• Controle fisiológico da pressão
arterial pelo sistema nervoso
• Sistema nervoso simpático e
hipertensão arterial sistêmica
• Discussão de caso clínico
• Álcool e hipertensão arterial
• Avaliação da qualidade de vida
do paciente hipertenso:
proposta de um instrumento
• Agonistas dos receptores
imidazolínicos: novas opções
para o bloqueio da atividade
simpática em hipertensão arterial
• Efeito do treinamento físico aeróbio
na hipertensão arterial
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VOLUME 8
o
N 1
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2005
REVISTA DA
SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO
http://www.sbh.org.br
EDITORIAL
EDITORIAL
Mecanismos etiopatogênicos
da Hipertensão Arterial:
desafios de muitas facetas
O convívio rotineiro com populações de níveis pressóricos elevados
revela que a doença hipertensiva reúne a participação de múltiplos
fatores que, em conjunto, afetam o raciocínio clínico e interferem nas
decisões terapêuticas.
Alterações do débito cardíaco, da resistência periférica e da
capacitação venosa, por exemplo, estão em geral relacionadas a
barorreceptores arteriais, receptores cardiopulmonares e
quimiorreceptores arteriais sabidamente envolvidos na modulação da
atividade simpática e parassimpática geradas centralmente.
A partir dessas noções fundamentais, o Dr. Eduardo M. Krieger e
as Dras. Maria Claudia Irigoyen e Fernanda M. Consolim-Colombo, da
Unidade de Hipertensão do InCor do HC-FMUSP, desenvolveram um
trabalho atualizado e abrangente sobre o controle da PA pelo sistema
nervoso – pág. 6. Na seqüência, esses mesmos pesquisadores focalizam
o sistema nervoso simpático e a hipertensão arterial sistêmica, numa
linguagem clara e objetiva, incluindo análise de subgrupos de maior
interesse prático, como obesos, pacientes com idade avançada e HAS
secundária, entre outros – pág. 11.
Na presente edição, são também contemplados outros temas
relevantes: álcool e HAS, qualidade de vida do hipertenso,
antagonistas dos receptores imidazolínicos: novas opções para o
bloqueio da atividade simpática em HAS etc.
Como se torna fácil compreender, a revista HIPERTENSÃO
permanece em absoluta sintonia com suas finalidades precípuas de oferecer
informações capazes de contribuir para o aprimoramento técnico e
científico de seus leitores no manejo do paciente hipertenso.
Dentro desse reconhecimento, é preciso lembrar mais uma vez que
tanto a produção editorial/gráfica da HIPERTENSÃO como sua
distribuição a grande parte da classe médica brasileira se deve ao apoio
institucional e logístico da empresa farmacêutica BOEHRINGER
INGELHEIM. Trata-se de uma contribuição preciosa para manter em
atividade plena e regular esse veículo principal de divulgação da
Sociedade Brasileira de Hipertensão.
Dra Maria Helena Catelli de Carvalho
Editora
Volume 8 / Número 1 / 2005
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ÍNDICE
ÍNDICE
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Controle fisiológico da pressão arterial pelo
sistema nervoso ........................................................................................... 6
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Sistema nervoso simpático e hipertensão arterial sistêmica ...................... 11
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Discussão de caso clínico .......................................................................... 14
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Álcool e hipertensão arterial ..................................................................... 19
Avaliação da qualidade de vida do paciente hipertenso:
proposta de um instrumento ...................................................................... 22
Agonistas dos receptores imidazolínicos:
novas opções para o bloqueio da atividade simpática em
hipertensão arterial .................................................................................... 30
Efeito do treinamento físico aeróbio na hipertensão arterial ..................... 35
HIPERTENSÃO
Revista da Sociedade
Brasileira de Hipertensão
EDITORA
DRA. MARIA HELENA C. DE CARVALHO
Referência Internacional
em resumo ................................................................................................. 38
EDITORES SETORIAIS
MÓDULOS TEMÁTICOS
Agenda 2005 ............................................................................................. 42
DR. EDUARDO MOACYR KRIEGER
DR. ARTUR BELTRAME RIBEIRO
CASO CLÍNICO
DR. DANTE MARCELO A. GIORGI
EPIDEMIOLOGIA/PESQUISA CLÍNICA
DR. FLÁVIO D. FUCHS
DR. PAULO CÉSAR B. VEIGA JARDIM
FATORES DE RISCO
DR. ARMÊNIO C. GUIMARÃES
AVALIAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL
DRA. ANGELA MARIA G. PIERIN
DR. FERNANDO NOBRE
DR. WILLE OIGMAN
EXPEDIENTE
Produção Gráfica e Editorial - BestPoint Editora
Rua Ministro Nelson Hungria, 239 - Conjunto 5 - 05690-050 - São Paulo - SP
Telefax: (11) 3758-1787 / 3758-2197. E-mail: [email protected].
Médico / Jornalista Responsável: Benemar Guimarães - CRMSP 11243 / MTb 8668.
Assessoria Editorial: Marco Barbato.
Revisão: Márcio Barbosa.
As matérias e os conceitos aqui apresentados não expressam necessariamente
a opinião da Boehringer Ingelheim do Brasil Química e Farmacêutica Ltda.
TERAPÊUTICA
DR. OSVALDO KOHLMANN JR.
BIOLOGIA MOLECULAR
DR. JOSÉ EDUARDO KRIEGER
DR. AGOSTINHO TAVARES
DR. ROBSON AUGUSTO SOUZA SANTOS
PESQUISA BIBLIOGRÁFICA
CARMELINA DE FACIO
4
HIPERTENSÃO
SBH
Sociedade
Brasileira de
Hipertensão
DIRETORIA
Presidente
Dr. Ayrton Pires Brandão
Vice-Presidente
Sociedade Brasileira de Hipertensão
Tel.: (11) 3284-0215
Fax: (11) 289-3279
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Dr. Robson A. Souza dos Santos
Tesoureiro
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Secretários
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Presidente Anterior
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Conselho Científico
Dra. Angela Maria G. Pierin
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Dr. Celso Amodeo
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Dr. Eduardo Moacyr Krieger
Dr. Elisardo C. Vasquez
Dr. Fernando Nobre
Dr. Hélio César Salgado
Dr. Hilton Chaves
Dr. João Carlos Rocha
Dr. José Eduardo Krieger
Dr. José Márcio Ribeiro
Dra. Lucélia C. Magalhães
Dra. Maria Claudia Irigoyen
Dra. Maria Helena C. Carvalho
Dr. Osvaldo Kohlmann Jr.
Dr. Robson A. S. Santos
Dr. Wille Oigman
Volume 8 / Número 1 / 2005
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Controle fisiológico da pressão
arterial pelo sistema nervoso
Introdução
Autores:
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MÓDULO TEMÁTICO
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Maria Claudia Irigoyen*
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Médica-assistente
Unidade de Hipertensão
InCor – HC-FMUSP
Eduardo Moacyr Krieger
Diretor
Unidade de Hipertensão
InCor – HC-FMUSP
Fernanda Marciano Consolim-Colombo
Médica-assistente
Unidade de Hipertensão
InCor – HC-FMUSP
Resumo
A pressão arterial (PA) depende de fatores físicos, como
o volume sangüíneo e a capacitância da circulação, resultando da combinação instantânea entre débito cardíaco, resistência periférica e capacitância venosa. Esses ajustes dependem de mecanismos complexos e redundantes que determinam variações da freqüência e contratilidade cardíacas, do
estado contrátil dos vasos de resistência e de capacitância e
da distribuição de fluido dentro e fora dos vasos. Três maiores
arcos reflexos ligados aos barorreceptores arteriais, aos receptores cardiopulmonares e aos quimiorreceptores arteriais
estão envolvidos na modulação da atividade nervosa simpática e parassimpática geradas centralmente. No presente artigo
discutimos o papel desses controladores na manutenção da
PA dentro de limites normais e sua possível participação na
fisiopatologia da hipertensão.
*Endereço para correspondência:
Unidade de Hipertensão
Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP
Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44
05403-003 – São Paulo – SP
E-mail: [email protected]
6
HIPERTENSÃO
A perfusão tecidual adequada é garantida pela manutenção
da força motriz da circulação – a pressão sangüínea – em níveis
adequados e razoavelmente constantes, esteja o indivíduo em repouso ou desenvolvendo diferentes atividades. Modificações
importantes de fluxo ocorrem em diferentes quadros comportamentais assumidos pelo indivíduo nas 24 horas; essas modificações, no entanto, não causam grandes alterações dos níveis pressóricos devido à interação de complexos mecanismos que mantêm a
pressão dentro de uma faixa relativamente estreita de variação.
A pressão, definida como força/unidade de área, é uma
entidade física. A pressão arterial (PA), portanto, depende de
fatores físicos, como o volume sangüíneo e a capacitância da
circulação, sendo resultante da combinação instantânea entre o
volume minuto cardíaco (ou débito cardíaco = freqüência cardíaca x volume sistólico), e da resistência periférica. Cada um desses determinantes primários da PA é, por sua vez, determinado
por uma série de fatores (figura1). A manutenção (componente
tônico) bem como a variação momento a momento da PA (componente fásico) dependem de mecanismos complexos e redundantes que determinam ajustes apropriados da freqüência e
contratilidade cardíacas, do estado contrátil dos vasos de resistência e de capacitância e da distribuição de fluido dentro e
fora dos vasos, fundamentais para corrigir prontamente os desvios para mais e para menos dos níveis basais de pressão, sejam os indivíduos normotensos, hipertensos ou mesmo hipotensos. A regulação neuro-hormonal da PA funciona como um
arco-reflexo envolvendo receptores, aferências, centros de integração, eferências e efetores, além de alças hormonais.
Na hipertensão estabelecida, por exemplo, existem alterações em praticamente todos esses controladores, sendo difícil estabelecer quais os que tiveram papel preponderante no desencadeamento e mesmo na manutenção de valores elevados de
PA. Embora seja improvável que todos esses fatores estejam
alterados ao mesmo tempo num dado paciente, arranjos múltiplos podem ser encontrados, uma vez que o marcador hemodinâmico da hipertensão primária é o aumento persistente da resistência vascular periférica, o qual pode ser determinado através de diferentes associações desses fatores determinantes.
Mecanismos neurogênicos
Aspectos funcionais no controle do tônus
vascular – o sistema nervoso simpático
A variação do tônus vascular depende de diferentes fatores funcionais. Dentre eles destaca-se a atividade simpática
FIGURA 1
Determinantes primários da pressão arterial – débito cardíaco (DC)
e resistência periférica – e a complexa série de fatores que interagem
na sua determinação. Anormalidades em um ou vários desses fatores podem levar à hipertensão.
SNS (sistema nervoso simpático);
SRA (sistema renina-angiotensina);
FC (freqüência cardíaca).
Modificado de Kaplan, 1998.
gerada centralmente e modulada por aferências de diferentes
reflexos e por substâncias vasopressoras ou vasodepressoras
circulantes ou produzidas pelas células da musculatura lisa ou
endoteliais. Sabe-se que pelos menos três maiores arcos reflexos estão envolvidos na modulação da atividade simpática, e
são ligados aos barorreceptores arteriais (alta pressão), aos
receptores cardiopulmonares (baixa pressão) e aos quimiorreceptores arteriais.
Pressorreceptores arteriais
Os pressorreceptores arteriais são o mais importante mecanismo de controle reflexo da PA, momento a momento. Localizados na crossa da aorta e no seio carotídeo, próximos à
bifurcação das carótidas, são os principais responsáveis pela
regulação momento a momento da PA. São constituídos por
terminações nervosas livres situadas na adventícia, próximas à
borda médio-adventicial, que são extensamente ramificadas e
apresentam varicosidades e convoluções a espaços irregulares. As terminações nervosas são compostas por fibras prémielinizadas, associadas a fibras amielínicas, que são mais
finas e se enrolam sobre as pré-mielinizadas, garantindo uma
ligação firme com o vaso, o que permite que funcionem como
mecanorreceptores sensíveis à distensão circunferencial da parede do vaso e/ou tensão determinadas pela variação da pressão intravascular.
Dessa forma, a elevação da PA acima dos valores basais
causa elevação da tensão vascular e maior deformação da aorta,
determinando que muitos potenciais de ação sejam gerados
durante todo o ciclo cardíaco (descarga em saturação). Quando a PA cai, a tensão e a deformação vascular diminuem, reduzindo proporcionalmente a gênese de potenciais de ação.
Há uma deformação mínima da parede vascular, necessária
para gerar o primeiro potencial de ação (a pressão na qual
ocorre é identificada como pressão limiar de descarga) e
abaixo desse valor não há disparos de potenciais de ação.
Na pressão basal, a deformação da aorta e o nível de descarga dos mecanorreceptores são intermediários entre as
situações extremas (limiar e saturação), sendo que a atividade aferente é intermitente e sincrônica com a expansão
da aorta verificada durante o período sistólico. O nível de
atividade das fibras aferentes aórticas e carotídeas mielinizadas e não-mielinizadas é, portanto, função direta das variações instantâneas da deformação e tensão vasculares
induzidas pela PA. As informações sobre os níveis de PA, fornecidas pela freqüência de descarga dos receptores, são conduzidas ao bulbo por neurônios bipolares, cujos corpos celulares estão localizados ou no gânglio nodoso ou no gânglio
petroso, constituindo essas aferências os nervos aórtico ou
carotídeo, e se incorporando aos nervos vago e glossofaríngeo respectivamente.
Graças ao desenvolvimento de técnicas anatômicas mais
sensíveis utilizando novos traçadores químicos e histoquímica foi possível determinar com maior precisão a localização
das terminações nervosas das fibras aferentes no SNC. A fiVolume 8 / Número 1 / 2005
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gura 2 apresenta um diagrama esquematizando as vias aferentes, principais áreas de integração bulbar e vias eferentes do
reflexo pressorreceptor arterial. De uma forma simplificada,
as fibras dos nervos aórticos e carotídeos que trafegam através dos nervos glossofaríngeo e vago convergem para a região
do núcleo do trato solitário (NTS), considerado então a primeira estação central dos sinais sensoriais originados no sistema periférico. A partir do NTS, neurônios de segunda ou
terceira ordem projetam-se para dois grupamentos de neurônios no bulbo ventrolateral: 1) neurônios inibitórios na área
ventrolateral caudal do bulbo (CVLM), que por sua vez projetam-se para neurônios pré-motores do sistema nervoso simpático (SNS) na área ventrolateral rostral do bulbo (RVLM,
neurônios simpatoexcitatórios). Finalmente, os neurônios da
RVLM projetam-se para os neurônios pré-ganglionares do SNS
localizados na coluna intermediolateral da medula espinhal
(“fonte” do fluxo simpático para coração e vasos); 2) o outro
grupamento de neurônios está localizado no núcleo ambíguo
(NA) e núcleo dorsal motor do nervo vago, que contém os
corpos celulares dos neurônios pré-ganglionares do sistema
nervoso parassimpático (SNP). De cada uma dessas áreas e
núcleos bulbares, neurônios projetam-se para áreas e núcleos
mais rostrais do SNC, levando informações cardiovasculares.
Dessas regiões, de maneira recíproca, partem projeções para
as regiões bulbares e até mesmo para os neurônios da coluna
intermediolateral da medula, determinando a integração central do controle da pressão arterial. Resumindo, o reflexo
pressorreceptor participa da homeostase hemodinâmica, principalmente por controlar o tônus simpático e parassimpático
para coração e vasos. Exemplificando, elevando-se a estimulação dos pressorreceptores arteriais há redução reflexa da atividade simpática e aumento da atividade vagal, resultando em
dilatação arteriolar, venodilatação, bradicardia e redução da
contratilidade miocárdica. Essas respostas ganham complexidade em decorrência da interação com outros mecanismos que
podem amplificar ou atenuar a resposta do receptor a um determinado estímulo, discriminar respostas desencadeadas por
baro carotídeo e aórtico ou, ainda, promover uma maior interação com outros reflexos ou outras áreas de influência na
modulação do sistema cardiovascular. A eficiência do barorreflexo em controlar a variabilidade da pressão arterial pode
ser claramente comprovada pela labilidade da pressão arterial que se segue à desnervação sino-aórtica experimental ou
mesmo à interrupção no funcionamento do barorreflexo em
humanos.
Uma característica importante dos mecanorreceptores e,
entre eles, dos pressorreceptores, é a chamada adaptação. Por
esse processo, alterações para mais ou para menos, desde que
sustentadas, deslocam a faixa de funcionamento dos pressorreceptores para o novo nível de PA (hipertensão ou hipotensão), que passa a ser reconhecido como normal, não privando
os indivíduos hipertensos desse importante mecanismo de
controle das variações momento a momento da PA, ao mesmo
tempo colaborando para manter o nível anormal da PA.
No entanto, na hipertensão sustentada esse processo de
adaptação com deslocamento da faixa de funcionamento para
um novo nível de PA normalmente é acompanhado de redu-
8
HIPERTENSÃO
FIGURA 2
nTS
SNP
+
nA
RVLM
SNS
CVLM
APC
IML
Representação esquemática das vias aferentes, principais áreas de integração bulbar, e vias eferentes do reflexo pressorreceptor arterial. X = nervo vago;
IX = nervo glossofaríngeo; nX = núcleo motor dorsal do nervo vago; nA =
núcleo ambíguo, nTS = núcleo do trato solitário; RVLM = área ventrolateral
rostral do bulbo; CVLM = área ventrolateral caudal do bulbo; CPA = área
pressora caudal; IML = células da medula intermediolateral; SNP = sistema
nervoso parassimpático; SNS = sistema nervoso simpático.
Modificado de Dampney, 1994.
ção da sensibilidade dos pressorreceptores. Isso determina que,
para uma igual variação da PA, os hipertensos tenham uma
menor quantidade de informações e conseqüentemente uma
deficiência na regulação reflexa da PA. A menor sensibilidade
dos barorreceptores é provavelmente o maior determinante do
aumento da variabilidade da PA em indivíduos hipertensos, e,
de forma indireta, está associada às conseqüentes lesões dos
órgãos-alvo. Dessa forma, intervenções no sentido de melhorar a sensibilidade do barorreflexo e/ou a participação do parassimpático cardíaco no controle da PA e da freqüência cardíaca têm sido vistas como novas estratégias no manejo das
doenças cardiovasculares. No nosso laboratório comprovamos
que o exercício físico aumenta a sensibilidade dos pressorreceptores periféricos, aumentando a sensibilidade do barorreflexo.
Receptores cardiopulmonares
Três grupos de receptores são ativados por mudanças na
pressão das câmaras cardíacas. O primeiro grupo, localizado
nas junções veno-atriais, é ativado pelo enchimento e contração atriais. A distensão mecânica dessas regiões provoca ativação desses receptores, que reflexamente promovem aumento da freqüência cardíaca devido à elevação da atividade simpática para o nodo sino-atrial, sem alterar a atividade das fibras eferentes vagais para o coração ou das fibras
simpáticas para o miocárdio. O aumento da freqüência cardíaca ajuda a manter o volume cardíaco relativamente constante durante aumentos no retorno venoso. Além disso, a
distensão mecânica do átrio estimulando esses aferentes
causa reflexamente vasodilatação da vasculatura muscular
esquelética e aumento no débito urinário de água pelo rim. A
diurese é determinada por inibição da secreção do hormônio
antidiurético pela neuro-hipófise e pela redução da atividade
simpática renal.
O segundo grupo de receptores cardiopulmonares, cujas
aferências não-mielinizadas trafegam pelo vago, comporta-se,
quando ativado, como os mecanorreceptores carotídeos e aórticos, reduzindo a atividade simpática e aumentando a atividade do vago para o coração. A modulação na atividade simpática comandada por esses receptores é especialmente importante na regulação da resistência vascular renal. Em algumas situações, os aferentes vagais não-mielinizados podem
reforçar a (na hemorragia) ou se opor à (insuficiência cardíaca) ação dos mecanorreceptores arteriais.
O terceiro grupo de aferentes cardiopulmonares trafega
junto aos aferentes cardíacos simpáticos até a medula espinhal. São aferentes mielinizados e não-mielinizados (a maioria) e são ativados por estímulos mecânicos ou por substâncias produzidas/liberadas no próprio miocárdio. Sua importância funcional não está totalmente esclarecida, mas parecem
ser ativados por estímulos químicos gerados em áreas isquêmicas do miocárdio, quando também ocorre sensação dolorosa (dor anginosa).
Os reflexos cardiopulmonares podem ser testados experimentalmente pela injeção endovenosa de substâncias químicas como a serotonina, provocando bradicardia e hipotensão
(reflexo de Bezold-Jarisch), ou pela expansão do volume plasmático, aumentando o retorno venoso e a pressão de enchimento atrial e ventricular, provocando inibição reflexa da
atividade simpática (bradicardia e vasodilatação). No diabetes experimental, por exemplo, a expansão do volume
plasmático com aumento da pressão diastólica final do ventrículo esquerdo, não modifica a resposta da atividade simpática renal, diferentemente da inibição observada em indivíduos normais. Essa ausência de modulação pode estar
associada à disfunção no balanço entre a ingestão e a excreção de sódio e água, modificando a resposta natriurética e
diurética no estado diabético.
Para se modular em humanos o volume intratorácico (e
estimular os receptores cardiopulmonares) utilizam-se manobras como as da câmara de vácuo (câmara de pressão negativa): aplicam-se diferentes graus de pressão negativa nos membros inferiores, com o objetivo de diminuir o retorno venoso
e, conseqüentemente, o enchimento cardíaco. Não sendo possível estimular grupos isolados de receptores (atriais, ventriculares), as respostas reflexas obtidas resultam da interação
simultânea de todos os receptores cardiopulmonares. O menor enchimento das câmaras cardíacas diminui a atividade dos
receptores cardiopulmonares, determinando aumento da atividade simpática periférica (quantificada pela dosagem de
catecolaminas séricas ou pelo registro da atividade do nervo
peroneiro) e aumento da resistência vascular no território muscular (avaliada pela pletismografia do antebraço). O efeito da
desativação do simpático renal pode ser quantificado pelo
aumento da renina e da vasopressina na circulação, associado
à diminuição da taxa de filtração glomerular durante estímulos mais prolongados.
Quimiorreceptores arteriais
Os quimiorreceptores periféricos são constituídos por
células altamente especializadas, capazes de detectar alterações da pressão parcial de oxigênio (pO2), pressão parcial de
dióxido de carbono (pCO2) e concentração hidrogeniônica (pH)
do sangue. Tais quimiorreceptores encontram-se distribuídos
em corpúsculos carotídeos e aórticos, localizados bilateralmente na bifurcação da carótida comum (quimiorreceptores
carotídeos) ou em pequenos corpúsculos espalhados entre o arco
aórtico e a artéria pulmonar (quimiorreceptores aórticos), sendo
irrigados por sangue arterial através de pequenos ramos que se
originam a partir da carótida externa e aorta respectivamente.
Uma importante característica dessas células quimiorreceptoras refere-se ao fato de estarem intimamente associadas aos
capilares sangüíneos, sendo cerca de 25% do volume total do
corpúsculo carotídeo ocupado por capilares e vênulas, ou seja,
uma vascularização de 5 a 6 vezes maior que a do cérebro.
Heymans e Bouckaert (1930) foram os primeiros a demonstrar, através de estudos fisiológicos, que a região da bifurcação carotídea constitui-se de uma área reflexogênica sensível à hipoxia. Em seu estudo, observaram, em experimentos
de circulação cruzada, que a perfusão in situ do seio carotídeo
com sangue de um animal doador, submetido à hipoventilação, promovia reflexamente no animal receptor resposta de
hiperventilação, sugerindo que a composição química do sangue no nível da bifurcação carotídea influenciava reflexamente a atividade dos centros respiratórios. Dessa forma, a ativação dos quimiorreceptores periféricos resulta em ajustes ventilatórios que se caracterizam por aumento do volume de ar
corrente, aumento da freqüência respiratória e aumento do
volume minuto respiratório, exercendo, portanto, um importante papel no controle reflexo da ventilação.
Além de promover respostas ventilatórias, a estimulação
dos quimiorreceptores periféricos também promove modificações no sistema cardiovascular, no sentido de proporcionar
não somente a manutenção da composição química do sangue
em níveis ideais, mas também de adequar a perfusão sangüínea para os tecidos.
Bernthal (1938) e Winder et al. (1938) foram os primeiros a demonstrar que a estimulação dos quimiorreceptores carotídeos, por meio da infusão de cianeto de sódio ou pela isquemia localizada do corpúsculo carotídeo, promoveu reflexamente taquipnéia, vasoconstrição periférica e hipertensão
arterial em cães.
Tem sido sugerido que os quimiorreceptores periféricos
possuem uma influência tônica sobre o controle cardiovascular, estimulando o sistema nervoso simpático, contribuindo
dessa forma para a manutenção dos níveis basais da pressão
arterial e de parte da resistência periférica total. Estudos de
Guazzi et al. (1968) demonstraram que a hipotensão que ocorre durante o sono dessincronizado em gatos foi de maior magnitude nos animais submetidos à remoção dos corpúsculos
carotídeos por termocoagulação, sugerindo que a hipotensão
que ocorre durante o sono dessincronizado seria “tamponada”
por ação dos quimiorreceptores carotídeos. Ratos submetidos
a situações agudas de hiperoxia, induzindo à desativação dos
quimiorreceptores, apresentaram uma queda transitória da
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pressão arterial e da atividade simpática. Da mesma forma,
ratos com desnervação carotídea apresentaram uma redução
significativa da atividade do nervo simpático renal, a qual foi
atribuída à remoção dos quimiorreceptores carotídeos. Resultados semelhantes também foram observados no estudo de
Franchini e Krieger (1992), que demonstraram que a remoção
seletiva da atividade dos quimiorreceptores carotídeos, através da ligadura da artéria que irriga o corpúsculo carotídeo,
promoveu redução de pequena magnitude dos níveis basais de
pressão arterial, mas mantida cronicamente. Esses estudos em
conjunto sugerem que os quimiorreceptores periféricos exercem uma influência tônica excitatória na manutenção da pressão arterial.
Dessa forma, aumentos ou quedas de PO2, PCO2 e/ou pH
elicitam respostas homeostáticas para corrigir essas variações
a partir da estimulação dos quimiorreceptores arteriais. A complexidade dessas respostas pode ser constatada quando se observa que o aumento da ventilação também ativa os meca-
norreceptores pulmonares, causando mudanças circulatórias reflexas que parcialmente se sobrepõem às mudanças devidas à estimulação dos quimiorreceptores isoladamente.
Portanto, para avaliar a resposta cardiovascular primária à
estimulação dos quimiorreceptores, tanto a freqüência como
o volume pulmonar devem ser controlados. Quando isso é
feito, a PA aumenta por constrição dos vasos de resistência
nos músculos esqueléticos e nos leitos esplâncnico e renal,
determinada por ativação simpática. De fato, Somers e colaboradores demonstraram que ambas, hipercapnia e hipoxia, agindo através do quimiorreflexo, provocam aumento na atividade
simpática aos vasos da musculatura esquelética em indivíduos normais.
No rato, Franchini e Krieger (1992) não só demonstraram a influência tônica dos quimiorreceptores sobre o nível
basal da PA como também puderam descrever as respostas
reflexas primárias à estimulação dos quimiorreceptores (bradicardia e hipertensão) pela utilização do cianeto de potássio.
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MÓDULO TEMÁTICO
Sistema nervoso simpático e
hipertensão arterial sistêmica
Autores:
Fernanda Marciano Consolim-Colombo*
Médica-assistente – Unidade de Hipertensão
InCor – HC-FMUSP
Maria Claudia Irigoyen
Médica-assistente – Unidade de Hipertensão
InCor – HC-FMUSP
Eduardo Moacyr Krieger
Diretor – Unidade de Hipertensão
InCor – HC-FMUSP
Introdução
As evidências sobre a participação do sistema nervoso
simpático (SNS) no controle das funções cardiovasculares e
metabólicas normais e seu papel na gênese e manutenção de
várias doenças são amplas. A importância da compreensão do
funcionamento do SNS e dos sistemas a ele relacionados é indispensável não somente para elucidar a fisiopatologia de várias doenças, mas também para entender como drogas que agem
no sistema simpático interferem na evolução das doenças, alterando de forma significativa o prognóstico dos pacientes.
Nesse sentido, a Hipertensão Arterial Sistêmica, condição de
grande morbi-mortalidade cardiovascular, é um exemplo de
doença na qual o SNS tem participação na evolução (gênese e
manutenção da hipertensão) e na apresentação clínica (lesões
nos órgãos-alvo) dos pacientes. Além disso, na terapêutica da
HAS, o uso de drogas que bloqueiam a atividade simpática
(central ou periférica) mostra-se extremamente benéfica, com
significativa diminuição das taxas de eventos cardiovasculares
em todos os grupos de pacientes hipertensos.
Evidências do aumento da atividade do
SNS na HAS
Estudos em famílias e filhos de hipertensos
Existe uma tendência de a HAS ocorrer em famílias, e se
o SNS desempenha um papel importante na gênese da HAS,
evidências de aumento da atividade simpática devem estar presentes em filhos normotensos de pais hipertensos. Infere-se
também que esses mesmos filhos podem apresentar níveis de
pressão arterial e catecolaminas maiores que os dos controles,
filhos de normotensos. Evidências obtidas em uma série de
estudos em famílias mostram resultados conflitantes. Mais recentemente, um estudo de coorte com normotensos filhos de
hipertensos demonstrou de forma convincente o papel do aumento da atividade simpática na gênese da HAS primária, bem
como a associação precoce com distúrbios metabólicos especificamente na alteração do metabolismo da glicose. No estudo, em que 600 jovens japoneses tiveram seguimento longitudinal de 10 anos, a história familiar de HAS foi capaz de predizer a presença de hiperinsulinemia, resistência à insulina e
respostas supranormais de noradrenalina plasmática e insulina à sobrecarga de glicose. A concentração inicial elevada de
noradrenalina plasmática foi forte preditora do aumento de
pressão arterial e futuro desenvolvimento de hipertensão crônica. Os resultados sugeriram não somente que o aumento da atividade simpática precede e prediz o desenvolvimento da HAS, mas
que os fatores ambientais e/ou distúrbios metabólicos interagem
com o simpático na gênese da hipertensão. Trabalhos do nosso grupo evidenciaram que filhos normotensos de pais hipertensos apresentam níveis maiores de PA de consultório e durante monitorização prolongada da pressão arterial, níveis elevados de noradrenalina no sangue periférico, colesterol, triglicérides e glicose, bem como discretas alterações no controle barorreflexo. A atividade simpática periférica, obtida por
meio da técnica de microneurografia, mostrou-se significativamente mais elevada em filhos de hipertensos “malignos”,
quando comparados com filhos de normotensos.
Obesidade e aumento da atividade simpática na
hipertensão inicial
*Endereço para correspondência:
Unidade de Hipertensão
Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP
Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44
05403-003 – São Paulo - SP
E-mail: [email protected]
Obesidade e HAS têm forte correlação positiva em todas
as idades, independentemente de sexo ou raça. Aumento da
atividade simpática tem sido demonstrado em indivíduos obesos e há uma aceitação geral de que o SNS contribui na gênese da hipertensão relacionada à obesidade. Parece ocorrer uma
relação do tipo ciclo vicioso entre ganho de peso, aumento da
atividade simpática, resistência à insulina e HAS. O ganho de
Volume 8 / Número 1 / 2005
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peso resulta em aumento da atividade simpática, que pode levar a resistência à insulina e hiperinsulinemia. O ciclo é reforçado pela tendência de a hiperinsulinemia estimular o apetite,
o ganho de peso e o aumento da atividade simpática. Em um
trabalho de revisão, Golstein concluiu que, na maioria dos estudos, jovens com hipertensão classificados como “borderline”
ou limítrofe apresentavam níveis elevados de noradrenalina
plasmática quando comparados com seus controles normais
(usualmente com menores índices de massa corporal). Subseqüentemente a essa revisão, um estudo prospectivo em
Tecumseh, Michigan, evidenciou que 37% dos hipertensos jovens com HAS “borderline” apresentavam elevação da noradrenalina plasmática, da freqüência cardíaca, do débito cardíaco e do fluxo de sangue para o antebraço. Esse padrão, denominado de aumento do SNS com estado circulatório hiperdinâmico (circulação hipercinética), persistiu por 5 a 23 anos, e
foi também associado a história de HAS nos pais. Níveis elevados de adrenalina foram também relatados nas fases iniciais da
HAS primária. Esse fato é de interesse, pois a adrenalina pode
ser captada da circulação pelas terminações nervosas simpáticas,
onde pode aumentar a liberação a noradrenalina liberada por cada
impulso nervoso, pela estimulação de β-receptores pré-sinápticos
(chamado efeito co-transmissor). Essa relação pode ser um importante fator para o desenvolvimento do aumento do SNS sustentado relacionado ao estresse emocional (caracterizado por
incrementos episódicos de catecolaminas plasmáticas).
Envelhecimento, aumento do SNS e HAS
sustentada
Aumentos de noradrenalina plasmática com a idade ocorrem em paralelo com aumentos dos níveis de pressão arterial e de
resistência vascular sistêmica. Mesmo após o ajuste pela idade,
uma grande correlação residual existe entre noradrenalina plasmática e resistência vascular sistêmica em pacientes hipertensos.
Outras modificações cardiovasculares relacionadas ao envelhecimento podem também contribuir para aumentos do SNS com a
idade, tal como a função comprometida dos receptores cardiopulmonares e receptores aórticos. O aumento crônico da resistência
vascular tende a diminuir a performance cardíaca, exacerbando a
depressão da função cardíaca associada à diminuição dos receptores β-adrenérgicos. No estudo “Normative Aging Study”, dentre vários parâmetros testados como determinantes da pressão
arterial a taxa de excreção urinária de noradrenalina foi a que
obteve uma das maiores correlações, independentemente da idade.
A adequação de um dado nível de descarga simpática deve
ser julgada em relação aos níveis de pressão arterial. Se a pressão arterial está elevada, a atividade do SNS deve estar reduzida. Dessa forma, uma atividade simpática normal em presença
de HAS crônica deve ser considerada inapropriada. Vários trabalhos na literatura demonstraram correlação direta entre atividade simpática periférica, avaliada por meio da técnica de
microneurografia, e aumentos dos níveis de HAS.
Maior responsividade α-adrenérgica na HAS
Outro aspecto de impacto biológico da maior atividade
do SNS na HAS é a observação de uma elevada sensibilidade
12
HIPERTENSÃO
α-adrenérgica na HAS. Estudos demonstraram a presença de
uma maior vasodilatação em hipertensos, comparados a normotensos, em resposta a bloqueio α-adrenérgico agudo; e que
essa maior sensibilidade α-agonista está possivelmente ligada
ao metabolismo anormal de ácidos graxos nos vasos sangüíneos.
O impacto total do SNS no sistema cardiovascular depende da
quantidade da descarga (atividade) do simpático e também do
grau de sensibilidade dos receptores adrenérgicos. Assim, verificando-se a sensibilidade pressora α-agonista simultaneamente com a descarga simpática, detecta-se, em indivíduos normais, uma relação inversa entre essas variáveis. Entretanto, em
pacientes hipertensos tal correlação está prejudicada, e isso
ocorre de forma proporcional à duração da hipertensão e ao
nível de elevação. Esse achado tem sido interpretado como conseqüência de alterações estruturais vasculares crônicas (remodelamento), relacionadas à HAS, em que os vasos reagem de
forma mais intensa aos estímulos simpáticos.
SNS na HAS secundária
Corroborando a idéia da importante participação do SNS
na HAS crônica há o fato de que em várias formas de HAS
secundária pode-se demonstrar atividade simpática aumentada, elevação de catecolaminas ou controle reflexo autonômico
alterado. Exemplos são feocromocitoma, excesso de esteróides, HAS renovascular e insuficiência renal crônica. O evidente efeito hipotensor de drogas simpatolíticas, de ação central
ou periférica, na HAS secundária é mais uma evidência do papel do SNS na HAS estabelecida, de qualquer etiologia.
Mecanismos de aumento da atividade do
SNS na HAS
Passados muitos anos de investigação, a origem do aumento da atividade do SNS permanece ainda obscura. Várias
hipóteses tentam explicar os possíveis mecanismos que levam
à hiperatividade neuroadrenérgica associada à HAS.
Tem-se demonstrado repetitivamente, pelo menos em
modelos animais, um excessivo “drive” hipotalâmico que favorece a origem “central” da simpatoexcitação. Em humanos,
mais recentemente, foi descrita uma condição patológica – denominada compressão neurovascular (CNV) – na região rostroventrolateral da medula (RVLM), que pode estar associada à
HAS. Trabalho do nosso grupo demonstrou que há relação entre
a presença de CNV (detectada por meio da ressonância nuclear
magnética) na região RVLM e a maior atividade simpática periférica, avaliada por meio da microneurografia. Outra situação
relacionada a HAS e hiperatividade simpática é a Síndrome da
Apnéia Obstrutiva do Sono (SAOS). Vários mecanismos são
sugeridos para explicar a relação entre episódios noturnos de
hipoxia/hipercapnia e os aumentos sustentados da atividade
do SNS nos portadores de SAOS, especialmente as alterações
no controle reflexo cardiovascular (quimiorreflexo).
Como o barorreflexo representa o maior mecanismo reflexo envolvido na modulação fisiológica da atividade simpática, vários autores sugeriram a hipótese de que a redução na
influência inibitória exercida pelos receptores aórticos e caro-
tídeos (barorreflexo) sobre a atividade simpática poderia causar a hiperatividade simpática em pacientes hipertensos.
Em vários modelos de HAS em animais demonstrou-se
que o barorreflexo não é capaz de tamponar os aumentos crônicos de pressão arterial, devido principalmente ao mecanismo
de “adaptação” ou “resetting” dos pressorreceptores periféricos.
A adaptação dos pressorreceptores não priva o indivíduo do mecanismo de tamponamento de variações agudas, tanto nas quedas quanto nos aumentos, da pressão arterial. Entretanto, a adaptação se acompanha de queda da sensibilidade do barorreflexo, o que pode determinar uma maior labilidade da pressão
arterial e mesmo aumento do tônus basal simpático.
Estudos em humanos apresentaram resultados conflitantes, alguns apontando para uma menor sensibilidade do barorreflexo e outros não-evidenciando essas alterações.
Estudos do nosso grupo demonstraram a presença de disfunção do barorreflexo e aumento de atividade simpática em
filhos de pais hipertensos, quando comparados com filhos de
normotensos, sugerindo que alterações no SNS podem ter uma
influência genética, e estar relacionados à gênese da HAS.
Alterações estruturais vasculares ocorrem em associação
com o aumento da idade, especificamente uma diminuição na
complacência vascular da aorta e dos grandes vasos. No processo de envelhecimento aumenta a síntese do colágeno e diminui a
síntese de elastina, levando ao enrijecimento dos vasos. Na HAS
esse processo ocorre prematuramente. Como resultado direto das
alterações mecanico-elásticas da parede dos vasos, ocorre menor
distensibilidade dos pressorreceptores, levando a uma menor sensibilidade do barorreflexo e conseqüente menor atividade simpatoinibitória do barorreflexo.
Na HAS, graus variados de hipertrofia do ventrículo esquerdo (HVE) estão presentes. A HVE decorre da hipertrofia
dos cardiomiócitos e da proliferação de colágeno (aumento da
matriz extracelular). Ambos os processos contribuem para o
endurecimento ventricular, menor relaxamento e a síndrome
da disfunção diastólica. O enrijecimento cardíaco atua como
uma influência restritiva no reflexo desencadeado pelos receptores cardiopulmonares, diminuindo o efeito desse reflexo sobre a inibição do SNS. A menor atividade do reflexo cardiopulmonar em pacientes hipertensos foi demonstrada por vários grupos, incluindo o nosso. Portanto, as alterações estruturais dos grandes vasos e do coração na HAS colaboram para as
alterações na regulação reflexa da pressão arterial e conseqüentemente para o aumento da atividade simpática.
Como conclusão, a inapropriada atividade do SNS é um
fator crítico na patogênese e manutenção da hipertensão arterial crônica, primária ou secundária. A atividade simpática
aumentada é perpetuada pela obesidade, pela resistência à insulina, e pela adaptação e/ou menor sensibilidade do controle
reflexo cardiovascular (barorreflexo) e do reflexo cardiopulmonar. Mais estudos são necessários para elucidar melhor os mecanismos que levam ao aumento da atividade do SNS na HAS.
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Volume 8 / Número 1 / 2005
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Comentários:
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LÍNICO
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C
ASO
Discussão de
Caso Clínico
Identificação
Cláudia Soares Rodrigues
Mestranda da Pós-graduação em
Saúde Coletiva do Núcleo de
Estudos de Saúde Coletiva – NESC/
UFRJ, Membro do Programa de
Hipertensão Arterial do HUCFF/
UFRJ (ProHart)
Armando da Rocha Nogueira*
Professor Associado FM/UFRJ,
Coordenador do ProHart
Coordenador da Comissão
de Investigação Científica
do HUCFF
Katia Vergetti Bloch
Professor Adjunto FM/UFRJ e
NESC/UFRJ, Membro do ProHart
Gil Fernando Salles
Professor Adjunto FM/UFRJ,
Membro do ProHart
Elizabeth Silaid Muxfeldt
Médica do Serviço de Clínica
Médica HUCFF/UFRJ, Membro
do ProHart
Caso Clínico do Programa de
Hipertensão (ProHart) do Serviço
de Clínica Médica do Hospital
Universitário Clementino Fraga
Filho (HUCFF) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
M.A.S., sexo feminino, 49 anos, parda, natural de Minas Gerais, casada, do lar,
residente na cidade do Rio de Janeiro.
Primeira avaliação no Programa de
Hipertensão Arterial do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – Universidade Federal do Rio de Janeiro
(ProHArt – HUCFF – UFRJ) em setembro de 2001.
Paciente com história de hipertensão arterial sistêmica havia oito anos, em
tratamento regular havia dois anos, porém sem controle dos níveis pressóricos.
Fazia uso de hidroclorotiazida 25 mg/dia,
enalapril 30 mg/dia, nifedipina 40 mg/dia.
Negava outras queixas ou comorbidades.
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HIPERTENSÃO
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Fatores de risco cardiovascular:
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Desconhecia diabetes ou dislipidemia.
Sedentarismo.
Negava tabagismo ou etilismo.
Negava doença coronariana precoce
na família.
Lesões de órgãos-alvo:
•
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* Endereço para correspondência:
Hospital Universitário Clementino
Fraga Filho
Comissão de Investigação Científica –
sala 11E49
Av. Brigadeiro Trompowsky s/no
Cidade Universitária
21941-000 – Rio de Janeiro – RJ
Exame físico:
•
•
Angina típica: dor precordial em
aperto com irradiação dorsal relacionada aos esforços e associada a dispnéia de duração aproximada de 30
minutos.
Fundoscopia: retinopatia hipertensiva grau II KW (aumento da tortuosidade venular com cruzamentos
arteriovenosos patológicos).
Eletrocardiograma de repouso: Sokolow = 2,09 mV e Cornell = 2,65 mV.
Ecocardiograma bidimensional: hipertrofia ventricular esquerda com disfunção sistólica leve difusa de ventrículo
esquerdo. Ao = 3,6 cm; AE = 3,6 cm;
VEd = 5,7 cm; VEs = 3,8 cm; septo IV
= 1,2 cm; parede posterior = 1,2 cm.
IMVE = 210,6 g/m2 (normal: ≤ 104 g/m2)
Bom estado geral. Corada, hidratada, eupneica. Aumento difuso da tireóide.
ACV: carótidas, radiais e pediosos palpáveis, de boa amplitude, simétricos.
Ictus de VE no 6º EICE a 3 cm da
LHCE, 2 polpas digitais, propulsivo.
RCR 3T. Quarta bulha. Sem sopros.
Sem TJP a 45º.
PA = 188 x 144 mmHg (1a medida),
PA = 188 x 142 mmHg (2a medida),
posição sentada MSE.
PR = 82 bpm.
Circunferência abdominal = 79 cm.
Peso = 65 kg.
Altura = 160 cm.
IMC = 25,4 kg/m2.
Ao esquema anti-hipertensivo foi adicionado atenolol 25 mg e foi suspensa a nifedipina.
Exames laboratoriais:
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T4 livre = 1,2 ng/dL,
TSH = 2,97 microU/mL,
Colesterol total = 156 mg/dL,
HDL-C = 36 mg/dL,
Triglicerídeos = 189 mg/dL,
Glicose = 114 mg/dL,
Potássio = 4,6 mEq/L,
Ácido úrico = 5,1 mg/dL,
Creatinina sérica = 0,8 mg/dL,
“Clearance” creatinina = 88,2 ml/min/m2,
Proteína urinária = 134 mg/24h,
Microalbuminúria = 21,27 mg/24h
(normal < 30–300 mg/24h).
Nessa consulta mantinha níveis
pressóricos elevados (182/130 mmHg)
sendo então aumentada a dose do enalapril para 40 mg/dia e do atenolol para
100 mg/dia. Sem alterações evolutivas ao
exame físico.
Realizou a primeira monitoração
ambulatorial da pressão arterial (MAPA)
de 24h (figura 1), sendo diagnosticada
hipertensão arterial resistente (HAR) verdadeira com bom descenso noturno
(“dipper”). A investigação para hipertensão arterial renovascular através de
cintilografia renal com DPTA (basal e
com captopril) foi negativa.
Nas consultas seguintes manteve
descontrole dos níveis pressóricos, com
ajuste progressivo do esquema terapêutico. A segunda MAPA (figura 2), realizada um ano depois com esquema terapêutico anterior acrescido de hidralazina 200 mg/dia, manteve o padrão de
HAR verdadeira com níveis tensionais
mais baixos do que a primeira, porém
sem descenso noturno adequado (não
“dipper”).
Novo ecocardiograma bidimensional (após 16 meses) mantinha aproximadamente os mesmos diâmetros cavitários, com normalização da disfunção sistólica e leve disfunção diastólica.
Manteve o acompanhamento trimestral com melhora dos níveis pressóricos após ajuste progressivo dos antihipertensivos. Realizou a terceira MAPA
(figura 3), que revelou hipertensão arterial resistente noturna (“dipper” reverso).
Na época estava em uso de hidroclorotiazida 25 mg/dia, atenolol 100 mg/dia,
enalapril 40 mg/dia e nifedipina de liberação lenta 60 mg/dia.
FIGURA 1
PA consultório = 184 x 120 mmHg
PA vigília = 159 x 107 mmHg
PA sono = 140 x 88 mmHg
PA 24 horas = 155 x 103 mmHg
PA matutina = 171 x 120 mmHg
Descenso noturno sistólico = 12%
Descenso noturno diastólico = 18%
Pressão de pulso de 24h = 52 mmHg
MAPA realizada em 24/01/2002
FIGURA 2
Exames laboratoriais desse período
mostraram:
•
•
•
Microalbuminúria = 57,3 mg/24h
(normal: < 30 mg/24h).
“Clearance” de creatinina = 79,0 ml/
min/m2.
Proteína urinária = 112 mg/24h.
Quatro meses depois procurou o
ambulatório com queixas de astenia, anorexia, náuseas, vômitos biliosos e dor em
hipocôndrio direito havia uma semana.
Negava icterícia ou colúria. Ao exame
encontrava-se hipocorada ++/4+, anictérica, hipohidratada +/4+.
Referia que aproximadamente um mês
antes apresentara episódio de paresia de
MIE, que reverteu em menos de 24 horas.
• PA = 142 x 94 mmHg.
• PR = 96 bpm.
• Carótidas, radiais e pediosos com boa
amplitude e simétricos. RCR em 2
tempos. Sem sopros. Sem TJP a 45º.
PA consultório = 140 x 100 mmHg
PA vigília = 136 x 95 mmHg
PA sono = 133 x 87 mmHg
PA 24 horas = 133 x 93 mmHg
PA matutina = 160 x 107 mmHg
Descenso noturno sistólico = 2%
Descenso noturno diastólico = 8%
Pressão de pulso de 24h = 42 mmHg
MAPA realizada em 27/01/2003
Volume 8 / Número 1 / 2005
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FIGURA 3
PA consultório = 160 x 100 mmHg
PA vigília = 117 x 81 mmHg
PA sono = 125 x 82 mmHg
PA 24 horas = 119 x 81 mmHg
PA matutina = 132 x 90 mmHg
•
•
•
•
Aparelho respiratório: sem sinais de
congestão pulmonar.
Abdômen distendido, extremamente
doloroso à palpação superficial de andar superior do abdômen, o que dificultava a palpação. Fígado, à percussão, encontrava-se a 8 cm do RCD, extremamente doloroso. Hepatimetria = 22 cm.
Membros inferiores: edema ++/4+.
Exame neurológico sem anormalidades.
Exames laboratoriais:
TGP = 456 U/l.
TGO = 247 U/l (normal: < 40 U/L).
• Bilirrubina total = 1,3 mg/dL; bilirrubina direta = 0,6 mg/dL.
• Fosfatase alcalina = 41 U/L.
• Gama-GT = 63 U/L.
• Hematócrito = 49%.
• Hemoglobina = 13 g/dL.
• Leucometria e plaquetometria normais.
• VHS = 6 mm (1a hora).
• USG abdominal: revelou hepatomegalia com parênquima de aspecto homogêneo. Dilatação da veia cava inferior. Vesícula normodistendida e
sem cálculos.
•
•
16
HIPERTENSÃO
Descenso noturno sistólico = - 7%
Descenso noturno diastólico = 0 %
Pressão de pulso de 24h = 38 mmHg
MAPA realizada em 01/03/2004
Uma semana após evoluiu com piora do quadro abdominal, com dor muito
intensa, anorexia e vômitos. Foi solicitado novo hepatograma e sorologia, sendo
encaminhada para o Serviço de Hepatologia – HUCFF – UFRJ.
Novos exames laboratoriais
(após uma semana)
• TGO = 459 U/L.
• TGP = 230 U/L (normal: < 40 U/L).
• Albumina = 2,5 g/dL (normal: 3,5 –
5,5 g/dL).
• TAP = 71% – 15,8 s.
• INR = 1,3
• Sorologia para hepatite A e toxoplasmose (IgG + IgM): negativas.
Foi internada após uma semana com
suspeita de hepatite aguda associada a
albumina baixa e TAP diminuído, indicando um mau prognóstico.
Na internação, evoluiu com dispnéia de decúbito, ortopnéia, tosse com
expectoração clara, piora do quadro edemigênico e aumento do volume abdominal, mantendo dor abdominal intensa em
HCD.
Ao exame físico estava lúcida, orientada no tempo e espaço, hipocorada ++/
4+, anictérica, hipohidratada ++/4+.
Aparelho cardiovascular e respiratório sem alterações evolutivas.
Abdômen distendido. Macicez móvel em flancos. Traube maciço com ponta
de baço palpável. Fígado a três centímetros do RCD, doloroso, borda romba, superfície lisa.
Os membros inferiores tinham edema mole, frio e indolor 3+/4+.
Exame neurológico normal.
Novos exames laboratoriais mostraram normalização das transaminases,
mantendo níveis de bilirrubinas normais,
afastando então o diagnóstico de hepatite aguda.
Ultra-sonografia abdominal: presença de líquido entre o fígado e o diafragma, mantendo padrão de congestão
hepática compatível com insuficiência
cardíaca direita.
Evoluiu com insuficiência cardíaca congestiva classe IV.
Ecocardiograma da internação mostrava disfunção moderada a grave por
hipocinesia difusa de ventrículo esquerdo.
No quinto dia de internação apresentou acidente vascular encefálico isquêmico, com conseqüente confusão
mental, paresia fáscio-braquio-crural esquerda e disartria. TC apresentava lesão
isquêmica em cápsula interna.
Teve alta após 15 dias, mantendo
disfunção grave de ventrículo esquerdo
ao ecocardiograma, com controle dos níveis pressóricos.
Atualmente mantém acompanhamento no Programa de Hipertensão Arterial, mantendo bom controle pressórico em consultório, com quadro de ICC
compensado (classe funcional II). Evoluiu com discreta disartria e hemiparesia esquerda. Em uso de captopril 150
mg/dia, digoxina 0,25 mg/dia, furosemida 40 mg/dia, espironolactona 50 mg/dia
e AAS 200 mg/dia.
Discussão
Trata-se de uma paciente com diagnóstico, à admissão, de hipertensão arterial resistente classificada como es-
tágio II, o segundo “VII Joint National
Committee”1.
Cerca de 40% das mortes por acidente vascular encefálico e 25% daquelas por doença arterial coronariana podem ser atribuídas à hipertensão arterial2. Pela sua elevada prevalência (de 15%
a 25%) e difícil controle dos níveis tensionais, a hipertensão arterial tem um
peso significativo na morbi-mortalidade
cardiovascular, sendo um importante problema de saúde pública3,4. Em levantamento realizado por nós, no ambulatório de Clínica Médica do HUCFF –
UFRJ, observamos um nível de controle
tensional de apenas 27%5, compatível com
o encontrado em países desenvolvidos3,4.
Alguns fatores de risco cardiovascular relacionados com aumento de eventos cardiovasculares, como idade avançada6, diabetes, sedentarismo e níveis de
pressão sistólica elevada7, também têm
maior relação com a dificuldade de controle da PA.
A hipertensão arterial resistente é
definida como a falência em controlar a
pressão arterial apesar do uso de três
ou mais anti-hipertensivos com diferentes mecanismos de ação, incluindo
um diurético1,8. Trata-se de um quadro
grave, em que os níveis tensionais elevados por muito tempo levam a rápida
evolução para lesões de órgãos-alvo e
alta morbi-mortalidade cardiovascular8,9.
A prevalência da HAR varia, na literatura, de 12% a 29%8–13. Na nossa população de hipertensos acompanhados
no HUCFF (1.699), 17% eram hipertensos resistentes5.
A ausência de resposta ao tratamento anti-hipertensivo pode se dar por diferentes fatores: terapêutica subótima ou
interação medicamentosa, sobrecarga de
volume por terapêutica insuficiente (ausência de diurético), falta de aderência
ao tratamento, efeito do jaleco branco,
HA secundária (renovascular ou hiperaldosteronismo primário), obesidade e
apnéia do sono8.
A definição de hipertensão arterial
resistente baseia-se na medida da pressão arterial de consultório. Portanto está
bem estabelecido na literatura que o controle tensional desses pacientes deve ser
feito através do acompanhamento com a
MAPA1,14.
A MAPA possibilita o diagnóstico
da hipertensão arterial resistente verdadeira e da hipertensão arterial resistente
do jaleco branco, que tem uma alta prevalência nesse grupo de pacientes10–13.
Em estudo realizado entre os hipertensos resistentes em acompanhamento no
Programa de Hipertensão Arterial da
nossa universidade, essa proporção chega a 43,7%10. Além disso, a MAPA é um
instrumento que tem maior acurácia
diagnóstica quando comparada à medição da pressão de consultório, possibilita melhor avaliação da efetividade dos
anti-hipertensivos e tem melhor correlação com o prognóstico e presença de lesões de órgãos-alvo, em especial em pacientes com menor descenso noturno e
pressão de pulso alargada1,14–15.
Após exclusão de causas potencialmente corrigíveis de descontrole dos níveis pressóricos, a paciente foi submetida à primeira MAPA, com diagnóstico
de HAR verdadeira. Através da cintilografia renal, foi então afastada a possibilidade de hipertensão renovascular.
O único fator de risco evidenciado
na paciente foi o sedentarismo, porém a
presença de várias lesões de órgãos-alvo
(hipertrofia ventricular esquerda, doença coronariana, retinopatia hipertensiva
e microalbuminúria) relaciona-se com
pior prognóstico cardiovascular e também com maior dificuldade de controle
pressórico. Por sua vez, a hipertrofia ventricular esquerda é considerada um fator
de risco maior para miocardiopatia dilatada e insuficiência cardíaca, principalmente em idosos, negros e mulheres16.
Durante sua evolução, houve uma
diminuição progressiva dos níveis de
pressão arterial e da pressão de pulso
mostrados pela MAPA, porém com evidente piora do descenso noturno, tornando-se não-“dipper” na segunda MAPA e
f inalmente com descenso negativo
(“dipper” reverso) na última MAPA .
Esse padrão da MAPA de ausência de
descenso noturno parece ter relação com
algumas comorbidades (apnéia do sono,
insuficiência cardíaca etc.) além de se
relacionar com um aumento de risco para
acidentes vasculares encefálicos, fato inicialmente descrito por Krobin et al.17e
corroborado por O’Brien et al.18. A esse
grupo de não-“dippers” associa-se presença de microalbuminúria e uma rela-
ção não tão bem esclarecida com hipertrofia ventricular esquerda, principalmente em mulheres. Fato importante de
ser observado é a diminuição da variabilidade pressórica relacionada ao ritmo
circadiano que ocorre após o acidente
vascular encefálico, que gera uma diminuição de descenso noturno e muitas
vezes o “dipper” reverso19. A observação de padrão pressórico noturno nesses
pacientes se torna então ainda mais necessária.
Após dois anos de acompanhamento da paciente, apesar de um melhor controle dos níveis tensionais, surgiram dois
novos eventos cardiovasculares: disfunção sistólica severa de ventrículo esquerdo, com conseqüente insuficiência cardíaca congestiva, e acidente vascular
encefálico. O surgimento dessas lesões
tem relação estreita com o perfil de gravidade da hipertensão arterial dessa paciente.
Existe uma relação independente e
linear entre a pressão sangüínea e a incidência de eventos cardiovasculares. Para
cada aumento de 20 mmHg na pressão
sistólica e 10 mmHg na pressão diastólica temos um aumento de duas vezes na
mortalidade por doença isquêmica e por
acidente vascular encefálico1. A hipertensão arterial sistêmica também é um fator de risco maior e independente para
insuficiência cardíaca16. Segundo estudo de Framingham uma em cada seis mulheres e um em cada nove homens com
diagnóstico de hipertensão arterial com
40 anos vai desenvolver insuficiência
cardíaca.
A contribuição da hipertensão arterial para eventos cerebrovasculares é
ainda mais importante. Estima-se que
cerca de dois terços dos acidentes vasculares encefálicos sejam atribuídos a
pressões sangüíneas acima do nível ótimo (115/75 mmHg)19.
Os pacientes portadores de hipertensão resistente são especialmente suscetíveis de desenvolver lesões de órgãosalvo e eventos cardiovasculares, e embora diversos estudos comprovem a eficácia de uma variedade de anti-hipertensivos comumente usados e que pequenas reduções de pressão arterial geram
grande redução de risco cardiovascular,
as taxas de controle são sempre desapontadoras, principalmente nos hipertensos
Volume 8 / Número 1 / 2005
17
resistentes. Infelizmente, as causas desse fracasso são complexas, e problemas
como efeitos adversos de drogas, apnéia
do sono e obesidade, que são mais pre-
valentes entre os hipertensos resistentes,
acabam gerando um processo de retroalimentação dessa resistência. Esses pacientes parecem precisar cada vez mais
de uma abordagem mais agressiva e sistemática, englobando mudanças de hábitos de vida, ajustes freqüentes de drogas e avaliação por especialistas na área.
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EPIDEMIOLOGIA
Álcool e
hipertensão arterial
Autora:
Leila Beltrami Moreira
Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Muitos estudos têm detectado associação positiva entre
consumo crônico de álcool e elevação dos níveis tensionais,
particularmente da pressão sistólica, e prevalência de hipertensão. Estudos de coorte1–7 e experimentais8–12, acompanhados da demonstração de reversibilidade da hipertensão com a
suspensão do álcool13–16, sustentam a idéia de uma associação
causal, estimando-se que cerca de 10% a 30% dos casos de hipertensão arterial sistêmica devem-se ao consumo de bebidas alcoólicas17–19. De modo geral, os estudos epidemiológicos são consistentes quanto à elevação das pressões arteriais sistólica (PAS) e
diastólica (PAD) quando os indivíduos ingerem três ou mais drinques (30 g de álcool) por dia, sendo a elevação maior para a PAS.
A curva dose-resposta é mais freqüentemente linear (figura 1),
especialmente entre os homens, embora persistam controvérsias
quanto ao consumo de álcool em pequenas quantidades (um a
dois drinques por dia) em relação aos abstêmios. Também se
demonstrou associação tempo-dependente, pois homens que
ingeriram álcool 13 a 23 horas antes da medição da pressão
arterial apresentaram OR 2,6 (IC 95% 1,3 a 5,0) de hipertensão em relação aos que o consumiram havia mais de 24horas20.
Poucos estudos longitudinais avaliaram incidência de hipertensão arterial e consumo de álcool, destacando-se a coorte
ARIC21 que estudou mais de 15 mil pessoas com idade entre
45 e 64 anos, das quais 8.334 eram normotensas e foram
incluídas na análise estratificada por sexo e raça. Mulheres
brancas e homens negros que consumiam a partir de 210 g de
álcool por semana apresentaram maior incidência de hipertensão do que abstêmios (OR ajustada 2,02; IC 95% 1,08 a 3,79;
e 2,31; IC 95% 1,11 a 4,86, respectivamente), assim como os
homens negros que consumiam até 209 g/semana (OR 1,71;
IC 95% 1,11 a 2,64). Considerando toda a amostra, o consumo a partir de 210 g/semana associou-se positivamente com
incidência de HAS (OR 1,47; IC 95% 1,15 a 1,89), indepen-
dentemente de raça, idade, IMC, educação, atividade física e
diabetes. O risco atribuível bruto de desenvolver hipertensão
entre os indivíduos expostos a >30 g/álcool/dia foi de 17,1%.
Entre homens negros, PAS e PAD se elevaram com baixos
níveis de consumo, mais acentuadamente que em brancos.
Estudos de intervenção confirmaram a elevação da pressão na fase de consumo e redução gradual com a suspensão do
álcool9,10,12,16,22–25. Em metanálise26 que incluiu 14 ensaios clínicos randomizados e cerca de 2.000 indivíduos, em sua maioria homens, submetidos a redução de consumo de álcool durante pelo menos uma semana, a redução de PAS foi de 3,3
mmHg (IC 95% 2,5 a 4,1) e de 2,0 mmHg (IC 95% 1,5 a 2,6)
na PAD. Pacientes internados para detoxificação27, que tiveram medida a pressão arterial através de monitorização ambulatorial da pressão arterial na vigência de consumo de álcool e
após um mês de abstinência, apresentaram redução das pressões diurnas e noturnas, sem alterar o ritmo circadiano.
Estudo de base populacional28, dirigido à avaliação do
efeito do padrão de consumo sobre o risco de hipertensão, não
encontrou associação com o tipo de bebida preferida (cerveja,
vinho ou destilado), mas os indivíduos que bebiam fora das
refeições apresentaram maior risco de hipertensão, independentemente da quantidade consumida.
Mais recentemente, a associação do consumo crônico de
álcool com a pressão arterial tem sido avaliada através de mo-
FIGURA 1
VARIAÇÃO DA PAD E PAS CONFORME O NÚMERO DE
DRINQUES CONSUMIDOS POR DIA ENTRE HOMENS (H) E
MULHERES (M)21
Endereço para correspondência:
Rua Martim Aranha, 100 – Ap. 1302A
Bairro Boa Vista
90520-020 – Porto Alegre – RS
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nitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA). Em ensaio clínico randomizado cruzado28, a redução da quantidade
de álcool levou à queda dos níveis pressóricos tanto nos bebedores diários como nos de fim de semana, porém foi mais rápida nos últimos, sugerindo um componente de retirada com esse
padrão de uso. Já entre homens japoneses hipertensos30, durante o período de restrição de álcool a pressão arterial aferida
pela MAPA diminuiu pela manhã e elevou-se à noite. Esse efeito
bifásico da redução do consumo de álcool diminuiu a diferença dia/noite e não modificou a média das 24h. O efeito da ingestão de cinco ou mais drinques em uma ocasião “binge
drinking” foi avaliado em homens que consumiam álcool usualmente e em quantidades moderadas (< 280 g/álcool por semana), através de MAPA31. Durante o período de intoxicação
(das 18 às 2 horas) a PAS e PAD ficaram 5 mmHg mais elevadas em comparação com o fim de semana anterior, sem consumo de álcool, enquanto no período de detoxificação (das 2 às
10 horas), as pressões ficaram mais baixas. No período de ressaca (das 10 às 18 horas), não houve diferença em relação aos
fins de semana. Os autores especulam que essas alterações da
pressão poderiam explicar a associação desse padrão de consumo com o acidente vascular cerebral.
Estudos experimentais acerca do efeito agudo de uma dose
única de álcool mostram queda inicial transitória da pressão
arterial seguida de elevação gradual11,32. Quando avaliada por
MAPA em voluntários jovens, normotensos e bebedores sociais33, a ingestão aguda de 60 g de álcool teve efeito hipotensor
imediato e efeito pressor tardio, caracterizado pela atenuação do
descenso noturno, período de depuração do álcool ingerido. Outro estudo de nosso grupo34, que avaliou o consumo de 250 ml de
vinho tinto no almoço, demonstrou, através de MAPA, redução da pressão arterial pós-prandial em indivíduos hipertensos com obesidade central. Esse efeito se prolongou ao longo
do dia e reduziu o descenso noturno da PAS, provocando mudança no padrão usual de variação da pressão arterial.
A discrepância entre efeitos agudos e crônicos do álcool
poderia ser explicada pela intensidade do rebote após a suspensão do etanol. Com base na associação da intensidade da
disfunção autonômica decorrente da ativação simpática com a
resposta pressórica14,15, Kaysen e Noth35 sugerem que o efeito
crônico, pressor, é uma manifestação de abstinência. Essa
hipótese é reforçada pelos achados de Wannamethee e Shaper36,
segundo os quais os bebedores de fim de semana apresentaram
pressão mais elevada na segunda-feira, diminuindo progressivamente até a sexta-feira, e é contraposta por Beilin37,38, considerando os achados de estudos de retirada de álcool16,24. A hipertensão sustentada seria decorrente de modificações estruturais
dos vasos, decorrentes da sobrecarga vascular intermitente.
Alguns trabalhos sugerem efeito direto do álcool sobre a
musculatura lisa vascular, possivelmente mediada pelo influxo de cálcio39–41 ou pelo endotélio42,43 . Estudo em ratos com
hipertensão induzida por deficiência de óxido nítrico44 mostrou redução das pressões diastólica, média e sistólica com
administração crônica de vinho tinto brasileiro, sendo a vasodilatação dependente do fator hiperpolarizante derivado do endotélio em combinação com óxido nítrico. Já em ensaio clínico randomizado45, a redução acentuada da ingestão de álcool
por homens saudáveis, usuários de moderadas a grandes quantidades de álcool, não melhorou a função endotelial como seria esperado, já que altas doses de álcool parecem reduzir a
vasodilatação mediada pelo endotélio46. Outras hipóteses baseadas na ativação do sistema simpático ou adrenal e do sistema
renina-angiotensina, na ação central direta sobre vias inibitórias
que controlam o centro vasomotor, no aumento dos níveis de
hormônio antidiurético e cortisol, no desbalanço hidreletrolítico
e na alteração de barorreflexos são inconclusivas40,41,47–49. Embora se postule que a hipertensão associada ao consumo de
álcool pode ser mediada por déficit de sensibilidade à insulina50, a redução substancial do consumo de álcool não teve efeito
sobre a sensibilidade à insulina em homens saudáveis51.
Em conclusão, embora não se tenha, ainda, identificado os
mecanismos pelos quais o consumo crônico de álcool aumenta a
pressão arterial, evidências observacionais e experimentais permitem concluir que indivíduos que consomem grandes quantidades de álcool (acima de 30 g/dia) apresentam risco aumentado de HAS. Por outro lado, o efeito pode estar relacionado
não apenas à quantidade e duração da exposição, mas também
ao tempo desde o último consumo. Esse efeito deletério do
etanol sobre o sistema cardiovascular reforça a interpretação
de que o efeito protetor decorrente do consumo de bebidas alcoólicas, particularmente vinho, pode se dever mais ao estilo
de vida dos bebedores do que a um efeito intrínseco da bebida52.
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Avaliação da qualidade de vida do
paciente hipertenso: proposta de
um instrumento
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AVALIAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL
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Introdução
Autores:
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Josiane Lima de Gusmão*
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Doutoranda da Escola de Enfermagem da USP,
Enfermeira do Laboratório de Hipertensão do Hospital
das Clínicas da FMUSP
Décio Mion Jr.
Professor Livre-docente pela Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo
Chefe da Unidade de Hipertensão do Hospital das
Clínicas da FMUSP
Angela Maria Geraldo Pierin
Professora. Livre-docente do Departamento de
Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de
Enfermagem da USP
*Endereço para correspondência:
Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da USP
Laboratório de Hipertensão
Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 255, 7º andar, sala 7031
05403-000 – São Paulo – SP.
Tel.: (11)3069-7686 / Fax: (11)3082-2659
E-mail: [email protected]
22
HIPERTENSÃO
A hipertensão arterial, devido à sua elevada prevalência
– de 15% a 20% na população adulta e mais de 50% nos idosos –, representa importante problema de saúde pública1.
Além disso, juntamente com tabagismo, diabetes e dislipidemia se constitui em importante fator de risco para as doenças cardiovasculares, responsáveis por cerca de 30% das mortes no mundo2.
Estudos têm demonstrado correlação direta entre hipertensão arterial e doença coronariana, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca congestiva. Essas doenças são
responsáveis por 40% dos óbitos ocorridos nos Estados Unidos, não se restringindo apenas aos idosos, mas constituindo a
segunda causa de morte na faixa de 45 a 64 anos e a terceira
entre 25 e 44 anos3.
No Brasil, as doenças cardiovasculares passaram do patamar de 11,8%, na década de 30, para 33,3% entre 1994 e
19984. De acordo com a fonte de dados Datasus5, no ano 2000
foram responsáveis por 32,4% da mortalidade geral, e em 2001
por 263.240 mortes.
Dessa maneira, o principal objetivo do tratamento antihipertensivo é reduzir a morbidade e mortalidade das doenças cardiovasculares associadas aos valores elevados da
pressão arterial. Entretanto, a baixa adesão ao tratamento
vem prejudicando essa investida, mitigando seus potenciais benefícios6. Tal fato deve-se a diversos fatores, ressaltando-se o caráter crônico e assintomático da hipertensão e o
impacto dos efeitos colaterais dos medicamentos na qualidade de vida7,8.
O impacto na qualidade de vida é aspecto fundamental
e deve ser levado em consideração no tratamento anti-hipertensivo. Para uma avaliação fidedigna da qualidade de
vida em saúde, é necessária a utilização de instrumentos de
medida, habitualmente sob a forma de questionários 9, desde que devidamente validados e adaptados ao contexto cultural da população que se pretende atingir. É preciso lembrar que cada cultura oferece um padrão ideal de comportamento, atitudes e reações que seus membros devem seguir, inclusive com relação a saúde e doença10. Dessa maneira, pesquisadores que não dispõem de instrumentos adaptados à cultura que pretendem estudar possuem três opções, a
saber:
1) desenvolver uma nova medida para seu próprio contexto cultural;
2) usar uma medida subjetiva, não-relacionada a instrumentos de qualidade de vida, permitindo que o próprio indivíduo defina os domínios importantes para
sua própria avaliação e
3) traduzir, adaptar e validar para seu idioma e cultura
um instrumento pré-existente.
•
•
•
•
•
•
A alternativa menos dispendiosa em relação a tempo e
dinheiro é a tradução e adaptação de um instrumento já existente, o que será apresentado nesse artigo, já que, em nosso
meio, até o momento não existe nenhum instrumento específico para avaliação da qualidade de vida em hipertensos que
tenha sido traduzido e validado para nossa cultura.
•
Escolha do instrumento
A hipertensão arterial é uma doença crônica e, devido ao
seu aspecto multifatorial, requer uma avaliação com abordagem complexa, na qual a interação entre suas características e
seu desenvolvimento no âmbito físico e psíquico seja contemplada.
Dessa maneira, após revisão da literatura, o questionário
específico de avaliação da qualidade de vida para hipertensos,
de Bulpitt e Fletcher11 (anexo 1), mostrou-se objetivo, claro,
simples e, principalmente, atende aos principais aspectos envolvidos na hipertensão arterial.
Questionário específico de avaliação de
qualidade de vida para hipertensos, de
Bulpitt e Fletcher11
Bulpitt e Fletcher12 recomendam que os instrumentos
empregados na avaliação da qualidade de vida do paciente hipertenso devem, entre outros tópicos, ser sensíveis à avaliação
dos eventos adversos de cada droga anti-hipertensiva. Esses
autores, portanto, sugerem que as dimensões escolhidas em
estudos da qualidade de vida em hipertensos devem refletir o
potencial de eventos adversos do tratamento, assim como déficit na performance no trabalho, problemas com a função sexual
e efeitos deletérios no humor.
O questionário de Bulpitt e Fletcher foi idealizado para
ser utilizado em estudos com até um ano de duração, com pacientes hipertensos em tratamento ambulatorial. É auto-aplicável e aborda aspectos de bem-estar físico, psicológico e percepção do paciente sobre o efeito do tratamento anti-hipertensivo em seu estilo de vida. Inclui questões referentes ao quadro
clínico, efeitos colaterais do tratamento, aspectos sociais, profissionais, afetivos e sexuais possivelmente relacionados à doença ou ao seu tratamento.
As questões foram elaboradas com a possibilidade de
responder-se “sim” ou “não”, e ainda há a opção de uma resposta em aberto. Quando contabilizadas, tais respostas fornecem um escore. Admitiu-se nota 0 para óbito e 1 como nota
máxima. Os valores atribuídos para se calcular a nota de cada
questionário se distribuem conforme as seguintes situações:
•
•
•
zero: morte;
0,125: confinado à cama;
0,375: confinado à casa, mas não à cama;
0,500: dormindo ou em repouso constante;
0,625: desempregado por razões médicas;
0,750: incapaz de trabalhar por período superior a três
dias ou incapaz de realizar tarefas ao redor da casa;
0,800: hipertensão ou seu tratamento interferindo em
atividades de lazer ou sociais;
0,875: nenhuma das situações descritas anteriormente, porém o paciente apresenta 30% de sintomas, conforme questões 1 a 30 do questionário;
0,975: nenhuma das situações descritas anteriormente, o paciente apresenta menos que 30% de respostas
positivas nas questões 1 a 30 do questionário.
1,000: nenhuma das situações descritas anteriormente,
sem nenhuma resposta positiva nas questões de 1 a 30.
A fim de viabilizar sua utilização, esse questionário passou pelo processo de tradução e adaptação transcultural. Essa
alternativa não é tão simples quanto pode parecer e requer uma
avaliação rigorosa da tradução e adaptação do instrumento,
assim como de suas propriedades de medida. Levando em consideração esse aspecto, Guillemin et al.13, em 1993, propuseram, após extensa revisão de literatura, uma padronização para
tais processos de adaptação de instrumentos de qualidade de
vida, que pode ser resumida nas etapas descritas a seguir.
1. Tradução: realizada por pelo menos dois tradutores
nativos da língua para a qual se pretende traduzir e
adaptar o instrumento, desvinculados, estando um deles ciente dos objetivos do estudo. Isso favorece que
aspectos divergentes por parte dos tradutores sejam
detectados e discutidos para o estabelecimento de um
consenso.
2. “Back-translation” (tradução de volta ao idioma original): a versão traduzida para o português deve ser
vertida para o inglês por dois tradutores – preferencialmente nativos do local para o qual o instrumento será
novamente traduzido, isto é, o resultado do “back
translation” – e que não estejam cientes dos objetivos
do estudo. O resultado deve ser comparado com o instrumento original.
3. Revisão por um comitê: uma equipe multidisciplinar composta por especialistas no assunto pesquisado e conhecedores da finalidade do instrumento e dos
conceitos a serem analisados deverá comparar as versões original e final do instrumento em avaliação,
usando técnicas estruturadas para resolver discrepâncias e alterar o formato, modificando, rejeitando ou
criando novos itens. Para tanto, alguns aspectos devem ser considerados:
• Equivalência semântica – diz respeito à equivalência do significado das palavras, incluindo vocabulário e gramática.
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• Equivalência idiomática – refere-se à equivalência de expressões idiomáticas e coloquiais, que
devem ser substituídas por expressões equivalentes na cultura em questão.
• Equivalência cultural – as situações retratadas na
versão original devem ser coerentes com o contexto para o qual o instrumento será traduzido,
podendo, nesta etapa, alguns itens serem descartados ou modificados.
• Equivalência conceitual – representa a coerência
do item com relação ao domínio que pretende
medir, já que alguns itens podem ser equivalentes
quanto ao significado (equivalência semântica),
mas não quanto ao conceito (equivalência conceitual).
○
4. Pré-teste: essa etapa objetiva checar a equivalência
entre as versões, avaliando erros e desvios cometidos
no processo de tradução.
5. Adaptação do peso dos escores: essa fase redefiniria a distribuição dos escores, conforme as modificações propostas no processo de adaptação.
Esse processo sugerido por Guillemin13 é o mais utilizado na tradução e adaptação de instrumentos entre culturas, e
foi utilizado como parte do processo para traduzir e validar o
questionário específico de avaliação de qualidade de vida para
hipertensos, de Bulpitt e Fletcher. Entretanto, esse autor acredita
que as propriedades de medida de um instrumento que passou
pelo processo de adaptação devem ser avaliadas, apesar de acreditar na existência de controvérsias em relação a esse procedimento. Segundo ele, a equivalência transcultural adequada e realizada por completo traz as propriedades de medida do instrumento original. Porém, também é fato que um instrumento modificado pelo processo de adaptação possui propriedades de medida desconhecidas na cultura para a qual tenha sido adaptado.
Dessa maneira, o instrumento apresentado no presente
artigo cumpriu as fases que completaram sua adaptação.
Confiabilidade
A confiabilidade está relacionada à capacidade de o instrumento medir, “sem falhas”, o que deseja avaliar. Refere-se
a exatidão, consistência e estabilidade ao longo do tempo14,15.
A confiabilidade de um instrumento pode ser verificada de
diferentes maneiras, através do teste-reteste, consistência interna e confiabilidade interobservadores.
O presente instrumento utilizou-se do teste de confiabilidade interobservadores para cumprir essa etapa. Para tanto,
o questionário foi aplicado em um só dia por dois entrevistadores independentes em 15 pacientes hipertensos. As respostas dadas pelos pacientes para ambos os entrevistadores deveriam ser concordantes entre si.
A análise dessa fase mostrou que não houve diferença
estatisticamente significativa em nenhuma das questões do
24
HIPERTENSÃO
questionário. Isso mostra que as respostas dos pacientes avaliados não variaram com a mudança das pessoas que os entrevistavam.
Validação
A validade de um instrumento pode ser definida, a grosso modo, como sua capacidade de medir aquilo a que se
propõe.
A validade de um instrumento pode ser avaliada segundo
a validade de conteúdo, a validade de critério, a validade
discriminante, a validade de constructo e a validade aparente.
A validade de conteúdo, a validade de critério, a validade
aparente e a validade discriminante foram as opções utilizadas nesse questionário.
A validade de conteúdo é a capacidade de os itens representarem adequadamente todas as dimensões do conteúdo a
que se destinam16 e, de acordo com Kimura17, pode ser obtida
através da avaliação de juízes. A versão final do instrumento
devidamente traduzida para o português foi submetida à avaliação de um corpo de juízes formado por três médicos e três
enfermeiras, bilíngües, conhecedores da doença pesquisada,
da finalidade do questionário e dos conceitos a serem analisados. Esse processo visou a garantir a reprodutibilidade do instrumento no idioma em que se pretendia utilizá-lo.
Ao corpo de juízes foi permitido sugerir a replicação de
instruções de preenchimento do instrumento com o intuito de
minimizar erros de compreensão, bem como sugerir a modificação ou eliminação de itens considerados irrelevantes, inadequados e/ ou ambíguos e, ocorrendo isso, apresentar outros
mais adequados culturalmente, e assim compreensíveis para a
maioria da população.
Após a análise, foram realizadas as alterações sugeridas
pelos juízes, sendo aceitos como equivalentes os itens que tiveram, pelo menos, 80% de concordância entre os avaliadores.
Para obter o índice de concordância quanto à equivalência conceitual, foi adotado o modelo apresentado por Waltz;
Strickland e Lenz18 e utilizado em nosso meio por Kimura17:
no de itens avaliados como equivalentes por 2 juízes
IVC =
Total de itens da escala
IVC = índice de validade de conteúdo
As avaliações de cada juiz foram contrastadas com as
avaliações de todos os demais, calculando-se o IVC para cada
par (juiz A x juiz B; juiz A x juiz C; juiz B x juiz C, e assim
sucessivamente).
Do total das 46 questões pelas quais o instrumento de
avaliação da qualidade de vida de Bulpitt e Fletcher é composto, apenas cinco questões foram passíveis de modificação,
a saber, as questões 1, 3, 21, 23 e 31. Essas não alcançaram
80% de concordância entre os juízes em alguma das equivalências e, dessa forma, necessitaram passar por algumas modificações para se tornarem equivalentes.
FIGURA 1
CORRELAÇÃO ENTRE OS DOMÍNIOS DO SF-36 E O QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DA
QUALIDADE DE VIDA, DE BULPITT E FLETCHER
DOMÍNIOS
INSTRUMENTO
Bulpitt (média ± DP)
SF-36 (média ± DP)
Valor de r
Valor de p
Aspectos sociais
5±1
77 ± 30
0,07
0,44
Capacidade funcional
6±1
75 ± 22
0,35
0,0002
Estado geral de saúde
2 ± 0,5
73 ± 19
0,04
0,61
Aspectos físicos
3,1 ± 3
72 ± 37
0,36
0,0001
Dor
2 ± 0,5
65 ± 23
0,20
0,03
Saúde mental
2 ± 0,6
62 ± 24
- 0,22
0,02
Aspectos emocionais
2 ± 0,4
61 ± 44
0,27
0,003
1,5 ± 0,5
56 ± 22
0,32
0,0006
Vitalidade
A validade de critério refere-se ao grau em que os escores de um instrumento estão correlacionados a algum critério
externo confiável, denominado “padrão-ouro”. O Medical
Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey – SF-36 –
foi usado como padrão-ouro para essa análise. Apesar de ser
um questionário genérico, possui dimensões que se correlacionam com o questionário específico de hipertensão, além
de ser um instrumento que vem sendo usado em diversos estudos, tendo demonstrado suas propriedades de medida, como
reprodutibilidade, validade e suscetibilidade à alteração. O SF36 também tem sido utilizado por outros investigadores em
diversas doenças, inclusive hipertensão. Foi traduzido e validado para o português por Ciconelli19 em 1997.
Dessa forma, o instrumento em avaliação teve seus componentes agrupados em dimensões correspondentes àquelas
existentes no SF-36 (aspectos sociais, estado geral de saúde,
aspectos físicos, vitalidade, capacidade funcional, saúde mental, aspectos emocionais e dor).
A comparação entre os dois instrumentos revelou correlação estatisticamente significativa entre todos os domínios, à
exceção de dois domínios: aspectos sociais e estado geral de
saúde. Vitalidade foi o item com pior escore, tanto no SF-36
(56 ± 22) quanto no questionário específico de Bulpitt e
Fletcher (1,5 ± 0,5). Em ambos os questionários, capacidade
funcional (SF-36 = 75 ± 22 e Bulpitt = 6 ± 1) e aspectos sociais (SF-36 = 77 ± 30 e Bulpitt = 5 ± 1) foram os domínios com
melhor pontuação (figura 1).
A figura 2 mostra a similaridade dos escores em cada
domínio do questionário específico para avaliação da qualidade de vida em hipertensos, de Bulpitt e Fletcher e do SF-36
usado como padrão-ouro nessa etapa do processo. É importante ressaltar que o questionário de Bulpitt e Fletcher possui
um traçado bastante semelhante em relação ao SF-36, excetuando-se os domínios aspectos sociais e estado geral de saúde, que não obtiveram boa correlação, conforme descrito anteriormente.
FIGURA 2
COMPARAÇÃO ENTRE OS ESCORES DOS DOMÍNIOS DO
SF-36 E DO QUESTIONÁRIO ESPECÍFICO PARA
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA EM HIPERTENSOS,
DE BULPITT E FLETCHER
AS – Aspectos Sociais
CF – Capacidade Funcional
EGS – Estado Geral de Saúde
AF – Aspectos Físicos
SM – Saúde Mental
AE – Aspectos Emocionais
Vit - Vitalidade
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A validade aparente é o julgamento do que o instrumento parece medir à primeira vista, analisando a compreensão
dos itens do instrumento pela população-alvo. Foi avaliado
por meio de pré-teste realizado com dez pacientes hipertensos.
Para tanto, a cada questão do instrumento foi acrescentada a resposta “não cabe”, com o objetivo de identificar quais
itens poderiam apresentar alguma incompatibilidade cultural
que não fosse habitual ou até mesmo não-compreendida pela
população-alvo. As questões que apresentaram mais de 20%
de respostas “não cabe” foram reavaliadas e reformuladas, com
o cuidado de manter-se a propriedade e estrutura da questão.
Nessa fase, foram consideradas “não-cabíveis”, por mais
de 20% da população, as questões 20 e 25. Essas questões
foram modificadas e, com a finalidade de reavaliar o instrumento, uma nova versão foi aplicada a um outro grupo de dez
pacientes hipertensos.
É importante ressaltar que, nessa fase, percebeu-se que
as questões 33 e 35, embora não tenham sido citadas pelos
pacientes, poderiam ser modificadas para se adequarem melhor ao contexto. Dessa forma, foi acrescentada à questão 33 a
alternativa “Outra razão não-relacionada com sua saúde (por
favor, especifique)” e, à questão 35, restrita à função sexual
no homem, foi acrescentado um item para mulheres: “Durante a relação sexual você tem sentido dificuldade para se excitar (ficar lubrificada/ molhada)?”
O instrumento com as modificações foi, então, reaplicado a um novo grupo de dez pacientes e as instruções, assim
como cada um dos itens, foram discutidas com os pacientes
quanto à clareza e à compreensão.
O questionário foi, então, bem aceito pelos pacientes e
nenhuma das questões precisou sofrer novas alterações, pois
não houve índice de rejeição maior ou igual a 20%.
A validade discriminante refere-se aos escores obtidos
pela aplicação do instrumento em grupos nos quais se espera
uma diferença entre seus integrantes; por exemplo, um grupo
composto por pessoas sadias e por doentes. Para essa validação foi realizada a correlação entre o grupo controle (normotensos, pressão arterial < 140/90 mm Hg e sem tratamento
medicamentoso) e o grupo de hipertensos (pressão arterial =
140/90 mm Hg, com ou sem tratamento medicamentoso, ou
pressão arterial < 140/90 mm Hg com tratamento medicamentoso).
26
HIPERTENSÃO
A figura 3 mostra que o número de respostas “sim” a
alterações ou sintomas questionados no instrumento no grupo
de normotensos é significativamente inferior (15%) do que
essa mesma resposta no grupo de hipertensos (40%), e que as
respostas “não” a alterações ou sintomas questionados são
significativamente superiores no grupo de normotensos (85%)
se comparado ao de hipertensos (60%). Isso sugere que o grupo de hipertensos possui um déficit maior na qualidade de
vida quando comparado com o dos normotensos. Essa diferença (p < 0,05) diagnosticada pelo instrumento demonstra
sua capacidade de discriminar diferentes grupos.
FIGURA 3
PORCENTAGEM DE RESPOSTAS SIM E NÃO NOS
GRUPOS DE HIPERTENSOS E NORMOTENSOS
Conclusão
O questionário de Bulpitt e Fletcher é o primeiro instrumento de qualidade de vida específico para hipertensos, no
Brasil, que passou por todo o processo de tradução e adaptação transcultural proposto pela literatura. Dessa maneira, tendo sido comprovada sua validade, confiabilidade e sensibilidade às mudanças no tratamento anti-hipertensivo, está apto a
ser utilizado na investigação e prática clínica.
Anexo 1
QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA
Seção 1
Por favor, assinale a alternativa correspondente à sua resposta ou coloque um número no local apropriado. Ex.: HORAS DE SONO ( 8 ).
1. No último mês você sentiu tontura ou teve algum desmaio?
( ) SIM
( ) NÃO
Se NÃO, por favor, pule para a questão 4.
14. Quantas vezes, em média, você levanta durante a noite
para urinar?
( )0
( )1
( )2
( ) + que 2
2. Se SIM, a tontura ou desmaio ocorreram enquanto você
estava em pé?
( ) SIM
( ) NÃO
15. No último mês você tem sentido a boca seca?
( ) SIM
( ) NÃO
Se NÃO, por favor, passe para a questão 17
3. Por quantas horas no dia você sentiu tontura ou desmaio?
( ) Menos do que uma
( ) 1 a 2 horas
( ) mais do que 2 horas
16. Se SIM, a boca seca atrapalha você para falar ou comer?
( ) SIM
( ) NÃO
4. No último mês, você se sentiu freqüentemente sonolento
durante o dia?
( ) SIM
( ) NÃO
5. Quantas horas, em média, você dorme por dia?
________ horas
6. No último mês você sentiu fraqueza nas pernas?
( ) SIM
( ) NÃO
7. Você sentiu a vista turva ou embaçada no último mês?
( ) SIM
( ) NÃO
8. Você tem falta de ar quando caminha no chão plano, em
comparação com pessoas de sua idade?
( ) SIM
( ) NÃO
9. Seus tornozelos incham no final do dia?
( ) SIM
( ) NÃO
10. Comparando-se a outros homens e mulheres de sua idade,
você tende a caminhar:
( ) mais lentamente
( ) mais rapidamente
( ) no mesmo passo
11. Com que freqüência normalmente seus intestinos funcionam?
Coloque o número de vezes por dia ( ) ou
número de vezes por semana ( )
17. No último mês você tem sido incomodado por um gosto
ruim na boca?
( ) SIM
( ) NÃO
18. No último mês você tem sido incomodado por nariz
entupido ou escorrendo?
( ) SIM
( ) NÃO
19. Comparando-se a outras pessoas de sua idade, sua capacidade de concentração é:
( ) melhor que a média
( ) a mesma que a média
( ) pior que a média
20. No último mês você sentiu vermelhidão no seu rosto ou
pescoço?
( ) SIM
( ) NÃO
21. Durante o último mês, você foi freqüentemente incomodado
por sonhos agitados que pareciam reais ou por pesadelos?
( ) SIM
( ) NÃO
22. Durante o último mês, você sentiu enjôo ou vomitou com
freqüência?
( ) SIM
( ) NÃO
23. Você teve alguma lesão na pele no último mês?
( ) SIM
( ) NÃO
24. Você tem apresentado coceira no último mês?
( ) SIM
( ) NÃO
12. Você apresenta intestino solto ou fezes líquidas com freqüência?
( ) SIM
( ) NÃO
25. Seus dedos ficam pálidos quando está frio?
( ) SIM
( ) NÃO
Se NÃO, por favor, passe para a questão 27
13. No último mês, você ficou com o intestino preso muitas vezes?
( ) SIM
( ) NÃO
26. Se SIM, eles ficam doloridos?
( ) SIM
( ) NÃO
Volume 8 / Número 1 / 2005
27
○
○
○
○
○
○
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○
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○
28. Com que freqüência suas dores de cabeça ocorrem?
( ) 1 ou mais vezes por dia
( ) 1 até 6 vezes por semana
( ) menos que uma vez por semana
29. Em que hora do dia sua dor de cabeça ocorre?
( ) ao acordar pela manhã
( ) durante o dia, sem estar presente quando você acorda
( ) durante a noite
30. Você tem tido tosse seca no último mês?
( ) SIM
( ) NÃO
Seção 2
36. Por favor, assinale a alternativa que melhor representa a
sua situação
( ) emprego remunerado
( ) emprego não-remunerado, mas trabalhando em casa
ou com parentes
( ) desempregado, mas procurando por um trabalho
( ) desempregado, afastado por motivos de doença
( ) aposentado
37. Se você assinalou “emprego remunerado”, no último
mês quantos dias você faltou devido à sua doença? (por
favor escreva o número de dias no espaço, ou assinale
nenhum se você não teve falta devido à doença)
( ) dias
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27. Você tem sofrido de dor de cabeça no último mês?
( ) SIM
( ) NÃO
Se NÃO, passe para a questão 30
Se SIM, por favor, passe para a questão 28 e 29
31. As próximas questões se referem à sua vida sexual.
Sabemos que estas questões são de natureza muito
pessoal, mas são importantes, pois estamos interessados
em todos os aspectos do seu bem-estar e gostaríamos que
você as respondesse. Gostaríamos de enfatizar,
novamente, que essa informação é confidencial.
Seu interesse em sexo está:
( ) menor
( ) o mesmo ou maior
32. Você tem relações sexuais?
( ) SIM
( ) NÃO
Se NÃO, por favor, pule para a questão 33
Se SIM, por favor, pule para a questão 34
33. Suas razões para não ter relações sexuais são (assinale
quantas alternativas forem necessárias)
( ) Falta de interesse
( ) Outra razão relacionada com sua saúde (por favor,
especifique)
( ) Outra razão não-relacionada com sua saúde (por favor,
especifique)
_____________________________________________
_____________________________________________
34. Com que freqüência você tem relações sexuais? Por favor,
escreva no espaço o número de:
( ) vezes por semana
( ) vezes por mês ou
( ) vezes por ano
35. Somente para homens
Durante a relação sexual você é incomodado por não
conseguir manter uma ereção?
( ) SIM
( ) NÃO
Somente para mulheres
Durante a relação sexual você tem sentido dificuldade para
se excitar (ficar molhada/ lubrificada)?
( ) SIM
( ) NÃO
28
HIPERTENSÃO
38. Se você faltou ao trabalho por motivo de doença, escreva
qual foi a razão
_______________________________________________
_______________________________________________
39. Durante o último mês, você tem se sentido incapaz de
realizar atividades domésticas habituais devido à sua doença?
( ) SIM
( ) NÃO
40. Se SIM, por quantos dias você esteve incapacitado de
realizar suas atividades habituais devido à doença?
Por favor, escreva o número de dias ( )
41. Quais foram as razões pelas quais você esteve incapaz de
realizar suas atividades habituais?
_______________________________________________
_______________________________________________
42. Você tem alguma atividade de lazer ou divertimento
( ) SIM
( ) NÃO
43. Se SIM, por favor, escreva quais são as suas atividades de
lazer ou divertimento
_______________________________________________
_______________________________________________
44. Seu estado de saúde tem interferido nas suas atividades
de lazer ou divertimento?
( ) SIM
( ) NÃO
45. Se SIM, de que maneira?
_______________________________________________
_______________________________________________
46. O seu estado de saúde tem interferido de alguma outra
maneira na sua vida recentemente?
( ) SIM
( ) NÃO
Se SIM, de que maneira?
_______________________________________________
_______________________________________________
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Agonistas dos receptores
imidazolínicos: novas opções
para o bloqueio da atividade
simpática em hipertensão arterial
Autor:
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TERAPÊUTICA
Tratamento
○
Luiz Aparecido Bortolotto
○
Médico Assistente, Unidade de Hipertensão,
Instituto do Coração (InCor)
Resumo
O bloqueio da atividade do sistema nervoso central foi a
primeira modalidade terapêutica para o controle da hipertensão arterial. Posteriormente, classes terapêuticas com maior
eficácia e menos efeitos indesejáveis tornaram-se disponíveis
e, conseqüentemente, os medicamentos de ação central tiveram seu uso restrito apenas para algumas situações específicas, como a metildopa para gestantes. O desenvolvimento de
novas drogas com maior especificidade para os receptores imidazolínicos proporcionou a separação do efeito anti-hipertensivo dos agonistas dos adrenorreceptores na região C1 da
medula ventrolateral rostral, dos indesejáveis efeitos sobre os
adrenorreceptores alfa-2 em outras áreas do sistema nervoso
central. Esses novos agonistas dos receptores imidazolínicos
I1, tais como a moxonidina e a rilmenidina, se apresentam
como uma boa opção de bloqueio da atividade do sistema nervoso central para o controle da pressão arterial. Eles não apresentam efeitos colaterais, tais como sedação e secura na boca, habitualmente observadas com os outros agonistas de ação central.
Introdução
Os anti-hipertensivos de ação central foram a primeira
forma efetiva de terapêutica farmacológica para hipertensão
arterial. Referências ao uso médico dos alcalóides da Rauwolfia
apareceram na literatura ocidental já em 15631. Em 1931, Sen
e Bose2 relataram que a raiz inteira poderia ser usada para o
Endereço para correspondência:
Unidade de Hipertensão – Instituto do Coração (InCor)
Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar 44
São Paulo – Brasil – CEP 05403-000
Telefax: 3069-5048
E-mail: [email protected]
30
HIPERTENSÃO
tratamento de hipertensão e psicose, e em 1949 Vakil3 publicou seus achados sobre o uso desses alcalóides no British Heart
Journal. No entanto, com o advento de outras classes terapêuticas mais novas, os medicamentos de ação central permaneceram como terapia de primeira escolha apenas em comunidades onde o custo é o maior determinante na escolha da terapêutica4, incluindo algumas regiões de nosso país. Em outros
lugares, inclusive nas grandes cidades do Brasil, eles têm sido
relegados para segunda ou terceira escolha terapêutica. Isso é
reflexo de seus efeitos colaterais centrais e corresponde à sensação de que eles não mostram alguns dos benefícios apresentados por outras classes, particularmente os inibidores da enzima conversora (IECA), antagonistas de cálcio e betabloqueadores.
A metildopa foi introduzida no início dos anos 60, seguida pela clonidina, e ambos pareciam agir como agonistas do
alfa-2 adrenorreceptor, a clonidina agindo diretamente e a metildopa via um falso transmissor, alfametilnoradrenalina. Mais
recentemente, novo interesse tem sido focado em compostos
que tem atividade antagonista nos receptores imidazolínicos e
correlatos, como, por exemplo, uma potencial nova classe de
agentes que reduzem a pressão arterial agindo em um receptor imidazolínico específico (I1), e não através dos alfa-2 adrenorreceptores.
Os anti-hipertensivos de ação central agem reduzindo o
estímulo simpático central, que é responsável pela manutenção do débito cardíaco, tônus arterial, e volume corpóreo1.
Eles apresentam muitas das características dos anti-hipertensivos mais popularmente prescritos atualmente, pois não interferem no metabolismo da glicose, no perfil lipídico, ou nas
funções cardiorrespiratórias, e parecem não induzir ou precipitar isquemia miocárdica ou grave hipotensão postural1. Além
disso, a clonidina, por exemplo, reduz hipertrofia ventricular
esquerda de uma forma similar5 a outros anti-hipertensivos, e
é usada para tratamento de urgências hipertensivas1, além de
ser uma ótima medicação para o tratamento de pacientes com
hipertensão leve e um grande componente de ansiedade. As
características negativas desses medicamentos são depressão,
principalmente com a reserpina, performance mental reduzida, tontura e impotência com a metildopa, além de hipertensão rebote e sensação de secura na boca com a clonidina1.
Esses efeitos colaterais são todos mediados pelo sistema nervoso central e podem ser significativamente reduzidos, mas
não abolidos, por ajustes na dosagem.
Pesquisas recentes deram origem a novos agentes6,7, após
identificação de receptores imidazolínicos no tronco cerebral,
que foram encontrados em grande densidade no núcleo do trato
solitário (NTS) e na região C18. Muitos medicamentos, incluindo a clonidina, que se acreditava agirem através dos alfa-2 adrenorreceptores, têm hoje sua ação reconhecida9 sobre esses locais
que contêm receptores imidazolínicos. Esses medicamentos, como
a rilmenidina10 e a moxonidina7, têm maior seletividade por receptores imidazolínicos, e por isso têm menos efeitos colaterais
dependentes da ação no sistema nervoso central. Isso é um grande avanço e dá esperança a que mais agentes específicos para
esses receptores possam ter um controle efetivo da pressão arterial sem desencadear efeitos colaterais centrais. Neste artigo
descreveremos sucintamente algumas características farmacológicas e clínicas desses novos agonistas dos receptores
imidazolínicos, a moxonidina e a rilmenidina.
Locais de ação no SNC
Reis e colaboradores8 sumarizaram as principais vias (figura 1) envolvidas nos estímulos dos barorreceptores para o
FIGURA 1
NTS e os neurônios C1 na medula ventrolateral rostral (MVLR),
que é uma região rica em neurônios contendo adrenalina. Os
neurônios C1 na MVLR se projetam para a corda espinal, onde
eles inervam o núcleo autonômico simpático na coluna celular
médio-lateral inferior. Estímulo do MVLR11 resulta em aumento
na pressão arterial, aumento nas catecolaminas adrenais e na
liberação de vasopressina. Os neurônios da MVLR recebem
estímulo barorreceptor inibitório via NTS, e lesões do NTS
produzem hipertensão9. A área A1 está na região caudal da
MVLR (medula caudal ventrolateral), que contém neurônios
noradrenérgicos12. Estímulo nessa região inibe a descarga simpática e reduz a pressão arterial. Nos anos mais recentes, têmse acumulado evidências13,14 de que o local de maior ação hipotensora da clonidina está dentro de uma área restrita da
MVLR. Tradicionalmente, assume-se que a clonidina e seus
análogos provocam ações hipotensoras e sedativas como um
agonista α2 adrenoceptor13. Isso foi questionado por Bousquet
e cols., que observaram que a α2-antagonista cirazolina, um
imidazolínico com atividade α1-antagonista, provocou resposta
vasodepressora, como a clonidina, quando microinjetada na
MVLR15. Em outro estudo provou-se que os imidazolínicos
foram capazes de induzir tais efeitos, embora catecolaminas
ou feniletilaminas não o fossem. Esses resultados permitiram
que os autores a propusessem a existência de receptores imidazolínico-sensíveis e catecolamino-insensíveis envolvidos nos efeitos hipotensores dos imidazolínicos e na regulação central da
pressão arterial16. Como acredita-se que a maior parte dos efeitos
colaterais da clonidina se relaciona com sua ação sobre os alfa-
FIGURA 2
Organização esquemática do reflexo barorreflexo vasomotor e da
freqüência cardíaca. Barorreceptores (no arco aórtico, seio carotídeo e
coração) e quimiorreceptores (nos corpos aórtico e carotídeo) fornecem
informação cardiovascular contínua acerca da pressão arterial e
oxigenação de sangue para o núcleo do trato solitário (NTS) via nervos
glossofaríngeo (IX) e vago (X). A partir do NTS, sinais são transmitidos, ou
pela via caudal e medula ventrolateral rostral (VLM) e colunas de células
intermediolateral (IML) para os efetores do sistema nervoso simpático
(medula adrenal, arteríolas e coração), ou via neurônios motores
parassimpáticos na região periambigual (Amb) para efetores do sistema
nervoso parassimpático (intestino, pulmão e coração). ACh: acetilcolina;
GABA: ácido alfa-aminobutírico; GLU: glutamato; NA: noradrenalina.
Esquema ilustrativo dos principais locais de ação dos principais fármacos
que atuam no sistema nervoso central e seus respectivos efeitos clínicos.
NTS – núcleo do trato solitário; MVLR – medula ventrolateral rostral.
Volume 8 / Número 1 / 2005
MAPA realizado em 24/01/2002
31
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adrenorreceptores, drogas mais específicas agindo nos receptores imidazolínicos estão revivendo o interesse na modulação
do sistema nervoso simpático como um ótimo método para
regular a pressão arterial (figura 2). Rilmenidina e moxonidina
são os membros mais importantes dessa classe. A rilmenidina
é uma oxazolina com seletividade sobre os alfa-2 adrenorreceptores10, enquanto a moxonidina é um agonista seletivo do
receptor imidazolínico 1, ambos mais seletivos que a clonidina. Os dois agonistas são agentes anti-hipertensivos efetivos7,10 em animais experimentais e em humanos, e reduzem a pressão com uma baixa incidência de efeitos adversos, tanto centrais quanto periféricos. Ambos são completamente absorvidos e podem ser administrados como monoterapia com um bom controle de 24 horas da pressão arterial. Os
efeitos benéficos de ambas as medicações ocorrem devido a
uma combinação de efeitos que incluem redução da descarga
simpática e uma ação direta sobre o túbulo proximal renal, promovendo maior excreção de sódio7,10.
Rilmenidina
A absorção da rilmenidina é rápida, e o pico de concentração plasmática é atingido 1,5 a 2 horas seguindo uma
dose de 1 mg10. Há 100% de biodisponibilidade e nenhuma
evidência de efeito de primeira passagem. A variação individual não é importante e o consumo de alimentos não afeta a biodisponibilidade17. A ligação protéica é menor que
10%, e 65% da dose administrada oralmente é excretada de
forma inalterada na urina. A meia-vida de eliminação é de
aproximadamente oito horas, e um pequeno aumento na
meia-vida (para 12 horas) em indivíduos mais velhos não
exige alteração na dosagem 17. Em pacientes com insuficiência renal, há uma relação entre a gravidade da insuficiência
renal e a meia-vida de eliminação da droga. No entanto, atenção da dosagem é necessária em pacientes com insuficiência renal grave, isto é, depuração de creatinina de menos do
que 15 ml/min.
Vários estudos têm sido conduzidos em pacientes hipertensos com pressão diastólica na posição supina entre 95 e 115
mmHg18–24. Resposta ao tratamento com 1 a 2 mg/dia tem mostrado redução eficaz na pressão arterial diastólica e sistólica
em relação ao placebo, com poucos efeitos colaterais23,24. A
rilmenidina tem um efeito neutro sobre os lípides quando comparada com placebo ou outros agentes, como o captopril e a
nifedipina25. A aceitabilidade do paciente é alta, refletindo sua
baixa atividade nos α2 adrenorreceptores, de tal forma que os
efeitos colaterais comuns aos outros agentes centrais, como
metildopa e clonidina (boca seca e tontura), são raros24. Particular importância tem a ausência de efeitos adversos sobre o
estado de alerta e sobre a cognição, assim como sobre a qualidade de vida, principalmente em indivíduos idosos25. Também
tem sido demonstrado que a rilmenidina apresenta efeitos benéficos sobre a regressão da hipertrofia ventricular esquerda.
Um ano de tratamento com rilmenidina (1 a 2 mg diários) reverteu hipertrofia ventricular, com redução de 14% no índice
de massa ventricular esquerda acompanhada por diminuição
das espessuras do septo interventricular e parede posterior, sem
32
HIPERTENSÃO
alterações no diâmetro ventricular26. Esses resultados foram
reforçados por um estudo multicêntrico de um ano envolvendo
pacientes com hipertensão leve a moderada com hipertrofia e/
ou disfunção ventricular esquerda diabética tratados com rilmenidina 1 a 2 mg/dia27. Após um ano, o índice de massa ventricular esquerda diminuiu 16,5%, e esteve relacionado a redução importante do septo interventricular e parede posterior. Tais
resultados foram acompanhados por uma melhora significativa na função diastólica do ventrículo. Em estudos com diabéticos portadores de hipertensão arterial leve a moderada e microalbuminúria, o uso de rilmenidina promoveu redução significativa de microalbuminúria, de forma semelhante ao que se
obteve com o uso de captopril28. Recentemente os efeitos da
rilmenidina foram avaliados em pacientes com síndrome metabólica. Cinqüenta e dois pacientes com obesidade, hipertensão, intolerância à glicose e hipertrigliceridemia foram tratados com rilmenidina por seis meses. Rilmenidina aumentou
significativamente o metabolismo de glicose avaliado pelo teste
de tolerância à glicose, sugerindo um efeito da rilmenidina sobre a resistência à insulina, muito provavelmente mediado pela
redução na hiperatividade simpática29.
Moxonidina
A moxonidina é rapidamente absorvida por via oral e
possui uma biodisponibilidade de quase 90% em estudos com
voluntários sadios e hipertensos com função renal normal 30,31.
A absorção não parece ser alterada pela ingestão de alimentos31 e sua concentração atinge um pico plasmático de concentração em 1 h, sendo na maior parte (60%) excretada, sob
forma inalterada, por via renal32. A meia-vida da moxonidina
é de 2,6 h em pacientes com função renal normal, mas aumenta em pacientes com insuficiência renal leve para 3,5 h e para
6,9 h em portadores de insuficiência renal mais grave33. Apenas uma pequena fração da droga (7%) liga-se a proteínas plasmáticas31,33. O efeito anti-hipertensivo prolongado da moxonidina resulta de redução sustentada da resistência vascular
sistêmica, sem efeito relevante sobre o débito cardíaco34.
Em inúmeros estudos até o momento, demonstrou-se elevada eficácia anti-hipertensiva da moxonidina no tratamento
de pacientes com hipertensão arterial essencial leve a moderada, tanto a curto prazo quanto em estudos mais longos30,31,33,35,36. Esses efeitos foram demonstrados tanto com dose
de 0,2 mg/dia quanto com dose de 0,4 mg/dia. Dois estudos
não-comparativos feitos em pacientes com hipertensão essencial leve a moderada, tratados por um ano com moxonidina,
demonstraram alta eficácia anti-hipertensiva, com controle
adequado (< 140 / 90 mmHg em mais de 70%31. A resposta de
controle da PA foi melhor ainda em idosos37. Esse efeito antihipertensivo mostrou-se equivalente ao dos principais grupos
de anti-hipertensivos atualmente utilizados no manejo terapêutico da HAS 30,31,33,35,36.
Até o momento todas as experiências com a moxonidina
indicam que o fármaco exerce efeitos positivos sobre os aspectos estruturais e funcionais do ventrículo esquerdo38,39. Seis
meses de terapia com a moxonidina 0,2 a 0,4 mg/dia reduziram significativamente a espessura do septo interventricular
em hipertensos com hipertrofia ventricular esquerda 38. Em
outro estudo com pequeno número de indivíduos, além de
reduzir significativamente a massa ventricular esquerda, a moxonidina aumentou a reserva vasodilatadora coronária40. Os
benefícios da terapia sobre a reserva coronária podem ser atribuídos a modificações estruturais de longo prazo na parede
dos microvasos coronários, enquanto os efeitos de redução da
massa ventricular são provavelmente mediados pela diminuição do estímulo adrenérgico e do sistema renina-angiotensina
aldosterona sobre as células musculares miocárdicas, além da
redução da pressão arterial41. Esse efeito sobre os neuro-hormônios, isto é, diminuição da atividade de renina plasmática,
angiotensina II e noradrenalina, foi demonstrado em estudos
com pacientes hipertensos34 e com portadores de insuficiência cardíaca42 tratados com moxonidina por algumas semanas.
Em relação ao sistema nervoso central, a moxonidina não
exerceu nenhum efeito sedativo significativo em ensaios clínicos controlados com placebo31,33. Outros estudos também
demonstraram que a moxonidina não apresenta efeitos deletérios sobre função cognitiva ou desempenho psicomotor em
pacientes hipertensos43,44.
Conclusões
Os agonistas de ação central dos receptores imidazolínicos, tais como a moxonidina e rilmenidina, induzem
simpatoinibição periférica via estimulação de receptores I1
hipotéticos na MVLR. Devido à fraca afinidade para adrenorreceptores alfa-2, o uso desses agentes é associado com baixa
incidência de efeitos adversos, tais como boca seca e tontura.
A eficácia anti-hipertensiva de moxonidina e rilmenidina está
bem documentada e elas apresentam um perfil hemodinâmico
favorável. No entanto, dados de muito longo prazo não estão
disponíveis ainda para avaliar o efeito destas medicações na
morbidade e mortalidade cardiovascular em pacientes hipertensos. Embora os dados disponíveis indiquem que os agonistas dos receptores imidazolínicos são efetivos em pacientes com
hipertensão, faltam dados comparativos versus agentes tais
como betabloqueadores, diuréticos, antagonistas dos canais de
cálcio e inibidores da ECA. Por fim, os agonistas de receptores
imidazolínicos I1 têm potencial no tratamento de pacientes com
insuficiência cardíaca e com síndrome metabólica.
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BIOLOGIA MOLECULAR
Efeito do treinamento físico
aeróbio na hipertensão arterial
Autores:
Natale Pinheiro Lage Rolim
Patricia Chakur Brum*
Departamento de Biodinâmica do Movimento do Corpo
Humano da Escola de Educação Física e Esporte da USP
Resumo
A prática regular de exercício físico aeróbio tem sido recomendada como uma terapia anti-hipertensiva e um meio de modificação de fatores de risco cardiovascular. Porém, o efeito hipotensor em pacientes hipertensos tem sido observado em treinamento físico aeróbio com intensidade leve a moderada (40%–
50% do consumo máximo de oxigênio). Os mecanismos envolvidos ainda não estão completamente esclarecidos. Efeitos do treinamento físico podem ser observados por meio da redução do
débito cardíaco e da resistência periférica total, bem como da
atenuação da atividade nervosa simpática e do aumento da sensibilidade barorreflexa. Porém, apenas 75% dos pacientes hipertensos são responsivos ao treinamento físico. Estudos recentes, utilizando técnicas de biologia molecular e genética molecular, estão sendo realizados a fim de investigar polimorfismos em
componentes que apresentam importância fisiológica na associação do controle da pressão arterial com o treinamento físico.
A hipertensão arterial é o principal fator de risco para doença arterial coronariana, infarto do miocárdio e acidente vascular
cerebral. No Brasil, a hipertensão é um dos problemas de saúde
pública de maior prevalência na população, com grande incidência de morte por doenças cardiovasculares1. O treinamento físico
aeróbio tem sido recomendado como terapia anti-hipertensiva e
como via para modificar os efeitos de alguns fatores de risco
cardiovascular2. Contudo, apesar de o exercício físico provocar
importantes alterações autonômicas e hemodinâmicas no paciente hipertenso, os mecanismos responsáveis pela redução
da pressão sangüínea ainda não estão totalmente esclarecidos.
*Endereço para correspondência:
Laboratório de Fisiologia Celular e Molecular do Exercício
Escola de Educação Física e Esporte da USP
Av. Prof. Mello Moraes, 65 – Butantã
05508-900 – São Paulo – SP
Tel.: (11) 3091-2149 – Fax: (11) 3813-5921
E-mail: [email protected]
Dessa forma, essa revisão abordará os efeitos do exercício físico aeróbio na hipertensão arterial, discutindo os mecanismos envolvidos na redução pressórica e a influência genética em componentes que apresentam importância fisiológica
no controle da pressão arterial.
Exercício físico agudo e hipertensão
Após a realização de uma única sessão de exercícios físicos
aeróbios, observa-se queda da pressão arterial, abaixo dos níveis
encontrados em repouso, conhecida na literatura como “hipotensão pós-exercício”3–5. Forjaz e colaboradores6 observaram que
tanto normotensos como hipertensos apresentam essa hipotensão por até 24 horas após uma sessão de exercício com intensidade submáxima, com resposta de maior magnitude nos indivíduos
hipertensos. Brandão Rondon e colaboradores7 também observaram o mesmo efeito hipotensor em pacientes hipertensos idosos.
Alguns estudos têm demonstrado que a hipotensão pós-exercício
físico pode ocorrer a partir da redução do débito cardíaco em
função da diminuição do volume sistólico e não da freqüência
cardíaca7,8,9. Entretanto, a redução da atividade nervosa simpática10, o aumento da sensibilidade do controle barorreflexo do
sistema cardiovascular11,12 e a dessensibilização dos receptores
β-adrenérgicos13 também parecem explicar a hipotensão pósexercício em indivíduos hipertensos. Além disso, influências
metabólicas locais também parecem levar à vasodilatação4,14.
Treinamento físico aeróbio e hipertensão
Muitos estudos epidemiológicos demonstraram uma relação inversa entre condição física, grau de atividade física e
desenvolvimento de doenças cardiovasculares2,15. Recentemente, Barengo e colaboradores16 analisaram a relação entre atividade física diária e o risco de comprometimento por hipertensão arterial e observaram, independente do gênero, que havia
uma relação inversa entre essas variáveis, ou seja, quanto mais
treinado o indivíduo menor o risco de apresentar hipertensão
arterial. Por isso, o exercício físico regular vem sendo considerado um importante coadjuvante na prevenção e tratamento
da hipertensão arterial. Os primeiros estudos que investigaram o efeito do exercício físico regular no controle e tratamento da pressão arterial ocorreram em meados da década de
6017–19. Se naquela época a redução dos níveis pressóricos era
particularmente observada em hipertensos limítrofes ou leves20, atualmente muitos autores têm sugerido que o treinamento
físico dinâmico reduz a pressão arterial de indivíduos com hipertensão severa, sendo observada uma redução média de 7 a 10
mmHg nos níveis pressóricos sistólico e diastólico21. Estudos com
ratos geneticamente hipertensos e sensíveis à dieta hiper-sódica
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também têm observado redução da pressão arterial9,22,23. No
entanto, os níveis pressóricos iniciais ainda intrigam os pesquisadores e parecem ser um dos fatores que contribuem para
a variabilidade de resultados encontrados na literatura.
O aumento da atividade nervosa simpática e a reduzida
variabilidade da freqüência cardíaca em indivíduos hipertensos são consistentes com a hipótese de que a disfunção do sistema nervoso autonômico exerce grande influência sobre a patogênese da hipertensão arterial24,25. Izdebska e colaboradores26
avaliaram os mecanismos envolvidos no efeito hipotensor de
três meses de treinamento físico (40%–50% do consumo máximo de oxigênio) em homens jovens pela análise da variabilidade de alguns parâmetros cardiovasculares. A diminuição na
pressão sangüínea, bem como aumento na duração do intervalo de pulso e na variabilidade do intervalo de pulso, foram os
efeitos benéficos encontrados do exercício físico regular sobre
a regulação da pressão sangüínea na hipertensão. Em contraste, treinamento físico com intensidade acima de 75% do consumo máximo de oxigênio parece promover aumento do componente de baixa freqüência para pressão arterial sistólica, refletindo a predominância simpática sobre a vagal27. Esse efeito
é potencialmente perigoso para pacientes hipertensos por aumentar a probabilidade de eventos cardiovasculares adversos.
Krieger e colaboradores28 confirmaram a redução do tônus simpático após treinamento físico aeróbio, uma vez que encontraram importante redução da atividade simpática em ratos espontaneamente hipertensos (SHR) após treinamento físico.
Contudo, sugerem que esses efeitos são mediados pelo aumento da sensibilidade barorreflexa inicialmente deprimida.
Embora não haja dúvidas de que o treinamento físico é eficaz na redução da pressão arterial de indivíduos hipertensos, vale
a pena ressaltar que apenas 75% dos pacientes são responsivos
ao treinamento físico. Estudos recentes têm sugerido que a responsividade da pressão arterial ao exercício é influenciada por
fatores genéticos. Esse aspecto será discutido a seguir.
Treinamento físico e predisposição
genética à hipertensão
O estabelecimento da hipertensão depende da interação de
predisposição genética e fatores ambientais. Embora ainda não
seja completamente conhecido como essas interações ocorrem,
técnicas de biologia molecular e as abordagens de genética molecular têm possibilitado investigações de variações genéticas em
componentes que apresentam importância fisiológica no controle da pressão arterial. Estreita relação tem sido demonstrada entre polimorfismo de alguns genes e risco de desenvolver hipertensão arterial29,30. Pereira e colaboradores31 observaram a freqüência de ocorrência de polimorfismo da enzima conversora de
angiotensina (ECA) e do angiotensinogênio (AGT) em 1.421 indivíduos residentes na cidade de Vitória – ES. A mutação no gene
que codifica para o AGT leva à transição do aminoácido metionina para treonina no códon 235, caracterizando o polimorfismo
M235T. São definidos três genótipos para essa variante: MM,
MT e TT. O polimorfismo observado na ECA é de inserção/deleção, o que confere os genótipos II, ID e DD, sendo que indivíduos portadores do alelo T235 e DD estariam mais propensos a
36
HIPERTENSÃO
desenvolver hipertensão arterial. De fato, o estudo mostrou que
os indivíduos portadores de polimorfismos do AGT, com o genótipo TT, apresentaram aumento na pressão arterial e nos níveis
de AGT circulantes. Esses autores também observaram aumento
na pressão arterial em indivíduos portadores de polimorfismos
de deleção da ECA (genótipo DD). Logo, esses resultados sugerem uma associação entre o polimorfismo dos genes da ECA e
do AGT e a resposta da pressão arterial. Porém, a magnitude da
queda da pressão arterial após treinamento físico aeróbio também parece estar associada com a herança genética. Nho e colaboradores32 observaram que mulheres hipertensas com história
familiar positiva para hipertensão arterial apresentam menor magnitude da redução tanto da pressão sistólica quanto da diastólica
após treinamento físico aeróbio, quando comparadas a mulheres
hipertensas com história familiar negativa para hipertensão arterial. Esses resultados sugerem que a herança genética para hipertensão pode tornar alguns hipertensos resistentes à queda da pressão, após período de treinamento físico aeróbio. Hagberg e colaboradores33 realizaram um estudo de associação entre magnitude
de queda da pressão arterial após o treinamento físico em indivíduos hipertensos com genótipo II, ID ou DD para ECA. Após um
período de 9 meses de treinamento físico, os indivíduos com genótipo DD apresentaram queda tanto da pressão arterial sistólica quanto da diastólica de menor magnitude, quando comparados com indivíduos hipertensos com genótipo II (indivíduos controle) ou ID. Mais recentemente, Zhang e colaboradores34 também observaram associação entre o polimorfismo da ECA e a
resposta de queda da pressão arterial após o treinamento físico
aeróbio, em indivíduos japoneses portadores de hipertensão
leve a moderada. Hipertensos com genótipo II ou ID respondiam ao estímulo do treinamento com queda pressórica, enquanto os indivíduos com genótipo DD não apresentavam queda
dos níveis pressóricos após o treinamento físico.
O polimorfismo da enzima NOS3 em que ocorre a repetição de 4 ou 5 vezes de 27 pares de base no intron 4 (NOS 4a/b) é
uma das descobertas mais recentes de associação entre polimorfismos e maior prevalência de hipertensão arterial. Kimura e colaboradores observaram que somente os indivíduos que possuíam alelo a (aa ou ab) apresentavam uma correlação inversa
entre pressão arterial e nível de atividade física, ou seja, quanto maior o nível de atividade física menor a pressão arterial35.
Os estudos têm oferecido as primeiras evidências para o fato de
que a resposta da pressão arterial ao treinamento físico sofre influência genética, ou seja, é dependente do genótipo do indivíduo.
Considerações finais
O treinamento físico aeróbio, se realizado em intensidade adequada (baixa a moderada), constitui-se em intervenção
para a prevenção e tratamento da hipertensão arterial. Além
disso, apresenta implicações clínicas importantes, uma vez que
pode reduzir, ou mesmo abolir a necessidade do uso de medicamento anti-hipertensivo em casos de hipertensão leve. Estudos
recentes com o intuito de abordar o perfil genético dos portadores de hipertensão poderão, em um futuro próximo, auxiliar no
conhecimento da melhor abordagem terapêutica, asssim como,
da eficácia do treinamento físico aeróbio no hipertenso.
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