O efeito do ruído dos equipamentos odontológicos na audição
dos profissionais desta área sobre o comportamento auditivo em
escuta dicótico e resolução temporal
Introdução.
Muitas situações cotidianas na rotina do trabalho dos profissionais da área
odontológica trazem riscos à audição, pois estão expostos, muitas vezes sem nenhuma
proteção, a equipamentos e instrumentos que proporcionam alto nível de ruído por
período prolongado. Muitos deles podem apresentar queixas relacionadas à dificuldade
auditiva e em compreender aquilo que ouve dependendo da situação de fala.
O local da lesão auditiva pelo ruído pode ser, além das células ciliadas do órgão
de Corti, no gânglio espiral, nas fibras do nervo coclear e em estruturas do sistema
nervoso central (1)
O Distúrbio do Processamento Auditivo Central, DPA(C), é um distúrbio da
audição no qual há um impedimento da habilidade de analisar e/ou interpretar padrões
sonoros. Esse distúrbio é identificado quando um ou mais comportamentos auditivos
encontram-se inadequados. (2)
O Processamento neurológico da informação auditiva pode ser observado nos
comportamentos de resolução temporal e do desempenho auditivo na presença de sinais
acústicos competitivos.(3) Pode ser mensurado por meio de vários testes auditivos em
diferentes tarefas. Uma delas é a tarefa dicótica que pode ser avaliada por meio do Teste
Dicótico de Dígitos, outra tarefa como a de perceber a existência de dois sons rápidos e
sucessivos, por exemplo, pode ser avaliado por meio do teste de fusão auditiva,
denominado Randon Gap Detection Test.
A finalidade de avaliar o processamento auditivo em profissionais expostos ao
ruído é verificar a capacidade do indivíduo em compreender a fala em ambientes de
escuta competitiva, na presença de ruído externo ou conversação.(4)
Pretende-se conscientizar os profissionais odontólogos sobre o prejuízo auditivo
que o ruído produzido pelos seus equipamentos proporciona, que compromete a
comunicação. Desta forma, sensibilizá-los para uso de medidas preventivas que
minimizem ou evitem o distúrbio da audição, trazendo novas perspectivas de qualidade de
vida.
Objetivo. Verificar a presença de déficits no processamento auditivo por meio
de testes comportamentais que medem as habilidades auditivas de figura-fundo e
resolução temporal em odontológos com e sem queixas auditivas.
Métodos. O trabalho teve a aprovação do comitê de ética e pesquisa da UNIFESP
sob o numero 0754/06. Participaram 25 profissionais de faixas etárias entre 30 e 59 anos
de idade, de ambos os sexos, da área odontológica exercendo a profissão no ramo, em
consultórios ou clínica por período superior ou igual a 10 anos. Por meio de um
questionário investigamos a existência de queixa relacionada à dificuldade em ouvir e
compreender a fala.
Foram aplicados os testes Randon Gap Test (RGDT) e Teste Dicótico de
Dígitos(TDD) na etapa de integração binaural.
No RGDT foram estudados os limiares médios de acuidade temporal em
milissegundos, calculados pelas respostas observadas, considerando o menor espaço de
tempo necessário para detectar dois tons, nas freqüências sonoras 500, 100, 2000 e 4000
Hz.
No TDD foram estudadas as porcentagem de acertos obtidos em cada orelha, na
repetição de estímulos verbais diferentes, ouvidos em ambas as orelhas ao mesmo
tempo.
Os valores da media das respostas obtidas foram classificadas conforme a
referência de normalidade utilizada em adultos.
TABELA 1. VALORES REFERENTES A NORMALIDADE PARA ADULTOS EM CADA TESTE.
Teste
Valor de referência
RGDT- limiar médio de acuidade temporal
5 ms
TDD- % de acertos em cada orelha
95%
A análise foi realizada comparando a amostra reunida segundo a presença ou não
de queixa auditiva.
Resultados. Com base nos dados coletados dos testes aplicados mostramos na
tabela 1 as medidas descritivas relacionadas às porcentagens de acertos em cada orelha
obtidas no
Teste Dicótico de Dígitos ,
e apresentamos na tabela 2
descritivas dos limiares médios de acuidade temporal.
as medidas
TABELA 1. MEDIDAS DESCRITIVAS DAS RESPOSTAS EM PORCENTAGEM DE ACERTOS PARA O
TESTE DICÓTICO DE DÍGITOS (TDD) PARA A ORELHA DIREITA (OD) E ORELHA ESQUERDA (OE)
TDD
Média Mediana Desvio Padrão CV
V. Max V. Min N
IC
p-valor
OD 95,0% 97,0%
5,7%
6,0% 100,0% 75,0% 25 2,2%
0,057#
OE 93,7% 95,0%
5,2%
5,6% 100,0% 77,0% 25 2,0%
Teste estatístico Correlação de Spearman.
Legenda: ( # ) = tendência a significância
Podemos verificar que a Média de porcentagem de acertos encontrada na orelha
direita foi de 95% (normal dentro da referência de normalidade) e na orelha esquerda foi
de 93,7% (alterado segundo a referência de normalidade). A variabilidade das respostas
observadas na amostra total para esse teste auditivo é pequena (coeficiente de variação
menor do que 50%).
Verificamos que existe desempenho melhor a orelha direita que tende a ser
significante.
TABELA 2. MEDIDA DESCRITIVAS DOS LIMIARES MÉDIOS DE ACUIDADE TEMPORAL OBTIDOS NO
TESTE RGDT
RGDT
Média Mediana
Desvio Padrão
CV
V. Max V. Min N
IC
19,08
10
26,83
140,6%
100
2
25 10,52
Verificamos que o limiar médio de acuidade temporal foi de 19,08 milissegundos e
que está alterado de acordo com as referencias de normalidade.
Reunimos os 25 profissionais recrutados em dois grupos segundo a presença de
queixas auditivas. No grupo 1 sem queixas auditivas encontramos 12% dos indivíduos da
amostra e no grupo 2 com queixas auditivas, 88%.
Os p-valores calculados (teste estatístico de Mann-Whitney) para comparar os
achados do TDD entre os grupo para a orelha direita foi de 0,551 e para a orelha
esquerda 0,833. Verificamos que não existem diferenças estatisticamente significante
entre a presença de queixa auditiva e a porcentagem de acertos por orelha. (tabela 3)
No RGDT, porém encontramos uma tendência à significância (p-valor: 0,07), com
maior limiar médio de acuidade temporal no grupo sem queixa auditiva. (tabela 3)
TABELA 3. VALORES MÉDIOS DAS REPOSTAS OBSERVADAS PARA A ORELHA DIREITA NO TDD
(TDD_OD) E ORELHA ESQUERDA NO TDD (TDD_OE) E LIMIARES MÉDIO DE ACUIDADE
TEMPORAL POR GRUPO SEM QUEIXA AUDITIVA ( G1
) E COM QUEIXA AUDITIVA ( G2 )
TDD
Média Mediana Desvio Padrão
CV
N
IC
p-valor
Não 95,0%
96,0%
5,5%
5,8% 22 2,3%
OD
0,551
Sim 95,0%
100%
8,7%
9,1% 3 9,8%
Queixa
Não 93,5%
95,0%
5,3%
5,7% 22 2,2%
OE
0,833
Sim 95,0%
95,0%
5,0%
5,3% 3 5,7%
RGDT
Média Mediana Desvio Padrão
CV
N
IC
p-valor
Não
21,0
10
28,1
134% 22 11,7
Queixa
0,070#
Sim
5,0
5
0,0
0%
3
-x-
No teste RGDT foi observado grande variabilidade na amostra, devido à limiares
médios com valores superiores e distantes do limiar médio do restante da amostra. Estes
resultados pertenciam à indivíduos com idade entre 45 anos e 60 anos.
No gráfico 1 mostramos a relação entre a Idade superior a 45 anos e alteração no
teste RGDT.
Alteração no RGDT em relação a Idade
60%
60%
40%
40%
20%
0%
Idade inferior a 45 anos
Idade superior a 45 anos
Figura 1. Ocorrências de alterações no RGDT comparando os grupos com relação à
idade.
Cabe destacar que no TDD também foi encontrado piores respostas nos
indivíduos com idade superior a 45, conforme demonstrado na figura 2.
Alteração do TDD em relação a Idade
100%
65%
35%
50%
0%
Idade inferior a 45 anos
Idade superior a 45 anos
Figura 2. Ocorrências de alterações no TDD comparando os grupos com relação à idade.
A tabela 4 mostra os resultados obtidos no testes RGDT e TDD em indivíduos com
idade entre 45 e 60 anos. Observamos que todos tiveram alteração em pelo menos um
dos testes.
TABELA 4. VALORES MÉDIOS DAS RESPOSTAS OBSERVADAS POR INDIVÍDUO COM IDADE
SUPERIOR A
45 ANOS PARA A ORELHA DIREITA NO TDD (TDD_OD) E ORELHA ESQUERDA NO
TDD ( TDD_OE) E LIMIARES MÉDIO DE ACUIDADE TEMPORAL
Idade
Anos de trabalho em consultório
Limiar médio de acuidade temporal
TDD_OD
TDD_OE
48 a
15 a
15ms
100%
95%
48 a
25 a
2ms
100%
90%
45 a
20 a
10ms
95%
92%
56 a
32 a
100ms
75%
77%
50 a
27 a
5ms
92%
85%
45 a
20 a
5ms
95%
92%
48 a
15 a
75ms
92%
97%
46 a
21 a
20ms
100%
92%
46 a
18 a
90ms
90%
97%
45 a
12 a
15ms
95%
98%
45 a
16 a
10ms
92%
90%
Conclusão. A maioria dos odontologistas expostos ao ruído devido aos
equipamentos do consultório odontológico apresentam alteração em um dos testes
relacionados ao processamento auditivo tanto na escuta dicótica ( habilidade de figurafundo) como na resolução temporal, independente da presença de queixa auditiva. A
dificuldade aumenta e aparece com maior freqüência conforme ocorre o avanço da idade
e o maior período de exposição ao ruído
Referências Bibliográficas:
1. Seligman, J.; Ibanez, R. N. Considerações a respeito da perda auditiva induzida pelo ruído.
Acta Awho. Vl.12 p. 9-75, 1993.
2. Pereira, Liliane D & Schochat, Eliane – Processamento auditivo Central- Manual de
Avaliação - Editora: Lovise, São Paulo,1997.
3. Katz, J; Ivey, R. G. Testes Centrais: Procedimentos utilizados espondeus. In KATZ, J.
Tratado de Audiologia Clínica. São Paulo. Ed. Manole p.53-237, 1999.
4. BERNARDI, A. P. A. - Conhecimentos Essenciais para atuar bem em empresas:
Audiologia Ocupacional.- Ed. Pulso. P.81-90. São José dos Campos, 2003.
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