XXVIII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
A integração de cadeias produtivas com a abordagem da manufatura sustentável.
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2008
UMA REFLEXÃO ACERCA DA
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E
ATIVIDADE IMPEDIDA
Eva Bessa Soares (UFMG)
[email protected]
Este artigo traz resultados parciais de uma pesquisa que está sendo
realizada em uma empresa do segmento farmacêutico em Belo Horizonte.
Ele tem como objetivo abordar a organização do trabalho e a atividade
impedida na produção de serviçoo.
Utilizando-se da metodologia da AET (Análise Ergonômica do
Trabalho), aponta a contribuição da forma como o trabalho dessa
empresa está organizado para a ocorrência da atividade impedida. Na
conclusão são propostas recomendações para mudanças na organização
do trabalho visando minimizar o custo humano.
Palavras-chaves: atividade impedida, AET, organização do trabalho e
serviço.
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A integração de cadeias produtivas com a abordagem da manufatura sustentável.
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2008
1. Introdução
A partir dos dados empíricos coletados referentes à organização do trabalho de uma empresa do
segmento farmacêutico, pretende-se ilustrar algumas disfunções apresentadas pela adoção da
Organização Científica do Trabalho (taylorismo) na produção de serviço. Dentre essas disfunções
será enfatizada a ocorrência da atividade impedida que, segundo Clot (2006), é aquilo que não se
pode fazer, que se busca fazer sem conseguir, enfim os fracassos ao se tentar realizar a atividade
de trabalho.
É sabido que toda atividade laboral é constituída do prescrito (o que se espera que o trabalhador
faça) e trabalho real (que é o que o trabalhador faz). No entanto, entre o trabalho prescrito e o
trabalho real há um espaço de exercício do trabalhador que é denominado de atividade. Ela é
subjetiva, um espaço de criatividade.
Clot (2006) frisa que o trabalho merece um estatuto diferente das demais atividades exercidas
pelo homem, uma vez que ele preenche uma função psicológica específica requerendo a
capacidade de realizar coisas úteis, de estabelecer e manter engajamentos, de prever com outros e
para outros algo que não tem diretamente vínculo consigo.
O autor salienta que além da tarefa prescrita e da atividade real, a ergonomia precisa incorporar a
dimensão da subjetividade do trabalhador de forma que possa conhecer o real da atividade. Em
outras palavras, o ergonomista deve ultrapassar a simples análise do que deve ser feito e do que
efetivamente se faz e ter acesso às vivências internas do sujeito. Ao aprofundar na explanação
sobre o real da atividade, Clot (2006) busca apoio em Vygotsky e afirma que “o homem está a
cada minuto pleno de possibilidades não realizadas.”
Ainda nas considerações de Clot (2006), “o real da atividade é também aquilo que não se faz,
aquilo que não se pode fazer, aquilo que se busca fazer sem conseguir, os fracassos, aquilo que se
teria querido ou podido fazer, aquilo que se pensa ou que se sonha poder fazer alhures” ou ainda
“aquilo que se faz para não fazer aquilo que se tem a fazer ou ainda aquilo que se faz sem querer
fazer.” Ele acrescenta que é também o que precisa ser refeito.
Nessa pesquisa é imprescindível diferenciar serviço (singular) de serviços (plural). Normalmente,
na literatura, a noção de setor de serviços é colocada como setor terciário contrapondo àquela de
setor industrial. Entretanto, a definição de serviço adotada nesse estudo é aquela de Zarifian
(2001c) que aponta que o serviço (no singular) deve agir sobre as condições de uso ou sobre as
condições de vida do destinatário, de forma que responda às suas necessidades. Assim, produção
de serviço para esse autor é “o processo que transforma as condições de existência de um
indivíduo ou de um grupo de indivíduos”.
Em se tratando de organização do trabalho, desde que o homem se reconheceu um ser que
trabalha houve necessidade de organizar seu modo de trabalhar. Sabe-se que desde a forma
artesanal de trabalho até os dias atuais, há buscas constantes do homem em organizar sua forma
de trabalhar objetivando maior produtividade, redução de custos, mais conforto e bem estar, além
de outros aspectos.
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A Organização Científica do Trabalho (conhecida como Taylorismo por ter sido criada por
Taylor) é conhecida como uma forma rígida de organizar o trabalho e a produção. Ela surgiu no
final do século XIX, foi difundida e implementada no século XX e teve como princípios básicos:
o conhecimento por parte da administração de como realizar o trabalho (Taylor acreditava que só
existia uma forma mais econômica para execução do trabalho), seleção e treinamento das pessoas
corretas para realização do trabalho, planejamento e controle do trabalho pela gerência. Ele
propunha ser de vital importância a gerência exercer um controle real sobre o processo de
trabalho, o que só poderia ser feito na medida em que a mesma dominasse o seu conteúdo, o
procedimento do trabalhador no ato de produzir. Assim, o taylorismo instaurou uma divisão entre
concepção e execução do trabalho. Para Taylor seu método era aplicável não só ao trabalho de
“chão de fábrica” como também ao trabalho profissional qualificado, desde que fosse possível
analisa-lo e defini-lo de forma metódica.
As principais críticas relacionadas ao taylorismo é a questão de que seu criador ter
desconsiderado a subjetividade e a capacidade dos trabalhadores tomarem iniciativa e de
cooperarem entre si.
Veremos que essa forma de organização do trabalho, pela sua característica rígida, traz
dificultadores para a execução das tarefas pelos trabalhadores, principalmente no contexto da
produção de serviço, conforme os dados parciais da pesquisa que vem sendo realizada e serão
citados adiante.
A literatura revela poucos dados sobre organização do trabalho em serviços. Conseguimos dados
que enfatizam as precárias condições de profissionais que atuam em telesserviços e serão
comentados nessa pesquisa.
2. Revisão de literatura sobre os serviços
O estudo dos serviços atualmente tem duas abordagens que diferenciam a natureza deles. A
primeira abordagem pode ser considerada mais clássica e tem Gianesi e Corrêa (1994) como
exemplos dos seus seguidores. Essa abordagem considera o serviço enquanto algo intangível,
impossível de ser estocado, necessita da presença do cliente para sua produção, entre outros
aspectos. A segunda abordagem conta com estudos de autores como Salerno (2001), Gadrey
(2001) e Zarifian (2001 b e c) e apresenta estudos mais voltados para a organização do trabalho,
sendo que esse último autor considera que há uma lógica específica às operações de serviços.
Para Zarifian (2001b p. 70), a “lógica de serviço” contrapõe à “lógica neofordista” que é aquela
voltada para as operações fabris. Na “lógica de serviço” o cliente é parte de um sistema de
operações de serviços tendo um papel importante para a organização e gestão das empresas na
medida em que avalia os resultados de tais operações.
A importância dos serviços na economia capitalista tem levado muitos autores a se interessarem
por sua análise, principalmente em relação à absorção de mão-de-obra.
Enquanto que Zarifian (2001c) aponta para evoluções convergentes, isto é, o setor industrial
incorpora a noção de serviço e o setor dos serviços industrializa seus modos de funcionamento,
há autores (Offe, 1989 e1991; Salerno, 2001) que afirmam que está ocorrendo uma redução do
trabalho na indústria e um crescimento de ocupações no setor serviços. Também Melo (1998)
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concorda com esse aspecto e apresenta quatro grandes correntes que investigam o crescimento
dos serviços. A primeira corrente (neoclássica) aponta que o crescimento econômico trouxe uma
maior demanda por serviços e conseqüentemente um aumento da terceirização. A segunda
corrente (sociológica) enfatiza a questão social na qual a expansão dos serviços está ligada a um
maior papel do Estado e as relações comportamentais, como as mudanças no papel da mulher na
sociedade. A terceira corrente (Baumol) associa a expressão dos serviços como decorrência do
diferencial de produtividade entre os setores de bens e serviços como decorrência do diferencial
de produtividade entre os setores de bens e serviços e a quarta corrente (Gershuny) aponta o
efeito da atuação do progresso técnico nos segmentos que compõem o setor serviços, isto é,
enfatiza o crescimento dos serviços intermediários como a terceirização como o principal
elemento da expansão do setor.
O estudo desse setor é um assunto pertinente nos dias atuais, considerando que os serviços estão
cada vez mais presentes na realidade das pessoas em geral e elas estão se posicionando como
clientes conscientes de seus direitos e avaliando cada vez mais a qualidade dos serviços que lhes
são prestados.
É de Gianesi e Corrêa (1994) a afirmação de que a urbanização das populações, a introdução de
novas tecnologias e o aumento da qualidade de vida são fatores que contribuem para o
crescimento do setor de serviços nos países industrializados.
Nesse cenário, a venda pela internet e por telefone cresceu de forma a disponibilizar uma grande
variedade de produtos (livros, medicamentos, cosméticos, sofisticados aparelhos
eletrodomésticos e outros) aos consumidores, de forma mais cômoda, pois eles podem obter os
produtos e serviços dos quais necessitam sem saírem de suas residências.
O que se percebe em muitas empresas é que tal comodidade é oferecida aos clientes às custas de
precárias condições de trabalho àqueles profissionais que atuam em telesserviços.
3. A empresa estudada:
Trata-se de uma empresa do segmento farmacêutico que trabalha com venda de medicamentos,
entrega em domicílio (delivery) e atende aos clientes a partir de um Call Center receptivo.
Nesse estudo, a referida empresa será denominada Loja Delivery, considerando a solicitação de
sigilo por parte da diretoria no aspecto referente à não divulgação do nome da empresa
pesquisada.
Ela consta de uma matriz, duas filiais e um quadro de funcionários com 120 efetivos, 18
estagiários e 50 terceirizados (motociclistas profissionais). Os turnos de trabalho de segunda-feira
à sexta-feira são: 07:00 às 16:00 horas, 11h30’ às 20h30’ horas, 12:00 às 21:00 horas. Aos
sábados de 07:00 às 14:00 horas. Todos os funcionários têm uma hora de intervalo para almoço.
Os intervalos para lanche e satisfação das demais necessidades fisiológicas não são formalizados.
Os próprios funcionários se organizam para que a produtividade não sofra interrupções
significativas. A empresa não funciona aos domingos nem feriados.
O estudo em questão está sendo realizado na matriz.
3.1. Processo de produção de serviços na Loja Delivery:
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O processo produtivo consiste em: recebimento do pedido do cliente (via telefone) pelo setor
Televendas (Call Center). Em seguida, o pedido é encaminhado via sistema informatizado para o
setor de Expedição/Logística. Seguindo o número do pedido e a lista dos produtos, o auxiliar de
expedição no setor Expedição/Logística, portando um palm-top e sacolas plásticas, retira os
produtos das prateleiras dessa loja, os embala em sacolas plásticas e coloca em prateleiras com
produtos para entrega identificados por horários e bairros (denominados de rotas). Após a
separação, imprime um cupom fiscal contendo número do pedido, medicamento e valores a
serem pagos. As mercadorias embaladas e os cupons são colocados em caixas plásticas que são
identificadas individualmente com os nomes dos motociclistas. Os motociclistas profissionais
recolhem as caixas na Expedição/Logística com os produtos embalados e os depositam nos baús
das motos e saem para entregar nas residências dos clientes.
3.2. Organograma da Loja Delivery
Diretoria
Gerente
financeiro
Supervisor
financeiro
Supervisor
Contábil
Gerentes
das outras
duas lojas
Supervisor
do SAC
Supervisor do
setor de
Logística
Auxiliares de
expedição
Gerente
Administrativo /
Comercial
Supervisor do
Televendas
Coordenadores
do Televendas
Gerente de T.I.
(Tecnologia da
Informação)
Supervisor do T.I.
Três farmacêuticas
(uma em cada loja)
Supervisores de
compra e estoque
Atendentes do
Televendas
Figura 1 – Organograma da Loja Delivery (Fonte: Setor de Recursos Humanos)
4. Metodologia
Nesse estudo foi utilizada a AET (Análise Ergonômica do trabalho) e tomou-se por base o
modelo metodológico proposto por GUÉRIN et al. (2001). A análise ergonômica do trabalho
consiste em analisar o trabalho no contexto onde ele é realizado para compreender os
mecanismos usados pelo trabalhador para atingir as metas estabelecidas pela empresa. Após essa
análise, busca transformar as situações de trabalho de forma a proporcionar saúde, segurança e
conforto ao trabalhador, além de aumento da produtividade para a empresa.
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4.1. Instrumentos e procedimentos
O trabalho de campo até o momento durou oito meses e foi constituído de levantamento
bibliográfico sobre serviços, organização do trabalho e atividade impedida, além de entrevistas
com a diretoria, gerência administrativa/comercial, supervisores, coordenadores, teleatendentes,
auxiliares de expedição, motociclistas profissionais e funcionários do SAC (serviço de
atendimento ao cliente) da Loja Delivery.
Foram realizadas também observações gerais das interfaces entre os principais setores que
compõem o processo produtivo dessa empresa, sendo eles: Televendas (Call Center que é
responsável por atender aos clientes e registrar no sistema informatizado seus pedidos),
Expedição/Logística (responsável pelo recebimento, via sistema, do pedido elaborado pelo Call
center; pedido esse que orientará o trabalho dos separadores dos produtos) e setor de Entregas (no
qual atuam os motociclistas profissionais). Foi observado ainda que faz parte desse processo o
SAC (serviço de atendimento ao cliente em relação a elogios e sugestões e também responsável
por apoiar os setores supracitados).
Foi percebida que a demanda do estudo pode ser explicada por diversos fatores presentes na
rotina de trabalho dos profissionais do setor Televendas, assim, a pesquisa está enfocando mais a
atividade deles.
Utilizou-se de instrumentos da pesquisa qualitativa: observações gerais e sistemáticas da situação
real da atividade de trabalho dos teleatendentes (Call Center), entrevistas individuais semiestruturadas, autoconfrontação e análise de documentos e relatórios mensais constando número e
motivos dos retornos.
Esses procedimentos tiveram como objetivo proporcionar os primeiros contatos com os
trabalhadores, conhecimento do fluxo de produção do serviço e por fim, conhecer a atividade de
trabalho dos teleatendentes e os principais dificultadores para sua execução para propor
recomendações de melhoria.
5. Resultados e discussão
A partir dos dados empíricos coletados sobre o processo produtivo da Loja Delivery e da análise
da atividade dos teleatendentes, foram levantadas dados como, por exemplo, o fluxo de produção
altamente rotinizado e parcelado e o organograma com hierarquias bem definidas. Tais aspectos
indicam a forma de organização do trabalho dessa loja. O que se conclui é que ela adota a
Organização Científica do Trabalho (ou taylorismo) como forma predominante para organização
da produção e do trabalho do seu quadro de funcionários, principalmente no Televendas (Call
Center) e na Expedição/Logística. Em ambos os setores percebe-se uma divisão do trabalho, uma
rotinização, supervisão constante de chefias, sendo que na Expedição/Logística há também um
ritmo acelerado e no Televendas há incentivo monetário aos teleatendentes (operadores de
telemarketing) para aumentar a produtividade.
Foram percebidas situações nas quais os produtos que chegam às residências dos clientes são
incoerentes com aqueles solicitados por eles. Assim, geram “retornos”, isto é, os motociclistas
voltam à empresa com os produtos para que haja correção nas falhas e os produtos sejam
entregues adequadamente. Pretende-se dar continuidade à pesquisa visando compreender porque
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ocorrem essas incoerências com conseqüentes retornos. Além desses “retornos”, foi percebido
que ocorrem outros episódios nos quais os clientes não são atendidos conforme suas expectativas.
Durante o estudo, buscou-se compreender quais os principais dificultadores para execução do
trabalho dos teleatendentes que são os funcionários que estão na “linha de frente”, ou seja, são
eles quem ouvem o pedido do cliente e buscam fazer com que ele seja concretizado de acordo
com a sua solicitação.
Um dos dificultadores para realização da atividade no processo produtivo da Loja Delivery é a
forma como o trabalho está organizado. Ele é rotinizado (com pouco espaço para flexibilidade e
tratamento de particularidades). Nesse contexto, surge aos teleatendentes atividade impedida
conforme será detalhado.
Tais dados estão coerentes com os achados na literatura ao apontar que as características mais
marcantes do trabalho dos profissionais de telemarketing são a medida precisa e intensa da
produtividade e também um significativo controle tanto dos supervisores quanto do próprio
sistema. Muitos estudos revelaram as características tayloristas na organização do trabalho de
telemarketing (BUSCATTO, 2002; VENCO, 2003; LECHAT & DELAUNAY, 2003 citados por
VENCO, 2006) como, por exemplo, o parcelamento de tarefas, a divisão entre o planejamento e a
execução, a prescrição do trabalho e do controle dos tempos e movimentos (expressos pela voz
dos operadores) sendo controlado ainda o conteúdo da fala, entonação.
As conseqüências para a saúde desses profissionais são sérias como disfonias vocais e auditivas,
lesões por esforços repetitivos e sofrimento mental, conforme demonstram os estudos (BRASIL,
2005).
A Sociologia do trabalho francesa conta com importante contribuição das pesquisas de Buscatto
(2002) nas quais ela aponta que a organização do trabalho praticada nas centrais de atendimento
(Call Centers) apresentam trabalho repetitivo, reprodução de falas padronizadas (scripts),
excessivo controle do tempo dispendido ao atendimento a cada cliente. Os scripts que objetivam
orientar as falas dos operadores visam também limitar o tempo de atendimento para ganhar
produtividade. É marcante a limitação da autonomia dos operadores de telemarketing. No caso
aqui estudo tem também a monitoria em tempo real que em o coordenador ou o supervisor ouvir
os atendimentos sem que o teleatendente saiba que está sendo ouvido.
Em diversas situações, o teleatendente consegue identificar qual a necessidade do cliente, no
entanto, não pode atendê-lo devido às normas rigorosas da empresa, por exemplo. Assim, na
execução do seu trabalho, esse profissional vivencia inúmeros impedimentos que limitam sua
atuação.
Os profissionais do setor Televendas (Call Center) percebem o trabalho que eles realizam como
delicado, uma vez que requer cuidados e muita atenção ao ouvirem a solicitação do cliente. Esse
aspecto se explica devido eles lidarem constantemente não só com a saúde, mas também com a
vida das pessoas. Uma teleatendente verbalizou:
“Vender medicamento não é a mesma coisa que vender pizza. Se for vendida uma pizza com
sabor diferente daquele que o cliente solicitou, o vendedor pode ouvir reclamação do cliente, ele
pode até devolver a pizza. Mas, remédio é muito sério. Se a gente vende dosagem errada e o
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cliente toma, ele pode até morrer. Por isso a gente tem que prestar muita atenção quando está
atendendo.” (Funcionária com um mês na função)
Para ilustrar um dos limitadores para realização do trabalho, são citadas em seguida algumas
verbalizações:
“Tem hora que falta medicamento não só no nosso estoque, mas no próprio laboratório. A gente
fica com pena do cliente porque ele precisa do remédio. Mas, de acordo com a norma da
empresa, não podemos procurar o medicamento em outro laboratório porque é concorrente do
nosso fornecedor. A gente fica de “mãos atadas”. Tem dia que vou para casa chateada.”
(Supervisora do Televendas).
Percebe-se que a funcionária tem uma significativa limitação de atuação. Assim, ela não
consegue dar ao cliente o atendimento que ele esperava.
Outro aspecto observado foi a forma bastante resumida como as informações são disponibilizadas
no sistema para consulta pelos teleatendentes. São usados nomes comerciais dos medicamentos
ou princípio ativo. Entretanto, tem muitos clientes que não conseguem decorar tais nomes e
muitos desses medicamentos não necessitam de receitas médicas, assim, eles não têm dados
escritos sobre os medicamentos. Quando necessitam adquirí-los, sabem apenas algumas
informações sobre o medicamento, mas tais informações são insuficientes e dificultam ou até
impossibilitam o funcionário localiza-lo. Exemplos de informações dos clientes que não
coincidem com aquelas do sistema:
Ex.1.: Cliente: “Você tem DIU?”
Teleatendente (duas semanas na função) procura no sistema e não encontra. “No momento a
empresa não trabalha com esse medicamento.” Cliente agradece e desliga.
Ex.2: Cliente: “Qual o preço do DIU?”
Teleatendente (um mês na função): “A empresa não trabalha com esse medicamento”.
Cliente: “Trabalha sim. Minha amiga comprou aí recentemente. Não é aquele de cobre não.
É outro. Um moderno que dura 05 anos.”
Teleatendente: “Aguarda um minuto?” (Liga para farmacêutica)
Teleatendente: “Nós trabalhamos com um tal de DIU que não é de cobre? Que dura 05
anos?”
Farmacêutica: “Sim é o MIRENA”.
Teleatendente: “Ah! É assim que ele chama? Obrigada.” (Volta a falar com a cliente)
Teleatendente: “Desculpe. Eu estava esclarecendo a dúvida com a farmacêutica. Esse DIU
que você quer chama MIRENA.” (Informa o preço. Cliente agradece e desliga o telefone).
Ex.3: Cliente: “Você tem spray ocular com arnica?”
Teleatendente faz expressão de dúvida: “Qual o nome?”
Cliente: “Ah, não lembro não.”
Teleatendente digita %spray ocular%. Não obteve nenhuma resposta no sistema. Depois
digitou %arnica%. Não obteve resultado e dispensou o cliente dizendo que a empresa não
trabalho com esse medicamento.
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Após a coleta e análise dos dados empíricos, foram percebidas as seguintes variabilidades:
necessidades de entregas com hora marcada (esse aspecto mostra que os horários que a empresa
padroniza para entrega não atendem todos seus clientes em todos os momentos. Há circunstâncias
nas quais quem marcará o horário será o cliente), tentativas de oferecer atendimento
personalizado aos clientes como nas situações nas quais faltam medicamentos (se o sistema de
padronização taylorista funcionasse, não ocorreria esse problema) assim, a supervisora do
Televendas, objetivando atender esse cliente específico, liga em vários laboratórios para
encontrar o medicamento que está em falta. No entanto, vários clientes não recebem esse
atendimento. Os teleatendentes os dispensam informando a falta do medicamento solicitado.
Outro aspecto é a padronização das informações sobre os medicamentos segundo orientações
comerciais. Percebe-se que são incoerentes com o conhecimento popular conforme citado no
exemplo do DIU. A maioria das clientes não sabe que o DIU chama-se Mirena.
Devido a essas situações, o funcionário investe um grande esforço para interpretar a solicitação
do cliente a partir dos dados informados por ele, dos dados do sistema e das informações que ele
possui a partir de sua experiência. Mas nem sempre ele consegue atender aos clientes. Um
teleatendente com cinco meses na função relatou: “Tem hora que a gente se esforça além do que
deveria para entender o que o cliente quer. Mas, tem vez que não dá para registrar o pedido
porque a gente não acha o remédio que ele precisa do jeito que ele fala. No sistema está
diferente. Fico com pena dele (cliente), mas fazer o que né?”
Coerente com a abordagem de Zarifian (2001c) a produção de serviço consiste em mobilizar e
organizar de forma eficiente os recursos para interpretar, compreender e produzir uma
transformação nas condições de atividade do destinatário. A eficiência dessa mobilização é
avaliada pela pessoa interessada (destinatário do serviço), direção e funcionários da empresa
prestadora do serviço.
Essa avaliação ou julgamento envolve três elementos: as expectativas ou o que se espera (ex
ante), em que medida as conseqüências correspondem à expectativa inicial (ex post) e a forma
como o serviço foi obtido, ou seja, em que medida o procedimento utilizado para gerar esses
resultados seguiu um caminho considerado eficaz por cada um dos atores envolvidos na prestação
do serviço.
Zarifian (2001c) diz que a produção de um serviço deve provocar transformação das condições
de exercício da atividade do destinatário. Esse autor considera quatro tipos de avaliação em
relação aos serviços, sendo elas: de utilidade, de justiça, de solidariedade e estética.
Nas considerações desse autor, um serviço propõe produzir resultados úteis à atividade do
destinatário e, se tais resultados não forem produzidos, o serviço não será prestado. A verdadeira
utilidade consiste na transformação das condições de atividade do destinatário de um serviço.
A avaliação de justiça, normalmente, é expressa em termos de direitos como, por exemplo, o
direito a um atendimento de saúde com qualidade, direito ao acesso à educação, direito a receber
um produto ou serviço de acordo com o preço pago.
Para que ocorra avaliação de solidariedade, são necessárias questões relativas à integração social,
à qualidade de vida coletiva e situações que exijam cooperação, ajuda mútua na atividade
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profissional ou na vida social. De acordo com Zarifian (2001), na maioria dos atos de prestação
de serviço, uma determinada manifestação de solidariedade ocorre entre o destinatário e o
prestador de serviço.
Avaliação estética, por sua vez, se manifesta com maior evidência no campo da arte como, por
exemplo, no cinema, nas artes plásticas, quando uma obra de arte sensibiliza a pessoa. Essa
avaliação ocorre no campo dos afetos, das emoções. É um misto de avaliação de beleza e de
ética. Tal avaliação é solicitada em quase todas as atividades humanas.
Ao discorrer sobre a questão do valor-desempenho, Zarifian (2001c) afirma que a introdução
desse conceito na discussão da produção de serviço é a oportunidade para a introdução do cliente
como referência principal no conjunto de desempenhos: custo, qualidade, variedade e inovação.
Todos esses desempenhos reportam-se à avaliação do cliente.
No estudo de caso em questão, trata-se de uma empresa do segmento farmacêutico, pode-se dizer
que os clientes (destinatários do serviço proposto pela empresa) estão com suas condições de
exercício de atividade abalada devido a transtornos na saúde e procuram o serviço da empresa em
questão na expectativa de que tais condições sejam transformadas através da recuperação de sua
saúde. Quando os destinatários fazem contato com a empresa, buscam por um serviço que
consiste na venda e entrega de medicamentos no endereço determinado por eles. No entanto, em
determinadas situações, eles têm suas expectativas frustradas a partir da não concretização do
serviço como, por exemplo, quando estão com a receita vencida e tentam comprar um
medicamento.
6. Conclusão
A Organização Científica do Trabalho (taylorismo), pretende que a empresa seja rígida e estável.
Essa forma de organizar o trabalho, ao que tudo indica, tem seus limites e possibilidades.
No estudo em questão que abordou a produção de serviço (venda de medicamentos), há
necessidade de certa medida de rotinização, mas não pode se tornar um processo produtivo
totalmente padronizado ao lidar com o cliente, uma vez que ocorrem variabilidades, isto é, há
necessidade de outras formas organizacionais complementares, visto que as necessidades dos
clientes são singulares. Essas particularidades são desconsideradas pelo taylorismo. Nesse
contexto, ocorrem situações imprevistas que requerem uma mobilização extra da equipe para
conseguir solucioná-las.
Ao relatar sobre o papel do prestador de serviço, Zarifian (2001c) frisa que a competência
profissional humana é decisiva na eficiência de uma produção de serviço. Para o autor, é a
competência quem permitirá a interpretação e compreensão das expectativas do cliente-usuário
quanto aos resultados. Para identificar a atividade do usuário, é preciso considerar a importância
de estabelecer uma comunicação autêntica no levantamento de informações sobre o usuário para
conhecer as condições de sua atividade e agir a partir dela. A competência profissional consiste
em construir uma interpretação das conseqüências a serem produzidas para o cliente a partir da
expectativa dele. Entretanto, o que se conclui nesse estudo é que não basta o profissional ser
competente para identificar a necessidade do cliente se, por trás da sua atuação, há uma
organização do trabalho limitante que faz com que sua atividade real seja muito diferente do
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prescrito e mais ainda, permeada do real da atividade (atividade impedida conforme citada por
CLOT, 2006).
É possível que a empresa padroniza muitas ações para facilitar às chefias manter o controle sobre
a produção e os resultados finais. Em atividades fabris esse procedimento pode ser natural, mas,
na produção de serviço, a padronização perde o sentido, uma vez que cada cliente terá
necessidades singulares. Se a produção de serviço não permite flexibilidade, ela perde sua razão
de ser, não podendo ser considerada enquanto uma produção destinada a atender necessidades de
clientes reais.
No caso em questão, há não somente limitação da ação do teleatendente na organização do
trabalho, como também contradição. Há exigência dos trabalhadores para que realizem um bom
atendimento, mas em algumas situações, conforme exemplificado nas verbalizações, não são
oferecidas condições para que o atendimento corresponda à expectativa do cliente. Esses aspectos
tornam-se propícios à ocorrência da atividade impedida havendo um custo humano a esses
profissionais.
Coerente com Clot (2006), a fadiga do trabalhador pode ser compreendida tanto a partir do que
ela faz, quanto do que ele não pode fazer. Para ele, “aquilo que não se pode fazer e o que quereria
fazer conta pelo menos tanto quanto aquilo que se faz” no curso da atividade. Ele complementa
que a idéia de que os esforços do trabalhador estão não somente na execução do trabalho, mas
igualmente quando eles têm sua atividade reprimida. No caso dos teleatendentes, há repressão ou
impedimento da atividade a partir das normas da empresa, conforme demonstrado nesse estudo.
Ainda nas considerações de Clot, (2006), a inatividade, a imobilidade gera uma tensão e pode ser
mais custosa do que a atividade prescrita.
O que pode ser concluído com esse breve estudo é que há aspectos da tarefa de atendimento ao
cliente que não tem como ser planejado e formalizado, assim deve ser deixado um espaço para
regulação, pois os atendimentos, embora todos visem o mesmo objetivo (compra de
medicamentos pelos clientes), cada situação é única e deve ser tratada em sua singularidade.
Salerno (2001) relata que a produção em massa aplicada aos serviços de maneira taylorista típica
vem crescendo e não faltam modelos de produção de serviço. Para ele, o desafio é a construção
de um modelo de produção alternativo ao taylorismo clássico que dê conta da noção de serviço,
que seja consistente internamente, progressista e adequado do ponto de vista social.
É sabido que a produção de serviço proposta por Zarifian não é praticada em estado puro. Ela
sempre ocorre combinada com outras lógicas produtivas como a lógica comercial que almeja
aumento do faturamento e o cliente é considerado um mero objeto inserido no processo de
alcance dos melhores resultados comerciais.
A atividade impedida pode ser causada pela forma como o trabalho está organizado (forma
taylorista) que apresenta uma restrita margem de manobra quando os teleatendentes elaboram os
modos operatórios dificultando usar a criatividade e proporcionar um atendimento aos clientes
segundo suas necessidades. O que se conclui é que, inseridos nesse contexto permeado de
impedimentos para execução de alguns atendimentos, há altas exigências principalmente
cognitivas e psíquicas que podem ser entendidas como sofrimento para esses profissionais
responsáveis pelo atendimento.
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XXVIII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
A integração de cadeias produtivas com a abordagem da manufatura sustentável.
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2008
O que propomos não é que a empresa estudada, voltada para produção de serviço, abandone a
lógica comercial. Reconhecemos que ela precisa sobreviver cumprindo com seus objetivos,
principalmente o social que consiste em oferecer empregos. No entanto, sugerimos que ela adote
uma gestão mais flexível para reduzir a ocorrência da atividade impedida e minimize o custo
humano aos teleatendentes. Os aspectos sugeridos que poderão flexibilizar a produção são:
estudar junto com a equipe formas de melhoria do funcionamento da rotina de trabalho no setor
Televendas. Buscar informações junto aos teleatendentes, a partir de suas experiências para ter
referência a respeito do que poderá ser melhorado no sistema. Um exemplo poderia ser a criação
de uma categoria de DIU. Essa palavra viria em primeiro e os nomes comerciais depois. Outra
sugestão é fazer um levantamento dos medicamentos que faltam no estoque com maior
freqüência e, depois, estabelecer parcerias com mais de um fornecedor. Esse aspecto facilitaria
aos supervisores solicitar o medicamento de forma mais ágil quando houver falta nos estoques da
empresa, rever a organização do trabalho de forma a envolver mais os coordenadores e
supervisores no auxílio aos teleatendentes quando atendem aos clientes buscando solucionar as
questões singulares que surgem, minimizando a sobrecarga aos teleatendentes. Ocorrem situações
nas quais eles precisam tomar decisões sozinhos porque os coordenadores estão ocupados
redigindo relatórios, por exemplo. Nesses momentos, eles tomam a decisão de forma limitada,
baseando-se nas normas rigorosas, sem condições de analisar os casos de forma individualizada.
Ao organizar o trabalho, é imprescindível que a empresa invista uma atenção especial aos
trabalhadores inseridos em seu processo produtivo para que a forma de organização do trabalho
por ela adotada não venha lhes trazer sobrecargas excessivas, danos para a saúde de seus
funcionários e, como conseqüência a redução na produtividade.
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uma reflexão acerca da organização do trabalho e