PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito A QUESTÃO DA DEVOLUÇÃO DA QUANTIA PAGA POR CONSORCIADOS DESISTENTES E A NOVA LEI DE CONSÓRCIOS Autor: Bruno Rodrigues Teixeira de Lima Orientadora: Msc. Neide Aparecida Ribeiro BRUNO RODRIGUES TEIXEIRA DE LIMA A QUESTÃO DA DEVOLUÇÃO DA QUANTIA PAGA POR CONSORCIADOS DESISTENTES E A NOVA LEI DE CONSÓRCIOS Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientadora: Msc. Neide Aparecida Ribeiro. Brasília 2009 Dedico esse trabalho à vovô Pilú, que infelizmente não poderá estar em minha formatura, mas sempre me incentivou aos estudos, quando em vida. AGRADECIMENTO Agradeço, primeiramente, à meus pais, Lima e Dora, que puderam prover-me de uma educação de qualidade, num país de milhares de analfabetos, sempre se sacrificando para que eu estivesse nas melhores instituições de ensino. Também agradeço a meu tio Robson, que, juntamente com meus pais, contribuiu para o custeio do meu curso, sem o que nem estaria formando. Ao Dr. Miguel Boulos, com quem aprendi a gostar do ofício da advocacia e, sobretudo, com quem adquiri boa parte de meus tímidos conhecimentos práticos da profissão. Por fim, agradeço a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a minha formação e, de alguma forma, estimularam-me a dar esse primeiro passo em minha carreira. RESUMO Referência: LIMA, Bruno Rodrigues Teixeira de. A questão da devolução da quantia paga por consorciados desistentes e a nova lei de consórcios. 2009. p. 69. Direito-Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2009. O presente trabalho tem como finalidade discutir as teses mais aceitas (antagônicas) pela jurisprudência e doutrina sobre o momento da devolução da quantia paga pelo consorciado que desiste da empreitada consorcial, e, paralelamente, apresentar perspectivas com o advento da Lei n. 11.795/2008, a nova lei de consórcios, no tocante a essa matéria. Para tanto, estuda a origem e o desenvolvimento do sistema de aquisição de bens por consórcio no Brasil, bem como toda a legislação correlata ao cerne da monografia, seja ordinária, seja infra-legal. Também, discorre sobre o contrato de consórcio, esmiuçando sua natureza jurídica, os entes que o compõe e as relações que dele são havidas. Noutra linha, esse trabalho discute a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nas relações inerentes ao contrato de consórcio, diferenciando consumidor de consorciado. Por derradeiro, exibe as duas teses sobre o momento da restituição das parcelas investidas pelo consorciado desistente, cuidando de todos os argumentos levantados, tanto pró devolução imediata, como defendido pelos Juizados Especiais Cíveis e boa parte dos Tribunais Estaduais, quanto contra, na pacífica linha do Superior Tribunal de Justiça, além de fazer um breve comentário sobre as perspectivas de pacificação dessa lide à guisa da nova lei de consórcios, Lei n. 11.795/2008. Palavras-chave: Consórcio. Devolução. Parcela. Nova. Lei n. 11.795/2008. RÉSUMÉ Le présent document a pour but de discuter les théories les plus acceptées (antagonistes) dans la jurisprudence et la doctrine sur le point de retourner le montant versé par la partie qui résilie le contrat construal, et de perspectives également présente, avec l'avènement de la loi 11.795/2008, la nouvelle loi de consortiums, à l'égard de cette question. Par conséquent, étudie l'origine et le développement de l'acquisition de biens par un consortium au Brésil, et toute la législation liées au cœur de la monographie, est commun, que ce soit l'infrastructure juridique. Aussi, examine le contrat de consortium, l'analyse approfondie de leur nature juridique, les entités qui la composent et la relation qui l'a conduit le sont. Dans une autre ligne, ce document porte sur l'applicabilité du Code de protection des consommateurs dans les relations inhérentes au sein du consortium, en différenciant les consommateurs de la syndication. Pour la dernière, montre les deux thèses sur le remboursement des actions acquises par l'abandon des parties, en prenant soin de tous les arguments soulevés, à la fois le retour immédiat Pro, tel que préconisé par les tribunaux civils spéciaux et la plupart des tribunaux d'État, contre la ligne tranquille la Cour supérieure de justice, et faire un bref commentaire sur les perspectives d'accord de paix par le biais de la nouvelle loi des associations de la loi 11.795/2008. Mots-clés: Consortium. Retour. Plot. Nouveau. Droit 11.795/2008. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................9 2 O SISTEMA DE CONSÓRCIO.........................................................................................12 2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O SISTEMA DE CONSÓRCIO........................12 2.2 ORIGEM.............................................................................................................................13 2.3 HISTÓRICO.......................................................................................................................14 2.4 CONCEITO........................................................................................................................16 3 DO CONTRATO DE CONSÓRCIO.................................................................................19 3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS...........................................................................................19 3.2 DA NATUREZA ASSOCIATIVA.....................................................................................19 3.3 DAS RELAÇÕES QUE SURGEM COM O PACTO CONSORCIAL.............................22 3.3.1 Dos sujeitos de direito que compõem as relações no contrato de consórcio.............22 3.3.2 Da relação tripartite.......................................................................................................25 3.4 CLASSIFICAÇÃO.............................................................................................................27 4 DA APLICABILIDADE DO CDC NOS CONTRATOS DE CONSÓRCIO.................29 4.1 CONCEITO DE CONSUMIDOR......................................................................................29 4.2 DA RELAÇÃO DE CONSUMO........................................................................................33 4.3 CONCEITO DE CONSORCIADO....................................................................................34 4.4 DA DIFERENÇA ENTRE CONSUMIDOR E CONSORCIADO....................................35 5 DO MOMENTO DA DEVOLUÇÃO.................................................................................39 5.1 DA TESE DA DEVOLUÇÃO IMEDIATA.......................................................................39 5.2 DA NOCIVIDADE DA DEVOLUÇÃO IMEDIATA.......................................................47 5.2.1 Considerações iniciais....................................................................................................47 5.2.2 Da inaplicabilidade do CDC nos casos de devolução de parcelas e da isonomia dos consorciados.............................................................................................................................48 5.2.3 Dos prejuízos advindos da restituição imediata..........................................................50 5.3 PERSPECTIVAS COM A NOVA LEI DE CONSÓRCIOS..............................................59 6 CONCLUSÃO......................................................................................................................63 REFERÊNCIAS......................................................................................................................66 9 1. INTRODUÇÃO A justiça brasileira está, perceptivelmente, abarrotada de inúmeros processos que ocupam um significativo espaço físico e tempo de trabalho dos servidores engajados em sua solução, sejam Escrivães, Oficiais de Justiça, Juízes, etc. A cada dia, diversas demandas são ajuizadas e, face aos reiterados pedidos, os tribunais se tornam mais lentos. A observação desse fenômeno leva a inferir que boa parte dos processos são provenientes de um problema antigo, oriundo de administradoras de consórcios e consorciados, que discutem o momento da devolução da quantia paga por esse último, quando de sua desistência. As administradoras sustentam que a devolução imediata é altamente prejudicial ao grupo consórtil do qual fazia parte o consorciado, já que é desistente. Este, por sua vez, não está disposto a aguardar um longo tempo para ter restituído o seu dinheiro, investido durante tal empreitada. Os entendimentos emanados pelos Tribunais ainda permanecem conflituosos; não obstante já perceber-se certa inclinação do STJ (Superior Tribunal de Justiça) em favor das administradoras, os colegiados estaduais mantêm acesa a discussão. Todavia, o que mais chama atenção é o posicionamento dos Juizados Especiais, reflexo do enunciado n. 109 do FONAJE1, firmando que “é abusiva a cláusula que prevê a devolução das parcelas pagas à administradora de consórcio somente após o encerramento do grupo”. E é essa contradição que será aqui tratada, à luz do entendimento doutrinário e jurisprudencial, com a demonstração e análise sistemática das duas teses, as quais serão amplamente fundamentadas. O presente trabalho analisará a tese da nocividade da retirada imediata de numerário do fundo comum do grupo consorcial e a tese da retenção abusiva, por parte da administradora, dos valores pagos pelo consorciado desistente até o término das atividades do grupo. Por fim, será feita uma breve perspectiva dessa questão sob o prisma da nova Lei de Consórcios, Lei n. 11.795/2008, já que trouxe, em seu bojo, mudanças significativas acerca dessa problemática. Para tanto, será tratado o conceito de consórcio, bem como seu surgimento e evolução ao longo da história, para melhor conhecer-se a sua essência associativa, a sua finalidade e a sua importância para a economia brasileira. 1 Fórum Nacional dos Juizados Especiais. 10 Também será esmiuçado o contrato de consórcio, avença de natureza multilateral associativa, de fundamental importância para o conhecimento da natureza jurídica do consórcio e das relações dele ensejadas. Superada essa fase, apresentar-se-á as situações em que se deve aplicar o CDC (Código de Defesa do Consumidor) no pacto consorcial, com o objetivo de analisar em quais relações, surgidas com o contrato de consórcio, deve-se, de fato, aplicar os ditames consumeristas. Em seguida, após a explanação da tese sustentada pelos Juizados, e por aqueles que a corroboram, no sentido de ser abusiva a retenção da quantia do consorciado desistente até o término do grupo, será demonstrada a teoria do efetivo prejuízo causado ao grupo de consórcio que é obrigado a devolver, imediatamente, os valores pagos pelo consorciado desistente, teoria essa defendida pelas administradoras e mantida pelo STJ. Concomitante a isso, trar-se-á uma perspectiva dessa questão com o advento da nova Lei que normatiza o sistema, quando, por último, será apresentada a conclusão da comparação das duas teses e da perspectiva com a nova Lei de Consórcios (n.11.795/08). A discussão sobre esse tema se justifica pela diária batalha entre consorciados e administradoras, que debatem, no judiciário, o momento em que se deve dar a devolução de numerário do elemento que desistiu da campanha, terminando por entupir suas prateleiras e atrasando o julgamento de tantas outras demandas, ante a falta de pacificação do assunto. Além disso, há a necessidade de se firmar posição sólida acerca de uma questão que há muito vem atormentando administradoras e consorciados, haja vista a carência de posicionamento seguro sobre o momento da devolução da quantia paga pelo desistente. Noutra linha, visa também aprofundar o conhecimento sobre o sistema de consórcio, tema pouco tratado pela doutrina nacional, notadamente sua natureza jurídica, que, por vezes, é confundida com a de outros institutos, tal qual o financiamento. Outrossim, vislumbra-se a relevância da matéria posta em comento, além das razões aqui sustentadas, pelo fato de que são quase 20.000 (vinte mil) grupos de consórcio em andamento hoje no país, segundo dados do Banco Central do Brasil2. A metodologia adotada para a realização da pesquisa do tema dessa monografia foi a empírica, pois partiu-se da análise da origem histórica do sistema de consórcios, bem como seu desenvolvimento e impacto na sociedade ao longo dos tempos, culminando com as 2 Disponível em: http://www.bcb.gov.br/FIS/Consorcios/Port/est2009/01/Resumo.pdf 11 posições jurisprudenciais mantidas pelos Tribunais pátrios, bem como entendimentos doutrinários. Quanto aos métodos, em geral, foi aplicado foi o analítico, a fim de examinar todos os aspectos da problemática, as especificidades das teses apresentadas, suas falhas e seu conteúdo lógico. No primeiro capítulo, entretanto, também é adotado o método histórico, com o fito de examinar o desenvolvimento do consórcio, sua natureza jurídica e seu objetivo, de forma a possibilitar o conhecimento do todo e melhor apreciação das duas teses. Por fim, no último capítulo, foi aplicado o método dedutivo, pois, para o tratamento das teses, partiu-se da idéia geral desenvolvida nos capítulos anteriores para os entendimentos mantidos pelos colegiados nacionais. A estruturação do presente trabalho se dá em quatro partes: Na primeira, será explanado o conceito de consórcio e seu histórico; A segunda consiste detalhar o contrato de consórcio, explanando suas características; A terceira parte será dedicada às situações em que se deve aplicar o Código de Defesa do Consumidor nesse tipo de contrato; e, por fim, serão analisadas as teses sobre o momento da devolução das parcelas integralizadas pelo consorciado excluído e feita uma perspectiva futura sobre a questão, a guisa da nova Lei que rege o sistema. 12 2. O SISTEMA DE CONSÓRCIO 2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O SISTEMA DE CONSÓRCIO Antes de se adentrar à matéria posta em comento, faz-se mister esclarecer alguns pontos sobre o sistema de consórcios. Nos dias de hoje, a informação é divulgada numa velocidade nunca antes vista, eis que os acessos aos canais de conhecimento estão cada vez mais democráticos, o que torna a busca mais fácil e de maior conteúdo. Entretanto, no que tange ao consórcio, muitas são as dúvidas acerca de sua natureza. Doutrinadores, como Gama (2003), são incertos quanto à sua essência, o que termina por desvirtuar esse sistema tão significativo na economia brasileira. Talvez o sistema seja ignorado pelo fato de não estar presente na maioria das nações mundiais, já que é típico de países de terceiro mundo, principalmente da América Latina, pela sua viabilidade econômica em face aos exorbitantes juros cobrados pelas instituições financeiras nessas nações. Em países onde os juros bancários são baixos, tais como Estados Unidos da América, Inglaterra, Japão e etc., o consórcio não poderia ser levado a efeito, pois a diferença de preço do crédito não compensaria o possível tempo de espera para sua disponibilização, como no caso do consórcio. No financiamento, o crédito é oferecido de forma imediata, bastando apenas o mutuário comprovar sua capacidade financeira de honrar com o compromisso. Entretanto, esse pronto atendimento tem um custo elevado em economias emergentes, os juros, não tão expressivos em países desenvolvidos, ante o menor risco de inadimplência e maior oferta de crédito. No consórcio, o numerário só estará disponível se o consorciado for contemplado em assembleia, vale dizer, se for sorteado ou seu lance for o mais alto (na forma prevista na Lei n. 11.795/2008; anteriormente a essa norma, na Circular n. 2.766/97 do Banco Central do Brasil). Nessa modalidade de aquisição, o custo do dinheiro é apenas a taxa de administração embutida na contribuição mensal, não havendo juros. Esse é o principal atrativo do consórcio, certo de que a referida taxa é menos dispendiosa do que os juros. Atribui-se também o desconhecimento do tema à falta de divulgação ampla. Os bancos, apesar da maioria oferecer o produto consórcio, não têm interesse em popularizá-lo, porquanto o financiamento se mostra muito mais lucrativo. Em geral, o consórcio é oferecido por empresas administradoras de capacidade econômica por demais inferior à dos bancos. Assim, elas não possuem capital tal qual as instituições financeiras para divulgar e massificar o consórcio, o que, diga-se de passagem, é muito cômodo aos banqueiros, pois o consórcio se 13 mostra como uma alternativa eficaz contra crises econômicas, quando o custo do dinheiro se eleva. Tal desconhecimento acerca do consórcio gera preconceito, pois o sistema, além da já explanada falta de divulgação, foi vítima de administradoras inescrupulosas que lesaram diversos consorciados no passado (esse histórico será discutido em seção própria), justamente pelo fato deles não compreenderem o conhecimento técnico do instituto. Esse preconceito é o que mais vitima o consórcio, que acaba por sustentar crassas críticas por aqueles que sequer conhecem a sua história, desenvolvimento, e importância consolidada na economia do país. E dessa forma permanece o consórcio, uma ilha de dúvidas e pesadas críticas dos que temem o seu desenvolvimento ou já foram lesados por administradoras irresponsáveis. Muito já se avançou, mas sua essência ainda permanece incógnita pela maioria dos juristas e, principalmente, dos brasileiros. 2.2 ORIGEM Holtz (1988, p.35) afirma que alguns pesquisadores indicam que o consórcio teve sua origem na China e no Japão milenares, através de seus antigos sistemas de poupança. Outros, continua, vêem seu início em alguns países da Europa do século XIX. Contudo, ele deixa de especificar quem são os historiadores responsáveis por essas teorias, bem como não indica a data precisa, deixando dúvidas sobre o surgimento desse instituto. Todavia, Ferreira, F. (1998, p.21-30) conta, de forma mais ampla e detalhada, a história do sistema de consórcios. Esse instituto criado no Brasil ( na forma como é conhecido hoje) remonta ao início da década de 50, segundo o autor. Nessa época, no governo de Juscelino Kubitschek, o país passava por um momento de grande expansão industrial, graças ao plano de metas. Acompanhando esse crescimento, a indústria automobilística, até então inexpressiva, apresentava sinais de sua existência. Entretanto, por decorrência da construção de Brasília, surgiu uma forte onda inflacionária no Brasil, o que ensejou a redução drástica de crédito e a paralisação na venda de bens de consumo duráveis. Na década de 60, o governo promoveu sensíveis reformas estruturais, que permitiram o equacionamento da inflação de demanda, direcionando os investimentos na indústria de base, o que mais tarde culminaria no “milagre econômico”. 14 Nessa época, era escasso o crédito ao consumidor, pois os poucos bancos direcionavam seus capitais às referidas indústrias. Assim, diante da necessidade de circular a produção de automóveis e de os consumidores os adquirirem, surgiu o sistema de consórcios. Certeza não há quanto ao seu criador, mas têm-se aceita a tese de que funcionários do Banco do Brasil, através da AABB (Associação Atlética do Banco do Brasil), em 1962, formaram os primeiros grupos de consórcio, para aquisição de automóveis. Há quem diga ainda que os primeiros grupos foram formados por operários das indústrias da região metropolitana de São Paulo, mas não se tem certeza. De qualquer sorte, precursora ou não, a AABB, de certo, foi responsável pela disseminação do consórcio, através de suas inúmeras associações por todo o país. 2.3 HISTÓRICO Com a falta de normas que o regulamentasse, continua Ferreira, F. (1998, p.21-30) o consórcio cresceu desordenadamente. O poder criativo de mentes maléficas, à escassez de legislação, ludibriou e lesou inúmeros consorciados, motivo pelo qual, cabe frisar, o sistema é desacreditado por muita gente até os dias de hoje. Empresários inescrupulosos utilizavam o fundo comum do grupo consórtil para fomentar alguma atividade extra que exerciam, geralmente a venda de veículos. Diante da má gestão, o negócio sucumbia, e os consorciados amargavam a perda de uma poupança formada por um longo lapso de tempo. Em 1967, o Governo Militar, através do Banco Central, expediu a Resolução n. 67, de 21 de setembro. Entretanto, tal normativo foi insuficiente perante a onde de calotes generalizados, eis que muito vago. Foi quando então o Poder Público percebeu que era urgente a necessidade de se regulamentar o consórcio, promulgando a primeira Lei realmente significante para o sistema, a n. 5.768 de 20 de dezembro de 1971. A partir desta data todo o sistema de consórcios dependeria de prévia autorização do Ministério da Fazenda para funcionar, e as administradoras deveriam provar sua capacidade financeira, econômica e gerencial, além de apresentar estudos da viabilidade econômica do projeto. Mas a lei não era suficiente. Então, a fim de pormenorizar a aplicação do dispositivo legal, o Poder Executivo lançou o Decreto n. 70.951 de 9 de agosto de 1972, que estabeleceu algumas regras técnicas sobre o funcionamento do instituto. 15 Essa regulamentação da atividade expandiu o consórcio como nunca antes visto, mormente por estar passando o país pela época do denominado “milagre econômico”. Foi nesse período que o consórcio passou a ser conhecido internacionalmente, sendo copiado por países de terceiro mundo, principalmente da América Latina. Esse crescimento do sistema foi observado até 1982, quando uma grave crise financeira acometeu os países de terceiro mundo, motivada pela alta do petróleo no mercado internacional. O enfraquecimento da economia levou as pessoas a cortarem os gastos considerados supérfluos, assim considerado o consórcio. Diante desse retrocesso, o Governo pôs em prática um plano econômico para estabilização da economia, conhecido como “Plano Cruzado”. Essa iniciativa estatal fez com que o sistema de consórcios obtivesse em 1986 seu maior crescimento já registrado. Entretanto, a indústria não acompanhou a expansão do sistema, pelo que vários consorciados contemplados, ou seja, com suas cartas de crédito disponíveis para a aquisição do bem da vida, tiveram que aguardar, em extensas filas, para recebem o objeto do consórcio. Tal demora motivou, novamente, a descrença no sistema, corroborada com a onda inflacionária que corroia a moeda corrente, mitigando drasticamente o poder de compra das cartas de crédito (overnight)3. Assim, era necessária a cobrança do rateio do reajuste de caixa, para que não houvesse perda do poder de compra, o que por demais encareceu as prestações. Com o fracasso do “Plano Cruzado”, o governo editou várias normas para fomentar a atividade, dentre as quais a autorização de aquisição de bens imóveis pelo consórcio. Prosseguindo nessa tentativa de melhorar o sistema, foi editada a Portaria n. 190/89, do Ministério da Fazenda. Referido dispositivo trouxe novas regras que dinamizaram o sistema, delimitando os direitos e deveres de consorciados e administradoras. Todavia, a incredulidade no consórcio extrapolou-o, atingindo a confiança no poder público em fiscalizá-lo e normatizá-lo. Dessa feita, em virtude de várias reclamações, o governo federal promulgou a Lei n. 8.177 de 1º de março de 1991. A referida norma transferiu o controle do sistema de consórcio, do Ministério da Fazenda, para o Banco Central do Brasil, que, após um período de observação e conhecimento do funcionamento prático, passou a efetuar uma rigorosa fiscalização em todas as administradoras, culminando em várias liquidações extrajudiciais, quando não apenas suspendiam as empresas de constituírem novos grupos. 3 Aqui faz-se menção à diferença inflacionária que atingia, de um dia para o outro, a moeda nacional. Ao dinheiro que era atribuído certo valor, no dia imediatamente posterior o seu valor era minorado, ante os expurgos inflacionários. 16 Várias circulares foram expedidas, o que aumentou ainda mais a pressão fiscalizadora nas administradoras. Estas empresas começaram a ser “equiparadas às instituições financeiras”, eis que foi determinada a utilização do plano de contas das IF 4, denominado COSIF5. A mais importante circular expedida foi a 2.766/97, que detalhou a constituição e o funcionamento dos grupos de consórcio, trazendo a espécie de serviços turísticos, nova modalidade de aquisição. A essa época o consórcio já era consolidado na economia do país, conhecido e divulgado, o que minimizou, aliado ao controle inflexível do BACEN 6, a ação de fraudadores, conferindo maior credibilidade ao sistema. Hoje, a grande batalha é contra o desvirtuamento do sistema, ignorado, por vezes, em sua essência, qual seja, a de autofinanciamento e cooperação na consecução do objetivo. Contudo, a nova Lei de Consórcio, n. 11.795/2008, veio pacificar a natureza jurídica do instituto, na medida em que, em sua primeira seção, conceitua consórcio, grupo de consórcio, consorciado e administradora de consórcio, tornando o entendimento sobre consórcio bastante elucidativo. Presentemente, a referida Lei é regulamentada pelas Circulares 3432 e 3433, todas de 2009, do Banco Central do Brasil. 2.4 CONCEITO Para que se possa analisar a natureza jurídica desse instituto, há que se conceituá-lo primeiramente. A palavra consórcio vem de consortiu, expressão de origem latina, que significa associação, ligação, união, segundo Ferreira, A. (2006). A primeira definição legal atribuída a consórcio veio da expedição da portaria n. 190/89, do Ministério da Fazenda, por atribuição do Decreto n. 70.951/72, normativo esse que regulamentou a Lei n. 5.768/71, norma pioneira acerca do tema. Assim definiu consórcio a referida portaria: “Consórcio é a união de diversas pessoas físicas ou jurídicas, com o objetivo de formar poupança, mediante esforço comum, com a finalidade exclusiva de adquirir bens móveis duráveis, por meio de autofinanciamento.” 4 Instituição Financeira. Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional. 6 Banco Central do Brasil. 5 17 Com o advento da Lei n. 8.177/91, as atribuições de regulamentação, fiscalização e autorização no âmbito do sistema de consórcio passou a ser exercida pelo Banco Central, que, no uso dessa faculdade, expediu a Circular n. 2.766/97, redefinindo o consórcio, a saber: Art. 1º - Consórcio é uma reunião de pessoas físicas e/ou jurídicas, em grupo fechado, promovida pela administradora, com a finalidade de propiciar a seus integrantes a aquisição de bem, conjunto de bens ou serviço turístico por meio de autofinanciamento. Observem que o Banco Central ampliou o objeto do consórcio, ao substituir a expressão “... com a finalidade exclusiva de adquirir bens móveis duráveis...”, consignada no dispositivo antigo, por “... com a finalidade de propiciar a seus integrantes a aquisição de bens, conjunto de bens ou serviço turístico...”. Dessa forma, incluíram-se no rol bens imóveis e serviços turísticos. Além disso, esse conceito limita a administração do sistema por entes devidamente autorizados, quais sejam, as administradoras. O recente normativo do sistema de consórcios, Lei n. 11.795/08, expande ainda mais o conceito anterior, além de imprimir ao instituto um caráter mais equitativo, embora não precisasse, pois é da natureza do consórcio a igualdade entre seus integrantes, vejamos: Art. 2º - Consórcio é a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento. Agora o consórcio pode ter como objeto, além de bens imóveis e móveis, serviços de qualquer natureza, o que era, anteriormente, limitado a serviços turísticos. A doutrina também empreendeu-se em conceituar consórcio. Holtz (apud FERREIRA, 1998, p.17-18) definiu-o como: Uma operação de captação de poupança popular entre um determinado grupo fechado de pessoas, com a finalidade de aquisição de bens. Basicamente, consiste na reunião de um determinado número de pessoas, que efetuam uma contribuição mensal ajustada, durante um tempo certo, com o objetivo de adquirir um determinado bem por todos os integrantes deste grupo, utilizando para esse fim o resultado da contribuição de todos. As pessoas se reúnem e têm como objetivo primordial ajudarem-se mutuamente, numa comunhão de interesses. Aderem a um regulamento coletivo, multilateral, através de contrato, assumindo os mesmo direitos e contraindo as mesmas obrigações. Consórcio é uma forma de poupança programada, pois cada participante poupa uma determinada importância, igual para todos, com um objetivo comum. A famosa frase do livro de Alexandre Dumas, Os Três Mosqueteiros, um por todos e todos por um, resume de forma bastante objetiva o Sistema de Consórcio. Concluindo, consórcio é a união de diversas pessoas físicas ou jurídicas, com o objetivo de formar poupança, mediante esforço comum, com a finalidade exclusiva de adquirir bens por meio de autofinanciamento. Esse conceito exprime muito mais a natureza associativa, de mútua cooperação entre os consorciados, do que a tecnicidade do instituto. 18 Ferreira, F. (1998, p.19), de forma mais ampla e metódica, conceituou o consórcio como sendo: O agrupamento de um determinado número de pessoas, físicas ou jurídicas, aderindo a um regulamento coletivo e multilateral, assumindo as mesmas obrigações e visando aos mesmos benefícios, administrado por empresas legalmente autorizadas pelo Poder Público, com a finalidade exclusiva de angariar recursos mensais para formar poupança, mediante esforço comum, visando à aquisição de bens móveis, imóveis e serviços. A insigne doutrinadora Diniz (1996, p.199) ensina que: Consórcio é uma forma associativa de pessoas, que se reúnem para obter um capital ou coleta de popança para adquirir, mediante pagamento de contribuições mensais, idêntica espécie de bens imóveis ou móveis duráveis em quantidade equivalente ao número de integrantes do grupo, por meio de auto-financiamento, utilizando sistema combinado de sorteios e lances, ficando o montante sob fiscalização bancária. Rizzardo (2006, p.1279), em época atual, assim conceituou o sistema de aquisição de bens por consórcio: [...] é a formação de agrupamento de pessoas, que se reúnem para constituição de um capital determinado, com vistas à aquisição de idêntica espécie de bens, em uma quantidade equivalente ao número de integrantes do grupo. [...] contribuem com valores que, somados, são suficientes para aquisição de um ou mais bens, os quais serão sorteados em épocas predeterminadas, entre os participantes. [...] visando, senão a um autofinanciamento [...] pelo sistema combinado de sorteios e lances. Num modo mais simples, mas sem ignorar a idéia primordial, tem-se que consórcio é um sistema de captação de poupança popular, antiinflacionário (porquanto a concessão dos créditos, culminado com a compra dos bens, se dá paulatinamente), típico de países em ascensão, destinado a aquisição de bens ou serviços, por pessoas, naturais ou jurídicas, que se reúnem e se obrigam a cumprir um normativo isonômico, essencial à consecução do fim comum por todos. 19 3 DO CONTRATO DE CONSÓRCIO 3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Ainda é necessário, para que se penetre propriamente à matéria posta em discussão, que se conceitue e caracterize o contrato de consórcio, visto que é instrumento possuidor de peculiaridades por vezes ignoradas, o que não deve medrar. O contrato de consórcio é conceituado e regulamentado no capítulo II, da Sessão III, da Lei 11.795/08. Cabe frisar que a Lei não precisou caracterizar a natureza jurídica do contrato de consórcio, pois tal conceito emana da própria essência do pacto social, do caráter associativo da avença, que é diferente dos contratos sinalagmáticos, conforme restará demonstrado. A legislação cível em vigor seria suficiente para dar a mesma exegese dispensada pelo conceito emanado da nova Lei de consórcios. Entretanto, precisou o legislador positivar a definição de contrato de consórcio para que não restassem dúvidas quanto a sua natureza. Assim é definido o contrato de consórcio: Art. 10 – O contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, é o instrumento plurilateral de natureza associativa cujo escopo é a constituição de fundo pecuniário para as finalidades previstas no art. 2º. §1º - O contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, criará vínculos obrigacionais entre os consorciados, e destes com a administradora, para proporcionar a todos igual condição de acesso ao mercado de consumo de bens ou serviços. De uma análise perfunctória do mencionado dispositivo legal, vislumbram-se duas características principais acerca do contrato de consórcio, quais sejam, a do caput e a do parágrafo 1º. Noutras palavras, é possível perceber o aspecto societário do consórcio, que agrega pessoas para um fim específico. Também, dada a natureza associativa, verifica-se os diversos relacionamentos gerados pela avença. Abaixo, serão discutidas essas questões. 3.2 DA NATUREZA ASSOCIATIVA A primeira, disposta na cabeça do art. 10º da Lei n. 11.795/08, é a que consigna tal contrato como negócio jurídico multilateral, ou seja, existem mais de duas partes compondoo, não com o fim de se contraporem as obrigações, como nos contratos bilaterais, mas de se 20 associarem para o atingimento de um objetivo comum, tal qual nos contratos sociais e estatutos de pessoas jurídicas. Dessa forma, em outras palavras, o contrato de participação em grupo de consórcio tem natureza associativa, agregatória, vale dizer, nas palavras de De Paulo (2002, p.48), quando discorre sobre associação, “qualquer iniciativa formal ou informal que reúne pessoas físicas ou outras sociedades jurídicas com objetivos comuns visando superar dificuldades e gerar benefícios para os seus associados”. Nessa linha, a avença consorcial supera os meros interesses individuais, sendo sobrepostos pelo interesse coletivo, que nada mais é senão a saúde financeira do grupo, para a obtenção dos bens perseguidos. É o que reza a parte final do caput do artigo. O fim do contrato de consórcio é a formação de um fundo comum (natureza de poupança popular) para propiciar, nos ditames do art. 2º da mesma Lei, “a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento”. Foi esse o pensamento de Comparato (apud DANIEL, 2007), ao emitir parecer acerca do tema, a saber: O consórcio de aquisição de bens é uma modalidade negocial recente, estruturada como contrato plurilateral associativo. Em matéria de contratos plurilaterais, só conhecíamos, até há pouco tempo, as sociedades e associações. Surgiram depois os seguros grupais, os consórcios de empresas (Lei nº 6.404, de 1976, arts. 278 e 279), os acordos de acionistas (mesma Lei, art. 118) e os consórcios de aquisição de bens. A estrutura dos contratos plurilaterais, cuja análise foi feita pioneiramente por Tullio Ascarelli, em artigo doutrinário publicado no Brasil, distingui-se da dos contratos bilaterais em geral, pelo fato de que a relação contratual dos primeiros pode comportar mais de duas partes; a rigor, um número indefinido de partes. Ademais distinguem-se, mais especificamente, os contratos plurilaterais dos bilaterais sinalagmáticos, porque, enquanto nestes as partes se contrapõem uma à outra na troca de prestações (do ut des), perseguindo portanto, cada qual, o seu próprio interesse, na relação plurilateral as partes perseguem uma finalidade ou interesse comum, formando, por conseguinte, um grupo associado. No consórcio de aquisição de bens móveis, as partes contribuem em dinheiro para formação de um fundo comum, de onde saem os recursos para atribuição individual dos bens entre os consorciados, por meio de lances ou sorteio. O grupo consorciado pode ser administrado pelos seus próprios membros ou, o que quase sempre acontece, por meio de uma empresa administradora para tanto contratada. O professor Theodoro Júnior (apud FERREIRA, F., 1998, p.18), em parecer emitido acerca do tema, assim definiu o contrato de consórcio: O consórcio é uma figura contratual nova que tem por objetivo a associação de consumidores para conjugar recursos destinados à aquisição de bens da mesma espécie em quantidade equivalente aos consorciados. Os recursos são coletados periodicamente e vão sendo aplicados paulatinamente na compra dos bens sorteados entre os diversos participantes. É, pois, uma forma de sociedade civil de caráter transitório. Sua essência reside na conjunção de esforços e recursos dos diversos associados para que se adquiram os bens visados, um para cada consorciado. De maneira que, quando contemplado o último deles, o contrato se exaure, mas 21 enquanto tal não se der, todos permanecem vinculados às atribuições necessárias para atingir a meta comum. Não se trata, portanto, de contrato especulativo, pois os consorciados não visam a atos lucrativos, e simplesmente se solidarizam no esforço de propiciar reciprocamente igual oportunidade de compra. Entretanto, há que se consignar que, embora seja associativa a natureza do contrato em comento, conforme amplamente demonstrado, pode-se verificar certo sinalagma nessa avença. Isso porque o contrato não é firmado apenas entre os consorciados. Há um terceiro que é fundamental para a constituição do grupo e que é o grande responsável por sua existência, já que capta os contratantes: A administradora de consórcio. Quanto a este terceiro sujeito não há que se falar em natureza associativa, porquanto ela é fornecedora de um serviço, qual seja, de administração do grupo. A administradora não faz parte do grupo de consórcio, que é formado pelos aderentes interessados em adquirir os bens. Ao contrário, a intenção da administradora é de tão somente obter o lucro, daí a inviabilidade, por decorrência lógica, de sua participação no colegiado, e a oposição de interesses entre ela e os consorciados. Note-se que, nesse caso, há o sinalagma, onde, nas palavras de Diniz (2003, p.83), “cada um dos contratantes é simultânea e reciprocamente credor e devedor do outro, pois produz direitos e deveres para ambos, tendo como característica principal (...) a dependência recíproca de obrigações”. Assim, percebe-se certo sinalagma no contrato de consórcio, quando se leva em consideração a administradora. Ora, e não poderia ser diferente, pois a administradora gere as finanças do grupo, emite os boletos, realiza as assembléias, cobra os inadimplentes, em fim, realiza tudo para a saudável consecução da finalidade do grupo. Em contrapartida, o consorciado, e o grupo de consórcio como um todo, se obriga a compensar essa contraprestação, através de pecúnia, representada pela taxa de administração incidente na parcela mensal. Dessa forma, quando a lei trata o contrato de consórcio como avença multilateral associativa, esse último termo só é valido para os consorciados entre si, haja vista a necessidade de se ter um normativo isonômico entre eles, pois, afinal, todos têm o mesmo objetivo, devendo, portanto, serem considerados de igual forma. Contudo, em relação à administradora de consórcio, o contrato deve ser tomado como sinalagmático, visto que não há isonomia entre administradora e grupo, mas sim interesses contrapostos. Uma parte visa o lucro, a outra a gestão eficaz do grupo. 22 Esse entendimento restará mais claro quando forem esmiuçadas as relações inerentes ao pacto consorcial, que será tratada a seguir. 3.3 DAS RELAÇÕES QUE SURGEM COM O PACTO CONSORCIAL 3.3.1 Dos sujeitos de direito que compõem as relações no contrato de consórcio. A segunda característica desse tipo de contrato, encontrada no §1º do art. 10 da Lei 11.795/08, é a de criação de vários vínculos obrigacionais, ou seja, várias relações jurídicas entre os entes que compõem a avença, quais sejam: Consorciados e administradora. Isso decorre da própria lógica verificada na seção acima. Afinal, admite-se que o contrato de consórcio seja multilateral, associativo entre os consorciados e sinalagmático em relação à administradora e ao grupo. Assim, de igual forma, tem-se que ele produz diversas relações jurídicas, que devem ser tratadas de forma distinta, para que o aplicador do Direito identifique a seara na qual ela deva estar inserida, se consumerista ou cível. Para tanto, há que se identificar os personagens que formam a avença consorcial, de forma detalhada, para só então debater-se acerca das relações nela geradas. Primeiramente, tem-se a administradora de consórcio, que nada mais é senão a pessoa jurídica de direito privado incumbida da administração dos recursos do fundo comum do grupo de consórcio, sendo responsável também, nos ditames do art. 3º, §1º, da Lei n. 11.795/08, pela representação, ativa ou passiva, em juízo ou fora dele, na defesa dos direitos e interesses coletivamente considerados. A norma anteriormente citada traz, em seu bojo, o conceito de administradora de consórcio, em seu art. 5º, verbis: A administradora de consórcios é a pessoa jurídica prestadora de serviços com objeto social principal voltado à administração de grupos de consórcio, constituída sob a forma de sociedade limitada ou sociedade anônima, nos termo do art. 7º, inciso I. Assim sendo, a administradora de consórcio, na qualidade de pessoa jurídica capaz de gozar de direitos e contrair obrigações, é um ente singular que figura no contrato de consórcio. Pois bem. Sobre o consorciado, a Lei de consórcios (n. 11.795/08) trouxe sua definição, em seu art. 4º. Vejamos: “Consorciado é pessoa natural ou jurídica que integra o grupo e assume a obrigação de contribuir para o cumprimento integral de seus objetivos, observado o disposto no art. 2º”. 23 Não se detalhará tanto esse conceito nesse momento, pois ele será tratado em capítulo específico. Nessa seção, basta saber que consorciado é uma pessoa, natural ou jurídica, portanto sujeito de direito, que integra a relação consorcial, na forma da supracitada Lei. Igualmente à administradora, o consorciado é pessoa capaz de assumir direitos e contrair obrigações, pois, da mesma forma, é ente singular que, por decorrência lógica, figura no contrato de consórcio. Por fim, ainda deve-se apresentar outro componente do contrato de consórcio, que talvez passe despercebido, mas sua identificação é primordial para o estudo das teses que serão apresentadas. Discutir-se-á sobre o grupo de consórcio, ou seja, a soma dos consorciados. Da mesma forma que os consorciados, a Lei n. 11.795/08 define grupo de consórcio, que é “uma sociedade não personificada constituída por consorciados para os fins estabelecidos no art. 2º”. Sob outro prisma, o grupo de consórcio é a coletividade dos consorciados, a soma de todos que contribuem, mensalmente, para o alcance do fim pretendido. Entretanto, surge dúvida quanto à passagem “grupo de consórcio é uma sociedade não personificada”, inserida no dispositivo supramencionado. Como pode o grupo de consórcio ser parte no contrato de consórcio se é um ente despersonificado? E a resposta, de fato, é tortuosa, visto que percebe-se na doutrina nacional uma equivalência entre “pessoa” e “sujeito de direito”, à exemplo dos manuais de parte geral de Direito Civil de Diniz (2007, p.113) e Lofuto (2002, p.92). Vejamos o que dizem esses autores: Para Maria Helena Diniz: „pessoa‟ é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito. Para Renan Lofuto: A teoria tradicional identifica sujeito de direito com pessoa. O Código Civil adota o conceito de pessoa. Essa concepção de “pessoa” como “sujeito de direito” remonta à Savigny, segundo Leonardo (2007, p.4), numa visão individualista do que seriam os entes, ou simplesmente o ente (pessoa natural), capaz de assumir direitos e contrair obrigações, a saber: Todo o direito é decorrência da liberdade moral inerente a cada homem. [...] A idéia primitiva de pessoa, ou seja, de sujeito de direito, deve coincidir com a idéia de homem, e a identidade primitiva desses dois conceitos pode-se formular nos seguintes termos: cada indivíduo e, o indivíduo apenas, detém capacidade de direito. Todavia, o mencionado autor faz crítica a esse pensamento desatualizado, embora proveniente de um dos mais consagrados juristas da história: 24 [...] pessoa, sujeito de direito e capacidade referenciam fatos jurídicos diferentes, com efeitos jurídicos igualmente diferentes. Essa distinção, por sua vez, atende a específicas necessidades de um ordenamento jurídico e de uma ciência do direito num contexto muito distante daquele no qual Savigny escreveu, com uma complexidade técnica e uma diversidade de valores absorvidos pelo ordenamento jurídico que denunciam a insuficiência de uma acrítica reprodução do pensamento pandectista do século XIX na doutrina brasileira do século XXI. Ora, não se pode ignorar que o ordenamento jurídico cível pátrio atual foi corroborado pelo pensamento de Leonardo (2007), pois contemplou a existência de entes, a contra sensu da particularização exacerbada de Savigny, que são capazes de contrair certas obrigações e assumir determinados direitos, sem que necessariamente sejam pessoas. Vejamos: Ao lado do que se entende (com certo consenso) o que vem a ser pessoa jurídica, por diversas vezes, o ordenamento jurídico atribui direitos e obrigações e, por conseqüência, reconhece capacidade a entes considerados despersonalizados. Citese, por exemplo, a massa falida, a herança jacente, a sociedade irregular e o condomínio edilício. Um expressivo exemplo disso pode ser verificado, em direito brasileiro, no artigo 12 do Código de Processo Civil28. Ora, se a massa falida tem capacidade processual (e, portanto, é titular de uma capacidade, ainda que especial), seria ela considerada pessoa? Seria ela considerada um sujeito de direito? Marcos Bernardes de Mello conclui ser equivocado denominar como “pessoa” a massa falida, o condomínio edilício ou a sociedade irregular, ainda que esses entes sejam titulares de alguns direitos e deveres e, sobretudo, investidos na capacidade para ser parte, por força do art. 12 do Código de Processo Civil. Para tanto, o Professor da Universidade Federal de Alagoas, reconhece que “os ordenamentos jurídicos, excepcionalmente, atribuem a quem não é pessoa posições no mundo jurídico que, em geral, se consubstanciam em direitos”. Essa razão, por si só, justificaria logicamente uma diferenciação entre o conceito de pessoa e o conceito de sujeito de direito. Para solucionar essa imprecisão, o autor homenageado conclui que, no ordenamento jurídico “há mais sujeitos de direito do que pessoas”, pois, enquanto a atribuição da qualidade de pessoa ocorre em número fechado – apenas para quem assim é reconhecido pelo ordenamento jurídico –, a qualificação de sujeito de direito seria aplicável a todo e qualquer ente titular dalguma situação jurídica ativa ou passiva, por mais elementar que seja, a despeito de não se verificar, em direito positivo, qualquer expressa qualificação desse ente como sujeito de direito. A originalidade e precisão da construção teórica desse autor justifica a transcrição de seu pensamento: “Sujeito de direito é todo ente, seja grupo de pessoas, sejam universalidades patrimoniais, a que o ordenamento jurídico atribui capacidade jurídica (=capacidade de direito) e que, por isso, detém titularidade de posição como termo, ativo ou passivo, em relação jurídica de direito material (= ser titular de direito ou de dever, de pretensão ou de obrigação, de ação ou situação de acionado, de exceção ou de situação de excetuado) ou de direito formal (= ser autor, réu, embargante, opoente, assistente ou, apenas, recorrente), ou, mais amplamente, de alguma situação jurídica. Ser sujeito de direito, portanto, é ser titular de uma situação jurídica (lato sensu), seja como termo de relação jurídica, seja como detentor de uma simples posição no mundo jurídico”. O termo sujeito de direito, portanto, restaria desligado do conceito de pessoa em direito e, assim, liberto da ideologia impregnada no pensamento pandectista que influenciou a construção do direito civil no século XIX, XX e XXI. A expressão sujeito de direito designaria, apenas e tão-somente, um suporte para atribuição de situações jurídicas (direitos e obrigações em sentido amplíssimo). Justamente por ser um conceito mais abstrato do que pessoa, por sujeito de direito poder-se-ia abranger um número maior de situações do que aquelas referenciadas pelo conceito de “pessoa”. 25 Assim, não se pode ignorar que, ainda que nem todo sujeito de direito seja pessoa, a ele é atribuído os direitos e deveres que a norma prevê. O sujeito de direito, como ente legal que é, não pode ser isolado de sua existência fático-jurídica. Ao contrário, deve-lhe ser dispensada a especial atenção que a Lei lhe confere. E não foi outro o entendimento de Coelho (2007, p.112): Sujeito de direito e pessoa não são conceitos sinônimos. Antes, sujeito de direito é gênero do qual pessoa é espécie. Todos os centros subjetivos de referência de direito ou dever, vale dizer, tudo aquilo que a ordem jurídica reputa apto a ser titular de direito ou devedor de prestação, é chamado de sujeito de direito. Ora, isto inclui determinadas entidades que não são consideradas pessoas, tais a massa falida, o condomínio horizontal, o nascituro, o espólio etc. Estas entidades, despersonalizadas, compõem juntamente com as pessoas o universo dos sujeitos de direito. O que distingue o sujeito de direito despersonalizado do personalizado é o regime jurídico a que ele está submetido, em termos de autorização genérica para a prática dos atos jurídicos. Enquanto as pessoas estão autorizadas a praticar todos os atos jurídicos a que não estejam expressamente proibidas, os sujeitos de direito despersonalizados só poderão praticar os atos a que estejam, explicitamente, autorizados pelo direito. É o caso do grupo de consórcio. Ainda que a Lei n. 11.795/08 qualifique-o como sociedade não personificada, a mesma Lei, em seu art. 3º, §3º, dita que “o grupo de consórcio é autônomo em relação aos demais e possui patrimônio próprio, que não se confunde com o de outro grupo, nem com o da própria administradora”. Ora, se a lei diz que é autônomo e possui patrimônio próprio, é porque a lei quis que o grupo fosse um ente diverso dos demais que compõem a avença consorcial. E como tal, deve ser considerado por sua individualidade, ainda que seja uma coletividade. E não poderia ser diferente, pois o grupo de consórcio, na medida em que é o conjunto de consorciados, possui interesse próprio, qual seja, de salutar constituição e desenvolvimento, para que todos que o integram possam adquirir os bens comprados com o seu patrimônio. Dessa forma, é essencial que seja considerado de per si, pois o consorciado, individualmente estimado, tem interesse diverso, por vezes, do grupo do qual faz parte. A administradora, o consorciado e o grupo de consórcio são, nas relações jurídicas inerentes ao contrato de consórcio, sujeitos de direito distintos. Portanto, são entes que devem ser vistos singularmente, e analisadas as suas relações, no tocante ao contrato, da mesma forma. 3.3.2 Da relação tripartite. 26 Superada a delineação dos sujeitos de direito que integram o pacto de consórcio, será detalhada as relações entre esses entes. Se o contrato de participação em grupo de consórcio cria vínculos (e o plural não é por acaso) entre os consorciados e destes com a administradora, de que maneira essa conexão se dá? Como identificá-las? Por decorrência lógica, se três são os personagens que compõem o contrato em comento, certamente três também serão as ligações, as conexões, as relações ensejadas pela composição, sendo, portanto tripartite. Abaixo, colaciona-se esquema que, de forma simplificada, ilustra estrutura de vinculação entre os entes do contrato de participação em grupo de consórcio, a saber: ADMINISTRADORA CONSORCIADO GRUPO DE CONSÓRCIO Figura 1 – Estruturação dos sujeitos que compõem o contrato de consórcio Dessa forma, é possível vislumbrar três relações jurídicas distintas no contrato de consórcio, representadas no esquema acima por cada um dos lados do triângulo, entre os três entes que firmam o pacto consorcial: “administradora – consorciado”, “administradora – grupo de consórcio” e “consorciado – grupo de consórcio”. Cabe frisar que o esquema acima não intenciona colocar a administradora em situação superior, visto que se encontra no vértice, mas apenas ilustra uma relação de três arestas, sem que haja hierarquia entre elas. Essa diferenciação é de extrema importância para se denotar em qual seara do direito estará, determinada relação, inserida; se nos ditames cíveis (relação de caráter civil) ou consumeristas (relação de consumo). A primeira relação apontada, “administradora – consorciado”, verifica-se na medida em que a administradora é responsável, desde as negociações preliminares à adesão do oblato, a informar o consorciado sobre todas as nuances do sistema de consórcio. Ainda, deve a 27 empresa manter o consorciado cientificado sobre as assembléias, contemplações, saldo de caixa do grupo, sendo responsável também por envio de boletos, ou seja, tudo aquilo que seja inerente à prestação do serviço a título individual. Em contrapartida, o consorciado tem o dever de adimplir com a taxa de administração, própria dos serviços prestados pela administradora. Todos os fatos jurídicos que dizem respeito à administradora e ao consorciado, desde que não guardem correlação com o grupo, entram nessa classificação. Outro vínculo existente no contrato de consórcio é o “administradora – grupo de consórcio”. Essa hipótese traduz-se na responsabilidade da administradora, como gestora dos interesses do grupo, de zelar pela sua saúde financeira, sobrepondo o interesse coletivo sobre o individual, além de representá-lo, ativa ou passivamente, seja em esfera judicial ou extrajudicial, na defesa da coletividade e na execução do contrato em si. Deve a administradora tomar as decisões mais favoráveis ao grupo de consórcio, sob pena de responder por seus atos, reflexo do risco do negócio. Esse vínculo traduz-se pela responsabilidade da administradora para com a coletividade de consorciados. Em suma, tudo o que diz respeito ao conjunto de consorciados, considerado para esse fim como ente individual (sujeito de direito) e a administradora, se encaixa nesse arranjo. E, por derradeiro, a relação “consorciado – grupo de consórcio”, demonstrada pela responsabilidade do consorciado de cumprir com suas obrigações, para que possam todos os integrantes da “associação” obterem suas aspirações. Nessa categoria se encontra a relação de união, de conjunção entre os integrantes do grupo. Não se leva em consideração a administradora, pois se trata de relação exterior à sua existência, pois ela não é considerada, já que apenas diz respeito ao grupo isonômico. Esse vínculo se restringe a tudo o que tenha ligação entre o consorciado e o grupo. A essência cooperativista aqui, e somente aqui, se exterioriza. Nota-se que, em determinado momento, tais relações podem se confundir, pois a linha que os diferencia é por demais tênue. Como exemplo, pode-se citar a inadimplência do consorciado, que acaba por atingir o patrimônio do grupo (consorciado – grupo de consórcio) e, também, da administradora (consorciado – administradora), eis que na parcela está embutida a taxa de administração. 3.4 CLASSIFICAÇÃO. 28 Assim, expostas as peculiaridades do contrato de consórcio, ter-se-á subsídios suficientes para caracterizá-lo, o que não seria demais, mesmo apresentadas as especificidades principais dessa espécie de avença. O contrato de consórcio é multilateral associativo, modalidade introduzida pela legislação que o previu (Lei n. 11.795/08), pois é composto de três sujeitos de direito distintos, com interesses próprios e, em certas ocasiões, condescendentes, o que termina por agregar esses entes. É oneroso, porquanto as partes sofrem sacrifício patrimonial para o alcance da contraprestação. A administradora gere o grupo, enquanto os consorciados (e a própria coletividade considerada) paga uma taxa de administração. É comutativo, haja vista que as partes exigem, uma da outra, prestação equivalente imediata, sem que seja condicionada a risco futuro e incerto. É por adesão, visto que o contrato é redigido nos exatos termos previstos na legislação (Lei n. 11.795/08 e Circular n. 3.432/09 do BACEN), onde os consorciados devem aceitá-lo sem a possibilidade de discutir suas cláusulas. É solene, pois a lei prescreve forma especial para a sua celebração (nos normativos citados no parágrafo anterior). É nominado, pois a lei determinou o seu nomen juris, disciplinando-o. É de execução continuada, porquanto a sua prestação se dá ao longo do tempo, ou seja, até a efetiva entrega dos bens a todos os consorciados (e recebimento de parcelas atrasadas dos inadimplentes). E, por derradeiro, o contrato de consórcio é principal, pois existe de per si, sendo acessórios os contratos de alienação fiduciária (quando da contemplação, para garantir as parcelas vincendas), tanto de bens móveis quanto de bens imóveis. Essas são as principais características do pacto consorcial. Para a presente monografia, basta que se firme o entendimento acercada natureza jurídica desse contrato, os sujeitos que o firmam e as relações que dele surgem. Com essas premissas, será de fácil compreensão qualquer outra questão ligada a consórcio, dado que sempre deve-se levar em consideração que se trata de tipo contratual diferenciado, pois a lei só contempla contratos similares a esse, mas com alguns pontos diversificados. 29 4 DA APLICABILIDADE DO CDC NOS CONTRATOS DE CONSÓRCIO 4.1 CONCEITO DE CONSUMIDOR É de fundamental importância delinear as diferenças entre “consumidor” e “consorciado”, quando será explanado em quais situações deve o código de defesa do consumidor nortear as relações inerentes ao contrato de consórcio, para só então superar a questão do momento da devolução dos valores pagos pelo consorciado desistente. Assim sendo, conceituemos, primeiramente, “consumidor”. Reza o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor que: Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Ainda, em seu parágrafo único, estipula que equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Sidou (1977, p.2) afirma que “consumidor é qualquer pessoa, natural ou jurídica, que contrata, para sua utilização, a aquisição de mercadoria ou prestação de serviço, independentemente do modo de manifestação da vontade”. Reparem que esse conceito é muito anterior ao Código de Defesa do Consumidor, que foi promulgado no ano de 1990. Porém, Sidou (1977) já estabelecia as bases da definição de “consumidor” como a conhecemos hoje. A essência desse conceito ainda permanece, conforme se verá. Marques (1995, p.141) apresenta, na conceituação abaixo, uma visão restrita do conceito de consumidor, à luz da teoria finalista ou minimalista da relação de consumo, a saber: Para os finalistas, pioneiros do consumerismo, a definição de consumidor é o pilar que sustenta a tutela especial, agora concedida aos consumidores. Esta tutela só existe porque o consumidor é a parte vulnerável nas relações contratuais no mercado, como afirma o próprio CDC no art. 4º, inc. I. Logo, convém delimitar claramente quem merece esta tutela e quem não a necessita, quem é o consumidor e quem não é. Porém, então, que se interprete a expressão „destinatário final‟ do art. 2º de maneira restrita, como requerem os princípios básicos do CDC, expostos nos arts. 4º e 6º. Essa interpretação restringe a figura do consumidor àquele que adquire (utiliza) um produto para uso próprio e de sua família; consumidor seria o não profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável. 30 O eminente Desembargador JAMES EDUARDO OLIVEIRA, do Egrégio Tribunal de Justiça e dos Territórios, quando do julgamento da apelação cível n. 2004.07.1.008412-5, em 23 de maio de 2007, assim definiu consumidor, à maneira finalista: Segundo dispõe o art. 2º da Lei 8.078/90, “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. A partir desse preceito legal, pode-se afirmar que o elemento teleológico da relação de consumo traduz a exigência de que o produto ou o serviço, ao ser utilizado pelo consumidor, seja recolhido do mercado de consumo de maneira definitiva para a satisfação de uma necessidade própria. E isso não ocorre quando o produto ou o serviço serve à criação ou formulação de outros produtos ou serviços, ou seja, quando é reintrojetado no mercado de consumo, ainda que de maneira embutida ou com outras características. [...] O Código de Defesa do Consumidor, ao delimitar o conceito de consumidor com manifesta preferência pela teoria finalista, não permite a expansão dos seus domínios normativos a situações ou relações jurídicas de natureza empresarial [...] À luz desse contexto normativo e levando em conta que o automóvel segurado integrava o estabelecimento comercial da apelante, forçoso concluir que esta não pode ser considerada consumidora para o fim de atrair a incidência da Lei 8.078/90. Já o ilustre professor Comparato (1974, p.90-91), em conflito com a definição anterior de consumidor, mesmo antes da promulgação do Diploma Consumerista, adotava a teoria maximalista, interpretando o que hoje é o dispositivo do art. 2º do CDC de forma mais ampla: O consumidor é, pois, de modo geral aquele que se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, os empresários. É claro que todo produtor, em maior ou menor medida, depende por sua vez de outros empresários como fornecedores de insumos e financiadores, por exemplo, para exercer sua atividade produtiva; e nesse sentido é também consumidor. Quando se fala, no entanto, em proteção do consumidor, quer-se referir ao indivíduo ou grupo de indivíduos, os quais, ainda que empresários, se apresentam no mercado como simples adquirentes ou usuários de serviços, sem ligação com sua atividade própria. A recente Lei Sueca de 1973, sobre vendas ao consumidor, define este último como `pessoa privada que compra e um comerciante uma mercadoria principalmente destinada a seu uso privado, e que, é vendida no quadro da atividade profissional ou comerciante'. É nessa perspectiva que faz sentido em falar-se em proteção ao consumidor. E esse é o conceito que está prevalecendo no entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Esse colegiado tem interpretado o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor segundo essa teoria, refletida na conceituação de Comparato (1974), que empresta uma hermenêutica mais ampla ao dispositivo, incluindo os chamados “consumidores profissionais”, a exemplo dos julgados no CC 41.056/SP, AgRg 807.159/SP e REsp. 1025472/SP, onde sustenta o Ministro Relator, FRANCISCO FALCÃO: De acordo com o conceito de consumidor expresso no artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, esse seria "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". À luz da referida conceituação, a recorrente, que se constituiu em empresa, em cujo imóvel funcionam diversos serviços, como médicos, hospitalares, laboratoriais, ambulatoriais, clínicos e correlatos, não apresenta qualquer característica de empreendimento em que haja a produção de produtos a serem comercializados. Na verdade, o que se observa é que seu empreendimento está voltado para a prestação de serviços, sendo certo que a 31 água fornecida ao imóvel da recorrente é utilizada para a manutenção dos serviços e do próprio funcionamento do prédio, como é o caso do imóvel particular, em que a água fornecida é utilizada para consumo das pessoas que nelas moram, bem como para manutenção da residência. Desse modo, pelo tipo de atividade desenvolvida pela ora recorrente, percebe-se que ela não utiliza a água como produto a ser integrado em qualquer processo de produção, transformação ou comercialização de outro produto, mas apenas para uso próprio. Nesse sentido, sendo a recorrente destinatária final da água, esta se encontra inserida no conceito de consumidor e submetida à relação de consumo, devendo, portanto, ser observados os ditames do Código de Defesa do Consumidor e, em especial, o artigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90, o qual estabelece que: "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”. Nesse diapasão, consigna ainda Marques (1995, p.103), quando discorre sobre essa linha de pensamento: A definição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensivamente possível, segundo esta corrente (maximalista), para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações de mercado. Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome; por exemplo, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte dos visitantes. Todavia, não apenas a abrangência do termo “destinatário final” é importante para se estabelecer a definição de consumidor, matéria exaustivamente tratada nas teorias acima apresentadas, maximalista e finalista da relação de consumo. O próprio CDC, ainda que não diretamente, estabelece outra premissa. Vejamos o art. 4º, I, da Lei n. 8.078/90: Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; Assim, se o Estado deve reconhecer a vulnerabilidade do consumidor frente ao mercado, seja ela econômica (quando o fornecedor se sobrepõe ao consumidor pelo seu capital), técnica (quando o fornecedor, detentor do know how do seu negócio, se sobrepõe ao consumidor) ou jurídica (quando o fornecedor se cerca de toda precaução para conferir segurança jurídica em seu negócio), é porque, por decorrência lógica, o consumidor, aos olhos Estatais, é hipossuficiente em relação ao fornecedor. Isso se dá porque o consumidor, porquanto não é detentor de capital e/ou conhecimento técnico sobre o produto ou serviço, termina por posicionar-se, na relação de consumo, em patamar inferior ao fornecedor (esse relacionamento será tratada em tópico específico), que é melhor blindado para as vicissitudes que porventura ocorram. 32 E não é outro o pensamento de Nunes (2000, p.106), a saber: O consumidor é a parte fraca da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza, essa fragilidade, é real, concreta, e decorre de dois aspectos: um de ordem técnica e outro de cunho econômico. O primeiro está ligado aos meios de produção, cujo conhecimento é monopólio do fornecedor. E quando se fala em meios de produção não se está apenas referindo aos aspectos técnicos e administrativos para a fabricação de produtos e prestação de serviços que o fornecedor detém, mas também ao elemento fundamental da decisão: é o fornecedor que escolhe o que, quando e de que maneira produzir, de sorte que o consumidor está à mercê daquilo que é produzido. Lopes (2006, 27-28), em brilhante dissertação sobre o tema, doutrina que: É observada a vulnerabilidade do consumidor em nível mundial, porém, a questão toma uma dimensão ainda maior em relação ao consumidor brasileiro cuja cultura e tradição o torna mais frágil, pelo que a intervenção do Estado Brasileiro se torna necessária. A atuação dos monopólios e oligopólios na relação consumerista, em regra não favorece o consumidor, tornando-o vulnerável e hipossuficiente, considerando também que sua fragilidade decorre de vários aspectos. O consumidor está cercado por uma publicidade crescente e muitas vezes enganosa, o que causa um desequilíbrio em razão do consumidor não estar tão organizado quanto os fornecedores. Daí porque, toda e qualquer legislação de proteção ao consumidor busca por primeiro a mesma razão do direito, ou seja, a disposição de reequilibrar a relação de consumo com práticas proibitivas ou limitativas de atuação de mercado. Portanto, é fundamental que seja a pessoa, para que identifique-se como consumidora, vulnerável em relação ao mercado de consumo, podendo essa vulnerabilidade, como já demonstrado, exibir-se de diversas formas, seja econômica, técnica ou jurídica, feições essas normalmente apresentadas pela melhor doutrina. Ainda, o parágrafo único do art. 2º do CDC equipara a consumidor a coletividade de pessoas que intervêm na relação de consumo, ainda que indeterminada. Isso reflete na intenção do Manual em abarcar o maior número possível de pessoas com o seu manto protetor. E mais; o CDC procura propiciar a determinado grupo de consumidores mecanismos de proteção para a coletividade individualizada, também vulnerável ao mercado, de modo a evitar inúmeras reclamações por um mesmo fato que atingiu diversas pessoas. Filomeno (1999, p.35) ensina que: Dessa forma, além dos aspectos já tratados em passos anteriores, o que se tem em mira no parágrafo 2º do Código do Consumidor é a universalidade, conjunto de consumidores de produtos ou serviços, ou mesmo grupo, classe ou categoria deles, e desde que relacionados a um determinado produto ou serviço, perspectiva essa extremamente relevante e realista, porquanto é natural que se previna, por exemplo, o consumo de produtos ou serviços perigosos ou então nocivos, beneficiando-se, assim, abstratamente as referidas universalidades e categorias de potenciais consumidores. Ou, então, se já provocado o dano efetivo pelo consumo de tais produtos ou serviços, o que se pretende é conferir à universalidade ou grupo de consumidores os devidos instrumentos jurídico-processuais para que possam obter a justa e mais completa possível reparação dos responsáveis [...]. 33 Essa noção de coletividade fica mais clara quando se leva em conta os interesses difusos e os interesses individuais homogêneos. Os primeiros são amparados no art. 81, I, do Código do Consumidor, que são “assim entendidos [...] os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.”. Os segundos, inseridos no art. 81, III, também do CDC, são aqueles interesses individuais tratados de forma coletiva, ou seja, os lesados podem, dada a ocasião, ajuizar ações independentes ou um única coletiva (litisconsórcio ativo voluntário). De qualquer sorte, insta consignar que não se pretende aqui discutir a melhor ou mais correta definição de consumidor, à guisa das teorias maximalista e minimalista da relação de consumo. Apenas objetiva-se ilustrar as diversas visões sobre o termo, para se extrair um ponto em comum entre elas. Com esses conceitos, pode-se concluir que será consumidora toda pessoa, física ou jurídica, ou a coletividade delas, ainda que indeterminada, que adquire bens de consumo, e não bens de capital, e que esteja em situação vulnerável em relação ao fornecedor. Noutras palavras, deve haver um desequilíbrio entre o consumidor do bem, (bem esse que não deve ser utilizado em sua atividade fim, de acordo com posição majoritária), e o fornecedor. 4.2 DA RELAÇÃO DE CONSUMO É importante consignar-se sobre o que vem a ser relação de consumo, pois a incidência do CDC muda drasticamente a situação fática negocial, visto que há um desequilíbrio entre as partes, o que, em tese, não ocorre na relação cível, onde os entes estão em igualdade de condições. Sabendo o que é consumidor, torna-se de fácil compreensão a noção de relação de consumo. Ora, se consumidor é toda pessoa que adquire ou utiliza produto ou serviço, ainda temos duas perguntas a serem respondidas: O que são produto e serviço? E o mais importante, de quem o consumidor os adquire? O próprio Código Consumeirista, didático que é, responde a essas indagações. Os §§ 1º e 2º, do art. 3º, traz os conceitos de produto e serviço, verbis: § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. O caput do mencionado dispositivo define fornecedor, verbis: 34 Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Com essas informações, é de simples compreensão a relação de consumo. Pra que haja a indigitada ligação, deve-se ter, primeiramente, dois pólos, quais sejam, o consumidor, ente já amplamente discutido, e o fornecedor, aquele de quem o consumidor adquirirá o produto ou o serviço, na forma dos §§ 1º e 2º, do art. 3º, do CDC. Ainda, deve-se observar a vulnerabilidade desse consumidor em face ao fornecedor, que é, dente outras coisas, aquele que detém o capital, a técnica (know how), ou ambos, de sua atividade econômica. Dessarte, a relação de consumo é relação jurídica que se dá, necessariamente, com um consumidor, pessoa vulnerável ao mercado, que adquire um produto ou serviço de um fornecedor, pessoa que desenvolve atividade negocial de concessão desse produto ou serviço. Por decorrência lógica, insta frisar, é imprescindível a presença dos dois entes, consumidor e fornecedor, para que exista a relação de consumo. Ainda, deve-se obrigatoriamente ter o elo que liga esses dois sujeitos, ou seja, o produto ou serviço objeto do negócio jurídico regido pelo CDC. Sem qualquer desses elementos, é inconcebível a relação de consumo, já que a Lei é taxativa em seus requisitos. A falta de algum dos elementos enunciados acima pode ensejar qualquer relação, seja jurídica ou apenas fática, menos relação de consumo. 4.3 CONCEITO DE CONSORCIADO Superado o conceito de consumidor, com uma breve explanação sobre relação de consumo, será delineado o conceito de “consorciado”, o que não exigirá tanta minúcia, já que pelo exposto anteriormente é possível se extrair essa definição. Segundo a nova Lei de Consórcios, em seu art. 4º, “consorciado é a pessoa natural ou jurídica que integra o grupo e assume a obrigação de contribuir para o cumprimento integral de seus objetivos, observado o disposto no art. 2º”. Silva (2007), analisando vários conceitos atribuídos a consórcio, concluiu que: Pode-se definir o consorciado como toda pessoa física ou jurídica que une-se em grupo fechado, com comunhão de interesses que, através de contribuições mensais, em dinheiro, formam um fundo comum (poupança), caracterizando assim um autofinanciamento, para a aquisição de bem móvel, imóvel e serviços, até que todos os integrantes do grupo receba o bem objetivado. 35 Nessa linha, temos que “consorciado” é pessoa que agrega o grupo de consórcio e, como tal, para que possa alcançar o fim proposto pelo contrato de consórcio e o objetivo de existência do próprio grupo, deve assumir a obrigação de cumprir integralmente a avença consorcial, pois é imprescindível que todos os componentes do conglomerado estejam em igualdade de condições. Consorciado é aquele que aderiu ao grupo de consórcio, compondo-o portanto, haja vista que este é a coletividade daqueles, obrigando-se, em igualdade de condições com os outros de sua espécie, a fomentar a atividade consorcial, a contribuir, mensalmente, para com o fundo comum, de onde virão os recursos destinados ao pagamento do bem daquele contemplado. Por derradeiro, consorciado é aquele que diminui o seu patrimônio em prol do grupo de consórcio (esse, por sua vez, majorará o patrimônio do consorciado), visando promover sua saúde financeira para que possa, em seu tempo, entregar os bens àqueles que forem sorteados. Ele é a célula que constitui o órgão denominado grupo de consórcio. Esse é o conceito que se desenvolve da análise do art. 4º da Lei 11.795/08, combinado com o dispositivo do art. 2º da mesma Lei, o que, aliás, é sugerido pela parte final do primeiro normativo. 4.4 DA DIFERENÇA ENTRE “CONSUMIDOR” E “CONSORCIADO” Fazendo um comparativo entre os conceitos de “consumidor” e “consorciado”, como o leitor já pode perceber, infere-se que há um conflito entre eles. “Consumidor” e “consorciado” são dois entes inseridos em situações totalmente diversas. De um lado, temos o consumidor, pessoa ou coletividade delas, hipossuficientes em relação ao fornecedor, aquele de quem o consumidor adquire produto ou serviço, vulnerável, por não controlar a produção de bens ou serviços ou por não possuir o conhecimento técnico acerca de sua comercialização. Em suma, consumidor é aquele que se relaciona com o fornecedor em nítido desequilíbrio contratual, não necessariamente abusivo, mas por decorrência de sua hipossuficiência econômica, técnica ou jurídica. De outro, o consorciado, pessoa que se une com outras para o atingimento de um fim comum; que se obriga, de modo isonômico, a contribuir para a consecução de um objetivo, sem o que se torna impossível tal resultado. Aquele que integra um conglomerado de outros iguais a si, formando uma sociedade não personificada e com objetivos próprios. 36 Destarte, não há similitude entre esses entes, ou seja, é evidente aos olhos mais dispersos que ao consumidor deve ser conferido um tratamento diferenciado, em face à desproporcionalidade entre os interesses emanados da relação de consumo. Num pólo, está o fornecedor, com o intuito aviltante de lucro, enquanto no outro está o consumidor, parte fraca por não ter controle do capital, carente de aquisição dos bens e serviços disponibilizados pelo fornecedor. Em contrapartida, o consorciado congrega o seu interesse com os demais, cooperando para a saúde financeira do grupo a que pertence, e esse, por sua vez, termina por ter interesse próprio, o de salutar constituição e desenvolvimento. Aqui, os consorciados caminham juntos, guiados pelo pacto social (contrato de consórcio) acordado e isonomicamente aceito por todos. Não há resistência de interesses, não há sinalagma, mas sim o ajuntamento, a fusão de fins. Dessa forma, levando-se em consideração as explanações feitas sobre as relações existentes no contrato de consórcio (no capítulo anterior), temos que nem sempre deve ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor nos vínculos estabelecidos pela aludida concordância. Quando estamos diante da relação “administradora - consorciado”, a lógica leva a crer que essa relação deva ser norteada pela legislação consumerista, pois, afinal, qual o objetivo da empresa administradora senão a obtenção de lucro com sua atividade gerencial? Isso é mais evidente na contribuição mensal, quando se consigna percentual relativo à taxa de administração. Ainda, é evidente a vulnerabilidade do consorciado em face da administradora, empresa organizada, conhecedora do sistema e detentora de capital. Nessa relação é patente o bilateralismo, os pólos duplos distintos. Num deles, o consorciado, pessoa interessada em aderir a um grupo de consórcio ou, se já agregada, no bom e regular serviço de administração, como informação sobre assembléias, emissão de boletos, entrega do bem quando contemplado, etc. Noutro, a administradora, pessoa jurídica fornecedora de serviço de administração de grupos de consórcio, interessada na taxa de administração que será paga pelo consorciado. Entre eles, o elo do objeto do contrato, qual seja, a prestação do serviço. Igual situação ocorre na relação “administradora - grupo de consórcio”, sendo diverso apenas o supedâneo legal, pois reza o art. 2º, parágrafo único, do CDC que “equiparase a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Ou seja, o grupo de consórcio, enquanto coletividade de consorciados, também merece proteção diferenciada, já que é vulnerável e hipossuficiente, não obstante seja 37 proprietário da soma pecuniária das contribuições de seus integrantes, em relação ao capital da administradora e ao seu conhecimento acerca do sistema. Entretanto, é de se usar a lógica e o bom senso quanto ao vínculo “consorciado grupo de consórcio”. Vejam que, para que haja a relação de consumo, é primordial que se existam o consumidor e o fornecedor, que são, respectivamente, aquele que não detém o conhecimento e o montante necessário à circulação de bens e serviços e o que apresenta-se no mercado como disponibilizador deles. E nessa esteira, a relação “consorciado - grupo de consórcio” jamais poderia ser de consumo, pois se assim fosse considerada, desvirtuaria o próprio contrato de consórcio, que tem como pilar sustentador a natureza multilateral associativa, e não o desequilíbrio típico das relações consumeristas. Notem que não há os dois sujeitos que bipolarizam a relação de consumo, porquanto o grupo de consórcio nunca será fornecedor de bens ou serviços ao consorciado, certo de que o próprio consorciado o compõe, como se a uma associação pertencesse. O consorciado não é hipossuficiente ou vulnerável em face ao grupo, porque o seu interesse se confunde com o dele (salvo as exceções em que o consorciado tenta prevalecer a sua vontade contra a do grupo), ou seja, não há resistência de pretensões, não há o sinalagmatismo típico dos contratos de consumo. Esse também é o entendimento de Silva (2007), no mesmo artigo supracitado, quando afirma que: Levando-se em consideração que o Código de Defesa do Consumidor foi promulgado para regular as relações de consumo entre fornecedor e consumidor, não se pode dizer que os consorciados entre si, sejam consumidores. Eles até podem ser consumidores, em relação à administradora do grupo de consórcio, mas jamais entre si. Em sendo o consórcio a união de pessoas físicas ou jurídicas, em grupo fechado, tendo como objetivo adquirir determinados bens móveis (automóveis, camionetas, utilitários, buguies, motocicletas, motonetas, ciclomotores, triciclos, ônibus, microônibus, caminhões, tratores, etc.), aeronaves, embarcações, máquinas e equipamentos agrícolas e equipamentos rodoviários, nacionais ou importados, produtos eletroeletrônicos, bens imóveis (residenciais, comerciais, rurais, construídos ou na planta e terrenos) e, finalmente, serviços turísticos, com pagamentos parcelados, cujo preço será uniforme para todos os consorciados, independentemente da data de recebimento do bem obtido por sorteio, ou lance, não há como se falar em relação de consumo entre eles consorciados. A relação contratual existente entre os consorciados participantes do grupo de consórcio, não é uma relação de consumo (grifo no original), mas sim de união de várias pessoas físicas ou jurídicas, em busca de igual objetivo, qual seja, a aquisição de um bem móvel durável, imóveis e serviços. A única relação de consumo que pode existir, é entre o consorciado e a administradora, porque esta ao prestar serviços, como administradora do grupo de consórcio que é, coletando os nomes dos interessados em participar do grupo, bem como emitindo os boletos mensais das parcelas, além de realizar a respectiva contabilização, a organização das assembléias e a promoção dos sorteios, a compra dos bens para a entrega ao consorciado contemplado, por 38 meio de sorteio, ou de lance, a promoção de buscas e apreensões, depósitos, execuções, etc., efetivamente está prestando serviços ao grupo de consórcio. O Eminente Desembargador GIL COELHO, da 9ª Câmara Cível do extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, em sábio voto, nos autos do agravo de instrumento n. 637273-00, assim julgou: Em princípio, tal decisão mereceria prevalecer, não fossem duas peculiaridades próprias do caso concreto. A primeira é pertinente ao Código de Defesa do Consumidor, no tocante aos contratos de consórcio. A relação entre o grupo de consorciados e o fornecedor dos bens, objeto do consórcio, submete-se ao Código de Defesa do Consumidor. Também se sujeita a esse Código a relação dos consorciados com a administradora, em razão dos serviços que esta presta para aqueles. Mas, a relação dos consorciados entre si não está submetida ao mesmo Código, não configurando relação de consumo a união de pessoas em busca de igual objetivo. Assim, quando um consorciado deixa de contribuir com sua cota de participação no grupo, a relação é deste inadimplente com os demais consorciados, sem haver incidência do Código de Defesa do Consumidor. A administradora, ao promover a ação de busca e apreensão, efetivamente está prestando serviço ao grupo, mas não é essa prestação de serviço que é objeto da ação, que visa a proteção dos consorciados, quer pela purgação da mora pelo inadimplente, quer pela recuperação do bem e subseqüente venda, para que o produto restabeleça o equilíbrio financeiro do grupo. [...] A segunda peculiaridade está no próprio contrato de consórcio. Sua característica principal é a união de várias pessoas, todas com o mesmo objetivo de aquisição de um bem durável. Nele deve haver predominância do interesse coletivo. Resta claro que não há que se falar em relação de consumo quando não se tem presente, insta frisar, um dos entes que obrigatoriamente deva estar: o fornecedor. Não há relação de consumo quando, como na espécie, o contrato agrega as partes, fundindo-as em uma sociedade não personificada, ao invés de distanciá-las em pólos sinalagmáticos, com interesses diversos. Em se tratando de contrato de consórcio, só se pode conceber relação de consumo naquelas em que a administradora figura em um dos lados, visto que é prestadora de serviços e, como tal, fornecedora. Conseguintemente, por todo o exposto, resta por demais claro que, das três relações que emanam do contrato de consórcio, “administradora - consorciado”, “administradora grupo de consórcio” e “consorciado - grupo de consórcio”, apenas essa última não deve ser baseada nas normas de consumo, vez que se assim o fosse, desvirtuaria a natureza associativa do pacto consorcial, aniquilando, por conseqüência, o sistema de consórcio, que se estrutura justamente nessa condição de cooperação e igualdade entre os entes que o compõe. 39 5 DO MOMENTO DA DEVOLUÇÃO 5.1 DA TESE DA DEVOLUÇÃO IMEDIATA Estabelecidas as premissas fundamentais à resolução do problema posto em discussão, notadamente acerca da história do sistema de consórcio, seu contrato e a incidência das normas consumeristas em suas relações, tem-se subsídios suficientes para debater as duas teses mormente adotadas pela doutrina e jurisprudência para a questão da devolução da quantia paga pelo consorciado desistente. Pois bem. Em se tratando de contrato de adesão, denominado pela Lei n. 11.795/08 como “contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão” (art. 10), tem-se que o contrato de consórcio, por aqueles que defendem a legitimidade da devolução imediata, é desprovido de manifestação volitiva por parte dos consorciados, forte em que a administradora é quem estipula suas cláusulas, não dando oportunidade ao debate e modificação de seu teor. Nessa esteira, ensina Diniz (2003, p.93), acerca da natureza jurídica dos contratos por adesão, que: Os contratos por adesão constituem uma oposição à idéia de contrato paritário, por inexistir a liberdade de convenção, visto que excluem a possibilidade de qualquer debate e transigência entre as partes, uma vez que um dos contratantes se limita a aceitar as cláusulas e condições previamente redigidas e impressas pelo outro (RT, 519:163; JB, 158:263), aderindo a uma situação contratual já definida em todos os seus termos. Esses contratos ficam, portanto, ao arbítrio exclusivo de uma das partes – o policitante -, pois o oblato não pode discutir ou modificar o teor do contrato ou as suas cláusulas. É o que ocorre com: os contratos de seguro (RT, 487: 181); os de venda das grandes sociedades; os de transporte; os de fornecimento de gás, eletricidade, água (estes são tidos como contratos coativos); os de diversões públicas; os de financiamento bancário. Eis porque preferimos denominar o contrato de adesão de contrato por adesão, verificando que se constitui pela adesão da vontade de um oblato indeterminado à oferta permanente do proponente ostensivo. Gama (2003, p.40), analisando especificamente o contrato de consórcio, sustenta que: Os contratos referentes à consórcio têm, inegavelmente, natureza adesiva. Com efeito, não dão margem a que a vontade do aderente tenha espaço na elaboração de suas cláusulas, porque muitas delas seguem comando normativo, bem como regras predeterminadas sejam pelo Ministério da Fazenda, ou pelo Banco Centra do Brasil. Mesmo que haja cláusulas aditivas para atender a certas particularidades em grupos de consórcios, esses tipos de cláusulas não contam com a manifestação volitiva do aderente, muito menos para modificar substancialmente o conteúdo, consolidado o caráter adesivo desses contratos. Ora, se o contrato de participação em grupo de consórcio é um contrato por adesão, certo é que os consorciados não têm a possibilidade de discutir suas cláusulas, devendo, 40 obrigatoriamente, ingressar no grupo na forma em que estipulou a administradora de consórcio. E no exercício da elaboração do referido contrato, estipularam as administradoras, com embasamento infralegal, que aqueles que desistirem da empreitada consorcial, ou que forem excluídos (a exclusão se dá, em geral, pelo inadimplemento de duas ou mais parcelas, quando o consorciado for não-contemplado7), só farão jus à quantia que investiram ao término das atividades do grupo, ou seja, quando todos aqueles que adimpliram com o pacto forem contemplados e a administradora já houver recebido o numerário devido pelos consorciados contemplados inadimplentes8. Assim, imagine-se um grupo de consórcio com duração de 150 (cento e cinqüenta) meses, constituído para a aquisição de bem imóvel. Imagine-se também um consorciado que tenha aderido a esse grupo e pago 5 (cinco) parcelas. Por não ter mais condições financeiras de arcar com a integralização mensal, esse consorciado desiste da empreitada, já que é um consorciado não-contemplado. Na linha da avença consorcial, esse consorciado terá que aguardar 12 (doze) anos para receber o que havia investido. E é justamente essa espera que é repugnada por aqueles que adotam a tese da devolução imediata, pois o consorciado, que não teve a oportunidade de discutir as cláusulas do contrato de consórcio, se verá privado de seu dinheiro por um lapso de tempo considerável, sendo que, até lá, inúmeras situações poderiam ocorrer, dentre as quais a morte do próprio consorciado ou a falência da administradora, o que terminaria por inviabilizar o desfrute da pecúnia por seu legítimo proprietário. Nesse sentido, em se tratando de contrato de adesão, onde, cabe frisar, o oblato não participa da elaboração de suas cláusulas, a interpretação deve ser favorável ao consorciado, pois o contrato tem função social e, por isso, ambas as partes devem estar em posição isonômica com a sua concretização. É o que se extrai da leitura do art. 421 do Código Civil Brasileiro, a saber: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Sobre o assunto, doutrina Diniz (2003, p.33): 7 O art. 3º, XIII, da circular do BACEN n. 2.766/97 estipulava que no contrato de consórcio deveria constar as condições de inadimplemento contratual que poderiam provocar a exclusão do consorciado, sendo vedada a exclusão daquele contemplado. A circular n. 2.766/97 veio a ser substituída, em face da nova Lei de Consórcio, pela circular n. 3432/09, e esta, por sua vez, regulamentou tal questão no art. 4º, XVII, “a”. 8 A circular do BACEN n. 2.766/97 estabelecia, em seu art. 21, que dentro de 60 (sessenta) dias da contemplação de todos os consorciados dos respectivos grupos e da colocação dos créditos à disposição, a administradora deveria comunicar aos consorciados excluídos que os valores por eles pagos estavam à disposição. Todavia, a nova Lei de Consórcio modificou essa sistemática, mas esse assunto será tratado em seção própria. 41 É preciso não olvidar que a liberdade contratual não é ilimitada ou absoluta, pois está limitada pela supremacia da ordem pública, que veda convenções que lhe sejam contrárias e aos bons costumes, de forma que a vontade dos contratantes está subordinada ao interesse coletivo. [...] Ante o disposto no art. 421, repelido está o individualismo, nítida é, como diz Francisco Amaral, a função institucional do contrato, visto que limitada está a autonomia da vontade pela intervenção estatal, ante a função econômico-social daquele ato negocial, que condiciona ao atendimento do bem comum e dos fins sociais. Além disso, sustentam os adeptos a essa tese que há nítida relação de consumo no contrato de consórcio, pois o consorciado utiliza um serviço posto à disposição pela administradora, fornecedora. Também, o consorciado é hipossuficiente em relação à administradora, que, em geral, é empresa dotada de poder econômico e conhecimento técnico sobre o sistema. Dessa forma, a relação estabelecida no contrato de consórcio é relação de consumo. E, sendo a relação de consumo, a cláusula que condiciona a devolução dos valores pagos para após o término do grupo é iníqua, abusiva, e excessivamente onerosa ao consorciado/consumidor, parte hipossuficiente na relação com a administradora, na forma do art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor. Esse é o pensamento de Gama (2003, p.41), a saber: A devolução imediata antes das operações do grupo vem fundamentada na invalidade das cláusulas de contrato de adesão que limitando direitos do consumidor, não lhe oportunizem a contrapartida limitativa de direitos à empresa (art. 51, inc. IV do CDC). Ademais disso, cláusulas limitativas de direito deveriam conter redação em destaque. Em não tendo assim ocorrido com a cláusula que procrastina o momento da devolução das parcelas para após o encerramento do grupo, a eficácia da cláusula fica comprometida. Souza (2005) também corrobora com essa linha de pensamento, na medida em que afirma: Há que se considerar que, sendo a relação entre administradora e consorciado uma relação de consumo, deve-se sempre respeitar os ditames do Código de Defesa do Consumidor. Assim sendo, disposições contratuais abusivas são nulas de pleno direito e, portanto, não é válida a cláusula que determina a devolução de valores pagos por consorciado desistente apenas após o término do consórcio. Parte da jurisprudência se manifesta da mesma forma, à exemplo da apelação cível 2007.01.1.124058-0, sob a relatoria do Eminente Desembargador JOÃO MARIOSI, da 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Vejamos: Trata-se, na origem, de ação de cobrança ajuizada por Maria de Lourdes Freitas Mesquita em desfavor de Multimarcas Administradora de Consórcios LTDA. A autora requereu a restituição das importâncias pagas ao consórcio imobiliário, em virtude da desistência em continuar participando do grupo. A sentença julgou improcedente o pedido. Inconformada, a autora interpôs o presente recurso em que pede a imediata devolução do valor reclamado. A relação estabelecida entre as partes encontra-se sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, de modo que são nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam condições abusivas ou que 42 coloquem o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51 do CDC). Dessa perspectiva, a disposição contratual que condiciona a devolução das parcelas pagas pelo consorciado desistente ao término das atividades do grupo mostra-se abusiva, pois estabelecida em benefício exclusivo da administradora, deixando o consorciado em flagrante desvantagem. Portanto, ao consorciado que se retira ou é excluído do grupo deve ser assegurada a restituição imediata das parcelas pagas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros, sob pena de locupletamento da administradora à custa do retirante ou excluído. Num outro ponto de vista, sustentam os seguidores dessa tese (os autores anteriormente mencionados e os magistrados que ainda serão citados) que as administradoras de consórcio se desenvolveram ao longo do tempo, tornando-se enormes conglomerados empresariais, o que facilmente é demonstrado pela necessidade de comprovação de capacidade financeira ao requerer a devida autorização ao BACEN. Ora, se tiveram as administradoras, para a realização de suas atividades, que comprovar sua capacidade financeira e gerencial, na forma do art. 8º da Circular n. 3433/09 do BACEN, por lógico que se trata de pessoas jurídicas de poder considerável, haja vista tão duros os requisitos para que possam iniciar suas atividades. Assim sendo, entendem alguns que a exclusão do consorciado desistente em nada afeta o grupo de consórcio, porquanto, em pouquíssimo tempo, esse será substituído por outro, envolvido pela impactante propaganda despejada nos meios de comunicação por essas poderosas administradoras, a exemplo do que doutrina Souza (2005): Os grandes grupos financeiros que tomaram a dianteira na administração de consórcios conseguem, através do já citado esquema de publicidade e propaganda, apresentar o consórcio como um grande negócio a um enorme número de pessoas, atraindo cada vez mais interessados. Assim, é evidente que, dentre os milhares de interessados, estas administradoras não possuem a menor dificuldade para “encaixar” novos consorciados no lugar dos consorciados desistentes. Como se verifica na prática, a substituição de consorciados é comum e rotineira. O procedimento de substituição de consorciados, aliado ao fato tratar-se a relação entre a administradora e o consorciado de uma relação de consumo, torna incompreensível a retenção dos valores pagos pelo consorciado desistente por parte da administradora. Ora, com a substituição do consorciado desistente é certo que a devolução dos valores pagos por este não traz prejuízo aos demais consorciados do grupo e muito menos à administradora. A inserção e retirada de consorciados dos grupos se dá diariamente, em vista da dinâmica negocial refletida na evolução do sistema de consórcio, que passou a ser conhecido por grande parte da população, dada a promessa de fuga dos juros abusivos praticados pelas Instituições Financeiras que promovem a oferta de crédito no país. Destarte, cabe frisar, se um consorciado desiste da empreitada, diversos outros estarão disponíveis para subscrever sua cota, preenchendo a lacuna restada no grupo, impedindo, dessa forma, que ele seja vítima de prejuízo. 43 Gama (2003, p.41), nessa mesma linha, se manifesta contrário à argumentação de que o grupo de consórcio seja prejudicado com a retirada imediata de valores pelo consorciado desistente, a saber: Não se pode negar que a cota do desistente ou excluído é evidentemente repassada para terceiro, pois isso é da própria índole do empreendimento, de modo que a desistência de um cotista, por si, não compromete o funcionamento do grupo nem lhe causa prejuízo, no entanto, deveriam resultar cumpridamente demonstrados, não podendo ser presumidos. Assim, não pode dizer que o fato da desistência seja anormal ou não previsto, de modo que aos administradores, que auferem lucro com o empreendimento, cumpre administrar de tal forma a evitar a consumação de prejuízos para o restante do grupo. Nota-se igual entendimento no voto do Ínclito Juiz de Direito CÉSAR LOYOLA, da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do TJDFT 9, nos autos do recurso 2008.03.1.012411-2, in verbis: A administradora de consórcio pode, durante o prazo previsto para o encerramento do grupo, repassar a cota do desistente a outro interessado, situação que evita eventual prejuízo para os atuais cotistas do consórcio. Portanto, o problema em si decorre da própria desistência do consorciado, não da restituição imediata. Assim, a restituição imediata não é capaz, de por si só, inviabilizar a meta do grupo de consorciados. Dessa forma, a regra estabelecida no contrato coloca o consumidor em manifesta desvantagem, é injustificável e incompatível com a boa-fé, consequentemente, nula de pleno direito, nos termos do artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). Mesmo que a administradora não consiga captar cliente para que substitua o desistente, o grupo de consórcio, na medida em que será privado da contemplação mensal do desistente, também não terá mais que conceder crédito a ele. Em outras palavras, menos um consorciado, menos um bem a ser pago. Gama (2003, p.41) sustenta essa posição, doutrinando que: Outro aspecto interessante é que cada desistente ou excluído, não substituído se for o caso, é menos um bem móvel ou imóvel a ser entregue nesse grupo. Além do mais, havendo diminuição do número de bens a serem entregues aos participantes do grupo, não há motivo para que o valor aportado pelo desistente continue a financiar o grupo. Não há razão plausível para que o grupo continue a usufruir um valor que não seja mais necessário nem correto manter no montante. Tanto é assim que não há qualquer discussão quanto à necessidade de que tal valor seja devolvido. Como seria a única solução correta e decente, os bens deverão ser adquiridos com o aporte de capital dos que efetivamente estão no grupo e por ele vão se beneficiar. Considerando um grupo de consórcio composto por 120 (cento e vinte) consorciados, dentre os quais 15 (quinze) desistem, esse mesmo grupo terá que entregar 105 (cento e cinco) bens, o que, em tese, viabiliza a sua continuação, ainda que à míngua dos valores já pagos pelos excluídos, pois a subtração de tal numerário é diretamente proporcional à quantidade de 9 Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. 44 bens que deverão ser entregues. Menos dinheiro é igual a menos consorciados, que por sua vez resulta em menos entrega de bens. Outra especificidade a ser considerada é que, com a retenção dos valores pagos pelo consorciado excluído e com a possibilidade de substituir-se esse consorciado por outro, a administradora de consórcio promove o seu enriquecimento sem causa, haja vista que esse substituinte integrará a lacuna deixada pelo excluído, impossibilitando que o grupo de consórcio experimente prejuízo com a retirada precoce. A afirmação de que o grupo será lesado com a retirada imediata da quantia investida por consorciado, segundo essa tese, não merece medrar, já que, insta frisar, em seguida, outro tomará o seu lugar. A administradora que mantém em seus cofres o numerário despendido pelo excluído estará locupletando-se ilicitamente, pois tal verba permanecerá a sua disposição para que fomente qualquer atividade, girando o capital em seu favor, produzindo riqueza com pecúnia alheia, o que é contrário à boa-fé e à lealdade negocial. Salta aos olhos, afirmam alguns, a intenção da administradora de utilizar-se dos valores pagos pelos consorciados desistentes para fomentar negócio próprio, eis que enriquece ilicitamente do dinheiro de terceiros, já que os excluídos não causam prejuízo algum ao grupo de consórcio. E não foi outro o entendimento da Desembargadora CARMELITA BRASIL, da 2ª Turma Cível do TJDFT, nos autos da apelação cível n. 2008.01.1.073636-8, julgada em 3 de junho de 2009, verbis: A administração do consórcio, ao condicionar a restituição de mais de trinta mil reais já pagos pela recorrente, à finalização do grupo consorcial, que por sua vez, somente se dará no ano de 2013, estabeleceu contra a apelada, a toda evidência, obrigação de esperar, que a coloca em posição de excessiva desvantagem, atentando contra os princípios que regem as relações de consumo. Para a arquitetura da conclusão acima, basta pensar no quanto este valor, aplicado corretamente no mercado financeiro, pode render, até 2013, ano em será realizada a última assembléia do grupo. Caso retido indevidamente pela apelante, eventual lucro advindo da exploração financeira deste capital redundaria, obviamente, em enriquecimento sem justa causa. Correlatamente, privar de referida exploração financeira, por tantos anos, o verdadeiro titular do capital, atenta contra os mais comezinhos princípios do Direito. Nesse mesmo sentido manifestou-se o Eminente Desembargador GUINTHER SPODE, da 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos autos da apelação n. 70024446924, julgada em 26 de agosto de 2008: Tendo a autora pago 32 parcelas de seu plano e não mais possuindo condições de pagar e estando inadimplente desde março de 2.006, quando pagou a última das parcelas, resta evidente que, durante todo este tempo e assim vai, caso mantida a sentença, até o encerramento do plano, a empresa/administradora vai reter consigo as parcelas pagas pela autora, dinheiro esse que, além de barato, vem, modo evidente, utilizando no giro de sua atividade comercial. Ou seja, desde a desistência 45 da autora, março/06, já decorreu o lapso temporal de mais de dois anos em que a empresa/ré, em detrimento da autora, utiliza de tal numerário, cuja devolução, em tese, apenas agregará correção monetária. Ora, a permanência desse valor em mãos da empresa/apelada configura, além de verdadeiro abuso de direito, em enriquecimento injustificado por parte da administradora, o que autoriza, com espeque no inciso IV do art. 51 do Código Consumerista, se reconheça a sua nulidade. Obedecida a cláusula contratual discutida, e estabelecendo-se a restituição das parcelas somente para após o encerramento do grupo, o autor somente receberia com que adimpliu, em restituição, após encerramento do grupo. Durante todo este tempo, referido numerário permaneceria com a empresa administradora, o que significa absurdo abuso, constituindo dinheiro barato a ser utilizado no financiamento de suas atividades, em detrimento da consumidora. Outrossim, ainda que se justifique a cláusula que determina a devolução do montante pago pelo desistente ao término das atividades do grupo no art. 21, inciso II, da Circular n. 2.766/9710 (dispositivo que prevê que a restituição da quantia paga deve se dar em até 60 dias do término do grupo), esse não deve prevalecer sobre o Código de Defesa do Consumidor, por dois motivos. Primeiro, o CDC é lei ordinária, ou seja, norma aprovada por maioria simples da Casa Legislativa, na forma do art. 47 da Constituição Federal. Assim sendo, é norma hierarquicamente superior à Circular do BACEN n. 2.766/97, que é norma infra-legal, ou seja, regra que não foi produzida no processo legislativo, mas que tem tão somente o caráter regulamentar. Dessa forma, o art. 51, inciso IV, do Código Consumerista deve prevalecer ao art. 21, inciso II, da Circular n. 2.766/97, tendo em vista que é um dispositivo hierarquicamente superior. E nesse sentido, tem-se que o CDC, por sua razão de existir e interpretação global de seus dispositivos, condena tal disposição circular, certo de que esse dispositivo fere seus princípios, especificamente os da boa-fé e do equilíbrio entre as partes. Esse foi o entendimento da Juíza ANA MARIA CANTARINO, da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, nos autos da apelação cível no juizado especial n. 2006.08.1.007221-3, julgado em 11 de dezembro de 2007, a saber: Tendo em vista o princípio da hierarquia das leis, as normas expedidas pelo Banco Central não devem ser aplicadas de forma que afronte as disposições da Lei Consumerista, ainda que tais normas sejam posteriores a ela. E mais, não deve prevalecer a aplicação de circular do Banco Central em detrimento de Lei Federal (CDC). O segundo motivo que afasta a aplicação da disposição Circular que condiciona a restituição dos valores ao final do grupo guarda relação com o primeiro, fortalecendo-o. O art. 1º do Código de Defesa do Consumidor prevê que: “O presente código estabelece normas de 10 A Circular do BACEN n. 2.766/97 foi revogada pela Circular n. 3.432/09. Hoje a questão da devolução é regulamentada pela Lei n. 11.795/08, matéria que será tratada no seu tempo. 46 proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 das Disposições Transitórias.” A exegese desse artigo estabelece que, ainda que o CDC e as Circulares do BACEN estivessem num mesmo patamar hierárquico, o que se admite apenas a título de argumentação, o CDC prevaleceria, pois suas normas são de caráter cogente, ou seja, imperativo, sobrepondo-se a outras normas, ainda que de mesmo patamar. Filomeno (1999, p.24) assinala, quando discorre sobre esse dispositivo, que: Por fim, ainda nesse tópico, destaque-se que as normas ora instituídas são de ordem pública e interesse social, o que equivale a dizer que são inderrogáveis por vontade dos interessados em determinada relação de consumo [...]. O caráter cogente, todavia, fica bem marcado, sobretudo na Seção II do Capítulo VI ainda no Título I, quando se trata das chamadas “cláusulas abusivas”, fulminadas de nulidade (cf. art. 51 do Código), ou então já antes, nos arts. 39 a 41, que versam sobre as “práticas abusivas”. Destarte, é evidente a soberania do CDC em face das Circulares expedidas pelo BACEN, pelo que deve ele prevalecer sobre elas. O CDC, cabe ressaltar, é norma de caráter público, sobrepondo-se sobre a Circular 2.766/97, que não passa de mero ato regulamentador. Por último, insta destacar que algumas administradoras de consórcio, na constituição de seus planos de negócio, prevêem a cobrança de percentual relativo a fundo de reserva 11, que nada mais é do que uma poupança do grupo de consórcio destinada a cobrir eventuais desfalques no caixa do fundo comum. Nessa hipótese, caso o consorciado desista do plano e, imaginando-se que, de fato, isto acarrete prejuízo ao grupo, o fundo de reserva é o montante pecuniário destinado a evitar tal perda, pois pode ser alocado para o caixa do fundo comum, complementando-o. Dessa forma, mais fraca se torna a sustentação de que o grupo é lesado caso seja subtraído de seu caixa certa quantia, pois, na suposição de que a administradora cobre de seus consorciados percentual relativo a fundo de reserva, esta poupança formada poderá ser destinada a cobertura do valor restituído. Esses são os argumentos normalmente adotados por aqueles que entendem contrariamente à restituição, ao final do grupo, dos valores pagos pelo consorciado que desistiu da empreitada, tese essa adotada principalmente no âmbito dos Juizados Especiais, o que se reflete no Enunciado n. 109 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais, quando afora 11 O fundo de reserva estava consignado na Circular n. 2.196/92 do BACEN, onde era prevista a destinação que deveria ser dada ao numerário dessa poupança, dentre as quais, para compor os valores a serem devolvidos aos excluídos e desistentes. Esta Circular foi revogada pela n. 2.766/97, que por sua vez foi revogada pela n. 3.432/09. O referido fundo é regulamentado, hoje, na própria Lei de Consórcios (n. 11.795/08), sendo complementado pela Circular 3.432/09 do BACEN. 47 que “é abusiva a cláusula que prevê a devolução das parcelas pagas à administradora de consórcio somente após o encerramento do grupo”. No âmbito dos Tribunais de Justiça a questão é mais divergente, embora a maioria se manifeste pró-consorciado desistente, a exemplo dos votos acima mencionados. No que pesem os consubstanciados argumentos lançados em favor do consorciado excluído, esses não devem prevalecer, eis que ignoram a natureza jurídica do consórcio e todo o seu desenvolvimento ao longo do tempo, sua origem e razão de existir. Por menos positivista que possa parecer, todas as questões discutidas em Direito devem levar em consideração as peculiaridades do instituto tratado, e não apenas a literalidade da norma incidente, pois, do contrário, estar-se-ia traindo sua própria razão de existir. É o que ocorre com o sistema de consórcio, que tem sua essência modificada pela inobservância de seu histórico, sendo tratado friamente à guisa da legislação, como se o fim do Direito fosse a norma em si. Nesse sentido, deve-se fazer uma interpretação sistemática quando lidar-se com casos de devolução de parcelas em contrato de consórcio, haja vista que a simples exegese literal fere a natureza do contrato de consórcio, que de multilateral associativo passa a ser tido como sinalagmático. A seção seguinte tratará justamente da tese defendida pelas administradoras de consórcio, sustentação acolhida no seio do Superior Tribunal de Justiça e por isoladas decisões de magistrados pelo país. 5.2 DA NOCIVIDADE DA DEVOLUÇÃO IMEDIATA 5.2.1 Considerações iniciais. Com toda a matéria posta nos capítulos anteriores, têm-se elementos suficientes para entender o cerne da tese que será aqui explicitada. Superadas a conceituação do sistema, sua posição histórica, a definição e análise minuciosa do contrato de consórcio, bem como a aplicabilidade parcial do Código de Defesa do Consumidor nessas avenças, será de fácil compreensão a proposta que passará a ser defendida, em contrapartida à apresentada na seção anterior. 48 Pois bem. No primeiro capítulo, foi contada a história do sistema de consórcio, instituto surgido no Brasil para fazer frente à falta de crédito a ser disponibilizado no mercado, quando a produção industrial alcançava índices elevadíssimos de crescimento. O sistema foi pensado para combinar esforços de pessoas interessadas a poupar, mensalmente, certa quantia de dinheiro, que reunida, formaria um montante suficiente para adquirir algum bem de consumo (naquele tempo, automóvel). Com o passar dos anos, a demanda por esse tipo de formação de capital foi tamanha que surgiram as administradoras, responsáveis por captar e gerir os grupos formados pelos interessados no investimento, o que culminou com a necessidade de regulamentação, em face das inúmeras controvérsias surgidas. Entretanto, ainda que as administradoras tenham passado a integrar o pacto consorcial, sua essência permanece, qual seja, de associação, de congregação de vontades em formar crédito para a compra de determinado bem ou serviço. E isso deve ser levado em consideração ao versar-se sobre qualquer matéria envolvendo consórcio, já que não se trata de mútuo, mas sim de agrupamento de pessoas com objetivos em comum, mesmo que haja um terceiro envolvido para a consecução desse fim. Também deve o operador do direito atentar-se ao fato de que há, nas relações havidas com o contrato de consórcio, direito de terceiros envolvido, porquanto o patrimônio do grupo, ainda que seja independente dos demais entes que formam a avença (consorciados e administradoras), é formado pela soma da contribuição dos demais consorciados, sob pena de poder lesar-se esse patrimônio e, conseqüentemente, de outrem alheio à discussão. Uma vez que o grupo de consórcio seja prejudicado, por conclusão lógica os consorciados, pessoas que o integram, também o serão. Assim, antes de julgar qualquer matéria em relação a consórcio, o magistrado deve verificar, primeiramente, quais os entes do contrato envolvidos em determinada relação, para só então, à luz da natureza jurídica do instituto, dizer o Direito que deve ser aplicado ao caso concreto. Feitas essas considerações, passa-se ao propósito dessa seção. 5.2.2 Da inaplicabilidade do CDC nos casos de devolução de parcelas e da isonomia dos consorciados. Primeiramente, insta analisar a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nos casos de restituição, pois é nele que se baseiam as afirmações de que a cláusula que prevê 49 a devolução ao término do grupo é iníqua, abusiva e excessiva, nos termos do art. 51, inciso IV. Como dito em linhas anteriores, diversas são as relações provenientes do contrato de consórcio, e que nessas relações apenas aquelas figuradas pela administradora de consórcio é de consumo, porque o vínculo “consorciado-grupo de consórcio” deve ser pautado pelos ditames civis. Dessarte, se a restituição do numerário pago pelo desistente for proveniente do vínculo acima mencionado (consorciado-grupo), certo é que não deve ser considerado o Código de Defesa do Consumidor para reger essa questão. E, de fato, não deve, conforme restará demonstrado. Quando o consorciado desiste da empreitada consorcial e intenciona a busca da quantia já investida, pretende ele a subtração de tais valores do fundo comum do grupo em seu benefício, visto que toda parcela investida é somada a este fundo 12, com vistas à aquisição do bem por aquele contemplado no mês. Assim, observa-se a transferência de propriedade da parcela paga, pois é pertencente ao consorciado até que a integralize (pague), quando então passará a pertencer ao caixa do fundo comum do grupo de consórcio, haja vista que, como anteriormente demonstrado, possui patrimônio distinto dos demais sujeitos de direito que congregam o contrato. Nessa esteira, cabe frisar, no momento em que o consorciado pretende ter o seu dinheiro de volta, sua pretensão confunde-se com a diminuição patrimonial do grupo, em nada influindo à administradora de consórcio, que apenas é interessada na taxa de administração. Dessa forma, é nítido que essa relação seja “consorciado-grupo de consórcio”, porquanto o grupo é o único interessado em manter, em seus cofres, a quantia que pretende o desistente ver restituída. A retirada imediata de quantia do fundo comum acarretará em prejuízo ao grupo (essa peculiaridade será demonstrada, minuciosamente, a seguir), pois seu caixa estará prejudicado. Conseqüentemente, sendo o grupo interessado em não ver diminuído o seu saldo de caixa, estará ele preocupado em resistir à pretensão do desistente, permanecendo indiferente a administradora, no tocante aos seus próprios interesses, pois, de qualquer sorte, receberá a taxa de administração13. 12 Art. 12 da Circular n. 3.432/09 do BACEN. Proporcionalmente ao tempo de serviço prestado, conforme posição mansa e pacífica na jurisprudência (REsp. 171294/SP, APC 2008.08.1.006633-2 TJDFT). 13 50 Portanto, não merece acolhida a afirmação de que a relação ensejada no contrato de consórcio seja, eminentemente, de consumo, porque, na forma demonstrada no Capítulo 3, nem sempre os vínculos provenientes dessa avença é consumerista, dado o seu caráter multilateral associativo. E se todos os consorciados aderiram ao contrato de consórcio já conhecedores das sanções impostas em caso de desistência, não podem eles querer escusar-se de sua imposição, pois é da essência do próprio ajuste a isonomia entre seus componentes, ressalvada a administradora, como já debatido. Na forma da legislação civilista, deve imperar a força normativa contratual e sua função social, refletida na obrigatoriedade do que fora previamente ajustado e na preponderância do interesse coletivo (do grupo) sobre o individual (do consorciado), na forma do parágrafo 2º, do art. 3º da Lei 11.795/0814. Cabe destacar que não é a administradora quem estipula a maioria dos termos contratuais, pois eles são decorrentes da própria regulamentação do sistema de consórcio, à vista de sua estrutura especialíssima. Não é diferente a cláusula que condiciona a devolução de valores ao fim das atividades coletivas, pois o normatizador preocupou-se com a saúde financeira do grupo. As únicas estipulações feitas pela administradora são as que dizem respeito à taxa de administração, vantagens concedidas pela própria administradora ao se optar por seus serviços, taxa de adesão, cobrança de fundo de reserva, ou seja, tudo aquilo que a Lei ou o Banco Central não tenha regulamentado ou tenha deixado a regulamentação a cargo da prestadora de serviços. Por conseguinte, não há que se falar em abusividade da cláusula que condiciona a devolução de valores ao término do grupo, pois, além do fato de tal relação ser pautada pela lei civil, todos os consorciados assim concordaram, devendo prevalecer o interesse coletivo. É da essência dessa disposição que nasce a prevalência dos direitos coletivos sobre os individuais. Se não há incidência do Código de Defesa do Consumidor nessa questão de restituição, devendo ela ser vista à luz da isonomia inerente às relações entre os consorciados e seu respectivo grupo. 5.2.3 Dos prejuízos advindos da restituição imediata. 14 Antes, no art. 1º, §6º da Circular n. 2.766/97 do BACEN. 51 Antes da promulgação da Lei 11.795/08, o órgão governamental responsável pela normatização do sistema de consórcios era o Banco Central do Brasil (como ainda é, mas em menor atuação, dada a abrangência da referida norma), já que a Lei 8.177/91 em quase nada contribuiu, deixando esse dever a cargo daquela autarquia. O BACEN, por sua vez, acreditando estar zelando pela saúde financeira dos grupos consortis (e de fato estava, como restará demonstrado), através do art. 21, II, da circular 2.766/97, determinou que o valor investido pelo consorciado desistente só poderia ser devolvido após a assembléia que contemplasse a última cota, pois, do contrário, estar-se-ia prejudicando a contemplação do mês. Para que o desistente tivesse o seu numerário de volta, o consorciado contemplado não teria a sua disposição o crédito de que faria jus, pois o fundo comum estaria prejudicado pela devolução. Em suma, primou o BACEN pelo interesse coletivo, qual seja, de conservação do poder aquisitivo do grupo, em detrimento ao interesse individual manifestado pelo desistente. Essa lógica é fácil de ser entendida. Em se tratando de consórcio, a parcela a ser integralizada pelo consorciado corresponde a um determinado percentual do valor total do bem almejado15. Dessa forma, considerando um grupo de consórcio com duração de 60 (sessenta) meses, temos que o participante deverá contribuir com um percentual mensal de 1,6667% (100% ÷ 60 meses = 1,6667%). Agora, imagine-se esse mesmo grupo (com duração de 60 meses), com 120 (cento e vinte) participantes devendo contribuir, mensalmente, 1,6667% do crédito posto consórcio. Tem-se que, mensalmente, essa soma será suficiente para contemplar dois consorciados (120 x 1,6667% = 200%). No entanto, um consorciado houve por bem desistir da empreitada, tendo investido o equivalente a 5 (cinco) parcelas (5 x 1,6667% = 8,3335%). Dessa forma, se o numerário por ele despendido for-lhe devolvido imediatamente, a contemplação do mês restará frustrada, eis que além de deixar de pagar a respectiva parcela (119 x 1,6667% = 198,33%), o fundo comum verá subtraído o percentual até então integralizado (198,33% - 8,3335% = 190%). Assim, tem-se que a formação do grupo de consórcio ajusta-se ao prazo de duração e quantidade de participantes, para que a soma mensal possibilite que seus integrantes utilizem dos respectivos créditos, desde que contemplados. 15 Art. 27, parágrafo 1º, da Lei n.11.795/08: “As obrigações e os direitos do consorciado que tiverem expressão pecuniária são identificados em percentual do preço do bem ou serviço referenciado no contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão”. Antes, essa disposição era prevista no art. 12 da Circular n. 2.766/97 do BACEN. 52 E é nessa linha que o STJ, por diversas vezes, entendeu que o consorciado desistente só receberia o valor que pagou ao término das atividades do grupo, mais especificamente até 30 (trinta) dias após, preocupado com a contemplação do consorciado que permaneceu adimplente com suas obrigações, que primou pela manutenção sadia do grupo de consórcio, em detrimento daquele que rompe o pacto e ainda pretende dificultar o bom andamento da empreitada consorcial. Vários são os julgados nesse sentido, a exemplo dos recursos especiais n. 1033193/DF, 442107/RS e 94.266/RS, este último do qual se extrai lição do Eminente Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR: Assim como o grupo formado para a aquisição de bens pela modalidade de consórcio, em caso de desistência, não pode servir para o enriquecimento sem causa dos demais participantes, ou da administradora, - retendo os valores recebidos e somente restituindo o principal, sem correção monetária, o que em época de inflação alta significava devolver o nada, - assim também o consorciado não pode transformar o consórcio, que foi formado para a finalidade de adquirir bens, em oportunidade para aplicação financeira, retirando-se a qualquer tempo e recebendo imediatamente o capital investido, mais correção e juros. A desistência é sempre um incidente negativo no grupo, que deve se recompor, a exigir a transferência da quota, a extensão do prazo ou o aumento das prestações para os remanescentes, etc. O pagamento imediato ao desistente será um encargo imprevisto, que se acrescenta à despesa normal. Quem ingressa em negócio dessa natureza e dele se retira por disposição própria não pode ter mais direitos do que o último contemplado com o bem, ao término do prazo previsto para o grupo. Se este, que cumpriu regularmente com todas suas obrigações e aguardou pacientemente a última distribuição, pôde colaborar com os seus recursos para que os outros antes dele fossem contemplados, também o mesmo ônus há de se impor ao desistente, que se retira por decisão unilateral. Assim, o desistente deve receber o que pagou, com valores devidamente corrigidos, descontada a taxa de administração e prêmios de seguro eventualmente pagos, até trinta dias depois do prazo previsto para a entrega do último bem. Ainda assim, alguns afirmam que outra pessoa pode adquirir a cota consorcial vaga, preenchendo a lacuna deixada pelo desistente, o que impediria a geração de prejuízo ao grupo, vez que este estaria íntegro novamente. Na verdade, a reposição da cota em nada modifica a situação do grupo de consórcio, pois o consorciado que a adquiriu só começará a investir a partir de seu ingresso. As parcelas correspondentes às assembléias passadas serão pagas até o término do respectivo grupo (as administradoras costumam cobrar essa diferença no momento da contemplação), não tendo o consorciado aderente a obrigação de pagá-las de imediato, o que, do contrário, seria por demais desvantajoso16. Dessa forma, utilizando-se do exemplo anterior, ainda que tenha sido substituído o consorciado, tendo o grupo arrecadado 200% no mês, ter-se-ia que subtrair 8,3335% do fundo comum para devolver ao desistente o seu numerário, o que terminaria por prejudicar o grupo. 16 Art. 23 da Circular n. 2.766/97 e art. 31 da Circular n. 3.432, todas do BACEN. 53 Essa regra não poderia deixar de existir, pois, caso o adquirente da cota fosse compelido a integralizar a parcela do mês, somada com os valores passados, de certo o sistema de consórcio não o atrairia, porquanto necessitaria de despender um significativo numerário para somente iniciar na empreitada, sendo inviável, portanto. Ainda que, no momento do desligamento do consorciado, o grupo respectivo deixe, também, de ter que pagar um bem, em nada isso interfere, porque, necessariamente, alguém terá que ser contemplado no mês subseqüente. De fato, o grupo de consórcio é estruturado para conter exatamente ou proporcionalmente o número de participantes de acordo com o prazo de vigência e número de bens a ser entregue. Se uma lacuna houver, a contemplação do mês restará prejudicada. De qualquer sorte, mesmo tendo o grupo um bem a menos para arcar, obrigatoriamente alguém terá de ser contemplado na assembleia posterior à data do desligamento, mas, como demonstrado, ela não se dará, por falta de capital. Numa outra linha, permitir que o consorciado excluído receba de imediato os valores por si despendidos seria desvirtuar o próprio sistema de consórcios, transformando-o em aplicação financeira, o que, aliás, se mostraria bastante lucrativa. Noutras palavras, seria promover o enriquecimento ilícito do desistente, a contra sensu dos que afirmam que a administradora é quem locupleta, eis que receberia o valor investido atualizado (o que ocorre de qualquer forma, na devolução imediata ou ao término do grupo), acrescido de juros legais. Para comparação, apresenta-se outro exemplo hipotético. Um determinado consorciado adquiriu uma cota de consórcio com o fim de obter um automóvel Celta 1.0L flex 4 portas life, no ano de 2002, em grupo com duração de 60 (sessenta) meses. À época da aquisição, esse veículo custava R$ 17.430,00 (dezessete mil, quatrocentos e trinta reais), sendo que a parcela mensal, sem contabilização de taxa de administração ou qualquer outro encargo, seria de R$ 290,50 (duzentos e noventa reais e cinqüenta centavos)17. Esse consorciado pagou 11 (onze) parcelas e desistiu da empreitada. Resolveu por aguardar o término do grupo para receber o seu numerário atualizado na forma do contrato, ou seja, de acordo com a variação da tabela de fábrica do bem. Assim, considerando-se que despendeu o montante de R$ 3.195,50 (três mil, cento e noventa e cinco reais e cinqüenta centavos) e que a variação do preço do bem objeto do consórcio, de 2002 a 2007, foi de 41,5316%18, o consorciado recebeu o valor de R$ 4.522,64 (quatro mil, quinhentos e vinte e dois reais e sessenta e quatro centavos), pois 3.195,50 x 17 18 17.430,00 / 60 = 290,50. De acordo com informação do Consórcio Rodobens. 54 41,5316% = 1.327,14 e 1.327,14 + 3.195,50 = 4.522,64. Lembrando que esse valor ele recebeu somente em 2007, ou seja, ao término do grupo. Outro consorciado resolveu integrar o mesmo grupo de consórcio do elemento supracitado, ingressando no mesmo ano e pagando a mesma quantia de parcelas que ele, tendo inclusive optado pelo mesmo bem. Contudo, após o pagamento de 11 (onze) parcelas, esse consorciado desistiu do plano. Com o passar do tempo, no ano de 2005, mais precisamente, o consorciado teve notícias de que o Juiz do Juizado Especial de sua comarca tinha o entendimento de que a devolução do dinheiro, nesses casos, deveria dar-se de forma imediata. Assim, ele ingressou com uma ação de restituição, a qual, após nove meses de trâmite, foi finalmente julgada, para condenar a administradora a devolver, imediatamente, os valores por si pagos, atualizados pelo INPC (índice comumente usado no Distrito Federal, mas varia conforme o Estado) desde os desembolsos e acrescidos de juros moratórios desde a citação. Nesse caso, o consorciado pagou R$ 3.195,50 (igualmente ao anterior) que, acrescido da atualização até o efetivo pagamento pela administradora (R$ 1.096,33)19, chegaria ao valor de R$ 4.291,83. Adicionando-se a esse valor o percentual moratório, que, in casu, seria de 8% (considerando oito meses desde a citação, resultando R$ 343,35), temos que a administradora devolveu ao consorciado desistente o total de R$ 4.635,18, ou seja, numerário maior do que seria devolvido se cumprida a avença consorcial em seus termos, e dois anos antes do fim do grupo. Essa situação ilustra uma ação no juizado especial, sem interposição de recurso, o que, se houvesse, majoraria o valor da condenação, dado o percentual de honorários sucumbenciais e um maior lapso temporal para o efetivo trânsito em julgado. Se a ação tivesse sido movida na justiça comum, pouco importaria ao consorciado o tempo de trâmite da ação, já que, se reinasse a tese da devolução imediata, estaria ele com sua “poupança” em constante variação positiva, o que elevaria os seus valores ainda mais. E quem arca com essa devolução é o fundo comum do grupo de consórcio. Esse foi um claro e prático exemplo de desvirtuamento do sistema de consórcio, transformado em aplicação financeira, haja vista que o consorciado desistente ingressou na justiça com ação de restituição, travestida de investimento. Quanto mais longo for o trâmite processual, mais lucro se obterá, eis que a atualização monetária e os juros legais incidirão até o efetivo pagamento. 19 O cálculo foi efetuado através do site www.drcalc.net. 55 Apenas para melhor ilustrar, a poupança variou em 2008 o percentual de 7,4856%20. A taxa SELIC21 atual é de 8,75%22, ao ano. O consorciado que desiste, além de receber a pecúnia investida atualizada, auferirá 12% ao ano de juros (percentual superior, portanto, à poupança e à taxa SELIC), caso ingresse com a competente ação. Nessa esteira, resta demonstrado o lucrativo negócio que é a desistência da campanha consórtil. Mesmo a afirmativa de que a administradora utiliza os valores do consorciado desistente para fomentar atividade própria é desprovida de razão, pois os valores do fundo comum têm destinação própria, na forma do art. 6º da Circular n. 3.432/09 do BACEN, a saber: “Os recursos dos grupos de consórcio, coletados pela administradora, devem ser obrigatoriamente depositados em banco múltiplo com carteira comercial, banco comercial ou caixa econômica”23. Se a administradora estiver utilizando o dinheiro do grupo para outro fim, deverá ela, mediante denúncia ao BACEN, sofrer as sanções cabíveis. Esta é uma hipótese de vício no serviço prestado pela administradora, que deve responder por perdas e danos causados ao grupo de consórcio (relação administradora-grupo). Quem de fato enriquece com a devolução imediata é o consorciado desistente, como demonstrado, e não a administradora. Mas, por vezes, os adeptos à aplicabilidade do CDC, nesses casos, levantam a bandeira do §2º do art. 53 do citado codex, sustentando que não há motivo para que o consorciado desistente não receba de imediato o que pagou, já que será ele obrigado a arcar com eventuais prejuízos causados ao grupo, desde que a administradora demonstre, efetivamente, a ocorrência de tais danos. Eis a norma: § 2º Nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis, a compensação ou a restituição das parcelas quitadas, na forma deste artigo, terá descontada, além da vantagem econômica auferida com a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo. Esse dispositivo é o comumente chamado de “lei morta”. Em síntese, ele prevê que em se tratando de contrato de consórcio, a devolução do numerário investido terá descontada a vantagem econômica auferida com o bem e os prejuízos que o excluído causar ao grupo. Primeiramente, trataremos do desconto da vantagem econômica auferida com a fruição do bem objeto do consórcio. 20 Segundo o site www.portabrasil.net. Sistema Especial de Liquidação e Custódia. 22 Segundo o site www.bcb.gov.br. 23 Antes, era previsto no art. 4º da Circular n. 2.766/97 do BACEN. 21 56 Júnior (1999, p.548) explica esse parágrafo: “O consumidor consorciado terá direito à devolução das parcelas quitadas, monetariamente atualizadas. Ser-lhe-ão descontadas, entretanto, as vantagens econômicas auferidas com a fruição do bem.” Em que pese o notável saber jurídico dos autores do anteprojeto do CDC, não há que ser descontada qualquer vantagem econômica com a fruição do bem, pois o consorciado desistente não poderá ser um consorciado contemplado, por dois motivos: Primeiro, o consorciado contemplado, em sã razão, não tem o interesse de desistir da empreitada, porquanto já está de posse do bem, o que justifica a sua contraprestação pecuniária. Segundo, a impossibilidade da desistência do consorciado contemplado nasce da própria essência do consórcio, afinal, o que ele faria com o bem? Entregaria ao grupo de consórcio, deixando de pagar as parcelas remanescentes? Isso, por certo, prejudicaria o grupo, pois ele não necessita de bens, mas sim de espécie, para realizar a compra de bens aos integrantes. Então, o consorciado simplesmente deixaria de pagar? Isso não seria desistência, mas sim inadimplência, porquanto deve ele honrar com o saldo devedor, agora vinculado à aquisição material. Portanto, a vantagem econômica que adveio da fruição do bem pertence unicamente ao consorciado, já que é inviável a exclusão, do plano consorcial, daquele que fora contemplado e agora está de posse da coisa. Noutro diapasão, não se concebe, matematicamente, que o consorciado excluído receba os seus valores de volta e ainda arque com os danos resultantes de sua conduta. Mais uma vez utilizemos o primeiro exemplo. Em mais um exemplo, um consorciado, pertencente a grupo de 60 (sessenta) meses de duração com 120 (cento e vinte) participantes, desiste após pagar 5 (cinco) prestações. Dessa forma, a arrecadação do mês será de 190%. Nesse caso, o consorciado causou prejuízo ao grupo no percentual correspondente a 10%, ou seja, 8,3335% de parcelas já pagas e 1,6667% da prestação que deixou de pagar no mês em que desistiu. Se ele arcar com o dano que originou ao grupo, necessariamente terá que abrir mão da devolução, porquanto o dano é exatamente igual ao valor de sua restituição. Destarte, é inegável que o dispositivo do §2º do art. 53 do CDC é um dispositivo sem validade, porque sua aplicabilidade é impossível, à vista da natureza e da sistemática consorcial. Outrossim, ainda que seja cobrado do consorciado percentual referente a fundo de reserva, esse capital não será útil para se impedir eventual prejuízo causado por desistência de 57 consorciado. Isso porque o fundo de reserva é numerário destinado a outros fins que não a cobertura de desistência. Ferreira, F. (1998, p.60) conceitua o fundo de reserva, trazendo a sua finalidade: Fundo de Reserva é uma contribuição [...] aplicada sobre o valor da contribuição mensal cobrada pela administradora dos consorciados participantes dos grupos de consórcios. Servirá para a constituição de um fundo, em que serão depositados a referida contribuição e os rendimentos do próprio fundo. A Circular do BACEN n. 2.196/92, primeira do Banco Central a tratar da matéria, em seu art. 30, previa sua finalidade: Art. 30. Os recursos do fundo de reserva serão utilizados, prioritariamente e na seguinte ordem, para: I – pagamento do prêmio do seguro de quebra de garantia, de acordo com a taxa estabelecida pelo órgão competente; II – Cobertura de eventual insuficiência de receita, nas assembléias gerais ordinárias mensais, de forma a permitir a distribuição por sorteio de, no mínimo, um crédito para compra do bem; III – Cobertura de diferença de prestação, na forma regulamentada no art. 42 deste regulamento; IV – Revogado; V – Contemplação por sorteio de um crédito para aquisição de bem, quando o montante do próprio fundo atingir o equivalente a duas vezes o valor do bem; VI – Cobertura da devolução, aos desistentes e excluídos, observado o disposto no art. 65 deste regulamento24; [...]. Da análise deste dispositivo e da definição concebida pelo ínclito doutrinador, inferese que o fundo de reserva tem diversas funções, mas todas culminando para cobrir eventual dificuldade financeira enfrentada pelo grupo de consórcio. O fundo de reserva é poupança do fundo comum, sendo empregado no momento em que o grupo tem o seu caixa reduzido. O caput do mencionado dispositivo reza que o rol de finalidades desse fundo é taxativo e segue ordem prioritária, sendo que os incisos iniciais prevalecem sobre os demais. Assim, há uma hierarquia de objetivos, sendo que as necessidades mais urgentes são aqueles trazidas pelos incisos na ordem crescente. Nessa esteira, é claro que o fundo destina-se muito mais ao grupo de consórcio do que ao consorciado desistente, eis que seu dinheiro só lhe será restituído, através desta poupança, também ao término do grupo, pois o objetivo dessa reserva de capital é, cabe destacar, proteger o grupo contra eventuais vicissitudes, e não formar economia para pagar determinado consorciado que desista do plano. Isso afrontaria com o espírito do consórcio. A mencionada Circular foi revogada com o advento da Circular n. 2.766/97, que houve por bem deixar a cargo da administradora, caso optasse por cobrar percentual relativo a essa reserva, a identificação de sua finalidade. E as administradoras, no uso desta atribuição, 24 O art. 65 desse regulamento trata da devolução dos valores pagos pelos desistentes e excluídos. 58 destinavam esse recurso, cuja finalidade antológica é de garantir a liquidez do grupo, da mesma forma em que era previsto anteriormente. Com a Circular n. 3.432/09, o BACEN retomou o entendimento anterior, de que era necessário consignar, em regulamento próprio, a função do fundo de reserva. É o que se conclui do art. 14: Art. 14. É facultada a constituição de fundo de reserva, cujos recursos somente podem ser utilizados para: I – cobertura de eventual insuficiência de recursos do fundo comum; II – pagamento de prêmio de seguro para cobertura de inadimplência de prestações de consorciados contemplados; III – pagamento de despesas bancárias de responsabilidade exclusiva do grupo; IV – pagamento de despesas e custos de adoção de medidas judiciais ou extrajudiciais com vistas ao recebimento de crédito do grupo; V – contemplação, por sorteio, desde que não comprometida a utilização do fundo de reserva para as finalidades previstas nos incisos I a IV. Nota-se que em momento algum foram destinados os referidos recursos à restituição de numerário a consorciado desistente. E não poderia ser de outra forma, pois, afinal, não seria justo que os consorciados ativos, que primam pela pontualidade em seus pagamentos e visam a saúde financeira do fundo comum sejam taxados (pague percentual a mais do que normalmente pagam) para cobrir eventual desistência daquele que atrapalhou o bom andamento do grupo. Não é justo que os consorciados adimplentes arquem, para que possa alguém ser contemplado na próxima assembleia, com o desfalque causado por aquele que feriu a isonomia do contrato de consórcio. Por isso, a única destinação a ser dada ao fundo de reserva é a de suprimir possível dificuldade financeira enfrentada pelo grupo, sendo imprestável para a supressão de desfalque do caixa do grupo causado por consorciado desistente. Portanto, na prática, não há a possibilidade de qualquer impedimento de dano ao se devolver, de forma imediata, o numerário investido pelo consorciado, sob pena de se ferir a própria sistemática do consórcio. O grupo, fatalmente, sofrerá prejuízo, se ao consorciado for devolvido o valor investido de forma imediata. O Desembargador NATANAEL CAETANO, do TJDFT, no julgamento da apelação cível 2005.01.1.144266-9, em 12 de abril de 2007, é um dos poucos daquele Egrégio Tribunal que compreendem a nocividade da devolução imediata, ao consignar em seu voto: Como visto, o consórcio é uma forma de poupança popular, onde várias pessoas contribuem, com valores mensais, para a aquisição de um bem específico por todos após determinado período. Assim, conclui-se que, se um ou vários dos consorciados retiram-se do grupo prematuramente, há, presumivelmente, um prejuízo para aqueles que ficam, porque não contarão com os valores necessários para a aquisição do bem almejado. Dessa forma, a restituição precoce das parcelas já pagas pelo consorciado 59 retirante e que, até então, compunham o fundo comum, deverão ser repostas por aqueles que ficaram e honraram com o acordo firmado coletivamente. A meu ver, a forma de devolução das parcelas vertidas pelo consorciado desistente, prevista contratualmente, não se mostra abusiva. Ao contrário, se assim não fosse, estar-se-ia privilegiando o inadimplente que, utilizando-se do consórcio como forma de poupança pessoal, teria seu dinheiro de volta, corrigido monetariamente, em detrimento dos demais que, honrando o pacto coletivo, teriam que ratear os prejuízos deixados por ele. Abusivo seria instituir o benefício a consorciado desistente ou excluído, em detrimento do grupo. Dessa forma, resta demonstrada a nocividade da restituição imediata para os grupos de consórcio, que são os únicos que sofrem com o desvirtuamento do sistema, através de decisões que ignoram a sua história, sua natureza e sua importância como instrumento de progresso social. 5.3 PERSPECTIVAS COM A NOVA LEI DE CONSÓRCIOS Pois bem. Como dito linhas atrás, a grande controvérsia jurídica entre consorciados e administradoras é justamente o momento da devolução dos valores pagos pelo excluído. A esperança era de que, com a nova Lei de Consórcios, cujo projeto tramitou no Congresso Nacional desde 200325, sem mencionar projetos ainda mais antigos que acabaram por serem arquivados, pusesse fim a essa contenda. Entretanto, nesse quesito, ainda que tenha a recente norma modificado as regras anteriores, no que concerne à época da restituição de valores, pouco ajudará a pacificar o entendimento jurisprudencial. Com o advento da Lei n. 11.795/08, a sistemática consorcial foi sensivelmente alterada, principalmente no tocante ao momento da devolução de valores em caso de desistência. O projeto original previa que a restituição da quantia paga pelo excluído seria efetuada mediante sorteio, caso esse já tivesse pago pelo menos cinco parcelas do plano. Em suma, ele participaria da assembléia ordinária e, caso fosse contemplado, receberia o que investiu. Entretanto, na hipótese do consorciado não tiver pago pelo menos cinco prestações, só verá o seu numerário restituído após o término das atividades do grupo. Esse dispositivo visou coibir a desistência tardia, pois, por decorrência lógica e matemática, quanto maior for o numerário despendido pelo participante, maior será o choque de sua devolução no fundo comum, já que, além da pecúnia bruta, será pago também a variação do preço do bem objeto da cota (atualização). Assim, para que o grupo não fosse 25 Projeto de Lei n. 533/03. 60 impactado de forma brusca, o consorciado teria um razoável tempo para decidir se continuaria ou não na empreitada. No entanto, o Ministério da Justiça sugeriu o veto dos dispositivos que assim regulavam a devolução, o que foi acatado pelo Presidente da República. Vale dizer que as razões desse veto são contrárias à natureza do sistema, porque o Código de Defesa do Consumidor só deve regular algumas situações inerentes ao contrato discutido, o que não se aplica ao presente caso. Vejamos a razão do veto: Os §§ 1o, 2o e 3o do art. 30 e os incisos II e III do art. 31 da proposição tratam da devolução dos valores pagos ao participante excluído. A redação do projeto impõe ao excluído do consórcio duas possibilidades para restituição das quantias vertidas: ser contemplado em assembléia ou ser restituído 60 dias após a data da realização da última assembléia. Nesse contexto, os dispositivos citados afrontam diretamente o artigo 51, IV, c/c art. 51, § 1o, III, do Código de Defesa do Consumidor, que estabelecem regra geral proibitória da utilização de cláusula abusiva nos contratos de consumo. Com efeito, embora o consumidor deva arcar com os prejuízos que trouxer ao grupo de consorciados, conforme § 2o do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, mantê-lo privado de receber os valores vertidos até o final do grupo ou até sua contemplação é absolutamente antijurídico e ofende o princípio da boa-fé, que deve prevalecer em qualquer relação contratual. Ademais, a inteligência do Código de Defesa do Consumidor é de coibir a quebra de equivalência contratual e considerar abusiva as cláusulas que colocam o consumidor em „desvantagem exagerada‟, tal como ocorre no caso presente. A devolução das prestações deve ser imediata, sob pena de impor ao consumidor uma longa e injusta espera. Incorreta a justificativa do veto, porquanto não deve ser pautada a restituição das parcelas do consorciado excluído pelo Código de Defesa do Consumidor, como exaustivamente demonstrado. O veto feriu o próprio espírito da Lei, quando esta primou pelo interesse coletivo em face do individual. Todavia, a exegese dos dispositivos da Lei 11.795/08 leva a crer que o veto não modificou, pelo menos substancialmente, a forma de devolução. Isso porque o art. 22 manteve a lógica vetada no art. 29 e parágrafos do art. 30, verbis: “A contemplação é a atribuição ao consorciado do crédito para aquisição de bem ou serviço, bem como para a restituição das parcelas pagas, no caso dos consorciados excluídos, nos termos do art. 30.” Ora, se a contemplação é, além de outra, a atribuição para a restituição de crédito, é porque, necessariamente, o consorciado excluído 26 só terá de volta a sua contribuição quando for contemplado por sorteio. E essa devolução será, obrigatoriamente, na forma do art. 30 da mesma lei. 26 A Lei 11.795/08 não usa mais a expressão “desistente”, e sim “excluído”. 61 O único efeito prático do mencionado veto é que, aqueles que não pagaram até cinco parcelas, inclusive, não terão que aguardar até o fim do grupo, podendo ser contemplado a qualquer momento para ter de volta o capital despendido. Ainda que tenha sido objeto de veto, a lei ainda exprime a natureza jurídica do consórcio, como nenhum outro normativo jamais o fez. A Lei 11.795/08 é tão abrangente e detalhada que mesmo com o veto presidencial, seu espírito, quanto ao momento da restituição, prevaleceu. Mesmo que o grupo de consórcio tenha o seu caixa diminuído quando determinado consorciado desistente for contemplado, impedindo assim que um consorciado ativo o seja, a lei veio conciliar os dois lados, de grupo de consórcio e consorciado excluído (ao contrário dos que pensam que conciliou administradoras e consorciados, pois não é essa relação que provem da restituição imediata). Agora, ao menos, todos os consorciados estão cientes de que poderão deixar de ser contemplados para que o grupo disponibilize numerário para devolução de quantia ao excluído. Justo ou não, com a subscrição do contrato de consórcio, isonômico a todos os integrantes, o consorciado aceita a estipulação, e se declara conhecedor desse possível inconveniente, tendo, por conseguinte, de suportar tal intempérie. Entretanto, no seio do judiciário, talvez a questão ainda demore a ser pacificada. Isso porque aqueles que defendem a legitimidade da devolução imediata se justificam nas leis de consumo. Assim, uma vez que o CDC é norma de ordem pública, com caráter cogente, deverá prevalecer sobre a Lei de Consórcios, mantendo o entendimento da abusividade, agora não pela devolução ao término do grupo, mas pela restituição no momento da contemplação. Talvez a solução para a pacificação dessa problemática seja o estudo e o conhecimento da natureza jurídica do consórcio, bem como de seu histórico, quando se verificará, na forma aqui demonstrada, que nem sempre o Código de Defesa do Consumidor é o codex aplicável às relações consorciais, devendo-se observar, para cada caso concreto, a relação contratual tratada. Todavia, isso é apenas uma especulação, sendo de bom alvitre o aguardo da chegada aos tribunais de casos de devolução provenientes de contratos firmados na vigência da nova lei. Por fim, com segurança pode-se afirmar que a nova Lei de Consórcios contribuiu muito para o entendimento e desenvolvimento do sistema, o qual sai da esfera infra-legal (pois a maior parte de suas normas vinham de circulares) para adentrar à esfera ordinária 62 (agora, a Lei n. 11.795/08 é responsável por dar as diretrizes dos sistema, limitando as circulares do BACEN). 63 6. CONCLUSÃO É manifesta a dissidência jurisprudencial e doutrinária acerca do momento da devolução dos valores pagos pelo consorciado desistente. As duas teses mormente levantadas são por demais fundamentadas, e também dotadas de retórica. Entretanto, assim como todas as questões em direito, é fundamental a análise do instituto estudado, sua história e o momento social em que surgiu, a fim de que se possa, com estas premissas, extrair-se da norma que o rege o motivo dela existir, noutras palavras, dar o seu fundamento de existência, para só então interpretá-la e aplicá-la ao caso concreto. E não poderia ser diferente quanto ao consórcio, esse instituto de progresso social, antiinflacionário (porque capta poupança popular), pensado e desenvolvido para que as pessoas (naturais ou jurídicas) possam adquirir crédito de forma mais barata, como meio alternativo ao crédito oferecido pelas instituições financeiras, conhecidos pelas altas taxas de juros e excessiva burocracia para sua aquisição. Pode-se inferir que o sistema de consórcio nada mais é do que a reunião de pessoas, sejam elas naturais ou jurídicas, que se obrigam a seguir um regulamento isonômico, com vista a aquisição de bens ou serviços mediante esforço comum. Para a reta consecução dessa proposta, de formação de poupança para posterior distribuição igualitária, faz-se necessária, exordialmente, a subscrição de uma cota pelo interessado, que ingressará em grupo administrado por pessoa jurídica habilitada para tanto, através de um instrumento particular denominado contrato de consórcio. Este instrumento de acordo de vontades, referência ao bom andamento da empreitada, tem natureza associativa, ou seja, é firmado por diversas pessoas com objetivo em comum, de aquisição de bens mediante contribuição mensal, sem o que é impossível o sucesso do investimento. Assim, tem-se que, para o atingimento do objetivo do grupo (de distribuição de bens), é preciso que cada consorciado contribua pontualmente, para que não prejudique a contemplação mensal e a saúde financeira do fundo comum. Também, o contrato de consórcio, por ser instrumento multilateral, cria diversas relações jurídicas entre os sujeitos de direito que o compõe, sendo eles a administradora, pessoa jurídica autorizada pelo Banco Central a prestar tais serviços e responsável pela gestão do grupo; o consorciado, pessoa natural ou jurídica que ingressa no grupo, integrando-o, com o fim de adquirir bens ou serviços; e o grupo de consórcio, sujeito de direito a quem a lei 64 confere determinados direitos e deveres, composto pela coletividade (caráter associativo) dos consorciados. Se três são os sujeitos partícipes da avença consorcial, por decorrência lógica três serão os vínculos entre estes sujeitos. Por conseguinte, a relação no contrato de consórcio é tripartite, sendo elas: administradora-consorciado, refletida em toda ligação que diga respeito a prestação de serviço em caráter individual; administradora-grupo, verificada na prestação de serviço coletiva, ou seja, na gestão do grupo; e consorciado-grupo, no que diga respeito apenas aos consorciados entre si, sem interferência ou interesse da administradora. Essa diferenciação é importante para o estudo acerca da legislação a ser aplicada em determinado vínculo do contrato, se civil ou consumerista. Nas relações em que a administradora figure como parte deverá haver a incidência do Código de Defesa do Consumidor, pois ela se encaixará como fornecedora do serviço de gestão, sendo consumidores os consorciados, individual ou coletivamente considerados. Já na hipótese da ligação consorciado-grupo de consórcio, há que ser observada a legislação civil, porque é imprescindível, como anteriormente dito, que os consorciados estejam em posição igualitária, sob pena de se ferir a sistemática consorcial e o equilíbrio do grupo. Com essa diferenciação, aliada ao fato de que a tese da devolução imediata encontra supedâneo nas normas de consumo, é de fácil compreensão a nocividade da devolução imediata das parcelas pagas pelo desistente. Isso porque, em se tratando de restituição instantânea, aquele que deixa o grupo causará prejuízo ao fundo comum, porquanto a retirada de seu numerário importará em queda da arrecadação, tornando nítida que a relação em comento seja consorciado-grupo, o que é suficiente para afastar a aplicação do CDC. A retirada imprevista de numerário do caixa do grupo é sempre negativa, pois ele foi estruturado de acordo com o prazo de duração, sendo que o número de consorciados é proporcional a esse lapso temporal. Se, inadvertidamente, subtrai-se quantia do fundo comum, necessariamente a contemplação do mês seguinte ficará frustrada. Essa questão é bastante controversa nos Tribunais pátrios. O Superior Tribunal de Justiça é pacífico no entendimento da prejudicialidade da retirada imediata. Já no âmbito Estadual, notadamente nos Juizados Especiais, tem-se aceita a tese da devolução imediata, o que vem lesando diversos grupos consortis pelo país. Com a nova Lei de Consórcios (n. 11.795/08), a esperança era de que se pudesse pacificar a matéria. Entretanto, parece que a controvérsia não estará resolvida, pois, no 65 entendimento daqueles que são a favor da devolução imediata, o Código de Defesa do Consumidor, norma cogente, deverá prevalecer em face da referida lei. Todavia, essa é apenas uma especulação, sendo aconselhável o aguardo da chegada aos tribunais de ações de restituição oriundas de contratos firmados na vigência da nova lei, quando então, após o posicionamento da jurisprudência, poderá se elaborar um estudo mais aprofundado sobre a questão da devolução da quantia paga de acordo com os ditames da Lei n. 11.795/08, em sede de pós-graduação. 66 REFERÊNCIAS BANCO CENTRAL DO BRASIL. Circular n. 2.196, de 30 de junho de 1992. Regulamenta a constituição e o funcionamento de grupos de consórcio referenciados em veículos automotores. Brasília, DF, 31 jun. 1992. ______. Circular n. 2.766, de 2 de setembro de 1997. Dispõe sobre a constituição e o funcionamento de grupos de consórcio. Brasília, DF, 2 set. 1997. Disponível em: <https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?method=detalharNormativo&N= 097130256>. Acesso em: 11 out. 2009. ______. Circular n. 3.432, de 3 de fevereiro de 2009. Dispõe sobre a constituição e o funcionamento de grupos de consórcio. Brasília, DF, 3 fev. 2009. Disponível em: <https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?N=109009066&method=detalha rNormativo>. Acesso em: 11 out. 2009. ______. Circular n. 3.433, de 3 de fevereiro de 2009. Dispõe sobre concessão de autorização para funcionamento, transferência de controle societário, cisão, fusão, incorporação, prática de outros atos societários e exercício de cargos em órgãos estatutários ou contratuais em administradoras de consórcio, bem como sobre o cancelamento de autorização para funcionamento e para administração de grupos de consórcio. Brasília, DF, 3 fev. 2009. Disponível em: <https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?N=109009067&method=detalha rNormativo>. Acesso em: 11 out. 2009. BRASIL. Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. 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