AVALIAÇÃO DO PROCESSAMENTO AUDITIVO: HABILIDADE DE RESOLUÇÃO TEMPORAL EM MÚSICOS Marina Fries Ascari (ICV-UNICENTRO), Juliana De Conto (Orientadora), email: [email protected] Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO Irati/Centro de Ciências da Saúde Palavras-chave: processamento auditivo, resolução temporal, músicos. Resumo: Processamento auditivo se refere ao processo que realizamos com o som que ouvimos por meio das estruturas do sistema nervoso auditivo periférico e central. São várias as habilidades envolvidas, dentre elas a de resolução temporal. Para verificar o desempenho dos indivíduos nesta, são realizadas avaliações por meio de testes comportamentais. Este estudo objetiva relatar o desempenho de músicos nos testes de processamento temporal. No RGDT, TPF e via não verbal do TPD, todos tiveram desempenho acima da média. Apenas um indivíduo na via verbal teve desempenho abaixo do padrão na OD. Introdução A audição é umas das funções mais importantes do corpo humano, sendo constituída por várias estruturas. A mais conhecida é a orelha, cuja função é captar os sons existentes no meio em que vivemos e enviá-los ao córtex cerebral. Após a captação do som pela orelha externa, amplificação mecânica das vibrações da membrana timpânica pelos ossículos (martelo, bigorna e estribo) pertencentes a orelha média, vibração do fluido e células ciliadas correspondentes a orelha interna, as diferentes freqüências do som são convertidas em impulsos nervosos que serão transmitidos por meio do nervo auditivo até o cérebro. No sistema nervoso auditivo central (SNAC), constituído pelo tronco encefálico, mesencéfalo e córtex, ocorre a identificação, associação e reconhecimento dos estímulos auditivos. De acordo com a American Speech and Hearing Association (ASHA, 2005), a eficiência e eficácia com a qual o sistema nervoso central utiliza a informação auditiva referem-se ao processamento auditivo, que compreende um conjunto de habilidades auditivas realizadas pelo sistema nervoso central, necessárias para a interpretação das informações auditivas. Pereira (2004) enumerou as habilidades auditivas necessárias para uma boa compreensão do estímulo sonoro: detecção de sons, discriminação, localização, reconhecimento de fala, figura-fundo para sons Anais da SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 26 a 30 de outubro de 2009 verbais, fechamento, síntese, figura-fundo para sons não-verbais, ordenação temporal simples, ordenação temporal complexa e reconhecimento do padrão temporal. A avaliação do Processamento Auditivo Central (PAC) é um procedimento muito útil para diagnosticar o uso funcional correto e eficiente da audição nos indivíduos (Pereira, 2005). Esta avaliação pode ser realizada por meio de testes comportamentais, realizados na cabina audiométrica com apoio de CDs específicos e audiômetro de dois canais, ou por testes eletrofisiológicos, que estudam os processos neurofisiológicos subjacentes (Franco, 2001, apud Duarte; Alvarenga; Costa, 2004). Neste estudo, procurou-se verificar o desempenho de músicos na habilidade de processamento temporal, utilizando-se de três testes comportamentais realizados em cabina audiométrica: TPD (teste de padrão de duração), TPF (teste de padrão de freqüência) e o RGDT (teste de detecção de gap randomizado). Rios (2005) relata que os sons musicais são fundamentalmente baseados no processamento auditivo de informações acústicas, sendo que as sensações musicais evocadas por certa mensagem com estímulos sonoros dependem da identificação e do tipo de associações com experiências anteriores que o indivíduo irá realizar. A reprodução do que se ouve envolve boa audição e processamento sensorial competente. Tem-se acreditado que o processamento das informações auditivas funcione adequadamente nos afinados, e inadequadamente em desafinados (Ishii et al, 2005). Portanto, este trabalho tem como objetivo verificar o desempenho de músicos nos testes comportamentais que avaliam o processamento auditivo. Os testes a que foram admitidos referem-se ao processamento temporal, os quais avaliam a acuidade temporal fina e a habilidade de percepção de padrões auditivos ocorridos em determinado tempo, sendo sensíveis a alterações inter-hemisféricas e corticais (Bellis e Ferre, 1999 apud Momensohn-Santos, T.M.; Russo, I.C.P., 2005). Materiais e Métodos A pesquisa está sendo realizada segundo as normas estabelecidas pela resolução 196/96, acerca dos aspectos éticos em pesquisas com seres humanos. Para isso foram tomadas todas as providências em relação ao cadastro da mesma junto ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). O estudo é descritivo observacional com coletas feitas por meio de testes comportamentais do PAC. A população do estudo foi composta por 4 músicos com formação na área ou experiência profissional nesta área. Os participantes deveriam ter idade acima de 17 e abaixo de 60 anos. Os critérios de exclusão foram: qualquer tipo de distúrbio neurológico, psicológico, motor, lingüístico e/ou cognitivo; perdas auditivas acima de Anais da SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 26 a 30 de outubro de 2009 40dBNA; IPRF abaixo de 70%, e/ou não se encaixarem nos requisitos solicitados acima. A coleta de dados foi realizada na Clínica Escola de Fonoaudiologia da UNICENTRO, sendo que os voluntários passaram por anamnese, audiometria tonal e vocal, imitanciometria e os testes comportamentais do processamento auditivo. Os protocolos utilizados foram de anamnese, audiometria e PAC, formulados e utilizados na UNICENTRO, adaptados para a população citada. Para os testes de processamento auditivo foram utilizados os propostos pela AUDITEC (1997). Os instrumentos utilizados foram o audiômetro de dois canais Danplex DA65, imitanciômetro IAC 425, CD player Philips, cabina acústica (os três últimos itens devidamente calibrados para os testes) e otoscópio. A análise dos dados foi realizada a partir dos resultados obtidos em cada exame, comparando-os entre si e com a literatura, baseada na abordagem da neurociência cognitiva. Resultados e Discussão Tabela 1- Desempenho dos indivíduos nos testes RGDT, TPD e TPF e padrão de normalidade adotado. Amostra RGDT TPD/verbal TPD/ñ verbal TPF/verbal TPF/ñ verbal Ind. 1 7,5 ms Ind. 2 4,75 ms Ind. 3 7,5 ms Ind. 4 6,25 ms Nl ≤ 10 ms OD: 90% OE:93,3% OD: 90% OE: 86,7% OD: 100% OE: 90% OD: 100% OE: 100% OD: 76,7% OE: 100% OD: 93,3% OE: 100% OD: 100% OE: 100% OD: 100% OE: 100% OD: 80% OE: 90% OD: 86,7% OE: 80% OD: 100% OE: 100% OD: 100% OE: 100% OD: 80% OE: 90% OD: 86,7% OE: 90% OD: 96,7% OE: 90% OD: 86,7% OE: 90% ≥ 83% acertos ≥ 83% acertos ≥ 76% acertos ≥ 76% acertos Ind.: indivíduo; OD: orelha direita; OE: orelha esquerda; Ms.: milisegundos; . Como se pode observar na tabela, no teste RGDT todos os indivíduos ficaram dentro do padrão de normalidade, ou seja, menos de 10 ms entre os sons foram suficientes para que reconhecessem dois estímulos sonoros. Pode-se supor a hipótese de que músicos apresentem a habilidade de resolução temporal mais desenvolvida, ou seja, trabalhar com instrumentos musicais e melodias pode requerer uma percepção auditiva mais refinada. No TPD são avaliadas duas vias, uma verbal e uma não verbal, em que são realizadas repetições das seqüências ouvidas. Na repetição verbal, apenas um indivíduo ficou abaixo da normalidade na OD, sendo que os demais indivíduos e a OE estão dentro dos padrões. Ressalta-se aqui que o Ind. 2 referiu na anamnese ter otites freqüentes pelo contato que mantém com água, fator que pode influenciar no seu desempenho. Na não verbal todos ficaram acima da média. No TPF são avaliadas as mesmas vias, porém com estímulos diferentes, sendo que nenhum dos indivíduos ficou Anais da SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 26 a 30 de outubro de 2009 abaixo do padrão de normalidade adotado, o qual é adequado para a faixa etária da amostra. Heresniak (2004) apud Ishii; Arashiro; Pereira (2006) relata que o treinamento auditivo pode ser realizado a fim de desenvolver as habilidades auditivas do paciente por um professor de canto ou por outro profissional, o que pode ser útil em casos de distúrbios do processamento auditivo nas habilidades temporais. Conclusões Espera-se que a pesquisa (ainda em andamento), possa contribuir para estudos da área, já que não existe um padrão de normalidade para estes profissionais. Se constatado que o padrão de processamento temporal desta população é melhor, pode-se pensar em terapias musicais como fonte de tratamento para distúrbios do processamento auditivo. Agradecimentos À orientadora Juliana De Conto e aos voluntários da pesquisa. Referências AMERICAN SPEECH-LANGUAGE-HEARING ASSOCIATION (ASHA). Disponível em: http://www.asha.org/default.htm. Acesso em 27 Jun 2009. DUARTE, J. L.; ALVARENGA, K. de F.; COSTA, O. 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