MÚSICA BIOGRAFIA RELATA A TRAJETÓRIA ARTÍSTICA DE ELIS REGINA, SEM ESCÂNDALOS retrato dobrasil www.retratodobrasil.com.br | r$ 11,00 | nO 100 | novemBRO de 2015 do FORA FHC ao FORA DILMA A política e a economia do Partido dos Trabalhadores (1999-2015) CIÊNCIA O BRASIL VAI BEM NA PRODUÇÃO DE ESTUDOS CIENTÍFICOS. E MAL NA DE PATENTES Prioridade na educação traz sempre bons resultados. retrato dobrasil www.retratodobrasil.com.br | n o 100 | NOVEMbro de 2015 5 Ponto de Vista uma velha saída A todo custo: tanto o ajuste fiscal de 1998 quanto o de agora têm um único e limitado sentido – o de ganhar o apoio do grande capital financeiro 8 do “fora fhc” ao “fora dilma” Para chegar ao poder, o PT evitou o confronto. Mas, desta vez, a manobra de assumir compromissos com o capital financeiro e simultaneamente adotar políticas sociais progressistas parece interditada [Raimundo Rodrigues Pereira] 16 um é pouco, dois é bom Na China, a “política do filho único” chegou ao fim, decretaram os líderes comunistas que definiram as diretrizes do novo plano quinquenal. Uma proposta de grande importância para a transição que vive o país [Armando Sartori] 20 ironia e contradição A crise migratória na Europa tem, em sua raiz, o dedo dos próprios europeus. E, ao mesmo tempo, tem algo a ver com a solução de outra crise: a do envelhecimento de sua população [Sônia Mesquita] 24 lucros e fraudes Mais de 11 milhões de veículos foram vendidos pela Volks com um software que ludibria testes ambientais. A montadora alemã tornou-se a maior do mundo, mas a trapaça pode custar caro [Tomás Chiaverini] 4 | retratodoBRASIL NOVEMBRO/2015 28 uma ponte para a tecnologia O País precisa superar obstáculos estruturais para que o esforço de seus pesquisadores se transforme em bens que possam ser usufruídos pelo conjunto dos brasileiros [Evanildo da Silveira] 32 vamos ao que interessa Elias Regina é a maior cantora do Brasil. É o que procura demonstrar a biografia feita por Arthur de Faria, que traça a trajetória da grande intérprete da MPB e deixa de lado detalhes escandalosos de sua vida [Carlos Conte] 36 culpas ultrassecretas Livro mostra que os governos democráticos pós-ditadura fizeram pouco para evitar que as Forças Armadas escondessem os documentos que revelam seus crimes [Fernanda Pompeu] 38 contra militares, empresários e pelegos Em registro de suas lutas, a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo – a maior experiência operária de combate à ditadura – relata como morreram várias de suas lideranças em confrontos com a polícia [Carlos Azevedo] fale conosco: www.retratodobrasil.com.br [email protected] aTENDIMENTO AO ASSINANTE [email protected] Entre em contato com a redação de Retrato do Brasil. Dê sua sugestão, critique, opine. Reservamo-nos o direito de editar as mensagens recebidas para adequá-las ao espaço disponível ou para facilitar a compreensão. retrato dobrasil Retrato do BRASIL é uma publicação mensal da Editora Manifesto S.A. EDITORA MANIFESTO S.A. PRESIDENTE Roberto Davis DIRETOR VICE-PRESIDENTE Armando Sartori DIRETOR EDITORIAL Raimundo Rodrigues Pereira EXPEDIENTE SUPERVISÃO EDITORIAL Raimundo Rodrigues Pereira EDIÇÃO Armando Sartori EDIÇÃO DE ARTE Pedro Ivo Sartori REVISÃO Silvio Lourenço [OK Linguística] COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Carlos Azevedo • Carlos Conte Evanildo da Silveira • Fernanda Pompeu Sônia Mesquita • Tomás Chiaverini REPRESENTANTE EM BRASÍLIA Joaquim Barroncas Ponto de Vista Reprodução .br r o u Uma velha saída O ajuste fiscal prometido em 1998 e o tentado agora têm um mesmo e limitado sentido: o de ganhar o apoio do grande capital financeiro. Custe o que custar Primeiro é preciso situar o problema no seu devido contexto. No final de 1998, como se sabe a partir da divulgação do chamado “grampo do BNDES”, o então presidente Fernando Henrique Cardoso acertou com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Departamento do Tesouro dos EUA os termos de um ajuste fiscal. A política monetária brasileira, de atração de capitais externos, com taxas de juros internas muito altas, estabelecida no governo de Fernando Collor de Mello, elevou as reservas em dólar do País, serviu de base para o lançamento do Plano Real, colocou a moeda brasileira em paridade com a americana e levou o prestígio de FHC às alturas. Mas só funcionava com abundância de dólares no mercado financeiro internacional, para ampliação do endividamento do País. E 1998 foi um ano muito ruim para esse esquema. Uma crise grave afetou o próprio centro do sistema capitalista, a economia americana. Os capitais para aplicações na periferia tornaram-se escassos. A rolagem da dívida externa brasileira tornou-se difícil. E a solução para o governo FHC foi buscar uma internação de emergência no FMI, com apoio do governo americano, como já fizera o último governo dos generais da ditadura militar, em 1982. Para garantir esse socorro, a 23 de setembro, 11 dias antes do pleito no qual disputaria a reeleição, FHC fez no Palácio do Itamaraty, sede do Ministério de Relações Exteriores, em Brasília, uma espécie de pantomima: discursou como se falasse para o povo brasileiro, mas, de fato, cumpria um roteiro acertado sigilosamente, por ele próprio e seus assessores financeiros mais próximos, com representantes do FMI e do governo americano. Nessa fala, anunciou uma mudança na Constituição brasileira para introduzir nela um conceito ampliado de responsabilização dos governantes pelo andamento das contas do País (No alto, os principais personagens da trama: FHC e Stanley Fischer, do FMI; e Pedro Malan, então ministro da Fazenda). O Brasil tinha uma lei antiga – de 1950, do governo de Eurico Dutra (1946– 1951) – para definir “crimes de responsabilidade” dos governantes e regular seu “respectivo processo de julgamento”. Essa lei, de número 1.079, previa, no caso da Presidência da República, oito categorias de crimes pelos quais o governante poderia ser acusado e, se considerado culpado, perder seu mandato. A primeira categoria e a mais extensa era a de atentar contra “a existência da União”. Na época, meio século atrás, o mundo não estava financeirizado como agora e nessa defesa “da existência da União” estavam alinhados 11 tipos de crimes, basicamente relacionados com aspectos militares, desde a possibilidade de o presidente não empregar os meios necessários à manutenção da integridade territorial do País, como o de “celebrar tratados, convenções e ajustes” que comprometessem “a dignidade nacional”. A parte relativa ao orçamento público era a menor das categorias e definia apenas quatro crimes. A promessa feita por FHC aos credores do País no final de 1998 iria, a curto prazo, alterar radicalmente a Lei 1.079 nessa categoria específica: aos crimes orçamentários foram acrescidos mais oito espécies, entre as quais a de “deixar de ordenar a redução do montante da dívida pública consolidada”, quando este ultrapassasse determinados limites, e, em sentido contrário, a de “ordenar a realização de operações de crédito com entidades da administração direta”, que iriam se tornar expressamente proibidas. E as proibições vieram. A importância e a atualidade delas podem ser vistas no fato de o Tribunal de Contas da União (TCU) ter aprovado, no mês passado, parecer que recomendou, por oito votos EDIÇÃO 100 retratodoBRASIL | 5 Stephen Jaffe/ FMI a zero – praticamente a unanimidade de seus nove ministros, tendo em vista que o presidente não votou –, a não aprovação das contas do governo da presidente Dilma Rousseff referentes a 2014. As razões para a decisão foram basicamente duas: • ela não decretou os cortes de despesas que teriam de ter sido feitos em 2014 para alcançar as metas orçamentárias definidas em lei, quando eram patentes os dados de queda nas receitas; e • seu governo realizou o que ficou conhecido como “pedaladas fiscais”: tomou empréstimos de bancos públicos ao atrasar repasses de verbas do Tesouro Nacional para o Banco do Brasil (BB), a Caixa Econômica Federal (CEF), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) no pagamento de diversas contas do governo federal, entre as quais o seguro-desemprego, o abono salarial e o programa Bolsa Família. Com isso, a presidente teria violado a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), aprovada durante o governo FHC, em abril de 2000, e a chamada Lei de Crimes de Responsabilidade Fiscal, de número 10.028, de outubro daquele mesmo ano. Essa última não só reformou a antiga Lei 1.079, ao ampliar a lista de crimes possíveis de serem cometidos pela Presidência da República na execução orçamentária, como também o Código Penal de 1940, para garantir sua punição. Com a decisão do TCU, praticamente se acirrou a disputa pelos meios burocráticos, administrativos, jurídicos, parlamentares e midiáticos para o impeachment de Dilma. O governo tentou 6 | retratodoBRASIL NOVEMBRO/2015 derrubar Augusto Nardes, o ministro-relator do processo de análise das contas no TCU, alegando sua suspeição por ter divulgado antecipadamente o relatório para a imprensa. E se deu mal: a resposta veio na forma dos oito a zero da corte a favor do relatório. O TCU ainda foi além: escalou um relator para fazer uma inspeção no Tesouro, no Banco Central (BC), no BB, na CEF, no BNDES e no Ministério O problema não é que o governo foi pródigo e inconsequente na ajuda aos pobres, como dizem. De fato, por mês, o gasto com juros, neste ano, foi 40% superior a todo o gasto anual com o Bolsa Família das Cidades, com o objetivo de constatar se as pedaladas continuaram ocorrendo neste ano, e pediu que o governo pague imediatamente os custos dessas manobras ao FGTS e a bancos atingidos. O órgão fiscalizador das contas públicas, segundo editorial de O Estado de S. Paulo, o pioneiro e campeão na denúncia das pedaladas, diz que, somente no primeiro semestre deste ano, o governo “pedalou” 40,2 bilhões de reais, mais que o atraso de pagamentos realizado em todo o ano passado. O governo conseguiu um efeito suspensivo na decisão do TCU. Apresentou recurso pedindo um prazo para regularizar todos os procedimentos que, ao final do julgamento das contas, forem tidos, de fato, como inaceitáveis. Especialmente, segundo os especialistas, teria pedido para não ser obrigado a “incorporar 40,2 bilhões de reais no cálculo da dívida líquida e no resultado primário do setor público”, como quer o TCU. “As pessoas estão confundindo fluxo com estoque e, aí, entendem erradamente que o governo está cometendo os mesmos erros do passado”, disse ao Estadão um integrante da equipe econômica do governo que não quis aparecer e, na certa, para não acirrar mais os ânimos, também não quis dizer claramente que o próprio TCU faria esse tipo de confusão, da dívida (que é um estoque) com seu fluxo de pagamento. Sem querer acirrar ânimos, mas procurando ainda contribuir para esclarecer a conjuntura vivida pelo País, é preciso detalhar essa questão do estoque e do fluxo da dívida. Com esse propósito, deve-se dizer que não seria de admirar se os digníssimos ministros da corte suprema de contas do País não entendessem direito do que se trata. Veja-se por exemplo: quando a presidente encaminhou ao Congresso Nacional, no início de setembro passado, sua proposta de lei orçamentária para 2016, prevendo um déficit de 30,5 bilhões de reais, os grandes jornais, impressos e da televisão, criaram um escândalo. “Rombo de 30,5 bi põe o país perto de caloteiros”, estampou o Correio Braziliense, o principal diário impresso da capital federal. Parecia uma conclusão unânime. Mas não era. Nas próprias letras miúdas do artigo do jornal, dois especialistas no assunto divergiam frontalmente a respeito. Ives Gandra Martins, considerado um dos maiores tributaristas do País, disse que a proposta orçamentária feria dois artigos da Constituição e que a presidente teria de ter comandado cortes “para que o orçamento fosse equilibrado”. Já José Roberto Afonso, do Instituto Brasiliense de Direito Público, disse o contrário: que a LRF não proíbe que a proposta orçamentária apresente déficit primário. E Afonso foi um dos auxiliares do governo do PSDB no esforço de criação dessa lei. De qualquer modo, as leis orçamentárias hoje vigentes, que deram forma jurídica ao ajuste fiscal anunciado pelo Andre Dusek/Estadão governo FHC no final de 1998, sacramentaram um endividamento público de um modo geral crescente. A dívida pública brasileira aumentou sempre em termos absolutos. Era de 0,5 trilhão de reais em 2001 e em junho deste ano estava em 2,9 trilhões de reais. Na média, como porcentagem do PIB do País, também cresceu. Foi de menos de 25% em 1994, antes do Plano Real, para 50% em 2000. Oscilou na faixa de 40% a 50% no período entre os dois últimos anos de FHC e os primeiros 12 anos de governos petistas. Entre junho do ano passado e junho último, pulou de 45,5% para 50,8%, numa aceleração tal que, tendo em vista a queda da economia brasileira, pode levar a relação para 70% do PIB. Sem muito esforço, pode-se perceber que o atual ajuste fiscal em elaboração pelo governo Dilma – aliás, amplamente aprovado por seus críticos conservadores –, baseia-se numa enorme ampliação do endividamento público, decorrente da grande elevação dos juros. No primeiro semestre deste ano, o gasto do governo com juros foi de 417 bilhões de reais, um crescimento de 100% em relação ao período de um ano anterior. Esses juros não foram pagos, nem minimamente, mas “rolados”, como se diz no jargão, acumulados à dívida antiga com a emissão de novos títulos de endividamento público. A regra sempre foi, basicamente, o governo ter, todo ano, um superávit primário, um saldo entre receitas e despesas correntes, para pagar parte dos juros que se acumulam. Ou seja: não para pagar todo o juro acumulado e também parte do principal da dívida, para reduzi-la, e, sim, para impedir o seu crescimento sem controle. No ano passado, no entanto, não houve superávit, mas déficit primário. No final de outubro, a avaliação era que a situação se repetiria neste ano – com um déficit ainda maior. E não havia perspectiva concreta de que, no ano que vem, o superávit retornaria, ainda que mínimo. Ou seja, a dívida está crescendo sem controle. E não porque, como dizem os conservadores, o governo tenha sido pródigo e inconsequente na ajuda aos pobres: no primeiro semestre deste ano, o governo gastou mensalmente, com juros da dívida, 34,7 bilhões de reais, 40% acima dos 25 bilhões de reais gastos anualmente com o Bolsa Família. E há quem ache que o gasto com esse programa social é exagerado. Ricardo Barros (PP–PR), vice-líder da base NÃO É O QUE PARECE O ajuste de agora, não é, a rigor, um arranjo interno, inventado por Levy (acima, com a presidente Dilma e o vice, Michel Temer). O caminho, apontado por Lagarde, do FMI (na páginaao lado), tem inspiração de fora e segue o mesmo traçado do de 1998 governista na Câmara dos Deputados, relator do projeto de orçamento do ano que vem, propôs que sejam cortados 10 bilhões de reais do valor previsto para o Bolsa Família no próximo ano – que, de 28,88 bilhões de reais, o programa receba apenas 18,8 bilhões de reais. Barros quer também congelar os números de beneficiários de outros programas sociais, como o Ciência Sem Fronteiras, o Minha Casa, Minha Vida e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego. Para alguns comentaristas, o ajuste atual tem, pelo menos, um grande mérito: não faltam dólares e não há uma fuga de capitais do País. Mas isso porque eles não veem ou não querem ver o preço que está sendo pago por isso e suas implicações. Desde que percebeu uma guinada no ânimo dos credores do País há pouco mais de um ano, o BC pôs em prática a política de vender swaps cambiais, isto é, de oferecer proteção aos preocupados em acumular dólares para pagar dívidas futuras na moeda americana, com medo de que sua cotação em reais disparasse. Pois bem, no que deu essa política? Esqueça-se por um momento que a maior parte desses swaps não foi adquirida por industriais que compraram, no exterior, em dólar, a prazo, equipamentos para tornar indústrias locais mais modernas, mas, em 60% do volume, como mostram estudos, por empresas financeiras que estimaram, com razão, que poderiam ganhar dinheiro com esses instrumentos. O swap cambial é, como se diz no jargão financeiro, um hedge, uma proteção: no caso, era como se o comprador do swap trocasse sua dívida em dólar por um título de dívida em real; o BC assumia o risco de a cotação do dólar subir mais que o fixado no contrato do swap e o comprador do swap ficava com o risco de, ao cobrar seu papel em real do BC, a moeda americana ter subido menos. Como todos sabem agora, a moeda americana disparou. Editorial do diário Valor Econômico publicado no início do mês passado mostra que os prejuízos acumulados pelo BC neste ano em operações com esses derivativos na BovespaBM&F já chegam a 119 bilhões de reais. “As perdas [com swaps] acumuladas em 12 meses até agosto equivalem a 2% do PIB e respondem por cerca de 30% do aumento da dívida bruta do governo geral do período. Essa despesa responde por um quarto dos encargos com juros da dívida pública.” O esforço do ajuste fiscal por meio da geração de superávits primários está sendo consumido pelo prejuízo com os swaps cambiais, conclui o jornal. “A despesa financeira com esses instrumentos derivativos representa quatro vezes a meta de superávit primário de 2016.” É pouco? EDIÇÃO 100 retratodoBRASIL | 7