HISTORIA DA ENFERMAGEM Prof: Leticia Lazarini de Abreu Reforma Psiquiátrica O que é o manicômio? Manicômio é um termo genérico que usamos para classificar hospícios, asilos, hospitais psiquiátricos e demais lugares de tratamento da doença mental que se valem do princípio do isolamento do louco da sociedade. O ambiente do manicômio é um lugar onde os internados perdem todas as suas referências de vida. São excluídos do convívio familiar, do trabalho, do local onde moram, da cidade. Perdem, portanto, a maior garantia que a sociedade moderna pretende dar a todos: a cidadania. Como surgiram os manicômios? Até o século XVIII, na Europa, os hospitais não possuíam finalidade médica. Eram grandes instituições filantrópicas destinadas a abrigar os indivíduos considerados "indesejáveis" à sociedade, como os leprosos, sifilíticos, aleijados, mendigos e loucos. Portanto, eram lugares de exclusão social da pobreza e da miséria produzidas pelos regimes absolutistas da época. Na ocasião da Revolução Francesa, o hospital de Bicêtre, em Paris, era considerado uma verdadeira "casa de horrores" onde os internados, loucos em sua maioria, eram abandonados à própria sorte. O médico Phillipe Pinel - um dos primeiros alienistas (como eram chamados os médicos que foram os precursores da psiquiatria) -, ao ser nomeado diretor daquele hospital, começou a separar e classificar os diversos tipos de "desvio" ou "alienação mental" que encontrava, com o objetivo de estudá-los e tratá-los. Foi deste modo que surgiu o hospital psiquiátrico, ou manicômio, como instituição de estudo e tratamento da alienação mental. O chamado "tratamento moral" praticado pelos alienistas incluía o afastamento dos doentes do contato com todas as influências da vida social, e de qualquer contato que pudesse modificar o que era considerado o "desenvolvimento natural" da doença. Desta forma, pressupunha-se que a alienação poderia ser melhor estudada e sua cura poderia ser atingida. Então quer dizer que o manicômio surgiu como uma instituição de cura da doença mental? Dissemos que os loucos, até o século XVIII, eram mantidos excluídos junto a todos os outros "desviantes sociais" nos grandes hospitais. Os alienistas realmente pretendiam transformar o hospital num lugar de análise e cura da chamada "alienação mental". Mas acontece que para isso continuavam mantendo os "alienados" dentro dos manicômios, excluídos da sociedade, pois esta era a condição fundamental do "tratamento moral" pregado por estes primeiros psiquiatras. Com o passar do tempo, a grande maioria dos indivíduos que chegava a essas instituições nunca mais saía. Esta situação perdurou em todos os manicômios e hospícios surgidos na Europa e nos países colonizados durante mais de dois séculos! No Brasil, o primeiro hospício foi inaugurado pelo imperador D. Pedro II, no Rio de Janeiro, em 1852. Ao invés de promover a alta da maior parte de seus internos, em pouco tempo de funcionamento este hospital já estava superlotado. Desta forma, aqui no Brasil e em outros países os hospícios cada vez mais se tornavam um lugar de "enclausuramento" e exclusão social. Infelizmente, ainda hoje essa situação pode ser encontrada na maior parte dos manicômios em funcionamento no Brasil. O que pretende a Reforma Psiquiátrica? A Reforma Psiquiátrica propõe transformar o modelo assistencial em saúde mental e construir um novo estatuto social para o louco, o de cidadão como todos os outros. Não pretende acabar com o tratamento clínico da doença mental, mas sim eliminar a prática do internamento como forma de exclusão social dos indivíduos portadores de transtornos mentais. Para isso, propõe a substituição do modelo manicomial pela criação de uma rede de serviços territoriais de atenção psicossocial, de base comunitária. Neste novo modelo de cuidado, os usuários dos serviços têm à sua disposição equipes multidisciplinares para o acompanhamento terapêutico. Adquirem também o status de agentes no próprio tratamento, e conquistam o direito de se organizar em associações que podem se conveniar a diversos serviços comunitários, promovendo a inserção social de seus membros. Quais serviços territoriais são esses? Em primeiro lugar, precisamos estabelecer que o tratamento das chamadas "doenças mentais" não envolve simplesmente um processo de "diagnóstico e cura", como pretendia a psiquiatria clássica. O modelo de tratamento previsto pela Reforma Psiquiátrica pretende "cuidar" do portador de transtornos mentais sem ocupar somente daquilo que pode ser considerado uma "doença". Deste modo, tem o objetivo de atender as pessoas que necessitam de cuidados psíquicos em sua individualidade e em sua relação com o meio social. Para isso, a rede territorial de serviços substitutivos ao manicômio que está sendo criada pela Reforma Psiquiátrica inclui centros de atenção psicossocial, clubes de convivência e de lazer assistidos, cooperativas de trabalho protegido, oficinas de geração de renda e residências terapêuticas. Todos eles seguindo a lógica da descentralização e da territorialização do atendimento em saúde, previstos na Lei Federal que institui o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Esta rede de serviços destina-se a garantir o cuidado aos portadores de transtornos psíquicos. Então os manicômios devem acabar? Sim, porém considera-se que a extinção dos manicômios deve ser gradual. Para isso já foi aprovada uma Lei Federal de Saúde Mental, em abril de 2001, que regulamenta o processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil. Entende-se que os manicômios são serviços incapazes de cumprir um papel terapêutico, pois têm como premissa do tratamento o isolamento, pressuposto arcaico e aético. A criação de uma rede de serviços de atenção psicossocial leva em conta o respeito às singularidades dos indivíduos e, antes de tudo, o seu estatuto social como cidadãos capazes, produtivos e livres. Deste modo, a "cura da doença mental" não é o único objetivo dos novos serviços de atenção psicossocial. Pretende-se, antes de tudo, instaurar uma nova significação da loucura na sociedade em que o louco seja respeitado em seu sofrimento, em sua individualidade e em sua condição de cidadão.