PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Direito
A QUESTÃO DA DEVOLUÇÃO DA QUANTIA PAGA
POR CONSORCIADOS DESISTENTES E A NOVA
LEI DE CONSÓRCIOS
Autor: Bruno Rodrigues Teixeira de Lima
Orientadora: Msc. Neide Aparecida Ribeiro
BRUNO RODRIGUES TEIXEIRA DE LIMA
A QUESTÃO DA DEVOLUÇÃO DA QUANTIA PAGA POR CONSORCIADOS
DESISTENTES E A NOVA LEI DE CONSÓRCIOS
Monografia apresentada ao curso de graduação
em Direito da Universidade Católica de
Brasília, como requisito parcial para obtenção
do Título de Bacharel em Direito.
Orientadora: Msc. Neide Aparecida Ribeiro.
Brasília
2009
Dedico esse trabalho à vovô Pilú, que
infelizmente não poderá estar em minha
formatura, mas sempre me incentivou aos
estudos, quando em vida.
AGRADECIMENTO
Agradeço, primeiramente, à meus pais, Lima e Dora, que puderam prover-me de uma
educação de qualidade, num país de milhares de analfabetos, sempre se sacrificando para que
eu estivesse nas melhores instituições de ensino. Também agradeço a meu tio Robson, que,
juntamente com meus pais, contribuiu para o custeio do meu curso, sem o que nem estaria
formando. Ao Dr. Miguel Boulos, com quem aprendi a gostar do ofício da advocacia e,
sobretudo, com quem adquiri boa parte de meus tímidos conhecimentos práticos da profissão.
Por fim, agradeço a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a minha
formação e, de alguma forma, estimularam-me a dar esse primeiro passo em minha carreira.
RESUMO
Referência: LIMA, Bruno Rodrigues Teixeira de. A questão da devolução da quantia paga
por consorciados desistentes e a nova lei de consórcios. 2009. p. 69. Direito-Universidade
Católica de Brasília, Brasília, 2009.
O presente trabalho tem como finalidade discutir as teses mais aceitas (antagônicas) pela
jurisprudência e doutrina sobre o momento da devolução da quantia paga pelo consorciado
que desiste da empreitada consorcial, e, paralelamente, apresentar perspectivas com o advento
da Lei n. 11.795/2008, a nova lei de consórcios, no tocante a essa matéria. Para tanto, estuda a
origem e o desenvolvimento do sistema de aquisição de bens por consórcio no Brasil, bem
como toda a legislação correlata ao cerne da monografia, seja ordinária, seja infra-legal.
Também, discorre sobre o contrato de consórcio, esmiuçando sua natureza jurídica, os entes
que o compõe e as relações que dele são havidas. Noutra linha, esse trabalho discute a
aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nas relações inerentes ao contrato de
consórcio, diferenciando consumidor de consorciado. Por derradeiro, exibe as duas teses
sobre o momento da restituição das parcelas investidas pelo consorciado desistente, cuidando
de todos os argumentos levantados, tanto pró devolução imediata, como defendido pelos
Juizados Especiais Cíveis e boa parte dos Tribunais Estaduais, quanto contra, na pacífica linha
do Superior Tribunal de Justiça, além de fazer um breve comentário sobre as perspectivas de
pacificação dessa lide à guisa da nova lei de consórcios, Lei n. 11.795/2008.
Palavras-chave: Consórcio. Devolução. Parcela. Nova. Lei n. 11.795/2008.
RÉSUMÉ
Le présent document a pour but de discuter les théories les plus acceptées (antagonistes) dans
la jurisprudence et la doctrine sur le point de retourner le montant versé par la partie qui
résilie le contrat construal, et de perspectives également présente, avec l'avènement de la loi
11.795/2008, la nouvelle loi de consortiums, à l'égard de cette question. Par conséquent,
étudie l'origine et le développement de l'acquisition de biens par un consortium au Brésil, et
toute la législation liées au cœur de la monographie, est commun, que ce soit l'infrastructure
juridique. Aussi, examine le contrat de consortium, l'analyse approfondie de leur nature
juridique, les entités qui la composent et la relation qui l'a conduit le sont. Dans une autre
ligne, ce document porte sur l'applicabilité du Code de protection des consommateurs dans les
relations inhérentes au sein du consortium, en différenciant les consommateurs de la
syndication. Pour la dernière, montre les deux thèses sur le remboursement des actions
acquises par l'abandon des parties, en prenant soin de tous les arguments soulevés, à la fois le
retour immédiat Pro, tel que préconisé par les tribunaux civils spéciaux et la plupart des
tribunaux d'État, contre la ligne tranquille la Cour supérieure de justice, et faire un bref
commentaire sur les perspectives d'accord de paix par le biais de la nouvelle loi des
associations de la loi 11.795/2008.
Mots-clés: Consortium. Retour. Plot. Nouveau. Droit 11.795/2008.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................9
2 O SISTEMA DE CONSÓRCIO.........................................................................................12
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O SISTEMA DE CONSÓRCIO........................12
2.2 ORIGEM.............................................................................................................................13
2.3 HISTÓRICO.......................................................................................................................14
2.4 CONCEITO........................................................................................................................16
3 DO CONTRATO DE CONSÓRCIO.................................................................................19
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS...........................................................................................19
3.2 DA NATUREZA ASSOCIATIVA.....................................................................................19
3.3 DAS RELAÇÕES QUE SURGEM COM O PACTO CONSORCIAL.............................22
3.3.1 Dos sujeitos de direito que compõem as relações no contrato de consórcio.............22
3.3.2 Da relação tripartite.......................................................................................................25
3.4 CLASSIFICAÇÃO.............................................................................................................27
4 DA APLICABILIDADE DO CDC NOS CONTRATOS DE CONSÓRCIO.................29
4.1 CONCEITO DE CONSUMIDOR......................................................................................29
4.2 DA RELAÇÃO DE CONSUMO........................................................................................33
4.3 CONCEITO DE CONSORCIADO....................................................................................34
4.4 DA DIFERENÇA ENTRE CONSUMIDOR E CONSORCIADO....................................35
5 DO MOMENTO DA DEVOLUÇÃO.................................................................................39
5.1 DA TESE DA DEVOLUÇÃO IMEDIATA.......................................................................39
5.2 DA NOCIVIDADE DA DEVOLUÇÃO IMEDIATA.......................................................47
5.2.1 Considerações iniciais....................................................................................................47
5.2.2 Da inaplicabilidade do CDC nos casos de devolução de parcelas e da isonomia dos
consorciados.............................................................................................................................48
5.2.3 Dos prejuízos advindos da restituição imediata..........................................................50
5.3 PERSPECTIVAS COM A NOVA LEI DE CONSÓRCIOS..............................................59
6 CONCLUSÃO......................................................................................................................63
REFERÊNCIAS......................................................................................................................66
9
1. INTRODUÇÃO
A justiça brasileira está, perceptivelmente, abarrotada de inúmeros processos que
ocupam um significativo espaço físico e tempo de trabalho dos servidores engajados em sua
solução, sejam Escrivães, Oficiais de Justiça, Juízes, etc. A cada dia, diversas demandas são
ajuizadas e, face aos reiterados pedidos, os tribunais se tornam mais lentos.
A observação desse fenômeno leva a inferir que boa parte dos processos são
provenientes de um problema antigo, oriundo de administradoras de consórcios e
consorciados, que discutem o momento da devolução da quantia paga por esse último, quando
de sua desistência.
As administradoras sustentam que a devolução imediata é altamente prejudicial ao
grupo consórtil do qual fazia parte o consorciado, já que é desistente. Este, por sua vez, não
está disposto a aguardar um longo tempo para ter restituído o seu dinheiro, investido durante
tal empreitada.
Os entendimentos emanados pelos Tribunais ainda permanecem conflituosos; não
obstante já perceber-se certa inclinação do STJ (Superior Tribunal de Justiça) em favor das
administradoras, os colegiados estaduais mantêm acesa a discussão. Todavia, o que mais
chama atenção é o posicionamento dos Juizados Especiais, reflexo do enunciado n. 109 do
FONAJE1, firmando que “é abusiva a cláusula que prevê a devolução das parcelas pagas à
administradora de consórcio somente após o encerramento do grupo”.
E é essa contradição que será aqui tratada, à luz do entendimento doutrinário e
jurisprudencial, com a demonstração e análise sistemática das duas teses, as quais serão
amplamente fundamentadas.
O presente trabalho analisará a tese da nocividade da retirada imediata de numerário
do fundo comum do grupo consorcial e a tese da retenção abusiva, por parte da
administradora, dos valores pagos pelo consorciado desistente até o término das atividades do
grupo. Por fim, será feita uma breve perspectiva dessa questão sob o prisma da nova Lei de
Consórcios, Lei n. 11.795/2008, já que trouxe, em seu bojo, mudanças significativas acerca
dessa problemática.
Para tanto, será tratado o conceito de consórcio, bem como seu surgimento e
evolução ao longo da história, para melhor conhecer-se a sua essência associativa, a sua
finalidade e a sua importância para a economia brasileira.
1
Fórum Nacional dos Juizados Especiais.
10
Também será esmiuçado o contrato de consórcio, avença de natureza multilateral
associativa, de fundamental importância para o conhecimento da natureza jurídica do
consórcio e das relações dele ensejadas.
Superada essa fase, apresentar-se-á as situações em que se deve aplicar o CDC
(Código de Defesa do Consumidor) no pacto consorcial, com o objetivo de analisar em quais
relações, surgidas com o contrato de consórcio, deve-se, de fato, aplicar os ditames
consumeristas.
Em seguida, após a explanação da tese sustentada pelos Juizados, e por aqueles que a
corroboram, no sentido de ser abusiva a retenção da quantia do consorciado desistente até o
término do grupo, será demonstrada a teoria do efetivo prejuízo causado ao grupo de
consórcio que é obrigado a devolver, imediatamente, os valores pagos pelo consorciado
desistente, teoria essa defendida pelas administradoras e mantida pelo STJ. Concomitante a
isso, trar-se-á uma perspectiva dessa questão com o advento da nova Lei que normatiza o
sistema, quando, por último, será apresentada a conclusão da comparação das duas teses e da
perspectiva com a nova Lei de Consórcios (n.11.795/08).
A discussão sobre esse tema se justifica pela diária batalha entre consorciados e
administradoras, que debatem, no judiciário, o momento em que se deve dar a devolução de
numerário do elemento que desistiu da campanha, terminando por entupir suas prateleiras e
atrasando o julgamento de tantas outras demandas, ante a falta de pacificação do assunto.
Além disso, há a necessidade de se firmar posição sólida acerca de uma questão que
há muito vem atormentando administradoras e consorciados, haja vista a carência de
posicionamento seguro sobre o momento da devolução da quantia paga pelo desistente.
Noutra linha, visa também aprofundar o conhecimento sobre o sistema de consórcio,
tema pouco tratado pela doutrina nacional, notadamente sua natureza jurídica, que, por vezes,
é confundida com a de outros institutos, tal qual o financiamento.
Outrossim, vislumbra-se a relevância da matéria posta em comento, além das razões
aqui sustentadas, pelo fato de que são quase 20.000 (vinte mil) grupos de consórcio em
andamento hoje no país, segundo dados do Banco Central do Brasil2.
A metodologia adotada para a realização da pesquisa do tema dessa monografia foi a
empírica, pois partiu-se da análise da origem histórica do sistema de consórcios, bem como
seu desenvolvimento e impacto na sociedade ao longo dos tempos, culminando com as
2
Disponível em: http://www.bcb.gov.br/FIS/Consorcios/Port/est2009/01/Resumo.pdf
11
posições jurisprudenciais mantidas pelos Tribunais pátrios, bem como entendimentos
doutrinários.
Quanto aos métodos, em geral, foi aplicado foi o analítico, a fim de examinar todos
os aspectos da problemática, as especificidades das teses apresentadas, suas falhas e seu
conteúdo lógico. No primeiro capítulo, entretanto, também é adotado o método histórico, com
o fito de examinar o desenvolvimento do consórcio, sua natureza jurídica e seu objetivo, de
forma a possibilitar o conhecimento do todo e melhor apreciação das duas teses. Por fim, no
último capítulo, foi aplicado o método dedutivo, pois, para o tratamento das teses, partiu-se da
idéia geral desenvolvida nos capítulos anteriores para os entendimentos mantidos pelos
colegiados nacionais.
A estruturação do presente trabalho se dá em quatro partes: Na primeira, será
explanado o conceito de consórcio e seu histórico; A segunda consiste detalhar o contrato de
consórcio, explanando suas características; A terceira parte será dedicada às situações em que
se deve aplicar o Código de Defesa do Consumidor nesse tipo de contrato; e, por fim, serão
analisadas as teses sobre o momento da devolução das parcelas integralizadas pelo
consorciado excluído e feita uma perspectiva futura sobre a questão, a guisa da nova Lei que
rege o sistema.
12
2. O SISTEMA DE CONSÓRCIO
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O SISTEMA DE CONSÓRCIO
Antes de se adentrar à matéria posta em comento, faz-se mister esclarecer alguns
pontos sobre o sistema de consórcios. Nos dias de hoje, a informação é divulgada numa
velocidade nunca antes vista, eis que os acessos aos canais de conhecimento estão cada vez
mais democráticos, o que torna a busca mais fácil e de maior conteúdo.
Entretanto, no que tange ao consórcio, muitas são as dúvidas acerca de sua natureza.
Doutrinadores, como Gama (2003), são incertos quanto à sua essência, o que termina por
desvirtuar esse sistema tão significativo na economia brasileira.
Talvez o sistema seja ignorado pelo fato de não estar presente na maioria das nações
mundiais, já que é típico de países de terceiro mundo, principalmente da América Latina, pela
sua viabilidade econômica em face aos exorbitantes juros cobrados pelas instituições
financeiras nessas nações. Em países onde os juros bancários são baixos, tais como Estados
Unidos da América, Inglaterra, Japão e etc., o consórcio não poderia ser levado a efeito, pois a
diferença de preço do crédito não compensaria o possível tempo de espera para sua
disponibilização, como no caso do consórcio. No financiamento, o crédito é oferecido de
forma imediata, bastando apenas o mutuário comprovar sua capacidade financeira de honrar
com o compromisso. Entretanto, esse pronto atendimento tem um custo elevado em
economias emergentes, os juros, não tão expressivos em países desenvolvidos, ante o menor
risco de inadimplência e maior oferta de crédito.
No consórcio, o numerário só estará disponível se o consorciado for contemplado em
assembleia, vale dizer, se for sorteado ou seu lance for o mais alto (na forma prevista na Lei n.
11.795/2008; anteriormente a essa norma, na Circular n. 2.766/97 do Banco Central do
Brasil). Nessa modalidade de aquisição, o custo do dinheiro é apenas a taxa de administração
embutida na contribuição mensal, não havendo juros. Esse é o principal atrativo do consórcio,
certo de que a referida taxa é menos dispendiosa do que os juros.
Atribui-se também o desconhecimento do tema à falta de divulgação ampla. Os
bancos, apesar da maioria oferecer o produto consórcio, não têm interesse em popularizá-lo,
porquanto o financiamento se mostra muito mais lucrativo. Em geral, o consórcio é oferecido
por empresas administradoras de capacidade econômica por demais inferior à dos bancos.
Assim, elas não possuem capital tal qual as instituições financeiras para divulgar e massificar
o consórcio, o que, diga-se de passagem, é muito cômodo aos banqueiros, pois o consórcio se
13
mostra como uma alternativa eficaz contra crises econômicas, quando o custo do dinheiro se
eleva.
Tal desconhecimento acerca do consórcio gera preconceito, pois o sistema, além da
já explanada falta de divulgação, foi vítima de administradoras inescrupulosas que lesaram
diversos consorciados no passado (esse histórico será discutido em seção própria), justamente
pelo fato deles não compreenderem o conhecimento técnico do instituto.
Esse preconceito é o que mais vitima o consórcio, que acaba por sustentar crassas
críticas por aqueles que sequer conhecem a sua história, desenvolvimento, e importância
consolidada na economia do país.
E dessa forma permanece o consórcio, uma ilha de dúvidas e pesadas críticas dos que
temem o seu desenvolvimento ou já foram lesados por administradoras irresponsáveis. Muito
já se avançou, mas sua essência ainda permanece incógnita pela maioria dos juristas e,
principalmente, dos brasileiros.
2.2 ORIGEM
Holtz (1988, p.35) afirma que alguns pesquisadores indicam que o consórcio teve sua
origem na China e no Japão milenares, através de seus antigos sistemas de poupança. Outros,
continua, vêem seu início em alguns países da Europa do século XIX. Contudo, ele deixa de
especificar quem são os historiadores responsáveis por essas teorias, bem como não indica a
data precisa, deixando dúvidas sobre o surgimento desse instituto.
Todavia, Ferreira, F. (1998, p.21-30) conta, de forma mais ampla e detalhada, a
história do sistema de consórcios. Esse instituto criado no Brasil ( na forma como é conhecido
hoje) remonta ao início da década de 50, segundo o autor. Nessa época, no governo de
Juscelino Kubitschek, o país passava por um momento de grande expansão industrial, graças
ao plano de metas. Acompanhando esse crescimento, a indústria automobilística, até então
inexpressiva, apresentava sinais de sua existência.
Entretanto, por decorrência da construção de Brasília, surgiu uma forte onda
inflacionária no Brasil, o que ensejou a redução drástica de crédito e a paralisação na venda de
bens de consumo duráveis.
Na década de 60, o governo promoveu sensíveis reformas estruturais, que permitiram
o equacionamento da inflação de demanda, direcionando os investimentos na indústria de
base, o que mais tarde culminaria no “milagre econômico”.
14
Nessa época, era escasso o crédito ao consumidor, pois os poucos bancos
direcionavam seus capitais às referidas indústrias. Assim, diante da necessidade de circular a
produção de automóveis e de os consumidores os adquirirem, surgiu o sistema de consórcios.
Certeza não há quanto ao seu criador, mas têm-se aceita a tese de que funcionários
do Banco do Brasil, através da AABB (Associação Atlética do Banco do Brasil), em 1962,
formaram os primeiros grupos de consórcio, para aquisição de automóveis.
Há quem diga ainda que os primeiros grupos foram formados por operários das
indústrias da região metropolitana de São Paulo, mas não se tem certeza. De qualquer sorte,
precursora ou não, a AABB, de certo, foi responsável pela disseminação do consórcio, através
de suas inúmeras associações por todo o país.
2.3 HISTÓRICO
Com a falta de normas que o regulamentasse, continua Ferreira, F. (1998, p.21-30) o
consórcio cresceu desordenadamente. O poder criativo de mentes maléficas, à escassez de
legislação, ludibriou e lesou inúmeros consorciados, motivo pelo qual, cabe frisar, o sistema é
desacreditado por muita gente até os dias de hoje.
Empresários inescrupulosos utilizavam o fundo comum do grupo consórtil para
fomentar alguma atividade extra que exerciam, geralmente a venda de veículos. Diante da má
gestão, o negócio sucumbia, e os consorciados amargavam a perda de uma poupança formada
por um longo lapso de tempo.
Em 1967, o Governo Militar, através do Banco Central, expediu a Resolução n. 67,
de 21 de setembro. Entretanto, tal normativo foi insuficiente perante a onde de calotes
generalizados, eis que muito vago.
Foi quando então o Poder Público percebeu que era urgente a necessidade de se
regulamentar o consórcio, promulgando a primeira Lei realmente significante para o sistema,
a n. 5.768 de 20 de dezembro de 1971.
A partir desta data todo o sistema de consórcios dependeria de prévia autorização do
Ministério da Fazenda para funcionar, e as administradoras deveriam provar sua capacidade
financeira, econômica e gerencial, além de apresentar estudos da viabilidade econômica do
projeto.
Mas a lei não era suficiente. Então, a fim de pormenorizar a aplicação do dispositivo
legal, o Poder Executivo lançou o Decreto n. 70.951 de 9 de agosto de 1972, que estabeleceu
algumas regras técnicas sobre o funcionamento do instituto.
15
Essa regulamentação da atividade expandiu o consórcio como nunca antes visto,
mormente por estar passando o país pela época do denominado “milagre econômico”. Foi
nesse período que o consórcio passou a ser conhecido internacionalmente, sendo copiado por
países de terceiro mundo, principalmente da América Latina.
Esse crescimento do sistema foi observado até 1982, quando uma grave crise
financeira acometeu os países de terceiro mundo, motivada pela alta do petróleo no mercado
internacional. O enfraquecimento da economia levou as pessoas a cortarem os gastos
considerados supérfluos, assim considerado o consórcio.
Diante desse retrocesso, o Governo pôs em prática um plano econômico para
estabilização da economia, conhecido como “Plano Cruzado”. Essa iniciativa estatal fez com
que o sistema de consórcios obtivesse em 1986 seu maior crescimento já registrado.
Entretanto, a indústria não acompanhou a expansão do sistema, pelo que vários
consorciados contemplados, ou seja, com suas cartas de crédito disponíveis para a aquisição
do bem da vida, tiveram que aguardar, em extensas filas, para recebem o objeto do consórcio.
Tal demora motivou, novamente, a descrença no sistema, corroborada com a onda
inflacionária que corroia a moeda corrente, mitigando drasticamente o poder de compra das
cartas de crédito (overnight)3. Assim, era necessária a cobrança do rateio do reajuste de caixa,
para que não houvesse perda do poder de compra, o que por demais encareceu as prestações.
Com o fracasso do “Plano Cruzado”, o governo editou várias normas para fomentar a
atividade, dentre as quais a autorização de aquisição de bens imóveis pelo consórcio.
Prosseguindo nessa tentativa de melhorar o sistema, foi editada a Portaria n. 190/89, do
Ministério da Fazenda. Referido dispositivo trouxe novas regras que dinamizaram o sistema,
delimitando os direitos e deveres de consorciados e administradoras.
Todavia, a incredulidade no consórcio extrapolou-o, atingindo a confiança no poder
público em fiscalizá-lo e normatizá-lo. Dessa feita, em virtude de várias reclamações, o
governo federal promulgou a Lei n. 8.177 de 1º de março de 1991.
A referida norma transferiu o controle do sistema de consórcio, do Ministério da
Fazenda, para o Banco Central do Brasil, que, após um período de observação e conhecimento
do funcionamento prático, passou a efetuar uma rigorosa fiscalização em todas as
administradoras, culminando em várias liquidações extrajudiciais, quando não apenas
suspendiam as empresas de constituírem novos grupos.
3
Aqui faz-se menção à diferença inflacionária que atingia, de um dia para o outro, a moeda nacional. Ao
dinheiro que era atribuído certo valor, no dia imediatamente posterior o seu valor era minorado, ante os expurgos
inflacionários.
16
Várias circulares foram expedidas, o que aumentou ainda mais a pressão
fiscalizadora nas administradoras. Estas empresas começaram a ser “equiparadas às
instituições financeiras”, eis que foi determinada a utilização do plano de contas das IF 4,
denominado COSIF5.
A mais importante circular expedida foi a 2.766/97, que detalhou a constituição e o
funcionamento dos grupos de consórcio, trazendo a espécie de serviços turísticos, nova
modalidade de aquisição.
A essa época o consórcio já era consolidado na economia do país, conhecido e
divulgado, o que minimizou, aliado ao controle inflexível do BACEN 6, a ação de fraudadores,
conferindo maior credibilidade ao sistema.
Hoje, a grande batalha é contra o desvirtuamento do sistema, ignorado, por vezes, em
sua essência, qual seja, a de autofinanciamento e cooperação na consecução do objetivo.
Contudo, a nova Lei de Consórcio, n. 11.795/2008, veio pacificar a natureza jurídica
do instituto, na medida em que, em sua primeira seção, conceitua consórcio, grupo de
consórcio, consorciado e administradora de consórcio, tornando o entendimento sobre
consórcio bastante elucidativo.
Presentemente, a referida Lei é regulamentada pelas Circulares 3432 e 3433, todas de
2009, do Banco Central do Brasil.
2.4 CONCEITO
Para que se possa analisar a natureza jurídica desse instituto, há que se conceituá-lo
primeiramente. A palavra consórcio vem de consortiu, expressão de origem latina, que
significa associação, ligação, união, segundo Ferreira, A. (2006).
A primeira definição legal atribuída a consórcio veio da expedição da portaria n.
190/89, do Ministério da Fazenda, por atribuição do Decreto n. 70.951/72, normativo esse que
regulamentou a Lei n. 5.768/71, norma pioneira acerca do tema.
Assim definiu consórcio a referida portaria: “Consórcio é a união de diversas pessoas
físicas ou jurídicas, com o objetivo de formar poupança, mediante esforço comum, com a
finalidade exclusiva de adquirir bens móveis duráveis, por meio de autofinanciamento.”
4
Instituição Financeira.
Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional.
6
Banco Central do Brasil.
5
17
Com o advento da Lei n. 8.177/91, as atribuições de regulamentação, fiscalização e
autorização no âmbito do sistema de consórcio passou a ser exercida pelo Banco Central, que,
no uso dessa faculdade, expediu a Circular n. 2.766/97, redefinindo o consórcio, a saber:
Art. 1º - Consórcio é uma reunião de pessoas físicas e/ou jurídicas, em grupo
fechado, promovida pela administradora, com a finalidade de propiciar a seus
integrantes a aquisição de bem, conjunto de bens ou serviço turístico por meio de
autofinanciamento.
Observem que o Banco Central ampliou o objeto do consórcio, ao substituir a
expressão “... com a finalidade exclusiva de adquirir bens móveis duráveis...”, consignada no
dispositivo antigo, por “... com a finalidade de propiciar a seus integrantes a aquisição de
bens, conjunto de bens ou serviço turístico...”.
Dessa forma, incluíram-se no rol bens imóveis e serviços turísticos. Além disso, esse
conceito limita a administração do sistema por entes devidamente autorizados, quais sejam, as
administradoras.
O recente normativo do sistema de consórcios, Lei n. 11.795/08, expande ainda mais
o conceito anterior, além de imprimir ao instituto um caráter mais equitativo, embora não
precisasse, pois é da natureza do consórcio a igualdade entre seus integrantes, vejamos:
Art. 2º - Consórcio é a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo
de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por
administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de
forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento.
Agora o consórcio pode ter como objeto, além de bens imóveis e móveis, serviços de
qualquer natureza, o que era, anteriormente, limitado a serviços turísticos.
A doutrina também empreendeu-se em conceituar consórcio. Holtz (apud
FERREIRA, 1998, p.17-18) definiu-o como:
Uma operação de captação de poupança popular entre um determinado grupo
fechado de pessoas, com a finalidade de aquisição de bens. Basicamente, consiste na
reunião de um determinado número de pessoas, que efetuam uma contribuição
mensal ajustada, durante um tempo certo, com o objetivo de adquirir um
determinado bem por todos os integrantes deste grupo, utilizando para esse fim o
resultado da contribuição de todos. As pessoas se reúnem e têm como objetivo
primordial ajudarem-se mutuamente, numa comunhão de interesses. Aderem a um
regulamento coletivo, multilateral, através de contrato, assumindo os mesmo direitos
e contraindo as mesmas obrigações. Consórcio é uma forma de poupança
programada, pois cada participante poupa uma determinada importância, igual para
todos, com um objetivo comum. A famosa frase do livro de Alexandre Dumas, Os
Três Mosqueteiros, um por todos e todos por um, resume de forma bastante objetiva
o Sistema de Consórcio. Concluindo, consórcio é a união de diversas pessoas físicas
ou jurídicas, com o objetivo de formar poupança, mediante esforço comum, com a
finalidade exclusiva de adquirir bens por meio de autofinanciamento.
Esse conceito exprime muito mais a natureza associativa, de mútua cooperação entre
os consorciados, do que a tecnicidade do instituto.
18
Ferreira, F. (1998, p.19), de forma mais ampla e metódica, conceituou o consórcio
como sendo:
O agrupamento de um determinado número de pessoas, físicas ou jurídicas, aderindo
a um regulamento coletivo e multilateral, assumindo as mesmas obrigações e
visando aos mesmos benefícios, administrado por empresas legalmente autorizadas
pelo Poder Público, com a finalidade exclusiva de angariar recursos mensais para
formar poupança, mediante esforço comum, visando à aquisição de bens móveis,
imóveis e serviços.
A insigne doutrinadora Diniz (1996, p.199) ensina que:
Consórcio é uma forma associativa de pessoas, que se reúnem para obter um capital
ou coleta de popança para adquirir, mediante pagamento de contribuições mensais,
idêntica espécie de bens imóveis ou móveis duráveis em quantidade equivalente ao
número de integrantes do grupo, por meio de auto-financiamento, utilizando sistema
combinado de sorteios e lances, ficando o montante sob fiscalização bancária.
Rizzardo (2006, p.1279), em época atual, assim conceituou o sistema de aquisição de
bens por consórcio:
[...] é a formação de agrupamento de pessoas, que se reúnem para constituição de
um capital determinado, com vistas à aquisição de idêntica espécie de bens, em uma
quantidade equivalente ao número de integrantes do grupo. [...] contribuem com
valores que, somados, são suficientes para aquisição de um ou mais bens, os quais
serão sorteados em épocas predeterminadas, entre os participantes. [...] visando,
senão a um autofinanciamento [...] pelo sistema combinado de sorteios e lances.
Num modo mais simples, mas sem ignorar a idéia primordial, tem-se que consórcio é
um sistema de captação de poupança popular, antiinflacionário (porquanto a concessão dos
créditos, culminado com a compra dos bens, se dá paulatinamente), típico de países em
ascensão, destinado a aquisição de bens ou serviços, por pessoas, naturais ou jurídicas, que se
reúnem e se obrigam a cumprir um normativo isonômico, essencial à consecução do fim
comum por todos.
19
3 DO CONTRATO DE CONSÓRCIO
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Ainda é necessário, para que se penetre propriamente à matéria posta em discussão,
que se conceitue e caracterize o contrato de consórcio, visto que é instrumento possuidor de
peculiaridades por vezes ignoradas, o que não deve medrar.
O contrato de consórcio é conceituado e regulamentado no capítulo II, da Sessão III,
da Lei 11.795/08. Cabe frisar que a Lei não precisou caracterizar a natureza jurídica do
contrato de consórcio, pois tal conceito emana da própria essência do pacto social, do caráter
associativo da avença, que é diferente dos contratos sinalagmáticos, conforme restará
demonstrado.
A legislação cível em vigor seria suficiente para dar a mesma exegese dispensada
pelo conceito emanado da nova Lei de consórcios. Entretanto, precisou o legislador positivar
a definição de contrato de consórcio para que não restassem dúvidas quanto a sua natureza.
Assim é definido o contrato de consórcio:
Art. 10 – O contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, é o
instrumento plurilateral de natureza associativa cujo escopo é a constituição de
fundo pecuniário para as finalidades previstas no art. 2º.
§1º - O contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, criará vínculos
obrigacionais entre os consorciados, e destes com a administradora, para
proporcionar a todos igual condição de acesso ao mercado de consumo de bens ou
serviços.
De uma análise perfunctória do mencionado dispositivo legal, vislumbram-se duas
características principais acerca do contrato de consórcio, quais sejam, a do caput e a do
parágrafo 1º.
Noutras palavras, é possível perceber o aspecto societário do consórcio, que agrega
pessoas para um fim específico. Também, dada a natureza associativa, verifica-se os diversos
relacionamentos gerados pela avença. Abaixo, serão discutidas essas questões.
3.2 DA NATUREZA ASSOCIATIVA
A primeira, disposta na cabeça do art. 10º da Lei n. 11.795/08, é a que consigna tal
contrato como negócio jurídico multilateral, ou seja, existem mais de duas partes compondoo, não com o fim de se contraporem as obrigações, como nos contratos bilaterais, mas de se
20
associarem para o atingimento de um objetivo comum, tal qual nos contratos sociais e
estatutos de pessoas jurídicas.
Dessa forma, em outras palavras, o contrato de participação em grupo de consórcio
tem natureza associativa, agregatória, vale dizer, nas palavras de De Paulo (2002, p.48),
quando discorre sobre associação, “qualquer iniciativa formal ou informal que reúne pessoas
físicas ou outras sociedades jurídicas com objetivos comuns visando superar dificuldades e
gerar benefícios para os seus associados”.
Nessa linha, a avença consorcial supera os meros interesses individuais, sendo
sobrepostos pelo interesse coletivo, que nada mais é senão a saúde financeira do grupo, para a
obtenção dos bens perseguidos.
É o que reza a parte final do caput do artigo. O fim do contrato de consórcio é a
formação de um fundo comum (natureza de poupança popular) para propiciar, nos ditames do
art. 2º da mesma Lei, “a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou
serviços, por meio de autofinanciamento”.
Foi esse o pensamento de Comparato (apud DANIEL, 2007), ao emitir parecer
acerca do tema, a saber:
O consórcio de aquisição de bens é uma modalidade negocial recente, estruturada
como contrato plurilateral associativo. Em matéria de contratos plurilaterais, só
conhecíamos, até há pouco tempo, as sociedades e associações. Surgiram depois os
seguros grupais, os consórcios de empresas (Lei nº 6.404, de 1976, arts. 278 e 279),
os acordos de acionistas (mesma Lei, art. 118) e os consórcios de aquisição de bens.
A estrutura dos contratos plurilaterais, cuja análise foi feita pioneiramente por Tullio
Ascarelli, em artigo doutrinário publicado no Brasil, distingui-se da dos contratos
bilaterais em geral, pelo fato de que a relação contratual dos primeiros pode
comportar mais de duas partes; a rigor, um número indefinido de partes. Ademais
distinguem-se, mais especificamente, os contratos plurilaterais dos bilaterais
sinalagmáticos, porque, enquanto nestes as partes se contrapõem uma à outra na
troca de prestações (do ut des), perseguindo portanto, cada qual, o seu próprio
interesse, na relação plurilateral as partes perseguem uma finalidade ou interesse
comum, formando, por conseguinte, um grupo associado.
No consórcio de aquisição de bens móveis, as partes contribuem em dinheiro para
formação de um fundo comum, de onde saem os recursos para atribuição individual
dos bens entre os consorciados, por meio de lances ou sorteio. O grupo consorciado
pode ser administrado pelos seus próprios membros ou, o que quase sempre
acontece, por meio de uma empresa administradora para tanto contratada.
O professor Theodoro Júnior (apud FERREIRA, F., 1998, p.18), em parecer emitido
acerca do tema, assim definiu o contrato de consórcio:
O consórcio é uma figura contratual nova que tem por objetivo a associação de
consumidores para conjugar recursos destinados à aquisição de bens da mesma
espécie em quantidade equivalente aos consorciados. Os recursos são coletados
periodicamente e vão sendo aplicados paulatinamente na compra dos bens sorteados
entre os diversos participantes. É, pois, uma forma de sociedade civil de caráter
transitório. Sua essência reside na conjunção de esforços e recursos dos diversos
associados para que se adquiram os bens visados, um para cada consorciado. De
maneira que, quando contemplado o último deles, o contrato se exaure, mas
21
enquanto tal não se der, todos permanecem vinculados às atribuições necessárias
para atingir a meta comum. Não se trata, portanto, de contrato especulativo, pois os
consorciados não visam a atos lucrativos, e simplesmente se solidarizam no esforço
de propiciar reciprocamente igual oportunidade de compra.
Entretanto, há que se consignar que, embora seja associativa a natureza do contrato
em comento, conforme amplamente demonstrado, pode-se verificar certo sinalagma nessa
avença.
Isso porque o contrato não é firmado apenas entre os consorciados. Há um terceiro
que é fundamental para a constituição do grupo e que é o grande responsável por sua
existência, já que capta os contratantes: A administradora de consórcio.
Quanto a este terceiro sujeito não há que se falar em natureza associativa, porquanto
ela é fornecedora de um serviço, qual seja, de administração do grupo. A administradora não
faz parte do grupo de consórcio, que é formado pelos aderentes interessados em adquirir os
bens.
Ao contrário, a intenção da administradora é de tão somente obter o lucro, daí a
inviabilidade, por decorrência lógica, de sua participação no colegiado, e a oposição de
interesses entre ela e os consorciados.
Note-se que, nesse caso, há o sinalagma, onde, nas palavras de Diniz (2003, p.83),
“cada um dos contratantes é simultânea e reciprocamente credor e devedor do outro, pois
produz direitos e deveres para ambos, tendo como característica principal (...) a dependência
recíproca de obrigações”.
Assim, percebe-se certo sinalagma no contrato de consórcio, quando se leva em
consideração a administradora. Ora, e não poderia ser diferente, pois a administradora gere as
finanças do grupo, emite os boletos, realiza as assembléias, cobra os inadimplentes, em fim,
realiza tudo para a saudável consecução da finalidade do grupo.
Em contrapartida, o consorciado, e o grupo de consórcio como um todo, se obriga a
compensar essa contraprestação, através de pecúnia, representada pela taxa de administração
incidente na parcela mensal.
Dessa forma, quando a lei trata o contrato de consórcio como avença multilateral
associativa, esse último termo só é valido para os consorciados entre si, haja vista a
necessidade de se ter um normativo isonômico entre eles, pois, afinal, todos têm o mesmo
objetivo, devendo, portanto, serem considerados de igual forma.
Contudo, em relação à administradora de consórcio, o contrato deve ser tomado
como sinalagmático, visto que não há isonomia entre administradora e grupo, mas sim
interesses contrapostos. Uma parte visa o lucro, a outra a gestão eficaz do grupo.
22
Esse entendimento restará mais claro quando forem esmiuçadas as relações inerentes
ao pacto consorcial, que será tratada a seguir.
3.3 DAS RELAÇÕES QUE SURGEM COM O PACTO CONSORCIAL
3.3.1 Dos sujeitos de direito que compõem as relações no contrato de consórcio.
A segunda característica desse tipo de contrato, encontrada no §1º do art. 10 da Lei
11.795/08, é a de criação de vários vínculos obrigacionais, ou seja, várias relações jurídicas
entre os entes que compõem a avença, quais sejam: Consorciados e administradora.
Isso decorre da própria lógica verificada na seção acima. Afinal, admite-se que o
contrato de consórcio seja multilateral, associativo entre os consorciados e sinalagmático em
relação à administradora e ao grupo. Assim, de igual forma, tem-se que ele produz diversas
relações jurídicas, que devem ser tratadas de forma distinta, para que o aplicador do Direito
identifique a seara na qual ela deva estar inserida, se consumerista ou cível.
Para tanto, há que se identificar os personagens que formam a avença consorcial, de
forma detalhada, para só então debater-se acerca das relações nela geradas.
Primeiramente, tem-se a administradora de consórcio, que nada mais é senão a
pessoa jurídica de direito privado incumbida da administração dos recursos do fundo comum
do grupo de consórcio, sendo responsável também, nos ditames do art. 3º, §1º, da Lei n.
11.795/08, pela representação, ativa ou passiva, em juízo ou fora dele, na defesa dos direitos e
interesses coletivamente considerados.
A norma anteriormente citada traz, em seu bojo, o conceito de administradora de
consórcio, em seu art. 5º, verbis:
A administradora de consórcios é a pessoa jurídica prestadora de serviços com
objeto social principal voltado à administração de grupos de consórcio, constituída
sob a forma de sociedade limitada ou sociedade anônima, nos termo do art. 7º, inciso
I.
Assim sendo, a administradora de consórcio, na qualidade de pessoa jurídica capaz
de gozar de direitos e contrair obrigações, é um ente singular que figura no contrato de
consórcio.
Pois bem. Sobre o consorciado, a Lei de consórcios (n. 11.795/08) trouxe sua
definição, em seu art. 4º. Vejamos: “Consorciado é pessoa natural ou jurídica que integra o
grupo e assume a obrigação de contribuir para o cumprimento integral de seus objetivos,
observado o disposto no art. 2º”.
23
Não se detalhará tanto esse conceito nesse momento, pois ele será tratado em
capítulo específico. Nessa seção, basta saber que consorciado é uma pessoa, natural ou
jurídica, portanto sujeito de direito, que integra a relação consorcial, na forma da supracitada
Lei.
Igualmente à administradora, o consorciado é pessoa capaz de assumir direitos e
contrair obrigações, pois, da mesma forma, é ente singular que, por decorrência lógica, figura
no contrato de consórcio.
Por fim, ainda deve-se apresentar outro componente do contrato de consórcio, que
talvez passe despercebido, mas sua identificação é primordial para o estudo das teses que
serão apresentadas. Discutir-se-á sobre o grupo de consórcio, ou seja, a soma dos
consorciados.
Da mesma forma que os consorciados, a Lei n. 11.795/08 define grupo de consórcio,
que é “uma sociedade não personificada constituída por consorciados para os fins
estabelecidos no art. 2º”. Sob outro prisma, o grupo de consórcio é a coletividade dos
consorciados, a soma de todos que contribuem, mensalmente, para o alcance do fim
pretendido.
Entretanto, surge dúvida quanto à passagem “grupo de consórcio é uma sociedade
não personificada”, inserida no dispositivo supramencionado. Como pode o grupo de
consórcio ser parte no contrato de consórcio se é um ente despersonificado?
E a resposta, de fato, é tortuosa, visto que percebe-se na doutrina nacional uma
equivalência entre “pessoa” e “sujeito de direito”, à exemplo dos manuais de parte geral de
Direito Civil de Diniz (2007, p.113) e Lofuto (2002, p.92). Vejamos o que dizem esses
autores:
Para Maria Helena Diniz: „pessoa‟ é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e
obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito.
Para Renan Lofuto: A teoria tradicional identifica sujeito de direito com pessoa. O
Código Civil adota o conceito de pessoa.
Essa concepção de “pessoa” como “sujeito de direito” remonta à Savigny, segundo
Leonardo (2007, p.4), numa visão individualista do que seriam os entes, ou simplesmente o
ente (pessoa natural), capaz de assumir direitos e contrair obrigações, a saber:
Todo o direito é decorrência da liberdade moral inerente a cada homem. [...] A idéia
primitiva de pessoa, ou seja, de sujeito de direito, deve coincidir com a idéia de
homem, e a identidade primitiva desses dois conceitos pode-se formular nos
seguintes termos: cada indivíduo e, o indivíduo apenas, detém capacidade de direito.
Todavia, o mencionado autor faz crítica a esse pensamento desatualizado, embora
proveniente de um dos mais consagrados juristas da história:
24
[...] pessoa, sujeito de direito e capacidade referenciam fatos jurídicos diferentes,
com efeitos jurídicos igualmente diferentes. Essa distinção, por sua vez, atende a
específicas necessidades de um ordenamento jurídico e de uma ciência do direito
num contexto muito distante daquele no qual Savigny escreveu, com uma
complexidade técnica e uma diversidade de valores absorvidos pelo ordenamento
jurídico que denunciam a insuficiência de uma acrítica reprodução do pensamento
pandectista do século XIX na doutrina brasileira do século XXI.
Ora, não se pode ignorar que o ordenamento jurídico cível pátrio atual foi
corroborado pelo pensamento de Leonardo (2007), pois contemplou a existência de entes, a
contra sensu da particularização exacerbada de Savigny, que são capazes de contrair certas
obrigações e assumir determinados direitos, sem que necessariamente sejam pessoas.
Vejamos:
Ao lado do que se entende (com certo consenso) o que vem a ser pessoa jurídica,
por diversas vezes, o ordenamento jurídico atribui direitos e obrigações e, por
conseqüência, reconhece capacidade a entes considerados despersonalizados. Citese, por exemplo, a massa falida, a herança jacente, a sociedade irregular e o
condomínio edilício. Um expressivo exemplo disso pode ser verificado, em direito
brasileiro, no artigo 12 do Código de Processo Civil28. Ora, se a massa falida tem
capacidade processual (e, portanto, é titular de uma capacidade, ainda que especial),
seria ela considerada pessoa? Seria ela considerada um sujeito de direito? Marcos
Bernardes de Mello conclui ser equivocado denominar como “pessoa” a massa
falida, o condomínio edilício ou a sociedade irregular, ainda que esses entes sejam
titulares de alguns direitos e deveres e, sobretudo, investidos na capacidade para ser
parte, por força do art. 12 do Código de Processo Civil. Para tanto, o Professor da
Universidade Federal de Alagoas, reconhece que “os ordenamentos jurídicos,
excepcionalmente, atribuem a quem não é pessoa posições no mundo jurídico que,
em geral, se consubstanciam em direitos”. Essa razão, por si só, justificaria
logicamente uma diferenciação entre o conceito de pessoa e o conceito de sujeito de
direito. Para solucionar essa imprecisão, o autor homenageado conclui que, no
ordenamento jurídico “há mais sujeitos de direito do que pessoas”, pois, enquanto a
atribuição da qualidade de pessoa ocorre em número fechado – apenas para quem
assim é reconhecido pelo ordenamento jurídico –, a qualificação de sujeito de direito
seria aplicável a todo e qualquer ente titular dalguma situação jurídica ativa ou
passiva, por mais elementar que seja, a despeito de não se verificar, em direito
positivo, qualquer expressa qualificação desse ente como sujeito de direito. A
originalidade e precisão da construção teórica desse autor justifica a transcrição de
seu pensamento: “Sujeito de direito é todo ente, seja grupo de pessoas, sejam
universalidades patrimoniais, a que o ordenamento jurídico atribui capacidade
jurídica (=capacidade de direito) e que, por isso, detém titularidade de posição
como termo, ativo ou passivo, em relação jurídica de direito material (= ser titular de
direito ou de dever, de pretensão ou de obrigação, de ação ou situação de acionado,
de exceção ou de situação de excetuado) ou de direito formal (= ser autor, réu,
embargante, opoente, assistente ou, apenas, recorrente), ou, mais amplamente, de
alguma situação jurídica. Ser sujeito de direito, portanto, é ser titular de uma
situação jurídica (lato sensu), seja como termo de relação jurídica, seja como
detentor de uma simples posição no mundo jurídico”. O termo sujeito de direito,
portanto, restaria desligado do conceito de pessoa em direito e, assim, liberto da
ideologia impregnada no pensamento pandectista que influenciou a construção do
direito civil no século XIX, XX e XXI. A expressão sujeito de direito designaria,
apenas e tão-somente, um suporte para atribuição de situações jurídicas (direitos e
obrigações em sentido amplíssimo). Justamente por ser um conceito mais abstrato
do que pessoa, por sujeito de direito poder-se-ia abranger um número maior de
situações do que aquelas referenciadas pelo conceito de “pessoa”.
25
Assim, não se pode ignorar que, ainda que nem todo sujeito de direito seja pessoa, a
ele é atribuído os direitos e deveres que a norma prevê. O sujeito de direito, como ente legal
que é, não pode ser isolado de sua existência fático-jurídica. Ao contrário, deve-lhe ser
dispensada a especial atenção que a Lei lhe confere.
E não foi outro o entendimento de Coelho (2007, p.112):
Sujeito de direito e pessoa não são conceitos sinônimos. Antes, sujeito de direito é
gênero do qual pessoa é espécie. Todos os centros subjetivos de referência de direito
ou dever, vale dizer, tudo aquilo que a ordem jurídica reputa apto a ser titular de
direito ou devedor de prestação, é chamado de sujeito de direito. Ora, isto inclui
determinadas entidades que não são consideradas pessoas, tais a massa falida, o
condomínio horizontal, o nascituro, o espólio etc. Estas entidades,
despersonalizadas, compõem juntamente com as pessoas o universo dos sujeitos de
direito. O que distingue o sujeito de direito despersonalizado do personalizado é o
regime jurídico a que ele está submetido, em termos de autorização genérica para a
prática dos atos jurídicos. Enquanto as pessoas estão autorizadas a praticar todos os
atos jurídicos a que não estejam expressamente proibidas, os sujeitos de direito
despersonalizados só poderão praticar os atos a que estejam, explicitamente,
autorizados pelo direito.
É o caso do grupo de consórcio. Ainda que a Lei n. 11.795/08 qualifique-o como
sociedade não personificada, a mesma Lei, em seu art. 3º, §3º, dita que “o grupo de consórcio
é autônomo em relação aos demais e possui patrimônio próprio, que não se confunde com o
de outro grupo, nem com o da própria administradora”.
Ora, se a lei diz que é autônomo e possui patrimônio próprio, é porque a lei quis que
o grupo fosse um ente diverso dos demais que compõem a avença consorcial. E como tal,
deve ser considerado por sua individualidade, ainda que seja uma coletividade.
E não poderia ser diferente, pois o grupo de consórcio, na medida em que é o
conjunto de consorciados, possui interesse próprio, qual seja, de salutar constituição e
desenvolvimento, para que todos que o integram possam adquirir os bens comprados com o
seu patrimônio.
Dessa forma, é essencial que seja considerado de per si, pois o consorciado,
individualmente estimado, tem interesse diverso, por vezes, do grupo do qual faz parte.
A administradora, o consorciado e o grupo de consórcio são, nas relações jurídicas
inerentes ao contrato de consórcio, sujeitos de direito distintos. Portanto, são entes que devem
ser vistos singularmente, e analisadas as suas relações, no tocante ao contrato, da mesma
forma.
3.3.2 Da relação tripartite.
26
Superada a delineação dos sujeitos de direito que integram o pacto de consórcio, será
detalhada as relações entre esses entes.
Se o contrato de participação em grupo de consórcio cria vínculos (e o plural não é
por acaso) entre os consorciados e destes com a administradora, de que maneira essa conexão
se dá? Como identificá-las?
Por decorrência lógica, se três são os personagens que compõem o contrato em
comento, certamente três também serão as ligações, as conexões, as relações ensejadas pela
composição, sendo, portanto tripartite.
Abaixo, colaciona-se esquema que, de forma simplificada, ilustra estrutura de
vinculação entre os entes do contrato de participação em grupo de consórcio, a saber:
ADMINISTRADORA
CONSORCIADO
GRUPO DE CONSÓRCIO
Figura 1 – Estruturação dos sujeitos que compõem o contrato de consórcio
Dessa forma, é possível vislumbrar três relações jurídicas distintas no contrato de
consórcio, representadas no esquema acima por cada um dos lados do triângulo, entre os três
entes que firmam o pacto consorcial: “administradora – consorciado”, “administradora –
grupo de consórcio” e “consorciado – grupo de consórcio”.
Cabe frisar que o esquema acima não intenciona colocar a administradora em
situação superior, visto que se encontra no vértice, mas apenas ilustra uma relação de três
arestas, sem que haja hierarquia entre elas.
Essa diferenciação é de extrema importância para se denotar em qual seara do direito
estará, determinada relação, inserida; se nos ditames cíveis (relação de caráter civil) ou
consumeristas (relação de consumo).
A primeira relação apontada, “administradora – consorciado”, verifica-se na medida
em que a administradora é responsável, desde as negociações preliminares à adesão do oblato,
a informar o consorciado sobre todas as nuances do sistema de consórcio. Ainda, deve a
27
empresa manter o consorciado cientificado sobre as assembléias, contemplações, saldo de
caixa do grupo, sendo responsável também por envio de boletos, ou seja, tudo aquilo que seja
inerente à prestação do serviço a título individual. Em contrapartida, o consorciado tem o
dever de adimplir com a taxa de administração, própria dos serviços prestados pela
administradora.
Todos os fatos jurídicos que dizem respeito à administradora e ao consorciado, desde
que não guardem correlação com o grupo, entram nessa classificação.
Outro vínculo existente no contrato de consórcio é o “administradora – grupo de
consórcio”. Essa hipótese traduz-se na responsabilidade da administradora, como gestora dos
interesses do grupo, de zelar pela sua saúde financeira, sobrepondo o interesse coletivo sobre
o individual, além de representá-lo, ativa ou passivamente, seja em esfera judicial ou
extrajudicial, na defesa da coletividade e na execução do contrato em si.
Deve a administradora tomar as decisões mais favoráveis ao grupo de consórcio, sob
pena de responder por seus atos, reflexo do risco do negócio. Esse vínculo traduz-se pela
responsabilidade da administradora para com a coletividade de consorciados.
Em suma, tudo o que diz respeito ao conjunto de consorciados, considerado para esse
fim como ente individual (sujeito de direito) e a administradora, se encaixa nesse arranjo.
E, por derradeiro, a relação “consorciado – grupo de consórcio”, demonstrada pela
responsabilidade do consorciado de cumprir com suas obrigações, para que possam todos os
integrantes da “associação” obterem suas aspirações.
Nessa categoria se encontra a relação de união, de conjunção entre os integrantes do
grupo. Não se leva em consideração a administradora, pois se trata de relação exterior à sua
existência, pois ela não é considerada, já que apenas diz respeito ao grupo isonômico. Esse
vínculo se restringe a tudo o que tenha ligação entre o consorciado e o grupo. A essência
cooperativista aqui, e somente aqui, se exterioriza.
Nota-se que, em determinado momento, tais relações podem se confundir, pois a
linha que os diferencia é por demais tênue. Como exemplo, pode-se citar a inadimplência do
consorciado, que acaba por atingir o patrimônio do grupo (consorciado – grupo de consórcio)
e, também, da administradora (consorciado – administradora), eis que na parcela está
embutida a taxa de administração.
3.4 CLASSIFICAÇÃO.
28
Assim, expostas as peculiaridades do contrato de consórcio, ter-se-á subsídios
suficientes para caracterizá-lo, o que não seria demais, mesmo apresentadas as especificidades
principais dessa espécie de avença.
O contrato de consórcio é multilateral associativo, modalidade introduzida pela
legislação que o previu (Lei n. 11.795/08), pois é composto de três sujeitos de direito
distintos, com interesses próprios e, em certas ocasiões, condescendentes, o que termina por
agregar esses entes.
É oneroso, porquanto as partes sofrem sacrifício patrimonial para o alcance da
contraprestação. A administradora gere o grupo, enquanto os consorciados (e a própria
coletividade considerada) paga uma taxa de administração.
É comutativo, haja vista que as partes exigem, uma da outra, prestação equivalente
imediata, sem que seja condicionada a risco futuro e incerto.
É por adesão, visto que o contrato é redigido nos exatos termos previstos na
legislação (Lei n. 11.795/08 e Circular n. 3.432/09 do BACEN), onde os consorciados devem
aceitá-lo sem a possibilidade de discutir suas cláusulas.
É solene, pois a lei prescreve forma especial para a sua celebração (nos normativos
citados no parágrafo anterior).
É nominado, pois a lei determinou o seu nomen juris, disciplinando-o.
É de execução continuada, porquanto a sua prestação se dá ao longo do tempo, ou
seja, até a efetiva entrega dos bens a todos os consorciados (e recebimento de parcelas
atrasadas dos inadimplentes).
E, por derradeiro, o contrato de consórcio é principal, pois existe de per si, sendo
acessórios os contratos de alienação fiduciária (quando da contemplação, para garantir as
parcelas vincendas), tanto de bens móveis quanto de bens imóveis.
Essas são as principais características do pacto consorcial. Para a presente
monografia, basta que se firme o entendimento acercada natureza jurídica desse contrato, os
sujeitos que o firmam e as relações que dele surgem.
Com essas premissas, será de fácil compreensão qualquer outra questão ligada a
consórcio, dado que sempre deve-se levar em consideração que se trata de tipo contratual
diferenciado, pois a lei só contempla contratos similares a esse, mas com alguns pontos
diversificados.
29
4 DA APLICABILIDADE DO CDC NOS CONTRATOS DE CONSÓRCIO
4.1 CONCEITO DE CONSUMIDOR
É de fundamental importância delinear as diferenças entre “consumidor” e
“consorciado”, quando será explanado em quais situações deve o código de defesa do
consumidor nortear as relações inerentes ao contrato de consórcio, para só então superar a
questão do momento da devolução dos valores pagos pelo consorciado desistente.
Assim sendo, conceituemos, primeiramente, “consumidor”. Reza o art. 2º do Código
de Defesa do Consumidor que:
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou
serviço como destinatário final. Ainda, em seu parágrafo único, estipula que
equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que
haja intervindo nas relações de consumo.
Sidou (1977, p.2) afirma que “consumidor é qualquer pessoa, natural ou jurídica, que
contrata, para sua utilização, a aquisição de mercadoria ou prestação de serviço,
independentemente do modo de manifestação da vontade”.
Reparem que esse conceito é muito anterior ao Código de Defesa do Consumidor,
que foi promulgado no ano de 1990. Porém, Sidou (1977) já estabelecia as bases da definição
de “consumidor” como a conhecemos hoje. A essência desse conceito ainda permanece,
conforme se verá.
Marques (1995, p.141) apresenta, na conceituação abaixo, uma visão restrita do
conceito de consumidor, à luz da teoria finalista ou minimalista da relação de consumo, a
saber:
Para os finalistas, pioneiros do consumerismo, a definição de consumidor é o pilar
que sustenta a tutela especial, agora concedida aos consumidores. Esta tutela só
existe porque o consumidor é a parte vulnerável nas relações contratuais no
mercado, como afirma o próprio CDC no art. 4º, inc. I. Logo, convém delimitar
claramente quem merece esta tutela e quem não a necessita, quem é o consumidor e
quem não é. Porém, então, que se interprete a expressão „destinatário final‟ do art. 2º
de maneira restrita, como requerem os princípios básicos do CDC, expostos nos arts.
4º e 6º. Essa interpretação restringe a figura do consumidor àquele que adquire
(utiliza) um produto para uso próprio e de sua família; consumidor seria o não
profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade
que é mais vulnerável.
30
O eminente Desembargador JAMES EDUARDO OLIVEIRA, do Egrégio Tribunal
de Justiça e dos Territórios, quando do julgamento da apelação cível n. 2004.07.1.008412-5,
em 23 de maio de 2007, assim definiu consumidor, à maneira finalista:
Segundo dispõe o art. 2º da Lei 8.078/90, “consumidor é toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. A partir
desse preceito legal, pode-se afirmar que o elemento teleológico da relação de
consumo traduz a exigência de que o produto ou o serviço, ao ser utilizado pelo
consumidor, seja recolhido do mercado de consumo de maneira definitiva para a
satisfação de uma necessidade própria. E isso não ocorre quando o produto ou o
serviço serve à criação ou formulação de outros produtos ou serviços, ou seja,
quando é reintrojetado no mercado de consumo, ainda que de maneira embutida ou
com outras características. [...] O Código de Defesa do Consumidor, ao delimitar o
conceito de consumidor com manifesta preferência pela teoria finalista, não permite
a expansão dos seus domínios normativos a situações ou relações jurídicas de
natureza empresarial [...] À luz desse contexto normativo e levando em conta que o
automóvel segurado integrava o estabelecimento comercial da apelante, forçoso
concluir que esta não pode ser considerada consumidora para o fim de atrair a
incidência da Lei 8.078/90.
Já o ilustre professor Comparato (1974, p.90-91), em conflito com a definição
anterior de consumidor, mesmo antes da promulgação do Diploma Consumerista, adotava a
teoria maximalista, interpretando o que hoje é o dispositivo do art. 2º do CDC de forma mais
ampla:
O consumidor é, pois, de modo geral aquele que se submete ao poder de controle
dos titulares de bens de produção, isto é, os empresários. É claro que todo produtor,
em maior ou menor medida, depende por sua vez de outros empresários como
fornecedores de insumos e financiadores, por exemplo, para exercer sua atividade
produtiva; e nesse sentido é também consumidor. Quando se fala, no entanto, em
proteção do consumidor, quer-se referir ao indivíduo ou grupo de indivíduos, os
quais, ainda que empresários, se apresentam no mercado como simples adquirentes
ou usuários de serviços, sem ligação com sua atividade própria. A recente Lei Sueca
de 1973, sobre vendas ao consumidor, define este último como `pessoa privada que
compra e um comerciante uma mercadoria principalmente destinada a seu uso
privado, e que, é vendida no quadro da atividade profissional ou comerciante'. É
nessa perspectiva que faz sentido em falar-se em proteção ao consumidor.
E esse é o conceito que está prevalecendo no entendimento do Egrégio Superior
Tribunal de Justiça. Esse colegiado tem interpretado o art. 2º do Código de Defesa do
Consumidor segundo essa teoria, refletida na conceituação de Comparato (1974), que
empresta uma hermenêutica mais ampla ao dispositivo, incluindo os chamados
“consumidores profissionais”, a exemplo dos julgados no CC 41.056/SP, AgRg 807.159/SP e
REsp. 1025472/SP, onde sustenta o Ministro Relator, FRANCISCO FALCÃO:
De acordo com o conceito de consumidor expresso no artigo 2º do Código de Defesa
do Consumidor, esse seria "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza
produto ou serviço como destinatário final". À luz da referida conceituação, a
recorrente, que se constituiu em empresa, em cujo imóvel funcionam diversos
serviços, como médicos, hospitalares, laboratoriais, ambulatoriais, clínicos e
correlatos, não apresenta qualquer característica de empreendimento em que haja a
produção de produtos a serem comercializados. Na verdade, o que se observa é que
seu empreendimento está voltado para a prestação de serviços, sendo certo que a
31
água fornecida ao imóvel da recorrente é utilizada para a manutenção dos serviços e
do próprio funcionamento do prédio, como é o caso do imóvel particular, em que a
água fornecida é utilizada para consumo das pessoas que nelas moram, bem como
para manutenção da residência. Desse modo, pelo tipo de atividade desenvolvida
pela ora recorrente, percebe-se que ela não utiliza a água como produto a ser
integrado em qualquer processo de produção, transformação ou comercialização de
outro produto, mas apenas para uso próprio. Nesse sentido, sendo a recorrente
destinatária final da água, esta se encontra inserida no conceito de consumidor e
submetida à relação de consumo, devendo, portanto, ser observados os ditames do
Código de Defesa do Consumidor e, em especial, o artigo 42, parágrafo único, da
Lei 8.078/90, o qual estabelece que: "o consumidor cobrado em quantia indevida
tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em
excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano
justificável”.
Nesse diapasão, consigna ainda Marques (1995, p.103), quando discorre sobre essa
linha de pensamento:
A definição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensivamente possível, segundo
esta corrente (maximalista), para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um
número cada vez maior de relações de mercado. Consideram que a definição do art.
2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não
fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final
seria o destinatário fático do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o
consome; por exemplo, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte
dos visitantes.
Todavia, não apenas a abrangência do termo “destinatário final” é importante para se
estabelecer a definição de consumidor, matéria exaustivamente tratada nas teorias acima
apresentadas, maximalista e finalista da relação de consumo. O próprio CDC, ainda que não
diretamente, estabelece outra premissa. Vejamos o art. 4º, I, da Lei n. 8.078/90:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e
segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de
vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os
seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
Assim, se o Estado deve reconhecer a vulnerabilidade do consumidor frente ao
mercado, seja ela econômica (quando o fornecedor se sobrepõe ao consumidor pelo seu
capital), técnica (quando o fornecedor, detentor do know how do seu negócio, se sobrepõe ao
consumidor) ou jurídica (quando o fornecedor se cerca de toda precaução para conferir
segurança jurídica em seu negócio), é porque, por decorrência lógica, o consumidor, aos olhos
Estatais, é hipossuficiente em relação ao fornecedor.
Isso se dá porque o consumidor, porquanto não é detentor de capital e/ou
conhecimento técnico sobre o produto ou serviço, termina por posicionar-se, na relação de
consumo, em patamar inferior ao fornecedor (esse relacionamento será tratada em tópico
específico), que é melhor blindado para as vicissitudes que porventura ocorram.
32
E não é outro o pensamento de Nunes (2000, p.106), a saber:
O consumidor é a parte fraca da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza, essa
fragilidade, é real, concreta, e decorre de dois aspectos: um de ordem técnica e outro
de cunho econômico. O primeiro está ligado aos meios de produção, cujo
conhecimento é monopólio do fornecedor. E quando se fala em meios de produção
não se está apenas referindo aos aspectos técnicos e administrativos para a
fabricação de produtos e prestação de serviços que o fornecedor detém, mas também
ao elemento fundamental da decisão: é o fornecedor que escolhe o que, quando e de
que maneira produzir, de sorte que o consumidor está à mercê daquilo que é
produzido.
Lopes (2006, 27-28), em brilhante dissertação sobre o tema, doutrina que:
É observada a vulnerabilidade do consumidor em nível mundial, porém, a questão
toma uma dimensão ainda maior em relação ao consumidor brasileiro cuja cultura e
tradição o torna mais frágil, pelo que a intervenção do Estado Brasileiro se torna
necessária. A atuação dos monopólios e oligopólios na relação consumerista, em
regra não favorece o consumidor, tornando-o vulnerável e hipossuficiente,
considerando também que sua fragilidade decorre de vários aspectos. O consumidor
está cercado por uma publicidade crescente e muitas vezes enganosa, o que causa
um desequilíbrio em razão do consumidor não estar tão organizado quanto os
fornecedores. Daí porque, toda e qualquer legislação de proteção ao consumidor
busca por primeiro a mesma razão do direito, ou seja, a disposição de reequilibrar a
relação de consumo com práticas proibitivas ou limitativas de atuação de mercado.
Portanto, é fundamental que seja a pessoa, para que identifique-se como
consumidora, vulnerável em relação ao mercado de consumo, podendo essa vulnerabilidade,
como já demonstrado, exibir-se de diversas formas, seja econômica, técnica ou jurídica,
feições essas normalmente apresentadas pela melhor doutrina.
Ainda, o parágrafo único do art. 2º do CDC equipara a consumidor a coletividade de
pessoas que intervêm na relação de consumo, ainda que indeterminada. Isso reflete na
intenção do Manual em abarcar o maior número possível de pessoas com o seu manto
protetor.
E mais; o CDC procura propiciar a determinado grupo de consumidores mecanismos
de proteção para a coletividade individualizada, também vulnerável ao mercado, de modo a
evitar inúmeras reclamações por um mesmo fato que atingiu diversas pessoas.
Filomeno (1999, p.35) ensina que:
Dessa forma, além dos aspectos já tratados em passos anteriores, o que se tem em
mira no parágrafo 2º do Código do Consumidor é a universalidade, conjunto de
consumidores de produtos ou serviços, ou mesmo grupo, classe ou categoria deles,
e desde que relacionados a um determinado produto ou serviço, perspectiva essa
extremamente relevante e realista, porquanto é natural que se previna, por exemplo,
o consumo de produtos ou serviços perigosos ou então nocivos, beneficiando-se,
assim, abstratamente as referidas universalidades e categorias de potenciais
consumidores. Ou, então, se já provocado o dano efetivo pelo consumo de tais
produtos ou serviços, o que se pretende é conferir à universalidade ou grupo de
consumidores os devidos instrumentos jurídico-processuais para que possam obter a
justa e mais completa possível reparação dos responsáveis [...].
33
Essa noção de coletividade fica mais clara quando se leva em conta os interesses
difusos e os interesses individuais homogêneos. Os primeiros são amparados no art. 81, I, do
Código do Consumidor, que são “assim entendidos [...] os transindividuais, de natureza
indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de
fato.”. Os segundos, inseridos no art. 81, III, também do CDC, são aqueles interesses
individuais tratados de forma coletiva, ou seja, os lesados podem, dada a ocasião, ajuizar
ações independentes ou um única coletiva (litisconsórcio ativo voluntário).
De qualquer sorte, insta consignar que não se pretende aqui discutir a melhor ou mais
correta definição de consumidor, à guisa das teorias maximalista e minimalista da relação de
consumo. Apenas objetiva-se ilustrar as diversas visões sobre o termo, para se extrair um
ponto em comum entre elas.
Com esses conceitos, pode-se concluir que será consumidora toda pessoa, física ou
jurídica, ou a coletividade delas, ainda que indeterminada, que adquire bens de consumo, e
não bens de capital, e que esteja em situação vulnerável em relação ao fornecedor. Noutras
palavras, deve haver um desequilíbrio entre o consumidor do bem, (bem esse que não deve ser
utilizado em sua atividade fim, de acordo com posição majoritária), e o fornecedor.
4.2 DA RELAÇÃO DE CONSUMO
É importante consignar-se sobre o que vem a ser relação de consumo, pois a
incidência do CDC muda drasticamente a situação fática negocial, visto que há um
desequilíbrio entre as partes, o que, em tese, não ocorre na relação cível, onde os entes estão
em igualdade de condições.
Sabendo o que é consumidor, torna-se de fácil compreensão a noção de relação de
consumo. Ora, se consumidor é toda pessoa que adquire ou utiliza produto ou serviço, ainda
temos duas perguntas a serem respondidas: O que são produto e serviço? E o mais importante,
de quem o consumidor os adquire?
O próprio Código Consumeirista, didático que é, responde a essas indagações. Os §§
1º e 2º, do art. 3º, traz os conceitos de produto e serviço, verbis:
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante
remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária,
salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
O caput do mencionado dispositivo define fornecedor, verbis:
34
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de
produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Com essas informações, é de simples compreensão a relação de consumo. Pra que
haja a indigitada ligação, deve-se ter, primeiramente, dois pólos, quais sejam, o consumidor,
ente já amplamente discutido, e o fornecedor, aquele de quem o consumidor adquirirá o
produto ou o serviço, na forma dos §§ 1º e 2º, do art. 3º, do CDC.
Ainda, deve-se observar a vulnerabilidade desse consumidor em face ao fornecedor,
que é, dente outras coisas, aquele que detém o capital, a técnica (know how), ou ambos, de sua
atividade econômica.
Dessarte, a relação de consumo é relação jurídica que se dá, necessariamente, com
um consumidor, pessoa vulnerável ao mercado, que adquire um produto ou serviço de um
fornecedor, pessoa que desenvolve atividade negocial de concessão desse produto ou serviço.
Por decorrência lógica, insta frisar, é imprescindível a presença dos dois entes,
consumidor e fornecedor, para que exista a relação de consumo. Ainda, deve-se
obrigatoriamente ter o elo que liga esses dois sujeitos, ou seja, o produto ou serviço objeto do
negócio jurídico regido pelo CDC.
Sem qualquer desses elementos, é inconcebível a relação de consumo, já que a Lei é
taxativa em seus requisitos. A falta de algum dos elementos enunciados acima pode ensejar
qualquer relação, seja jurídica ou apenas fática, menos relação de consumo.
4.3 CONCEITO DE CONSORCIADO
Superado o conceito de consumidor, com uma breve explanação sobre relação de
consumo, será delineado o conceito de “consorciado”, o que não exigirá tanta minúcia, já que
pelo exposto anteriormente é possível se extrair essa definição.
Segundo a nova Lei de Consórcios, em seu art. 4º, “consorciado é a pessoa natural ou
jurídica que integra o grupo e assume a obrigação de contribuir para o cumprimento integral
de seus objetivos, observado o disposto no art. 2º”.
Silva (2007), analisando vários conceitos atribuídos a consórcio, concluiu que:
Pode-se definir o consorciado como toda pessoa física ou jurídica que une-se em
grupo fechado, com comunhão de interesses que, através de contribuições mensais,
em dinheiro, formam um fundo comum (poupança), caracterizando assim um
autofinanciamento, para a aquisição de bem móvel, imóvel e serviços, até que todos
os integrantes do grupo receba o bem objetivado.
35
Nessa linha, temos que “consorciado” é pessoa que agrega o grupo de consórcio e,
como tal, para que possa alcançar o fim proposto pelo contrato de consórcio e o objetivo de
existência do próprio grupo, deve assumir a obrigação de cumprir integralmente a avença
consorcial, pois é imprescindível que todos os componentes do conglomerado estejam em
igualdade de condições.
Consorciado é aquele que aderiu ao grupo de consórcio, compondo-o portanto, haja
vista que este é a coletividade daqueles, obrigando-se, em igualdade de condições com os
outros de sua espécie, a fomentar a atividade consorcial, a contribuir, mensalmente, para com
o fundo comum, de onde virão os recursos destinados ao pagamento do bem daquele
contemplado.
Por derradeiro, consorciado é aquele que diminui o seu patrimônio em prol do grupo
de consórcio (esse, por sua vez, majorará o patrimônio do consorciado), visando promover
sua saúde financeira para que possa, em seu tempo, entregar os bens àqueles que forem
sorteados. Ele é a célula que constitui o órgão denominado grupo de consórcio.
Esse é o conceito que se desenvolve da análise do art. 4º da Lei 11.795/08,
combinado com o dispositivo do art. 2º da mesma Lei, o que, aliás, é sugerido pela parte final
do primeiro normativo.
4.4 DA DIFERENÇA ENTRE “CONSUMIDOR” E “CONSORCIADO”
Fazendo um comparativo entre os conceitos de “consumidor” e “consorciado”, como
o leitor já pode perceber, infere-se que há um conflito entre eles. “Consumidor” e
“consorciado” são dois entes inseridos em situações totalmente diversas.
De um lado, temos o consumidor, pessoa ou coletividade delas, hipossuficientes em
relação ao fornecedor, aquele de quem o consumidor adquire produto ou serviço, vulnerável,
por não controlar a produção de bens ou serviços ou por não possuir o conhecimento técnico
acerca de sua comercialização.
Em suma, consumidor é aquele que se relaciona com o fornecedor em nítido
desequilíbrio contratual, não necessariamente abusivo, mas por decorrência de sua
hipossuficiência econômica, técnica ou jurídica.
De outro, o consorciado, pessoa que se une com outras para o atingimento de um fim
comum; que se obriga, de modo isonômico, a contribuir para a consecução de um objetivo,
sem o que se torna impossível tal resultado. Aquele que integra um conglomerado de outros
iguais a si, formando uma sociedade não personificada e com objetivos próprios.
36
Destarte, não há similitude entre esses entes, ou seja, é evidente aos olhos mais
dispersos que ao consumidor deve ser conferido um tratamento diferenciado, em face à
desproporcionalidade entre os interesses emanados da relação de consumo. Num pólo, está o
fornecedor, com o intuito aviltante de lucro, enquanto no outro está o consumidor, parte fraca
por não ter controle do capital, carente de aquisição dos bens e serviços disponibilizados pelo
fornecedor.
Em contrapartida, o consorciado congrega o seu interesse com os demais,
cooperando para a saúde financeira do grupo a que pertence, e esse, por sua vez, termina por
ter interesse próprio, o de salutar constituição e desenvolvimento. Aqui, os consorciados
caminham juntos, guiados pelo pacto social (contrato de consórcio) acordado e
isonomicamente aceito por todos. Não há resistência de interesses, não há sinalagma, mas sim
o ajuntamento, a fusão de fins.
Dessa forma, levando-se em consideração as explanações feitas sobre as relações
existentes no contrato de consórcio (no capítulo anterior), temos que nem sempre deve ser
aplicado o Código de Defesa do Consumidor nos vínculos estabelecidos pela aludida
concordância.
Quando estamos diante da relação “administradora - consorciado”, a lógica leva a
crer que essa relação deva ser norteada pela legislação consumerista, pois, afinal, qual o
objetivo da empresa administradora senão a obtenção de lucro com sua atividade gerencial?
Isso é mais evidente na contribuição mensal, quando se consigna percentual relativo à taxa de
administração. Ainda, é evidente a vulnerabilidade do consorciado em face da administradora,
empresa organizada, conhecedora do sistema e detentora de capital.
Nessa relação é patente o bilateralismo, os pólos duplos distintos. Num deles, o
consorciado, pessoa interessada em aderir a um grupo de consórcio ou, se já agregada, no
bom e regular serviço de administração, como informação sobre assembléias, emissão de
boletos, entrega do bem quando contemplado, etc. Noutro, a administradora, pessoa jurídica
fornecedora de serviço de administração de grupos de consórcio, interessada na taxa de
administração que será paga pelo consorciado. Entre eles, o elo do objeto do contrato, qual
seja, a prestação do serviço.
Igual situação ocorre na relação “administradora - grupo de consórcio”, sendo
diverso apenas o supedâneo legal, pois reza o art. 2º, parágrafo único, do CDC que “equiparase a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo”. Ou seja, o grupo de consórcio, enquanto coletividade de consorciados,
também merece proteção diferenciada, já que é vulnerável e hipossuficiente, não obstante seja
37
proprietário da soma pecuniária das contribuições de seus integrantes, em relação ao capital
da administradora e ao seu conhecimento acerca do sistema.
Entretanto, é de se usar a lógica e o bom senso quanto ao vínculo “consorciado grupo de consórcio”. Vejam que, para que haja a relação de consumo, é primordial que se
existam o consumidor e o fornecedor, que são, respectivamente, aquele que não detém o
conhecimento e o montante necessário à circulação de bens e serviços e o que apresenta-se no
mercado como disponibilizador deles.
E nessa esteira, a relação “consorciado - grupo de consórcio” jamais poderia ser de
consumo, pois se assim fosse considerada, desvirtuaria o próprio contrato de consórcio, que
tem como pilar sustentador a natureza multilateral associativa, e não o desequilíbrio típico das
relações consumeristas.
Notem que não há os dois sujeitos que bipolarizam a relação de consumo, porquanto
o grupo de consórcio nunca será fornecedor de bens ou serviços ao consorciado, certo de que
o próprio consorciado o compõe, como se a uma associação pertencesse.
O consorciado não é hipossuficiente ou vulnerável em face ao grupo, porque o seu
interesse se confunde com o dele (salvo as exceções em que o consorciado tenta prevalecer a
sua vontade contra a do grupo), ou seja, não há resistência de pretensões, não há o
sinalagmatismo típico dos contratos de consumo.
Esse também é o entendimento de Silva (2007), no mesmo artigo supracitado,
quando afirma que:
Levando-se em consideração que o Código de Defesa do Consumidor foi
promulgado para regular as relações de consumo entre fornecedor e consumidor, não
se pode dizer que os consorciados entre si, sejam consumidores. Eles até podem ser
consumidores, em relação à administradora do grupo de consórcio, mas jamais entre
si. Em sendo o consórcio a união de pessoas físicas ou jurídicas, em grupo fechado,
tendo como objetivo adquirir determinados bens móveis (automóveis, camionetas,
utilitários, buguies, motocicletas, motonetas, ciclomotores, triciclos, ônibus,
microônibus, caminhões, tratores, etc.), aeronaves, embarcações, máquinas e
equipamentos agrícolas e equipamentos rodoviários, nacionais ou importados,
produtos eletroeletrônicos, bens imóveis (residenciais, comerciais, rurais,
construídos ou na planta e terrenos) e, finalmente, serviços turísticos, com
pagamentos parcelados, cujo preço será uniforme para todos os consorciados,
independentemente da data de recebimento do bem obtido por sorteio, ou lance, não
há como se falar em relação de consumo entre eles consorciados. A relação
contratual existente entre os consorciados participantes do grupo de consórcio, não é
uma relação de consumo (grifo no original), mas sim de união de várias pessoas
físicas ou jurídicas, em busca de igual objetivo, qual seja, a aquisição de um bem
móvel durável, imóveis e serviços. A única relação de consumo que pode existir, é
entre o consorciado e a administradora, porque esta ao prestar serviços, como
administradora do grupo de consórcio que é, coletando os nomes dos interessados
em participar do grupo, bem como emitindo os boletos mensais das parcelas, além
de realizar a respectiva contabilização, a organização das assembléias e a promoção
dos sorteios, a compra dos bens para a entrega ao consorciado contemplado, por
38
meio de sorteio, ou de lance, a promoção de buscas e apreensões, depósitos,
execuções, etc., efetivamente está prestando serviços ao grupo de consórcio.
O Eminente Desembargador GIL COELHO, da 9ª Câmara Cível do extinto Segundo
Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, em sábio voto, nos autos do agravo de
instrumento n. 637273-00, assim julgou:
Em princípio, tal decisão mereceria prevalecer, não fossem duas peculiaridades
próprias do caso concreto. A primeira é pertinente ao Código de Defesa do
Consumidor, no tocante aos contratos de consórcio. A relação entre o grupo de
consorciados e o fornecedor dos bens, objeto do consórcio, submete-se ao Código de
Defesa do Consumidor. Também se sujeita a esse Código a relação dos consorciados
com a administradora, em razão dos serviços que esta presta para aqueles. Mas, a
relação dos consorciados entre si não está submetida ao mesmo Código, não
configurando relação de consumo a união de pessoas em busca de igual objetivo.
Assim, quando um consorciado deixa de contribuir com sua cota de participação no
grupo, a relação é deste inadimplente com os demais consorciados, sem haver
incidência do Código de Defesa do Consumidor. A administradora, ao promover a
ação de busca e apreensão, efetivamente está prestando serviço ao grupo, mas não é
essa prestação de serviço que é objeto da ação, que visa a proteção dos consorciados,
quer pela purgação da mora pelo inadimplente, quer pela recuperação do bem e
subseqüente venda, para que o produto restabeleça o equilíbrio financeiro do grupo.
[...] A segunda peculiaridade está no próprio contrato de consórcio. Sua
característica principal é a união de várias pessoas, todas com o mesmo objetivo de
aquisição de um bem durável. Nele deve haver predominância do interesse coletivo.
Resta claro que não há que se falar em relação de consumo quando não se tem
presente, insta frisar, um dos entes que obrigatoriamente deva estar: o fornecedor. Não há
relação de consumo quando, como na espécie, o contrato agrega as partes, fundindo-as em
uma sociedade não personificada, ao invés de distanciá-las em pólos sinalagmáticos, com
interesses diversos.
Em se tratando de contrato de consórcio, só se pode conceber relação de consumo
naquelas em que a administradora figura em um dos lados, visto que é prestadora de serviços
e, como tal, fornecedora.
Conseguintemente, por todo o exposto, resta por demais claro que, das três relações
que emanam do contrato de consórcio, “administradora - consorciado”, “administradora grupo de consórcio” e “consorciado - grupo de consórcio”, apenas essa última não deve ser
baseada nas normas de consumo, vez que se assim o fosse, desvirtuaria a natureza associativa
do pacto consorcial, aniquilando, por conseqüência, o sistema de consórcio, que se estrutura
justamente nessa condição de cooperação e igualdade entre os entes que o compõe.
39
5 DO MOMENTO DA DEVOLUÇÃO
5.1 DA TESE DA DEVOLUÇÃO IMEDIATA
Estabelecidas as premissas fundamentais à resolução do problema posto em
discussão, notadamente acerca da história do sistema de consórcio, seu contrato e a incidência
das normas consumeristas em suas relações, tem-se subsídios suficientes para debater as duas
teses mormente adotadas pela doutrina e jurisprudência para a questão da devolução da
quantia paga pelo consorciado desistente.
Pois bem. Em se tratando de contrato de adesão, denominado pela Lei n. 11.795/08
como “contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão” (art. 10), tem-se que o
contrato de consórcio, por aqueles que defendem a legitimidade da devolução imediata, é
desprovido de manifestação volitiva por parte dos consorciados, forte em que a
administradora é quem estipula suas cláusulas, não dando oportunidade ao debate e
modificação de seu teor.
Nessa esteira, ensina Diniz (2003, p.93), acerca da natureza jurídica dos contratos
por adesão, que:
Os contratos por adesão constituem uma oposição à idéia de contrato paritário, por
inexistir a liberdade de convenção, visto que excluem a possibilidade de qualquer
debate e transigência entre as partes, uma vez que um dos contratantes se limita a
aceitar as cláusulas e condições previamente redigidas e impressas pelo outro (RT,
519:163; JB, 158:263), aderindo a uma situação contratual já definida em todos os
seus termos. Esses contratos ficam, portanto, ao arbítrio exclusivo de uma das partes
– o policitante -, pois o oblato não pode discutir ou modificar o teor do contrato ou
as suas cláusulas. É o que ocorre com: os contratos de seguro (RT, 487: 181); os de
venda das grandes sociedades; os de transporte; os de fornecimento de gás,
eletricidade, água (estes são tidos como contratos coativos); os de diversões
públicas; os de financiamento bancário. Eis porque preferimos denominar o contrato
de adesão de contrato por adesão, verificando que se constitui pela adesão da
vontade de um oblato indeterminado à oferta permanente do proponente ostensivo.
Gama (2003, p.40), analisando especificamente o contrato de consórcio, sustenta
que:
Os contratos referentes à consórcio têm, inegavelmente, natureza adesiva. Com
efeito, não dão margem a que a vontade do aderente tenha espaço na elaboração de
suas cláusulas, porque muitas delas seguem comando normativo, bem como regras
predeterminadas sejam pelo Ministério da Fazenda, ou pelo Banco Centra do Brasil.
Mesmo que haja cláusulas aditivas para atender a certas particularidades em grupos
de consórcios, esses tipos de cláusulas não contam com a manifestação volitiva do
aderente, muito menos para modificar substancialmente o conteúdo, consolidado o
caráter adesivo desses contratos.
Ora, se o contrato de participação em grupo de consórcio é um contrato por adesão,
certo é que os consorciados não têm a possibilidade de discutir suas cláusulas, devendo,
40
obrigatoriamente, ingressar no grupo na forma em que estipulou a administradora de
consórcio.
E no exercício da elaboração do referido contrato, estipularam as administradoras,
com embasamento infralegal, que aqueles que desistirem da empreitada consorcial, ou que
forem excluídos (a exclusão se dá, em geral, pelo inadimplemento de duas ou mais parcelas,
quando o consorciado for não-contemplado7), só farão jus à quantia que investiram ao término
das atividades do grupo, ou seja, quando todos aqueles que adimpliram com o pacto forem
contemplados e a administradora já houver recebido o numerário devido pelos consorciados
contemplados inadimplentes8.
Assim, imagine-se um grupo de consórcio com duração de 150 (cento e cinqüenta)
meses, constituído para a aquisição de bem imóvel. Imagine-se também um consorciado que
tenha aderido a esse grupo e pago 5 (cinco) parcelas. Por não ter mais condições financeiras
de arcar com a integralização mensal, esse consorciado desiste da empreitada, já que é um
consorciado não-contemplado. Na linha da avença consorcial, esse consorciado terá que
aguardar 12 (doze) anos para receber o que havia investido.
E é justamente essa espera que é repugnada por aqueles que adotam a tese da
devolução imediata, pois o consorciado, que não teve a oportunidade de discutir as cláusulas
do contrato de consórcio, se verá privado de seu dinheiro por um lapso de tempo considerável,
sendo que, até lá, inúmeras situações poderiam ocorrer, dentre as quais a morte do próprio
consorciado ou a falência da administradora, o que terminaria por inviabilizar o desfrute da
pecúnia por seu legítimo proprietário.
Nesse sentido, em se tratando de contrato de adesão, onde, cabe frisar, o oblato não
participa da elaboração de suas cláusulas, a interpretação deve ser favorável ao consorciado,
pois o contrato tem função social e, por isso, ambas as partes devem estar em posição
isonômica com a sua concretização. É o que se extrai da leitura do art. 421 do Código Civil
Brasileiro, a saber: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função
social do contrato”.
Sobre o assunto, doutrina Diniz (2003, p.33):
7
O art. 3º, XIII, da circular do BACEN n. 2.766/97 estipulava que no contrato de consórcio deveria constar as
condições de inadimplemento contratual que poderiam provocar a exclusão do consorciado, sendo vedada a
exclusão daquele contemplado. A circular n. 2.766/97 veio a ser substituída, em face da nova Lei de Consórcio,
pela circular n. 3432/09, e esta, por sua vez, regulamentou tal questão no art. 4º, XVII, “a”.
8
A circular do BACEN n. 2.766/97 estabelecia, em seu art. 21, que dentro de 60 (sessenta) dias da contemplação
de todos os consorciados dos respectivos grupos e da colocação dos créditos à disposição, a administradora
deveria comunicar aos consorciados excluídos que os valores por eles pagos estavam à disposição. Todavia, a
nova Lei de Consórcio modificou essa sistemática, mas esse assunto será tratado em seção própria.
41
É preciso não olvidar que a liberdade contratual não é ilimitada ou absoluta, pois
está limitada pela supremacia da ordem pública, que veda convenções que lhe sejam
contrárias e aos bons costumes, de forma que a vontade dos contratantes está
subordinada ao interesse coletivo. [...] Ante o disposto no art. 421, repelido está o
individualismo, nítida é, como diz Francisco Amaral, a função institucional do
contrato, visto que limitada está a autonomia da vontade pela intervenção estatal,
ante a função econômico-social daquele ato negocial, que condiciona ao
atendimento do bem comum e dos fins sociais.
Além disso, sustentam os adeptos a essa tese que há nítida relação de consumo no
contrato de consórcio, pois o consorciado utiliza um serviço posto à disposição pela
administradora, fornecedora. Também, o consorciado é hipossuficiente em relação à
administradora, que, em geral, é empresa dotada de poder econômico e conhecimento técnico
sobre o sistema. Dessa forma, a relação estabelecida no contrato de consórcio é relação de
consumo.
E, sendo a relação de consumo, a cláusula que condiciona a devolução dos valores
pagos para após o término do grupo é iníqua, abusiva, e excessivamente onerosa ao
consorciado/consumidor, parte hipossuficiente na relação com a administradora, na forma do
art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor.
Esse é o pensamento de Gama (2003, p.41), a saber:
A devolução imediata antes das operações do grupo vem fundamentada na
invalidade das cláusulas de contrato de adesão que limitando direitos do
consumidor, não lhe oportunizem a contrapartida limitativa de direitos à empresa
(art. 51, inc. IV do CDC). Ademais disso, cláusulas limitativas de direito deveriam
conter redação em destaque. Em não tendo assim ocorrido com a cláusula que
procrastina o momento da devolução das parcelas para após o encerramento do
grupo, a eficácia da cláusula fica comprometida.
Souza (2005) também corrobora com essa linha de pensamento, na medida em que
afirma:
Há que se considerar que, sendo a relação entre administradora e consorciado uma
relação de consumo, deve-se sempre respeitar os ditames do Código de Defesa do
Consumidor. Assim sendo, disposições contratuais abusivas são nulas de pleno
direito e, portanto, não é válida a cláusula que determina a devolução de valores
pagos por consorciado desistente apenas após o término do consórcio.
Parte da jurisprudência se manifesta da mesma forma, à exemplo da apelação cível
2007.01.1.124058-0, sob a relatoria do Eminente Desembargador JOÃO MARIOSI, da 3ª
Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Vejamos:
Trata-se, na origem, de ação de cobrança ajuizada por Maria de Lourdes Freitas
Mesquita em desfavor de Multimarcas Administradora de Consórcios LTDA. A
autora requereu a restituição das importâncias pagas ao consórcio imobiliário, em
virtude da desistência em continuar participando do grupo. A sentença julgou
improcedente o pedido. Inconformada, a autora interpôs o presente recurso em que
pede a imediata devolução do valor reclamado. A relação estabelecida entre as
partes encontra-se sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, de modo que
são nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam condições abusivas ou que
42
coloquem o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51 do CDC). Dessa
perspectiva, a disposição contratual que condiciona a devolução das parcelas pagas
pelo consorciado desistente ao término das atividades do grupo mostra-se abusiva,
pois estabelecida em benefício exclusivo da administradora, deixando o consorciado
em flagrante desvantagem. Portanto, ao consorciado que se retira ou é excluído do
grupo deve ser assegurada a restituição imediata das parcelas pagas, corrigidas
monetariamente e acrescidas de juros, sob pena de locupletamento da administradora
à custa do retirante ou excluído.
Num outro ponto de vista, sustentam os seguidores dessa tese (os autores
anteriormente mencionados e os magistrados que ainda serão citados) que as administradoras
de consórcio se desenvolveram ao longo do tempo, tornando-se enormes conglomerados
empresariais, o que facilmente é demonstrado pela necessidade de comprovação de
capacidade financeira ao requerer a devida autorização ao BACEN.
Ora, se tiveram as administradoras, para a realização de suas atividades, que
comprovar sua capacidade financeira e gerencial, na forma do art. 8º da Circular n. 3433/09
do BACEN, por lógico que se trata de pessoas jurídicas de poder considerável, haja vista tão
duros os requisitos para que possam iniciar suas atividades.
Assim sendo, entendem alguns que a exclusão do consorciado desistente em nada
afeta o grupo de consórcio, porquanto, em pouquíssimo tempo, esse será substituído por
outro, envolvido pela impactante propaganda despejada nos meios de comunicação por essas
poderosas administradoras, a exemplo do que doutrina Souza (2005):
Os grandes grupos financeiros que tomaram a dianteira na administração de
consórcios conseguem, através do já citado esquema de publicidade e propaganda,
apresentar o consórcio como um grande negócio a um enorme número de pessoas,
atraindo cada vez mais interessados. Assim, é evidente que, dentre os milhares de
interessados, estas administradoras não possuem a menor dificuldade para
“encaixar” novos consorciados no lugar dos consorciados desistentes. Como se
verifica na prática, a substituição de consorciados é comum e rotineira. O
procedimento de substituição de consorciados, aliado ao fato tratar-se a relação entre
a administradora e o consorciado de uma relação de consumo, torna incompreensível
a retenção dos valores pagos pelo consorciado desistente por parte da
administradora. Ora, com a substituição do consorciado desistente é certo que a
devolução dos valores pagos por este não traz prejuízo aos demais consorciados do
grupo e muito menos à administradora.
A inserção e retirada de consorciados dos grupos se dá diariamente, em vista da
dinâmica negocial refletida na evolução do sistema de consórcio, que passou a ser conhecido
por grande parte da população, dada a promessa de fuga dos juros abusivos praticados pelas
Instituições Financeiras que promovem a oferta de crédito no país.
Destarte, cabe frisar, se um consorciado desiste da empreitada, diversos outros
estarão disponíveis para subscrever sua cota, preenchendo a lacuna restada no grupo,
impedindo, dessa forma, que ele seja vítima de prejuízo.
43
Gama (2003, p.41), nessa mesma linha, se manifesta contrário à argumentação de
que o grupo de consórcio seja prejudicado com a retirada imediata de valores pelo
consorciado desistente, a saber:
Não se pode negar que a cota do desistente ou excluído é evidentemente repassada
para terceiro, pois isso é da própria índole do empreendimento, de modo que a
desistência de um cotista, por si, não compromete o funcionamento do grupo nem
lhe causa prejuízo, no entanto, deveriam resultar cumpridamente demonstrados, não
podendo ser presumidos. Assim, não pode dizer que o fato da desistência seja
anormal ou não previsto, de modo que aos administradores, que auferem lucro com
o empreendimento, cumpre administrar de tal forma a evitar a consumação de
prejuízos para o restante do grupo.
Nota-se igual entendimento no voto do Ínclito Juiz de Direito CÉSAR LOYOLA, da
2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do TJDFT 9, nos autos do
recurso 2008.03.1.012411-2, in verbis:
A administradora de consórcio pode, durante o prazo previsto para o encerramento
do grupo, repassar a cota do desistente a outro interessado, situação que evita
eventual prejuízo para os atuais cotistas do consórcio. Portanto, o problema em si
decorre da própria desistência do consorciado, não da restituição imediata. Assim, a
restituição imediata não é capaz, de por si só, inviabilizar a meta do grupo de
consorciados. Dessa forma, a regra estabelecida no contrato coloca o consumidor em
manifesta desvantagem, é injustificável e incompatível com a boa-fé,
consequentemente, nula de pleno direito, nos termos do artigo 51, inciso IV, do
Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).
Mesmo que a administradora não consiga captar cliente para que substitua o
desistente, o grupo de consórcio, na medida em que será privado da contemplação mensal do
desistente, também não terá mais que conceder crédito a ele. Em outras palavras, menos um
consorciado, menos um bem a ser pago.
Gama (2003, p.41) sustenta essa posição, doutrinando que:
Outro aspecto interessante é que cada desistente ou excluído, não substituído se for o
caso, é menos um bem móvel ou imóvel a ser entregue nesse grupo. Além do mais,
havendo diminuição do número de bens a serem entregues aos participantes do
grupo, não há motivo para que o valor aportado pelo desistente continue a financiar
o grupo. Não há razão plausível para que o grupo continue a usufruir um valor que
não seja mais necessário nem correto manter no montante. Tanto é assim que não há
qualquer discussão quanto à necessidade de que tal valor seja devolvido. Como seria
a única solução correta e decente, os bens deverão ser adquiridos com o aporte de
capital dos que efetivamente estão no grupo e por ele vão se beneficiar.
Considerando um grupo de consórcio composto por 120 (cento e vinte) consorciados,
dentre os quais 15 (quinze) desistem, esse mesmo grupo terá que entregar 105 (cento e cinco)
bens, o que, em tese, viabiliza a sua continuação, ainda que à míngua dos valores já pagos
pelos excluídos, pois a subtração de tal numerário é diretamente proporcional à quantidade de
9
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.
44
bens que deverão ser entregues. Menos dinheiro é igual a menos consorciados, que por sua
vez resulta em menos entrega de bens.
Outra especificidade a ser considerada é que, com a retenção dos valores pagos pelo
consorciado excluído e com a possibilidade de substituir-se esse consorciado por outro, a
administradora de consórcio promove o seu enriquecimento sem causa, haja vista que esse
substituinte integrará a lacuna deixada pelo excluído, impossibilitando que o grupo de
consórcio experimente prejuízo com a retirada precoce.
A afirmação de que o grupo será lesado com a retirada imediata da quantia investida
por consorciado, segundo essa tese, não merece medrar, já que, insta frisar, em seguida, outro
tomará o seu lugar. A administradora que mantém em seus cofres o numerário despendido
pelo excluído estará locupletando-se ilicitamente, pois tal verba permanecerá a sua disposição
para que fomente qualquer atividade, girando o capital em seu favor, produzindo riqueza com
pecúnia alheia, o que é contrário à boa-fé e à lealdade negocial.
Salta aos olhos, afirmam alguns, a intenção da administradora de utilizar-se dos
valores pagos pelos consorciados desistentes para fomentar negócio próprio, eis que enriquece
ilicitamente do dinheiro de terceiros, já que os excluídos não causam prejuízo algum ao grupo
de consórcio.
E não foi outro o entendimento da Desembargadora CARMELITA BRASIL, da 2ª
Turma Cível do TJDFT, nos autos da apelação cível n. 2008.01.1.073636-8, julgada em 3 de
junho de 2009, verbis:
A administração do consórcio, ao condicionar a restituição de mais de trinta mil
reais já pagos pela recorrente, à finalização do grupo consorcial, que por sua vez,
somente se dará no ano de 2013, estabeleceu contra a apelada, a toda evidência,
obrigação de esperar, que a coloca em posição de excessiva desvantagem, atentando
contra os princípios que regem as relações de consumo. Para a arquitetura da
conclusão acima, basta pensar no quanto este valor, aplicado corretamente no
mercado financeiro, pode render, até 2013, ano em será realizada a última
assembléia do grupo. Caso retido indevidamente pela apelante, eventual lucro
advindo da exploração financeira deste capital redundaria, obviamente, em
enriquecimento sem justa causa. Correlatamente, privar de referida exploração
financeira, por tantos anos, o verdadeiro titular do capital, atenta contra os mais
comezinhos princípios do Direito.
Nesse mesmo sentido manifestou-se o Eminente Desembargador GUINTHER
SPODE, da 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos
autos da apelação n. 70024446924, julgada em 26 de agosto de 2008:
Tendo a autora pago 32 parcelas de seu plano e não mais possuindo condições de
pagar e estando inadimplente desde março de 2.006, quando pagou a última das
parcelas, resta evidente que, durante todo este tempo e assim vai, caso mantida a
sentença, até o encerramento do plano, a empresa/administradora vai reter consigo
as parcelas pagas pela autora, dinheiro esse que, além de barato, vem, modo
evidente, utilizando no giro de sua atividade comercial. Ou seja, desde a desistência
45
da autora, março/06, já decorreu o lapso temporal de mais de dois anos em que a
empresa/ré, em detrimento da autora, utiliza de tal numerário, cuja devolução, em
tese, apenas agregará correção monetária. Ora, a permanência desse valor em mãos
da empresa/apelada configura, além de verdadeiro abuso de direito, em
enriquecimento injustificado por parte da administradora, o que autoriza, com
espeque no inciso IV do art. 51 do Código Consumerista, se reconheça a sua
nulidade. Obedecida a cláusula contratual discutida, e estabelecendo-se a restituição
das parcelas somente para após o encerramento do grupo, o autor somente receberia
com que adimpliu, em restituição, após encerramento do grupo. Durante todo este
tempo, referido numerário permaneceria com a empresa administradora, o que
significa absurdo abuso, constituindo dinheiro barato a ser utilizado no
financiamento de suas atividades, em detrimento da consumidora.
Outrossim, ainda que se justifique a cláusula que determina a devolução do montante
pago pelo desistente ao término das atividades do grupo no art. 21, inciso II, da Circular n.
2.766/9710 (dispositivo que prevê que a restituição da quantia paga deve se dar em até 60 dias
do término do grupo), esse não deve prevalecer sobre o Código de Defesa do Consumidor, por
dois motivos.
Primeiro, o CDC é lei ordinária, ou seja, norma aprovada por maioria simples da
Casa Legislativa, na forma do art. 47 da Constituição Federal. Assim sendo, é norma
hierarquicamente superior à Circular do BACEN n. 2.766/97, que é norma infra-legal, ou seja,
regra que não foi produzida no processo legislativo, mas que tem tão somente o caráter
regulamentar.
Dessa forma, o art. 51, inciso IV, do Código Consumerista deve prevalecer ao art.
21, inciso II, da Circular n. 2.766/97, tendo em vista que é um dispositivo hierarquicamente
superior. E nesse sentido, tem-se que o CDC, por sua razão de existir e interpretação global de
seus dispositivos, condena tal disposição circular, certo de que esse dispositivo fere seus
princípios, especificamente os da boa-fé e do equilíbrio entre as partes.
Esse foi o entendimento da Juíza ANA MARIA CANTARINO, da 1ª Turma
Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, nos autos da apelação cível no juizado
especial n. 2006.08.1.007221-3, julgado em 11 de dezembro de 2007, a saber:
Tendo em vista o princípio da hierarquia das leis, as normas expedidas pelo Banco
Central não devem ser aplicadas de forma que afronte as disposições da Lei
Consumerista, ainda que tais normas sejam posteriores a ela. E mais, não deve
prevalecer a aplicação de circular do Banco Central em detrimento de Lei Federal
(CDC).
O segundo motivo que afasta a aplicação da disposição Circular que condiciona a
restituição dos valores ao final do grupo guarda relação com o primeiro, fortalecendo-o. O art.
1º do Código de Defesa do Consumidor prevê que: “O presente código estabelece normas de
10
A Circular do BACEN n. 2.766/97 foi revogada pela Circular n. 3.432/09. Hoje a questão da devolução é
regulamentada pela Lei n. 11.795/08, matéria que será tratada no seu tempo.
46
proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º,
inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 das Disposições Transitórias.”
A exegese desse artigo estabelece que, ainda que o CDC e as Circulares do BACEN
estivessem num mesmo patamar hierárquico, o que se admite apenas a título de
argumentação, o CDC prevaleceria, pois suas normas são de caráter cogente, ou seja,
imperativo, sobrepondo-se a outras normas, ainda que de mesmo patamar.
Filomeno (1999, p.24) assinala, quando discorre sobre esse dispositivo, que:
Por fim, ainda nesse tópico, destaque-se que as normas ora instituídas são de ordem
pública e interesse social, o que equivale a dizer que são inderrogáveis por vontade
dos interessados em determinada relação de consumo [...]. O caráter cogente,
todavia, fica bem marcado, sobretudo na Seção II do Capítulo VI ainda no Título I,
quando se trata das chamadas “cláusulas abusivas”, fulminadas de nulidade (cf. art.
51 do Código), ou então já antes, nos arts. 39 a 41, que versam sobre as “práticas
abusivas”.
Destarte, é evidente a soberania do CDC em face das Circulares expedidas pelo
BACEN, pelo que deve ele prevalecer sobre elas. O CDC, cabe ressaltar, é norma de caráter
público, sobrepondo-se sobre a Circular 2.766/97, que não passa de mero ato regulamentador.
Por último, insta destacar que algumas administradoras de consórcio, na constituição
de seus planos de negócio, prevêem a cobrança de percentual relativo a fundo de reserva 11,
que nada mais é do que uma poupança do grupo de consórcio destinada a cobrir eventuais
desfalques no caixa do fundo comum.
Nessa hipótese, caso o consorciado desista do plano e, imaginando-se que, de fato,
isto acarrete prejuízo ao grupo, o fundo de reserva é o montante pecuniário destinado a evitar
tal perda, pois pode ser alocado para o caixa do fundo comum, complementando-o.
Dessa forma, mais fraca se torna a sustentação de que o grupo é lesado caso seja
subtraído de seu caixa certa quantia, pois, na suposição de que a administradora cobre de seus
consorciados percentual relativo a fundo de reserva, esta poupança formada poderá ser
destinada a cobertura do valor restituído.
Esses são os argumentos normalmente adotados por aqueles que entendem
contrariamente à restituição, ao final do grupo, dos valores pagos pelo consorciado que
desistiu da empreitada, tese essa adotada principalmente no âmbito dos Juizados Especiais, o
que se reflete no Enunciado n. 109 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais, quando afora
11
O fundo de reserva estava consignado na Circular n. 2.196/92 do BACEN, onde era prevista a destinação que
deveria ser dada ao numerário dessa poupança, dentre as quais, para compor os valores a serem devolvidos aos
excluídos e desistentes. Esta Circular foi revogada pela n. 2.766/97, que por sua vez foi revogada pela n.
3.432/09. O referido fundo é regulamentado, hoje, na própria Lei de Consórcios (n. 11.795/08), sendo
complementado pela Circular 3.432/09 do BACEN.
47
que “é abusiva a cláusula que prevê a devolução das parcelas pagas à administradora de
consórcio somente após o encerramento do grupo”.
No âmbito dos Tribunais de Justiça a questão é mais divergente, embora a maioria se
manifeste pró-consorciado desistente, a exemplo dos votos acima mencionados.
No que pesem os consubstanciados argumentos lançados em favor do consorciado
excluído, esses não devem prevalecer, eis que ignoram a natureza jurídica do consórcio e todo
o seu desenvolvimento ao longo do tempo, sua origem e razão de existir.
Por menos positivista que possa parecer, todas as questões discutidas em Direito
devem levar em consideração as peculiaridades do instituto tratado, e não apenas a
literalidade da norma incidente, pois, do contrário, estar-se-ia traindo sua própria razão de
existir.
É o que ocorre com o sistema de consórcio, que tem sua essência modificada pela
inobservância de seu histórico, sendo tratado friamente à guisa da legislação, como se o fim
do Direito fosse a norma em si.
Nesse sentido, deve-se fazer uma interpretação sistemática quando lidar-se com
casos de devolução de parcelas em contrato de consórcio, haja vista que a simples exegese
literal fere a natureza do contrato de consórcio, que de multilateral associativo passa a ser tido
como sinalagmático.
A seção seguinte tratará justamente da tese defendida pelas administradoras de
consórcio, sustentação acolhida no seio do Superior Tribunal de Justiça e por isoladas
decisões de magistrados pelo país.
5.2 DA NOCIVIDADE DA DEVOLUÇÃO IMEDIATA
5.2.1 Considerações iniciais.
Com toda a matéria posta nos capítulos anteriores, têm-se elementos suficientes para
entender o cerne da tese que será aqui explicitada. Superadas a conceituação do sistema, sua
posição histórica, a definição e análise minuciosa do contrato de consórcio, bem como a
aplicabilidade parcial do Código de Defesa do Consumidor nessas avenças, será de fácil
compreensão a proposta que passará a ser defendida, em contrapartida à apresentada na seção
anterior.
48
Pois bem. No primeiro capítulo, foi contada a história do sistema de consórcio,
instituto surgido no Brasil para fazer frente à falta de crédito a ser disponibilizado no
mercado, quando a produção industrial alcançava índices elevadíssimos de crescimento.
O sistema foi pensado para combinar esforços de pessoas interessadas a poupar,
mensalmente, certa quantia de dinheiro, que reunida, formaria um montante suficiente para
adquirir algum bem de consumo (naquele tempo, automóvel).
Com o passar dos anos, a demanda por esse tipo de formação de capital foi tamanha
que surgiram as administradoras, responsáveis por captar e gerir os grupos formados pelos
interessados no investimento, o que culminou com a necessidade de regulamentação, em face
das inúmeras controvérsias surgidas.
Entretanto, ainda que as administradoras tenham passado a integrar o pacto
consorcial, sua essência permanece, qual seja, de associação, de congregação de vontades em
formar crédito para a compra de determinado bem ou serviço.
E isso deve ser levado em consideração ao versar-se sobre qualquer matéria
envolvendo consórcio, já que não se trata de mútuo, mas sim de agrupamento de pessoas com
objetivos em comum, mesmo que haja um terceiro envolvido para a consecução desse fim.
Também deve o operador do direito atentar-se ao fato de que há, nas relações havidas
com o contrato de consórcio, direito de terceiros envolvido, porquanto o patrimônio do grupo,
ainda que seja independente dos demais entes que formam a avença (consorciados e
administradoras), é formado pela soma da contribuição dos demais consorciados, sob pena de
poder lesar-se esse patrimônio e, conseqüentemente, de outrem alheio à discussão.
Uma vez que o grupo de consórcio seja prejudicado, por conclusão lógica os
consorciados, pessoas que o integram, também o serão.
Assim, antes de julgar qualquer matéria em relação a consórcio, o magistrado deve
verificar, primeiramente, quais os entes do contrato envolvidos em determinada relação, para
só então, à luz da natureza jurídica do instituto, dizer o Direito que deve ser aplicado ao caso
concreto.
Feitas essas considerações, passa-se ao propósito dessa seção.
5.2.2 Da inaplicabilidade do CDC nos casos de devolução de parcelas e da isonomia dos
consorciados.
Primeiramente, insta analisar a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor
nos casos de restituição, pois é nele que se baseiam as afirmações de que a cláusula que prevê
49
a devolução ao término do grupo é iníqua, abusiva e excessiva, nos termos do art. 51, inciso
IV.
Como dito em linhas anteriores, diversas são as relações provenientes do contrato de
consórcio, e que nessas relações apenas aquelas figuradas pela administradora de consórcio é
de consumo, porque o vínculo “consorciado-grupo de consórcio” deve ser pautado pelos
ditames civis.
Dessarte, se a restituição do numerário pago pelo desistente for proveniente do
vínculo acima mencionado (consorciado-grupo), certo é que não deve ser considerado o
Código de Defesa do Consumidor para reger essa questão.
E, de fato, não deve, conforme restará demonstrado.
Quando o consorciado desiste da empreitada consorcial e intenciona a busca da
quantia já investida, pretende ele a subtração de tais valores do fundo comum do grupo em
seu benefício, visto que toda parcela investida é somada a este fundo 12, com vistas à aquisição
do bem por aquele contemplado no mês.
Assim, observa-se a transferência de propriedade da parcela paga, pois é pertencente
ao consorciado até que a integralize (pague), quando então passará a pertencer ao caixa do
fundo comum do grupo de consórcio, haja vista que, como anteriormente demonstrado, possui
patrimônio distinto dos demais sujeitos de direito que congregam o contrato.
Nessa esteira, cabe frisar, no momento em que o consorciado pretende ter o seu
dinheiro de volta, sua pretensão confunde-se com a diminuição patrimonial do grupo, em nada
influindo à administradora de consórcio, que apenas é interessada na taxa de administração.
Dessa forma, é nítido que essa relação seja “consorciado-grupo de consórcio”,
porquanto o grupo é o único interessado em manter, em seus cofres, a quantia que pretende o
desistente ver restituída. A retirada imediata de quantia do fundo comum acarretará em
prejuízo ao grupo (essa peculiaridade será demonstrada, minuciosamente, a seguir), pois seu
caixa estará prejudicado.
Conseqüentemente, sendo o grupo interessado em não ver diminuído o seu saldo de
caixa, estará ele preocupado em resistir à pretensão do desistente, permanecendo indiferente a
administradora, no tocante aos seus próprios interesses, pois, de qualquer sorte, receberá a
taxa de administração13.
12
Art. 12 da Circular n. 3.432/09 do BACEN.
Proporcionalmente ao tempo de serviço prestado, conforme posição mansa e pacífica na jurisprudência (REsp.
171294/SP, APC 2008.08.1.006633-2 TJDFT).
13
50
Portanto, não merece acolhida a afirmação de que a relação ensejada no contrato de
consórcio seja, eminentemente, de consumo, porque, na forma demonstrada no Capítulo 3,
nem sempre os vínculos provenientes dessa avença é consumerista, dado o seu caráter
multilateral associativo.
E se todos os consorciados aderiram ao contrato de consórcio já conhecedores das
sanções impostas em caso de desistência, não podem eles querer escusar-se de sua imposição,
pois é da essência do próprio ajuste a isonomia entre seus componentes, ressalvada a
administradora, como já debatido.
Na forma da legislação civilista, deve imperar a força normativa contratual e sua
função social, refletida na obrigatoriedade do que fora previamente ajustado e na
preponderância do interesse coletivo (do grupo) sobre o individual (do consorciado), na forma
do parágrafo 2º, do art. 3º da Lei 11.795/0814.
Cabe destacar que não é a administradora quem estipula a maioria dos termos
contratuais, pois eles são decorrentes da própria regulamentação do sistema de consórcio, à
vista de sua estrutura especialíssima. Não é diferente a cláusula que condiciona a devolução
de valores ao fim das atividades coletivas, pois o normatizador preocupou-se com a saúde
financeira do grupo.
As únicas estipulações feitas pela administradora são as que dizem respeito à taxa de
administração, vantagens concedidas pela própria administradora ao se optar por seus
serviços, taxa de adesão, cobrança de fundo de reserva, ou seja, tudo aquilo que a Lei ou o
Banco Central não tenha regulamentado ou tenha deixado a regulamentação a cargo da
prestadora de serviços.
Por conseguinte, não há que se falar em abusividade da cláusula que condiciona a
devolução de valores ao término do grupo, pois, além do fato de tal relação ser pautada pela
lei civil, todos os consorciados assim concordaram, devendo prevalecer o interesse coletivo.
É da essência dessa disposição que nasce a prevalência dos direitos coletivos sobre
os individuais. Se não há incidência do Código de Defesa do Consumidor nessa questão de
restituição, devendo ela ser vista à luz da isonomia inerente às relações entre os consorciados
e seu respectivo grupo.
5.2.3 Dos prejuízos advindos da restituição imediata.
14
Antes, no art. 1º, §6º da Circular n. 2.766/97 do BACEN.
51
Antes da promulgação da Lei 11.795/08, o órgão governamental responsável pela
normatização do sistema de consórcios era o Banco Central do Brasil (como ainda é, mas em
menor atuação, dada a abrangência da referida norma), já que a Lei 8.177/91 em quase nada
contribuiu, deixando esse dever a cargo daquela autarquia.
O BACEN, por sua vez, acreditando estar zelando pela saúde financeira dos grupos
consortis (e de fato estava, como restará demonstrado), através do art. 21, II, da circular
2.766/97, determinou que o valor investido pelo consorciado desistente só poderia ser
devolvido após a assembléia que contemplasse a última cota, pois, do contrário, estar-se-ia
prejudicando a contemplação do mês.
Para que o desistente tivesse o seu numerário de volta, o consorciado contemplado
não teria a sua disposição o crédito de que faria jus, pois o fundo comum estaria prejudicado
pela devolução. Em suma, primou o BACEN pelo interesse coletivo, qual seja, de
conservação do poder aquisitivo do grupo, em detrimento ao interesse individual manifestado
pelo desistente.
Essa lógica é fácil de ser entendida. Em se tratando de consórcio, a parcela a ser
integralizada pelo consorciado corresponde a um determinado percentual do valor total do
bem almejado15. Dessa forma, considerando um grupo de consórcio com duração de 60
(sessenta) meses, temos que o participante deverá contribuir com um percentual mensal de
1,6667% (100% ÷ 60 meses = 1,6667%).
Agora, imagine-se esse mesmo grupo (com duração de 60 meses), com 120 (cento e
vinte) participantes devendo contribuir, mensalmente, 1,6667% do crédito posto consórcio.
Tem-se que, mensalmente, essa soma será suficiente para contemplar dois consorciados (120
x 1,6667% = 200%).
No entanto, um consorciado houve por bem desistir da empreitada, tendo investido o
equivalente a 5 (cinco) parcelas (5 x 1,6667% = 8,3335%). Dessa forma, se o numerário por
ele despendido for-lhe devolvido imediatamente, a contemplação do mês restará frustrada, eis
que além de deixar de pagar a respectiva parcela (119 x 1,6667% = 198,33%), o fundo
comum verá subtraído o percentual até então integralizado (198,33% - 8,3335% = 190%).
Assim, tem-se que a formação do grupo de consórcio ajusta-se ao prazo de duração e
quantidade de participantes, para que a soma mensal possibilite que seus integrantes utilizem
dos respectivos créditos, desde que contemplados.
15
Art. 27, parágrafo 1º, da Lei n.11.795/08: “As obrigações e os direitos do consorciado que tiverem expressão
pecuniária são identificados em percentual do preço do bem ou serviço referenciado no contrato de participação
em grupo de consórcio, por adesão”. Antes, essa disposição era prevista no art. 12 da Circular n. 2.766/97 do
BACEN.
52
E é nessa linha que o STJ, por diversas vezes, entendeu que o consorciado desistente
só receberia o valor que pagou ao término das atividades do grupo, mais especificamente até
30 (trinta) dias após, preocupado com a contemplação do consorciado que permaneceu
adimplente com suas obrigações, que primou pela manutenção sadia do grupo de consórcio,
em detrimento daquele que rompe o pacto e ainda pretende dificultar o bom andamento da
empreitada consorcial.
Vários são os julgados nesse sentido, a exemplo dos recursos especiais n.
1033193/DF, 442107/RS e 94.266/RS, este último do qual se extrai lição do Eminente
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR:
Assim como o grupo formado para a aquisição de bens pela modalidade de
consórcio, em caso de desistência, não pode servir para o enriquecimento sem causa
dos demais participantes, ou da administradora, - retendo os valores recebidos e
somente restituindo o principal, sem correção monetária, o que em época de inflação
alta significava devolver o nada, - assim também o consorciado não pode
transformar o consórcio, que foi formado para a finalidade de adquirir bens, em
oportunidade para aplicação financeira, retirando-se a qualquer tempo e recebendo
imediatamente o capital investido, mais correção e juros. A desistência é sempre um
incidente negativo no grupo, que deve se recompor, a exigir a transferência da quota,
a extensão do prazo ou o aumento das prestações para os remanescentes, etc. O
pagamento imediato ao desistente será um encargo imprevisto, que se acrescenta à
despesa normal. Quem ingressa em negócio dessa natureza e dele se retira por
disposição própria não pode ter mais direitos do que o último contemplado com o
bem, ao término do prazo previsto para o grupo. Se este, que cumpriu regularmente
com todas suas obrigações e aguardou pacientemente a última distribuição, pôde
colaborar com os seus recursos para que os outros antes dele fossem contemplados,
também o mesmo ônus há de se impor ao desistente, que se retira por decisão
unilateral. Assim, o desistente deve receber o que pagou, com valores devidamente
corrigidos, descontada a taxa de administração e prêmios de seguro eventualmente
pagos, até trinta dias depois do prazo previsto para a entrega do último bem.
Ainda assim, alguns afirmam que outra pessoa pode adquirir a cota consorcial vaga,
preenchendo a lacuna deixada pelo desistente, o que impediria a geração de prejuízo ao grupo,
vez que este estaria íntegro novamente.
Na verdade, a reposição da cota em nada modifica a situação do grupo de consórcio,
pois o consorciado que a adquiriu só começará a investir a partir de seu ingresso. As parcelas
correspondentes às assembléias passadas serão pagas até o término do respectivo grupo (as
administradoras costumam cobrar essa diferença no momento da contemplação), não tendo o
consorciado aderente a obrigação de pagá-las de imediato, o que, do contrário, seria por
demais desvantajoso16.
Dessa forma, utilizando-se do exemplo anterior, ainda que tenha sido substituído o
consorciado, tendo o grupo arrecadado 200% no mês, ter-se-ia que subtrair 8,3335% do fundo
comum para devolver ao desistente o seu numerário, o que terminaria por prejudicar o grupo.
16
Art. 23 da Circular n. 2.766/97 e art. 31 da Circular n. 3.432, todas do BACEN.
53
Essa regra não poderia deixar de existir, pois, caso o adquirente da cota fosse
compelido a integralizar a parcela do mês, somada com os valores passados, de certo o
sistema de consórcio não o atrairia, porquanto necessitaria de despender um significativo
numerário para somente iniciar na empreitada, sendo inviável, portanto.
Ainda que, no momento do desligamento do consorciado, o grupo respectivo deixe,
também, de ter que pagar um bem, em nada isso interfere, porque, necessariamente, alguém
terá que ser contemplado no mês subseqüente.
De fato, o grupo de consórcio é estruturado para conter exatamente ou
proporcionalmente o número de participantes de acordo com o prazo de vigência e número de
bens a ser entregue. Se uma lacuna houver, a contemplação do mês restará prejudicada. De
qualquer sorte, mesmo tendo o grupo um bem a menos para arcar, obrigatoriamente alguém
terá de ser contemplado na assembleia posterior à data do desligamento, mas, como
demonstrado, ela não se dará, por falta de capital.
Numa outra linha, permitir que o consorciado excluído receba de imediato os valores
por si despendidos seria desvirtuar o próprio sistema de consórcios, transformando-o em
aplicação financeira, o que, aliás, se mostraria bastante lucrativa. Noutras palavras, seria
promover o enriquecimento ilícito do desistente, a contra sensu dos que afirmam que a
administradora é quem locupleta, eis que receberia o valor investido atualizado (o que ocorre
de qualquer forma, na devolução imediata ou ao término do grupo), acrescido de juros legais.
Para comparação, apresenta-se outro exemplo hipotético. Um determinado
consorciado adquiriu uma cota de consórcio com o fim de obter um automóvel Celta 1.0L flex
4 portas life, no ano de 2002, em grupo com duração de 60 (sessenta) meses. À época da
aquisição, esse veículo custava R$ 17.430,00 (dezessete mil, quatrocentos e trinta reais),
sendo que a parcela mensal, sem contabilização de taxa de administração ou qualquer outro
encargo, seria de R$ 290,50 (duzentos e noventa reais e cinqüenta centavos)17. Esse
consorciado pagou 11 (onze) parcelas e desistiu da empreitada. Resolveu por aguardar o
término do grupo para receber o seu numerário atualizado na forma do contrato, ou seja, de
acordo com a variação da tabela de fábrica do bem.
Assim, considerando-se que despendeu o montante de R$ 3.195,50 (três mil, cento e
noventa e cinco reais e cinqüenta centavos) e que a variação do preço do bem objeto do
consórcio, de 2002 a 2007, foi de 41,5316%18, o consorciado recebeu o valor de R$ 4.522,64
(quatro mil, quinhentos e vinte e dois reais e sessenta e quatro centavos), pois 3.195,50 x
17
18
17.430,00 / 60 = 290,50.
De acordo com informação do Consórcio Rodobens.
54
41,5316% = 1.327,14 e 1.327,14 + 3.195,50 = 4.522,64. Lembrando que esse valor ele
recebeu somente em 2007, ou seja, ao término do grupo.
Outro consorciado resolveu integrar o mesmo grupo de consórcio do elemento
supracitado, ingressando no mesmo ano e pagando a mesma quantia de parcelas que ele,
tendo inclusive optado pelo mesmo bem. Contudo, após o pagamento de 11 (onze) parcelas,
esse consorciado desistiu do plano.
Com o passar do tempo, no ano de 2005, mais precisamente, o consorciado teve
notícias de que o Juiz do Juizado Especial de sua comarca tinha o entendimento de que a
devolução do dinheiro, nesses casos, deveria dar-se de forma imediata. Assim, ele ingressou
com uma ação de restituição, a qual, após nove meses de trâmite, foi finalmente julgada, para
condenar a administradora a devolver, imediatamente, os valores por si pagos, atualizados
pelo INPC (índice comumente usado no Distrito Federal, mas varia conforme o Estado) desde
os desembolsos e acrescidos de juros moratórios desde a citação.
Nesse caso, o consorciado pagou R$ 3.195,50 (igualmente ao anterior) que, acrescido
da atualização até o efetivo pagamento pela administradora (R$ 1.096,33)19, chegaria ao valor
de R$ 4.291,83. Adicionando-se a esse valor o percentual moratório, que, in casu, seria de 8%
(considerando oito meses desde a citação, resultando R$ 343,35), temos que a administradora
devolveu ao consorciado desistente o total de R$ 4.635,18, ou seja, numerário maior do que
seria devolvido se cumprida a avença consorcial em seus termos, e dois anos antes do fim do
grupo.
Essa situação ilustra uma ação no juizado especial, sem interposição de recurso, o
que, se houvesse, majoraria o valor da condenação, dado o percentual de honorários
sucumbenciais e um maior lapso temporal para o efetivo trânsito em julgado.
Se a ação tivesse sido movida na justiça comum, pouco importaria ao consorciado o
tempo de trâmite da ação, já que, se reinasse a tese da devolução imediata, estaria ele com sua
“poupança” em constante variação positiva, o que elevaria os seus valores ainda mais. E quem
arca com essa devolução é o fundo comum do grupo de consórcio.
Esse foi um claro e prático exemplo de desvirtuamento do sistema de consórcio,
transformado em aplicação financeira, haja vista que o consorciado desistente ingressou na
justiça com ação de restituição, travestida de investimento. Quanto mais longo for o trâmite
processual, mais lucro se obterá, eis que a atualização monetária e os juros legais incidirão até
o efetivo pagamento.
19
O cálculo foi efetuado através do site www.drcalc.net.
55
Apenas para melhor ilustrar, a poupança variou em 2008 o percentual de 7,4856%20.
A taxa SELIC21 atual é de 8,75%22, ao ano. O consorciado que desiste, além de receber a
pecúnia investida atualizada, auferirá 12% ao ano de juros (percentual superior, portanto, à
poupança e à taxa SELIC), caso ingresse com a competente ação. Nessa esteira, resta
demonstrado o lucrativo negócio que é a desistência da campanha consórtil.
Mesmo a afirmativa de que a administradora utiliza os valores do consorciado
desistente para fomentar atividade própria é desprovida de razão, pois os valores do fundo
comum têm destinação própria, na forma do art. 6º da Circular n. 3.432/09 do BACEN, a
saber: “Os recursos dos grupos de consórcio, coletados pela administradora, devem ser
obrigatoriamente depositados em banco múltiplo com carteira comercial, banco comercial ou
caixa econômica”23.
Se a administradora estiver utilizando o dinheiro do grupo para outro fim, deverá ela,
mediante denúncia ao BACEN, sofrer as sanções cabíveis. Esta é uma hipótese de vício no
serviço prestado pela administradora, que deve responder por perdas e danos causados ao
grupo de consórcio (relação administradora-grupo).
Quem de fato enriquece com a devolução imediata é o consorciado desistente, como
demonstrado, e não a administradora.
Mas, por vezes, os adeptos à aplicabilidade do CDC, nesses casos, levantam a
bandeira do §2º do art. 53 do citado codex, sustentando que não há motivo para que o
consorciado desistente não receba de imediato o que pagou, já que será ele obrigado a arcar
com eventuais prejuízos causados ao grupo, desde que a administradora demonstre,
efetivamente, a ocorrência de tais danos. Eis a norma:
§ 2º Nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis, a compensação ou
a restituição das parcelas quitadas, na forma deste artigo, terá descontada, além da
vantagem econômica auferida com a fruição, os prejuízos que o desistente ou
inadimplente causar ao grupo.
Esse dispositivo é o comumente chamado de “lei morta”. Em síntese, ele prevê que
em se tratando de contrato de consórcio, a devolução do numerário investido terá descontada
a vantagem econômica auferida com o bem e os prejuízos que o excluído causar ao grupo.
Primeiramente, trataremos do desconto da vantagem econômica auferida com a
fruição do bem objeto do consórcio.
20
Segundo o site www.portabrasil.net.
Sistema Especial de Liquidação e Custódia.
22
Segundo o site www.bcb.gov.br.
23
Antes, era previsto no art. 4º da Circular n. 2.766/97 do BACEN.
21
56
Júnior (1999, p.548) explica esse parágrafo: “O consumidor consorciado terá direito
à devolução das parcelas quitadas, monetariamente atualizadas. Ser-lhe-ão descontadas,
entretanto, as vantagens econômicas auferidas com a fruição do bem.”
Em que pese o notável saber jurídico dos autores do anteprojeto do CDC, não há que
ser descontada qualquer vantagem econômica com a fruição do bem, pois o consorciado
desistente não poderá ser um consorciado contemplado, por dois motivos: Primeiro, o
consorciado contemplado, em sã razão, não tem o interesse de desistir da empreitada,
porquanto já está de posse do bem, o que justifica a sua contraprestação pecuniária.
Segundo, a impossibilidade da desistência do consorciado contemplado nasce da
própria essência do consórcio, afinal, o que ele faria com o bem? Entregaria ao grupo de
consórcio, deixando de pagar as parcelas remanescentes? Isso, por certo, prejudicaria o grupo,
pois ele não necessita de bens, mas sim de espécie, para realizar a compra de bens aos
integrantes.
Então, o consorciado simplesmente deixaria de pagar? Isso não seria desistência, mas
sim inadimplência, porquanto deve ele honrar com o saldo devedor, agora vinculado à
aquisição material.
Portanto, a vantagem econômica que adveio da fruição do bem pertence unicamente
ao consorciado, já que é inviável a exclusão, do plano consorcial, daquele que fora
contemplado e agora está de posse da coisa.
Noutro diapasão, não se concebe, matematicamente, que o consorciado excluído
receba os seus valores de volta e ainda arque com os danos resultantes de sua conduta. Mais
uma vez utilizemos o primeiro exemplo.
Em mais um exemplo, um consorciado, pertencente a grupo de 60 (sessenta) meses
de duração com 120 (cento e vinte) participantes, desiste após pagar 5 (cinco) prestações.
Dessa forma, a arrecadação do mês será de 190%.
Nesse caso, o consorciado causou prejuízo ao grupo no percentual correspondente a
10%, ou seja, 8,3335% de parcelas já pagas e 1,6667% da prestação que deixou de pagar no
mês em que desistiu.
Se ele arcar com o dano que originou ao grupo, necessariamente terá que abrir mão
da devolução, porquanto o dano é exatamente igual ao valor de sua restituição. Destarte, é
inegável que o dispositivo do §2º do art. 53 do CDC é um dispositivo sem validade, porque
sua aplicabilidade é impossível, à vista da natureza e da sistemática consorcial.
Outrossim, ainda que seja cobrado do consorciado percentual referente a fundo de
reserva, esse capital não será útil para se impedir eventual prejuízo causado por desistência de
57
consorciado. Isso porque o fundo de reserva é numerário destinado a outros fins que não a
cobertura de desistência.
Ferreira, F. (1998, p.60) conceitua o fundo de reserva, trazendo a sua finalidade:
Fundo de Reserva é uma contribuição [...] aplicada sobre o valor da contribuição
mensal cobrada pela administradora dos consorciados participantes dos grupos de
consórcios. Servirá para a constituição de um fundo, em que serão depositados a
referida contribuição e os rendimentos do próprio fundo.
A Circular do BACEN n. 2.196/92, primeira do Banco Central a tratar da matéria,
em seu art. 30, previa sua finalidade:
Art. 30. Os recursos do fundo de reserva serão utilizados, prioritariamente e na
seguinte ordem, para:
I – pagamento do prêmio do seguro de quebra de garantia, de acordo com a taxa
estabelecida pelo órgão competente;
II – Cobertura de eventual insuficiência de receita, nas assembléias gerais ordinárias
mensais, de forma a permitir a distribuição por sorteio de, no mínimo, um crédito
para compra do bem;
III – Cobertura de diferença de prestação, na forma regulamentada no art. 42 deste
regulamento;
IV – Revogado;
V – Contemplação por sorteio de um crédito para aquisição de bem, quando o
montante do próprio fundo atingir o equivalente a duas vezes o valor do bem;
VI – Cobertura da devolução, aos desistentes e excluídos, observado o disposto no
art. 65 deste regulamento24;
[...].
Da análise deste dispositivo e da definição concebida pelo ínclito doutrinador, inferese que o fundo de reserva tem diversas funções, mas todas culminando para cobrir eventual
dificuldade financeira enfrentada pelo grupo de consórcio. O fundo de reserva é poupança do
fundo comum, sendo empregado no momento em que o grupo tem o seu caixa reduzido.
O caput do mencionado dispositivo reza que o rol de finalidades desse fundo é
taxativo e segue ordem prioritária, sendo que os incisos iniciais prevalecem sobre os demais.
Assim, há uma hierarquia de objetivos, sendo que as necessidades mais urgentes são aqueles
trazidas pelos incisos na ordem crescente.
Nessa esteira, é claro que o fundo destina-se muito mais ao grupo de consórcio do
que ao consorciado desistente, eis que seu dinheiro só lhe será restituído, através desta
poupança, também ao término do grupo, pois o objetivo dessa reserva de capital é, cabe
destacar, proteger o grupo contra eventuais vicissitudes, e não formar economia para pagar
determinado consorciado que desista do plano. Isso afrontaria com o espírito do consórcio.
A mencionada Circular foi revogada com o advento da Circular n. 2.766/97, que
houve por bem deixar a cargo da administradora, caso optasse por cobrar percentual relativo a
essa reserva, a identificação de sua finalidade. E as administradoras, no uso desta atribuição,
24
O art. 65 desse regulamento trata da devolução dos valores pagos pelos desistentes e excluídos.
58
destinavam esse recurso, cuja finalidade antológica é de garantir a liquidez do grupo, da
mesma forma em que era previsto anteriormente.
Com a Circular n. 3.432/09, o BACEN retomou o entendimento anterior, de que era
necessário consignar, em regulamento próprio, a função do fundo de reserva. É o que se
conclui do art. 14:
Art. 14. É facultada a constituição de fundo de reserva, cujos recursos somente
podem ser utilizados para:
I – cobertura de eventual insuficiência de recursos do fundo comum;
II – pagamento de prêmio de seguro para cobertura de inadimplência de prestações
de consorciados contemplados;
III – pagamento de despesas bancárias de responsabilidade exclusiva do grupo;
IV – pagamento de despesas e custos de adoção de medidas judiciais ou
extrajudiciais com vistas ao recebimento de crédito do grupo;
V – contemplação, por sorteio, desde que não comprometida a utilização do fundo
de reserva para as finalidades previstas nos incisos I a IV.
Nota-se que em momento algum foram destinados os referidos recursos à restituição
de numerário a consorciado desistente. E não poderia ser de outra forma, pois, afinal, não
seria justo que os consorciados ativos, que primam pela pontualidade em seus pagamentos e
visam a saúde financeira do fundo comum sejam taxados (pague percentual a mais do que
normalmente pagam) para cobrir eventual desistência daquele que atrapalhou o bom
andamento do grupo.
Não é justo que os consorciados adimplentes arquem, para que possa alguém ser
contemplado na próxima assembleia, com o desfalque causado por aquele que feriu a
isonomia do contrato de consórcio.
Por isso, a única destinação a ser dada ao fundo de reserva é a de suprimir possível
dificuldade financeira enfrentada pelo grupo, sendo imprestável para a supressão de desfalque
do caixa do grupo causado por consorciado desistente.
Portanto, na prática, não há a possibilidade de qualquer impedimento de dano ao se
devolver, de forma imediata, o numerário investido pelo consorciado, sob pena de se ferir a
própria sistemática do consórcio. O grupo, fatalmente, sofrerá prejuízo, se ao consorciado for
devolvido o valor investido de forma imediata.
O Desembargador NATANAEL CAETANO, do TJDFT, no julgamento da apelação
cível 2005.01.1.144266-9, em 12 de abril de 2007, é um dos poucos daquele Egrégio Tribunal
que compreendem a nocividade da devolução imediata, ao consignar em seu voto:
Como visto, o consórcio é uma forma de poupança popular, onde várias pessoas
contribuem, com valores mensais, para a aquisição de um bem específico por todos
após determinado período. Assim, conclui-se que, se um ou vários dos consorciados
retiram-se do grupo prematuramente, há, presumivelmente, um prejuízo para aqueles
que ficam, porque não contarão com os valores necessários para a aquisição do bem
almejado. Dessa forma, a restituição precoce das parcelas já pagas pelo consorciado
59
retirante e que, até então, compunham o fundo comum, deverão ser repostas por
aqueles que ficaram e honraram com o acordo firmado coletivamente. A meu ver, a
forma de devolução das parcelas vertidas pelo consorciado desistente, prevista
contratualmente, não se mostra abusiva. Ao contrário, se assim não fosse, estar-se-ia
privilegiando o inadimplente que, utilizando-se do consórcio como forma de
poupança pessoal, teria seu dinheiro de volta, corrigido monetariamente, em
detrimento dos demais que, honrando o pacto coletivo, teriam que ratear os prejuízos
deixados por ele. Abusivo seria instituir o benefício a consorciado desistente ou
excluído, em detrimento do grupo.
Dessa forma, resta demonstrada a nocividade da restituição imediata para os grupos
de consórcio, que são os únicos que sofrem com o desvirtuamento do sistema, através de
decisões que ignoram a sua história, sua natureza e sua importância como instrumento de
progresso social.
5.3 PERSPECTIVAS COM A NOVA LEI DE CONSÓRCIOS
Pois bem. Como dito linhas atrás, a grande controvérsia jurídica entre consorciados e
administradoras é justamente o momento da devolução dos valores pagos pelo excluído. A
esperança era de que, com a nova Lei de Consórcios, cujo projeto tramitou no Congresso
Nacional desde 200325, sem mencionar projetos ainda mais antigos que acabaram por serem
arquivados, pusesse fim a essa contenda.
Entretanto, nesse quesito, ainda que tenha a recente norma modificado as regras
anteriores, no que concerne à época da restituição de valores, pouco ajudará a pacificar o
entendimento jurisprudencial.
Com o advento da Lei n. 11.795/08, a sistemática consorcial foi sensivelmente
alterada, principalmente no tocante ao momento da devolução de valores em caso de
desistência. O projeto original previa que a restituição da quantia paga pelo excluído seria
efetuada mediante sorteio, caso esse já tivesse pago pelo menos cinco parcelas do plano.
Em suma, ele participaria da assembléia ordinária e, caso fosse contemplado,
receberia o que investiu. Entretanto, na hipótese do consorciado não tiver pago pelo menos
cinco prestações, só verá o seu numerário restituído após o término das atividades do grupo.
Esse dispositivo visou coibir a desistência tardia, pois, por decorrência lógica e
matemática, quanto maior for o numerário despendido pelo participante, maior será o choque
de sua devolução no fundo comum, já que, além da pecúnia bruta, será pago também a
variação do preço do bem objeto da cota (atualização). Assim, para que o grupo não fosse
25
Projeto de Lei n. 533/03.
60
impactado de forma brusca, o consorciado teria um razoável tempo para decidir se continuaria
ou não na empreitada.
No entanto, o Ministério da Justiça sugeriu o veto dos dispositivos que assim
regulavam a devolução, o que foi acatado pelo Presidente da República. Vale dizer que as
razões desse veto são contrárias à natureza do sistema, porque o Código de Defesa do
Consumidor só deve regular algumas situações inerentes ao contrato discutido, o que não se
aplica ao presente caso. Vejamos a razão do veto:
Os §§ 1o, 2o e 3o do art. 30 e os incisos II e III do art. 31 da proposição tratam da
devolução dos valores pagos ao participante excluído. A redação do projeto impõe
ao excluído do consórcio duas possibilidades para restituição das quantias vertidas:
ser contemplado em assembléia ou ser restituído 60 dias após a data da realização da
última assembléia.
Nesse contexto, os dispositivos citados afrontam diretamente o artigo 51, IV, c/c art.
51, § 1o, III, do Código de Defesa do Consumidor, que estabelecem regra geral
proibitória da utilização de cláusula abusiva nos contratos de consumo. Com efeito,
embora o consumidor deva arcar com os prejuízos que trouxer ao grupo de
consorciados, conforme § 2o do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor,
mantê-lo privado de receber os valores vertidos até o final do grupo ou até sua
contemplação é absolutamente antijurídico e ofende o princípio da boa-fé, que deve
prevalecer em qualquer relação contratual.
Ademais, a inteligência do Código de Defesa do Consumidor é de coibir a quebra de
equivalência contratual e considerar abusiva as cláusulas que colocam o consumidor
em „desvantagem exagerada‟, tal como ocorre no caso presente. A devolução das
prestações deve ser imediata, sob pena de impor ao consumidor uma longa e injusta
espera.
Incorreta a justificativa do veto, porquanto não deve ser pautada a restituição das
parcelas do consorciado excluído pelo Código de Defesa do Consumidor, como
exaustivamente demonstrado. O veto feriu o próprio espírito da Lei, quando esta primou pelo
interesse coletivo em face do individual.
Todavia, a exegese dos dispositivos da Lei 11.795/08 leva a crer que o veto não
modificou, pelo menos substancialmente, a forma de devolução. Isso porque o art. 22 manteve
a lógica vetada no art. 29 e parágrafos do art. 30, verbis: “A contemplação é a atribuição ao
consorciado do crédito para aquisição de bem ou serviço, bem como para a restituição das
parcelas pagas, no caso dos consorciados excluídos, nos termos do art. 30.”
Ora, se a contemplação é, além de outra, a atribuição para a restituição de crédito, é
porque, necessariamente, o consorciado excluído 26 só terá de volta a sua contribuição quando
for contemplado por sorteio. E essa devolução será, obrigatoriamente, na forma do art. 30 da
mesma lei.
26
A Lei 11.795/08 não usa mais a expressão “desistente”, e sim “excluído”.
61
O único efeito prático do mencionado veto é que, aqueles que não pagaram até cinco
parcelas, inclusive, não terão que aguardar até o fim do grupo, podendo ser contemplado a
qualquer momento para ter de volta o capital despendido.
Ainda que tenha sido objeto de veto, a lei ainda exprime a natureza jurídica do
consórcio, como nenhum outro normativo jamais o fez. A Lei 11.795/08 é tão abrangente e
detalhada que mesmo com o veto presidencial, seu espírito, quanto ao momento da
restituição, prevaleceu.
Mesmo que o grupo de consórcio tenha o seu caixa diminuído quando determinado
consorciado desistente for contemplado, impedindo assim que um consorciado ativo o seja, a
lei veio conciliar os dois lados, de grupo de consórcio e consorciado excluído (ao contrário
dos que pensam que conciliou administradoras e consorciados, pois não é essa relação que
provem da restituição imediata).
Agora, ao menos, todos os consorciados estão cientes de que poderão deixar de ser
contemplados para que o grupo disponibilize numerário para devolução de quantia ao
excluído. Justo ou não, com a subscrição do contrato de consórcio, isonômico a todos os
integrantes, o consorciado aceita a estipulação, e se declara conhecedor desse possível
inconveniente, tendo, por conseguinte, de suportar tal intempérie.
Entretanto, no seio do judiciário, talvez a questão ainda demore a ser pacificada. Isso
porque aqueles que defendem a legitimidade da devolução imediata se justificam nas leis de
consumo.
Assim, uma vez que o CDC é norma de ordem pública, com caráter cogente, deverá
prevalecer sobre a Lei de Consórcios, mantendo o entendimento da abusividade, agora não
pela devolução ao término do grupo, mas pela restituição no momento da contemplação.
Talvez a solução para a pacificação dessa problemática seja o estudo e o
conhecimento da natureza jurídica do consórcio, bem como de seu histórico, quando se
verificará, na forma aqui demonstrada, que nem sempre o Código de Defesa do Consumidor é
o codex aplicável às relações consorciais, devendo-se observar, para cada caso concreto, a
relação contratual tratada.
Todavia, isso é apenas uma especulação, sendo de bom alvitre o aguardo da chegada
aos tribunais de casos de devolução provenientes de contratos firmados na vigência da nova
lei.
Por fim, com segurança pode-se afirmar que a nova Lei de Consórcios contribuiu
muito para o entendimento e desenvolvimento do sistema, o qual sai da esfera infra-legal
(pois a maior parte de suas normas vinham de circulares) para adentrar à esfera ordinária
62
(agora, a Lei n. 11.795/08 é responsável por dar as diretrizes dos sistema, limitando as
circulares do BACEN).
63
6. CONCLUSÃO
É manifesta a dissidência jurisprudencial e doutrinária acerca do momento da
devolução dos valores pagos pelo consorciado desistente. As duas teses mormente levantadas
são por demais fundamentadas, e também dotadas de retórica.
Entretanto, assim como todas as questões em direito, é fundamental a análise do
instituto estudado, sua história e o momento social em que surgiu, a fim de que se possa, com
estas premissas, extrair-se da norma que o rege o motivo dela existir, noutras palavras, dar o
seu fundamento de existência, para só então interpretá-la e aplicá-la ao caso concreto.
E não poderia ser diferente quanto ao consórcio, esse instituto de progresso social,
antiinflacionário (porque capta poupança popular), pensado e desenvolvido para que as
pessoas (naturais ou jurídicas) possam adquirir crédito de forma mais barata, como meio
alternativo ao crédito oferecido pelas instituições financeiras, conhecidos pelas altas taxas de
juros e excessiva burocracia para sua aquisição.
Pode-se inferir que o sistema de consórcio nada mais é do que a reunião de pessoas,
sejam elas naturais ou jurídicas, que se obrigam a seguir um regulamento isonômico, com
vista a aquisição de bens ou serviços mediante esforço comum.
Para a reta consecução dessa proposta, de formação de poupança para posterior
distribuição igualitária, faz-se necessária, exordialmente, a subscrição de uma cota pelo
interessado, que ingressará em grupo administrado por pessoa jurídica habilitada para tanto,
através de um instrumento particular denominado contrato de consórcio.
Este instrumento de acordo de vontades, referência ao bom andamento da
empreitada, tem natureza associativa, ou seja, é firmado por diversas pessoas com objetivo em
comum, de aquisição de bens mediante contribuição mensal, sem o que é impossível o
sucesso do investimento.
Assim, tem-se que, para o atingimento do objetivo do grupo (de distribuição de
bens), é preciso que cada consorciado contribua pontualmente, para que não prejudique a
contemplação mensal e a saúde financeira do fundo comum.
Também, o contrato de consórcio, por ser instrumento multilateral, cria diversas
relações jurídicas entre os sujeitos de direito que o compõe, sendo eles a administradora,
pessoa jurídica autorizada pelo Banco Central a prestar tais serviços e responsável pela gestão
do grupo; o consorciado, pessoa natural ou jurídica que ingressa no grupo, integrando-o, com
o fim de adquirir bens ou serviços; e o grupo de consórcio, sujeito de direito a quem a lei
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confere determinados direitos e deveres, composto pela coletividade (caráter associativo) dos
consorciados.
Se três são os sujeitos partícipes da avença consorcial, por decorrência lógica três
serão os vínculos entre estes sujeitos. Por conseguinte, a relação no contrato de consórcio é
tripartite, sendo elas: administradora-consorciado, refletida em toda ligação que diga respeito
a prestação de serviço em caráter individual; administradora-grupo, verificada na prestação de
serviço coletiva, ou seja, na gestão do grupo; e consorciado-grupo, no que diga respeito
apenas aos consorciados entre si, sem interferência ou interesse da administradora.
Essa diferenciação é importante para o estudo acerca da legislação a ser aplicada em
determinado vínculo do contrato, se civil ou consumerista. Nas relações em que a
administradora figure como parte deverá haver a incidência do Código de Defesa do
Consumidor, pois ela se encaixará como fornecedora do serviço de gestão, sendo
consumidores os consorciados, individual ou coletivamente considerados.
Já na hipótese da ligação consorciado-grupo de consórcio, há que ser observada a
legislação civil, porque é imprescindível, como anteriormente dito, que os consorciados
estejam em posição igualitária, sob pena de se ferir a sistemática consorcial e o equilíbrio do
grupo.
Com essa diferenciação, aliada ao fato de que a tese da devolução imediata encontra
supedâneo nas normas de consumo, é de fácil compreensão a nocividade da devolução
imediata das parcelas pagas pelo desistente.
Isso porque, em se tratando de restituição instantânea, aquele que deixa o grupo
causará prejuízo ao fundo comum, porquanto a retirada de seu numerário importará em queda
da arrecadação, tornando nítida que a relação em comento seja consorciado-grupo, o que é
suficiente para afastar a aplicação do CDC.
A retirada imprevista de numerário do caixa do grupo é sempre negativa, pois ele foi
estruturado de acordo com o prazo de duração, sendo que o número de consorciados é
proporcional a esse lapso temporal. Se, inadvertidamente, subtrai-se quantia do fundo comum,
necessariamente a contemplação do mês seguinte ficará frustrada.
Essa questão é bastante controversa nos Tribunais pátrios. O Superior Tribunal de
Justiça é pacífico no entendimento da prejudicialidade da retirada imediata. Já no âmbito
Estadual, notadamente nos Juizados Especiais, tem-se aceita a tese da devolução imediata, o
que vem lesando diversos grupos consortis pelo país.
Com a nova Lei de Consórcios (n. 11.795/08), a esperança era de que se pudesse
pacificar a matéria. Entretanto, parece que a controvérsia não estará resolvida, pois, no
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entendimento daqueles que são a favor da devolução imediata, o Código de Defesa do
Consumidor, norma cogente, deverá prevalecer em face da referida lei.
Todavia, essa é apenas uma especulação, sendo aconselhável o aguardo da chegada
aos tribunais de ações de restituição oriundas de contratos firmados na vigência da nova lei,
quando então, após o posicionamento da jurisprudência, poderá se elaborar um estudo mais
aprofundado sobre a questão da devolução da quantia paga de acordo com os ditames da Lei
n. 11.795/08, em sede de pós-graduação.
66
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Bruno Rodrigues Teixeira de Lima