Universidade Católica do Salvador Superintendência de Pesquisa e Pós-Graduação Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania RITA CRISTINA SOUZA DE OLIVEIRA DESCONSTRUINDO O MANICÔMIO: A EXPERIÊNCIA DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO NO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO DO ESTADO DA BAHIA Salvador 2009 RITA CRISTINA SOUZA DE OLIVEIRA DESCONSTRUINDO O MANICÔMIO: A EXPERIÊNCIA DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO NO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO DO ESTADO DA BAHIA Dissertação apresentada ao Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre. Orientador: Prof. Dra. Inaiá Maria Moreira de Carvalho Salvador 2009 UCSAL. Sistema de Bibliotecas O48 Oliveira, Rita Cristina Souza de. Desconstruindo o manicômio: a experiência de desinstitucionalização no Hospital de Custódia e Tratamento do Estado da Bahia/ Rita Cristina Souza de Oliveira. – Salvador, 2009. 86 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Católica do Salvador. Superintendência de Pesquisa e Pós-Graduação. Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania. Orientação: Profa. Dra. Inaiá Maria Moreira de Carvalho. 1. Desinstitucionalização Pessoas - Transtornos mentais - Autoras de delitos 2. Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico da Bahia (HCT-BA) 3. Política Nacional de Saúde Mental I.Título. CDU 364.013:613.86(813.8) TERMO DE APROVAÇÃO RITA CRISTINA SOUZA DE OLIVEIRA DESCONSTRUINDO O MANICÔMIO: A EXPERIÊNCIA DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO NO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO DO ESTADO DA BAHIA Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador. Salvador, 16 de novembro de 2009. Banca Examinadora: ____________________________________________________ Professora Doutora Mônica de Oliveira Nunes (UFBA) ____________________________________________________ Professora Doutora Márcia Santana Tavares (UCSAL) ____________________________________________________ Professora Doutora Inaiá Maria Moreira de Carvalho (orientadora) AGRADECIMENTOS A PROFª. DRª. Inaiá Maria M. de Carvalho, cuja valiosa orientação, paciência, respeito e amizade foram indispensáveis para que eu pudesse concretizar este trabalho. A PROFª. DRª. Mônica Nunes e PROFª DRª. Márcia Tavares, pela atenção e franqueza nas críticas. Aos professores do Mestrado da UCSAL, especialmente a PROFª. DRª. Ângela Borges pela presença motivadora e decisiva nos meus momentos de dúvida e angústia. À secretaria do Programa de Pós-graduação da UCSAL, particularmente a Helenice Pereira pela enorme atenção e cuidado. Aos técnicos e funcionários do Hospital de Custódia e Tratamento da Bahia e aos gestores da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, por me acolherem e viabilizarem o meu estudo. O meu eterno reconhecimento. As pessoas institucionalizadas no HCT-BA, cuja história de vida inspirou os meus passos neste trabalho. A Maria Célia Rocha, Paulo Barreto e Nivana Santos, pelo apoio. A Gabriela Guerreiro, Luciana Santos, Ana Cristina Costa e Marcela Lomanto, incentivadoras do meu mestrado. A Cláudia Vaz Torres, Thiago Pithon, Ludmila Correia e ao PROFº Ronaldo Jacobina, pela valiosa contribuição no começo da pesquisa. Aos colegas do Mestrado, especialmente Geruzia, Geovane, Lucyenne, Robson, Carol e Hogla, pelas muitas e boas conversas acadêmicas. A Thiara De Filippo e Cláudia Muniz, pelo apoio e carinho. A minha família, pelo apoio, pela força e pelo amor. Aos meus pais, Dina e Wado, por me possibilitarem realizar mais um sonho. A Claudia, João, Júlia e Victor, pelo afeto e pela alegria das suas presenças na minha vida. “A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente”. Machado de Assis RESUMO Este trabalho analisa um objeto pouco explorado, tanto pelos estudos da área de saúde quanto da justiça: a desinstitucionalização das pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delitos, com histórico de longa internação no Hospital de Custódia e Tratamento da Bahia (HCT-BA), que se encontram em situação de abandono familiar e social. O processo de desinstitucionalização incentiva a reorientação do HCT-BA, visando à desconstrução do modelo de característica asilar/carcerária para um modelo ancorado pela Lei Federal 10.216/2001. Neste sentido, aborda-se a relevância da Reforma Psiquiátrica, e da atual Política Nacional de Saúde Mental, que tem subsidiado uma revisão do modelo assistencial em vigor. Apresentam-se, ainda, as experiências brasileiras de reorientação dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs) e as possibilidades de assistências às pessoas portadoras de transtornos mentais, como os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs), os Centros de Atenção Psicossocial (CAPSs), o Programa de Volta para Casa (PVC) e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). A análise do processo de desinstitucionalização realizou-se a partir do estudo de caso do HCTBA, fundamentou-se através da observação direta e procedeu-se por pressupostos teóricos que nortearam o estudo e entrevistas semiestruturadas que possibilitaram o acesso às informações dos gestores, dos membros da equipe técnica e das pessoas institucionalizadas em situação de abandono familiar e social. Os depoimentos, em sua maioria, apontaram que a desinstitucionalização ainda é um trabalho pontual e que na Bahia faltam projetos que atendam a essa demanda, os dispositivos de cuidados criados a partir da Lei Federal 10.216/2001 ainda são insuficientes para acolher os futuros egressos do HCT-BA. O processo de desinstitucionalização é bastante difícil, uma vez que propõe a superação de práticas excludentes, fundada na negação e violação dos direitos e da cidadania. Ainda assim, é possível reverter essa situação, incluindo, sem mais tardar, os egressos do HCT-BA como beneficiários dos dispositivos de cuidados previstos nos novos paradigmas da saúde mental. Palavras-chave: Desinstitucionalização. Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. Política Nacional de Saúde Mental. ABSTRACT This paper analyzes a little explored subject by both studies health and justice: the deinstitutionalization of people with mental disorders perpetrators of crimes with long history of hospitalization at the Custody and Treatment of Bahia Hospital - HCT-BA, which are in a situation of social and family abandonment. The process of deinstitutionalization encourages the reorientation of the HCT-BA in order to deconstruct the asylum/prison model feature for a model based on the Federal Law 10.216/2001. In this sense, broaches the relevance of the Psychiatric Reform and the current National Policy on Mental Health which has supported a review of the care model in force. We present also the Brazilian experiences reorientation of Hospitals of Custody and Psychiatric Treatment - HCTP and the possibilities of assistance to people with mental disorders, such as the Therapeutic Residential Services - SRT, the Psychosocial Care Centers – CAPS, the Program Going Back Home - PVC and Continuous Cash Benefit - BPC. The analysis of the deinstitutionalization process was carried out from the case study of the HCT-BA, it was influenced by direct observation and performed by theoretical assumptions that guided the study and semi-structured interviews that allowed access to information from managers, technical staff and by institutionalized people in situations of social and family abandonment. The interviews, mostly indicated that deinstitutionalization is still a point of work and that, in Bahia, missing projects which meet this demand, to their care devices created from the Federal Law 10216/2001 which is insufficient to accommodate the future discharged from the HCT-BA. The process of deinstitutionalization is hard difficult, as it proposes to overcome exclusionary practices, based on the denial and violation of rights and citizenship. It is still possible to reverse this situation including, but without delay the discharged from the HCT-BA as recipients of care devices under the new paradigms of mental health. Keywords: Deinstitutionalization. Custody Hospital and Psychiatric Treatment. National Policy on Mental Health. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADRA – Agência de Desenvolvimento e Recursos Humanos AIH – Autorização para Internamento Hospitalar BPC – Benefício de Prestação Continuada CAPS – Centro de Atenção Psicossocial HCT-BA – Hospital de Custódia e Tratamento da Bahia HCTP – Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico INSS – Instituto Nacional do Seguro Social LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MPE-BA – Ministério Público do Estado da Bahia MTSM – Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família PAI – Programa de Assistência Individualizada PAI-PJ – Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário PAILI – Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator PVC – Programa de Volta para Casa REDA – Regime Especial de Direito Administrativo RT – Residência Terapêutica SEDES – Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado SESAB – Secretaria de Saúde do Estado da Bahia SJCDH – Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos SMS – Secretaria Municipal de Saúde SRT – Serviço Residencial Terapêutico SUAS – Sistema Único da Assistência Social SUS – Sistema Único de Saúde TAC – Termo de Ajustamento de Conduta TJMG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 CAPÍTULO I – A ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL 1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA 14 1.2 HISTÓRIA DA ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL 17 1.3 A REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE 21 1.4 O MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA E A POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL 23 CAPÍTULO II – O MANICÔMIO JUDICIÁRIO E SUA SUPERAÇÃO 2.1 O MANICÔMIO JUDICIÁRIO NO BRASIL 31 2.2 REORIENTAÇÃO DAS PRÁTICAS ASSISTENCIAIS ÀS PESSOAS COM TRANSTORNOS MENTAIS AUTORAS DE DELITOS 33 2.3 POSSIBILIDADES DE ASSISTÊNCIA ÀS PESSOAS COM TRANSTORNOS MENTAIS AUTORAS DE DELITO 37 CAPÍTULO III – A EXPERIÊNCIA DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO NO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO DA BAHIA 3.1 O HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO DA BAHIA 46 3.2 O CONCEITO DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO 50 3.3 ESTRATÉGIA E TÉCNICAS DA PESQUISA 55 3.4 ANOTAÇÕES DE UM DIÁRIO: AS OBSERVAÇÕES DE CAMPO 56 3.5 A EXPERIÊNCIA DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO 61 CONSIDERAÇÕES FINAIS 75 REFERÊNCIAS 80 11 INTRODUÇÃO Esta dissertação analisa a experiência de desinstitucionalização das pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delitos, em situação de abandono familiar e social e com história de longa internação no Hospital de Custódia e Tratamento da Bahia (HCT-BA), uma instituição vinculada à Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado, cujo objetivo é custodiar e tratar as pessoas portadoras de transtornos mentais que cometeram delitos e estejam sob a guarda da justiça. Como se sabe, durante muito tempo no Brasil, os loucos foram entregues à própria sorte e encontrados em todas as partes: nas ruas, nas prisões, nas casas de correção, em asilos de mendigos, nos porões das Santas Casas de Misericórdia (AMARANTE, 1994). Somente a partir de 1830 é que eles passaram a ser considerados doentes mentais, merecedores de reclusão e tratamento, iniciando-se, assim, “a história de um processo de asilamento” (AMARANTE, 1994, p. 74) no qual se adotou um modelo assistencial amplamente criticado: considerado ineficiente, “cronificador” e estigmatizante em relação à doença mental. Já a partir da década de 1970, sob a influência do movimento sanitário e do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), o acalorado debate sobre a saúde mental ampliou-se, dando início a um longo período marcado por denúncias sobre a violência nos manicômios e a mercantilização da loucura. No bojo dessas discussões e denúncias, surgiu o movimento da luta antimanicomial, que veio a dar origem à reforma psiquiátrica brasileira. Reforma essa que ganhou espaço com o processo de redemocratização do país e, através da Constituição Federal de 1988, vem contribuindo para deslocar gradativamente o campo da atenção em saúde mental de uma esfera prioritariamente médica e hospitalar para outra, que apresenta uma proposta inovadora, questionadora e transformadora das práticas da psiquiatria tradicional. A política de saúde mental brasileira passou, então, a ser baseada na assistência territorial, por meio de serviços substitutivos e em conformidade com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, as pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delitos, que são duplamente 12 estigmatizadas como loucas e criminosas, não têm sido beneficiadas pela nova política de saúde mental, uma vez que continuam atreladas a uma legislação penal que ainda mantém práticas segregacionistas e criminalizadoras da loucura. A política de saúde mental nos últimos anos vem se consolidando e mudando a realidade da assistência em saúde mental no Brasil. Ainda é um grande desafio acreditar que as pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delitos devam ser beneficiadas pela Lei Federal nº. 10.216/2001. No entanto, é a partir desse desafio e “entendimento” que as ações de desinstitucionalização no HCT-BA vêm se fortalecendo. O processo de desinstitucionalização no HCT-BA é bastante complexo uma vez que envolve a mudança do modelo de característica asilar/ carcerária. Essa mudança, por sua vez, faz parte da história recente das transformações que o campo da saúde mental vem passando nos últimos anos, como assegura Duarte quando afirma: “os saberes e práticas em saúde mental operam uma revisão do modelo assistencial em vigor, no sentido de promover uma sociedade sem manicômios e por um modelo assistencial em defesa da vida” (2006, p. 154). A proposta de desinstitucionalização no HCT-BA tem sido bastante discutida nas áreas da saúde, da justiça e da ação social. Nesse sentido, é importante recordar um pouco a história do HCT-BA que, até 1991, era denominado de Manicômio Judiciário. Criado pela Lei nº. 2.070, de 23 de maio de 1928, o Manicômio Judiciário foi inicialmente subordinado à Secretaria de Polícia e Segurança Pública, passando, em 1967, a ser vinculado à Secretaria de Justiça, atualmente designada como Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Diante de denúncias sobre as precárias condições de internamentos no HCTBA, foi assinado em 2004 o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), um instrumento jurídico que permite a eleição de prioridades e prazos para o cumprimento de obrigações relacionadas a direitos difusos, coletivos homogêneos e transindividuais. O TAC para adequação do HCT-BA às diretrizes traçadas pela reforma psiquiátrica foi assinado pelo Ministério Público do Estado (MPE), pela Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH) e pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB). Em razão do TAC no HCT-BA, no ano de 2007 duas equipes de técnicos (assistentes sociais, psicólogos e terapeutas ocupacionais) foram formadas para desenvolverem ações no sentido de garantir assistência integral à saúde física e 13 mental das pessoas em cumprimento ou aguardo de medida de segurança. Essas equipes também trabalham com a desinstitucionalização gradual das pessoas que estão no HCT-BA, em situação de abandono familiar e social. O presente trabalho é dividido em três capítulos. No primeiro, apresenta um breve histórico sobre a trajetória da assistência psiquiátrica no mundo e no Brasil, considerando, inclusive, a relevância das reformas sanitária e psiquiátrica ocorridas no país para a implementação da atual política de saúde mental. No segundo capítulo, discorre-se sobre o Manicômio Judiciário no Brasil desde a sua criação até os dias atuais, ressaltando-se as experiências brasileiras de reorientação do modelo de atenção às pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delitos. Abordam-se, também, as possibilidades de assistência e cuidado a que as pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delitos têm direito, a partir da Lei Federal 10.216/2001. No terceiro e último capítulo, evidencia-se a história do HCT-BA e a desinstitucionalização como uma estratégia de reorientação do modelo de tratamento psiquiátrico existente no HCT-BA. Propõe-se, assim, a análise dos dados coletados referentes à pesquisa, desinstitucionalização no HCT-BA. buscando compreender o processo de 14 CAPÍTULO I – A ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL 1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA O entendimento atual sobre a loucura é diferente do modo como ela era entendida em outras épocas assim como a forma de sua manifestação divergiu com o passar dos anos. Nos séculos XVI, XVII e XVIII, na Europa, por exemplo, os loucos eram recolhidos nos hospitais gerais e nas Santas Casas de Misericórdia. Discorrendo sobre o tema, Resende assegura que, os “hospitais gerais”, embora tivessem esse nome, não possuíam uma função curativa, destinando-se a “limpar as cidades dos mendigos e anti-sociais em geral, a prover trabalho para os desocupados, punir a ociosidade e re-educar para a moralidade mediante instrução religiosa e moral” (2001, p. 24). As Santas Casas de Misericórdia recebiam os loucos como hóspedes, dandolhes tratamento diferenciado dos demais e amontoando-os em porões, sem assistência médica. Entregues a carcereiros e guardas, eles, com os seus delírios e agitações, eram reprimidos por espancamentos ou contenção em troncos, e condenados literalmente à morte por maus tratos físicos, desnutrição e doenças infecciosas (RESENDE, 2001, p. 35). Pode-se dizer que o nascimento do asilo possibilitou o nascimento da psiquiatria, enquanto saber e prática sobre a loucura, conforme afirma Jacobina (2001). E o asilo era o espaço de exclusão dos loucos. Nos séculos XVIII e XIX, a doença mental tornou-se objeto do saber e da prática psiquiátrica e o hospital passou a atuar em outra conjuntura: o da medicalização e intervenção médica (AMARANTE, 1998). A medicina praticada era, segundo Foucault, “uma medicina de exclusão” (2004, p. 88). 15 Nesse novo contexto, tem-se, então, o surgimento da obra do médico francês Philippe Pinel, baseada no isolamento e tendo por finalidade executar regulamentos de polícia interna e observar a sucessão de sintomas para descrevê-los, pois não interessava localizar a sede da doença no organismo, mas, simplesmente, atentar para os seus sinais e sintomas, a fim de agrupá-los segundo a sua ordem natural, com base nas manifestações aparentes da doença. Sendo assim, o gesto de Pinel, ao liberar os loucos das correntes, não possibilitou a inserção desses em um espaço de liberdade, ao contrário, criou práticas centradas no baluarte asilar, estruturando uma relação entre medicina e hospitalização. Nesse sentido, é preciso evidenciar que “o internamento adquire credibilidade médica e se torna o destino da loucura, isolando aquilo que ela representa: perigo social e doença mental” (CORREIA, 2007b, p. 21). A institucionalização da loucura tornou-se, assim, uma regra a partir do entendimento de que ela afasta de forma organizada “as influências maléficas, morbígenas, que causam e agravam a alienação” passando, dessa forma, a ser vista como o “instrumento de cura” (TORRE, AMARANTE, 2001, p. 75). No entanto, o problema das instituições psiquiátricas revelava uma questão das mais fundamentais: a impossibilidade, historicamente construída, de trato com a diferença e os diferentes (AMARANTE, 1998, p. 48). O hospício, através do isolamento terapêutico, tinha como objetivo permitir a um só tempo a possibilidade da cura e do conhecimento da loucura. Esse isolamento seria, por sua vez, simultaneamente um ato terapêutico (tratamento moral e cura), epistemológico (ato de conhecimento) e social (louco perigoso, sujeito irracional), uma vez que: A história do manicômio mostra como se criou o processo de lidar com o sujeito alienado, alheio, estrangeiro a si próprio, que não é sujeito. No manicômio coloca-se em funcionamento a regra, a disciplina e o tratamento moral para a re-educação do alienado, através do que se torna possível a construção do conceito de uma subjetividade alienada, desregrada. Ao mesmo tempo, a instituição torna-se o lugar de tratamento e a institucionalização, uma necessidade (TORRE, AMARANTE, 2001, p. 75). Correia (2007b) afirma que o sujeito uma vez institucionalizado, logo era diagnosticado, classificado e submetido ao controle e à disciplina determinada pelos médicos e funcionários que ali atuavam. Ele era vigiado constantemente, devendo 16 obedecer às normas impostas, sob pena de punição nestas instituições que Foucault (1997) chama de disciplinares. Para ele, “a disciplina tenta reger a multiplicidade dos homens na medida em que essa multiplicidade pode e deve redundar em corpos individuais que devem ser vigiados, treinados, utilizados, eventualmente punidos” (2002, p, 289). Pode-se dizer que “o manicômio ocupa a vida da pessoa com transtorno mental em todos os níveis” (CORREIA, 2007b, p. 25). Goffman define o manicômio como uma instituição total1 uma vez que os indivíduos em situações semelhantes, separados da sociedade por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada. Para ele, nas instituições totais, existe uma divisão básica entre um grande grupo controlado e um pequeno grupo de supervisão, sendo que o primeiro tem pouco contato com o mundo exterior, ao passo que o segundo integra-se a ele. Amarante (1998) afirma que, como resposta às críticas ao modelo pineliano, que se caracterizava por excluir os internos e maltratá-los, foram criadas as colônias de alienados, que pretendiam reformular o caráter fechado do asilo pineliano, ao trabalhar em regime de portas abertas, de não restrição ou de maior liberdade. Na prática, o modelo das colônias serviu para ampliar a importância social e política da psiquiatria, neutralizando parte das críticas feitas ao hospício tradicional. Porém, no decorrer dos anos, as colônias não se diferenciavam dos asilos pinelianos. Após a Segunda Guerra, iniciou-se a discussão do projeto de reforma psiquiátrica, “quando novas questões são colocadas no cenário histórico mundial” e “toda espécie de violência e desrespeito aos direitos humanos é repudiada e reprimida pelo tecido social” (AMARANTE, 1998, p. 27-8). Nas décadas de 1930 e 1940, o enfoque terapêutico passou a ser desenvolvido em atividades coletivas e foram criados os grupos: de discussão, operativo, de atividades, dentre outros. A mudança no trato de portadores de transtornos mentais institucionalizados diz respeito a uma nova relação entre o hospital psiquiátrico e a sociedade que vinha sendo estabelecida no período, contra o caráter segregador da psiquiatria. Passou-se a utilizar o termo “comunidade terapêutica” para designar os processos de reformas institucionais em hospital psiquiátrico, envolvendo a adoção de medidas administrativas, democráticas, 1 Goffman denomina Instituição Total como um “local de residência e (ou) trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por um considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada” (2003, p.11). 17 participativas e coletivas, cujo principal objetivo era a transformação da dinâmica institucional asilar. E, no contexto internacional, iniciaram-se os movimentos antimanicomiais. 1.2 HISTÓRIA DA ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL Durante muitos anos, no Brasil, o louco foi marginalizado, sendo o hospício o lugar por excelência para se executar essa função: segregar, punir, excluir da sociedade (COSTA, 2003). E por muito tempo, a doença mental permaneceu silenciosa no país. Somente a partir do século XVIII, a loucura passou a ter visibilidade, sendo abordada como uma questão de vadiagem e de desordem: notava-se “nas ruas, a presença dos doidos (como de resto dos outros marginais) [...] pelos seus grotescos andrajos, seu comportamento inconveniente e pela violência com que, às vezes, reagem aos gracejos e provocações dos passantes” (RESENDE, 2001, p. 35). E o destino desses “doidos” seguiria “irremediavelmente paralelo ao dos marginalizados de outra natureza: exclusão em hospitais, arremedos de prisões” (RESENDE, 2001, p. 35-36). A assistência psiquiátrica brasileira teve início em 1852, ano em que foi inaugurado o Hospício D. Pedro II, no Rio de Janeiro, com capacidade para 350 pessoas. Ele destinava-se a receber doentes mentais de todo o império (um contrassenso, levando-se em conta às dimensões do território e às dificuldades de transporte e comunicação do período). Sua administração era subordinada à Santa Casa de Misericórdia, o que acontecia comumente nessa época. Nos anos seguintes, foram construídos hospícios em São Paulo, Pernambuco, Bahia e Pará (RESENDE, 2001) em locais afastados dos centros urbanos, com o argumento de proporcionar aos doentes mentais calma e tranquilidade, e ser um espaço apropriado ao seu tratamento. Porém, a verdadeira intenção era esconder a loucura dos olhos da sociedade, conforme pondera Resende (2001). A psiquiatria brasileira, em seus primórdios, apresentava um caráter leigo e só após quarenta anos foi influenciada pela medicina científica, que trazia novas 18 descobertas no campo da bacteriologia, da imunologia e da neurologia. É preciso dizer também que “a situação social e econômica, que tinha determinado o nascimento de instituições cuja função única, que lhe exigia a sociedade, era a simples segregação de desviantes, alterava-se rapidamente e pedia novas providências” (RESENDE, 2001, p. 41). A psiquiatria científica teve o seu marco no período posterior à proclamação da República. Foi nesse período que a classe médica passou a controlar as instituições que abrigavam os loucos, mantendo o seu caráter segregacionista. De acordo com Resende, cabia à psiquiatria “recolher e excluir as sobras humanas que cada organização social, de cada momento histórico, tinha „produzido‟” (2001, p. 56). Operava-se, portanto, a produção da doença mental “enquanto objeto médico e, com ela, toda uma prática de diagnóstico, medicalização e estruturação de paradigmas” que justificassem uma intervenção (AMARANTE, 1998, p. 46). Em 1903, a psiquiatria brasileira ganhou um forte aliado, o médico Juliano Moreira, que assumiu por 27 anos a direção da Assistência Médico-Legal aos Alienados, dando continuidade a criação de novos asilos, reorganizando os existentes e buscando legitimação jurídico-política da psiquiatria nacional (AMARANTE, 1994). O médico também havia assumido, no mesmo ano, a gestão do Hospício Nacional e, juntamente a Osvaldo Cruz, diretor dos serviços de Saúde Pública, tinha como tarefa sanear a cidade. Porém, à psiquiatria cabia o papel de “recolher as sobras humanas do processo de saneamento, encerrá-las no asilo e tentar, se possível, recuperá-las de algum modo” (RESENDE, 2001, p. 45). Na década de 1940, o asilamento tornou-se mais frequente e, na década seguinte, o processo de psiquiatrização foi fortalecido com o aparecimento dos primeiros neurolépticos. Entretanto, [...] o furor farmacológico dos psiquiatras dá origem a uma postura no uso dos medicamentos que nem sempre é “tecnicamente orientada”, muitas das vezes utilizados apenas em decorrência da pressão da propaganda industrial, muitas das vezes por ignorância quanto aos seus efeitos ou às suas limitações, quando não como mecanismo de repressão e violência, ou, ainda, como no caso dos manicômios, com o fito de tornar a internação mais tolerável e os enfermos mais dóceis (AMARANTE, 1994, p. 79). 19 Amarante salienta que “as novas técnicas serviram para aumentar a demanda e produzir novos clientes” (1994, p. 79), principalmente para a assistência privada. Segundo Resende (2001), a assistência psiquiátrica brasileira apresentava uma única função social: a exclusão do louco. No pós-guerra, ao contrário da Europa e dos Estados Unidos, o Brasil não mudou o padrão de investimento na área de saúde mental e manteve um sistema de atendimento psiquiátrico baseado nos moldes do início do século, em grandes hospitais do tipo asilar (PEREIRA, 2008). No entanto, numa sociedade que se modernizava, esse papel não mais podia ser desempenhado com tanta crueza e transparência, sendo, então, dissimulado, através das atividades que buscavam abrigar, vestir e alimentar o excluído. É na década de 1960, com forte influência militar, que a privatização da psiquiatria foi marcante. Amarante (1994) menciona o fato de o Estado ter passado a comprar serviços psiquiátricos do setor privado e de a doença mental ter se tornado, definitivamente, uma mercadoria, sendo comercializada e vista como um objeto de lucro. Ocorria, assim, o aumento da oferta de vagas e de internações em hospitais psiquiátricos privados, principalmente nos grandes centros urbanos. Chegou-se ao ponto de a Previdência Social destinar 97% do total dos recursos da saúde mental para as internações na rede hospitalar. Amarante enfatiza que “a política privatizante da Previdência Social termina por produzir excesso de atos de assistência médica” (1995, p. 59). Essa prática da privatização foi bem descrita por Resende: Com uma rede ambulatorial ainda incipiente e que funcionou como autêntica malha de captação de pacientes para hospitalização, o quinquênio 1965/70 foi marcado pelo fenômeno do afluxo maciço de doentes para os hospitais da rede privada; neste período, enquanto a população internada do hospital público permaneceu estável, a clientela das instituições conveniadas saltou de 14.000 em 1965 para 30.000 ao final do período. O movimento de internações seguiu a mesma tendência, pendendo a balança francamente para o lado da empresa hospitalar, que em 65 internou 35.000 pessoas e em 70, 90.000 (2001, p. 61). Resende salienta, ainda, que havia uma frouxidão no controle da duração das internações, advertindo que “o tempo médio de permanência, na rede privada, nesta fase, chegou a mais de três meses, uma duração média de hospitalização 20 compatível com os recursos terapêuticos e as concepções da psiquiatria do início do século”, o que era “incabível” para a década de 1960 (2001, p. 61). Esse modelo privatizante (em todo o setor de saúde, e não apenas no subsetor de saúde mental) é de tal forma violento, concentrador, fraudulento e ganancioso que contribuiu com parcela significativa de responsabilidade para a crise institucional e financeira da Previdência Social que se deflagrou no país no início dos anos 1980 (AMARANTE, 1994, p. 80). Essa crise levou o Estado a adotar medidas racionalizadoras e disciplinadoras do setor privado, ao lado de outras que visavam reorganizar o setor público para ocupar uma parcela da assistência pública até então delegada aos serviços comprados. Assim, foi implantado o processo de cogestão entre os Ministérios da Saúde e da Previdência Social. Segundo Paulo Amarante (1995), a relevância da cogestão advém do fato de esse processo ter se tornado um marco nas políticas públicas de saúde e não apenas de saúde mental. A criação do processo de cogestão ocorreu num momento em que a Previdência Social encontrava-se sob profunda crise institucional. Crise de caráter não apenas financeiro, mas principalmente ético e de modelo de saúde. Essa crise, apesar de ter sido apresentada como tendo uma origem financeira, pautada na relação quantitativa custos-benefícios, foi, na verdade, fundamentalmente qualitativa, vez que, A ineficiência da aplicação dos recursos é devida, em primeiro lugar, à própria natureza do modelo curativista e assistencialista e, em segundo, ao modelo de compra de serviços privados para a prestação de serviço „público‟, o que termina por apontar para a necessidade da racionalização dos gastos previdenciários (AMARANTE, 1995, p. 60). Nessa perspectiva, também foi criado o Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária (CONASP), responsável pela elaboração de um plano de reorientação da assistência psiquiátrica, conhecido como o “plano CONASP”. No decorrer desse processo, surgiram as Ações Integradas de Saúde (AIS), os Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (SUDS) e o Sistema Único de Saúde (SUS), que estabelece as condições institucionais para a implantação de novas políticas de saúde, entre as quais a de saúde mental. Segundo Paulo Amarante (1994), esse foi um período de criação de práticas 21 assistenciais territoriais, um processo prático de desconstrução de conceitos e práticas da psiquiatria. 1.3 A REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE A luta por direitos e por cidadania marca historicamente o campo da saúde no Brasil. Segundo Bravo e Matos (2006), a formulação da política de saúde ocorreu na década de 1930, e teve a sua consolidação no período de 1945 a 1964, quando foi organizada em dois subsetores: o de saúde pública e o de medicina previdenciária. A saúde pública apresentou como características: a ênfase nas campanhas sanitárias, a interiorização das ações para as áreas de endemias rurais e a criação de serviços de combate às endemias. Na década de 1960, a política de saúde ganhou maior racionalização administrativa e sofisticação nas campanhas sanitárias. Já a medicina previdenciária teve como marco a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) que substituíram as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), criadas em 1923. Esses Institutos ofereciam serviços que “basicamente” formavam a assistência médico-previdenciária, uma “situação que vai ser completamente diferente no regime que se instalou no país após 1964” (BRAVO e MATOS, 2006, p. 27). O Estado vai intervir na questão social por meio do binômio repressão-assistência, burocratizando e modernizando a máquina estatal com a finalidade de aumentar o poder de regulação sobre a sociedade, de reduzir as tensões sociais e de conseguir legitimidade para o regime (BRAVO e MATOS, 2006, p. 27). De acordo com Bravo e Matos (2006), a situação da política de saúde entre os anos de 1964 a 1974 passou a privilegiar o setor privado, tendo como características: a extensão da cobertura previdenciária, a ênfase na prática médica curativa orientada para burocratização do setor, a criação do complexo médicoindustrial e a diferenciação de atendimento à clientela. A partir de 1974, a política de saúde enfrentou várias tensões entre os interesses dos setores estatal e empresarial e a emergência do movimento sanitário. 22 Esse período foi marcado por maior efetividade no enfrentamento da questão social, a fim de canalizar as reivindicações e pressões populares. Na década de 1980, a saúde envolveu a participação de novos sujeitos sociais na discussão das condições de vida da população brasileira e das propostas governamentais apresentadas para o setor, contribuindo para o amplo debate que surgiu no período e permeou a sociedade civil. A saúde deixou de ser interesse apenas dos técnicos, para assumir uma dimensão política, estando estreitamente vinculada à democracia (BRAVO, 2007). Nesse período, o movimento de reforma sanitária apresentou algumas propostas para a política de saúde, sendo as principais: a universalização do acesso; a concepção de saúde como direito social e dever do Estado; a reestruturação da saúde através da estratégia do Sistema Único de Saúde. Essas propostas visavam: um reordenamento setorial sobre a saúde individual e coletiva; a descentralização do processo decisório para as esferas estadual e municipal; o financiamento efetivo e a democratização do poder local através de novos mecanismos de gestão – os Conselhos de Saúde (BRAVO, 2007). Em 1986, sob forte influência do processo de redemocratização que vivia o país e da luta do movimento sanitário, aconteceu a 8ª Conferência Nacional de Saúde, evento histórico, pela primeira vez aberto à sociedade civil, e bastante significativo para a política pública de saúde do país. De acordo com Bravo e Matos (2006), a Conferência teve como eixos temáticos: a Saúde como direito de cidadania e a Reformulação do Sistema Nacional de Saúde e Financiamento Setorial. Pelo exposto até aqui, pode-se então afirmar que o texto constitucional foi inspirado nas proposições defendidas durante vários anos pelo movimento sanitário, embora, como assegura Bravo (2007), não tenha sido possível contemplar todas as demandas quando confrontadas com os interesses empresariais ou de setores do próprio governo. Ainda assim, a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como a mais progressista, uma vez que nela a Saúde, a Assistência Social e a Previdência Social passaram a integrar a Seguridade Social. O Projeto de Reforma Sanitária usou o Sistema Único de Saúde (SUS) como uma estratégia para as demandas dos movimentos sociais e preocupava-se em “assegurar que o Estado atue em função da sociedade, pautando-se na concepção de Estado democrático e de direito, 23 responsável pelas políticas sociais e, por conseguinte, pela saúde” (BRAVO, 2007, p. 101). A atual legislação brasileira ampliou a definição de saúde, considerando-a como o resultado de vários fatores (fatores determinantes e condicionantes), como alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer, cultura, violência, acesso a bens e serviços essenciais (BRASIL, 2009a). Na opinião de Bravo (2007), o SUS real está muito longe do SUS constitucional. Observa-se que a política de saúde atual focaliza o atendimento dos segmentos mais pobres da população, pois, com a pressão do desfinanciamento2, a perspectiva universal está cada dia mais longe de ser atingida. É importante estar ciente de que o Projeto de Reforma Sanitária vem perdendo a disputa para o Projeto voltado para o mercado, que persiste na ideia do SUS como serviço exclusivo para os pobres; isto pode ser entendido como uma ameaça à política pública de saúde (BRAVO, 2007). São muitas as dificuldades na consolidação do SUS, no entanto, essas dificuldades não podem se constituir em empecilhos para que os princípios do ideário da Reforma Sanitária Brasileira, como a Universalidade, Integralidade, Equidade, Participação Social e Descentralização, sejam assegurados pelo Estado. É válido ressaltar que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, a saúde é um dever do Estado, ou seja, do poder público, que abrange a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. 1.4 O MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA E A POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL No campo da saúde mental no Brasil merece destaque a Reforma Psiquiátrica, que teve seu início no final da década de 1970, após anos de críticas e 2 Maria Inês Bravo (2007, p. 105) afirma que o desfinanciamento é muito sério, pois está diretamente articulado ao gasto social do governo e é determinante para a manutenção da política focal, de precarização e terceirização dos recursos humanos. 24 discussões sobre o modelo assistencial adotado no país, modelo esse centrado no hospital psiquiátrico. Para Amarante (1998), o movimento da reforma psiquiátrica brasileira eclodiu, em 1978, com a crise da Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM), órgão do Ministério da Saúde, responsável pela formulação das políticas de saúde do subsetor saúde mental, que trouxe a tona às precárias condições de trabalho dos seus profissionais e bolsistas e as denúncias de violências nas instituições psiquiátricas. Por esse meio, nasceu o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) cujo objetivo é constituir-se em um espaço de luta não institucional, em um lócus de debate e encaminhamento de propostas de transformação da assistência psiquiátrica, que aglutina informações, organiza encontros, reúne trabalhadores em saúde e associações de classe, bem como de entidades e setores mais amplos da sociedade. Desse modo, o MTSM caracteriza-se por ser um movimento “não-cristalizado institucionalmente” (AMARANTE, 1998, p. 57), pois se preocupa com a perda de autonomia, com a burocratização, com a limitação da abrangência política e a cronificação do movimento, caso se torne uma instituição solidificada, com uma sede, secretaria, maiores possibilidades de fundos e melhor aparato administrativo. O MTSM influenciou o surgimento do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, movimento que aglutina um grande número de trabalhadores, de usuários dos serviços de saúde mental e de familiares desses usuários. Amarante (1998) assevera que inicialmente o movimento denunciava e criticava a assistência psiquiátrica dispensada à população, propondo o cumprimento das alternativas baseadas em reformulações preventivas, extrahospitalares e multidisciplinares. Junto às críticas à administração/gestão dos serviços, surgiram o lema da luta antimanicomial e as denúncias de favorecimento ao setor privado (pelos convênios com o setor público e pelo caráter medicamentoso e lucrativo com que se trata da questão da saúde e da psiquiatria). Importante registrar que nesse período vários eventos (congressos, encontros, reuniões, assembleias) foram realizados no país, com o objetivo de discutir a política de saúde mental brasileira. Nesse contexto, destacam-se a 8ª Conferência Nacional de Saúde, a I Conferência Nacional de Saúde Mental, o II Congresso Nacional de Trabalhadores de Saúde Mental, conhecido como o 25 Congresso de Bauru, que lançou o lema “Por uma sociedade sem Manicômios”, e a 2ª Conferência Nacional de Saúde mental. Sobre o assunto, Amarante pontua: Esta trajetória pode ser identificada por uma ruptura ocorrida no processo da reforma psiquiátrica brasileira, que deixa de ser restrito ao campo exclusivo, ou predominante, das transformações no campo técnico-assistencial, para alcançar uma dimensão mais global e complexa, isto é, para tornar-se um processo que ocorre, a um só tempo e articuladamente, nos campos técnico-assistencial, políticojurídico, teórico-conceitual e sociocultural (1998, p. 75-76). Amarante também destaca a participação do usuário nos movimentos de transformações no campo da saúde mental brasileira, “O louco/ doente mental deixa de ser simples objeto da intervenção psiquiátrica, para tornar-se, de fato, agente de transformação da realidade, construtor de outras possibilidades” (1998, p. 121). Vasconcelos (2008) afirma que a primeira grande fase da reforma psiquiátrica foi entre os anos de 1978-1992, período marcado por grande mobilização social e crítica ao sistema hospitalar e asilar, pontuando também que esse foi o período das primeiras experiências de humanização e controle da hospitalização e da rede ambulatorial em saúde mental. No campo da saúde mental, diversos países passaram por reformas, cada um com pressupostos, contextos e estratégias diferenciados (CORREIA, 2007b, p. 103). No caso do Brasil, a busca por mudança dos modos de operar a assistência psiquiátrica teve uma grande influência da reforma psiquiátrica implementada na Itália, uma vez que: A chamada Psiquiatria Democrática Italiana fez alianças com outros movimentos sociais, radicalizou a força das denúncias sobre a violência da instituição psiquiátrica. Criou, igualmente, caminhos para a desmontagem do manicômio, entendida como desconstrução de materialidades e dos saberes médico-psicológicos. Desinstitucionalizar significaria assim, para os italianos, lutar contra uma violência e lutar por uma transformação da cultura dos técnicos, aprisionados, também, a uma lógica e a um saber que não deseja uma análise histórica mais aprofundada (BARROS, 1994, p. 190). Para Rotelli (1992), o movimento italiano implicou na desconstrução do manicômio, possibilitando a construção de uma rede de cuidado, composta por centros de saúde mental, cooperativas de trabalho e serviços de emergência 26 psiquiátrica, e produzindo novas formas de sociabilidade e de subjetividade para as pessoas que precisavam de assistência psiquiátrica. Basaglia (1985) alude que a psiquiatria é uma instituição de violência e, como tal, deve ser negada. Nesse sentido, o doente, antes excluído do mundo dos direitos e da cidadania, deve tornar-se um sujeito, e não um objeto do saber psiquiátrico (AMARANTE, 1995, p. 04). Na opinião de Pereira, Basaglia defendia a desconstrução do aparato asilar como premissa para uma verdadeira reforma na saúde mental, e não só do aparato asilar, mas de um conjunto de paradigmas socialmente estabelecidos, que instituíam a exclusão de indivíduos como forma de tratamento. A mudança deveria ocorrer tanto dentro como fora do hospital psiquiátrico (2008, p. 232). Como já foi mencionado, a Política de Saúde Mental Brasileira adotou o modelo italiano, baseado no cuidado territorial e na superação do manicômio. Outro modelo de assistência psiquiátrica que teve repercussão e influência no país foi o norte-americano que, segundo Amarante (1995), reduziu o conceito de desinstitucionalização para desospitalização. Wacquant (2008) salienta que, nos Estados Unidos, reduziu-se de forma expressiva a quantidade de pessoas institucionalizadas. Em quarenta anos de reforma psiquiátrica, o número de pessoas internadas passou de 559 mil para 69 mil. Porém, os locais ou serviços que deveriam substituir os hospícios, por falta de financiamento público, não foram criados, e os serviços existentes se deterioraram na medida em que as seguradoras privadas de saúde e a cobertura médica oferecida pelo Estado Federal diminuíram. Observa-se que a desinstitucionalização norte-americana gerou o crescimento de uma população abandonada à própria sorte, resultado de uma política de saúde mental ineficiente. No Brasil, o início do movimento de reforma psiquiátrica foi bastante complexo e envolveu as esferas federal, estadual e municipal, as universidades, os serviços de saúde, os conselhos profissionais, as associações das pessoas com transtornos mentais e seus familiares, os movimentos sociais, e sociedade civil. Segundo Correia, “o norteamento da Reforma Psiquiátrica Brasileira encontra-se voltado para a busca da recontextualização das pessoas com transtornos mentais, por meio da garantia dos seus direitos e do exercício da cidadania” (2007b, p. 105). 27 É importante compreender que a reforma psiquiátrica brasileira teve como principal desafio a luta pelos direitos, cidadania e autonomia das pessoas portadoras de transtornos mentais. Nesse sentido, Tenório (2002) observa que ela desdobrouse em um amplo e diversificado escopo de práticas e saberes, que abarca a clínica, a política, o social, o cultural e as relações com o jurídico. Essa reforma objetivou dar ao problema da loucura outra resposta social, não asilar: evitar a internação como destino e reduzi-la a um recurso eventualmente necessário, agenciar o problema social da loucura de modo a permitir ao louco manter-se na sociedade. Nesse percurso, a cidadania na saúde mental ganha novo significado. Segundo Vasconcelos (2008), mesmo passando pelos tradicionais direitos civis, políticos e sociais3, ela implica uma luta específica pelo reconhecimento de direitos particulares dos usuários dos serviços e seus familiares. Vasconcelos (2008) enfatiza que a cidadania, marcada pela experiência da loucura, não pode ser identificada com a concepção convencional, associada ao indivíduo racional, livre e autônomo. Para o autor, a discussão sobre cidadania implica em um processo de questionamento e revisão de vários conceitos e dispositivos jurídicos e legais, principalmente aqueles ligados à incapacidade civil, tutela, periculosidade e imputabilidade. Também é preciso reconhecer que a cidadania envolve o acesso à participação social na gestão, na consolidação, no controle e na regulação das políticas públicas no Brasil. No âmbito do movimento de reforma psiquiátrica, em 1989, dá entrada no Congresso Nacional o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado, que propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país. É o início das lutas do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativo e normativo. A partir do ano de 1992, os movimentos sociais, inspirados pelo Projeto de Lei Paulo Delgado, conseguiram aprovar em vários estados brasileiros as primeiras leis que determinam a substituição progressiva dos leitos psiquiátricos por uma rede de atenção à saúde mental. Somente em 2001, após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, a Lei 10.216 foi sancionada no país, em 06 de abril de 2001 (BRASIL, 2005). 3 Uma das principais contribuições sobre a constituição dos direitos de cidadania encontra-se em Marshall (1967) que, a partir da experiência inglesa, definiu a cidadania como sendo composta dos direitos civis, políticos e sociais. 28 A nova Lei Federal 10.216/2001 dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e também sobre a reformulação do modelo de atenção em saúde mental, propondo no lugar do isolamento o convívio com a família e a comunidade. Essa lei substitui a legislação psiquiátrica de 1934 (Decreto n. 24.559/1934) e contempla mudanças significativas no modelo de atenção da saúde mental, garantindo o acesso aos serviços e o respeito a seus direitos e a sua liberdade. O advento dessa mudança pode ser identificado já no Art. 1º: Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra. Correia (2007a) pontua que a lei afirma o direito ao tratamento respeitoso e humanizado, preferencialmente em serviços substitutivos, estruturados segundo os princípios da territorialidade e da integralidade do cuidado. Costa afirma que “Em face da complexidade dessa transformação e em função de sua amplitude, ela está sendo implementada de forma progressiva, mas irreversível em um crescente de iniciativas que orientam os novos serviços” (2003, p. 163). A internação psiquiátrica, então, configura-se como último recurso terapêutico, de acordo com a lei4. Iniciou-se a substituição progressiva dos grandes hospitais psiquiátricos pelos novos serviços5, são eles: os Centros de Atenção Psicossocial (CAPSs), os Ambulatórios, as Residências Terapêuticas (RTs) e os Núcleos de Atenção Integral em Saúde da Família. No entanto, a política de saúde mental continua enfrentando grandes desafios, sendo um deles os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs) que, com o advento da Lei n. 10.216/2001, ganhou visibilidade. Sobre a lei, é válido considerar que embora ela “não mencione explicitamente a circunstância de internação na eventualidade de autoria de delito por pessoa com transtorno mental, trata da internação compulsória em geral, ou seja, quando for judicialmente determinada” (CORREIA, 2007b, p. 112), conforme prevê o artigo 6º: 4 A Lei 10.216/2001 dispõe, no Artigo 4º: “A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”. 5 Sobre os novos serviços substitutivos na saúde mental, ver o capítulo II, item 4. 29 A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e III – internação compulsória: aquela determinada pela Justiça. No que se refere à internação compulsória, o artigo 9º pontua que: A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários. Correia (2007a) menciona que a internação compulsória em HCTP deve ser coerente com os mesmos princípios éticos de garantia de direitos humanos, de forma que a penalização da pessoa não se sobreponha ao direito de uma atenção integral às suas necessidades de saúde, complementando que as pessoas internadas nos HCTPs devem receber tratamento baseado nos princípios da Lei n. 10.216/2001. Impulsionado pela redemocratização do país, pelas denúncias de violação de direitos, pela reforma psiquiátrica, pelo movimento antimanicomial e pela política de saúde mental, foi realizado pelos Ministérios da Saúde e Justiça o Seminário Nacional para a Reorientação dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, que teve como eixo a integração dos HCTPs aos princípios do SUS (BRASIL, 2002a). Esse seminário proporcionou um amplo debate acerca dos HCTPs e buscou, através do diálogo de diferentes áreas (saúde, justiça, previdência, direitos humanos e outras), novas formas de garantir o direito das pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delitos à responsabilidade, à assistência e à reinserção social. Em 2004, foi aprovada, pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, a Resolução n. 5 que estabelece as diretrizes para a adequação das medidas de segurança às disposições da Lei n. 10.216/2001. De acordo com o relatório de Gestão 2003-2006, da Coordenação Geral da Saúde Mental do Ministério da Saúde, no que se refere aos HCTPs são marcos: a instituição da Política de Saúde no Sistema Penitenciário, através da Portaria 30 Interministerial 1.777/03, buscando implantar ações e serviços de atenção básica nos estabelecimentos prisionais brasileiros, incluindo os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico; a realização nos anos de 2003 e 2004, nos estados do Rio de Janeiro, Goiás e Bahia, com o apoio do Ministério da Saúde, de censos clínicos, jurídicos e psicossociais das pessoas submetidas à medida de segurança e internadas em manicômios judiciários ou presídios comuns, revelando que grande parte dos internos poderia beneficiar-se de tratamento na rede SUS de atenção à saúde mental; a realização em 2004 do Congresso Brasileiro de Centros de Atenção Psicossocial, que reafirmou a natureza dos CAPSs como serviços estratégicos para o tratamento e reintegração social do louco infrator (BRASIL, 2004b). Desta forma, objetiva-se a superação dos HCTPs com a construção de novos espaços para as pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delitos, espaços que proporcionem novas relações sociais sob bases democráticas. 31 CAPÍTULO II – O MANICÔMIO JUDICIÁRIO E SUA SUPERAÇÃO 2.1 O MANICÔMIO JUDICIÁRIO NO BRASIL Uma das justificativas para a criação do Manicômio Judiciário foi a necessidade de se estabelecer um espaço reservado à loucura criminosa. Conforme descreve Carrara, a ideia “de que „loucos perigosos ou que estivessem envolvidos com a justiça ou polícia‟ deveriam ser separados dos alienados comuns, constituindo-se em objeto institucional distinto” (1998, p. 148) era bastante disseminada. A instituição, segundo Correia6, havia surgido enquanto “um lugar social específico para o encontro entre o crime e a loucura”, e nela se “excluía a possibilidade de qualquer integração sócio-familiar do denominado „loucocriminoso‟”. Dessa maneira, o que existia era uma união entre prisão e manicômio. De acordo com Cohen, o primeiro manicômio judiciário, denominado de Criminal Lunatic Asylum Act, foi construído na Inglaterra, em 1860 (2006, p. 123) e a primeira instituição a acolher loucos criminosos foi o Asilo de Bedlem, também na Inglaterra. Já os primeiros manicômios judiciários do Brasil e da América Latina foram criados no Rio de Janeiro, no ano de 1921; em Barbacena, Minas Gerais, no ano de 1929; e em 1933, em São Paulo. Nesses novos espaços destinados à “loucura criminosa”, perdia-se o vínculo com a saúde, uma vez que eles não eram considerados hospitais e estavam normalmente vinculados à Secretaria de Justiça. É por isso que Correia afirma que o manicômio judiciário legitimou a inserção da psiquiatria na esfera da ciência penal e consolidou a presunção da 6 Apud CORREIA, LIMA, ALVES: Direitos das pessoas com transtorno mental autoras de delitos. Cadernos de Saúde Pública, RJ/set-2007a, p. 1995 – 2002. 32 periculosidade, definida como probabilidade de delinquir (2007, p. 39). Sobre o assunto, argumenta Foucault: [...] A noção de periculosidade significa que o indivíduo deve ser considerado pela sociedade ao nível de suas virtualidades e não ao nível de seus atos; não ao nível das infrações efetivas a uma lei efetiva, mas das virtualidades de comportamento que elas representam (2003, p. 85). Para Peres, por sua vez, a periculosidade se fundamenta no perigo potencial que o louco representaria (1997, p. 111). E Cohen (2006) adverte que a associação entre doença mental e periculosidade surgiu em um período de obscurantismo da sociedade, quando se segregava tudo aquilo que se considerava como socialmente perigoso: os doentes mentais, os criminosos ou as prostitutas, entre outras pessoas vistas como perigosas a priori. A condição jurídica da pessoa portadora de transtorno mental autora de delito, no caso do Brasil, foi normatizada pelos Códigos Penais de 1830, 1890 e 1940, além da reforma penal de 1984. O Código Penal Brasileiro, de 1940, por exemplo, conferia ao Estado o poder de retirar do convívio social os loucos, considerados a priori como perigosos. Na reforma penal de 1984, foi mantida a periculosidade presumida aos inimputáveis e semi-imputáveis com aplicação de medida de segurança. Peres e Nery Filho assinalam que a doença mental é “causa excludente de culpabilidade” (2002, p. 346) e, por isso, as pessoas com transtornos mentais autoras de delitos não devem ser punidas, mas tratadas. Dessa forma, aplica-se a medida de segurança com internação em manicômio judiciário. Cohen esclarece que “a medida de segurança foi a forma legal que a justiça encontrou para tratar dos doentes mentais que transgrediram o Código Penal” (2006, p. 123). Ressalte-se que a medida de segurança tem caráter indeterminado, sendo estabelecido um prazo mínimo para a sua duração, que deve ser determinado pelo juiz, no limite de um a três anos, e condicionado à verificação da cessação de periculosidade, mediante perícia psiquiátrica. Sendo assim, para Peres, “a lógica mantém-se: o doente mental delinquente é englobado por uma estratégia que se centra na periculosidade – futuro, risco, probabilidade –, à qual cabe uma sanção indeterminada” (2002, p. 353). Nessa 33 ótica, Correia descreve a prática do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP): O tratamento tem como base a segregação da pessoa, que visa a segurança social contra um sujeito perigoso por presunção legal e não a base terapêutica. A permanência do louco no manicômio apenas o cronifica: se verifica, na prática, o agravamento das condições de saúde e a perda da possibilidade de reintegração social daqueles que estão no sistema psiquiátrico. A defesa social desconsidera qualquer aspecto da saúde mental e aplica uma medida de segurança que se caracteriza pela indeterminação da sua duração e pela falta de perspectiva de um atendimento baseado no conceito do direito à saúde, evidenciando, assim, um descompasso com os princípios do SUS e com a legislação sanitária e de saúde mental (2007b, p. 80). Barros (2003) pontua que no manicômio judiciário mescla-se o pior da penitenciária e o pior do hospital psiquiátrico. Acredita-se, portanto, que a história do manicômio judiciário é marcada pela violação de direitos, inclusive porque a pessoa institucionalizada é excluída do convívio familiar e social. 2.2 REORIENTAÇÃO DAS PRÁTICAS ASSISTENCIAIS ÀS PESSOAS COM TRANSTORNOS MENTAIS AUTORAS DE DELITOS No contexto brasileiro, algumas experiências têm demonstrado que é possível o atendimento das pessoas com transtornos mentais autoras de delito fora dos HCTPs. Como exemplos dessas experiências, podem ser citados os estados de Minas Gerais e Goiás que, embora de forma embrionária, passaram a desenvolver ações diferenciadas de atenção às pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delitos. Em 1997, foi apresentado ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), um projeto de pesquisa de estudantes do curso de psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. O projeto previa um levantamento dos processos criminais nos quais o autor de delito fosse uma pessoa portadora de transtorno mental. O resultado da pesquisa culminou com a formulação de um projeto-piloto, denominado Projeto de 34 Atenção Integral ao Paciente Judiciário (PAI-PJ)7, que, através de acompanhamento, realiza a mediação entre o tratamento e o processo jurídico. O PAI-PJ foi transformado em programa em dezembro de 2001, contando com o trabalho de uma equipe multiprofissional, que oferece ao sistema jurídico subsídios que atendam à individualização na aplicação da medida judicial, enfatizando o tratamento com vistas a garantir que a pessoa portadora de transtorno mental autora de delito tenha a possibilidade de responder por seus atos. A proposta do PAI-PJ é “desconstruir o mito da monstruosidade” (BARROS, 2003, p. 128). Nas palavras de Barros (2003), o PAI-PJ também visa romper com a cultura da exclusão, uma vez que a sociedade, juntamente à ciência, excluiu o indivíduo portador de transtorno mental autor de delito da sociedade, destinando-o para os porões da loucura e construindo argumentos inabaláveis para deixá-lo por lá. Para a autora, o mais forte desses argumentos é o da periculosidade, que define a loucura como “uma coisa muito perigosa e que todos os esforços devem ser realizados para excluir essa coisa louca do convívio social” (2003, p. 129). A história constata que as pessoas internadas nos manicômios judiciários são exiladas do contexto social, tendo negada a sua comunicação com os outros, uma vez que suas palavras são consideradas sem sentido e sem valor (BARROS, 2003). Para reverter esse quadro é imprescindível o tratamento em saúde mental de acordo com a singularidade de cada caso, reconhecendo a pessoa portadora de transtorno mental autora de delito como cidadã, com direitos e deveres. Para tanto, é preciso produzir a mediação entre a clínica, o social e o ato jurídico. A equipe do PAI-PJ é formada por psicólogos, assistentes sociais e advogados. Ela subsidia o juiz com pareceres e estudos que apontam as possibilidades de intervenção caso a caso, ou seja, procurando definir qual a melhor medida judicial a ser aplicada. Por tal razão, os casos são sempre discutidos em equipe, avaliados, acompanhados e, muitas vezes, supervisionados. As equipes dos serviços que compõem a rede de atendimento em saúde também participam das discussões, pois todos os casos acompanhados pela equipe do PAI-PJ são assistidos pela rede pública de saúde mental da cidade de Belo Horizonte, que traça um projeto terapêutico individualizado. 7 Ver Portaria Conjunta nº. 25/2001, que cria, no âmbito da comarca de Belo Horizonte, o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário portador de sofrimento mental – PAI-PJ. Disponível em: http:< www.tjmg.gov.br/institucional/at/pdf/pc00252001.PDV >. Acesso em: 28 set. 2008. 35 O PAI-PJ provoca a ruptura com os paradigmas responsáveis pela sustentação de uma prática de segregação, inserindo novos valores e ocasionando uma mudança de postura diante da loucura, visando tratar esses sujeitos como cidadãos que têm direitos à saúde e aos benefícios sociais básicos e o dever de responder pelas suas ações perante a sociedade. De acordo com os dados do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais8 (TJMG), desde a implantação do PAI-PJ, em 2001, já passaram pelo programa mais de 430 pessoas com transtornos mentais autoras de delito. Até junho de 2009, 199 pessoas cumprem medida de segurança em casa junto aos seus familiares e 39 pessoas permanecem em regime de internação, sendo que 26 pessoas desse grupo já participam de atividades de inserção social. Ainda segundo o TJMG, o índice de reincidência é praticamente zero, sendo que nenhum dos assistidos pelo programa, que tenha cometido delito de caráter violento, antes da inclusão no PAI-PJ, voltou a cometê-lo. Pioneiro no país, O PAI-PJ inspirou o estado de Goiás, que criou o Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (PAILI). Antes do programa, as pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delito, submetidas à medida de segurança, eram encaminhadas à penitenciária local, fato que em 1999 motivou um inquérito civil público, que identificou na referida penitenciária quase trinta homens com transtornos mentais severos, presos há anos. Diante desse quadro de abandono, a Vara de Execuções Penais decidiu, em 1990, proibir o ingresso de novas pessoas submetidas à medida de segurança na penitenciária e, em 2000, junto ao Tribunal de Justiça, determinou a soltura das pessoas com transtorno mentais presas ilegalmente (GOIÁS, 2009). Para reverter à inexistência de um local próprio para receber as pessoas submetidas à medida de segurança, o Estado de Goiás construiu dois prédios para o funcionamento do HCTP. Entretanto, nesses prédios não foram implantados os HCTPs: o primeiro prédio por ter sido considerado inadequado, terminou sendo destinado ao funcionamento de uma prisão de segurança máxima, e o segundo prédio por ter sido construído em local insalubre, que não se adequava às diretrizes da Política de Saúde Mental. 8 Informações extraídas do sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Disponível em:<http://www.tjmg.jus.br/aviso/destaque_informes/05_08_2009_pai_pj.html>. Acesso em: 23 set. 2009. 36 Cabe destacar que o PAILI tem por fundamento as disposições da Lei 10.216/2001, ficando responsável pela execução das medidas de segurança no Estado. Ele foi instituído através de convênio pactuado entre as Secretarias de Estado da Saúde e da Justiça, Secretaria Municipal da Saúde de Goiânia, Tribunal de Justiça e Ministério Público do Estado de Goiás. O programa contempla uma mudança de paradigma na execução das medidas de segurança, fazendo com que o assunto deixe de ser tratado unicamente sob o prisma da segurança pública para ser acolhido de vez pelos serviços de saúde pública, mediante a participação da rede de clínicas psiquiátricas conveniadas ao SUS e serviços substitutivos, principalmente os CAPSs (GOIÁS, 2009). O programa goiano atua principalmente na saúde, com equipe multiprofissional nas áreas de Serviço Social, Psicologia, Direito e apoio técnico. Essa equipe elabora projetos terapêuticos individuais, de acordo com a singularidade de cada caso, e informa à autoridade judiciária a respeito da evolução do tratamento. Visa, ainda, buscar a adesão do círculo sócio-familiar da pessoa submetida à medida de segurança, trabalhando junto à sua família para o reestabelecimento de vínculos e o posterior retorno ao lar (GOIÁS, 2009). A Bahia, por sua vez, certamente por influência dos programas de Minas Gerais e de Goiás, divulgou, no I Seminário sobre Proteção Social no Sistema Prisional, realizado nos dias 15 e 16 de julho de 2008, a proposta do Programa de Assistência Individualizada (PAI), vinculado à Superintendência de Assuntos Penais (SAP) da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH). O PAI, instrumento estratégico de promoção da cidadania, de prevenção à criminalidade e à reincidência no crime, prevê ações do Serviço Social e Psicologia nas unidades prisionais, em articulação com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e Desenvolvimento Social. O PAI-BA é um projeto piloto que tem por objetivo reorientar a gestão do HCT-BA e de duas Unidades Prisionais – a Penitenciária Lemos Brito e o Conjunto Penal Feminino. Tornou-se consensual a compreensão de que o SUS e a rede de atenção à saúde mental devem se responsabilizar pelo tratamento da pessoa submetida à medida de segurança (BRASIL, 2002). Partindo-se desse consenso, todas as experiências apresentadas seguem essa lógica, porém, somente a Secretaria Estadual de Saúde de Goiás assumiu plenamente a execução da medida de segurança, procurando adequá-la às diretrizes da lei federal 10.216/2001. 37 É importante perceber que somente garantindo direitos, pautado nos princípios da Política Nacional de Saúde Mental, é possível transformar o modelo de atenção à saúde das pessoas com transtornos mentais autoras de delito (CORREIA, 2007). As Experiências como o PAI-PJ e o PAILI retratam a construção de novos saberes, de novas práticas no rumo à superação e à substituição gradativa dos 19 HCTPs do Brasil. Porém, ainda existe uma grave lacuna na saúde pública brasileira, como no caso da Bahia, quanto aos serviços e programas para assistência das pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delito. 2.3 POSSIBILIDADES DE ASSISTÊNCIA ÀS PESSOAS COM TRANSTORNOS MENTAIS AUTORAS DE DELITOS Para superar a história de longas internações em HCTP, do abandono social e, até mesmo, da dificuldade de acesso aos serviços de saúde, algumas políticas públicas despontam como iniciativas que merecem atenção, pois possibilitam aos egressos dos HCTPs recursos que auxiliam no desenvolvimento da autonomia, contribuindo para o alcance da cidadania e da inclusão social. De fato, são necessárias novas estratégias para a desinstitucionalização das pessoas internadas nos antigos manicômios judiciários, estratégias que considerem a singularidade de cada caso e rompa com a história das práticas anticidadãs. A Constituição de 1988 reconhece no campo da seguridade social as políticas de proteção social: saúde, previdência e assistência social. Nesse sentido, revelamse como principais conquistas sociais o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único da Assistência Social (SUAS)9. 9 O Sistema Único integra uma política pactuada nacionalmente, que prevê uma organização participativa e descentralizada da assistência social, com ações voltadas para o fortalecimento da família. Baseado em critérios e procedimentos transparentes, o Sistema altera fundamentalmente operações como o repasse de recursos federais para estados, municípios e Distrito Federal, a prestação de contas e a maneira como serviços e municípios estão hoje organizados. Informação disponível em: <http://www.mds.gov.br/suas/conheca/conheca01.asp>. Acesso em: 22 set. 2009. 38 Em relação à garantia de direitos das pessoas com transtornos mentais autoras de delitos, cabe aqui citar o Benefício de Prestação Continuada (BPC)10, um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que consiste no repasse de um salário mínimo mensal a pessoas com 65 anos de idade ou mais e a pessoas com deficiência incapacitante para a vida independente e para o trabalho. Em ambos os casos, a renda per capita familiar deve ser igual ou inferior a ¼ do salário mínimo. Em 1993, o BPC é regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), sendo implementado a partir de 1996. A responsabilidade pela gestão, acompanhamento e avaliação do BPC é do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), e a sua operacionalização compete ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), sendo que os recursos para o seu custeio provêm do Fundo Nacional de Assistência Social. Como bem observa Sposati, o BPC é [...] uma garantia em forma de renda, a compor o conjunto de provisões da assistência social, a qual assume a característica de certeza e regularidade, o que a diferencia das tradicionais provisões da assistência em forma de programas, projetos e serviços, cujo traço comum é a da descontinuidade e da incerteza (2008, p. 193). De acordo com Sposati, o BPC é uma importante expressão desse conjunto de provisões, a que se pretende imprimir o atributo de direito, tanto pelo seu caráter e natureza, como também pela sua cobertura e impacto financeiro. A assistência social é declarada direito social, campo da responsabilidade pública, da garantia e da certeza da provisão. Ela constitui-se em direito do cidadão, dever do Estado e tem de ser prestada a quem dela necessitar. Esse novo conceito retrata a ruptura em relação à tradicional condição da assistência social que transita do campo do dever moral de ajuda para o campo da obrigação legal do direito. (SPOSATI, 2008). É válido explicitar a importância do BPC para as pessoas com transtornos mentais autoras de delito, com histórico de longo internamento no HCT-BA, e em condição de abandono familiar e social. São pessoas que diante da situação por ora apresentada fazem jus ao benefício, uma vez que estão em situação de vulnerabilidade social. O BPC configura-se num direito de provisão mínima, de sobrevivência, posto que permite o acesso apenas aos mínimos vitais (SPOSATI, 10 Informação obtida através do sítio eletrônico: <http://www.mds.gov.br/programas/redesuas/protecao-social-basica/beneficio-de-prestacao-continuada-bpc>. Acesso em: 22 set. 2009. 39 2008). Porém, é um recurso bastante significativo, pois, junto a outros dispositivos de proteção social, pode contribuir para a autonomia dos seus beneficiários. Segundo a Organização Mundial de Saúde (2005), a prisão é o lugar errado para as pessoas com necessidade de tratamento em saúde mental, já que o sistema de justiça criminal enfatiza mais a repressão e a punição do que o tratamento e a atenção. Por isso, a legislação de saúde mental pode ajudar a prevenir e reverter essa tendência, desviando as pessoas com transtornos mentais do sistema de justiça criminal para o sistema de atenção à saúde mental. Nessa luta árdua que se dá no campo da saúde mental e da justiça, almeja-se a nova Política de Saúde Mental11, que tem como base a Lei Federal n. 10.216/2001, que redireciona a assistência em saúde mental, privilegiando o investimento e o fortalecimento da rede extra-hospitalar. Destaca-se, na rede de Serviços12, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPSs), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs), a rede de Atenção Básica/ PSF, o Programa de Volta para Casa (PVC) e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais e/ou nos CAPS III). Esses serviços devem ser assegurados às pessoas internadas em HCTP, uma vez que a “lei não excepciona do seu texto as pessoas com transtornos mentais autoras de delito” (CORREIA, 2007, p. 112). Ainda assim, a lei trata da internação compulsória, que é determinada pela justiça e deve ter os mesmos “princípios éticos de garantia de direitos humanos, de forma que a penalização da pessoa não se sobreponha ao direito de uma atenção integral às suas necessidades de saúde” (CORREIA, 2007, p. 113). Nesse sentido, os principais objetivos dos novos serviços criados são a assistência em saúde e a inserção social. Pode-se dizer, então, que a nova rede de serviços em saúde mental foi constituída para o grande enfrentamento ao modelo hospitalar/ asilar. Nesse contexto, vários serviços de saúde mental surgem no país e vão se consolidando como dispositivos eficazes na diminuição de internações e na mudança do modelo assistencial. 11 A Política Nacional de Saúde Mental tem como uma das suas principais diretrizes a re-estruturação da assistência hospitalar psiquiátrica, objetivando uma redução gradual, pactuada e programada dos leitos psiquiátricos de baixa qualidade assistencial. Informação disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=31354>. Acesso em: 07 set. 2009. 12 Informação disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=925>. Acesso em: 07 set. 2009. 40 O primeiro CAPS do Brasil foi inaugurado em 1986 na cidade de São PauloSP, motivado por intenso movimento antimanicomial. Antes dele, foram criados os Núcleos de Atenção Psicossocial, oficialmente a partir da Portaria GM 224/92, definidos como unidades de saúde locais/ regionalizadas com atendimentos de cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar. Atualmente os serviços substitutivos são regulamentados pela Portaria n. 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002, e integram a rede do SUS. Essa portaria reconheceu e ampliou o funcionamento e a complexidade dos CAPSs (BRASIL, 2004, p. 12). Os CAPSs são estratégicos na organização da rede comunitária de cuidados e direcionam as políticas e programas de Saúde Mental. Eles são “um modo de operar o cuidado” (LEAL e DELGADO, 2007, p. 137) para pessoas que apresentam intenso sofrimento psíquico, estando impossibilitadas de viver e realizar seus projetos de vida: pessoas com transtornos mentais severos e/ou persistentes, ou seja, pessoas com grave comprometimento psíquico, incluindo os transtornos relacionados às substâncias psicoativas (álcool e outras drogas) e também crianças e adolescentes com transtornos mentais. O objetivo do CAPS é oferecer atendimento à população de sua área de abrangência, visando à reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, ao lazer, ao exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários (BRASIL, 2004). Os CAPSs foram classificados de acordo com o número de habitantes no município: CAPS I – entre 20.000 e 70.000 habitantes; CAPS II – entre 70.000 e 200.000 habitantes; CAPS III (24 horas) – acima de 200.000 habitantes; CAPSI (infanto-juvenil) – acima de 200.000 habitantes e o CAPSAD (álcool e outras drogas) – acima de 100.000 habitantes. O número de serviços substitutivos, em saúde mental, será proporcional ao número de habitantes do município, de acordo com dados oficiais. Segundo o Ministério da Saúde, na Bahia, em 2002, funcionavam 14 CAPSs; em 2006, 89 CAPSs; e em junho de 200913 já haviam sido inaugurados 141 CAPSs. Outro importante dispositivo de cuidado é o Serviço Residencial Terapêutico (SRT), que se constitui como possibilidade de moradia para pessoas que estão institucionalizadas há anos em hospitais psiquiátricos, por não contarem com 13 Informações extraídas do sítio eletrônico do Ministério da Saúde. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/caps_por_uf_e_tipo.pdf>. Acesso em: 07 set. 2009. 41 suporte adequado na comunidade e na família (BRASIL, 2004). Segundo Vasconcelos, os dispositivos residenciais em saúde mental “constituem um elemento fundamental da estratégia de desinstitucionalização psiquiátrica colocada em marcha em vários países no mundo, inclusive no Brasil” (2008, p. 97). Note-se que foi no início dos anos de 1990, através de experiências nas cidades de Campinas (SP), Ribeirão Preto (SP), Santos (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Porto Alegre (RS) que foi demonstrada a efetividade na reinserção social das pessoas com histórico de longos internamentos. Essas experiências geraram subsídios para a elaboração da Portaria n. 106/2000, do Ministério da Saúde, que introduz os SRTs no âmbito do SUS. No artigo 3° da referida portaria foi descrito o que cabe à RT: a) garantir assistência aos portadores de transtornos mentais com grave dependência institucional que não tenham possibilidade de desfrutar de inteira autonomia social e não possuam vínculos familiares e de moradia; b) atuar como unidade de suporte destinada, prioritariamente, aos portadores de transtornos mentais submetidos a tratamento psiquiátrico em regime hospitalar prolongado; c) promover a reinserção desta clientela à vida comunitária. A Reforma Psiquiátrica exige que as residências terapêuticas se desenvolvam através de atividades que permitam maior trânsito dos moradores pela cidade. O SRT é uma modalidade assistencial substitutiva da internação psiquiátrica prolongada, e tem como propósito evitar a “transinstitucionalização14, bem como a simples desospitalização” (VASCONCELOS, 2008). Isso significa que a cada transferência de paciente do hospital psiquiátrico para o SRT, haja redução de igual número de leitos, no hospital de origem. Os recursos financeiros da Autorização de Internação Hospitalar (AIH), que financiava os leitos agora desativados, deverão ser realocados para os tetos orçamentários do estado ou do município responsável pela assistência em saúde mental. Com esses recursos, os municípios proverão infraestrutura e acompanhamento necessários aos usuários, por meio de sua rede de saúde mental (BRASIL, 2004). 14 Vasconcelos (2008, p. 98) entende transinstitucionalização como o deslocamento da clientela psiquiátrica para instituições similares de outro tipo, tais como delegacias, penitenciárias, asilos de idosos etc. 42 É importante salientar que, em 2004, o Ministério da Saúde instituiu um incentivo financeiro15 para a compra de equipamentos para os SRTs. Esse incentivo é repassado para os municípios antes de a residência ser habitada por seus futuros moradores. Efetivamente, cada RT deve ser organizada segundo as necessidades e gostos de seus habitantes, tendo sido, em termos gerais, classificadas em: SRT I e SRT II. No SRT I, o tipo mais comum de residência, na qual é necessário apenas um cuidador (pessoa que recebe capacitação para esse tipo de apoio aos moradores), o suporte focaliza-se na inserção dos moradores na rede social existente (trabalho, lazer, educação, etc.). No SRT II, constituído por moradores que necessitam de cuidados intensivos, o monitoramento técnico é diário e o pessoal auxiliar é permanente. O SRT II é um tipo de SRT que pode diferenciar-se em relação ao número de moradores e ao financiamento, que deve ser compatível com recursos humanos presentes 24h/dia (BRASIL, 2004a). O SRT deve ser acompanhado pelo CAPS, pelo ambulatório de saúde mental ou, ainda, por uma equipe de saúde da família (com apoio matricial em saúde mental). O Ministério da Saúde, ao adotar os SRTs, deixa claro que a questão central é a moradia, o morar e o viver na cidade. Assim, tais residências não são precisamente serviços de saúde, mas espaços de morar, de viver, articulados à rede de atenção psicossocial de cada município. A implantação de uma residência terapêutica exige pacto entre gestor, comunidade, usuários, profissionais de saúde, vizinhança e rede social de apoio (BRASIL, 2004a). Em junho de 2009, na Bahia haviam sido implantadas16 19 RTs, com 108 moradores. Salvador, no mês de setembro de 2009, possuía 03 RTs, sendo que mais 03 serão inauguradas em breve. A RT, como umas das estratégias da Política de Saúde Mental, tem contribuído para a desconstrução do modelo asilar e estimula a configuração de novos vínculos interpessoais. Os moradores das RTs, no início, normalmente, são pessoas desconhecidas, vão estabelecer novas rotinas, compartilhar o novo espaço, o novo cotidiano. 15 Em 2004, o Ministério da Saúde destinava R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de incentivo para cada SRT implementado (BRASIL, 2004). 16 Informações extraídas do sítio eletrônico do Ministério da Saúde. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/servicos_residenciais_terapeuticos_por_uf.pdf>. Acesso em: 09 set. 2009. 43 O SRT visa a “descronificação” das pessoas institucionalizadas por um longo período, possibilitando ao sujeito institucionalizado ser percebido enquanto indivíduo, na sua singularidade, com desejos e possibilidades para retomar sua história de vida. A saída de uma instituição com característica asilar, neste caso, o HCT-BA, não pode ser apenas um processo burocrático, a ideia de saída deve ser muito bem trabalhada pelas equipes do HCT-BA e dos serviços de saúde mental. As equipes devem conhecer os indivíduos institucionalizados, estabelecer vínculos de confiança e respeitar o tempo de cada um. No tocante à Saúde Mental e Atenção Básica, as ações de saúde devem ser interdisciplinares e voltadas ao mesmo tempo para a promoção, prevenção e cura. Sendo assim, é necessária a articulação da rede de cuidados, tendo como objetivos a integralidade do sujeito, constituindo um processo de trabalho voltado para as necessidades singulares e sociais. Para o Ministério da Saúde (BRASIL, 2009b), são princípios fundamentais da articulação entre saúde mental e atenção básica/saúde da família: a promoção da saúde; do território; do acolhimento; do vínculo e da responsabilização; a integralidade; a intersetorialidade; a multiprofissionalidade; a organização da atenção à saúde em rede; a desinstitucionalização; a reabilitação psicossocial; a participação da comunidade; a promoção da cidadania dos usuários. Pode-se observar ainda que, na articulação entre a saúde mental e a atenção básica, o apoio matricial constitui um arranjo organizacional que visa ações conjuntas. Nesse arranjo, o profissional da saúde mental responsável pelo apoio participa de reuniões de planejamento das equipes de Saúde da Família, realiza ações de supervisão, discussão de casos, atendimento compartilhado e atendimento específico, além de participar das iniciativas de capacitação. Esse compartilhamento se produz em forma de corresponsabilização pelos casos, que pode se efetivar por meio de discussões conjuntas e intervenções junto às famílias e comunidades. Uma forma de implementar o apoio matricial é através dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF). Desde 2008, há regulamentação para a formação dessas equipes, com recomendação explícita de que cada NASF conte com pelo menos um profissional de saúde mental (BRASIL, 2009b). Conforme se observa na Bahia, a articulação entre saúde mental e atenção básica/PSF ainda está em fase de discussão e implementação de políticas e medidas para a mudança do modelo de atenção à saúde mental dentro do SUS. 44 O Programa de Volta para Casa (PVC) é outro importante dispositivo de cuidado, criado pela lei federal 10.708, de 31 de julho de 2003, e regulamentado pela Portaria n. 2.077, de 31 de outubro de 2003, do Ministério da Saúde, para atender a lei federal n. 10.216/2001, precisamente no artigo 5º: O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário. Como já foi dito, a assistência psiquiátrica brasileira, durante anos, foi baseada no isolamento, o que acarretou grande número de pessoas com longa história de internações em hospitais psiquiátricos pertencentes à rede SUS, não sendo diferente a realidade das pessoas internadas nos HCTPs17. Essas pessoas, devido ao longo afastamento do convívio social e familiar, precisam de suporte social para sua reinserção na comunidade. O PVC instituiu o auxílio reabilitação psicossocial, no valor de R$240,00 (duzentos e quarenta reais), tendo sido reajustado em 2008 para R$ 320,00 (trezentos e vinte reais). O auxílio é destinado exclusivamente para egressos de hospitais psiquiátricos ou HCTPs que comprovem o internamento por período igual ou superior a dois anos. O pagamento mensal do auxílio é realizado diretamente ao próprio beneficiário, salvo na condição de incapacidade de exercer pessoalmente atos da vida civil, quando será entregue ao representante legal. Ele será recebido pelo beneficiário através de cartão magnético de pagamento, por instituição financeira oficial, por um período de um ano, podendo ser renovado caso o beneficiário ainda não esteja em condições de se reintegrar à sociedade (BRASIL, 2003). Note-se que a concessão e o acompanhamento do auxílio-reabilitação psicossocial serão efetuados através de comissão18 de acompanhamento do PVC, constituída pelo Ministério da Saúde, e os municípios para habilitação no programa 17 De acordo com o que prevê a lei 10.708/2003, artigo 3º, § 3º: Egressos de Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico poderão ser igualmente beneficiados, procedendo-se, nesses casos, em conformidade com a decisão judicial. 18 A Portaria nº. 2.078/GM, de 31 de outubro de 2003, institui a Comissão de Acompanhamento do Programa “De Volta Para Casa”. 45 devem possuir rede local ou regional de atenção continuada em saúde mental, com projeto de reabilitação psicossocial assistida e equipe específica para realizar as ações de reabilitação, inserção e acompanhamento do beneficiário do programa (BRASIL, 2003). De antemão, visando dirimir as dúvidas quanto à acumulação do auxílioreabilitação psicossocial com o BPC, o Ministério da Saúde apresentou o avisocircular n. 006/GM, de 28 de julho de 2004, que dava conhecimento do parecer n. 3271/2004, da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social, que manifestou o entendimento de que não havia obstáculo legal para o recebimento cumulativo da LOAS e da bolsa do Programa “De Volta para Casa”. Vale nesse ponto destacar os Leitos de Atenção Integral em Saúde Mental19, que podem ser apresentados de várias formas, tais como: leitos em hospitais gerais, em CAPS III, em emergências, em serviços hospitalares para álcool e outras drogas, e também leitos de hospitais psiquiátricos de pequeno porte. Esses leitos devem ofertar o acolhimento integral à pessoa em crise, devendo estar articulados e em diálogo com outros dispositivos de referência. A tendência é de que essa rede de leitos de atenção integral, à medida de sua expansão e de toda rede aberta de atenção à saúde mental, apresente-se como substitutiva à internação em hospitais psiquiátricos convencionais. Para isso, é preciso investimento dos gestores em regulação – os leitos de atenção integral em saúde mental são um componente essencial da porta de entrada da rede assistencial e um mecanismo efetivo de garantia de acessibilidade. Desse modo, para cada contexto, parâmetros diferentes devem ser adotados e quanto melhor for a efetividade da rede, menor a necessidade de Leitos de Atenção Integral (BRASIL, 2009b). Atualmente, um dos grandes desafios da política de saúde mental é a inclusão dos institucionalizados nos HCTPs, esses cidadãos, antes excluídos da rede SUS, passam a ser reconhecidos como responsabilidade, também, da área de saúde e das demais políticas públicas, que devem estar articuladas para a consolidação de um novo modelo de atenção, complexo e com inúmeros desafios. 19 Informação obtida através do sítio eletrônico: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=29815&janela=2 >. Acesso em: 19 set. 2009. 46 CAPÍTULO III – A EXPERIÊNCIA DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO NO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO DA BAHIA 3.1 O HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO DA BAHIA Na Bahia, os doentes mentais eram encaminhados às celas do Hospital de São Cristóvão da Santa Casa de Misericórdia e, em 1833, alguns foram transferidos para o antigo Colégio dos Jesuítas, no Terreiro de Jesus, e outros foram mantidos nas prisões. Somente em 1869, através da Resolução Provincial n. 1089, foi autorizada a compra do prédio da Quinta da Boa Vista, no bairro do Engenho Velho de Brotas, em Salvador, para que ali fosse fundado o Asilo São João de Deus20. Em 24 de junho de 1874, a irmandade administradora da Santa Casa de Misericórdia inaugurou o referido asilo que, mesmo tendo a presença do médico (naquela época, único agente autorizado da ciência alienista a tratar a loucura), ainda mantinha a subordinação aos religiosos ali presentes, que exerciam a administração do asilo e os cuidados nos serviços de enfermarias. Não há dúvida de que esse fora um período de grandes contradições: de um lado, os interesses de manutenção da ordem pública e do outro, as necessidades do doente mental. Período também de desenvolvimento do conhecimento técnicocientífico. O Asilo São João de Deus logo evidenciou problemas graves, como a superlotação, o ambiente insalubre e as péssimas condições no estado de saúde dos ali institucionalizados. A partir do ano de 1889, por intermédio dos médicos Juliano Moreira, João Tillemont Fontes e Aurélio Rodrigues Vianna, foi divulgado o relatório “Assistência dos Alienados na Bahia” que denunciava os aspectos de salubridade, estrutura física e organização do citado asilo. Já no ano de 1897, o 20 De acordo com Jacobina (1982), o asilo recebeu esse nome em razão do dia santo de São João. 47 Governo Republicano e as Santas Casas de Misericórdia passaram por sérios conflitos, o que resultou no Decreto, em 01 de maio de 1912, que tornou o Asilo São João de Deus um organismo público. Em 29 de julho de 1925 pela Lei Estadual n. 1811, o asilo passou a ser denominado Hospital São João de Deus. Segundo Jacobina (2001), na década de 1920, o hospital passou por uma série de ampliações e reformas, principalmente das instalações sanitárias, e foram construídos novos pavilhões para internações, entre eles, a secção Manoel Vitorino (homenagem a um dos críticos mais veementes da violência asilar), que substituiu a Casa-Forte21 para albergar os „psicopatas delinquentes‟. A Secção (depois Pavilhão) Manuel Vitorino transformou-se, na prática, no Manicômio Judiciário: “informalmente o pavilhão Manoel Vitorino sempre fora, desde sua construção, reservado para alienados criminosos e psicopatas perigosos” (JACOBINA, 2001, p. 337). Note-se que, naquela época, vigorava o Código Criminal do Império que fora sancionado por D. Pedro I em 1830. No desenrolar da história, fica evidente que se constituiu uma acirrada discussão entre médicos, juristas e políticos sobre a construção ou não de um manicômio judiciário. Nesse processo, o Manicômio Judiciário da Bahia foi criado pela Lei n. 2.070, de 23 de maio de 1928, sendo diretamente subordinado à Secretaria de Polícia e Segurança Pública. Peres assevera que “o manicômio baiano forma-se como uma instituição mais penitenciária do que médica” (1997, p. 106), porém, permanecendo, ainda, no pavilhão Manoel Vitorino, onde eram realizadas as perícias penais e a custódia. A partir do Decreto n. 11.214, de 6 de fevereiro de 1939, o manicômio judiciário passou a ser parte integrante do sistema penitenciário do Estado. Desta forma, pode-se dizer que o Hospital São João de Deus concentrava todo o aparato psiquiátrico da Bahia: o hospício para doentes pensionistas (aqueles que podiam pagar diárias) e para loucos indigentes (muitos eram trabalhadores, ainda assim não podiam pagá-las) e o manicômio judiciário para loucos criminosos e delinquentes enlouquecidos (JACOBINA, 2001). Em 1936, o Hospital São João de Deus, através da Lei Estadual n. 075, passou a ser denominado Hospital Juliano Moreira, uma homenagem ao professor e médico baiano, falecido em 1932. 21 O termo “casa-forte” foi utilizado por Jacobina (1982, p. 59) para identificar o lugar destinado aos loucos furiosos e agitados. 48 No início dos anos de 1966, o manicômio judiciário22, então pertencente ao Departamento de Assuntos Penais (DAP) da Secretaria de Justiça, que engloba também a Penitenciária Lemos de Brito e a Casa de Detenção, passou a funcionar em outra dependência do Hospital Juliano Moreira. Nos anos setenta, a realidade do Hospital Juliano Moreira não era diferente da realidade do asilo: a instituição continuava caótica, com longos períodos de internamentos, e as pessoas ali internadas, quando recebiam “alta”, logo eram reinternadas. O ambiente hospitalar era insalubre, com precariedade na alimentação e medicalização. Vale ressaltar que esse período fora marcado pela luta dos profissionais contra as condições de trabalho e, principalmente, o modelo estadual de assistência psiquiátrica. Em 20 de agosto de 1973, o Manicômio Judiciário foi transferido do Hospital Juliano Moreira para um antigo presídio de segurança máxima, construído no início do século XX, localizado na Avenida Afrânio Peixoto, s/n, Baixa do Fiscal, SalvadorBa. O Manicômio Judiciário, então, desvinculou-se da instituição médica, posto que passou a ser, de fato, um estabelecimento penal. Ao longo do tempo, o Manicômio judiciário passou por várias reformulações e, em 1988, de acordo com o Decreto n. 1.899, de 7 de novembro, teve suas finalidades redefinidas: [...] receber sob regime de internação e por determinação judicial, para perícia, custódia e tratamento, indiciados, processados e sentenciados, suspeitos ou comprovadamente portadores de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado (PERES, 1997, p. 108-9). A Lei n. 6.074, de 22 de maio de 1991, alterou o nome do manicômio judiciário, que passou a ser chamado de Hospital de Custódia e Tratamento da Bahia (HCT-BA)23, estabelecimento penal que atualmente integra a Secretaria de justiça, Cidadania e Direitos Humanos, único na Bahia destinado ao cumprimento de medida de segurança e internação provisória para a realização de perícia, para homens e mulheres com transtornos mentais autores de delito. 22 “ainda inexistente como instituição específica” (PERES, 1997, p.107). “Recebe, sob regime de internação e por determinação judicial para perícia, custódia e tratamento, indiciados, processados e sentenciados, suspeitos ou comprovadamente portadores de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardo, em regime fechado e com segurança máxima”. Disponível em: <http:www.sjcdh.ba.gov.br/sap/unidades_prissionais.htm#HOSPITAL_DE_CUSTÓDIA_E_TRATAME NTO>. Acesso em: 10 ago. 2009. 23 49 O HCT-BA atualmente conta com um prédio principal, composto por cinco alas, sendo uma feminina, equipadas com banheiro coletivo, salas para atendimentos e postos de enfermagem, uma extensão desse prédio principal, onde funciona o refeitório e a cozinha, uma lavanderia e uma sala para atividades terapêuticas. Conta também com um pavilhão administrativo, onde está localizado um auditório, salas do Serviço Social, Psicologia, Terapia Ocupacional, Farmácia, Arquivo, Diretoria, Setor de Pessoal, Recepção e sanitários para funcionários e visitantes. Na parte externa, possui um grande pátio, um campo de futebol e um local que pode ser denominado de estacionamento, possuindo também dois pavilhões, que são utilizados pela equipe de segurança. O estabelecimento é constituído por seis coordenações: a de Atividades Educacionais, Laborativas e Sócio-Terapêuticas; a de Segurança; a Administrativa; a de Registro e Controle (CRC); a de Atendimento à Saúde; e a Médica; que desenvolvem ações de forma articulada com a Direção da instituição. Segundo o setor de recursos humanos24, o HCT-BA possui um total de 225 servidores, sendo que 21 contratados temporariamente. A instituição no mês de julho de 2009 possuía 83 agentes penitenciários, 01 analista técnico, 05 assistentes sociais, 23 auxiliares administrativos, 02 auxiliares de consultório dentário, 45 auxiliares de enfermagem, 08 cargos comissionados sem função específica, 01 coordenador administrativo, 01 diretor adjunto, 10 enfermeiras, 01 farmacêutico, 02 médicos clínicos, 19 médicos psiquiatras, 09 motoristas, 01 nutricionista, 02 odontólogos, 05 psicólogos, 05 técnicos administrativos e 02 terapeutas ocupacionais. De acordo com os dados fornecidos pela Coordenação de Registro e Controle (CRC), no mês de maio de 2009, o HCT-BA, cuja capacidade é de 280 pessoas internadas, apresentava o total de 156 internos, sendo 143 masculinos e 13 femininos. Desses, 02 contam com alvará de soltura, 10 possuem cartas de desinternação, 27 possuem laudo, 55 cumprem medida de segurança, 33 aguardam laudo, 06 possuem registro de problema social25 e 23 estão em tratamento. 24 Conforme documento fornecido pelo setor de recursos humanos no mês de julho de 2009. O Serviço Social do HCT-BA considera os internos que permanecem na instituição devido à falta de local para acolhê-los como problema social. 25 50 Na Bahia, em 2004, no âmbito da defesa e garantia dos direitos humanos, foi assinado o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para adequação do HCT-BA às diretrizes traçadas pela reforma psiquiátrica. O TAC teve origem a partir do Inquérito Civil n. 04/2003, instaurado para apurar as condições dos internamentos no HCT-BA, e foi assinado pelo Ministério Público do Estado (MPE), pela Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH) e pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB). Nesse sentido, Viana pontua: É importante registrar que a situação do HCT caberia a imediata interdição do estabelecimento; contudo, diante da precariedade dos serviços de saúde mental no Estado da Bahia, tornou-se inviável promover essa medida extrema, pois não existiam leitos disponíveis em hospitais públicos e/ou privados em instalações adequadas para abrigar a população ora recolhida naquele Hospital de Custódia (2008, p. 48-9). Em razão do TAC no HCT-BA, no ano de 2007, duas equipes de técnicos compostas por assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e psicólogos, foram formadas para desenvolverem ações no sentido de garantir assistência integral à saúde física e mental das pessoas em cumprimento ou aguardo de medida de segurança. Essas equipes também trabalham com a desinstitucionalização gradual das pessoas que estão no HCT-BA, em situação de abandono familiar e social. 3.2 O CONCEITO DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO De acordo com o abordado anteriormente, é possível dizer que a assistência psiquiátrica vem sofrendo grandes mudanças no Brasil e no mundo. Inicialmente, segundo relata Vasconcelos (2008), as mudanças enfatizaram a humanização do asilo e do hospital psiquiátrico, para, em seguida, constituírem-se enquanto estratégias que priorizaram a oferta de serviços externos (ambulatórios e centros comunitários de saúde mental). Foi a partir dos anos de 1970, por exemplo, que: [...] se consolida um outro projeto assistencial que nas décadas seguintes vem revelando um caráter desafiador, mas com experiências sólidas e bem-sucedidas, e que vem tendo ampla 51 difusão em todo o mundo: a proposta da desinstitucionalização (VASCONCELOS, 2008, p. 39). A desinstitucionalização é uma mudança do paradigma de saber em saúde mental, conforme assegura Vasconcelos (2008), para quem a estratégia de conversão do sistema de cuidado deve partir da “substituição radical do hospital por amplo rol de serviços abertos e comunitários” (2008, p. 39). Nesse sentido, a desinstitucionalização é entendida como “um movimento constante de renovação de todo o sistema de saber e cuidados em saúde mental” (2008, p. 40). Destaca-se, então, a Lei Federal 10.216/2001, no seu artigo 5º, que faz referência a uma política específica para a desinstitucionalização: O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário. A noção de desinstitucionalização faz parte dos processos de restauração sócio-institucional das sociedades europeias e norte-americanas após as duas guerras mundiais. Nesse sentido, Denise Barros (1994) pontua que a reestruturação dos países europeus e a redefinição das políticas sociais nos EUA representam importantes mudanças nas formas do ordenamento social. Na Europa pós-guerra, o momento era de redefinição da política e da economia, o que tornava inevitável uma reorganização institucional e ética. Como salienta Barros (1994), foi nesse clima que a situação dos hospitais psiquiátricos despertou a comoção da sociedade europeia, que muitas vezes os comparou aos campos de concentração. Porém, cada país europeu elaborou respostas próprias para lidar com a doença mental. O processo norte-americano, por sua vez, foi influenciado pela Política do Bem-Estar Social, na qual a assistência é reorganizada e compreendida como motor de desenvolvimento social. Denise Barros (1994) assevera que o “caráter privado da miséria, pobreza e marginalidade, que vinham sendo compreendidos como culpa, passaram a constituir um problema público que deveria ser administrado”. Assim, aproveitando a mudança 52 da assistência, os norte-americanos criaram o termo desinstitucionalização para designar os processos de “alta” e de reinserção das pessoas com transtornos mentais na comunidade (BARROS, 1994). Nesse contexto, tanto o modelo norte-americano quanto o modelo europeu de desinstitucionalização travaram uma batalha contra o modelo clássico da internação e segregação da pessoa acometida de transtorno mental. Denise Barros (1994) sinaliza que as propostas desinstitucionalizantes dos Estados Unidos, da França e da Inglaterra privilegiaram a criação de serviços assistenciais na comunidade, pois, dessa maneira, o hospital psiquiátrico seria gradualmente enfraquecido. Como já foi visto, a desinstitucionalização nos Estados Unidos constituiu-se num “processo de desospitalização e de racionalização de recursos, criando uma rede de serviços de pequenas dimensões segundo uma proposta de hierarquização da assistência” (BARROS, 1994, p. 173). A experiência italiana de desinstitucionalização merece destaque porque foi a única que aboliu plenamente a internação no Hospital Psiquiátrico do conjunto de prestações e serviços de saúde mental (ROTELLI, LEONARDIS, MAURI, 2001). Conforme destaca Barros (1994), os italianos enfatizaram a necessidade de se partir do interior do manicômio, criando assim condições para a sua desmontagem e subvertendo sua lógica e seu funcionamento. Mesmo de forma lenta, porém, decisiva, a experiência italiana de desinstitucionalização procurava trabalhar na “desconstrução do manicômio e, simultaneamente, na construção de serviços territoriais” (BARROS, 1994, p. 173). Essa experiência fez alianças com outros movimentos sociais e sindicatos, e estimulou as denúncias sobre a instituição psiquiátrica, o que representou a “desconstrução de uma materialidade, de um saber e das interferências de saberes que se consolidam dentro do saber psiquiátrico” (BARROS, 1994, p. 174). Segundo Denise Barros (1994), em 1978, na Itália, uma lei passou a proibir novas internações em manicômios, prevendo seu esvaziamento progressivo e definindo a criação de estruturas territoriais. Atualmente na Itália, um dado significativo de cidadania é a conservação durante o tratamento dos direitos e deveres civis da pessoa. Dessa maneira, trata-se de “fortalecer uma visão dinâmica e histórica da doença enquanto evento da vida, não [sendo] mais possível representar a doença 53 como fratura na continuidade da existência” (1994, p. 182). Dizendo-o de outra maneira, “a pessoa pode estar mal, mas continuar a viver em sua casa” (1994, p. 182) e os serviços de saúde mental podem trabalhar a saúde-doença sem aprisionála em sua doença. Os processos de desinstitucionalização partiram da necessidade de pôr em discussão as internações psiquiátricas e de redefinir ou desconstruir o conceito de saúde mental, assim “a perspectiva italiana é de desinstitucionalizar a doença mental e desmontar os aparatos que a sustentam” (1994, p. 190). É importante ressaltar a desinstitucionalização como um procedimento que busca “transformar as relações de poder entre instituição e os sujeitos” (ROTELLI, LEONARDIS, MAURI, 2001, p. 32), significando “um processo ético, de reconhecimento de uma prática que introduz novos sujeitos de direito e novos direitos para os sujeitos” (AMARANTE, 1995, p. 494). É a partir dele que se reconhece “o direito das pessoas mentalmente enfermas em terem um tratamento efetivo, em receberem um cuidado verdadeiro, uma terapêutica cidadã, não um cativeiro.” (AMARANTE, 1995, p. 494). No entanto, a desinstitucionalização [...] não significa fechar hospícios (ou hospitais psiquiátricos, se preferirem) e abandonar as pessoas em suas famílias, muito menos nas ruas. Não significa também fechar leitos para reduzir custos, no sentido do neoliberalismo ou no sentido do enxugamento do Estado (aliás, em princípio, a rede de novos serviços e cuidados tende a requerer maior investimento não apenas técnico e social, mas também financeiro) (AMARANTE, 1995, p. 493). Paulo Amarante (1995) explica que o futuro da reforma psiquiátrica não está apenas no sucesso terapêutico-assistencial das novas tecnologias de cuidado ou dos novos serviços, mas na escolha da sociedade brasileira da forma como vai lidar com os seus diferentes, com as suas minorias, com os sujeitos em desvantagem social. No Brasil, a Política de Saúde Mental é baseada no modelo italiano, porém, no que diz respeito às pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delitos, tanto no Brasil quanto na Itália, ainda existem questões que merecem atenção e redirecionamento. Franco Rotelli (2008) observa que na Itália ainda persiste o problema dos manicômios judiciários, explicitando um dado bastante significativo: 54 Nos anos 70 havia cerca de 100 mil pessoas nos hospitais psiquiátricos italianos e em torno de 1.200 pessoas nos manicômios judiciários. A justificativa para a permanência das 100 mil pessoas nos hospitais psiquiátricos (não judiciários) era a periculosidade do doente mental. Hoje, quando os 100 mil não se encontram mais nos hospitais psiquiátricos, nos manicômios judiciários existem ainda 1.200 pessoas, tal como antes. Isto significa que os 100 mil que saíram dos hospitais psiquiátricos nunca cometeram nenhum crime porque, caso contrário, teriam ingressado e aumentado em muito o número de pessoas nos manicômios judiciários (2008, p. 47). O modelo italiano de desinstitucionalização, amparado por uma sentença da Corte Constitucional, estabeleceu que os internos poderiam sair do manicômio judiciário se um serviço se responsabilizasse por eles através de um programa específico. Sendo assim, atualmente na Itália, cada região vem sendo reputada a se responsabilizar por seus indivíduos institucionalizados nos manicômios judiciários (ROTELLI, 2008). Na perspectiva brasileira, Biondi, Fialho e Kolker (2008) salientam que a desinstitucionalização de pessoas com história de longas internações em hospitais psiquiátricos tem sido um dos grandes desafios da reforma psiquiátrica. Eles asseguram que quando essas pessoas são egressas de manicômios judiciários, as dificuldades seguramente aumentam, uma vez que elas são duplamente estigmatizadas e, em sua maioria, carentes dos direitos sociais mais elementares. Os autores afirmam ainda que os portadores de transtornos mentais autores de delitos são temidos pela sociedade, sendo frequentemente abandonados pela família e não tendo sido suficientemente beneficiados pela re-estruturação da atenção psiquiátrica no país. Além disso, conforme expõem os autores, eles raramente conseguem ter acesso aos dispositivos de cuidados criados para substituir a hospitalização. Percebe-se, portanto, que a saída de uma pessoa do HCT-BA com história de longa internação e em situação de abandono sócio-familiar exige um intenso trabalho da equipe de desinstitucionalização, que além de garantir a aquisição de direitos sociais que viabilizem a sobrevivência fora do HCT-BA, precisam se responsabilizar pela construção de novas redes sociais e de cuidado. 55 3.3 ESTRATÉGIA E TÉCNICAS DA PESQUISA O estudo de caso foi a estratégia de pesquisa utilizada para analisar a experiência de desinstitucionalização das pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delitos em situação de abandono familiar e social, uma vez que ele possibilita o entendimento da dinâmica e da complexidade de um caso concreto. Por estudo de caso, entende-se não uma “técnica específica”, mas uma “análise holística” que leva em consideração a “unidade social estudada como um todo, seja um indivíduo, uma família, uma instituição ou uma comunidade, com o objetivo de compreendê-los em seus próprios termos” (GOLDENBERG, 1997, p. 33). Nesse estudo, é preciso determinar o âmbito da pesquisa e estabelecer os seus contornos, caracterizando de forma precisa e meticulosa o seu foco e os seus limites periféricos. Esse procedimento é empregado devido à impossibilidade de se explorar todos os ângulos do fenômeno analisado. Também é necessário proceder a uma seleção dos aspectos mais relevantes da pesquisa, determinando o seu recorte, fase crucial para se atingir os seus propósitos e alcançar uma compreensão válida da situação avaliada. O HCT-BA foi selecionado para a pesquisa devido ao contato da autora com a realidade da instituição: atuando profissionalmente na área de saúde mental há 10 anos, ela conviveu de perto e se preocupou com as pessoas com transtornos mentais autoras de delitos, que permanecem institucionalizadas no HCT-BA ou por não ter para onde ir ou por dificuldade em se reinserir socialmente, resquícios de uma política segregadora, que incentiva o afastamento delas do convívio familiar e comunitário. O trabalho proposto está fundamentado no material coletado a partir da observação direta que, por sua vez, foi precedida por pressupostos teóricos que lhe deram os fundamentos básicos e o embasamento suficiente para que essa técnica fosse adequadamente aplicada aos propósitos do estudo. O diário de campo foi utilizado para os registros detalhados dos acontecimentos observados. Vale aferir que a observação foi um meio fundamental de colher informações em toda etapa da pesquisa: foi a partir dela que se buscou uma maior compreensão da realidade institucional para subsidiar a análise sobre a 56 experiência de desinstitucionalização no HCT-BA. As visitas ao HCT-BA ocorreram entre os meses de agosto de 2008 a junho de 2009. A entrevista semiestruturada foi outro instrumento utilizado: ela tornou possível o acesso a uma variedade de informações que não seriam obtidas somente com o uso de questionário. Esse, devido à rigidez estrutural e à exigência de habilidade de leitura e escrita por parte de quem o responde, não poderia ser aplicado à totalidade dos sujeitos dessa pesquisa. É ainda fundamental salientar que as entrevistas foram realizadas durante as visitas ao campo, através de convite para participação do estudo, precisamente entre os meses de maio e junho de 2009. Os sujeitos da pesquisa foram as pessoas com transtornos mentais autoras de delitos em situação de abandono familiar e social, sendo que, de 19 (dezenove) pessoas institucionalizadas, apenas 07 (sete) aceitaram ou tiveram condições de participar do estudo. Além delas, integraram o conjunto de sujeitos da pesquisa, 03 (três) gestores, 05 (cinco) técnicos da equipe de desinstitucionalização e 01 técnico da saúde mental do município de Salvador. Já a caracterização do perfil psicossocial da pessoa institucionalizada no HCT-BA foi obtida mediante fontes secundárias de informações – prontuários e relatórios –, e os dados complementares foram fornecidos pela equipe de desinstitucionalização. É importante destacar, também, que a referida pesquisa foi formalmente consentida pela SJCDH em novembro de 2008 e foi submetida ao Comitê de Ética da Universidade Católica do Salvador em dezembro de 2008. 3.4 ANOTAÇÕES DE UM DIÁRIO: AS OBSERVAÇÕES DE CAMPO A pesquisa de campo aconteceu entre os meses de agosto de 2008 a junho de 2009, no Hospital de Custódia e Tratamento da Bahia, sendo que as primeiras visitas a esse “local” foram livres, ou seja, sem o agendamento prévio, tendo sido realizadas com o objetivo de levantamento bibliográfico e documental, tendo em vista a lacuna existente nos estudos sobre esse hospital. Procedeu-se então a um mapeamento dos documentos armazenados em uma pequena biblioteca organizada pelo seu diretor, que guarda livros, periódicos, 57 portarias, jornais, o termo de ajustamento de conduta de 2004, monografias e dissertações referentes ao HCT-BA. A pequena biblioteca, que pode ser identificada como um arquivo institucional, foi de grande relevância para a fase de levantamento histórico sobre o hospital. Nela, foram encontrados documentos importantes como o censo clínico e psicossocial de 2004, as portarias n. 1 e 2 de 2003 da Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas da Bahia, e a dissertação de Maria Fernanda Tourinho que apresenta uma investigação sobre a constituição do HCT-BA. Durante o período de levantamento bibliográfico e documental, que durou cerca de dois meses, não foram registradas dificuldades ou resistências para a pesquisa, inclusive foi autorizada pela diretoria do HCT-Ba a utilização da copiadora, pois os referidos documentos não poderiam ser emprestados ou retirados da biblioteca. Cabe ressaltar que foram realizadas visitas à instituição antes da autorização para a pesquisa por parte da SJCDH, pois ainda não estava clara a questão a ser investigada e nem se o HCT-BA faria parte da pesquisa. Nessa perspectiva, foi importante o contato prévio com o referido hospital, pois, paralelamente à coleta de dados, alguns fenômenos foram observados, como, por exemplo, a problemática da desinstitucionalização das pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delitos que, mesmo com a medida de segurança cumprida, ainda são mantidas institucionalizadas. Também foram imprescindíveis os encontros informais com as assistentes sociais e psicólogas do HCT-BA. Neles, ficou claro a viabilidade da pesquisa nessa instituição e que o processo de desinstitucionalização se apresentava como uma temática relevante de investigação. Em conversas informais com os assistentes sociais e psicólogos, foi verificado que o processo de desinstitucionalização vem alterando algumas rotinas de trabalho, pois há a ideia de que novas rotinas devem ser contempladas para responder de forma favorável a demanda gerada por esse processo. Uma das mudanças recentes foi a constituição de uma equipe destinada a desenvolver atividades de reinserção social. No primeiro momento, a equipe, denominada “equipe de desinstitucionalização”, fez um cadastro das pessoas institucionalizadas no HCT-BA que se encontravam aptas a ser liberadas ou já estavam liberadas pela justiça. Ao 58 iniciar o levantamento de informações para o referido cadastro, a equipe buscava delimitar suas ações para um grupo por ora excluído do convívio social e do sistema de proteção social. Esse cadastro foi um documento de referência para o estudo e contribuiu muito para a delimitação dos sujeitos da pesquisa. Após a formalização da pesquisa pela UCSAL e SJCDH, foram realizadas, a partir de outubro de 2008, visitas quinzenais de observações que proporcionaram contatos sistemáticos com os gestores, os técnicos e as pessoas institucionalizadas. As visitas in loco proporcionaram situações favoráveis para conhecimento da realidade institucional. Nesse passo, observou-se que a equipe designada para desenvolver ações de desinstitucionalização estava frequentemente sendo requisitada a participar de reuniões e capacitações sobre a reorientação do HCT-BA, que tem como umas das propostas a desinstitucionalização. Porém, a equipe mostra-se bastante apreensiva com as mudanças, pois acredita que alguns pontos ainda necessitam de definição como, por exemplo: como resolver a questão da moradia das pessoas institucionalizadas em situação de abandono familiar e social? Como trabalhar a desinstitucionalização se o Estado e os municípios não definiram suas responsabilidades? Sem dúvida alguma, o processo de desinstitucionalização no HCT-BA já gera reflexões acerca de suas potencialidades, de seus obstáculos e de seus limites. O corpo técnico designado para traçar estratégias de desinstitucionalização identifica-se com a nova política nacional de saúde mental. Contudo, essa identificação não exclui as preocupações diante da falta de condições de trabalho em uma instituição que ainda mantém característica asilar/carcerária, na qual direitos são violados e pessoas são privadas de liberdade por não ter onde morar. O grupo responsável pela desinstitucionalização, em diálogos informais, revela a necessidade de ampliação do quadro de servidores, da implantação do plano de cargos e salários, e de uma melhor qualificação dos servidores que trabalham no HCT-BA. É fácil perceber nesse hospital um sentimento de descrença, de desmotivação, de impotência perante as propostas de desinstitucionalização por parte dos seus servidores, principalmente os mais antigos. Tais observações sinalizam o sentimento da pouca importância que o HCT-BA tem para as esferas públicas, embora nos últimos anos ele tenha sofrido algumas melhorias estruturais, 59 tais como pintura, consertos de banheiros, cozinha e refeitórios, e uma ampliação no quadro de funcionários para a limpeza, fato que significou progressos em seu aspecto higiênico. Houve também a contratação, através do Regime Especial de Direito Administrativo (REDA) ou de cargos de comissão, de novos servidores para a área técnica e administrativa, cuja principal finalidade é atender as novas rotinas institucionais propostas pela SJCDH. Ainda durante o período de observação, em conversas com gestores da SJCDH, eles deixaram transparecer que irão pressionar o Ministério da Saúde, as Secretarias Estadual e Municipais de Saúde, a Defensoria Pública, o Ministério Público e as Secretarias de Ação Social do Estado e Municípios para que adotem políticas de inclusão social com vistas a reverter o passado sombrio do HCT-BA e evitar que novas violações aconteçam. De acordo com os gestores da SJCDH, a mudança no modelo de atenção à saúde mental das pessoas com transtornos mentais autoras de delito não é uma responsabilidade exclusiva da justiça, pois, a todo cidadão brasileiro é garantido o acesso aos serviços da rede de Seguridade Social (Saúde, Assistência Social e Previdência Social). Ainda assim, é observada certa frustração por parte dos referidos gestores em relação ao pouco envolvimento de outras esferas públicas no que se refere à reorientação do HCT-BA. Para eles, esse pouco envolvimento reflete a postura da sociedade em apartar do convívio social os “indesejáveis”. Por outro lado, eles reconhecem que mudanças vêm ocorrendo, principalmente devido à redução do número de pessoas internadas. Para eles, tais mudanças estão relacionadas ao cumprimento de normas jurídicas e não à materialização de direitos sociais. Outro momento da pesquisa foram as observações feitas nas alas de internamentos e no espaço de lazer. Foi o momento mais delicado da pesquisa: por se tratar de uma unidade prisional, alguns procedimentos de segurança precisavam ser adotados e era necessário o acompanhamento de um servidor ou funcionário da instituição para que o acesso fosse devidamente autorizado. As visitas nas alas de internamento foram poucas, porém de grande relevância para conhecimento da realidade institucional. De modo geral, as alas de internamentos não se diferenciam das enfermarias dos hospitais psiquiátricos, e até a presença do agente penitenciário não é tão marcante nas alas, que conta com o apoio da equipe de enfermagem durante as vinte e quatro horas do dia. 60 Durante as visitas, foi observado que a maioria das pessoas institucionalizadas obedece aos horários estabelecidos de alimentação, medicação e recolhimento noturno. Já no que se refere à participação nas atividades terapêuticas, as pessoas institucionalizadas no HCT-BA são estimuladas pelos técnicos a participar das oficinas terapêuticas, dos atendimentos individuais e grupais, mas é notório que grande parte das pessoas ali institucionalizadas não se envolve com as atividades citadas, permanecendo na maior parte do dia pelas áreas internas da instituição, sentadas ou deitadas no chão, em total isolamento ou em pequenos grupos, participando de jogos de dominó e futebol. Nesse caso, cabe destacar que as atividades terapêuticas não são impostas, para serem realizadas dependem das expectativas e demandas particulares de cada sujeito. Elas buscam promover o diálogo e a compreensão da realidade da pessoa institucionalizada no HCT-BA. Nos dias de visita, ocorre certa agitação na instituição, pois alguns internos ficam ansiosos com a presença de familiares, outros ficam tristes por não receber visitas e outros indiferentes com a movimentação de pessoas estranhas na instituição. Ocorre também a visita de grupos religiosos que desenvolvem atividades de evangelização e aconselhamento, sendo que o acesso ao hospital de qualquer grupo religioso só é possível com a autorização da direção. Nesses dias, o corpo técnico do HCT-BA volta-se para o atendimento familiar, tendo como principal objetivo o fortalecimento dos vínculos familiares e o acompanhamento das famílias em condição de vulnerabilidade social, cabendo o encaminhamento dessas famílias para programas de proteção social. Após o levantamento documental e bibliográfico e da observação direta, foi iniciado em dezembro de 2008 o levantamento de informações nos prontuários para a caracterização do perfil psicossocial do sujeito da pesquisa. Esse levantamento teve como principal fonte o cadastro feito pela equipe de desinstitucionalização e só foi iniciado após o consentimento do Comitê de Ética da Universidade Católica do Salvador. As entrevistas aconteceram entre os meses de maio e junho de 2009. Embora tenha sido muito difícil agendar os horários com os gestores e técnicos, não foi percebido resistência deles em participar das entrevistas. Já em relação às pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delito e em situação de abandono 61 familiar e social, observou-se que, por se tratar de pessoas sem capacidades para exercerem plenamente atividades do cotidiano e laborativa, houve uma baixa participação nas entrevistas, o que não significa um descomprometimento desses sujeitos com o tema, mas revela as graves sequelas do longo internamento e do abandono que vivenciam. 3.5 A EXPERIÊNCIA DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO A análise da experiência de desinstitucionalização no HCT-BA foi fundamentada em pesquisa, ali realizada no ano de 2009. Inicialmente, será apresentada a situação da população pesquisada, destacando-se os que já foram desinstitucionalizados e os que aguardam a efetivação de sua liberação, ou “alta”, do HCT-BA. Em junho de 2009, a equipe de desinstitucionalização apresentou uma lista26 com o nome de 29 (vinte e nove) pessoas institucionalizadas, simplesmente, por não terem para onde ir, sendo que a maioria já cumpriu medida de segurança e os outros aguardam liberação do juiz. Em 2007, a equipe havia iniciado a busca de destinos adequados para a moradia das pessoas sem vínculo familiar e passado a desenvolver ações de preparação para a reinserção social. Essa equipe elabora os projetos terapêuticos individuais e inicia as atividades de acordo com a singularidade de cada caso. No primeiro momento da pesquisa, foram coletados dos prontuários dados descritivos da população pesquisada, destacando os pontos relevantes para traçar o perfil dessas 29 (vinte e nove) pessoas. O quadro 01 indica as „altas‟ ocorridas no HCT-BA, sob a intervenção da equipe de desinstitucionalização. 26 Conforme documento fornecido pelo Serviço Social do HCT-BA no mês de junho de 2009. 62 QUADRO 01 – Perfil das pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delito Nº. Nome Sexo Tempo de Autonomia Motivação Situação Alta Processual Internação Alta Encaminhado 01 AS M 09 anos Muita SIM Liberado 2007 Família 02 VA M 17 anos Muita SIM Liberado 2007 ADRA 03 FF M 14 anos Muita SIM Liberado 2007 ADRA 04 ED M 09 anos Muita SIM Liberado 2007 ADRA 05 JR M 22 anos Muita SIM Liberado 2007 ADRA 06 JC M 08 anos Muita SIM Liberado 2007 ADRA 07 BS F 30 anos Muita SIM Liberada 2007 RT 08 PS M 12 anos Muita SIM Liberado 2007 ADRA 09 VA F 36 anos Muita SIM Liberada 2009 RT 10 RS M 04 anos Muita SIM Liberado 2007 ADRA 11 PS M 12 anos - - Liberado 2007 Família Fonte: Pesquisa de campo. O quadro 01 demonstra que 11 (onze) internos do HCT-BA receberam “alta” (10 (dez) em 2007 e 01 (um) em 2009), sendo que a maioria contava com mais de 10 (dez) anos de internação, eram dotados de autonomia27 e motivados para a vida em comunidade. Desses, 07 (sete) foram acolhidos pela Agência de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA) – organização não governamental que administra uma instituição de abrigo na cidade de Cachoeira-BA e tem uma parceria/ convênio com a Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado (SEDES). Esse processo de alta é chamado por Barros (2008) de desospitalização, pois as pessoas são transferidas para instituições não psiquiátricas, de preferência para asilos ou instituições menores. 27 A equipe de desinstitucionalização do HCT-BA utilizou como condição de autonomia a expressão “muita”, que retrata condições favoráveis para as atividades da vida diária, tais como: higiene, alimentação, vestuário e atividades cotidianas ou da vida prática, como sair sozinho, lidar com dinheiro, fazer serviços domésticos, fazer compras, relacionar-se socialmente. A expressão “pouca” significa dificuldades nas atividades da vida diária e prática, bem como dificuldade de comunicação, de interação e, em muitos casos, vulnerabilidade a diversos riscos. 63 Dessas 07 (sete) pessoas, apenas 01 (uma) retornou ao HCT-BA com a justificativa de não adaptação à rotina da ADRA, fato que não ficou muito bem esclarecido, uma vez que o referido interno é de fácil relacionamento e mostra-se receptivo ao contato, e em seu prontuário não consta registro de agressividade ou outro problema comportamental. No caso das transferências para a ADRA, a equipe de desinstitucionalização organizou e acompanhou as visitas dos internos à instituição, com o objetivo de apresentá-la e estabelecer novos vínculos. Aliado a esse trabalho de visitas e construção de vínculos, a ADRA fez uma seleção, que evidenciou a escolha de pessoas com muita autonomia. Parece que a instituição selecionou apenas pessoas com maior independência e em boas condições de saúde. Outro ponto relevante que pode ser identificado no quadro 01 foi o retorno de (02) duas pessoas ao convívio familiar. Destaque-se que o trabalho com as famílias é prioridade da equipe de desinstitucionalização, que no primeiro momento tenta localizar todas as famílias através de visitas domiciliares e na comunidade. Essas visitas são realizadas pelos assistentes sociais e psicólogos que, se necessário, viajam por todo o estado da Bahia. Outras formas de localização das famílias também são utilizadas, como, por exemplo, telefonemas, envio de cartas, contatos com a rede de assistência social e até mesmo com delegacias, fóruns e cartórios. Todas essas ações têm a intenção de localizar e estabelecer uma maior aproximação com as famílias. Percebe-se, no trabalho com as famílias, a fragilidade das relações entre seus membros, por isso, é necessário que a equipe desenvolva intervenções de acordo com cada realidade familiar. A análise do quadro 01 apontou que 02 (duas) pessoas foram acolhidas no SRT de Salvador através de um trabalho árduo de preparação para a saída, com visitas a RT, atividades terapêuticas e apoio psicológico. De acordo com os registros nos prontuários, as pessoas que foram acolhidas pela ADRA e pelo SRT estavam motivadas, talvez, por fazer parte de um grupo de maior autonomia e de boa participação nas atividades terapêuticas propostas pela equipe. 64 QUADRO 02 – Perfil das pessoas do sexo masculino portadoras de transtornos mentais autoras de delito Nº. Nome Idade 01 AS 02 AJ 03 AS 04 CA 05 DS 40 anos 50 anos 52 anos 49 anos 59 anos 06 EA 07 AS 44 anos 48 anos Tempo de Internação 05 anos Autonomia Pouca 27 anos Pouca 27 anos Pouca 31 anos Pouca 32 anos Pouca 13 anos Pouca 19 anos Pouca Motivação Alta Situação Processual Necessita estímulo Necessita estímulo Necessita estímulo Necessita estímulo Necessita estímulo MS Necessita estímulo Necessita estímulo Liberado Liberado Liberado Liberado Liberado Liberado Indicação RT de alta complexidade RT de alta complexidade RT de alta complexidade RT de alta complexidade RT de alta complexidade RT de alta complexidade RT de alta complexidade Fonte: Pesquisa de campo O quadro 02 apresenta a difícil situação das pessoas que passaram praticamente toda a vida adulta no HCT-BA, sem vínculos familiares e sociais, e com pouca autonomia. Essas pessoas deveriam ser acolhidas no SRT-II (alta complexidade), contudo, tanto em Salvador como no interior do Estado, esse serviço ainda é bastante pontual, não existe quantidade suficiente para acolher a demanda existente do HCT-BA. Percebe-se, então, a necessidade de resolver o problema. Competem a SJCDH e as Secretarias de Saúde do Estado e do Município priorizar a viabilização desse serviço que, por suas características, requer maior investimento e aparato de cuidado. Observa-se que em Salvador alugar imóvel para a montagem de uma RT é bastante difícil, pois muitos imóveis não possuem toda a documentação necessária para que a prefeitura possa efetivar o contrato de aluguel, e muitas residências não oferecem condições estruturais e sanitárias para se transformar em uma RT. A situação fica mais complicada para uma RT de alta complexidade, pois o imóvel tem que ter condições de abrigar pessoas que necessitam de cuidado intensivo. Do ponto de vista estrutural, a RT de alta complexidade não pode ser localizada em uma rua de ladeira, com dificuldade de acesso ao transporte urbano, não pode ter escadas no seu interior, tem que ter portas e banheiros amplos, além 65 de uma equipe de cuidado trabalhando 24 horas por dia. Então, como resolver esse problema, se a questão do financiamento das RTs para os egressos do HCT-BA ainda não é clara? É urgente a resolução dessa questão, pois ela interfere diretamente no trabalho que vem sendo feito. As SJCDH, SESAB, SEDES, SMS de Salvador vêm discutindo a situação, porém os anos vão passando e ela se mantém, acarretando a continuidade da violação de direitos. A pesquisa revelou que o HCT-BA necessita de sete vagas no SRT de alta complexidade, pois são sete as pessoas com transtornos mentais considerados graves, dependentes de cuidados por dificuldade de locomoção e/ou por outro comprometimento de saúde, como hipertensão, diabetes, deficiência física e problemas neurológicos. Nesse grupo, todos necessitam de estímulo para o “preparo de alta” e a equipe de desinstitucionalização vem trabalhando a singularidade de cada caso, através de saídas terapêuticas, do grupo de autocuidado e da organização de documentação. A equipe busca desenvolver a autonomia e cidadania dessas pessoas, que foram de algum modo esquecidas no HCT-BA. Essa terrível situação pode ainda perdurar por anos, caso não sejam priorizados programas de reinserção social e de reabilitação psicossocial para os casos considerados crônicos, ou seja, aqueles que se referem aos que se encontram na condição de dependentes de cuidados. O quadro 03 apresenta a necessidade de SRT ou de outro estabelecimento que possa acolher os egressos do HCT-BA, como abrigos, asilos e pensões. Registre-se que algumas das pessoas institucionalizadas, mesmo sem apoio familiar, poderiam morar sozinhas e ser acompanhadas pelos CAPSs ou Ambulatórios de Saúde Mental. São pessoas com certa autonomia, já liberadas pela justiça, que permanecem no HCT-BA pela falta de laços sociais e vínculos familiares. Observa-se, ainda, no quadro 03, que 02 (duas) pessoas vêm conseguindo restabelecer o vínculo com as respectivas famílias. A intervenção da equipe de desinstitucionalização tem sido bastante significativa, pois tem conseguido sensibilizar e prestar apoio a essas duas famílias, que vêm se organizando para receber seus familiares e ajudá-los nessa nova fase de vida. 66 QUADRO 03 – Perfil das pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delito Nº. Nome Idade Sexo Tempo de Internação 01 MM M 19 anos Pouca 02 ES M 04 anos Pouca 03 DD M 03 anos Pouca 04 LC M 12 anos 05 MS M 06 JS 07 RS 08 DS 09 AS 10 JG 11 RR 12 SS 82 anos 61 anos 37 anos 47 anos 69 anos 46 anos 60 anos 39 anos 55 anos 40 anos 37 anos 45 anos Autonomia Motivação Alta Situação Processual Indicação Liberado RT MS RT MS RT Muita Necessita estímulo Necessita estímulo Necessita estímulo SIM MS RT 20 anos Muita SIM Liberado RT M 09 anos Muita SIM Liberado RT M 17 anos Muita SIM Liberado RT M 10 anos Muita SIM Liberado RT M 25 anos Muita Liberado RT M 03 anos Pouca MS RT M 02 anos Muita Necessita estímulo Necessita estímulo SIM MS Família F 13 anos Muita SIM Liberada Família Fonte: Pesquisa de campo. É preciso esclarecer, entretanto, que a proposta da desinstitucionalização não visa transferir o problema para a família, o que se pretende é resgatar os vínculos e descobrir as possibilidades de atenção e cuidado aos internos do HCT-BA, na perspectiva da inclusão social e não mais no aprisionamento, que, em muitos casos, tornam-se perpétuos. A pesquisa com as pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delitos em situação de longo internamento e com histórico de abandono familiar e social revelou a gravidade da situação, na qual as pessoas são privadas de uma vida digna, simplesmente por não ter para onde ir. É de grande relevância tornar a situação dessas pessoas visível. Atualmente, no HCT-BA, 13 (treze) pessoas possuem mais de 10 anos de internação, por essa razão pode-se dizer que é urgente a reversão do modelo manicomial, pois a questão dos internos do HCT-BA não deve continuar sendo 67 tratada apenas na esfera judicial, uma vez que eles devem ser beneficiados pela política de saúde mental e de assistência social. Outro ponto importante indicado na pesquisa diz respeito à situação da documentação dos internos pesquisados. Um levantamento a partir da análise dos prontuários revelou que, dentre as 19 (dezenove) pessoas pesquisadas que ainda permanecem no HCT-BA, 14 (catorze) possuem documentação civil e 05 (cinco) não possuem certidão de nascimento. É preciso documentar que a equipe de desinstitucionalização, depois de esgotar as tentativas de localização do registro civil, providenciou junto ao Ministério Público da Bahia a abertura de processo para obtenção do registro civil, documento imprescindível para a inclusão nos benefícios sociais, a exemplo do BPC e do PVC. Para tornar possível a compreensão do processo de desinstitucionalização, foram realizadas entrevistas, com o propósito de mostrar os pontos relevantes no que se refere aos avanços e obstáculos dessa experiência, considerada difícil e inovadora, uma vez que visa garantir aos internos do HCT-BA o direito à vida em sociedade e o acesso aos direitos sociais. É importante assinalar que a desinstitucionalização no HCT-BA é uma estratégia de mudança da forma de atendimento à pessoa com transtorno mental autora de delito. Tal aspecto pode ser percebido a partir das falas dos entrevistados. A desinstitucionalização vai além de tirar o paciente dos hospitais. É um trabalho de resgate da cidadania, tem como objetivo a reinserção social, se vislumbra „emponderar‟ a pessoa, para que possa conduzir sua própria vida, sem amarras institucionais. [...] a desinstitucionalização não é uma simples troca de instituição, não devemos simplesmente passar o problema para outro, empurrar o paciente e deixar que o outro resolva a situação (entrevista com técnico 02). O processo de desinstitucionalização tem ainda um longo caminho, é uma possibilidade de mudança na atenção à saúde. Aqui no HCT estamos no início de um processo de desinstitucionalização, ou melhor, ainda muito no início (entrevista com técnico 03). A desinstitucionalização dos pacientes abandonados é um grande desafio, pois temos que promover meios possíveis para as pessoas saírem. Tem que ser um lugar adequado... [...] Temos que buscar locais que possam cuidar dos pacientes da melhor forma (entrevista com gestor 03). 68 Desinstitucionalização é a saída responsável das pessoas que hoje vivem nos hospitais. Espera-se que de fato aconteça a reinserção dessas pessoas que se encontram institucionalizadas. Não é abrir a porta e tirar, tem que haver uma preparação para a saída, ação pensada e responsável (entrevista com gestor 01). Esses depoimentos evidenciam que tanto os técnicos quanto os gestores têm um entendimento similar sobre o processo de desinstitucionalização. Porém, mesmo com o compromisso e a dedicação dos técnicos e gestores, a desinstitucionalização das pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delito ainda é um processo difícil devido principalmente à inexistência de uma rede integrada de serviços nas diversas áreas, como saúde, assistência social, educação, justiça, dentre outras. Cabe registrar que no HCT-BA vem ocorrendo algumas mudanças na rotina institucional: a principal diz respeito à formação de duas equipes de desinstitucionalização, sendo que cada equipe conta com a participação de pelo menos um assistente social, um psicólogo e um terapeuta ocupacional. Elas têm como atribuições acolher os novos internos e fazer uma entrevista inicial, e, após esse primeiro momento, estabelecer o acompanhamento individualizado. A equipe de desinstitucionalização também é responsável pelo acompanhamento familiar, pelos encaminhamentos para outros serviços públicos como saúde, assistência social e educação, busca de moradias adequadas para as pessoas em situação de abandono e acompanhamento de grupos e oficinas terapêuticas. Todas as atividades dessa equipe são registradas em prontuários e sintetizadas em relatórios trimestrais, que são direcionados para a diretoria do hospital e da SJCDH. Conforme observado, as duas equipes de desinstitucionalização têm enfrentado grandes desafios, pois são impostas novas atribuições dentro de uma realidade fundamentada no modelo assistencial asilar/segregacionista. Com base no processo de desinstitucionalização que vem acontecendo de forma gradual no HCT-BA, as entrevistas com os gestores e profissionais explicitaram as ações que vem sendo desenvolvidas na referida instituição. Aqui no HCT foi formada uma equipe responsável pelo trabalho de desinstitucionalização. Ela desenvolve ações com as famílias, com atividades terapêuticas, saídas externas, documentação e assistência individualizada (entrevista com gestor 03). 69 [...] as duas equipes de desinstitucionalização desenvolvem atividades com os pacientes abandonados e a terceira equipe que está sendo montada irá trabalhar na prevenção para que não aconteça o abandono. Temos no HCT casos crônicos: abandonados, sem laço de família. As equipes vão trabalhar com todos os pacientes, porém, os casos crônicos, com longo período de internação, terão prioridade na atenção (entrevista com gestor 02). Os profissionais elaboram projetos e os pacientes são convidados a participar. É uma livre participação, ninguém é obrigado a participar. Se as atividades são impostas, deixam de ser terapêuticas (entrevista com técnico 04). Diante desses depoimentos, fica claro que atualmente existem mudanças pontuais no HCT-BA, porém, ainda não se pode afirmar que são mudanças fundamentadas a partir da Lei Federal 10.216/2001, o que se tem são ações direcionadas para a solução de vários problemas, como é o caso do abandono. Faz-se necessário uma maior atenção por parte do Estado para que as pessoas institucionalizadas no HCT-BA tenham a sua condição de sujeito de direitos reconhecidos. Nessa direção, políticas públicas devem ser desenvolvidas para concretizar mecanismos de participação política, econômica e social. Ressalte-se também que, nos discursos dos técnicos e gestores, o abandono e a pobreza foram apontados como um grande problema institucional. Nossa maior dificuldade diz respeito às pessoas abandonadas há muitos anos, por falta de condições sociais. Eles não têm dívidas com a justiça, só não temos para onde encaminhá-los (entrevista com gestor 02). A grande questão do abandono social não é uma particularidade do HCT. Várias instituições psiquiátricas enfrentam ou enfrentaram o problema do abandono. Ainda hoje chegam ao HCT pessoas sem referência familiar, sem documentos, sem endereço e até mesmo com dois nomes (entrevista com gestor 03). [...] muitos dos pacientes do HCT estão empobrecidos, afastados socialmente do convívio social, sem referência familiar (entrevista com técnico 02). Os depoimentos evidenciam também as dificuldades para se criar as condições necessárias para efetivar a desinstitucionalização. Percebe-se a urgência 70 no fortalecimento da rede de proteção social que ofereça suporte ao processo de desinstitucionalização no HCT-BA. No Programa de Assistência Individualizada (PAI) consta que a SJCDC, juntamente a SEDES do município de Salvador, irá desenvolver um trabalho de parceria em relação à proteção básica, e com a SEDES Estadual, uma articulação em relação à proteção especial. Os CRAS ficaram responsáveis por garantir o acesso dos internos do HCT-BA e suas respectivas famílias à rede de assistência social. De acordo com informações da SJCDH (mês de outubro de 2008), esse plano está em negociação. Os depoimentos seguintes apontam as residências terapêuticas como possíveis soluções para reverter a situação de abandono de alguns dos internos do HCT-BA, contudo a sua operacionalização não é tão simples como enfatiza os relatos dos gestores. Temos que ampliar o número de residências terapêuticas em Salvador. Com o fechamento de três hospitais psiquiátricos, as residências terapêuticas foram viabilizadas para dar conta da demanda dos hospitais fechados, então, o HCT parece que ficou esquecido, não é uma prioridade (entrevista com gestor 03). Falta imóvel para alugar. Como já foi dito, temos cinco imobiliárias que procuram os imóveis, [mas] é uma grande dificuldade, pois quando encontramos um imóvel em boas condições e com a documentação em dia, o aluguel é muito alto. Existe uma valorização de imóvel quando este é para o serviço público (entrevista com gestor 01). Não existe recurso para os casos do HCT, pois o mesmo é uma instituição penal. Quando um leito é fechado em um hospital psiquiátrico, o valor da AIH é repassado para os serviços da saúde mental. [...] para os casos dos egressos do HCT não existe AIH, portanto, tem que ter um co-financiamento das Secretarias envolvidas no processo. Foi formado um grupo técnico com os representantes das SJCDH, SESAB, SMS de Salvador, e as secretarias de Ação Social do Estado e do município de Salvador para discutir e definir papéis e competências (entrevista com gestor 01) Nesse contexto, os depoimentos consagram a urgência de ampliação dos serviços substitutivos. Não se trata apenas de aumentar a ofertas de vagas e, sim, de garantir o acesso dos egressos do HCT-BA, reafirmando assim a efetivação dos direitos da pessoa portadora de transtorno mental. 71 Uma grande necessidade são os CAPSs, principalmente nos municípios. O paciente do HCT do interior precisa de apoio, ele precisa de atenção em saúde, precisa de medicação, de acolhimento, de esclarecimento sobre sua doença. Outra necessidade é o trabalho com as famílias: trabalho de apoio, de resgate. Não é fácil trabalhar com famílias que, na maioria das vezes, são de baixa renda. Porém não adianta trabalhar apenas com o paciente, a família tem que ser resgatada (entrevista com gestor 02). [...] precisamos de uma rede de saúde mental bem estruturada com CAPSs, RTs, ambulatórios, emergências e também uma rede de atenção básica que atenda aos portadores de transtornos mentais e uma boa rede de proteção social para os egressos do HCT (entrevista com técnico 03). Entende-se, a partir desses depoimentos, que existe uma relação intrínseca entre a justiça e a saúde mental. Observa-se que a justiça não deve perder de vista o direito à saúde e as estratégias de cuidado devem levar em conta a singularidade do sujeito. Mas não é só isso, os profissionais que atuam na saúde mental devem ter compromisso ético e gostar do trabalho. Nessa linha, o depoimento seguinte de um gestor é esclarecedor: [...] aguardo com expectativa a chegada dos novos profissionais, pois estamos com alguns déficits. Porém, será muito importante que os novos profissionais gostem do trabalho. Não adianta impor a um profissional que se envolva em determinadas atividades que não acredite ou seja temeroso. Por exemplo, quando trabalhei no Hospital X, tínhamos um trabalho de passeios na vizinhança, e certo profissional não gostava de participar da atividade e quando era escalado, saía com mau-humor, queria terminar logo o passeio e não estimulava o diálogo ou interação com a comunidade, muitas vezes adotava uma postura de vigilância e controle. Já os profissionais que participavam das atividades por acreditar no trabalho apresentavam uma outra postura, conversavam, trocavam experiências e estimulavam o contato com a comunidade. Então, acho que o profissional disposto a trabalhar no HCT tem que gostar (entrevista com gestor 03). Na situação atual, um gestor analisa a redução do número de pessoas internadas no HCT-BA. Tivemos no HCT uma redução do número de pessoas internadas. Isto se deu devido à aplicação das portarias 01/03 e 02/03 da Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas, que determinam o 72 retorno do interno ao Juízo de origem que “estiverem com os respectivos laudos concluídos”. Essa portaria foi bastante significativa para diminuir a superlotação, pois antes das portarias verificava-se um grande número de internados com laudos prontos [...] (entrevista com gestor 03). Além disso, esse mesmo gestor emite sua opinião quanto ao posicionamento atual do Ministério Público e da SESAB. Após a crise gerada pelo inquérito civil movido pelo Ministério Público que originou o TAC, houve um momento no HCT de grandes mudanças, a Defensoria Pública passou a atuar dentro da instituição e uma série de reformas foram autorizadas, melhorando as condições de habitação no imóvel, que é muito antigo e inadequado. Atualmente sinto o esfriamento da parceria da SJCDH com a SESAB. Houve também uma recuada por parte do Ministério Público. A relação do Ministério Público já foi mais intensa, quando Drª. X estava à frente das questões do HCT, muitos problemas foram levantados e se buscou resolutividade. Não tenho muito conhecimento de como anda a saúde mental no Estado e em Salvador. Estou sem esperança. Tudo anda muito parado. Há muito tempo não acontece nada na política de saúde mental baiana (entrevista com gestor 03). Observa-se que o Ministério Público e a SESAB continuam omissos quanto ao HCT-BA. Está claro também que apenas a SJCDH assume a sua responsabilidade. Na situação atual, foi ponto comum nas entrevistas realizadas com os técnicos e os gestores a cobrança de maior efetividade da política de saúde mental, especificamente no que diz respeito ao HCT-BA. Já em relação aos depoimentos das pessoas com história de longa internação, o que se evidencia é a vontade de ir embora do HCT-BA, o desejo de constituir um novo lar e principalmente a aspiração à liberdade. Assim sendo, seguem algumas partes dos depoimentos. É o que mais quero. Já estou com a cadeia vencida, estou aqui há muito tempo (entrevista com JS). Tem muito tempo que estou aqui. Eu gosto do hospital, mas quero ir embora (entrevista com interno DS). Tenho sim. Já estou com a cadeia vencida, quero ir para um abrigo lá em Buraquinho, perto da praia (entrevista com interno SS). 73 Desejo muito sair do HCT. Aqui não é lugar para se morar (entrevista com interno DS). De acordo com os depoimentos, os entrevistados que não querem sair do HCT-BA justificam tal desejo pela ausência da família, por não ter para onde ir ou simplesmente por gostarem de morar no hospital. Percebe-se, nesses depoimentos, que o HCT-BA apresenta-se como única referência de moradia para eles. Não quero sair daqui. Foi meu pai que fez o manicômio, gosto daqui, tomo sol, descanso. Tenho uma vida ótima aqui (entrevista com interno VA). Por enquanto não. Não tenho pra onde ir (entrevista com interno MS). Não tenho vontade de ir embora, gosto de morar aqui, 06 horas tem feijão, tem comida (entrevista com interno ES). Aqui tá bom. Aqui estou com saúde, tomo remédio, bato bola no campo, cuido de alguns pacientes (entrevista com interno MM). As falas revelam uma ambiguidade relacionada ao HCT-BA, que, para alguns, se apresenta como local de tratamento, de cuidado, de moradia e, para outros, como prisão, cadeia, hospital. Nesses discursos, outro aspecto que se destaca é o desejo por mudança. Vou reconquistar minha família. A aproximação com a minha família foi devido ao trabalho das assistentes sociais e psicólogas. Se não fossem por elas, não tinha contato com eles. Algo importante é saber que a família tá bem. Se a pessoa não tiver apoio da família é uma pessoa abandonada (entrevista com interno RR). Vou comprar uma casa, por que aluguel não é bom, pago hoje e amanhã já estou devendo. Vou retornar aos estudos e terminar o 2ª grau, também vou comprar um carro (entrevista com interno JC). Depreende-se das análises realizadas neste estudo que a desinstitucionalização é uma estratégia de cuidado que prioriza o sujeito e as suas demandas e não apenas a sua psicopatologia. Considera-se, ainda, que as políticas públicas devem ser efetivadas para que as necessidades das pessoas longamente institucionalizadas e com graves comprometimentos psíquicos sejam contempladas. 74 Segundo Pinheiro, é fundamental “uma reflexão sobre as práticas desenvolvidas, para se evitar o risco de reproduzir a lógica mortificante do manicômio e restringir esse processo a uma simples desospitalização” (2007, p. 8788). Espera-se que a situação das pessoas institucionalizadas no HCT-BA seja uma preocupação constante da saúde, da justiça e da ação social, e que a reinserção social aconteça sem mais tardar. 75 CONSIDERAÇÕES FINAIS Faz parte da história da política de saúde mental no Brasil o surgimento de novas experiências assistenciais, baseadas em práticas territoriais e de garantia de direitos e de cidadania. Experiências essas decorrentes do processo de desconstrução das práticas hospitalocêntricas da psiquiatria tradicional. Contudo, a discussão sobre o manicômio judiciário é relativamente recente no Brasil. Vale lembrar que o país possui 19 Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou Manicômios Judiciários em pleno funcionamento. Esses hospitais são geridos por órgãos da Justiça e não pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em todo o país, excetuando-se o Rio de Janeiro. Embora de forma embrionária, alguns estados iniciaram programas de atenção ao portador de transtornos mentais autores de delito. Em Minas Gerais, por exemplo, no ano de 2000, foi implantado o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário (PAI-PJ) pelo Tribunal de Justiça. O PAI-PJ, a partir de uma metodologia de atenção integral no tratamento jurisdicional, provoca a ruptura com os paradigmas responsáveis pela sustentação de uma prática de segregação, inserindo novos valores e ocasionando uma mudança de postura diante da loucura, visando tratar os portadores de transtornos mentais autores de delito como cidadãos que têm direitos à saúde e aos benefícios sociais básicos e o dever de responder pelas suas ações perante a sociedade. Pioneiro no país, O PAI-PJ inspirou, em 2006, a criação do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (PAILI), no Estado de Goiás, que atua principalmente na área da saúde, buscando o resgate de uma séria e histórica dívida para com as pessoas submetidas à medida de segurança. A Bahia, por sua vez, certamente por influência dos programas de Minas Gerais e de Goiás, vem desenvolvendo o Programa de Assistência Individualizada (PAI), vinculado à Superintendência de Assuntos Penais (SAP) da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH). Instrumento estratégico de promoção da cidadania, de prevenção à criminalidade e à reincidência no crime, o PAI prevê ações do Serviço Social e Psicologia nas Unidades Prisionais, inclusive o HCT-BA. Essas experiências 76 pioneiras mostram que outra forma de oferecer tratamento às pessoas com transtornos mentais autoras de delito é possível. Como foi visto ao longo deste trabalho, o HCT-BA é o único estabelecimento penal na Bahia destinado ao cumprimento de medida de segurança e internação provisória para a realização de perícia, tanto para homens quanto para mulheres com transtornos mentais autores de delitos. E a sua reorientação é um grande desafio para as áreas da Justiça e Saúde. Embora de forma ainda bastante pontual, vislumbra-se a construção de novas práticas para um segmento historicamente vítima de exclusão e preconceito. Importante salientar que, na Bahia, ainda não existe uma política que vise desconstruir o modelo manicomial. Há muito a ser feito, principalmente no que diz respeito à desinstitucionalização de pessoas que são mantidas internadas no HCTBA, simplesmente por não ter para onde ir. A pesquisa realizada ratifica o que tem apontado a experiência junto às pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delitos, que permanecem institucionalizadas no HCT-BA por um longo período. A pessoa institucionalizada é enclausurada, excluída e não recebe assistência em saúde de forma contínua e integral. O que se evidencia é a violação e o aniquilamento da subjetividade da pessoa institucionalizada. Dessas constatações, observou-se que a política de saúde mental não tem beneficiado as pessoas internadas no HCT-BA, sendo raros os casos de pessoas que conseguem ter acesso aos novos dispositivos de cuidados. A rotina do HCT-BA não se diferencia da rotina dos hospitais psiquiátricos, fundamentados na vigilância e no controle de seus institucionalizados. Em 2004, dadas às denúncias relativas às precárias condições de internamento no HCT-BA, foi assinado o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) pelo Ministério Público do Estado (MPE), pela Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH) e pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB). No que se refere aos aspectos sociais, o TAC contribuiu para a formação, no ano de 2007, de duas equipes de técnicos (assistentes sociais, psicólogos e terapeutas ocupacionais) para desenvolverem ações de desinstitucionalização gradual das pessoas que estão longamente institucionalizadas no HCT-BA, em situação de abandono familiar e social. 77 As equipes desenvolvem uma assistência individualizada, com a intenção de construir novas práticas de inclusão social de forma a contemplar esse segmento historicamente excluído. Elas trabalham de forma pontual e enfrentam muitas dificuldades para viabilizar suas ações: a falta de uma rede assistencial em saúde mental, principalmente no interior do estado, a inexistência de programas de reinserção social, o preconceito que atinge as pessoas portadoras de transtornos autoras de delitos e, sobretudo, a existência do HCT-BA, que se tornou a única referência no internamento de inimputáveis no estado, não estimulando a busca por outras medidas de tratamento. O HCT-BA, sobretudo por imposição do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), vem adotando alguns dispositivos para viabilizar a desinstitucionalização das pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delitos, com história de longa internação e com ausência de laços sociais e familiares. Algumas iniciativas vêm sendo experimentadas, tais quais: saídas terapêuticas, grupo de autocuidado, visitas domiciliares por todo o estado, visitas institucionais, contatos com juízes, gestores e técnicos, regularização de documentação e situação processual, apoio psicológico e social, encaminhamentos para benefícios sociais, serviços de saúde mental e atividades educativas. Todas essas atividades visam a desinstitucionalização de 19 (dezenove) pessoas, que aguardam do Estado à garantia de condições para a reinserção social. Porém, 02 (duas) pessoas, com vínculos familiares frágeis, vêm re-estabelecendo o contato com seus familiares, fato que possibilitará a reinserção social com o apoio familiar. Observa-se ainda na pesquisa que 07 (sete) pessoas foram transferidas para a ADRA, embora a transferência tenha sido para uma instituição de caráter asilar, dessa forma, ao menos, se quebrou a aplicação da sanção, que poderia tornar-se perpétua. A desinstitucionalização por ora trabalhada foi influenciada pelo modelo italiano, que aborda a desinstitucionalização como uma estratégia de desconstrução do manicômio baseada na criação de uma nova rede de serviços e cuidados na saúde mental. Ela não significa em nenhuma hipótese um mero processo de desospitalização: não se trata de abandonar as pessoas em suas famílias ou à própria sorte. Desinstitucionalizar significa criar novas possibilidades de inclusão no mundo de direitos e cidadania. É um processo que incentiva a criação de uma política nacional e estadual para a reorientação dos Hospitais de Custódia e 78 Tratamento Psiquiátrico, objetivando a desconstrução do modelo vigente e a sua substituição por um modelo ancorado pela Lei Federal 10.216/2001, que vislumbra a proteção e o cuidado de um grupo social que vem sendo vítima de exclusão e preconceito há séculos. É possível perceber que desinstitucionalizar pessoas que estão no HCT-BA em situação de abandono, isoladas socialmente, “cronificadas”, com pouca ou nenhuma autonomia, não é um processo fácil. Para tanto, é preciso inventar novas estratégias fundamentadas na garantia de direitos, singularidade do sujeito e efetividade dos mecanismos de saúde mental e de assistência social, como a ampliação do número de Centros de Atenção Psicossocial (CAPSs) e dos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e a inclusão dos egressos do Programa de Volta para Casa (PVC) e do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Desta forma, a desinstitucionalização no HCT-BA poderá ser viabilizada, uma vez que somente de forma integrada com as áreas da saúde, justiça e assistência social esse modelo será desconstruído, o que acarretará mudanças institucionais, sociais e principalmente de vidas. Dessas constatações, ficou evidenciado que ainda persiste o modelo hegemônico de assistência psiquiátrica às pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delito, modelo esse fundamentado na violação de direitos e exclusão social. Na Bahia, as políticas públicas de promoção à saúde mental são escassas e não garante o suporte terapêutico para essas pessoas, por ora institucionalizadas no HCT-BA. Outro ponto que merece ser destacado diz respeito aos recursos financeiros para a criação e manutenção dos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs), que são imprescindíveis para o processo de desinstitucionalização. Porém, não existe uma política de financiamento desse serviço para os egressos do HCT-BA, situação que tem que ser resolvida pelas três esferas públicas, federal, estadual e municipal, uma vez que o aparato institucional das administrações públicas apresenta excessiva setorialização de políticas, o que dificulta a intersetorialidade entre elas. Este estudo também observa que, apesar de todo o empenho das equipes de desinstitucionalização, o processo é lento, uma vez que ele trata de pessoas há muito tempo institucionalizadas, vítimas dos efeitos perversos de um dispositivo penal para o qual não existe limite temporal. 79 Verificou-se, ainda, que as ações das referidas equipes são motivadas pela defesa dos direitos e pelo respeito à dignidade da pessoa. Contudo, apenas o empenho e dedicação não resolvem o problema. São necessárias boas condições de trabalho para que se efetivem ações desinstitucionalizantes e as instâncias públicas (Justiça, Saúde, Assistência Social, dentre outras) junto à sociedade civil devem estabelecer um diálogo acerca da reorientação do HCT-BA. Os resultados desta pesquisa corroboram a ideia de que o complexo processo de desinstitucionalização no HCT-BA mostra-se de fato muito lento, embora bastante significativo para as pessoas que deixaram a vida asilar/ carcerária e para as pessoas que aguardam a efetividade do processo. Existe, ainda, uma importante lacuna na política pública de saúde na assistência às pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de delitos, lacuna essa que não representa a ausência do Estado, mas representa um Estado que ignora os direitos dessas pessoas e não as reconhece enquanto cidadãs. 80 REFERÊNCIAS AMARANTE, Paulo (Org.). Psiquiatria Social e Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1994. AMARANTE, Paulo. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1998. AMARANTE, Paulo. Novos Sujeitos, Novos Direitos: o debate em torno da Reforma Psiquiátrica. Caderno Saúde Pública, Rio de Janeiro, vol. 11, n. 3, p. 491 - 494 jul./set. 1995. 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