Jornada sobre Acesso e uso de Material Genético Humano: Aspectos Éticos, Jurídicos e Sociais O princípio da liberdade de investigação científica e o acesso aos genes humanos Marlene Braz Três questões colocadas por Kant: “Que posso fazer? Que devo fazer? O que me é permitido esperar? Em função dos avanços tecnológicos, as questões seriam: “O que devo ignorar? Que devo me abster de fazer? De que devo ter medo?” (Séris, 1995). 3 braz “Se o desenvolvimento a longo prazo também conduziria a uma reforma genética das características da espécie – se uma antropotecnologia futura avançará até um planejamento explícito de características, se o gênero humano poderá levar a cabo uma comutação do fatalismo do nascimento ao nascimento opcional e à seleção pré-natal (...) – nestas perguntas, ainda que de maneira obscura e incerta, começa a abrir-se à nossa frente o horizonte evolutivo” (Sloterdijk, 2000: 47). 4 braz HABERMAS a filosofia se permitir uma moderação em questões relativas a ética da espécie?” “Pode 5 braz Heidegger (1958) O impacto da técnica no ser humano: A questão da técnica. “Imperativo tecnológico” a tecnociência teria uma espécie de autonomia própria capaz de direcionar seu rumo 6 braz Na nova técnica, a natureza é requisitada para fornecer matéria prima com a finalidade de produzir coisas que podem ter duplo efeito, destruir ou ser utilizado para beneficiar. A matéria não está lá, simplesmente, não importa em que lugar e, sim, estocado, para que o suas possibilidades possam ser empregadas. Qualquer coisa da natureza pode ser empregada, inclusive o homem. Tudo é visto como um fundo de reserva. 7 braz “É superficial afirmar-se que os seres humanos contemporâneos tornaram-se escravos das máquinas e dos mais diversos aparelhos. Uma coisa é demonstrar isto e outra muito diferente é pensar se os seres humanos, nesta época, não estarão apenas subordinados a relações técnicas mas, até que ponto devem corresponder ao processo de desenvolvimento das relações técnicas; e até que ponto são anunciadas nesta correspondência mais possibilidades para uma determinada existência livre dos seres humanos” (Heidegger). 8 braz Heidegger questiona a concepção do que é o ser humano a partir da definição do homem ser um animal racional: O ser é experimentado como fundamento/razão. O fundamento é interpretado como ratio, como calculabilidade (Rechenschaft). Segundo esta idéia, os seres humanos são o animal rationale, a criatura que tem a capacidade de calcular e de sumariar. 9 braz Para Heidegger foi este tipo de pensamento que trouxe a era atômica. Assim a essência dos seres humanos se esgota em ser racional? Se é a última coisa que se pode dizer que o homem é o ser capaz de calcular, se não há outro modo de pensar senão o do pensamento calculador que preparou o caminho para a era atômica, como ficamos? 10 braz Esta questão é para refletir e dependendo da resposta pode-se decidir o que será o futuro do planeta e do ser dos humanos. A totalidade do mundo técnico implica em saber se o homem quer tornar-se servo do projeto ou manter-se senhor. 11 braz Os filósofos que pregam o temor: Marcuse e Hans Jonas 1979 – Jonas e O princípio da responsabilidade. As éticas tradicionais nunca tiveram que levar em conta “a condição global da vida humana e o futuro distante ou até mesmo a existência da espécie. O fato de ambos constituírem agora problema exige, em suma, uma nova concepção de direitos e deveres, para o qual a ética e a metafísica anteriores nem sequer fornecem os princípios, quanto mais doutrinas já prontas” (Jonas). 12 braz A diferença entre o natural e o artificial se esvanece e o que paulatinamente foi sendo engolfado foi o natural. Já não importa o eu ou o nós e, sim, o futuro que não sabemos o que será, já que a ação humana tende sempre a avançar e por isso há necessidade de novos imperativos. 13 braz “Age de tal maneira que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a preservação da vida humana genuína”. “Age de tal forma que os efeitos da tua ação não sejam destruidores da futura possibilidade dessa vida.” “Não comprometas as condições de uma continuação indefinida da humanidade sobre a terra”. “Nas tuas opções presentes, inclua a futura integridade do Homem entre os objetos da tua vontade” 14 braz A única forma de preservar a vida dos seres futuros é infundindo-lhes temor, para que sintam a ameaça que a tecnologia traz para a humanidade e possibilitar quais intervenções técnicas devem ser proscritas. A saída redentora viria de “um poder normativo superior capaz de domesticar ´uma técnica que de certa maneira se tornou selvagem` “ (Lebrun). 15 braz Fica em suspenso as perguntas : “O que poderia autorizar ´especialistas em ética` a exercer uma censura sobre pesquisas que, tecnicamente falando, não são de sua alçada?” (Lebrun) 16 braz MARCUSE Mudança da condição dos cientistas que deixam de ser teóricos e se transformam em mão-de-obra, assim como o conhecimento se torna produto. A razão instrumental onde as técnicas se autonomizaram em relação aos humanos que as utilizam e as geram, despojam o homem do seu domínio - a criatividade técnica. 17 braz Granger Esse pessimismo que tantos compartilham, no entanto, não é generalizado; ao contrário, a maioria dos pensadores pensa que a tecnociência não veio só para ficar mas, também, para solucionar problemas mesmo gerando outros e num continuum os resolverá. Para os mais prudentes, a solução vem da Bioética que objetiva estabelecer princípios norteadores que, ao mesmo tempo, não seja impeditiva do progresso e trace balizas morais em nome do bem estar dos seres vivos e do planeta. 18 braz HABERMAS Tentativa de moralização da natureza humana. Aquilo que se tornou tecnicamente disponível por meio da ciência deve voltar a ser normativamente indisponível por meio do controle moral. 19 braz A autonomia da pesquisa adquire proteção a partir do Estado constitucional liberal. Todos os cidadãos, segundo o princípio liberal devem ter a mesma chance de moldar sua própria vida de maneira autônoma. Todas as tentativas anteriores de se deter as pesquisa e aplicações da ciência mostram-se inócuas. Já se perguntou anteriormente sobre os limites, se já não teriam sido alcançados.Ex: FIV, transplantes,terapia gênica. 20 braz A aceitação social não deverá diminuir no futuro enquanto a técnica estiver à serviço de uma vida mais saudável e mais longa. As intervenções legislativas surgem como tentativas vãs de se opor à tendência de liberdade que domina a modernidade social. 21 braz A moralização da natureza humana tem o sentido de uma ressacralização hoje discutível. Recomendação implícita: “Seria melhor reconhecer aquele resto de sentimento arcaico, que subsistiria na aversão às quimeras produzidas pela técnica genética, aos seres humanos cultivados e clonados e aos embriões utilizados em experiências” (Habermas, 2004: 36). 22 braz Queremos mesmo caminhar na direção de uma eugenia liberal, que ultrapassa objetivos rigorosamente terapêuticos? “Quais são os princípios morais mais básicos que poderiam guiar a política pública e a escolha individual em relação ao uso de intervenções genéticas numa sociedade justa e humana, em que os poderes da intervenção genética serão muito mais desenvolvidos do que hoje?” (Buchanan, 2000:4) A possibilidade de intervenção no genoma humano: Aumento de liberdade necessitada de regulamentação, isto é, se autonomamente e de acordo com considerações normativas que se inserem na formação democrática da vontade? Ou, permissão pessoal dependente de preferências e por isso não necessita de nenhum limite, isto é, de maneira arbitrária em função de preferências subjetivas que serão satisfeitas pelo mercado? Só quando a questão for resolvida pela primeira é que se poderá discutir os limites de uma eugenia. 24 braz As pesquisas em curso no mundo (indústria farmacêutica e universidades) têm despertado enorme expectativa de superar em pouco tempo: a escassez de órgãos para transplante e mais distante, evitar doenças graves de origem genética pela correção do genoma, estender a vida humana em até 150-200 anos 25 braz Este cenário implica numa exigência de que a liberdade da pesquisa seja privilegiada em relação à proteção da vida do embrião, por mais que se queira ou se assuma chamar o embrião de pré-embrião ou mesmo aglomerado de células. Os cientistas apelam para objetivos elevados e chances realistas de cura para comover o público e as políticas a permitirem tais pesquisas. 26 braz Existe um temor público de que este avanço tecnológico produza fatos consumados e que não podem ser mais normativamente recuperados (Habermas, 2002). Os cientistas financiados pelo mercado tentam amenizar o discurso para angariar a confiança das pessoas e, parece que estão conseguindo, tendo em vista que dentro da bioética há uma forte corrente favorável a uma eugenia liberal. 27 braz Os defensores da eugenia liberal não reconhecem limites entre intervenções terapêuticas e de aperfeiçoamento (Harris, 2002) Se baseiam na liberdade que cada um tem de decidir sobre sua vida, deixando às preferenciais individuais e ao mercado a escolha dos objetivos relativos às intervenções que alteram as características. 28 braz Criticando esta posição: “Quem começa a fazer da vida humana um instrumento e a distinguir entre o que é digno ou não de viver perde o freio” (Presidente da República Federal Alemã). Dammbruchergumente –ruptura de diques slippery sloop argument - ladeira escorregadia; melhor tradução é efeito dominó. 29 braz “Muitas vezes, a ciência confunde os melhores prognósticos, e nós não podemos correr o risco de nos encontrarmos despreparados para o que poderia ser um equivalente genético de Hiroschima. É melhor ter princípios que dêem conta de situações impossíveis do que não ter princípios para situações com as quais deparamos repentinamente” (Agar, 2000:172) 30 braz OBRIGADA 31 braz