Ministério Público Federal
Procuradoria da República no Estado de Sergipe
Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal da
Vara Federal da Sessão Judiciária de Sergipe.
Ação civil pública
Pedido de liminar urgente
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, através do seu Procurador no final
assinado, vem perante V. Exa., com base na Constituição federal, art. 129,
inciso III, bem como da lei n.º 7.347/85, art. 1º, inciso IV, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA contra João Batista dos Santos (João de Egídio),
brasileiro, casado, residente na comunidade quilombola do Mocambo, s/n, em
Porto da Folha/SE, CEP 49.8000-000, CPF n.º 169.910.795-53, C.I. n.º
989.882/SSP/SE, pelas razões de fato e de direito que passa a expor:
1. A comunidade quilombola do Mocambo, em Porto da Folha/SE, foi
devidamente reconhecida pelo Governo Federal, através da Fundação
Cultural Palmares (Ministério da Cultura) em 14 de julho de 2000,
coroando a luta de uma comunidade negra que ocupa a área há um par
de séculos. O título de reconhecimento de domínio/FCP/n.º 008/2000
está anexo.
2. O referido título foi devidamente registrado, sem oposição, no Cartório
do 1º Ofício de imóveis de Porto da Folha, sob n.º 1-5621, às fls. 171 do
livro de registro geral n.º 2-AB daquele cartório, em 08 de novembro de
2000, conforme certidão anexa, oriunda do cartório prefalado, que
estabelece os seus limites e confrontações.
3. Como se não bastasse, parte da área do quilombo está composta de
terras da União Federal, consistentes em terrenos marginais do Rio São
Francisco, devidamente delimitados e registrados em Cartório, também
conforme certidões anexas.
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4. O réu não é membro da comunidade quilombola. Trata-se de um
ocupante não-negro, que tem uma longa história de conflito com a
comunidade negra quilombola do Mocambo.
5. Antes mesmo da titulação da área pela Fundação Cultural Palmares, o
Ministério Público Federal já acompanhava a situação de tensão na
comunidade negra, causada pelo réu (João Batista dos Santos,
popularmente conhecido como João de Egídio) e seus familiares, que
ocupavam e ocupam áreas no interior da área negra, sem serem, como
já dito, nem remanescentes de quilombo, nem aceitos pela comunidade.
6. O caso do réu é grave, uma vez que ele possui um estabelecimento
comercial – um bar – que se encontra na área do quilombo, conforme
regularmente reconhecida e titulada pelo Governo Federal – e em área
de terreno marginal, pertencente à União e afetada ao uso do quilombo,
conforme documentação acostada em anexo. Nesse bar, ele comercia
bebidas alcoólicas, inclusive sem autorização da comunidade, que
sempre foi contra o comércio de tais tipos de ebida no interior da área
étnica, e já manifestou desde 30 de agosto de 2000 o desejo de ver
eliminado esse tipo de comércio de dentro de sua área (ofício da
comunidade à Procuradoria da República, cópia anexa.), valendo-se da
titulação oficial.
7. O Ministério Público Federal, vislumbrando o acirramento do conflito
entre membros da comunidade negra e os ocupantes não-negros,
visitou a área (este Procurador esteve lá pessoalmente) e lavrou termo
de ajuste de conduta (cópia anexa) com o réu e seus familiares, no qual
eles ficaram cientes oficialmente de que as terras que ocupavam eram
terras de negros (remanescentes de quilombo). Nesse Termo de Ajuste,
o réu e alguns dos seus familiares reconheceram que a área pertencia à
comunidade étnica do quilombo do Mocambo, e que eles precisavam
desocupá-la. Ficou acertado, naquela oportunidade, que o INCRA
desapropriaria uma propriedade vizinha, denominada “Fazenda Júlia”, e
que o réu e mais os seus familiares receberiam glebas nessa Fazenda
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Júlia, onde seriam assentados e receberiam os financiamentos públicos
cabíveis relativos à Reforma Agrária do Governo Federal. Note-se que o
referido Termo de Ajuste de Conduta foi elaborado de forma manuscrita,
pela falta de energia elétrica e de máquiinas de escrever na área do
quilombo do Mocambo, onde foi lavrado.
8. A
Fazenda
Júlia
foi
desapropriada,
e
as
respectivas
glebas
disponibilizadas para os subscritores do referido Termo de Ajuste de
Conduta. Para surpresa do Ministério Público Federal e do próprio
INCRA, porém, os subscritores do Termo manifestaram, por escrito,
desinteresse em ocupar as glebas oferecidas. Insistiram em permanecer
na situação de ocupantes ilegais das terras da comunidade de
remanescentes de quilombo. No caso do réu, ele chegou a pedir a
quantia de R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais) para desocupar a
área, o que foi entendido pela comunidade como uma verdadeira
extorsão.
9.
Extorsão ou não, o fato é que o réu tem se esmerado para retirar a paz
e o sossego da comunidade étnica, mesmo mantendo seu comércio
(bar) em área de propriedade da União e titulada para o Quilombo. Em
anexo, encontram-se várias comunicações da comunidade, ao longo
desses três anos, sobre incidentes provocados pelo réu de modo a
retirar a paz da comunidade, podendo-se relacionar a alteração de
áreas ocupadas, a invasão de outras áreas, e até mesmo a introdução
de estranhos na área para consumir bebidas alcoólicas, o que veio a
resultar numa tentativa de homicídio contra um negro remanescente de
quilombo, o sr. Paulomary Acácio dos Santos, após uma festa no bar do
réu onde a bebida alcoólica foi consumida em larga escala, por pessoas
estranhas à comunidade. Em anexo, os documentos que relatam o
incidente.
10. Para desagrado do Ministério Público federal, ainda neste ano de 2002,
mais precisamente no início do mês de janeiro, o réu conseguiu que o
delegado da Polícia Civil em Porto da Folha escoltasse um caminhão de
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tijolos com uma viatura policial civil , forçando a sua entrada na
comunidade
mediante
a
exibição
de
armamento
pesado,
e
acompanhado de um agente da Polícia Civil e um sargento da Polícia
Militar. Os membros da Polícia Estadual tinham perfeita noção de que a
área é federal, e que se trata de comunidade étnica titulada pelo
Governo Federal, mas, desrespeitando ordem conjunta do Ministério
Público do estado de Sergipe e do Ministério Público Federal (Aviso
Conjunto MPE/MPF, anexo), forçaram a entrada do caminhão de tijolos,
aguardaram o seu descarregamento e o escoltaram para fora. O
incidente foi fotografado (fotos anexas) e relatado a este Procurador,
que requisitou a abertura de procedimento disciplinar na Secretaria de
Segurança Pública de Sergipe e inquérito Policial por abuso de
autoridade na Polícia federal (documentos e fotografias anexas).
11. A comunidade costuma comemorar, no dia 05 de maio de cada ano, a
festa da sua devoção à Gloriosa Santa Cruz, precedida de uma novena
a iniciar-se no dia 26 de abril. No presente ano, a festa ocorrerá no
próximo sábado, 05 de maio, e a comunidade tem o justo receio de que
o réu venha a promover balbúrdia na celebração. Há notícias, trazidas
pela comunidade no abaixo assinado anexo, de que o réu contratou um
trio de forró para fazer uma festa paralela no seu bar, com pessoas
estranhas à comunidade e consumo largo de bebidas alcoólicas, com
conseqüências imprevisíveis. Aliás, com conseqüências previsíveis, a
julgar pelos incidentes anteriores, aqui narrados. O singelo convite da
celebração religiosa comentada encontra-se em anexo.
12. Depois de todos esses incidentes, largamente documentados, que
elevaram a tensão na área, e que podem gerar graves conseqüências
(queira Deus que não ocorram mortes, já que há, como narrado,
precedentes de tentativa de homicídio), a comunidade solicitou à
Procuradoria de República que envidasse todos os esforços para
garantir que o referido bar do réu não funcionasse no dia da festa, para
prevenir incidentes, e em especial que fosse suspensa a venda de
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bebidas alcoólicas no interior da comunidade, para preserva-la da
violência de terceiro e mesmo do estímulo à desagregação de seus
valores internos.
13. DO CABIMENTO DA DEMANDA E DA LEGITIMIDADE ATIVA DO
AUTOR. Através da presente ação, objetiva o Autor na qualidade de
substituto processual, a tutela de direito de natureza coletiva, já que de
caráter transindividual e indivisível, titularizado por todo um grupo étnico
hipossuficiente.
14. Com efeito, não se pretende proteger o direito de integridade étnica
desta ou daquela família, mas de toda a comunidade negra do quilombo
do Mocambo, coletivamente considerada. Almeja-se, na verdade,
garantir a tranqüilidade e integridade da própria comunidade, no seu
modo tradicional de vida, que hoje se encontra ameaçado pela conduta
do réu.
15. Portanto, é inequívoco o cabimento da presente ação civil pública, eis
que voltada para a tutela de um típico direito coletivo.
16.
A legitimidade ativa do parquet federal, por outro turno, revela-se
incontestável, na medida em que a alegada lesão aos direitos coletivos
da comunidade étnica atinge a uma comunidade regularmente
reconhecida e titulada pela União Federal, através da Fundação Cultural
Palmares - também integrante da administração pública federal. A União
federal é proprietária das terras sobre as quais se localiza o bar
pertencente ao réu, como demonstra o parecer anexo da GRPU/SE, e a
Fundação Cultural Palmares foi a responsável pela afetação da área em
favor da comunidade de remanescentes, em obediência à Constituição
Federal. Inequívocos os interesses patrimonial e cultural da União
federal, competente para a causa a Justiça Federal, é inequívoca a
legitimidade ativa do Autor.
17. Uma das preocupações fundamentais da Constituição de 1988 foi com
a proteção e a inclusão dos variados grupos étnicos que compõem a
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comunhão nacional, os quais, por uma série de circunstâncias da
história nacional, encontram-se em uma posição social extremamente
fragilizada.
18.
Com efeito, superando a posição etnocêntrica do passado, quis o
constituinte preservar e fomentar as formas de vida das populações
tradicionais, impedindo que estas se perdessem, tragadas pelo ritmo
frenético da
sociedade burguesa envolvente. Sob este prisma, a
Constituição de 1988 avança, ao reconhecer o Estado brasileiro como
pluriétnico e multicultural, buscando assegurar aos diversos grupos
formadores desta nacionalidade o direito à manutenção de sua cultura,
que compreende, consoante o ditado constitucional, seus “modos de
criar, fazer e viver” (art. 216, inciso III, CF).
19.
Neste sentido, além da especial proteção conferida às
populações
indígenas, o constituinte, pela primeira vez na nossa história, voltou
também os seus olhos para a necessidade de tutela dos interesses das
chamadas “comunidades de remanescentes de quilombos”. Assim, ao
lado do art. 216, § 5º, da Lei Maior, que determinou o tombamento de
“todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências
históricas dos antigos quilombos”, a Constituição instituiu o direito
destas comunidades étnicas à propriedade das terras por elas
ocupadas, no art. 68 do ADCT, que reza:
“Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos
quilombos
que
estejam
ocupando
suas
terras
é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado
emitir-lhes os títulos respectivos.”
20. O direito estabelecido pela norma em questão afigura-se vital para a
subsistência destas comunidades, que têm nas terras que ocupam o
seu
principal elemento de agregação. Sem suas terras, os
“quilombolas” diluem-se na sociedade envolvente, enquanto
comunidade étnica em que conviviam tende a se extinguir.
a
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21. Portanto, a outorga do direito de propriedade aos remanescentes das
comunidades quilombolas constitui, por um lado, instrumento de
promoção da justiça social, já que os beneficiários do direito em questão
são na sua expressiva maioria pessoas paupérrimas, em condições de
absoluta miserabilidade. Mas,
por outro lado, trata-se também de
garantir a subsistência de uma cultura, de indiscutível relevo para a
sociedade brasileira, que, sem a atenção do constituinte, corria o sério
risco de perecer.
22. Averbe-se, por importante, que é o próprio texto constitucional que
atribui aos remanescentes de quilombos a propriedade das terras
ocupadas na data da Constituição. Nesta linha, vale ressaltar que o art.
68 do ADCT não se limitou a ordenar ao Estado que adotasse as
medidas necessárias à transferência da propriedade às comunidades
étnicas em questão. Ele foi muito além, ao conferir diretamente aos
remanescentes dos quilombos a titularidade do domínio sobre terras
tradicionalmente ocupadas.
23. Neste sentido, o ato do Poder Público que reconhece uma comunidade
como remanescente de quilombo e lhe confere o título de propriedade
sobre as terras ocupadas ostenta natureza declaratória e não
constitutiva. Isto significa dizer que a propriedade preexiste ao tais atos
oficiais, que são praticados apenas no afã de assegurar a necessária
segurança jurídica aos quilombolas, sobretudo porque a grande maioria
das áreas habitadas por tais comunidades acha-se envolvida em graves
conflitos fundiários.
24. Por outro lado, diante dos princípios da efetividade da Constituição e da
aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, § 1º da CF),
tem prevalecido o entendimento de que o art. 68 do ADCT é autoaplicável, prescindindo de regulamentação no plano legislativo para
surtir seus efeitos. Tal entendimento vem respaldando todas as
iniciativas do
Governo
Federal,
de
titulação
das
comunidades
remanescentes de quilombos, que têm sido promovidas pela Fundação
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Cultural Palmares, com base na competência outorgada pelo Decreto nº
3.912/2001.
25. Assentada esta premissa, cumpre registrar que a tutela dispensada pelo
art. 68 do ADCT não se limita às comunidades que se originaram de
grupamentos de escravos fugidos do cativeiro. O conceito de
“remanescente
de
quilombo”,
que vem
sendo
trabalhado
pela
antropologia é muito mais amplo, e abrange comunidades negras de
descendentes de escravos, arraigadas em determinado território, que
mantenham ainda vivas certas tradições e costumes herdados dos seus
antepassados. Neste particular, é ilustrativo o texto abaixo, produzido
pela Associação Brasileira de Antropologia - ABA:
“O
termo
‘quilombo’
tem
assumido
novos
significados na literatura especializada e também para
indivíduos, grupos e organizações.
Ainda que tenha um conteúdo histórico, o mesmo
vem sendo ressemantizado para designar a situação
presente dos segmentos negros em diferentes regiões e
contextos do país.
Definições têm sido elaboradas por organizações
não-governamentais,
entidades
confessionais
e
organizações autônomas dos trabalhadores, bem como
pelo próprio Movimento Negro. Exemplo disso é o termo
‘remanescente de quilombo’, utilizado pelos grupos para
designar um legado, uma herança cultural e material
que
lhes
confere
uma
referência
presencial
no
sentimento de ser e pertencer a um lugar e a um grupo
específico.
Contemporaneamente, portanto, o termo não se
refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de
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ocupação temporal ou de comprovação biológica.
Também não se trata de grupos isolados ou de uma
população estritamente homogênea. Da mesma forma
nem sempre foram constituídos a partir de uma
referência histórica comum, construída a partir de
vivências e valores compartilhados.
Neste
sentido,
constituem
grupos
étnicos
conceitualmente definidos pela Antropologia como um
tipo organizacional que confere pertencimento através
de normas e meios empregados para indicar afiliação ou
excluão
(BARTH,
Frederik:
Ethnic
Groups
and
Bondaries. Universitets Forlaget, Oslo).
No que diz respeito à territorialidade desses grupos,
a ocupação da terra não é feita em termos de lotes
individuais, predominando seu uso comum. A utilização
dessas áreas obedece à sazonalidade das atividades,
sejam agrícolas, extrativistas e outras, caracterizando
diversas formas de uso e ocupação do espaço, que
tomam por base laços de parentesco e vizinhança,
assentados
em
relações
de
solidariedade
e
reciprocidade.
Consideramos que o dispositivo constitucional do
art.
68
do
Ato
das
Disposições
Constitucionais
Transitórias da Constituição Federal de 1988, reconhece
a existência desses grupos, cabendo ao Ministério da
Cultura como autoridade competente legalizar as
situações assim identificadas.” (in Boletim Informativo
NUER, Florianópolis: UFSC, 1996, p.81/82)
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26. Na mesma linha, a sintética e lapidar definição de remanescente de
quilombo cunhada por Joel Rufino dos Santos, quando Presidente da
Fundação Cultural Palmares:
“Toda
comunidade
negra
rural
que
agrupe
descendentes de escravos vivendo da cultura de
subsistência e onde as manifestações culturais têm forte
vínculo com o passado.” (cfr. Cadernos do ITESP nº 3,
Sâo Paulo: Secretaria de Justiça e da Defesa da
Cidadania do Estado de São Paulo, 2000, p.08)
27. Neste particular, é importante destacar que é com tal conceito mais
amplo de “remanescentes de quilombo” que o Governo Federal, através
da Fundação Cultural Palmares, vem trabalhando. Tanto assim que a
maioria das trinta comunidades remanescentes de quilombos já
oficialmente reconhecidas no país pela referida fundação
não se
constitui de núcleos de descendentes de escravos fugidos. Os critérios
antropológicos e históricos que vêm sendo utilizados são outros, como a
própria Fundação Cultural Palmares, na qualidade de órgão
do
Governo Federal com competência na matéria, poderá esclarecer.
28. De outra parte, quando o título de reconhecimento das comunidades
recai sobre áreas públicas, há uma afetação das áreas à finalidade
prevista na Constituição, que se sobrepõe, pelo princípio da hierarquia
das leis, a qualquer outro princípio normativo. Ademais, deve-se levar
em consideração que o art. 68 do ADCT veicula um autêntico direito
fundamental, razão pela qual deve ser interpretado extensivamente, do
modo que mais favoreça os seus titulares.
29.
Cumpre, no particular, registrar que o próprio Decreto nº 3.912/2001,
que regulamentou o procedimento de identificação, demarcação e
titulação dos remanescentes das comunidades dos quilombos cuidou
desta hipótese, ao dispor, in verbis:
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“Art. 6º. Quando a área sob demarcação envolver
terra
registrada
representação
em
compete
nome
à
da
União,
Procuradoria-Geral
cuja
da
Fazenda Nacional, a titulação e o registro imobiliário
ocorrerão de acordo com a legislação pertinente.”
30. Em conclusão, se os moradores da comunidade negra do Mocambo
foram enquadrados como remanescentes de comunidade de quilombo,
eles já eram os legítimos proprietários das terras ora ocupadas, sendo
necessária apenas a formalização jurídica deste direito que lhes assiste.
Tem essa natureza o título de reconhecimento – ato declaratório que
afeta as áreas a uso especial, se públicas, e esclarece sua natureza de
“terra de preto”, devendo ser levada a registro civil, se privadas.
31. Por isso tudo, requer, na forma da lei, a concessão de medida liminar,
haja vista a clareza do direito e o perigo na demora, para:
a) Determinar a imediata suspensão de venda de bebidas alcoólicas
no bar do réu, sob pena de multa diária de R$ 100,00. Tal medida
garantirá a integridade da comunidade, protegendo-a dos
deletérios efeitos do álcool sobre aquela frágil cultura.
b) Determinar o fechamento do bar do réu nos dias 04 e 05 de maio,
dias em que a comunidade festejará a sua devoção à Gloriosa
Santa Cruz, garantindo a paz e o sossego da festa comunitária, e
evitando o ingresso, na área da comunidade, de pessoas
estranhas a ela, e que não tenham por ela sido convidadas, tudo
sob pena de multa de R$ 5.000,00 por dia de festa (04 e 05 de
maio).
c) Determinar à Polícia Federal que garanta o sossego e a paz da
referida festa, impedindo o acesso de pessoas que não tenham
sido convidadas pela Comunidade e mantendo o clima de paz e
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fraternidade durante as referidas comemorações dos dias 04 e 05
de maio.
32. No mérito, REQUER:
a) Que a área onde se encontra o bar do réu seja reconhecida como
área de propriedade da União Federal e afetada ao uso exclusivo
da comunidade negra remanescente de quilombo do Mocambo,
conforme documentos anexos.
b) Que seja determinada a retirada do referido bar, com a sua
demolição, devolvendo-se a área, na íntegra, à comunidade
negra referida, por ser de seu direito.
33. DOS PEDIDOS PROCESSUAIS:
a) Requer a procedência da ação, na forma dos pedidos acima especificados.
b) Requer a citação do réu, para que venha a juízo contestar, se quiser, pena de
revelia.
c) Requer seja encaminhado o mandado liminar via oficial de justiça, ou via fax
ou telex para a comarca de Porto da Folha, para cumprimento imediato, dada a
proximidade da data da festa, para eficácia da medida e manutenção da paz e
sossego públicos, solicitando da Comarca que confirme o cumprimento da
medida.
d) Requer a notificação da União para que manifeste se quer integrar o feito
como litisconsorte ativo, em defesa do patrimônio que é seu, ou em
litisconsórcio passivo, em caso contrário, tudo na forma do art. 6º, § 3º da lei
n.º 4.717/65, de aplicação subsidiária aqui.
e) Requer a intimação da Fundação Cultural Palmares, na SBN quadra 02, ed.
Central Brasília, 1º Subsolo, CEP 70.040-940, na pessoa do seu presidente, na
forma e para os mesmos fins do item anterior.
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f) Requer a intimação da Associação de Remanescentes de Quilombo Antônio
do Alto, por seu presidente, Maripaulo Acácio dos Santos, em sua sede no
Quilombo do Mocambo, sem número, Porto da Folha/SE, para integrar,
querendo, o feito.
g) Requer a produção de todas as provas admitidas no direito, por mais especiais
que sejam, inclusive a prova testemunhal, pericial e documental, bem como
depoimento pessoal do réu.
34. Apenas para fins processuais dá-se à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem
mil reais).
Aracaju, 26 de abril de 2002
Paulo Vasconcelos Jacobina
PROCURADOR DA REPÚBLICA
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