [...] A função interpretativa-integrativa da boa-fé auxilia o operador do Direito do Trabalho a, diante do fato concreto, qualificar a natureza da relação jurídica existente, como também preencher as lacunas existentes desse mesmo vínculo.312 Importante ressaltar que a boa-fé objetiva atua em todas as fases contratuais, seja na formação do vínculo, seja na celebração do pacto, seja em sua execução, bem como pós-contratualmente. A boa-fé é chamada a determinar comportamentos que não fazem parte do contrato ou mesmo do ordenamento jurídico, de maneira a viabilizar o objetivo do contrato, de sua obrigação principal. 311 Ela também observa que esta expressão foi utilizada por Clóvis do Couto e Silva (MARTINS COSTA, A boa fé..., p.428). 312 BARACAT, A boa-fé..., p.183. 105 Assim, atuando como cânone hermenêutico-integrativo, a interpretação das estipulações de um contrato deve partir de seu sistema interno, ou seja, cada uma das estipulações deve ser considerada com todo o resto do contrato, para que possa ser encontrado seu mais amplo significado. Neste raciocínio, são precisas as considerações comparativas de Judith Martins Costa: Para a aclaração deste "sentido total" é imprescindível a referência ao princípio da boa-fé, sendo o raciocínio, aqui, similar ao que se manifesta em matéria de interpretação da lei quando se intenta averiguar o sentido de uma norma ou de um complexo de normas, considerando-se os elementos de valoração postos nos princípios fundamentais do sistema ou do conjunto normativo em análise.313 Exemplificando a possibilidade juslaboralista da aplicação da boa-fé como forma de interpretação, Baracat cita a identificação, num contrato, da subordinação jurídica objetiva. Verificado que a atividade é essencial para o empresário (proprietário, a quem pertence o risco da atividade econômica) e presentes os demais requisitos celetistas (art. 3.o da CLT), estará caracterizado o contrato de emprego, ainda que o pactuado seja uma prestação de serviços autônoma.314 2.4.1.2 Limite ao exercício de direitos subjetivos315 Esta função, também denominada de controladora316, trata da limitação e até mesmo da supressão de um direito. Como dito, os acontecimentos históricos demonstraram que não é possível, nem justo e equilibrado o exercício de direitos sem alguma limitação, direitos subjetivos e mesmo as situações jurídicas subjetivas, notadamente o poder diretivo do 313 314 315 MARTINS COSTA, A boa fé..., p.431. Tal hipótese é ventilada na obra de BARACAT, A boa-fé..., p.183-184. No caso do contrato de trabalho e especificamente do poder diretivo do empregador, relembre-se que sua natureza é de situação jurídica subjetiva, conforme exposado no primeiro capítulo da pesquisa. De qualquer sorte, aplica-se o abuso do direito e a boa-fé no sentido ora retratados, sendo que a justificativa para tanto está no presente capítulo, quando se justificou a aplicação da teoria do abuso do direito no contrato de trabalho. 316 BARACAT, A boa-fé..., p.24. 106 empregado e a sua pretensão de exigir os serviços do empregado não são, de forma alguma, absolutas. O contrato deve ser caracterizado pela cooperação e colaboração entre seus contratantes, de uma forma sinalagmática e equilibrada. A boa-fé é corolária desta atuação das partes na medida em que determina certos deveres, certas formas de agir, que, se não respeitadas, terão conseqüências diferenciadas conforme o caso concreto. Quanto à limitação de exercício de direitos, a boa-fé objetiva é invocada a atuar em campos como o da exceptio doli317, do abuso do direito, das teorias venire contra factum proprium318, suppressio319 e tu quoque320. Abordar-se-á, a seguir, cada um dos temas, sendo que, em relação ao abuso do direito, ressalte-se que, por ser um dos pontos teóricos da presente pesquisa, sua aplicação pela boa-fé restará melhor configurada no capítulo terceiro, em face dos direitos de personalidade do empregado. A boa-fé objetiva, dentro dessas teorias, tem a função de definir seus conteúdos, pois ao direito e mesmo às cláusulas contratuais, como já foi dito em seção anterior, não é possível definir todas as hipóteses passíveis de ocorrência numa relação de emprego, ainda mais se considerado o princípio da continuidade que permeia a relação mencionada, tendendo esta a perdurar no tempo. Por exemplo, no caso do venire contra factum proprium, não é possível uma norma que defina todas as condutas da parte que possam ser contraditórias dentro de uma relação obrigacional, consideradas todas as suas fases. Assim, os casos concretos e a aplicação dos preceitos da boa-fé objetiva viabilizam a limitação do exercício de direitos. A aplicação dessas teorias na prática deverá, segundo o caso tratado, considerar os parâmetros de lealdade, honestidade, cooperação – expressões características da boa-fé objetiva. 317 Por essa teoria, à parte não é permitido agir de maneira a prejudicar o outro, embora sua conduta esteja respaldada por uma norma jurídica. 318 A parte age contrariando comportamento realizado anteriormente por ela mesma. (CORDEIRO, A. M. da R. M., op. cit., p.742). 319 "o titular do direito, abstendo-se do exercício durante um certo lapso de tempo, criaria, na contraparte a representação de que esse direito não mais seria atuado; quando, superveniente, viesse agir, entraria em contradição." (Ibidem, p.809). 320 "[...] uma regra pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica não poderia, sem abuso, exercer a situação jurídica que essa mesma norma lhe tivesse atribuído". (Ibidem, p.837). Assim, não pode uma pessoa violar um comando normativo e depois exigir que seu parceiro contratual o realize. 107 Para ilustrar as teorias mencionadas, na seqüência se relatam algumas hipóteses trazidas pela doutrina que trata do tema. Referindo-se à suppressio, Baracat enumera o denominado "perdão tácito"321, ou seja, a demora em punir o ato faltoso do empregado pode querer significar que o empregador o perdoou ou, ainda, renunciou à punição. Quanto à exceptio doli, o exemplo que vem da doutrina especializada no tema acusa a hipótese em que o empregador, mesmo sabendo que o trabalho que está sendo imposto ao empregado lhe causará uma doença profissional não toma as medidas necessárias para evitá-la. A conduta do empregado que se opõe a essas condições de trabalho enquadra-se perfeitamente na exceptio doli, pela qual ele enfrenta o ato contrário à boa-fé, praticado pelo empregador.322 Adentrando-se à tu quoque, o exemplo prático que é trazido menciona uma situação que atualmente não é rara na Justiça do Trabalho. Trata-se daquele conhecido nos casos de contratação de trabalhadores pela Administração Pública sem prévio concurso público (art. 37, II da Constituição Federal). Com efeito, Evidente a violação do tu quoque, pois a própria Administração Pública, por primeiro, viola o preceito constitucional, para depois negar qualquer direito ao trabalhador, exatamente por ela mesma haver transgredido a norma. Beneficia-se a Administração Pública do labor do trabalhador, mas não lhe reconhece qualquer direito. Nesse caso, contudo, não é possível reconhecer, por aplicação da boa-fé objetiva, a existência de um contrato de trabalho entre a Administração Pública e o trabalhador que não foi aprovado em concurso público. Com efeito. A boa-fé objetiva deve ser instrumento para viabilizar a aplicação dos princípios constitucionais, e não negá-los. Assim, se o art. 37, II, da Constituição inviabiliza o reconhecimento de contrato de trabalho nessas hipóteses, a boa-fé objetiva não tem a possibilidade de suplantar esta proibição. A boa-fé objetiva, no entanto, permite a reparação do prejuízo sofrido pelo trabalhador, de haver trabalhado como se empregado fosse, mas sem reconhecimento dessa condição. É possível, por conseguinte, impor à Administração Pública o pagamento de indenização, equivalente a todos os direitos que, em tese, existiram em qualquer contrato de trabalho, tendo em vista que devem nortear qualquer relação jurídica os ditames da lealdade e da confiança.323 Em relação ao venire contra factum proprium, o exemplo trabalhista que pode ser mencionado está no contrato de experiência, na medida em que o empregador, 321 322 323 BARACAT, A boa-fé..., p.202. Exemplo extraído da obra de BARACAT (Ibidem, p.204). Ibidem, p.212. 108 firmando com um empregado esta modalidade de contrato, deixa este confiante no sentido de que o contrato virá a ser por prazo indeterminado. Porém, advindo o decurso de tempo, sem qualquer justificativa plausível, o contrato é extinto. A doutrina que defende o tema afirma que o empregador deve expor as razões pelas quais o trabalhador é inapto para aquela função, devendo o contrato ser extinto. Caso contrário, o contrato deve ser considerado como por prazo indeterminado, tendo o trabalhador direito a receber as parcelas decorrentes de tal pactuação, sem prejuízo de indenização. A recíproca também seria possível, neste caso.324 Ainda neste assunto de função controladora, releve-se também que será necessário interpretar e aplicar os casos de exceptio non adimpleti contractus, ou seja, de uma parte deixar de realizar sua obrigação fundamentando que a outra parte não realizou uma obrigação correspondente que lhe incumbia, conforme os preceitos de boa-fé e levando-se em consideração a característica sinalagmática dos contratos. Enfim, é sensível a diferença de aplicação de todas estas teorias, um tanto quanto abstratas, quando se tem um parâmetro para isso, como é o caso da boa-fé objetiva. Como cláusula geral dos contratos, traduzida no art. 422 do Novo Código Civil, e, como já fartamente demonstrado, aplicável ao contrato individual de trabalho, ela servirá de base para análise das pactuações juntamente com essas teorias, de acordo com cada caso concreto apresentado, servindo de fundamento para as decisões. 2.4.1.3 Criação de deveres jurídicos A relação obrigacional é um todo dinâmico, ou seja, não deve ser vista apenas pelos seus componentes externos: credor, devedor, vínculo, o qual nada mais é do que a prestação a ser adimplida por este àquele. Na esfera trabalhista, têm-se as figuras: empregado, empregador, salário. 324 Este exemplo e ainda um outro estão em BARACAT (Ibidem, p.199-200). 109 Há que se ter uma perspectiva holística325, na qual tudo está em relação com tudo. Não há somente uma prestação isolada em um contrato, há também, ao lado desta obrigação principal, um complexo de deveres de prestação e de conduta, afora demais situações jurídicas exigidas para realização deste ou daquele ato. A observação de Menezes Cordeiro para o tema é de grande valia: A complexidade intra-obrigacional traduz a ideias de que o vínculo obrigacional abriga, no seu seio, não um simples dever de prestar, simétrico a uma pretensão creditícia, mas antes vários elementos jurídicos dotados de autonomia bastante para, de um conteúdo unitário, fazerem uma realidade composta. [...] a obrigação abrangeria uma multiplicidade de pretensões, presentes ou possíveis, para o futuro, estando o todo unificado em função do conjunto orgânico formado pela relação global [...]. Várias prestações, susceptíveis de ser atribuídas, noutras circunstâncias, de modo autónomo, podem estar reunidas num escopo comum ou aparecer geneticamente ligadas. A obrigação implica, então, créditos múltiplos e diz-se complexa; tem várias prestações principais, ou, quando uma delas domine, em termos finais, uma principal e várias secundárias.326 A obrigação assim considerada, ou seja, em seu aspecto interno também, sugere e melhor, afirma um novo paradigma327 para o direito obrigacional, qual seja, o da boa-fé objetiva. O antigo paradigma da vontade humana não é mais o supremo senhor das relações contratuais. Essa afirmação anterior é explicada facilmente quando relevados os deveres acessórios ou instrumentais que a boa-fé objetiva evidencia necessários para o desenrolar de uma obrigação, em todo o seu processo328 dinâmico: negociações, celebração, execução e momentos posteriores. Na esfera contratual trabalhista, não se podem mais ter em mente apenas os deveres principais, qual seja, o de trabalhar pelo empregado e o de pagar o salário, do empregador. As relações empregatícias devem ser pautadas pela boa-fé em sua totalidade, especialmente porque a regra geral é que sejam de trato sucessivo e por tempo indeterminado. Todos os deveres mencionados são inerentes a empregados 325 326 327 328 MARTINS COSTA, A boa-fé..., p.389. CORDEIRO, A. M. da R. M., op. cit., p.586-591. MARTINS COSTA, A boa-fé..., p.394. A idéia de obrigação como um processo dinâmico, que vislumbra uma finalidade, foi trazida pela professora Judith Martins Costa citando os ensinamentos de Clóvis do Couto e Silva. (Ibidem, p.382). 110 e empregadores. Assim, ambos devem comportar-se de maneira leal, honesta, cooperando para o escopo principal do contrato que firmaram. A opinião de Maria Pezzella sobre a dinamicidade e a totalidade das relações obrigacionais corrobora essa idéia anterior, de que ambas as partes devem estar envolvidas: [...] Em virtude da aplicação da boa-fé objetiva no direito das obrigações, a relação obrigacional passou a ser considerada como uma ordem de cooperação entra as partes para satisfazer os interesses do credor, com a necessária preservação também dos interesses do devedor [...], os direitos não se confinam apenas a um dos pólos da relação, mas estendem-se também ao outro, com os deveres correspondentes, de modo que não mais se pode definir a relação jurídica linearmente, como mera soma de obrigações e direitos, uma vez que é uma totalidade, não se confundindo com os deveres principais que engloba.329 Nos contratos individuais de trabalho a realidade se mostra coincidente, [...] porque se parte da suposição de que trabalhador deve cumprir seu contrato de boa-fé e entre as exigências da mesma se encontra a de colocar o empenho normal no cumprimento da tarefa determinada. Mas ao mesmo tempo essa obrigação de boa-fé alcança o empregador, que também deve cumprir lealmente suas obrigações.330 Alguns desses deveres são: lealdade, correção, informação, sigilo, segredo, segurança, cooperação, cuidado, proteção. A seguir, serão tratados alguns deles. Num primeiro momento, citem-se como deveres anexos os de proteção e os de diligência. Pelo dever de proteção, "[...] considera-se que as partes, enquanto perdure um fenómeno contratual, estão ligadas a evitar que, no âmbito desse fenómeno, sejam infligidos danos mútuos, nas suas pessoas ou nos seus patrimónios."331 Assim, os contratantes devem guardar ambos, às suas pessoas, suas integridades físicas, como a seus patrimônios, seus instrumentos de trabalho, cooperando com a segurança e proteção uns dos outros. 329 PEZZELLA, Maria Cristina Cereser. A boa-fé no direito o princípio da boa-fé objetiva no direito privado alemão e brasileiro. Juris Síntese Millennium, Porto Alegre, p.13, jul./ago. 2002, não paginado. 330 PLÁ RODRIGUEZ, op. cit., p.269. 331 CORDEIRO, A. M. da R. M., op. cit., p.604. 111 O exemplo pré-contratual juslaboralista que se pode trazer e aplicar a boa-fé objetiva como fundamento de um dever de proteção, compreende a situação em que "durante uma entrevista no estabelecimento da empresa, o teto desabe sobre o candidato, causando-lhe ferimentos. Observe-se que, no caso, faltou, por parte da empresa, a devida proteção à pessoa do trabalhador."332 Em relação à aplicação de condutas dentro dos termos da boa-fé objetiva durante o vínculo empregatício, podem ser citados como exemplos333: o fornecimento correto de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) para trabalhadores que desenvolvam atividades insalubres, incentivo e tomada de providências no sentido de criar, organizar e manter a CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes). Outro dever trazido à baila com espeque na boa-fé trata-se da lealdade. A lealdade entre as partes, durante toda a vigência contratual, seja ela de que natureza for, entendida aqui desde suas negociações até fatos posteriores ao cumprimento do seu objetivo, é dever acessório de grande relevância. As partes devem demonstrar e atuar de forma a cumprir efetivamente o contrato, tendo legítimo interesse em sua consecução. Para Paul Durand: As relações de trabalho não consistem em um simples intercâmbio de prestações de ordem patrimonial. Elas fazem o trabalhador entrar em uma comunidade de trabalho e obrigam o empregador a testemunhar-lhe uma confiança necessária. Elas impõem ao trabalhador uma obrigação de boa-fé particular a pode-se falar de uma obrigação de fidelidade do trabalhador relativamente ao empregador.334 Quando a lealdade resulta abalada, a confiança está com ela afetada, e isso pode resultar em conseqüências extremamente negativas à circulação de riquezas, uma vez que os contratos são seu maior veículo. 332 BARACAT, A boa-fé..., p.225-226. O mesmo autor ainda sustenta para esse exemplo o dever de a empresa indenizar o trabalhador em relação a despesas médicas, bem como eventuais lucros cessantes e mesmo prejuízos de ordem moral. Tudo dependerá do caso concreto. Outros exemplos importantes são aqueles que encerram a discriminação na contratação de empregados que já ingressaram com ação trabalhista, ou mesmo de exigir exames para verificar se a candidata está grávida ou não, desde que o estado gravídico não seja incompatível com a função e as atividades s serem desenvolvidas. 333 Além dessas hipóteses, o autor trabalha com outras, vide BARACAT (Ibidem, p.241-247). 334 DURAND, P. apud PLÁ RODRÍGUEZ, op. cit., p.275-276. 112 Quanto aos deveres de informação e esclarecimento, também decorrentes da boa-fé, a importante correlação que se pode aventurar neste assunto situa-se em perquirir quanto à existência de igualdade entre as partes. Significativamente, estar mais e melhor informado sobre todas as condições, implicações, finalidades de um contrato é estar em maior igualdade com a outra parte, ou contrariamente, estar dela separado por um abismo. No caso de contrato de emprego, sabe-se da hipossuficiência do trabalhador. Assim, os deveres de informação e esclarecimento são imperiosos, a fim de que se possa falar da boa-fé como um certo equilíbrio, como já tratado em subcapítulo anterior. Na fase de formação de um contrato, especialmente aqui o de emprego, as informações sob todos os aspectos a ele inerentes – partes, prestações, objeto, duração, horários, locais, condições – são imprescindíveis para que o vínculo constituído surta os efeitos esperados pelos contratantes. Durante a execução, as partes, igualmente, devem manter-se informadas, de maneira a cooperar com a finalidade a que se propuseram. A ausência de informações ou, por outro lado, sua deficiência, pode acarretar conseqüências em outros deveres funcionais como o sigilo, a lealdade e até mesmo a proteção. Um exemplo do dever de informar pode ser colocado quando da contratação de um trabalhador, este deve informar com clareza sua experiência com as atividades que irá desenvolver, no caso de possuir esta experiência ser um requisito. O empregador, por sua vez, deve informar e esclarecer como manusear os equipamentos de trabalho, se necessário fornecer o treinamento adequado, também informar como desenvolver a atividade da melhor forma. Ambas partes devem informar-se as respeito de problemas com o trabalho, com equipamentos, enfim, a informação deve ter, neste caso, um caráter reflexivo, ou seja, ambos, empregado e empregador têm o dever de manterem-se informados e a par de todos os acontecimentos. Outro exemplo prático que parece aplicável é o caso de um trabalhador que afirma conhecer o equipamento com o qual vai trabalhar e depois vem a danificá-lo porque, em verdade, não sabia como trabalhar com ele. É uma situação na qual o empregado não informou, não esclareceu ao empregador suas reais aptidões para com a atividade que iria desenvolver. Assim, pode-se estudar, dentro do limites que a CLT traça, uma forma de o empregador ser reparado nos gastos que teve com o conserto do equipamento. 113 Finalmente, os deveres de sigilo e segredo. Estes deveres acessórios estão estreitamente vinculados ao dever de lealdade e ao dever de informação. Ainda, o sigilo e o segredo são deveres que decorrem de colaboração e cooperação entre as partes.335 Explica-se: durante a relação havida entre contratantes – seja na fase negocial, seja na celebração, na execução e até mesmo após findo o contrato – pode ocorrer a troca de informações que se mostrem sigilosas e apenas reveladas porque pertinentes àquele pacto. Violar este dever, revelar este segredo, divulgar esta informação, poderá acarretar conseqüências negativas ao parceiro contratual a ponto de prejudicar o próprio contrato em si, dada a quebra de lealdade e confiança entre as partes. Em um contrato de emprego, o sigilo pode ser, por exemplo, em relação a um segredo da empresa. Ocorrendo de um empregado divulgar tal informação, pode-se considerar que houve uma conduta contrária à boa-fé e, conseqüentemente, uma hipótese de justa causa e até mesmo um dever de indenizar. 2.4.2 Fim Econômico ou Social Trata-se do critério que cuida da concepção clara de que os direitos conferidos pelo ordenamento jurídico não são absolutos e ilimitados, têm como finalidade atender a interesses da coletividade. A noção de função social impõe a compreensão de que os atos ou relações jurídicas não interessam apenas aos que deles façam parte mas a todos que os cercam, justamente porque repercutem no meio social, não apenas no plano intersubjetivo.336 Tal noção consta do seio constitucional, especialmente do artigo 2.o, I que trata da solidariedade como objetivo da República.337 Há uma franca tentativa de 335 336 BARACAT, A boa-fé..., p.255. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Deveres gerais de conduta nas obrigações civis. p.14-15. Disponível em: <http://www.flavioartuce.adv.br/secoes/artigosc/Art_Paulolobo.doc>. Acesso em: 25 set. 2008. 337 MEIRELES, Abuso do direito..., p.77. 114 reconstrução do conceito e do valor de pessoa, a busca do pleno desenvolvimento do homem, ao qual o eficientismo e a livre concorrência devem estar subordinados.338 Além disso, como dito no primeiro capítulo, a idéia de empreendimento, de empresa e atividade empresarial decorre da livre iniciativa, a qual, aliada ao valor social do trabalho, constitui fundamentos da República insertos no artigo primeiro da Constituição. Não bastasse isso, a dignidade da pessoa humana também se fez presente como fundamento. Conjugando tais pilares com o solidarismo, resta clara a premissa de igualdade e igual dignidade social.339 Observe-se, também, que a Constituição elenca a justiça social como um dos fundamentos da ordem econômica340, no caput do artigo 170. A seguir, trata de função social da propriedade no inciso III do mesmo dispositivo citado. Função social atrelada à propriedade também aparece no rol de direitos fundamentais, vide art. 5.o, XXIII341. Dispositivos claros de um Estado Social, cujas premissas até o momento traçadas opõem-se claramente ao Estado Liberal, em que prevalecia o interesse individual das partes relacionadas juridicamente, a autonomia da vontade como regra geral. Quebrado este paradigma do liberalismo, o Estado Social tutela não só a ordem social, traçando direitos sociais cuja finalidade consubstancia-se no implemento das condições de vida em sociedade, mas também a ordem econômica. Em termos de contrato de trabalho, a função social deve ser reconhecida por pelo menos dois vieses. Um deles remonta à função social da propriedade. Ora, se a 338 339 PERLINGIERI, op. cit., p.35-36. Ibidem, p.36. O autor, na mesma página da obra citada, define igual dignidade social como "[...] instrumento que confere a cada um o direito ao respeito inerente à qualidade de homem, assim como a pretensão de ser colocado em condições idôneas a exercer as próprias aptidões pessoais, assumindo a posição a estas correspondentes." 340 A primeira Constituição brasileira a tratar da ordem econômica foi a de 1934, inspirada na Constituição de Weimer (1919), ainda que a primeira Constituição a tratar do tema tenha sido a mexicana, de 1917. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p.285). Alexandre de Moraes relembra que a tutela da ordem econômica na Constituição consagra o Estado Social, em detrimento do Estado Liberal e influenciando as previsões sobre a ordem econômica nas demais Constituições. Não que anteriormente o Estado não interviesse na economia, mas o fazia de uma maneira mínima. De tal ponto em diante as ops textos constitucionais passam a ter conteúdos programáticos em termos de ordem social e econômica se correlacionando. (MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.795). 341 Art. 5.o [...] XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; 115 propriedade deve ser exercida de acordo com sua função social e se a livre iniciativa deve aparecer ligada ao valor social do trabalho, nota-se que as relações de emprego devem ser vestidas pelo arcabouço constitucional de solidarismo e dignidade da pessoa humana. Da noção de propriedade privada e livre iniciativa, denota-se a idéia de empresa que, como dito, é o foco principal do presente estudo, justamente por conta das premissas trazidas pela CTL no tocante ao empregador. Percebe-se que os contratos de trabalho podem decorrer da atividade empresarial, tanto com base no artigo 2.o342, que atrela ao empregador os riscos do empreendimento, quanto nos artigos 10343 e 448344, que tratam de sucessão empresarial. Evaristo de Moraes Filho arremata: A empresa é um simples complexo de propriedade privada, no meio de muitos mais. A função social da propriedade não cabe só à empresa e sim a qualquer espécie de propriedade que tenha relações com a coletividade, que possa ser utilizada de modo anti-social ou malicioso, em prejuízo de muitos.345 O outro deles é a função social do contrato, como fator de limitação da liberdade de contratar, cujo fundamento se encontra no artigo 421346 do Código Civil e se aplica ao contrato de trabalho supletivamente, por força do art. 8.o, § único da CLT. Além de limite à liberdade de contratação, a função social condiciona o cumprimento do contrato porque, como dito, certamente ele surtirá efeitos no coletivo, não apenas entre os contratantes. Analisando, ainda, esse dispositivo do Código Civil sobre contratos e considerando que em referido diploma legal o legislador não trouxe a função social da empresa prevista expressamente, relaciona-se a noção de empresa aos contratos e consegue-se, uma vez mais, a aplicação da função social em seu âmbito. Como explica Dinizar Domingues: 342 343 344 345 346 o Art. 2. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Art. 10. Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados. Art. 448. A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados. MORAES FILHO, op. cit., p.257. Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. 116 [...] se a função social do contrato é expressa no art. 421 do Código Civil e se a própria existência da empresa está condicionada à existência de um contrato, indeclinável que essa empresa se sujeitará ao referido princípio, até mesmo porque esse exercício da atividade econômica, tratado no art. 981 do Código Civil, está acolmatado aos princípios da ordem econômica [...].347 Eros Grau enfatiza que a função social da propriedade, muito mais do que não prejudicar outrem, necessita de uma atuação positiva do titular da dita propriedade, ou seja, exige prestações de fazer.348Assim, a empresa que cumpre sua função social nos dias atuais, em que flagrantes os níveis altos de desemprego, preserva os direitos de seus empregados, atua na geração do emprego pleno e, ainda, procura evitar ao máximo a automação.349 Além disso, máxime se faz o respeito aos direitos de personalidade dos empregados, que se fazem presentes na relação de emprego porque não se pode dissociar a pessoa do trabalhador de seu trabalho. Aldacy Rachid Coutinho assevera que a subordinação deve se readequar à função social do contrato, o poder diretivo do empregador atuaria sobre o cumprimento do contrato, adentrando somente o labor e afastando-se da pessoa do trabalhador, como forma de preservação de sua dignidade.350 Nessa esteira, afrontar os direitos de personalidade dos empregados constitui abuso do poder diretivo do empregador e quebra da função social da empresa. O empreendimento que cuida de realizar sua função social não está atento tãosomente às prestações patrimoniais como salários, adicionais e outras vantagens previstas no artigo 7.o da Constituição e na CLT, mas também cuida da pessoa, dos direitos de personalidade do trabalhador, de forma a não afrontá-la porque, como se descreveu anteriormente, o mote dos valores constitucionais vigentes tem como objetivo a valorização da pessoa. 347 DOMINGUES, Dinizar. Meio ambiente do trabalho: função social e sustentabilidade. In: GUNTHER, Luiz Eduardo (Coord.). Tutela dos direitos da personalidade na atividade empresarial. Curitiba: Juruá, 2008. p.81. O autor se refere a contrato porque a empresa, para ser regularmente constituída, precisa da existência de um contrato social, a ser depositado na Junta Comercial. 348 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p.259. 349 DALLEGRAVE NETO, Responsabilidade civil..., p.336. O autor traça suas considerações o o citando os seguintes dispositivos constitucionais: art. 7. ; 170, VIII e 7. , XXVII. 350 COUTINHO, Função social..., p.46. 117 A par de todas essas idéias, encontra-se a necessidade de irradiação dos efeitos da Constituição na interpretação e aplicação de todos os demais diplomas legais vigentes, especialmente da CLT e do Código Civil. Trata-se da constitucionalização do direito privado. Um exemplo que se pode colocar como função social nos contratos de trabalho: a empresa que fornece cigarros e bebidas alcoólicas a seus empregados descumpre a sua função social porque embora esteja exercendo uma faculdade jurídica, a doação de bens, estaria provocando o consumo de produtos que na verdade são nocivos à saúde de seus empregados, o que poderá acarretar até mesmo o afastamento destes do mercado de trabalho, prejudicando-lhes a cidadania e a inclusão social.351 A função econômica impõe a observância de um equilíbrio nas relações, sendo distantes de tal função as estipulações que possam levar uma das partes à ruína econômica.352 José Afonso da Silva diz que [...] os direitos econômicos são pressupostos da existência dos direitos sociais, pois, sem uma política econômica orientada para a intervenção e participação estatal na economia, não se comporão as premissas necessárias ao surgimento de um regime democrático de conteúdo tutelar dos fracos e mais numerosos.353 Percebe-se que a ordem econômica se relaciona com a ordem social porque: [...] enquanto a ordem econômica se consubstancia num conjunto de disposições concernentes tanto aos direitos dos trabalhadores, como à estrutura da economia e ao estatuto dos cidadãos, visando assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social (observados os princípios indicados no artigo 170da Constituição), os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem [...] criam condições materiais e propícias à obtenção da igualdade real e, consequentemente, ao exercício da cidadania.354 O contrato deve ter mais do que uma função puramente econômica, deve se "[...] voltar novamente ao cidadão trabalhador e aos valores éticos e sociais."355 351 352 353 354 355 MEIRELES, Abuso do direito..., p.82. Ibidem, p.84. SILVA, J. A. da, op. cit., 31.ed., p.286. LAUTENSCHLÄGER, op. cit., p.93-94. COUTINHO, Função social..., p.48. 118 2.4.3 Bons Costumes Outro parâmetro trazido para verificação do abuso do direito trata-se dos bens costumes. Porém a legislação não os define, tarefa que caberá ao operador do direito na consideração do caso concreto. Em verdade, acertada a ausência de definição legal ou mesmo de hipóteses legais para os bens costumes, porque, diferente fosse, as leis certamente não conseguiriam abarcar todas as situações de bons costumes ocorrentes na realidade. No objetivo de apreender o alcance dos bons costumes, debatem-se duas correntes: a sociológica e a idealista. A primeira busca a acepção de bons costumes a partir das opiniões sociais preponderantes, denotando-se como possíveis as alterações dessas mesmas opiniões. A visão idealista, por sua vez, tem origem filosófica ou religiosa e, contrária às práticas usuais, procura um ideal humano ou divino.356 Os bons costumes significam o "[...] conjunto de regras morais aceitas pela consciência social."357 Significa dizer que não se trata de práticas, mas de idéias, convicções. Não se trata da moral colocada em prática, mas da moral que a maioria entende como necessária de observância. Não se confunde, ainda, com a moral pessoal de um juiz ou outro operador do direito, trata-se da moral objetiva, da maioria dominante.358 Feitas as considerações no item anterior quanto à boa-fé objetiva, percebe-se que há uma fluidez maior quanto ao conceito de bons costumes, isso porque, no caso da boa-fé, a doutrina e a jurisprudência já lhe conferiram várias hipóteses de aplicação, são vários os casos concretos tutelados com base na boa-fé. Afirma-se que um comportamento contrário aos bons costumes afronta a boa-fé, porém, para que fira os bons costumes um comportamento deverá afrontar de forma grosseira a boa-fé.359 356 357 358 359 SÁ, F., op. cit., p.189-190. ABREU, op. cit., p.63. Ibidem, p.63-64. ABREU, op. cit., p.64. 119 Diferenciação seja feita também em relação aos bons costumes e a ordem pública, uma vez que esta significa "[...] o conjunto de princípios fundamentais subjacentes ao sistema jurídico."360 Edilton Meireles, ainda, diferencia bons costumes de costumes propriamente ditos. Explica o autor que os bons costumes correspondem aos comportamentos segundo a moral social. Os costumes, por sua vez, formam o que se denomina de direito consuetudinário, ou seja, a moral social acrescida da opinio júris.361 Tais costumes, para serem assim considerados, carecem de dois elementos: um dito externo, compreendendo a prática geral e constante, por algum tempo, de casos análogos, e outro dito interno, a convicção de sua obrigatoriedade, como se fosse uma necessidade jurídica.362 Cunha de Sá cita como exemplo civil de contrariedade aos bons costumes as cláusulas que proíbem uma determinada pessoa a exercer uma atividade industrial ou mercantil, desde que, por conta disso, tal pessoa reste impossibilitada de viver, de prover sua subsistência.363 Transmudando o exemplo de Cunha de Sá para o contrato de trabalho, podese dizer que são abusivas cláusulas de sigilo e não-concorrência do trabalhador após a rescisão contratual com um determinado empregador que, por exemplo, detém um conhecimento específico de uma tecnologia, do qual o empregado tomou ciência ou até mesmo concorreu para desenvolvimento, por causa de seu contrato de trabalho. Uma cláusula como essa acaba por inviabilizar que o trabalhador consiga recolocação no mercado de trabalho, ou mesmo que atue por conta própria após a rescisão, prejudicando seu próprio sustento e, por que não, o sustento de seus familiares.364 360 361 362 363 364 PINTO, op. cit., p.646. MEIRELES, Abuso do direito..., p.86. LAUTENSCHLÄGER, op. cit., p.88. SÁ, F., op. cit., p.200. SÃO PAULO, Tribunal Regionaldo Trabalho (2.ª Região). Processo RO 200104087. Órgão Julgador: Oitava Turma. Juiz Relator: Joé Carlos da Silva Arouca. Data de Publicação: DOSP, 05 mar. 2002. EMENTA: CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA – CUMPRIMENTO APÓS A RESCISÃO CONTRATUAL – ILEGALIDADE – A ordem econômica é fundada, também, na valorização do trabalho, tendo por fim assegurar a todos existência digna, observando dentre outros princípios a busca do pleno emprego. Pelo menos, assim está escrito no art. 170, inciso o VIII, da Constituição. O art. 6. do diploma deu ao trabalho grandeza fundamental. A força de trabalho é o bem retribuído com o salário e assim meio indispensável ao sustento próprio e 120 2.5 SANÇÕES AO ATO ABUSIVO Revela-se de importância traçar algumas linhas a respeito da sanção no abuso do direito, isto porque a mera reprovabilidade do ato abusivo pelo ordenamento jurídico não se mostra capaz de coibi-lo, notadamente se relembradas as considerações declinadas quando da descrição do contexto social e jurídico em que se passou a aceitar a aplicação da teoria. A realidade mostrou que a plena autonomia da vontade, com intervenção mínima do Estado nas relações entre particulares somente acarretou o aumento das desigualdades. O abuso do direito, como visto, foi uma das concepções que decorreu da quebra das idéias individualistas do liberalismo. Miguel Reale define sanção como "[...] todo e qualquer processo de garantia daquilo que se determina em uma regra."365 O autor continua explicando as diferenças entre as sanções morais e as jurídicas, concluindo que estas possuem como características a predeterminação e a organização. Predeterminação porque constam de normas, ou seja, há regras nas quais já fazem parte de seus elementos constitutivos uma forma de sanção. Organização porque, por exemplo, no caso de um homicídio, a sociedade está organizada contra o agente criminoso pelo aparelhamento policial e mesmo pela tutela jurisdicional. A existência do Poder Judiciário se perfaz justamente por conta da noção de sanção, pois o indivíduo lesado de alguma forma a ele recorre para restabelecer o equilíbrio das relações.366 O ato ilícito subjetIvo acarreta a responsabilidade civil, normalmente uma repa-ração pecuniária367. O abuso do direito, ressalte-se novamente, que não se confunde com o ilícito subjetvo, ante a sua autonomia dogmática – porque detentor familiar, tanto que a ordem social tem nele o primado para alcançar o bem-estar e a justiça sociais. Finalmente, o contrato de trabalho contempla direitos e obrigações que se encerram com sua extinção. Por tudo, cláusula de não concorrência que se projeta para após a rescisão o contratual é nula de pleno direito, a teor do que estabelece o art. 9. da Consolidação das Leis do Trabalho." CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA. NULIDADE. Nula cláusula de não-concorrência que impede o exercício de profissão, tendo em vista a vastidão das atividades do ex-empregador, sem a devida indenização expressiva pelo período de vigência da referida cláusula." (SÃO PAULO TRT - 02a Região, proc. 2570/2003/045/002/005, 05a Turma, Rel. Juiz Fernando Antonio Sampaio da Silva, DJSP 16/03/2007) In Revista de Direito do Trabalho, Editora Revista dos o Tribunais, ano 33, vol. 127, p.302, Rep. Aut. TST n.. 11/95. 365 REALE, Lições preliminares..., p.72. 366 REALE, Lições preliminares..., p.74-75. 367 NOVISKI, op. cit., p.172. 121 de uma antijuridicidade material368 –, comporta dois tipos de sanção, a saber: a reparação do dano e o desfazimento do ato. 2.5.1 Sanção Direta A sanção considerada como direta traduz-se na possibilidade de determinar o desfazimento do ato, o que se denomina de reparação in natura.369 Carvalho Neto narra exemplo da jurisprudência francesa, num caso em que se construiu uma falsa chaminé muito alta, a qual não tinha qualquer utilidade ao seu proprietário e cuja principal finalidade era fazer sombra na casa do vizinho. Este vizinho procurou a tutela judicial e obteve a resposta do tribunal no sentido de que, embora a propriedade possa ser exercida de algum modo absoluto pelo proprietário, possibilitando-se o uso, a fruição e o gozo da coisa, ele deve estar atento a limites. Nesse caso, foi possível que se determinasse o desfazimento da obra.370 Como exemplos de reparação in natura na esfera trabalhista, pode-se dizer a dispensa sem justa causa abusiva que tenta impedir um empregado adquira o direito à estabilidade quando, por exemplo, ele padece de patologia decorrente do trabalho, do ambiente de trabalho ou das atividades em si. A reparação pode ser no sentido de que ele seja recolocado no seu posto de trabalho. Nota-se que no exemplo mencionado, a reparação não seria a única solução, em verdade, o trabalhador poderia ter ingressado com demanda preventiva, buscando o reconhecimento da patologia como decorrente do labor e a conseqüente impossibilidade de dispensa sem justo motivo. Carvalho Neto reconhece que a tutela inibitória também faz parte da sanção oponível ao ato abusivo.371 Além do desfazimento do ato, identifica-se que o ato abusivo pode servir como fundamento à nulidade do ato ou do negócio jurídico.372 368 369 370 371 372 SÁ, F., op. cit., p.625. CARVALHO NETO, op. cit., p.171. Ibidem, p.171-172. CARVALHO NETO, op. cit., p.173. LAUTENSCHLÄGER, op. cit., p.106. 122 2.5.2 Sanção Indireta O ato abusivo é equiparado ao ato ilícito para efeitos sancionadores e então ocorrerá a reparação do dano pela responsabilidade civil. Esta é a modalidade de sanção denominada de indireta. Ainda que o abuso do direito, repise-se, constitua posição de autonomia na dogmática, trata-se de espécie de ilicitude, de antijuridicidade, do tipo material. Assim, como assinala Coutinho de Abreu, as conseqüências do comportamento abusivo serão equiparadas as da atuação sem direito, ou seja, ao ato ilícito propriamente dito, havendo a aplicação da responsabilidade civil. Resta indubitável, ainda, a carência de que se façam presentes os demais requisitos, como o dolo ou a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o dano e a atuação abusiva.373 Relembre-se que no Brasil, por força da redação do artigo 187 do Código Civil, em que está previsto expressamente o abuso do direito e equiparado este a ilicitude, não se traz disposição a respeito de culpa, daí o porquê de se entender que a responsabilidade carece do elemento subjetivo, sendo, portanto, do tipo objetiva.374 373 ABREU, op. cit., p.76. No mesmo entendimento, ou seja, de aplicação da responsabilidade civil do tipo subjetiva, em que se faz necessária a presença da culpa, encontra-se Cunha de Sá (SÁ, F., op. cit., p.638-640). 374 Vide as notas de rodapé de números 263 e 264, bem como o conteúdo ao qual elas se referem. 123 3 3.1 OS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO EMPREGADO DIREITOS DE PERSONALIDADE Os direitos de personalidade não ganharam proteção específica nos Códigos do século XIX, porque tais diplomas, como dito no capitulo anterior, tinham como mote assegurar a propriedade e a individualidade, dogmas do mundo burguês, e, por isso mesmo, consideradas como codificações patrimonialistas. Era preciso assegurar a autonomia dos particulares na circulação de suas riquezas, seus bens, sua propriedade. A tutela dos direitos da personalidade, então, tomou campo ao longo do século XX e se consolidou375 no pós-Segunda Guerra Mundial, com as mudanças culturais, ante a intensificação da complexidade das relações sociais. Isso porque as relações travadas entre os indivíduos no seio social não se resguardam mais a transmissões de propriedades e seus acessórios, mas principalmente em relações de trabalho e consumo.376 A importância da personalidade humana, porque inerente à pessoa e necessária na sua qualidade de vida, tomou espaço377 e repercutiu no direito, havendo o que se 375 Importa esclarecer que vários pensadores chegaram a negar a existência dos direitos de personalidade, tais como Paul Roubier, Unger, Dabin, Savigny, Thon, Von Thur, Zitelmann, e outros. Para eles, a personalidade como titularidade de direitos não poderia ser ao mesmo tempo objeto deles. Svigny ainda chegava a dizer que admitir os direitos de personalidade seria confirmar o suicídio como legítimo. (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.25). Quanto a Paul Roubier, esclarece-se que ele afirma não existirem os direitos de personalidade porque não correspondem à definição de direito subjetivo. Defende o autor que o direito subjetivo é uma prerrogativa própria de um bem e portanto faz parte do patrimônio, sendo disponível. A seguir define os direitos de personalidade como situações jurídicas objetivas partindo do raciocínio de que aos titulares de referidos direitos, a proteção ocorre pela responsabilidade civil, e esta, por sua vez, trata-se de uma reação natural contra o ataque sofrido pelos direitos da personalidade. (SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.75-76). 376 MELLO, Cláudio Ari. Contribuição para uma teoria híbrida dos direitos de personalidade. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.). O novo código civil e a constituição. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p.72. 377 Importante mencionar que os estudos sobre a personalidade não iniciaram no século passado. Embora se possam mencionar o gregos antigos com relação à apreensão do tema, foi com o cristianismo que tomou importância em termos de estudos. Porém, as sociedades ocidentais relegaram as considerações sobre o tema para a posteridade, havia outros interesses mais importantes que a pessoa: o ter era mais considerado que o ser. Foi com Sigmund Freud, com estudos de psicologia no final do século XIX, bem como com atuações do discurso cristão que ganham cancha os direitos de personalidade. (Ibidem, p.73). 124 denomina de personalização do direito civil. Deixou-se de lado o viés do patrimônio para se preocupar com a pessoa humana e sua subjetividade. Bens externos e elementos intrínsecos do homem são tutelados pelos ordenamentos.378 Os direitos da personalidade, porém, foram assimilados primeiramente pelas constituições, sendo sintetizadas na dignidade da pessoa humana, ante a interdependência desta com a proteção dos direitos individuais fundamentais.379 Assim, o estudo dos direitos de personalidade tem como fundamento primordial o princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, devem ser citadas as palavras de Elimar Szaniawski: A Constituição Federal edifica o direito geral de personalidade a partir de determinados princípios fundamentais nela inseridos, provenientes de um princípio matriz, que consiste no princípio da dignidade da pessoa humana, que funciona como cláusula geral de tutela de personalidade. A pilastra central, a viga mestra sobre a qual se sustenta o direito geral da personalidade, está o consagrada no inciso III, do art. 1. da Constituição, consistindo no princípio da dignidade da pessoa humana.380 Esse entendimento é corolário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a qual prima pela dignidade do homem. Orlando Gomes, também defendendo o prisma da dignidade, diz serem os direitos da personalidade aqueles essenciais à pessoa humana, em aspectos físicos e psíquicos, protegidos legalmente.381 Caio Mário explica que, ao lado dos direitos economicamente apreciáveis, há os direitos de personalidade, julgando-os como não menos importantes que os anteriormente tratados e, por isso mesmo, amparados e protegidos na ordem jurídica. O autor afirma, a seguir, que decorrem da própria natureza humana.382 Silvio Rodrigues, por sua vez, diz que os direitos de personalidade não se equiparam àqueles destacáveis da pessoa como o direito a propriedade, diz o autor, acertadamente, que se tratam de direito inerentes à pessoa. Em se tratando de direitos inerentes à pessoa, permanecem a ela ligados de forma permanente e perpétua, 378 379 380 381 382 MELLO, op. cit., p.73. Ibidem, p.77. SZANIAWSKI, op. cit., p.138. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p.134-136. PEREIRA, op. cit., p.237. 125 deslocando-se da órbita patrimonial. Conclui que não se pode alguém destituído do direito à vida, às liberdades, ao nome, ao corpo e à imagem, bem como à honra.383 Sílvio Venosa, a seu turno, esclarece que a pessoa, para suprir necessidade, posiciona-se em um dos pólos da relação jurídica (compra, vende, casa-se e outros) criando o conjunto de direitos e obrigações denominado patrimônio. Este, por sua vez, significa a projeção econômica dos direitos da personalidade. "Contudo, há direitos que afetam diretamente a personalidade, que não possuem conteúdo econômico direto e imediato. A personalidade não é exatamente um direito; é um conceito básico sobre o qual se apóiam os direitos."384 O português Carlos Alberto da Mota Pinto define os direitos de personalidade como poderes jurídicos atribuídos a todas as pessoas em decorrência de seu nascimento. Afirma o autor ser tais direitos de caráter absoluto, impondo respeito de todos os outros, traduzindo-se nos vários modos de ser físicos e morais da personalidade do titular. O autor continua e afirma que o conteúdo mínimo necessário de tais direitos integra a vida, a saúde e a integridade físicas, a honra, a imagem, a reserva da intimidade da vida privada, o nome, a liberdade física e psicológica.385 Rubens Limongi França acentua que as relações jurídicas se verificam em três campos, a saber: o mundo exterior, a própria pessoa e a pessoa ampliada na família. Respectivamente, faz a correspondência com direitos patrimoniais, direitos da personalidade e direitos de família.386 Maria Helena Diniz, por sua vez, ressalta os dois prismas pelos quais se devem considerar os diretos de personalidade: o axiológico e o objetivo. O primeiro encerra a materialização dos direitos fundamentais dos indivíduos e o segundo, diz respeito às previsões legais, constitucionais ou não, que tem como principal objetivo limitar a atuação do Poder Público que, por outro lado, deve atuar de forma a proteger os direitos de personalidade.387 383 384 385 386 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 34.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1. p.62. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.149. PINTO, op. cit., p.87 e 206. FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de direito civil: todo o direito civil num só volume. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p.1031. 387 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 21.ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v.1. p.119. 126 No Brasil, relate-se, desde logo, que os direitos da personalidade estão previstos expressamente em dispositivos constitucionais (art. 5.o, I, II, III, IV, V, VI, VIII, IX, X, XI, XII, XVII, XXVII e outros).388. Além dessa previsão constitucional, os direitos de personalidade encontraram guarida no Código Civil, artigos 11 a 21, o que veio a inovar389 em relação ao Código Civil de 1916, porque este não390 continha disposições sobre a matéria, até mesmo porque tal Código faz parte justamente do movimento patrimonialista, conforme tratado no início deste item. O Código Civil de 2002, embora de projeto anterior à Constituição de 1988, assimilou a idéia dos valores inerentes ao ser, à pessoa, em perfeita consonância com a legislação constitucional. Em verdade, essa nova perspectiva da codificação 388 o Art. 5. [...] I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar [...] Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. 389 MALLET, Estevão. Direito, trabalho e processo em transformação. São Paulo: LTr, 2005. p.17. 390 Diga-se, por oportuno que, na verdade, a ignorância em relação à personalidade humana não era total, porque havia dispositivo, por exemplo, prevendo a possibilidade de indenização por lesão à integridade física e psicológica, era o artigo 1538. (MELLO, op. cit., p.78). 127 tem como norte a quebra de paradigma da visão Liberal, em que, egoisticamente, prestigiavam-se os direitos de propriedade. O mote da constitucionalização das disposições legais privadas passou para "[...] a tutela da pessoa, considerada em toda sua diversidade e complexidade. Por isso se diz que o direito civil experimentou um processo de personalização".391 Importante ressaltar desde logo que as hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código Civil (neste caso um tanto quanto tímidas) não se perfazem estanques, ou seja, não é exaustivo, pois a multiplicidade de fatores que influenciam as relações sociais como os avanços tecnológicos e das mais diversas áreas do conhecimento impõem a oxigenação dos direitos de personalidade. A dignidade da pessoa humana, por excelência, é fundamento dessa ausência de numerus clausus quando se trata dos direitos da personalidade. Isto porque a dignidade assim entendida não decorre meramente da lei, mas tem seu conteúdo traçado por diversas conquistas históricas, pelas quais o ser humano conseguiu estabelecer parâmetros para se proteger de atos praticados por outros humanos. Isso porque [...] por ser fruto de determinado momento da história do direito, do Estado e da sociedade, o conteúdo da dignidade da pessoa humana não é absoluto, não é uma revelação que se impõe de forma igual a todas as pessoas e, também, não tem um significado compartilhado por todos os indivíduos, por mais semelhantes que estes sejam, mesmo que componham a mesma sociedade e vivam no mesmo momento histórico. E só pode ser apreendido perante o caso concreto, situando-se especialmente, cronologicamente e subjetivamente em relação às pessoas envolvidas.392 Deve-se citar que exatamente nessa senda de evolução está o artigo § 2.o393 do artigo 5.o da Constituição Federal de 1988, que prevê justamente que os direitos e as garantias expressos no texto constitucional não são exaustivos, admitindo outras hipóteses. 391 392 MELLO, op. cit., p.70. SARLET, Ingo Wolfgang apud VAZ, W. L.; REIS, C. Dignidade da pessoa humana. Revista Jurídica CESUMAR: Mestrado, Maringá, v.7, n.1, p.191, jan./jun. 2007. 393 Art. 5.o [...] o § 2. Os direitos e garantias expressos nessa Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 128 A esfera dos direitos da personalidade comporta a aplicação das cláusulas gerais394 em termos de técnica legislativa, pois os avanços tecnológicos e científicos, bem como a constante contraposição entre esses próprios direitos, como no caso da honra e a liberdade de expressão, a privacidade e o direito à informação, denotam a dialeticidade na seara da personalidade e sua tutela, deflagrando a impossibilidade de uma previsão específica e estanque sobre o assunto395. 3.1.1 Características e Classificações Em se tratando das características dos direitos de personalidade, Orlando Gomes afirma que são: "[...] absolutos, extrapatrimonais, intransmissíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis, impenhoráveis, vitalícios e necessários, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária."396 Respectivamente: absolutos porque oponíveis erga omnes; não admitem avaliação pecuniária, mas podem ser lesados, gerando obrigação de indenizar; não podem ser transmitidos a outra pessoa por seus titulares, isso significa que nascem e se extinguem com a pessoa; não são passíveis de extinção pelo não uso ou pela ausência de defesa; e, por fim as características peculiares quanto a não poderem faltar e nem ser perdidos enquanto perdure a vida do titular.397 Quanto ao último aspecto, ou seja, de que são inseparáveis do seu titular, cabe uma observação, mas pela morte do titular dos direitos de personalidade, se opera uma transformação no ciclo da personalidade, relacionada a "[...] uma 394 Conforme Karl Engish: "O verdadeiro significado das cláusulas gerais reside no domínio da técnica legislativa. Graças à sua generalidade, elas tornam possível sujeitar um mais vasto grupo de situações, de modo ilacunar e com possibilidade de ajustamento, a uma conseqüência jurídica. O casuísmo esta sempre exposto ao risco de apenas fragmentária e 'provisoriamente' dominar a matéria jurídica. Este risco é evitado pela utilização das cláusulas gerais." (ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 8.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p.155-156). 395 SCHREIBER, Anderson. Os direitos da personalidade e o código civil de 2002. In: FACHIN, Luiz Edson; TEPEDINO, Gustavo. Diálogos sobre o direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. v.2. p.235. 396 GOMES, O., Introdução..., p.137. 397 Ibidem, p.138. Em sentido convergente: VENOSA, op. cit., p.150; AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 5.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.252; ARARIPE, Jales de Alencar. Direitos da personalidade: uma Introdução. In: LOTUFO, Renan (Coord.). Direito civil constitucional. São Paulo: Malheiros, 2002. p.221-225. 129 sucessão ou uma aquisição derivada translativa mortis-causa de direitos pessoais, com regime especial em razão dos presumíveis interesses pessoais do falecido".398 Ao se referir às características da personalidade, assim se expressa Gustavo Tepedino: A extrapatrimonialidade consistiria na insuscetibilidade de uma avaliação econômica destes direitos, ainda que a sua lesão gere reflexos econômicos. São absolutos, já que oponíveis erga omnes, impondo-se à coletividade o dever de respeitá-los. A indisponibilidade retira do seu titular a possibilidade de deles dispor, tornando-os também irrenunciáveis e impenhoráveis; e a imprescritibilidade impede que a lesão a um direito da personalidade, com o passar do tempo, pudesse convalescer, com o perecimento da pretensão ressarcitória ou reparadora. Finalmente, a intransmissibilidade constitui característico controvertido, estando a significar que se extinguiria com a morte do titular, em decorrência do seu caráter personalíssimo, ainda que os interesses relacionados à personalidade mantenham-se tutelado mesmo após a morte do titular.399 Em se tratando dos direitos de personalidade previstos na Constituição Federal, por se constituírem em direitos fundamentais, as características destes e, portanto, aplicadas àqueles podem ser apreendidas a partir de considerações de Gisela Maria Bester: historicidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, imprescritibilidade. São históricos porque surgem, sofrem modificações e desaparecem. Não se deve entender, contudo, que podem ser suprimidos do texto constitucional, pois fazem parte das cláusulas pétreas. Inalienáveis porquanto não podem ser negociados ou transferidos, ante a ausência de caráter patrimonial. A irrenunciabilidade se encontra ligada à inalienabilidade, pois não podem ser renunciados pelos seus titulares. Por fim, quanto à imprescritibilidade, a autora diz que não deixam de ser exigíveis.400 398 SOUSA, Rabindranath Valentino Aleixo Capelo. O direito geral de personalidade. Portugal: Coimbra, 1995. p.404. Orlando Gomes ainda explica que não se transmitem sequer após a morte, mas ocorrendo o evento morte, gozam de proteção e quem poderá demandar com objetivo de obter tal tutela será o cônjuge ou qualquer parente próximo. (GOMES, O., Introdução..., p.138). 399 TEPEDINO, op. cit., p.33. 400 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005. v.1. p.601-602. 130 O Código Civil, por sua vez, em seu artigo 11401, estabelece as seguintes características: intransmissíveis e irrenunciáveis. Diz ainda o mesmo dispositivo que os direitos de personalidade não podem ser limitados voluntariamente.402 Em relação à classificação dos direitos de personalidade, Orlando Gomes os dividem em: direitos à integridade física e direitos à integridade moral. Os primeiros subdividem-se em duas categorias, a saber: direito à vida e o direito ao próprio corpo (compreendendo o direito em relação ao corpo inteiro e em relação a partes separadas e, portanto, o direito de decidir em relação a procedimentos médicos, tais como: tratamentos, cirurgias, exames e perícias). A segunda categoria subentende: o direito à honra, o direito à liberdade, o direito à imagem, o direito ao recato, o direito ao nome e o direito moral do autor.403 Os direitos à integridade física vêm assumindo importante projeção, especialmente por causa dos avanços na ciência e na tecnologia, e também por causa de novos comportamentos do indivíduo em sociedade. Orlando Gomes, a título de exemplo, fala da inseminação artificial, dizendo que, embora ainda suscite preconceitos, não configura afronta à personalidade da mulher.404 Rubens Limongi França, antes de declinar a sua classificação, faz uma crítica ao tema, afirmando que há falta de critério nas classificações apresentadas, o que resulta em dificuldades de seu estudo. O autor define a necessidade de agrupar os direitos da personalidade conforme os aspectos a que cada um concerne. Ele delimita três gêneros e, dentro deles, suas espécies. O primeiro, compreendendo o direito à integridade física, está dividido em: direito à vida e aos alimentos, direito sobre o próprio corpo, vivo e morto, direito sobre o corpo alheio, vivo e morto, direito sobre as partes separadas do corpo, vivo e morto. O segundo trata-se do direito à integridade 401 Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. 402 Quanto à essa limitação, o Enunciado 4 da I Jornada de Estudos de Direito Civil, de 2002, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, assim determina: "O exercício dos direitos de personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente." Dois anos após, a III Jornada consignou novo Enunciado, sob o número 139: "Os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé e aos bons costumes." (GUNTHER, Luiz Eduardo. Os direitos de personalidade e suas repercussões na atividade empresarial. In: GUNTHER, Luiz Eduardo (Coord.). Tutela dos direitos de personalidade na atividade empresarial. Curitiba: Juruá, 2008. p.158). 403 GOMES, O., Introdução..., p.138. 404 Ibidem, p.140. 131 intelectual, compreendendo: direito à liberdade de pensamento, direito pessoal de autor científico, direito pessoal de autor artístico, direito pessoal de inventor. O terceiro e último gênero liga-se ao direito à integridade moral: direito à liberdade civil, política e religiosa, direito à honra, direito à honorificência, direito ao recato, direito ao segredo pessoal, doméstico e profissional, direito à imagem, direito à identidade pessoal, familiar e social.405 O autor argentino Carlos Ghersi traça o que chama de lista dos direitos da personalidade, ressaltando, contudo, que não é exaustiva, cabendo ainda outros direitos da personalidade: dito à vida, à saúde, à integridade psicofísica, à identificação, à identidade e à intimidade, à dignidade, à honra, à imagem pessoal, o direito à eleição de aspectos da imagem pessoal (religião, castidade, voto de pobreza, sexualidade), o direito à não-discriminação.406 Ressalte-se, por fim, que os direitos de personalidade não se perfazem apenas no plano individual, pois são aplicáveis às pessoas jurídicas, no que couberem, conforme disposto no artigo 52407 do Código Civil. Ainda que brevemente quanto à tutela dos direitos de personalidade, ou seja, os meios que podem ser invocados para prevenção ou reparação de lesões, é importante trazer a disposição do Código Civil, no artigo 12408, que trata expressamente dos direitos de personalidade. Com o provimento jurisdicional antecipatório, forte no artigo 461, § 3.o409 do CPC, determina-se que o réu cesse a utilização indevida de um nome, paralise a divulgação de um fato desabonador ou impeça que se concretize invasão de privacidade. A eficácia da tutela antecipatória, poderá ser assegurada, na forma do 405 406 FRANÇA, op. cit., p.1035-1036. GHERSI, Carlos A. Análisis Socioeconómico de los Derechos Personalísimos. Buenos Aires: Cátedra Juridica, 2005. p.54. 407 Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. 408 Art.12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. 409 Art. 461 [...] o § 3. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévio, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. 132 art. 461, § 4.o410 do Código de Processo, quando o juiz impuser multa diária ao réu (tradicionalmente denominada astreinte), suficientemente constrangedora.411 3.1.2 Natureza Jurídica A doutrina baliza sua opinião, majoritariamente, de que os direitos da personalidade constituem direitos subjetivos. Francisco Amaral preleciona: "Direitos da personalidade são direitos subjetivos que têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual."412 Justifica, a seguir, que têm como objeto a própria pessoa do titular, em seus aspectos essenciais e constitutivos, sendo que por conta da natureza desse objeto resulta uma proteção denominada, pelo autor, de mais reforçada.413 Cláudio Ari Melllo, após traçar considerações sobre os direitos de personalidade terem aparecidos primeiro nas constituições como direitos fundamentais, designa a natureza jurídica como sendo de direitos subjetivos constitucionalmente assegurados.414 Rabindranath também entende os direitos de personalidade como direitos subjetivos, defendendo que são poderes conferidos pelo ordenamento que facultam as pessoas a pretender ou exigir de outra um comportamento positivo ou negativo.415 Reportando-se aos esclarecimentos travados no primeiro capítulo, quando se defendeu a natureza jurídica do poder de direção do empregador como situação jurídica subjetiva, cumpre novamente defender a sua aplicação, destafeita quanto à natureza jurídica dos direitos de personalidade. 410 411 412 413 414 415 Art. 461 [...] o § 4. O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou da sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixandolhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. VENOSA, op. cit., p.152. AMARAL, F., op. cit., p.249. Ibidem, p.251. MELLO, op. cit., p.77. O autor faz esta afirmação se referindo à concepção de direito subjetivo no pensamento de Orlando de Carvalho. (SOUSA, op. cit., p.607). 133 Pietro Perlingieri bem ressalta que a concepção de direitos da personalidade como direitos subjetivos decorre das concepções patrimonialistas416 já superadas pelos códigos e mesmo pela personalização do direito privado, como dito neste capítulo. Gustavo Tepedino explica que, para se entender a natureza jurídica dos direitos em questão, a personalidade deve ser considerada sob dois ângulos. O primeiro deles são os atributos da pessoa humana, que a permite ser sujeito de direitos (como a capacidade). O outro ponto ele denomina estrutural, pois a pessoa, vista por sua subjetividade, identifica-se com o elemento subjetivo das situações. O autor ainda faz mais digressões, concluindo que a personalidade, entendida como sujeito de direito, não pode ser, ao mesmo tempo, seu objeto. Em verdade, se analisada como valor, por causa dos atributos inerentes e indispensáveis ao ser humano, constituem em si mesmos bens jurídico. Enfim, a personalidade decorrente da capacidade jurídica deve ser vista como atributo especial do ser humano, enquanto a personalidade em sentido natural encerra um conjunto de atributos inerentes à condição humana.417 Com muita precisão, Pietro Perlingieri explana: A esta matéria não se pode aplicar o direito subjetivo elaborado sobre a categoria do "ter". Na categoria do "ser" não existe a dualidade entre sujeito e objeto, porque ambos representam o ser e a titularidade é institucional, orgânica [...]. onde o objeto de tutela é a pessoa, a perspectiva deve mudar; torna-se necessidade lógica reconhecer, pela especial natureza do interesse protegido, que é justamente a pessoa a constituir ao mesmo tempo o sujeito titular do direito e o ponto de referência objetivo da relação. A tutela da pessoa não pode ser fracionada em isoladas fattispecie concretas, em autônomas hipóteses não comunicáveis entre si, mas deve ser apresentada como problema unitário, dado o seu fundamento representado pela unidade do valor da pessoa. Este não pode ser dividido em tanto interesses, em tantos bens, em isoladas ocasiões, como nas teorias atomísticas. A personalidade é, portanto, não um direito, mas um valor (o valor fundamental do ordenamento) e está na base de uma série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela.418 Assim, não existe um número fechado de tutelas. Como dito anteriormente, os direitos da personalidade não podem ser considerados como taxativos, porque sempre advirão outros. Isso tudo não impede que o ordenamento faça previsões, mas 416 417 418 PERLINGIERI, op. cit., p.155. TEPEDINO, op. cit., p.27. PERLINGIERI, op. cit., p.155-156. 134 se acaso alguém pretender a proteção a um direito da personalidade não previsto no ordenamento especificamente, deverá sua tutela ser assegurada.419 Arrematando esse raciocínio, Maria Celina Bodin de Moraes esclarece que as situações subjetivas receberão420 "[...] a tutela do ordenamento se e enquanto estiver não apenas em conformidade com o poder de vontade do titular, mas também em sintonia com o interesse social." Embora o entendimento de direito da personalidade seja ainda pouco difundido, é o que mais se mostra adequado, sem embargo, em se considerando a sua consonância com a jurisprudência dos valores e a atenção ao conteúdo constitucional em termos de proteção da dignidade da pessoa humana. 3.1.3 O Problema da Eficácia Como dito, por razões históricas e concretas, afinal a tutela dos direitos de personalidade apareceu primeiramente nas constituições, afirme-se que tais direitos fazem parte dos fundamentais.421 Questiona-se, talvez, o motivo de os mesmos direitos terem ganhado previsão infraconstitucional, nas legislações denominadas privadas. Para responder a esta questão, necessário dizer que uma concepção de direitos fundamentais oponíveis na relação dos indivíduos ante o Estado mostra-se reducionista422, porque é evidente, como será demonstrado inclusive pelo estudo da eficácia de tais direitos, especialmente tendo em mente os diretos de personalidade, que são aplicáveis nas relações entre particulares. Os direitos de personalidade fazem parte dos direitos fundamentais, ante as previsões constitucionais constantes do artigo 5.o. Em verdade, também estão previstos no Código Civil, como dito. Afinal, são públicos ou privados? Responder a esta questão talvez não seja tão fácil como o seria. O processo de constitucionalização 419 420 PERLINGIERI, op. cit., p.156. MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p.137. 421 MELLO, op. cit., p.79. 422 Ibidem, p.82. 135 do direito privado não permite mais a separação estanque entre a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil, notadamente em se tratando de direitos da personalidade, pois localizam-se em pontos de franca intersecção entre os dois diplomas legais. Não se deve, contudo, ignorar a autonomia do Direito Civil e seus institutos, especialmente aqueles que foram dogmaticamente construídos, servindo como protetores dos direitos de personalidade, tais como o abuso do direito e a responsabilidade civil. Destarte, necessário considerar uma confluência, um hibridismo entre institutos do direito constitucional e outros do direito civil.423 De toda sorte, as hipóteses de direitos da personalidade previstas no Código Civil também podem ser consideradas como direitos fundamentais, porque materialmente constitucionais, ante a previsão do § 2.o do artigo 5.o da Constituição Federal já mencionada. Nesse norte, Canotilho esclarece que os direitos constantes da Constituição são considerados como formalmente constitucionais porque ganham enunciados e proteção por meio de normas que têm a forma constitucional. Com espeque no dispositivo constitucional citado, embora direitos fundamentais não venham tutelados por normas que têm a forma constitucional, devem ser considerados como direitos materialmente fundamentais. Como não se consagra clara a equiparação mencionada, a orientação resta no sentido de que sejam considerados direitos materialmente constitucionais aqueles comparáveis por seu objeto e importância em relação aos direitos formalmente constitucionais.424 As palavras de Cláudio Ari Mello também se fazem profícuas quanto ao tema: De fato, a fundamentalidade material dos direitos de personalidade, o caráter decisivo que assumem para assegurar o livre desenvolvimento da personalidade e tutelar a subjetividade humana, exige uma proteção jurídica que somente a inserção de normas constitucionais pode oferecer, ou seja, uma garantia normativa que não esteja livre à disposição do legislador ou do administrador, e tampouco dos poderes sociais privados ou de outros particulares.425 423 424 MELLO, op. cit., p.84-85. CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direto constitucional e teoria da constituição. 7.ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2003. p.403-404. 425 MELLO, op. cit., p.86. 136 Interpretação como tal referenda não só o princípio da dignidade da pessoa humana, mas toda a carga axiológica contida no texto constitucional. Tendo em mente os direitos de personalidade previstos constitucionalmente, ou seja, como direitos fundamentais, bem como os assim materialmente considerados, como se constitui o caso dos direitos de personalidade do Código Civil, devem ser realizadas algumas considerações em relação à aplicação destes na esfera privada, para depois se chegar ao contrato de trabalho. Os direitos fundamentais surgiram como formas de limitação do poder estatal, ou seja, de liberdade dos indivíduos perante o poder estatal.426 Isso significa que representam proibições para o poder púbico e a possibilidade de os particulares exercerem direitos e exigirem omissões desse poder estatal. Em breves termos históricos, pode-se afirmar que alguns direitos fundamentais já apareceram na Magna Carta de 1215, pacto firmado pelo Rei João Sem-Terra427. Avançando no tempo, tem-se como expressivas a Constituição dos Estados Unidos da América, decorrente da independência, de 1787, a Constituição da França de 1791 e, avançado um pouco no tempo, as Constituições do México de 1917 e a de Weimer de 1919 que, com suas disposições sobre a ordem econômica, vieram a influenciar as que lhe foram subseqüentes, inclusive a atual do Brasil, que se inspirou nessa última, como visto.428 Considerando-se expressamente o Brasil, as Constituições anteriores traçavam direitos fundamentais, mas particularmente interessa a que está em vigor, qual seja a de 1988. A assertiva anterior trata-se de importante observação quando se tem em mente que a partir da atual Constituição tornou-se notória a eficácia, a aplicação prática das normas do diploma em questão. A partir de 1988, deixou-se de lado, portanto, o 426 Assinale-se que e visão de limitação do poder estatal foi assimilada com os textos constitucionais positivados oriundos do liberalismo e não por acaso, afinal a burguesia, para disseminar suas liberdades de forma a atender, principalmente seus interesses econômicos, arraigou a necessidade de tal limitação. Antes de tais Constituições, a noção inicial de direitos fundamentais, a partir de teorias jusnaturalistas, não carecia de restrições em relação a seus destinatários, referindo-se tanto ao Poder Público quanto aos particulares. Verificar: GOMES, Fábio Rodrigues. A eficácia dos direitos fundamentais na relação de emprego: algumas propostas metodológicas para a incidência das normas constitucionais na esfera juslaboral. p.51. Disponível em: <http//www.tst.jus.br/Ssedoc/PaginadaBiblioteca/revistadotst/Ver_71/rev_71_3/ver_3_3.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2008. 427 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5.ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p.48. 428 Vide esclarecimentos na nota de rodapé número 339. 137 estado de letargia com que vinham sendo tratados os dispositivos constitucionais até então. A "prodigalidade legislativa constitucional"429 acabou se tornando de pouca inaplicabilidade prática, porque, como se observa desde as primeiras Constituições, ou seja, do Brasil Império até antes de 1988, ou se sucederam movimentos de instabilidade política como golpes de Estado, ditaduras civis e militares, reações populares. Aliado ao cenário de incerteza, citem-se também disposições constitucionais inócuas ou até mesmo jocosas que constaram dos textos, trazendo-se a título de exemplo previsão de que a "lei seria igual para todos" em 1824, quando ainda vigia a escravatura, ou também a previsão de colônias de férias e clínicas de repouso para trabalhadores na Constituição de 1969.430 Passada a era de letra morta e transformando-se em prática a constitucionalização do direito privado, ou seja, ganhando campo a aplicação das normas infraconstitucionais de regulação das relações privadas a partir do viés e da carga axiológica trazida na Constituição Cidadã, devem-se traçar considerações sobre a eficácia vertical e horizontal dos dispositivos constitucionais. A eficácia vertical está relacionada justamente quando se tem uma relação envolvendo um poder público e um particular. Não se têm dúvidas de que há a incidência, ou seja, os poderes públicos estão vinculados aos direitos fundamentais em suas relações com os cidadãos, ou seja, com os particulares em geral. Há de ser considerado que a Constituição de 1988, diferente de outros países431, não vinculou expressamente entidades públicas e privadas em relação aos direitos fundamentais. Há uma omissão legislativa nesse aspecto, o que, de forma alguma, pode sustentar a inaplicabilidade dos direitos fundamentais, especialmente por conta do Título II da Constituição, ou seja, pelo reconhecimento dos direitos fundamentais, assim como dos direitos sociais, bem como por causa das previsões dos parágrafos primeiro e segundo do artigo quinto. 429 430 431 GOMES, F. R., op. cit., p.48. Idem. Ingo Sarlet exemplifica com as Constituições de Portugal, Alemanha e Espanha a previsão expressa dessa vinculação das pessoas públicas e privadas em relação aos direitos fundamentais. (SARLET, op. cit., p.360). 138 Com efeito, o art. 5.o, § 1.o432, prevê a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais e, por sua vez, o § 2.o do mesmo dispositivo constitucional, como dito, prevê a aplicabilidade não só dos direitos fundamentais previstos, mas também outros que deles decorram ou que sejam concebidos a partir dos princípios da Carta Magna, repise-se. Finalmente, o mesmo § 2.o prevê que são aplicáveis os direitos fundamentais oriundos de tratados internacionais nos quais o Brasil seja parte. Convém ressaltar, ainda, que essa eficácia vertical deve ser atribuída para todos os poderes públicos, ou seja, para Legislativo, Executivo e Judiciário. O legislador não é soberano em suas leis, ou seja, estas devem guardar a prevalência dos direitos fundamentais eleitos pelo constituinte. Há uma vinculação positiva e outra negativa do legislador433 para com os direitos fundamentais. A positiva significa que deve seguir os parâmetros traçados nos direitos fundamentais e ainda promover a realização, a concretização destes. A negativa, por sua vez, compreende a impossibilidade de leis que sejam contrárias aos preceitos contidos nas normas de direitos fundamentais. O Poder Executivo vincula-se aos direitos fundamentais não somente em relação a que seus atos em geral sejam por estes pautados, ou seja, que os atos executivos sejam promotores dos direitos fundamentais, mas também na implementação de políticas públicas434 que efetivem tais direitos. O Poder Judiciário, por sua vez, também não atua sem que tenha em vista a aplicação dos direitos fundamentais. Se, por um lado, deve realizar a aplicação de tais direitos, por outro lado tem-se que o Judiciário fará o controle de constitucionalidade de todos os atos dos demais poderes. Vencidos esses aspectos da eficácia vertical, tem-se a questão da eficácia horizontal435 dos direitos fundamentais, ou seja, da eficácia de tais direitos nas relações entre particulares. 432 o Art 5. [...] o § 1. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. 433 CANOTILHO, op. cit., p.1291. 434 AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas. São Paulo: LTr, 2007. p.55. 435 Também denominada eficácia externa, privada ou em relação a terceiros. 139 O estudo do tema tem importantes considerações na doutrina e jurisprudência alemãs, mas não somente nesse país, sendo encontrados debates sobre o tema na Inglaterra, na Itália, na Suíça e até mesmo nos Estados Unidos. Nas constatações de Canaris: A temática adquire uma dimensão adicional pela circunstância de se não tratar aqui, de forma alguma, de um fenómeno exclusivamente alemão. Assim, por exemplo, o comparatista inglês Markesinis fala, mesmo, de uma "contitutionalism of private law", e tem aqui em vista uma tendência que vai muito para além do círculo jurídico alemão. E encontrei exactamente este mesmo pensamento em Trabucchi, referindo-se ao Código Civil italiano. O Tribunal Federal suíço, por sua vez, afirmou que "pelo menos a eficácia indirecta em relação a terceiros, no sentido de um imperativo de intepretação das normas de direito privado em conformidade com os direitos fundamentais, é praticamente reconhecida por todos", e fez seu esse entendimento. Com base nas suas investigações comparatistas, von Bar julga, mesmo, possível sustentar que "o direito da responsabilidade delitual na Europa de hoje é, cada vez mais, concebido como uma forma de concretização dos direitos de liberdade constitucionalmente garantidos". E também nos Estados Unidos da América existe há muito, sob a epígrafe "state action doctrine", uma intensa discussão da temática.436 [destaques no original] A eficácia horizontal ganha importância porque a liberdade individual não tem sido afrontada apenas pelo Estado, mas pelos próprios particulares, uns em relação aos outros, dadas suas flagrantes diferenças sociais e econômicas. É preciso proteger os cidadãos uns dos outros e, por que não dizer, de si mesmos. Com efeito, a dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Brasileiro, deve aparecer priorizada não somente entre relações, mas também nas conseqüências pessoais da atuação do indivíduo. Imprescindíveis, nessa senda, as considerações de Ingo Sarlet: Não é demais lembrar que, no concernente aos limites da autonomia privada, a incidência direta da dignidade da pessoa humana nas relações entre particulares atua também como fundamento de uma proteção da pessoa conta si mesma, já que a ninguém é facultada a possibilidade de usar de sua liberdade para violar a própria dignidade, de tal sorte que a dignidade da pessoa assume a condição de limite material à renúncia e auto-limitação de direitos fundamentais (pelo menos no que diz com o respectivo conteúdo e dignidade de cada direito especificamente considerado).437 436 CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Reimpressão da edição de julho 2003. Coimbra: Almedina, 2006. p.20-21. 437 SARLET, op. cit., p.378. 140 Pode-se dizer, portanto, que é a partir dessa aplicação dos direitos fundamentais que se tem o franco desenvolvimento da influência do Direito Constitucional sobre o Direito Privado438. Nos países ocidentais de tradições romano-germânicas tem-se como praticamente consensual os efeitos dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.439 Citaram-se os Estados Unidos como país de discussão sobre o tema porque, após francas argumentações, constitui-se praticamente como axioma na doutrina e na jurisprudência a inaplicabilidade dos direitos fundamentais em relação aos particulares, exceto com relação à 13.a Emenda Constitucional, pois versa sobre escravidão.440 Trata-se da doutrina do "state action", cujos fundamentos são pelo menos três. O primeiro revela-se na idéia de que o texto constitucional, na maioria de suas disposições de direitos fundamentais, refere-se tão-somente aos Poderes Públicos. O segundo provém do argumento liberal de que a autonomia privada seria perdida se permitida a atuação da Constituição da esfera da liberdade individual. O terceiro argumento, ainda, provém da regra americana sobre a competência para legislação sobre direitos privados, em que se mantém o pacto federativo, competindo aos Estados e não à União fazê-lo, sendo excetuadas as matérias legais atinentes ao comércio interestadual e ao internacional.441 A partir de 1940 a Suprema Corte passou a se fundamentar na "public function theory", relativizando a "state action", afirmando pela aplicabilidade dos direitos fundamentais em relação aos particulares, nas hipóteses em que estes estiverem agindo em atividades tipicamente estatais. Dessa forma, quando atividades estatais forem delegadas para empresas privadas, aplicam-se os direitos fundamentais, assim como em outras atividades consideradas estatais independentemente de delegação, mas inexistindo um critério seguro para determinação desta última possibilidade. Dessa maneira, desde a década de 1970, há tendência de restrição de aplicação da "publico function theory", o que não tem impedido a Suprema Corte de aplicar os 438 439 VALENCIA, Melis apud AMARAL, J. R. de P., op. cit., p.59. SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2.ed., 2. tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008. p.187. 440 Ibidem, p.189. 441 Ibidem, p.185-186. 141 direitos fundamentais entre os particulares por força de outro argumento: uma conexão mais profunda entre o agente privado e a uma entidade governamental, sendo exemplo jurisprudencial o caso de um restaurante que ocupava o espaço alugado por um Poder Público, sendo decidido que não poderia discriminar clientes por motivos raciais.442 De toda sorte, a Suprema Corte considera que os entes da federação não podem promover o desrespeito dos particulares em relação aos direitos fundamentais, tendo inclusive sedimentado entendimento no sentido de que tais entes não podem conceder benefícios, subsídios ou isenções para agentes privados que atentem contra os preceitos constitucionais. Excluem-se, no entanto, as empresas que necessitam de licenciamento ou cuja atividade sofra regulamentação estatal.443 Em verdade, a jurisprudência e a doutrina americana ainda preservam a teoria da "state action" porque defendem a preservação da liberdade e da autonomia da vontade.444 Nos demais países que admitem a aplicação dos direitos fundamentais em relação aos particulares, duas são as teorias que tratam da forma de aplicação horizontal dos direitos fundamentais: a da eficácia direta ou imediata e a da eficácia indireta ou mediata. A eficácia indireta ou mediata trata-se de construção doutrinária e jurisprudencial alemã, sendo um meio termo entre a teoria negativa da aplicação dos direitos fundamentais nas relações privas e a teoria da incidência direta de ditos direitos no âmbito privado.445 Segundo a teoria da eficácia indireta, aplicam-se os direitos fundamentais nas relações travadas entre particulares somente a partir de uma recepção dos direitos fundamentais pelo direito privado446, os direitos fundamentais não constituiriam direitos subjetivos447 em tal âmbito. 442 443 444 SARMENTO, op. cit., p.190-192. Ibidem, p.193. Daniel Sarmento afirma que há quem critique na própria doutrina americana o axioma, citando como exemplo o Prof. Erwin Chemerinsky, defensor da eliminação da teoria, mas atualmente ele ainda permanece forte. (Ibidem, p.195-196). 445 Ibidem, p.197-198. 446 SARLET, op. cit., p.375. 447 SARMENTO, op. cit., p.198. 142 Destarte, os direitos fundamentais poderiam ser aplicados nas relações entre particulares após processos interpretativos que utilizem cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, ou seja, a partir do preenchimento dessas técnicas legislativas com preceitos advindos dos direitos fundamentais. Necessitar-se-ia de uma ponte448 entre o âmbito constitucional e o privado. Para essa teoria de eficácia, ainda que haja no seio social desigualdades das mais variadas espécies e graus, a autonomia privada e a liberdade negocial não podem ser completamente mitigadas ou mesmo excluídas pela aplicação dos direitos fundamentais. Pressupõe-se, portanto, a hipótese de os indivíduos renunciarem449 direitos fundamentais enquanto estiverem atuando na esfera privada. A teoria da eficácia imediata ou direta, por sua vez, afirma que os direitos fundamentais são oponíveis erga omnes (tanto em relação ao Estado como em relação aos demais indivíduos)450, ou seja, são válidos para toda a ordem jurídica, independentemente de pontes com o direito privado, eis que provêm na Constituição, ou seja, representam o fundamento de validade para todos os demais diplomas do ordenamento. A teoria encontra sua gênese na Alemanha e a jurisprudência do Tribunal Federal do Trabalho de referido país atuou na vanguarda, aplicando-a no julgamento de vários casos, sendo famoso um de 1957 em que, por meio de previsões constitucionais, restou anulada cláusula de contrato de trabalho prevendo a dispensa caso as empregadas viesse a se casar, enquanto perdurasse a relação empregatícia. Referido contrato havia sido firmado entre um hospital particular e suas enfermeiras.451 Quem defende a teoria não prega radicalismos, admitindo, pois a ponderação entre os direitos fundamentais e a autonomia privada, de forma que esta seja preservada enquanto legítima. Quanto ao posicionamento ora tratado, importante fazer referência à Constituição de Portugal, que em seu artigo 18.1 prevê expressamente: "Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam 448 449 450 451 SARMENTO, op. cit., p.198. Idem. AMARAL, J. R. de P., op. cit., p.69. No mesmo norte: SARMENTO, op. cit., p.204. SARMENTO, op. cit., p.205. 143 as entidades públicas e privadas." Dessa forma, tal país adota majoritariamente a vinculação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas.452 3.2.1.1 Contratos de trabalho: eficácia direta dos direitos de fundamentais? Tendo em mente as previsões constitucionais quanto à dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, assim como os fundamentos da ordem econômica previstos no artigo 170, defende-se a aplicação dos direitos fundamentais nos contratos de trabalho, e de forma direta. Faça-se a análise por outro argumento. Como discorrido no primeiro capítulo, o contrato de trabalho diferencia-se dos demais contratos de âmbito privado mormente pela subordinação, ou seja, a sujeição do empregado em relação ao empregador. Resta desde logo clara a desigualdade entre as partes contratantes, o que favorece a afronta de direitos fundamentais do lado mais fraco, o empregado. Nesse sentido João Caupers pondera: No contrato individual de trabalho existe um manifesto desequilíbrio entre os poderes patronais – poder determinativo da função, poder conformativo da prestação, poder regulamentar e poder disciplinar – e os direitos do trabalhador – pouco mais do que a protecção da retribuição (directa ou indirectamente, através do que a tutela da categoria e da antiguidade), do repouso e da segurança do emprego.453 O mesmo autor ressalta que o desequilíbrio existente nos contratos de trabalho pode aumentar em tempos de desemprego454, porque os empregadores conseguem substituir mais facilmente os trabalhadores nos postos de trabalho.455 452 453 SARMENTO, op. cit., p.205. CAUPERS, João. Os direitos fundamentais dos trabalhadores e a constituição. Coimbra: Almedina, 1985. p.173. 454 Assinale-se que o desemprego tem se mostrado expressivo no Brasil, conforme item 1.2.2 da presente pesquisa. 455 CAUPERS, op. cit., p.173. 144 A desigualdade apontada confirma, portanto, a aplicação da teoria imediata ou direta quanto se trata de eficácia dos direitos fundamentais nas relações de emprego. Reforçando a tese: A intangibilidade do conteúdo essencial dos direitos fundamentais dos trabalhadores, bem como a flagrante desigualdade existente entre os sujeitos envolvidos nas relações trabalhistas – empregados e empregadores –, em face da grande concentração de poder nas mãos do empresário no seio destas relações, podem ser consideradas como motivos justificadores para a aplicação da eficácia direta ou imediata dos direitos fundamentais no âmbito do contrato de trabalho. (destaques no original)456 Além disso, existe uma forte aplicação da pessoa do trabalhador no vínculo empregatício, porque, reafirme-se, não se pode separar a atividade laboral da pessoa do empregado. E se a pessoa está fortemente afetada na relação de emprego, seus direitos de personalidade estarão em inevitável tensão com as atuações do poder do empregador. A afirmação pela aplicação direta e imediata também guarda respaldo na Declaração da OIT sobre princípios e direitos fundamentais no trabalho e seu seguimento, oriunda da 86.a Conferência Internacional do Trabalho, realizada em 1998, na cidade de Genebra. Essa Declaração tem por finalidade proteger e fomentar o respeito aos direitos básicos dos trabalhadores, preceito que foi adotado na Conferência de Cúpula de Copenhague, de 1995. Essa Declaração, ainda, se refere a oito Convenções da OIT, a saber: Convenção sobre o trabalho forçado, de 1930 (n.o 29); Convenção sobre a liberdade sindical e a proteção do direito de sindicalização, de 1948 (n.o 87); Convenção sobre o direito de sindicalização e negociação coletiva, de 1949 (n.o 98); Convenção sobre igualdade de remuneração, de 1951 (n.o 100); Convenção sobre a abolição do trabalho forçado, de 1957 (n.o 105); Convenção sobre a discriminação no emprego e ocupação, de 1958 (n.o 111); Convenção sobre a idade mínima de admissão 456 AMARAL, J. R. de P., op. cit., p.87. O posicionamento de Daniel Sarmento é no mesmo sentido, ou seja, de que no Brasil a eficácia dos direitos fundamentais e nas relações privadas deve ser direta, o que se aplica aos contratos de trabalho, especialmente em se tratando de direitos da personalidade do trabalhador, porque estes também são direitos fundamentais. (SARMENTO, op. cit., p.237). Fábio Rodrigues Gomes assevera, igualmente, a incidência dos direitos fundamentais deve ser direta, especialmente por causa dos poderes do empregador (especialmente de direção e disciplinar), que significam uma ameaça em potencial a referidos direitos dos trabalhadores. (GOMES, F. R., op. cit., p.59-60). 145 no emprego, de 1973 (n.o 138); Convenção sobre as piores formas de trabalho das crianças, de 1999 (n.o 182).457 Resta evidente que a aplicação dos direitos fundamentais nos contratos de trabalho deve ser imediata, como engendra preocupação internacional, haja vista a repetição de situações degradantes no ambiente e nas condições de trabalho, ou seja, a repetida afronta aos direitos fundamentais dos trabalhadores. Retomando o raciocínio do início desta divisão do estudo: se a atividade empresarial (pautada na livre iniciativa) deve resguardar a dignidade da pessoa humana, e ela (empresa) é que origina o contrato de trabalho e este, por sua vez, o poder diretivo do empregador, está claro que se espraia para este contrato e para as relações entre empregadores e empregados a mesma dignidade da pessoa humana mencionada. Por outro lado, a realização é uma constante busca do ser humano, sendo que uma das suas facetas é pelo trabalho458, pela profissão desenvolvida, o que será alcançado num ambiente de labor digno. Diante desse panorama, reafirme-se que a dignidade da pessoa humana é início e o fim do ordenamento jurídico e por isso mesmo, em se tratando de contrato de trabalho, os direitos fundamentais terão aplicação imediata. [...] sempre será possível afirmar, ao menos um limiar mínimo, que os direitos fundamentais constituem e configuram um sistema de valores e que os poderes de caráter privado, como são designadamente os poderes do empregador, estão pois, como regra, 'sujeitos à relevância dos preceitos constitucionais – só assim não acontecendo quando tal represente o prejuízo desrazoável e injustificado da área de liberdade que lhes é reconhecida – [a ponto de se poder afirmar que] a empresa não é mais um domínio privado dos seus titulares, em que a Constituição e dos direitos fundamentais não penetrem'. E, ao menos no núcleo essencial da dignidade humana, assim terá que ser, de forma necessária, sob pena de se poder chegar a uma 'distorção de duas éticas diferentes' [...].459 457 ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p.207-208. 458 Ressalte-se o que foi dito no primeiro item da pesquisa sobre o tema em questão. 459 ASSIS, op. cit., p.22. 146 A 1.a Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, realizada em novembro do ano de 2007, aprovou setenta e nove enunciados460 como subsídios à jurisprudência trabalhista. Dentre tais enunciados, os dois primeiros tratam dos direitos fundamentais: 1. DIREITOS FUNDAMENTAIS. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO. Os direitos fundamentais devem ser interpretados e aplicados de maneira a preservar a integridade sistêmica da Constituição, a estabilizar as relações sociais, e, acima de tudo, a oferecer a devida tutela ao titular do direito fundamental. No Direito do Trabalho, deve prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana. 2. DIREITOS FUNDAMENTAIS – FORÇA NORMATIVA. o I – ART. 7. , INC. I, DA CONSTITUÇÃO DA REPÚBLICA, EFICÁCIA PLENA. FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO. DIMENSÃO OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DEVER DE PROTEÇÃO. A omissão legislativa impõe a atuação do Poder Judiciário na efetivação da norma constitucional, garantindo aos trabalhadores a efetiva proteção contra a dispensa arbitrária. II - [...]; III - [...]. Deve-se relembrar, no entanto, que a análise da aplicação imediata deve ser realizada caso a caso. O primeiro argumento trata-se de reconhecer que o poder do empregador não se confunde com o Poder Público quando se trata da necessidade de proteção do hipossuficiente com o qual está relacionado. Deve-se "[...] ter sempre em mente que o particular – por mais influente que seja – continua sendo titular de direitos fundamentais."461 Não bastassem todos os argumentos de ordem constitucional declinados, que irradiam até mesmo a aplicação dos os direitos de personalidade previstos pelo Código Civil nas relações de trabalho, deve ser trazida à baila a possibilidade de aplicar tais direitos nestas relações por força do permissivo contido no artigo 8.o, § único da CLT, mesmo motivo utilizado como um dos demais para aplicação da teoria do abuso do direito, tratado no capítulo anterior. Sendo praticamente omissa a CLT em termos de direitos da personalidade, aplicam-se subsidiariamente as disposições do Código Civil.462 460 Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/jornada/anexos/ementas_aprovadas.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2008. 461 GOMES, F. R., op. cit., p.61. 462 MALLET, op. cit., p.19. 147 Porém, como dito no item anterior, pode haver casos de aplicação dos direitos de personalidade em que exista dúvida em como proceder, porque ambos, empregado e empregador, podem ter direitos em jogo, especialmente direitos fundamentais. Assim, Canotilho defende a tese da aplicação imediata, mas pondera que devem ser analisados os casos concretos de forma diferenciada; ele afirma que somente no caso concreto constituir-se-á possível a verificação se a aplicação deve ser direta ou indireta. Num primeiro momento, deve ser feita a aplicação dos direitos legalmente previstos no âmbito privado conforme os direitos fundamentais. Se essa interpretação conforme os direitos, liberdades e garantias não bastar, a lei infraconstitucional será posta de lado. Então, na interpretação o juiz deverá lançar mão das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados, ou seja, por exemplo da boa-fé e do abuso do direito, combinados com as normas consagradoras do que o autor chama de bens jurídicos absolutos, como a vida, a liberdade. Assim, tais bens constitucionalmente tutelados restarão concretizados por meio das decisões judiciais.463 3.2 OS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO EMPREGADO Em termos de contrato de trabalho, como visto, os sujeitos são o empregado e o empregador, ambos em seus direitos e deveres. Ocorre que o contrato aqui tratado não pode ser visto como um contrato empresarial qualquer, tendo em vista as características peculiares que encerra, especialmente porque não se pode separar a pessoa do trabalhador de suas atividades. José Antônio Peres Gediel relata que a importância do trabalho para a economia de mercado, bem como um acentuado caráter patrimonialista nas relações empregatícias, acabou por dificultar a aplicação dos direitos de personalidade em tal âmbito. Todavia, com os movimentos humanistas e de repersonalização dos institutos do direito privado, esse cenário está mudando, especialmente por força da Constituição 463 CANOTILHO, op. cit., p.1291-1292. 148 Federal, na qual constam como fundamentos os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. A cultura juslaboralista quanto aos direitos de personalidade tem se mostrado sensível, de forma a atenuar as contradições da sociedade de mercado, marcada pelo conflito de valores e de direitos.464 Nem poderia ser diferente quanto à assimilação da repersonalização e dos direitos de personalidade na esfera do contrato de trabalho. Não se olvide que, hodiernamente, os direitos e deveres advindos do contrato de trabalho não mais podem ser encarados apenas como a prestação – empregado labora – e contraprestação – empregador paga salário. É fato que a ligação entre preceitos celetistas, civis e constitucionais permite a aplicação, no contrato de trabalho, de institutos como a função social do contrato e a boa-fé objetiva. Nem se questione a aplicação da dignidade da pessoa humana e, portanto, dos direitos de personalidade, também porque o trabalho é fator de dignidade do homem. Além disso, o empregado é necessariamente pessoa física, o que também serve de argumento para a aplicação dos direitos de personalidade nas relações de trabalho.465 Como pessoa, o trabalhador deve ser considerado em todos os seus atributos. Cumpre assinalar que a CLT, seguindo caminho semelhante ao do Código Civil de 1916, mostra-se lacônica quanto ao tema dos direitos da personalidade, identificando-se como hipóteses vagas a ofensa à honra e à boa fama como fundamentos para rescisão do contrato de trabalho por justa causa, consoante disposto nos artigos 482, alínea j466 e 483, alínea e467. Outra hipótese é a proibição de revistas íntimas, prevista no artigo 373-A, IV. Limitação legislativa que traduz o cunho patrimonialista das disposições celetárias. 464 GEDIEL, José Antônio Peres. A irrenunciabilidade a direitos da personalidade pelo trabalhador. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p.153-157. 465 MALLET, op. cit., p.18. 466 Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: [...] j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; 467 Art. 483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando [...] e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; 149 Os direitos de personalidade do empregado, com efeito, podem ser eleitos como parâmetros para aferição, na prática, até onde o exercício do poder diretivo é legítimo. Isso porque, "Quando os direitos do empregador e do empregado entram em choque, faz-se oportuno traçar até onde o primeiro detém poder de mando sobre o segundo, em face dos direitos constitucionalmente garantidos."468 Como afirma Dray: [...] a matéria das pessoas e a tutela dos bens que directamente lhe dizem respeito é igualmente marcante noutros ramos de direito privado especial, com particular incidência no Direito do Trabalho, onde na desigualdade entre a posição jurídica do empregador e a do trabalhador é manifesta, caracterizando-se pelo binômio poder de direcção (situação jurídica activa) versus situação de sujeição (situação jurídica passiva). (destacado no original)469 Se, por um lado, as relações empregatícias modernas são dinâmicas470 e pautadas nos fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana e do solidarismo, bem como porque contratuais encontram na legislação civil conceitos que a elas se aplicam, por outro lado, têm assumido características que encerram a abusividade de direito nas condutas, nas diretrizes traçadas pelo empregador, mitigando os direitos de personalidade dos empregados. Referindo-se a disposições constitucionais quanto a direitos de personalidade, Enoque Ribeiro dos Santos assim se manifesta: "Todas essas normas delimitam o poder diretivo do empregador, mais especificamente no que respeita ao exercício de fiscalização, de controle e disciplina no exercício de seu poder empregatício."471 Como dito no primeiro capítulo, de um lado tem-se que ao empregador é lícito e essencialmente necessário o poder de comando, de forma que possa concretizar a organização da empresa e esta atinja os fins a que se propõe. Ocorre que, diante de aspectos, valores constitucionais e mesmo civis, este poder diretivo pode ser mitigado e mesmo limitado, assim como a subordinação do empregado não se configura como total e incondicional, porque as relações empregatícias devem ser pautadas, sobretudo, 468 469 SIMÕES, op. cit., p.151. DRAY, Guilherme Machado. Direitos de personalidade: anotações ao código civil e ao código do trabalho. Coimbra: Almedina, 2006. p.5. 470 DALLEGRAVE NETO, Notas sobre..., p.203. 471 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Limites ao poder disciplinar do empregador: a tese do poder disciplinar compartilhado. Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário, São Paulo, v.4, n.21, p.23, nov./dez. 2007. 150 por fundamentos e princípios como dignidade da pessoa humana, solidarismo, função social, boa-fé objetiva. O poder diretivo do empregador deverá, portanto, ser analisado sob a ótica do abuso do direito, de forma que se verifique se sua atuação constitui-se como abusiva ou não ante os direitos de personalidade dos empregados. Tendo em mente o que se disse sobre a vinculação direta dos particulares aos direitos fundamentais, na realidade prática ocorrerão casos de dúvida em relação a qual dos particulares (se o empregado ou se o empregador) estará com a razão, nestes casos, deverá ser realizada a ponderação, de forma a harmonizar princípios constitucionais em colisão. O indivíduo, como trabalhador, ou seja, na qualidade de empregado, por conta do contrato de trabalho e das características que lhe são inerentes – principalmente por força da subordinação ao poder diretivo do empregado – poderá sofrer limitações quanto aos seus direitos individuais fundamentais, dentre eles os direitos de personalidade.472 Exemplos de tais colisões serão tratados em item posterior, com exemplos práticos. 3.3 CASUÍSTICA SOBRE DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO E EXERCÍCIO ABUSIVO DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR Não são raras as colisões entre poder diretivo do empregador e direitos de personalidade dos empregados. Algumas limitações aos direitos de personalidade dos empregados podem ser admitidas, sendo certo que os balizadores se concretizam na necessidade, na adequação e na razoabilidade.473 A empresa é decorrente de uma ação humana, por certo que sua finalidade também deve ser o bem: "A busca do lucro se mistura de maneira inseparável com a 472 473 GOMES, F. R., op. cit., p.61-62. Critérios citados por Fernando Büscher von Teschenhausen Eberlin, ao explicar o caso de testes toxicológicos que passaram a ser aceitos após o acidente ecológico de um petroleiro na costa do Alasca. (EBERLIN, Fernando Büscher von Teschenhausen. Poder de direção do empregador versus direito à privacidade do empregado. Revista Trabalhista - Direito e Processo, Rio de Janeiro, v.19, p.135-136, jul./ago./set. 2006). 151 busca do bem comum."474Nessa senda, o bem somente pode ser alcançado se as ações e atitudes humanas forem pautadas por valores, princípios coletivos de conduta, mormente a dignidade da pessoa humana.475 Se a atividade empresarial (pautada na livre iniciativa) deve resguardar a dignidade da pessoa humana, e ela (empresa) é que origina o contrato de trabalho e este, por sua vez o poder diretivo do empregador, está claro que se espraia para este contrato e para as relações entre empregadores e empregados a mesma dignidade da pessoa humana mencionada. Diante desse panorama, reafirme-se que a dignidade da pessoa humana deve ser espraiada para as relações de emprego, em todas as suas fases, sendo um grande passo o respeito aos direitos da personalidade dos empregados, se considerado o poder diretivo do empregador. Como bem assinala Wandelli, "[...] associa-se aos intentos de utilizar-se da teoria do abuso do direito para impor limites aos direitos fundamentais em nome do interesse geral ou do Estado, moralidade, bons costumes, fins lícitos, ou segurança nacional."476 Embora não seja tão fácil avaliar a abusividade do direito no contrato de trabalho, Edilton Meireles sugere alguns critérios para tal verificação. Em suma, serão abusivos os atos que: 1. restrinjam fora dos limites aceitos para a hipótese direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos; 2. estabeleçam vantagens desproporcionais ou tornem obrigações excessivamente onerosas; 3. estabeleçam obrigações incompatíveis com a boa-fé, com as funções econômicas e sociais e com os bons costumes; 4. ofendam os princípios fundamentais do direito do trabalho e de proteção do trabalhador; 5. imponham a cobrança vexatória, em decorrência do inadimplemento de obrigação por parte do contratante.477 474 SAVITZ, Andrew W. A empresa sustentável: o verdadeiro sucesso é o lucro com responsabilidade social e ambiental. Trad. Afonso Celso da Cunha Serra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. 475 PAVELSKI, Ana Paula. Assédio moral: falta de ética e prejuízo da sustentabilidade nas empresas. In: BARACAT, Eduardo Milléo (Coord.). Controle do empregado pelo empregador: procedimentos lícitos e ilícitos. Curitiba: Juruá, 2008. p.315-316. 476 WANDELLI, op. cit., p.69. 477 MEIRELES, Abuso do direito..., p.165. 152 Ao tratar do direito de resistência do empregado ante o poder diretivo do empregador, Márcio Túlio Viana diz que a resistência equivale a uma defesa do empregado em relação ao comando excessivo do empregador. Se a taxa de comando do empregador variar tendo em vista fatores que não estão presos à lei ou ao contrato, o poder diretivo estará desatendendo seus fins normais e justamente por isso será considerado como sem necessidade. O que pode ocorrer de pelo menos dois modos: intensivo, ou seja, ordens mais duras, e extensiva, uma quantidade maior de ordens. Nesses casos pode o empregado resistir ao excesso. Nota-se que o poder diretivo causa constrangimento e o empregado, no seu direito de resistência (jus resistentiae), poderá dizer de um simples não ou também promover a justa causa do empregador, com base no artigo 483, a478 da CLT.479 O mesmo autor chega a falar em abuso do direito no poder diretivo, dizendo que não se faz necessária a atuação de má-fé do empregador, mas um exercício abusivo do comando que a lei lhe confere.480 Porém, como muito bem ressalta Dallegrave Neto, na prática o direito de resistência do empregado dificilmente é utilizado, ante o temor de perder seu emprego, ainda mais em se considerando os níveis de desemprego. Por outro lado, o empregador quase sempre não tolera exercícios de resistência por parte do empregado, exercendo seu direito de dispensá-lo.481 A seguir, constam algumas considerações a respeito de casos em que o poder de direção do empregador estaria configurando abuso do direito em confronto, principalmente, com os direitos de personalidade do empregado. Assinale-se que não se configura tarefa fácil tentar citar a casuística, até mesmo porque num mesmo caso se pode verificar a restrição abusiva de mais de um direito da personalidade, como a honra e a imagem, a honra e a intimidade. 478 Art.483. [...] a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; 479 VIANA, Direito de resistência..., p.209. O autor considera que a resistência é um direito do empregado, servindo como barreira natural ao poder diretivo do empregador, quando este é exercido em excesso. (p.75). 480 ibidem, p.105. 481 DALLEGRAVE NETO, Responsabilidade civil..., p.349. 153 3.3.1 A Intimidade e a Vida Privada José Afonso da Silva explica que o direito à intimidade tem sido utilizado no mesmo sentido do direito à privacidade. Adverte que esta última é uma expressão de origem anglo-saxônica ("right of privacy"). A seguir, afirma que a Constituição de 1988 deu ensejo à distinção entre direito à intimidade e direito à vida privada, porque no seu art. 5.o, X traz ambas separadamente, além de outros atributos da personalidade. Para o autor, portanto, intimidade concerne à esfera mais secreta da vida do indivíduo, a exclusão do conhecimento de outrem do que se refira ao aspecto pessoal.482 Alexandre de Moraes completa as informações, explicando a interligação entre a intimidade e a vida privada, porém concluindo pela abrangência mais restrita da primeira, que, inclusive, estaria no âmbito da segunda. O autor explana que a intimidade diz respeito a aspectos da esfera íntima da pessoa, relações com familiares e amigos. A vida privada, por sua vez, compreenderia todos os demais relacionamentos, estando aqui abarcada a esfera das relações comerciais, trabalho, estudo.483 O direito à intimidade constitui o direito de preservação em segredo em relação a certos aspectos pelos demais, de forma que não saibam que se é ou o que se faz.484 Porque previstos constitucionalmente, como dito, aplica-se na esfera do contrato de trabalho, sempre se tendo em mente que, embora haja forte vínculo pessoal na relação empregatícia, não se separam o trabalhador da sua prestação de serviços. Um exemplo pode ser retratado em acontecimento ocorrido em Curitiba, no qual um candidato que disputava nas eleições municipais o cargo de prefeito teve sua ficha de avaliação funcional divulgada pelo seu adversário. O candidato tinha trabalhado em estabelecimento bancário e a avaliação se referia a ele como pouco trabalhador e agitador.485 Observe-se que aqui a empresa abusou de seu direito porque agiu de forma contrária à boa-fé objetiva, pois feriu seu dever anexo de conduta constituído pelo sigilo, pela proteção do empregado, aplicável mesmo após a extinção contratual. 482 483 484 485 SILVA, J. A. da, op. cit., 31.ed., p.206-207. MORAES, A. de, op. cit., p.53. BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado. São Paulo: LTr, 1997. p.29. FONSECA, op. cit., p.149-150. 154 A divulgação de dados médicos e genéticos do empregado, assim como preferências ideológicas, de consumo, bem como quaisquer outras informações obtidas pela empresa por força do vínculo empregatício, poderá ser considerada como abuso de direito do empregador, pelo mesmo motivo antes mencionado. Inegável que tal conduta, ainda, estaria violando o direito à vida privada do empregado.486 Um exemplo citado pela doutrina que põe em xeque a vida privada do empregado seria a proibição, pelo empregador, de que fosse consumido cigarro no ambiente de trabalho. Desde que essa restrição fosse informada pelo empregador aos seus empregados, em princípio nada haveria de abusivo. Porém, se o empregador, sem avisar da regra aplicasse punição ao empregado, como uma advertência ou a suspensão, estar-se-ia diante do abuso do direito no poder diretivo, porque violado o dever de informação consubstanciado na boa-fé objetiva. É certo, ainda, que os avanços tecnológicos como sistemas de áudio e vídeo, para além de significarem apenas fiscalização ou mesmo segurança, podem ser utilizados de forma inadequada, ferindo, por exemplo, o direito de personalidade consubstanciado na intimidade do indivíduo. A título de exemplo, deve ser referido um julgado487 do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais que considerou como violação da intimidade do indivíduo por causa da instalação de câmeras de vídeo nas dependências do banheiro utilizado pelos empregados. Essa conduta do empregador fere frontalmente a função social do contrato porque limita o direito fundamental e da personalidade consubstanciado na intimidade. Com efeito, não se tem como justificar, nesse caso, que o especo de trabalho pertence ao empregador e ele tem, portanto, assegurado constitucionalmente o direito à proprie- 486 487 MEIRELES, Abuso do direito..., p.168. DANO MORAL – INSTALAÇÃO DE CÂMARAS DE VÍDEOS NO BANHEIRO – CARACTERIZAÇÃO "DANO MORAL – INSTALAÇÃO DE CÂMERA DE VÍDEO NO BANHEIRO DA EMPRESA – VIOLAÇÃO À INTIMIDADE DO EMPREGADO – Extrapola os limites do poder diretivo e fiscalizador, a empresa que instala câmera de vídeo nos banheiros, porque viola a intimidade do empregado, acarretando-lhe, por óbvio, constrangimentos. Por decorrência de tal ato, deve a empresa ser responsabilizada pelo pagamento de indenização por dano moral, à luz do inciso X o a a do art. 5. da Constituição Federal." (TRT 3. R. – RO 00413.2004.103.03.00.7 – 4. T. – Rel. Juiz Fernando Luiz G Rios Neto – DJMG 18.12.2004 – p.08) JCF.5 JCF.5.X 155 dade. Ponderando os valores envolvidos, indubitável que a preservação da intimidade do empregado deve prevalecer.488 Observe-se, contudo, que as câmeras, por exemplo, têm sido consideradas como passíveis de utilização nos demais ambientes de trabalho que não banheiros e vestiários. Com efeito, as decisões que tratam de revistas de pertences e aplicam a sanção entendendo que os pertences fazem parte da esfera íntima do empregado e entram na regra do artigo 373-A, VI da CLT, proibitiva das revistas íntimas. Pondere-se, ainda quanto à utilização de aparelhos audiovisuais a necessidade de informação ao empregado de que ele está sendo controlado no seu local de trabalho por meio de tais tecnologias. Ainda mais uma conduta abusiva por parte do empregador, na concretização de seu poder diretivo, verifica-se quando limita o uso de sanitários pelos empregados, por questões de produtividade. Infelizmente não são raros os casos em que o empregado tem número de vezes e tempo certo para freqüentar o banheiro do local onde trabalha. Essa situação já foi apreciada pelo Judiciário, resultando na condenação em danos morais a favor do empregado, por afronta a sua intimidade.489 488 As considerações sobre exemplo como o do julgado mencionado foram elencadas em MEIRELES, Abuso do direito..., p.170. 489 Não obstante seja compreensível que o empresário vise ao lucro, isso não lhe dá o direito de impor aos seus empregados limitações de ordem fisiológicas, como no caso da utilização de sanitários, violando normas de proteção à saúde e impondo-lhe uma situação degradante e vexatória, com o escopo de alcançar maior produtividade e, assim, deixando de respeitar os limites de cada um daqueles que coloca sob o seu comando hierárquico. Efetivamente, tanto a higidez física como a mental do ser humano são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, o de sua auto-estima e afirmação social, inquestionavelmente tutelados pela Lei Maior (art. 5. , incisos V e X). A violência psicológica sofrida implica lesão de um interesse extrapatrimonial, a juridicamente protegido, gerando direito à reparação do dano moral." (TRT 3. R. – RO 01068a 2005-016-03-00-8 – 2. T. – Rel. Juiz Anemar Pereira Amaral – DJMG 11.10.2006) TRT-PR-02-09-2008 [...] II - IMPOSSIBILIDADE OU SANÇÃO PARA UTILIZAÇÃO DO BANHEIRO E CONSUMO DE ÁGUA DURANTE A JORNADA DE TRABALHO - INSTALAÇÃO DE CÂMERAS À FRENTE DOS BANHEIROS - DANO MORAL CARACTERIZADO - INDENIZAÇÃO DEVIDA. Tomar água e ir ao banheiro são necessidades básicas do ser humano. O empregador que nega a seus trabalhadores a possibilidade de tomar água ou freqüentar o banheiro, durante a jornada, acaba por negar a condição de ser humano de seu empregado e, assim ofende-lhe em sua dignidade. O empregado não é máquina e o empresário que utiliza o trabalho humano para a consecução de sua atividade deve ter isso em mente. A atividade empresarial deve ser exercida o sempre mediante respeito à dignidade humana (art. 1. , III, e art. 170 da CRFB), o que pressupõe a consideração do ser humano como finalidade do progresso econômico, nunca como mero meio. Ademais, embora o poder empregatício realmente legitime a adoção de medidas para a fiscalização do local de trabalho, não pode o empregador fazer isso de modo a ofender a dignidade de seus trabalhadores. Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede os limites impostos por seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (art. 187 do o Código Civil, aqui aplicável por força do art. 8. , parágrafo único, da CLT). Assim, embora a instalação de câmeras para a fiscalização do ambiente de trabalho seja conduta ordinariamente 156 A restrição dessa natureza imposta pelo empregador não só atenta contra os fins econômicos do contrato como também contra os bons costumes e fere o dever de proteção (integridade física do empregado), decorrente da boa-fé. Também, pode ser verificado o abuso do direito no poder diretivo do empregador quando o intercepta mensagens eletrônicas sem que ao empregado tenha sido proibida a utilização de tal meio de comunicação para fins particulares. Poderá ser constatada a restrição da privacidade do empregado. Ainda que se conceba que o correio eletrônico da empresa, ou seja, onde conste o nome da empresa seja uma ferramenta de trabalho e deva para tal fim ser utilizado, com esteio no dever anexo de informação trazido pela boa-fé objetiva, é de se dizer que o empregador deve deixar claras, certas e informadas, mormente por normas internas, as condições e regras de trabalho para o empregado. Interessantes, os dados divulgados sobre o uso da Internet no ambiente de trabalho. Nos Estados Unidos, em 2000, uma pesquisa divulgou que 87% das pessoas usam o correio eletrônico para assuntos não relacionados ao trabalho, 21% dos empregados afirmaram divertir-se com jogos e piadas, 16% reconheceram planejar viagens, 10% enviam dados pessoais até mesmo em busca de novos postos de trabalho e 3% conversam em sites de bate-papo e 2% visitam sites de conteúdo pornográfico.490 Percebe-se que tanto o correio eletrônico quanto a Internet são efetivamente utilizados pelos empregados para fins que não aqueles destinados a realizarem suas atividades inerentes ao contrato de trabalho. Assim, se o empregador deixa as regras quanto à utilização da correspondência eletrônica e o empregado mesmo assim utiliza o correio eletrônico da empresa para fins pessoais, inclusive divulgando mensagens eletrônicas de conteúdo pornográfico, pode-se até mesmo aplicar a justa causa ao empregado.491 admissível, não pode ser adotada de modo divorciado da finalidade permitida em lei, mediante constrangimento dos empregados. Recursos das rés aos quais se nega provimento, no a particular.TRT-PR-03799-2006-513-09-00-8-ACO-31384-2008 - 1. TURMA Relator: EDMILSON ANTONIO DE LIMA Publicado no DJPR em 02-09-2008. 490 CALVO, Adriana Carrera. O uso indevido do correio eletrônico no ambiente de trabalho. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/246>. Acesso em: 21. jun. 2008. 491 PARANÁ. Tribunal Regional do Trabalho (9.a Região). Processo: 01502-2006-001-09-00-9-ACO32945-2008. Órgão Julgador: Quarta Turma. Relator: Luiz Celso Napp. Data de Publicação: DJPR, 12 set. 2008. EMENTA Correio eletrônico. Monitoramento. Legalidade. Não fere norma constitucional a quebra de sigilo de e-mail corporativo, sobretudo quando o empregador dá a seus empregados ciência prévia das normas de utilização do sistema e da possibilidade de rastreamento e monitoramento de seu correio eletrônico. 157 Porém, se o empregador violar o conteúdo das mensagens e ainda divulgar, isso pode configurar o ilícito previsto inclusive penalmente. Há que se ter cautela na análise dos casos concretos. María Natalia Oviedo entende, nesse caso dos e-mails corporativos, se estabelecidas as regras de uso pelos empregados, estes sofrerão limitação no seu direito à intimidade, podendo-se efetuar o controle que for necessário. Diz a autora que o empregador pode monitorar o correio eletrônico, controlar tanto o cumprimento de suas ordens quanto o tempo despendido para a realização destas.492 3.3.2 A Honra e a Imagem A autodeterminação da própria imagem consta como tutelada no artigo 5.o, X da Constituição Federal. Pode-se fazer a distinção entre duas formas de imagem: a imagem-retrato e a imagem-atributo. A imagem-retrato diz respeito a aspectos físicos da pessoa, como a pintura, a fotografia, a escultura. A imagem-atributo decorre da vida em sociedade do indivíduo, a forma pela qual as pessoas o consideram, o vêem, tanto faz se os que com ele convivem ou mantêm algum contato, ou ainda, conhecem-no pela sua atuação no mundo social.493 Pense-se no pesquisador que ganha fama por causa da obra que escreveu, passando a ser considerado pelas pessoas como um estudioso por causa do conteúdo de sua obra. Imagine-se um pesquisar, cuja imagem está associada a grandes pesquisas e descobertas no seu meio. Todos esses constituem exemplos de imagem-atributo, e prejudicada tal imagem por algum acontecimento, haverá, por TRT-PR-12-09-2008 "E-MAIL" CORPORATIVO. RASTREAMENTO PELA EMPRESA. INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL. Evidente que o empregado, ao receber uma caixa de "e-mail" de seu empregador para uso corporativo, mediante ciência prévia de que nele somente podem transitar mensagens profissionais, não tem razoável expectativa de privacidade quanto a esta, podendo o empregador monitorar e rastrear a atividade do empregado no ambiente de trabalho, sem que tal situação configure dano moral ao empregado. 492 OVIEDO, María Natalia. Control Empresarial sobre los 'e-mails' de los dependientes. Buenos Aires: Hammurabi, 2004. p.165. 493 SILVA NETO, Manoel Jorge. A proteção constitucional do direito à imagem do empregado e da empresa. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/Ssedoc/PaginadaBiblioteca/revistadotst/ Rev_69/rev69_1/rev69_1_6.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2008. p.57-58. 158 óbvio, violação do direito de personalidade. A imagem-atributo, portanto, identifica-se quando há notoriedade do indivíduo por causa do exercício de uma determinada atividade, sem juízo de bem ou mal.494 A honra, por sua vez, define-se como a dignidade pessoal, a consideração desfrutada pela pessoa no meio em que ela vive, os predicados que são atribuídos à pessoa pelo meio social, é a boa reputação.495 Pode ser dividida em subjetiva e objetiva: a primeira diz respeito ao apreço próprio, o juízo que cada um faz de si mesmo, a objetiva, por sua vez, trata-se do respeito e a consideração que o meio social devota a uma determinada pessoa.496 Avente-se a hipótese de o empregador interferir nas transformações no corpo, realizadas pelo empregado. Tais transformações dizem respeito a tatuagens e outras formas de desenho na pele, também pode ser considerada a introdução de pedaços de madeira o de metal em orifícios do corpo, como brincos, piercings.497 Pergunta-se: configura-se abuso do direito do empregador a interferência com relação a tais aspectos do empregado? A resposta se confere com uma afirmação, porque o controle em relação a aspectos como esses configurará intromissão na esfera íntima do empregado.498 Desrespeitando um direito fundamental, restringindoo, o empregador fere os fins sociais do contrato de trabalho, o que configura abuso do direito. Alice Monteiro de Barros, por sua vez, afirma que a jurisprudência tem considerado como legítima a intrusão do empregador em aspectos pessoais do empregado, nos casos em que chocam as pessoas e quando seja prejudicial ao bom funcionamento da empresa.499 494 495 496 497 SILVA NETO, op. cit., p.59. AMARAL, F., op. cit., p.268. SILVA NETO, op. cit., p.59. MARQUES, Christiani. O contrato de trabalho e a discriminação estética. São Paulo: LTr, 2002. p.128 -124. 498 Ibidem, p.128 -125. 499 BARROS, Proteção à intimidade..., p.138 159 Como dito, a priori a interferência do empregador deve ser considerada abusiva, mas existem casos em que se configura como necessária, ante a influência na realização das atividades, colocando em risco a própria integridade física do empregado. Basta imaginar a hipótese de algum empregado que tenha piercings no rosto ou pulsos e mãos e trabalhe com máquinas cujas operações sejam próximas, passem perto de tais objetos do corpo do empregado. Por questões flagrantes de segurança no local de trabalho, porque a máquina ou o produto nela fabricado correm o risco de engatar nesses objetos, causando ferimentos ao empregado, é acentuado. Nesse sentido, ordens do empregador quanto à não-utilização dos adereços estarão estritamente dentro de seu poder diretivo, porque, inclusive, respeitando o dever de proteção da integridade psicofísica do empregado, decorrente da boa-fé objetiva. Tratando-se de verificar uma hipótese500 de abuso do direito na relação de trabalho quanto à imagem, observe-se um caso em que a empresa exige que os empregados utilizem determinadas roupas para trabalhar, especialmente para mostrar determinados atributos de beleza de suas empregadas, justificando que seriam mais atraentes ou mesmo convenientes. Num primeiro momento, identifica-se o poder diretivo do empregados nesta situação, pois a atuação seria de forma a organizar e coordenar a atividade empresarial. Observe-se que se trata de critério fortemente subjetivo estabelecer qual a vestimenta mais adequada para certos locais de trabalho. Em verdade, tem-se um caso típico de abuso do direito no poder diretivo do empregador porque a atuação mostra-se contrária à finalidade social do contrato, eis que frontalmente restringe um direito fundamental do empregado, mormente o direito de personalidade. O ato, ainda, contraria os bons costumes. O entendimento seria outro se a empresa fornecesse o uniforme e solicitasse o uso pelos empregados, sem que fossem feridos os bons costumes, pois se trata de um uniforme que não tem o objetivo de mostrar atributos físicos dos empregados. Todavia, se o uniforme também se mostrar incompatível com o ambiente de trabalho, principalmente tendo em vista os bons costumes, poder-se-á novamente falar em abuso do direito. 500 MEIRELES, Abuso do direito..., p.129. 160 Assim, desde que o uniforme não viole a intimidade do empregado (exposição de partes íntimas) ou mesmo a honra (temas que façam o trabalhador se sentido humilhado), podem ser utilizados na empresa.501 Não se olvide que há um padrão médio de vestimentas nos locais de trabalho, sendo de bom senso justamente evitar roupas que despertem comportamentos de cunho sexual por parte de clientes, terceiros e até mesmo para que se evite, por exemplo, o assédio sexual ou mesmo o moral. Ainda uma outra hipótese quanto à autodeterminação da própria imagem, trata-se dos casos em que o empregador interfere em aspectos de apresentação pessoal e higiene como barba, cabelo. Nestes casos, se o comando do empregador não tem ligação com as atividades, poderá ser considerado como abusivo, porque contrário à finalidade social do contrato, limitando o direito do empregado à autodeterminação da própria imagem. Porém, se as atividades demandarem um padrão de higiene pelo qual o empregado seja a interferir e pedir para que o empregado mantenha seu cabelo preso ou utilize tocas, assim como mantenha as unhas aparadas, curtas e limpas, bem como para que a barba seja curta, então poderá ser tido como sem abusividade, ante a peculiaridade das atividades realizadas pelo empregado. Cite-se como exemplo um abatedouro de frangos, uma empresa de manipulação de alimentos, uma cozinha industrial, um restaurante. O assédio moral502 pode vir a caracterizar como afronta à honra ou até mesmo à imagem do empregado, caracterizando violação dos direitos de personalidade pelo poder diretivo do empregador. Essa espécie de assédio também tem sido denominado como "mobbing", "bullying", terror psicológico, acosso psicológico. Encerra uma perseguição, condutas repetitivas e reiteradas, direcionadas de forma que a vítima se sinta afetada em sua dignidade. 501 BARACAT, Eduardo Milléo; MANSUR, Rosane Maria Vieira. Controle extralaboral. In: BARACAT, Eduardo (Coord.). Controle do empregado pelo empregador: procedimentos lícitos e ilícitos. Curitiba: Juruá, 2008. p.237. 502 As informações sobre assédio moral aqui trazidas fazem parte, com algumas alterações, do artigo PAVELSKI, Assédio moral..., p.312-313. 161 Nas palavras da doutrina especializada: [...] processo constituído por um conjunto de ações ou omissões, no âmbito das relações de trabalho públicas e privadas, em virtude do qual um ou mais sujeitos assediadores criam um ambiente laboral hostil e intimidatório em relação a um ou mais assediados, afetando gravemente sua dignidade pessoal e causando danos à saúde dos afetados, com vistas a obter distintos fins de tipo persecutório.503 Eis algumas conseqüências do assédio: "[…] elas podem começar com uma simples cefaléia, passar por taquicardias, gastrites, dores articulares, ansiedade, bulimia, anorexia, dependência de drogas, alcoolismo, e levar a mortes súbitas no ambiente de trabalho ou ao suicídio."504 503 CONTRERAS, Sergio Gamonal apud PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen. Assédio moral. In: BRAMANTE, Ivani Contini; CALVO, Adriana (Org.). Aspectos polêmicos e atuais do direito do trabalho: homenagem ao professor Renato Rua de Almeida. São Paulo: LTr, 2007. p.137. 504 OLIVARES, Abajo apud GIUNTOLI, Maria Cristina. Mobbing y otras violencias en el ámbito laboral: leyes provinciales, proyectos de ley nacional. Buenos Aires: Universitas, 2006. p.17. Texto original: "[…] ellas pueden comenzar com uma simple cefalea, pasar por taquicardias, gastritis, Dolores articulares, ansiedad, bulimia, anorexia, adicción a lãs drogas, alcoholismo, y llevar hasta las 'muertes súbitas en el ámbito laboral o al suicidio." Quanto ao suicidio de trabalhadores mencionado pelo autor, importante transcrever a seguinte notícia, a respeito de trabalhadores da Renault, nas unidades francesas: "Na primeira vez foi atribuído a um mero desequilíbrio pessoal. Um engenheiro de 39 anos que trabalhava no projeto Logan no Technocentre da Renault, na cidade francesa de Guyancourt, a oeste de Paris, suicidou-se em 20 de outubro passado, atirando-se do alto do edifício principal, de cinco andares. Várias dezenas de seus companheiros de trabalho foram testemunhas daquele último e trágico gesto de desespero. A mulher dele explicou que fazia tempo que sofria de estresse.Nada especialmente chamativo. Todos os anos, entre 300 e 400 trabalhadores franceses – o número não é totalmente confiável – tiram a própria vida em seu local de trabalho. A morte do engenheiro, portanto, entrou na estatística, uma quota razoável para um grande centro da firma automobilística francesa, no qual trabalham cerca de 12.500 pessoas e onde estão sendo desenhados os 26 novos modelos da marca. Na segunda vez, muitos ficaram com o sangue congelado nas veias. Haviam passado somente três meses daquele fato chocante quando, em 24 de janeiro, um técnico em informática de 44 anos, Hervé Tison, associado ao projeto do novo Twuingo, foi encontrado afogado em um tanque de captação de águas no Technocentre. A investigação realizada pela polícia de Guyancourt concluiu que foi um suicídio e qualificou a vítima de "depressivo". A justiça descartou qualquer vinculação entre as duas mortes. Mas os sindicatos começaram a atribuí-las às más condições de trabalho no Technocentre, especialmente desde que o presidente da companhia, Carlos Ghosn, implementou o plano Power 8 para tentar levantar a situação econômica da empresa. O balanço econômico de 2006, divulgado por Ghosn no último dia 8, confirmou o momento delicado por que passa a companhia: as vendas mundiais caíram 4% (de 2,5 para 2,4 milhões de veículos), enquanto o resultado do exercício caiu quase 15% (de 3.367 para 2.869 milhões de euros).Uma semana antes, cerca de 800 trabalhadores do Technocentre desfilaram em silêncio pelo recinto, convocados pelos sindicatos, para lembrar seus dois companheiros desaparecidos e denunciar a situação laboral. "Na violência destes atos, não vemos nenhuma fatalidade. Há vários meses reina no centro de Guyancourt um clima de ansiedade", salientou então o sindicato SUD. Outra central, a CGT, denunciou as pressões da empresa para obter resultados, o forte ritmo de trabalho, as ameaças de deslocalização, a concorrência entre os 162 O assédio pode ocorrer em caráter vertical, ou seja, quando há diferentes hierarquias entre assediador e assediado. Ainda em relação ao vertical, pode ser descendente, do maior grau hierárquico em relação ao seu subordinado, e ascendente, um grupo de empregados, por exemplo, une-se para intimidar um chefe que pretendem seja substituído. Pode ocorrer, também, em caráter horizontal, entre pessoas de mesma hierarquia numa empresa. Em relação às espécies de assédio moral, fala-se hoje do organizacional, definido como condutas abusivas, que sejam sistemáticas e durem por um certo tempo, resultando no vexame de uma ou mais vitimas e cujo objetivo é obter o engajamento a políticas e metas da administração, violando direitos fundamentais.505 Em notícia506 veiculada no sítio do Tribunal Superior do Trabalho, os números são assustadores: na União Européia, dá-se conta de que mais de doze milhões de trabalhadores viveram essa situação, segundo pesquisa realizada em 1996 pela Organização Internacional do Trabalho. No Brasil, pesquisa da Médica do Trabalho Margarida Barreto constata que 42% dos trabalhadores entrevistados já sofreram com o assédio. Registre-se que no âmbito Federal, não há legislação tipificadora do assédio moral, o que, todavia, não impede ações na Justiça do Trabalho que tratem do tema, havendo condenações (indenizações por danos morais e materiais, rescisão indireta art. 483 da CLT), uma vez provado o assédio. técnicos.A direção da Renault negou qualquer relação entre os suicídios – que atribuiu a causas pessoais – e as condições de trabalho. Mas a Direção Regional do Trabalho constatou que desde a chegada de Ghosn à presidência da empresa, em 2005, havia um "verdadeiro mal-estar" no Technocentre. Dois suicídios em três meses no mesmo centro de trabalho não é muito comum, mas pode corresponder a uma mera e fatal casualidade. Uma hipótese plausível que foi derrubada na última sexta-feira. Nesse dia foi encontrado morto em sua residência em Saint-Cyrl'Ecole outro trabalhador do Technocentre, Raymond D., 37 anos, um técnico que trabalhava no projeto do novo Laguna. Havia se enforcado com seu cinturão, aproveitando que sua mulher e seu filho de cinco anos estavam em viagem no exterior. Mas desta vez a vítima deixou várias cartas. Nelas, segundo o jornal "Le Parisien", confessava-se incapaz de assumir seu trabalho – "é muito duro de suportar", escreveu – e culpava pela situação os responsáveis máximos da empresa. Diante disso a promotoria de Versalhes abriu uma investigação oficial com o fim de determinar se Raymond D. pode ter sido vítima de assédio moral. A direção da Renault insiste que "o suicídio é sempre resultado de uma situação pessoal complexa" e pediu que não se tirem "conclusões precipitadas". A viúva, porém, já tirou as suas: "Meu marido sofria uma pressão enorme, levava os assuntos para casa e se levantava à noite para trabalhar; ultimamente já não conseguia dormir", ela explicou. (Disponível em: <http://www.nesc.ufrj.br/assediomoral/noticias/ renault%20070224.htm>. Acesso em: 21 jul. 2007). 505 ARAUJO, Adriane Reis apud DALLEGRAVE NETO, Responsabilidade civil..., p.286. 506 Disponível em: <http://www.tst.gov.br/.>. Acesso em: 20 jun. 2007. 163 Exemplo disso é o estabelecimento de "prendas", como vestir fantasias, cantar e dançar na frente de colegas quando não é atingida uma meta estabelecida pela empresa.507 O poder diretivo do empregador fere frontalmente os fins sociais do contrato porque incide diretamente na honra e na imagem do empregado, fere os bons costumes, bem como o dever anexo de conduta consistente na proteção psicofísica do empregado, decorrente da boa-fé objetiva. De toda sorte, O Ministério do Trabalho e Emprego tem se mostrado atento e preocupado com o tema assédio moral, tendo criado em 2006 o "Manual do Empregador Urbano" para as Embaixadas e Organismos Internacionais, no qual consta referência sobre o significado de assédio moral e também algumas práticas que podem ser configuradas como tal. Transcreve-se o item: 22.2 Assédio Moral. A jurisprudência e diversos Acórdãos dos Tribunais Regionais do Trabalho vêm sistematicamente reconhecendo que a violação da dignidade humana dá direito à indenização por dano moral. Também nesse sentido, diversos municípios brasileiros têm aprovado leis contra esse tipo de afronta à dignidade dos trabalhadores. Assédio moral é toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, escritos, comportamentos, atitude, etc.) que intencional 507 a MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho (3. Região). Processo: 00232-2005-011-03-00-8 RO. Órgão Julgador: Sexta Turma. Juiz Relator: Juiz Convocado Joao Bosco de Barcelos Coura. Data de Publicação: DJMG, 14 jul. 2005. "A prova produzida narra situações vexatórias e humilhantes a que estavam submetidos os empregados da Reclamada quando não atingiam suas metas de vendas, tais como, desfilar com adereços femininos, apresentar revistas homossexuais, ser amarrado com fita crepe no pilar da sala, colocar nariz de palhaço e ser ofendido com palavras de baixo calão. Sendo certo que isto ocorreu também com o Reclamante. As atitudes da Reclamada geravam constrangimentos e humilhações, demonstrando absoluta falta de respeito à dignidade dos empregados, sendo cabível o pagamento da indenização pelo dano moral decorrente dessa violação. VALOR DA INDENIZAÇÃO - A fixação do "quantum" está afeta às circunstâncias em que ocorreu o fato danoso, à gravidade do mesmo, à intensidade do sofrimento e às condições econômicas do ofensor e do ofendido. Recurso a que se dá provimento para fixar o valor da indenização por danos morais em R$ 100.616,60." PARANÁ. Tribunal Regional do Trabalho (9.ª Região). Processo: 16234-2003-013-09-00-7 RO Órgão Julgador: Quarta Truma. Juiz Relator: Arnor Lima Neto. Data de Publicação: DJPR, 15 jul. 2005. EMENTA: DANO MORAL. EXPOSIÇÃO DO TRABALHADOR A SITUAÇÃO VEXATÓRIA, PERANTE OS COLEGAS DE SERVIÇO, EM VIRTUDE DO NÃO CUMPRIMENTO DAS METAS DE PRODUÇÃO. ABUSO DE DIREITO POR PARTE DO EMPREGADOR. O empregador que promove ou tolera reuniões, ou eventos de âmbito empresarial, em que o empregado que não consegue atingir as metas de produção é ridicularizado perante os colegas, mediante "prendas" como sujeição a xingamentos ou a fazer flexões de braços no solo, colocação de fantasia de presidiário, colocação de saia, peruca e maquiagem se do sexo masculino, colocação de chapéu com chifres, ou qualquer outra modalidade de humilhação, muito ao contrário de "criar um ambiente descontraído e amigável", extrapola os limites do exercício do direito de incentivar melhorias na produtividade e atinge a seara do ato ilícito (artigo 187 do Código Civil). Neste caso, violado o direito de personalidade do trabalhador, surge em favor deste o direito à indenização pelos danos morais, nos termos do artigo 927 do mesmo Código. 164 e freqüentemente, atinja a dignidade ou fira a integridade física ou psíquica de uma pessoa, ameaçando o emprego ou degradando o ambiente de trabalho. As condutas mais comuns são: - expedir instruções confusas e imprecisas ao trabalhador; - dificultar o trabalho; - atribuir erros imaginários ao trabalhador; - exigir, sem necessidade, trabalhos urgentes; - impor sobrecarga de tarefas; - propiciar constrangimento a trabalhador, tratando-o com menosprezo; - impor horários diferenciados sem justificativa plausível; - retirar, injustificadamente, os instrumentos de trabalho; - agredir física ou verbalmente; - realizar revista vexatória; - restringir o uso de sanitários para determinado trabalhador; - ameaçar ou insultar; - propiciar o isolamento.508 Ainda outro exemplo de abuso do direito do poder diretivo do empregador pode ser citado num caso em que a empresa publicou anúncio no jornal convocando a empregada para que retornasse ao seu posto de trabalho, sob pena de lhe ser aplicada a justa causa. Abusiva a atitude da empresa, feriu os fins sociais do contrato, pois uma publicação como tal, especialmente se a localidade de veiculação do jornal é pequena, afeta a imagem e a honra da empregada. Descumprido, ainda, o dever anexo de proteção, violando a boa-fé. Ademais, sabe-se que o anúncio em jornal não cumpre a finalidade de ciência ao empregado sobre a justa causa, se não voltar às suas atividades. O empregador, nesses em casos, pode muito bem se valer de outros meios que efetivamente deixam o empregado ciente da situação e ainda se constituem como prova da convocação para o retorno ao trabalho, na hipótese de ser configurado o abandono de emprego, tais como telegramas, correspondências com aviso de recebimento.509 508 Disponível em <http://www.mte.gov.br/fisca_trab/pub_manual_empregador_urbano.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2008. 509 MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho (3.a Região). Processo: 00364-2005-098-03-00-2 RO. Órgão Julgador: Segunda Turma. Juiz Relator: Desembargador Bolivar Viegas Peixoto. Data de Publicação: DJMG, 21 set. 2005. EMENTA: ABANDONO DE EMPREGO. PROVA. PUBLICAÇÃO DE ANÚNCIO NA IMPRENSA LOCAL. ABUSO DE DIREITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Ao fundamento de que a autora deixara de comunicar à empresa se estaria ou não ainda em gozo de benefício previdenciário, optou esta última por publicar anúncio na imprensa local, em dois dias seguidos, com o título "Abandono de Emprego", no sentido de que se estava intimando a reclamante "a comparecer ou justificar a esta entidade, no prazo máximo de 48 horas, sob penas de abandono de emprego". Entendemos, particularmente, que a conduta é injustificável, configurando verdadeiro abuso de direito, entendido este como a espécie de ato ilícito caracterizada pelo exercício de determinada prerrogativa com violação aos "limites impostos pelo 165 Uma outra decisão que pode ser citada quanto ao abuso do direito em face da honra, trata-se de um empregador que havia concedido adiamentos salariais a um empregado e, após a saída deste da empresa, ainda restou saldo, pois não houve o desconto nas verbas rescisórias. O empregador emitiu boleto bancário e, por falta de pagamento deste boleto, incluiu o nome do autor em serviços de restrição de crédito. Com efeito, essa conduta do empregador desprezou o direito de personalidade consubstanciado na honra, ferindo os fins sociais, bem como contrariou o dever de lealdade, decorrente da boa-fé objetiva.510 3.4 A NEGOCIAÇÃO COLETIVA, O ABUSO DO DIREITO E OS DIREITOS DE PERSONALIDADE: PROIBIÇÃO DE RETROCESSO As negociações coletivas tiveram origem na Inglaterra, no início do século XIX511, é na definição de Orlando Gomes, "[...] é uma prévia regulamentação convencional das condições do trabalho".512 seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes" (artigo 187 do Código Civil). Ora, ao publicar o referido anúncio na imprensa local, a reclamada expôs a reclamante a situação inegavelmente vexatória, dando a entender, para todos aqueles que tiveram acesso ao periódico nos dois dias em que o aviso foi veiculado, que a autora deixara de comparecer ao trabalho sem qualquer justificativa, ao passo que esta se encontrava em gozo de benefício previdenciário já antes comunicado a seu empregador. Deve-se ter em vista, ainda, que a publicação feita na imprensa local de forma nenhuma se mostra mais eficaz que o contato com o próprio empregado, seja por meio telefônico, seja com a expedição de regular correspondência com aviso de recebimento ou de telegrama. Deixando a reclamada de adotar o segundo procedimento, não pode ser outra a conclusão a não ser a de que pretendeu, efetivamente, desqualificar a obreira ou forjar situação de abandono de emprego - como sustenta a recorrente. Pedido de pagamento de indenização por danos morais, cumulado com retratação, que se julga procedente. 510 MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho (3.a Região). Processo: 00481-2006-010-03-00-8RO. Relator: Emerson José Alves Lage. Data da publicação: DJMG, 28 jul. 2007. DANOS MORAIS NO CONTRATO DE TRABALHO - REPARAÇÃO. A conduta do empregador em inscrever indevidamente o nome de (ex)empregado nos cadastros de inadimplentes dos serviços de proteção ao crédito, pelo não pagamento de boletas bancárias de cobrança de débito trabalhista, emitidas antes do acerto rescisório final, importou em abuso do direito, com ofensa à honra e dignidade do trabalhador, devendo por isso ser reparada nos termos dos artigos 186 c/c 927 do Código Civil. 511 GOMES, Miriam Cipriani. Convenção coletiva de trabalho como meio de preservação de direitos fundamentais e harmonização de interesses econômicos. In: GUNTHER, Luiz Eduardo (Coord.). Tutela dos direitos de personalidade na atividade empresarial. Curitiba: Juruá, 2008. p.228. em nota de rodapé, a autora completa que o surgimento ocorreu pro força do abandono dos trabalhadores, perpetrado pelo Estado Liberal, em que empregadores e empregados eram tratados igualmente. 512 GOMES, Orlando. A convenção coletiva de trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p.11. 166 o A CLT, em seu art. 611513 caput e § 1. , disciplina a Convenção Coletiva de Trabalho e o Acordo Coletivo de Trabalho, respectivamente. A convenção coletiva de trabalho também pode ser entendida como uma relação jurídica, em que todos os pertencentes a uma determinada classe de trabalhadores reivindicam junto aos empresários deste setor, questões de interesse social grupal. A consagração514 das convenções coletivas de trabalho foi dada na Constituição de 1988 que permitiu liberdade de ação aos seus agentes, mas que vem sendo inundada por interesses econômicos, prevalecendo o interesse do processo produtivo, tornando o Direito do Trabalho incompatível com os seus propósitos.515 A negociação coletiva é uma constatação de que o homem é um ser social, e como tal, a busca da autocomposição é a comprovação de que ele sempre objetiva reduzir os atritos entre capital e trabalho, aperfeiçoando-se a cada negociação necessária, mediante entendimentos pacíficos. Para Amauri Mascaro Nascimento: De um modo geral, negociar é ajustar interesses, é acertar diferentes posições, é encontrar uma solução capaz de compor vontades. Negociação é uma discussão que culmina em um contrato, como é comum, mas que pode também levar a outro tipo de resultado, sem a eficácia normalmente atribuída a um contrato na sua plena expressão jurídica, como seria, em sentido amplo, o entendimento do qual pode resultar um pacto social compreendendo os problemas sócio-econômicos de um país. Negociação não se confunde com contrato ou pacto, da mesma maneira que a causa não se confunde com o efeito. Negociação é o processo de execução que leva a um contrato, no sentido estrito, ou a um pacto, no sentido amplo.516 Os conflitos sociais, os quais são de ordem essencialmente democrática, enquadram-se na autocomposição. Trata-se do conflito coletivo, em que farão parte 513 Art. 611. Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho. o § 1. É facultado aos sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho. 514 SÁ, Maria Cristina Haddad de. Negociação coletiva de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2002. p.24. 515 Relembre-se o que foi considerado no primeiro capítulo, sobre a reestruturação do processo produtivo e como isso tem afetado as negociações coletivas em detrimento de melhores condições de trabalho. 516 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do trabalho na constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989. p.244. 167 grupos de trabalhadores e empregador, ou empregadores, na defesa de seus interesses. Por ser uma dinâmica social relativamente complexa, suas decisões são amplas, abrangindo inúmeras reivindicações que se complementam para que as resoluções satisfaçam na íntegra.517 Na autocomposição, o conflito coletivo de trabalho é resolvido de forma amigável, não havendo violência sob nenhuma hipótese, pois há um consenso para o ajuste de vontades. Ambos os lados colocam-se dispostos a renúncias para chegarem a um acordo. A negociação coletiva é, sem dúvida, um dos instrumentos mais democráticos do conjunto social. A negociação coletiva tem fundamento na autonomia privada coletiva, ou seja, as partes têm o poder e a liberdade de convencionar, de negociar. Trata-se de uma autonomia de iniciativa dos particulares, oriunda da omissão do Estado Liberal quanto às questões sociais. Os limites de tal autonomia são encontrados na lei.518 As convenções e os acordos coletivos de trabalho devem significar uma aproximação maior entre os direitos sociais previstos na Constituição Federal, o arcabouço de as regras da CLT e as categorias às quais se destinam. Os acordos coletivos, porque firmados entre os sindicatos obreiros e as empresas, diretamente, constituem uma aproximação ainda maior com as peculiaridades de cada ramo, de cada atividade, tentando conciliar e conjugar os interesses de seus negociadores: As negociações coletivas têm o condão de harmonizar os interesses trabalhistas com as tendências políticas, econômicas e institucionais democráticas da sociedade, porque sempre que as partes se autocompuserem, dividindo-se sacrifícios e vantagens, estarão conjugando os seus recíprocos interesses. [...] Os efeitos positivos da negociação coletiva repercutem não só internamente, entre as partes convenentes ou dentro da organização nacional do trabalho, como também em toda a amplitude da sociedade e do Estado, contribuindo para a ordem geral, para a paz e harmonia de todos os seguimentos da Nação.519 Porém, porque também se tornam fontes dos regramentos das relações entre empregados e empregadores, é necessário cuidar para que não haja desconstrução nos Direitos ao serem flexibilizados, pois podem causar alterações ou perdas de conquistas sociais. 517 518 519 DELGADO, Curso de direito..., p.1.361. SÁ, M. C. H. de, op. cit., p.36. Ibidem, p.96. 168 Nessa senda, deve-se relembrar que a negociação coletiva não pode ser motivo de retrocesso, especialmente, no caso de direitos de personalidade dos empregados que, assim como os direitos sociais, perfazem-se como fundamentais. Quanto à proibição de retrocesso, Ingo Sarlet explica que a primeira idéia de seu gênese deve se erigir a partir da segurança jurídica, na medida em que esta constitui uma das dimensões do direito geral à segurança que, por sua vez, pode ser entendido tanto como segurança pessoal e social, como proteção em face de atos provindos do Poder Público e de particulares.520 Na ordem jurídica brasileira, ainda que não especificamente com o exato nome de proibição de retrocesso, permite-se identificá-lo por diversos fundamentos, como a segurança jurídica, conforme mencionado, as previsões de proteção do ato jurídico perfeito, e da coisa julgada, assim como nas restrições legislativas quanto aos direitos fundamentais. Em verdade, a proibição de retrocesso dirige-se frontalmente ao legislador, no sentido de que ele não volte atrás em relação a direitos fundamentais sociais, bem como quanto aos objetivos estabelecidos no artigo 3.o da Constituição Federal.521 Referindo-se à proibição de retrocesso, Canotilho explica que se trata de [...] proteger direitos fundamentais sociais sobretudo no seu núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado, sobretudo quando o núcleo essencial se reconduz à garantia do mínimo de existência condigna inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana.522 A 1.a Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, atenta à proibição de retrocesso, trouxe o seguinte Enunciado: 9. FLEXIBILIZAÇÃO. I - FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS. Impossibilidade de desregulamentação dos direitos sociais fundamentais, por se tratar de normas o contidas na cláusula de intangibilidade prevista no art. 60, § 4. , inc. IV, da Constituição da República. 520 521 522 SARLET, op. cit., p.413. Ibidem, p.416. CANOTILHO, op. cit., p.340. 169 II - DIREITO DO TRABALHO. PRINCÍPIOS. EFICÁCIA. A negociação coletiva que reduz garantias dos trabalhadores asseguradas em normas constitucionais e legais ofende princípios do Direito do Trabalho. A quebra da hierarquia das fontes é válida na hipótese de o instrumento inferior ser mais vantajoso para o trabalhador.523 Diante desses esclarecimentos, deve-se afirmar que as negociações coletivas, porque também constituem fontes de normas para o contrato de trabalho, para além de não poderem retroceder em termos de direitos sociais, cedendo aos impulsos do neoliberalismo, muito menos poderão retroceder em termos de direitos da personalidade dos empregados. E não são raras as hipóteses do retrocesso nessa matéria. Um exemplo se trata das revistas. Embora a CLT proíba a realização de revistas íntimas, cuja prática como já dito, significa um ilícito, há Convenções Coletivas prevendo a sua realização, desde que não seja em caráter vexatório. Abaixo, citam-se alguns exemplos: Sindicato dos Empregados no Comércio de São Paulo e Federação do Comércio do Estado de São Paulo 38 - REVISTAS: As empresas que adotarem o sistema de revistas, não poderão fazê-las por elemento do sexo oposto ao do revistado. Parágrafo único: As revistas deverão ser feitas de forma a não expor o empregado a situação vexatória.524 Sindicato dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro e o Sindicato dos Lojistas do Comércio do Município do Rio de Janeiro Cláusula Quadragésima Quarta - REVISTA As empresas que adotarem o sistema de revista íntima, não poderão fazê-la por elemento do sexo oposto ao do revistado. Parágrafo Único – As revistas deverão ser feitas de forma a não expor o empregado à situação vexatória.525 SINDITÊXTIL - Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem Geral; de Tinturaria, Estamparia e Beneficiamento, de Linhas; de Artigos de Cama, Mesa e Banho; de Não-Tecidos e de Fibras Artificiais e Sintéticas do estado de São Paulo e Sindicato dos Trabalhadores em Geral na Indústria de Fiação e Tecelagem Malharias e Meias, Cordoalhas e estopas, Acabamento de Confecções de Malhas, Tinturaria e Estamparia de Tecidos, Beneficiamento de linhas, de Não Tecidos, Fibras Artificiais e Sintéticas e Especialidades 523 Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/jornada/enunciados/enunciados_aprovados.cfm>. Aceso em: 21 jan. 2008. 524 Disponível em: <http://www.comercios.org.br/convencao/federacao/Federacao%202007-2008.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2008. 525 Disponível em: <http://www.sindilojas-rio.com.br/antigo/convencoes/convencao08.htm>. Acesso em: 27 jul. 2008. 170 Têxteis e Afins de Caieiras, Cotia, Franco da Rocha, Francisco Morato, Itapevi, Mairiporã e São Paulo. 25 - REVISTA As empresas que adotam o sistema de revista dos trabalhadores, o farão de forma seletiva, por pessoas do mesmo sexo do revistado, evitando-se constrangimentos ou exposição dos empregados a situações ridículas, vexatórias ou humilhantes.526 Essas cláusulas são passíveis de nulidade, porque flagrante que ferem os direitos fundamentais de personalidade dos empregados, especialmente a intimidade e a honra. Em verdade, o abuso do direito deve ser aplicado, pelas mesmas razões que se aplica ao contrato de trabalho, quanto às negociações coletivas. À luz de tal teoria, poder-se-á considerar como abusivas cláusulas de Instrumentos Normativos, anulando-as, especialmente no que concerne aos direitos de personalidade dos empregados. Ainda que a proibição de retrocesso, num primeiro momento se dirija aos direitos fundamentais sociais, quando se analisa o âmbito do contrato de trabalho, devem-se considerar os direitos da personalidade que, embora fora do rol de direitos sociais neste ponto como eles significam, porque o respeito à personalidade do empregado tem sido conquistado cada dia mais por meio de lutas. Aos poucos, as empresas têm tomado consciência de que a preservação da dignidade da pessoa do empregado, mormente por meio de seus direitos de personalidade na mais ampla gama, tem retornos benéficos ao ambiente de trabalho. Nesse sentido, cita-se a seguinte cláusula de convenção coletiva: Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do Rio Grande do Sul e Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis, Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas no Estado do Rio Grande do Sul a Cláusula 62. - CONSTRANGIMENTO MORAL A empresas envidarão esforços para que sejam implementados orientações de conduta comportamental aos seus supervisores, gerentes e dirigentes para que, no exercício de suas funções, visem evitar ou coibir práticas que possam caracterizar agressão e constrangimento moral ou antiético a seus subordinados.527 526 527 Disponível em: <http://www.sintratextil/-sp.or.br/convencao.asp> Acesso em: 27 jul. 2008. Disponível em: <http://www.sescon-rs.com.br/legis/acordos/semapi_privadas_2008.html>. Acesso em: 27 jul. 2008. 171 Com efeito, tal cláusula deve ser louvada e se espera que efetivamente esteja sendo colocada em prática, pois resguarda a dignidade da pessoa do trabalhador, cujo trabalho deve ser fator de humanização, liberdade e orgulho e não degradação explícita, até pela via daquele que deveria protegê-lo, como é o sindicato obreiro. 172 CONCLUSÃO O trabalho, primordialmente, significa realização humana e é por meio dele que o homem obtém a inclusão social, porque dele retira seu sustento e o de seus convivas. Ao mesmo tempo em que se pode fazer a afirmação anterior, a realidade também mostra que trabalho tem significado degradação do ser humano. Há tempos, a sociedade de consumo, cujos motes quem dita é o fantasma denominado "mercado", vem determinando valores também para o mundo do trabalho. A realização significa independência econômica e isso será conquistado se a carga de trabalho cada vez mais for aumentada. Paralelamente a um mundo em que o desenvolvimento científico e a tecnologia são disparados, assiste-se a freqüentes descobertas de trabalho em condições análogas às de escravo. Pessoas migram de um ponto a outro do globo para tentar melhores condições de vida e acabam presas a exploradores do comércio humano. No Brasil, a realidade não se mostra diferente: cada dia mais fiscalizações de auditores do trabalho flagram trabalhadores presos a empregadores por dívidas com alimentação, morando em lugares inóspitos e sem as mínimas condições de dignidade. A globalização, ao mesmo tempo em que tornou os lugares e pessoas mais próximos, diminuindo fronteiras e possibilitando acesso interminável à informações, tem espalhado capitais e empresas por toda a extensão do globo terrestre, precarizando as relações de emprego, em nome de pilares como competitividade e produtividade. As empresas, alinhavadas com um modelo neoliberal em que os pilares são as privatizações e a economia de mercado, reestruturaram seus modelos produtivos adotando as práticas do toyotismo. Nesta senda, a flexibilidade da produção, marcada pelo atendimento de demandas de consumo, reduz o quadro de empregados, há forte presença da autonomação. Várias outras empresas menores trabalham fazendo partes do todo, o que promove ainda mais o enfraquecimento do poder de negociação sindical. Se por um lado estão enfraquecidos, por outro os sindicatos coadunam as idéias do sistema produtivo dominante e, valorizando a idéia de livre negociação, contribuem para a flexibilização e para a desregulamentação da relação empregatícia. 173 A empregabilidade aparece como característica para colocação no mercado de trabalho: a recusa na contratação ou mesmo o desligamento do empregado são responsabilidades a ele inerentes, a empresa não determina essas condições, o empregado deve buscar sua capacitação e qualificação, de forma que permaneça empregado. As taxas de desemprego crescem, assim como aumenta o tempo em que as pessoas permanecem desempregadas. Nesse cenário, os requisitos da relação de emprego carecem de uma releitura, especialmente a subordinação, porque, como visto ao longo desta dissertação, o poder diretivo do empregador, de forma desmedida, tem transformado a relação de emprego num grande celeiro de afronta aos direitos da personalidade dos empregados. O poder diretivo do empregador, quando se considera a atividade empresarial, tem dois fundamentos, um dito mediato – a livre iniciativa, a própria atividade econômica em si – e outro imediato – o contrato de trabalho. Quando se busca a origem de tal poder, várias são as correntes que tentam explicá-lo, subdivididas mormente em dois lados: anticontratualista e contratualista. Pelo viés anticontratualista, demonstrou-se as idéias e as críticas de três linhas de pensamento: teoria institucionalista, da relação de trabalho e da propriedade privada. Pelo viés contratualista, por sua vez, abarcou-se as teorias da visão tradicional e a visão moderna. Quanto ao contratualismo, argumentou-se que as tentativas de aproximar o contrato de trabalho a um dos contratos de natureza civil (locação ou arrendamento, compra e venda, mandato, sociedade) não conseguem abarcar todos os aspectos da relação empregatícia. Afirmou-se, a seguir, a teoria contratualista moderna, que reconhece o contrato de trabalho como negócio jurídico, ainda que a vontade das partes seja reduzida, especialmente porque inserida num contexto de dirigismo contratual. Registrou-se a crítica que se pode fazer em relação à visão do contrato de trabalho como negócio jurídico, bem como o posicionamento de que a CLT contempla aspectos de várias teorias, não somente o contratualismo por conta da dicção de seu artigo 442. Quanto à subordinação, porque traço peculiar da relação de emprego, analisaram-se as várias tentativas de explicá-la. Visto que as teorias da dependência econômica, técnica e social não obtiveram êxito na tarefa, analisaram-se idéias a respeito da subordinação jurídica de caráter subjetivo e objetivo. Seguindo, afirmouse a natureza jurídica do poder de direção do empregador como sendo uma situação 174 jurídica subjetiva, ante o arcabouço de normas que o tutelam, deixando-se de lado os pensamentos a respeito de que tal poder seria um direito potestativo ou um direito subjetivo. Com efeito, o poder diretivo do empregador, encerra muito mais características do que pretensões. Ao empregador, são conferidos muito mais ônus e deveres do que propriamente direitos, ou seja, há um interesse que escapa o âmbito da relação empregatícia, no sentido de que este poder seja exercido. A fim de demonstrar que o poder diretivo do empregador deve ter limites, especialmente no que concerne aos direitos da personalidade dos empregados, perquiriu-se, na pesquisa, como encontrar tal limitação a partir da aplicação da teoria do abuso do direito, bem como se tal teoria pode ser aplicada ao contrato de trabalho, visto que sua previsão advém do Código Civil. As respostas encontradas foram afirmativas. O abuso do direito é construção teórica marcada pela percepção de que a ordem jurídica baseada nos diplomas legais advindos do Estado Liberal não respondeu às demandas sociais. As leis de tal período, porque tinham como norte a limitação do poder estatal e a difusão de valores como liberdade, individualismo e propriedade, acabaram criando uma sociedade impregnada de desigualdade. O enclausuramento dos Códigos determinou um tempo de mera subsunção entre normas e casos concretos, porém não respondia a todos estes casos, porque a sociedade é dinâmica e não por isso mesmo não pode ser tratada como um número finito de hipóteses. O abuso do direito, por conta de sua carga axiológica, aponta como uma das superações do paradigma liberal-normativista-individualista. Dentre as várias teorias que tentaram explicar o abuso do direito, demonstrou-se também algumas que o negaram expressamente. O atual estágio do pensamento sobre o tema explica definitivamente que os direitos não são absolutos, devendo ceder espaço a diversos outros valores do próprio ordenamento jurídico e mesmo de outros metajurídicos. O titular deve observar tais limitações, sendo avaliado principalmente pelos fins alcançados com sua conduta. Diante desse panorama, afirmou-se que o abuso do direito se trata de um princípio que até mesmo dispensa previsão legislativa expressa para aplicação. Quanto ao contrato de trabalho, pode ser aplicado também por força do previsto no artigo 8.o, § único da CLT e não se trata de reaproximar a relação de emprego das instituições de direito civil, retirando a autonomia do direito do trabalho em relação a 175 tal ramo, mas de encontrar profícuas formas de limitar, sobretudo ante o enfoque da presente pesquisa, a atuação do poder diretivo do empregador. Seguindo a linha do previsto no artigo 187 do Código Civil quanto aos critérios para verificação do abuso do direito, tratou-se dos bons costumes, dos fins econômicos e sociais do contrato de trabalho e da boa-fé objetiva, especialmente quanto a esta, explicaram-se suas três funções: interpretativa, criação de deveres anexos e limitação de direitos subjetivos. Argumentou-se que, apesar de se definir a natureza jurídica do poder diretivo como situação jurídica subjetiva, não se perde a aplicação do abuso do direito, porque direito subjetivo é uma das espécies de situação jurídica subjetiva e porque esta tem limites, notadamente as cláusulas gerais como o abuso do direito. Não se trata de falar de abuso ou desvio de poder unicamente, porque isto se refere aos poderes decorrentes da administração pública e o poder diretivo do empregador, nesta pesquisa, tem mote privado. Verificado o abuso do direito, as sanções passíveis de aplicação são de dois tipos: direta e indireta. A direita significa o desfazimento do ato abusivo. A indireta, por sua, vez, comporta a reparação do dano por conta da aplicação da responsabilidade civil que, no Brasil, tem sido entendida como do tipo objetiva quando se pode analisar a aplicação do abuso do direito. O estudo do abuso do direito se mostrou especialmente importante quando se fala nos direitos da personalidade dos empregados, porque não raras vezes, no cenário hodierno de produção, como descrito, tem-se verificado a afronta a tais direitos pelo empregador, no exercício de seu poder de comando e de organização da atividade econômica. Os direitos da personalidade têm como principal fundamento a dignidade da pessoa humana. O ser humano deve ser respeitado como um todo, como pessoa, importa o "ser" muito mais do que o "ter" no atual estágio da ordem jurídica. Ainda que as variadas relações provindas do mundo social não promovam esta valorização da pessoa em muitas ocasiões, especialmente em se tratando do contrato de trabalho, os dissensos levados ao Poder Judiciário devem ser interpretados a partir dos valores do ordenamento atual, notadamente a dignidade da pessoa humana. Por isso mesmo, apesar de os direitos da personalidade encontrarem previsões no Código Civil e na Constituição Federal não podem ser tidos como estanques, como 176 numerus clausus. Justamente por causa da tutela conferida aos direitos de personalidade, afirmou-se que também não se tratam de direitos subjetivos, mas de situações jurídicas subjetivas, não se trata apenas de conformação com a vontade de seus titulares, mas da coletividade. Argumentou-se que os direitos da personalidade encontram previsão constitucional, tratando-se de direitos fundamentais. Quanto àqueles previstos no Código Civil, devem ser considerados como materialmente constitucionais. Justamente por força dessas afirmações, estudou-se a eficácia dos direitos fundamentais na relação entre particulares e, quanto ao contrato de trabalho, chegou-se à conclusão de que deve ser a eficácia direta, ante a desigualdade existente entre os pólos contratantes, ou seja, a flagrante hipossuficiência do empregado em relação ao empregador. Tratou-se, ao final, de alguns casos quanto à afronta dos direitos da personalidade em face do exercício abusivo do poder de direção pelo empregador, notadamente quanto à intimidade e à vida privada, à honra e à imagem. Em grande parte das vezes, um mesmo ato do empregador fere mais de um de tais direitos, o que especialmente importa quanto à aplicação das sanções e, no caso da sanção indireta, de se avaliar se será de ordem moral e material ou somente de uma de tais espécies. Enfim, a pesquisa demonstrou que a aplicação da teoria do abuso do direito no contrato de trabalho tem especial importância, haja vista a amplitude de exercício do poder diretivo pelo empregador. É bem verdade que o contrato de trabalho se mostra inserido num contexto de normas tuitivas, protetivas em relação ao empregado, porém, mesmo assim não se evidenciam claros os limites do poder diretivo do empregador. Denota-se que a pessoa do empregado não se separa de sua prestação de serviços, assim, os direitos de personalidade do trabalhador devem ser tidos como limites para atuação do poder diretivo. Não se pode esquecer que tais direitos de personalidade têm também uma espécie de limitação quando se fala de contrato de trabalho, mas tal limitação nunca pode ser aquela decorrente da violação dos fins econômicos ou sociais do contrato, dos bons costumes e da boa-fé, porque, nestas hipóteses, estar-se-á diante do abuso do direito. Assim, o poder diretivo deve ter limites, especialmente quando se reporta aos direitos de personalidade dos empregados, porque estes devem ser respeitados enquanto pessoas, devendo-lhes ser preservada a dignidade, especialmente porque 177 a relação de emprego encerra não mais suas obrigações principais como trabalhar e pagar salário, mas obrigações anexas, decorrentes da boa-fé objetiva e um delas é o dever de proteção psicofísica que o empregador deve ter em relação ao empregado. Tudo isso porque, ainda que se viva num mundo em que o capital e o mercado determinem comportamentos sociais e a própria organização do sistema produtivo, possa-se falar em trabalho como fator de inclusão social, de realização pessoal e não de degradação do ser humano. 178 REFERÊNCIAS ABREU, Jorge Manuel Coutinho de. Do abuso de direito. Coimbra: Almedina, 1999. ALVES, Giovanni. Dimensões da globalização: o capital e suas contradições. Londrina: Práxis, 2001. _____. 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Curitiba, ________/________/________ ___________________________________ Professor (a) Orientador (a)