Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes: Bioética,
responsabilidade e assistência
Profª Dra. Marlene Braz
Presidente da Sociedade Brasileira de Bioética
Presidente da Sociedade de Bioética do Estado do
Rio de Janeiro
MARLENE BRAZ
05/11/2015
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“Fala-se em crise dos valores e na
necessidade de um retorno à ética,como
se esta fosse uma coisa que se ganha, se
guarda, se perde e se acha e não a ação
intersubjetiva consciente e livre que se faz
à medida que agimos e que existe
somente por nossas ações e nelas”.
Marilena Chauí
MARLENE BRAZ
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ta ethé (grego) e mores (latim) - sinônimos:
costumes e condutas de uma determinada
sociedade.
ethos (singular): caráter ou temperamento individual
que deve ser educado para os valores da sociedade.
ta éthiké - parte da filosofia que se dedica a analisar
os valores propostos pela sociedade no intuito de
compreender as condutas humanas individuais e
coletivas, indagando sobre seu sentido, sua origem,
seus fundamentos e finalidades.
MARLENE BRAZ
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Êthos (ήθος) – domicílio ou abrigo de animais e
também o caráter de uma pessoa.
Ethos (έθος) – costumes e usos vigentes em uma
sociedade, como também, de forma secundária, as
condutas individuais.
Leandro Konder
MARLENE BRAZ
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1 – Subjetiva – foco é a conduta individual. Para os
gregos a regra da vida proposta foi a virtude (aretê)
2 – Objetiva - foco é a maneira coletiva de vida. A
proposta é a Lei (nomos).
A virtude moral sendo o produto dos usos e
costumes, não existe nos homens naturalmente,
pois nada que é natural se adquire pelos costumes.
Aristóteles.
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É pela prática das ações justas que nos
tornamos justos.
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Norteada pelas idéias de bom e mau, justo e
injusto, correto e incorreto (valores) que podem
variar de sociedade ou na mesma sociedade.
Uma conduta só será ética se for consciente, livre e
responsável (autônoma) e só será virtuosa se for
realizada em conformidade com o bom e o justo,
isto é, se resultar de uma decisão interior ao
próprio agente e não vier da obediência a qualquer
outrem (heteronomia).
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Do latim vis – força
Utilização de força para: ir contra a natureza de algum ser
vivo; para constranger e/ou coagir a vontade e a
autonomia de outrem; violar alguém ou algum valor
importante para uma sociedade; transgredir coisas e
ações que o outro ou uma sociedade define como justas e
como um direito.
“Ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico
contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e
sociais definidas pela opressão, pela intimidação, pelo
medo e pelo terror” (Chauí).
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A violência é o contrário da ética, na medida em
que fere o outro e o trata como coisa, não o
respeitando como sujeito racional, autônomo e
portanto, livre e responsável pelo seus atos.
A questão ética desde sempre está relacionada com
o problema da violência e a maneira de evitá-la,
controlá-la ou combatê-la.
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A abordagem da violência pela bioética é importante
porque aquela diminui a qualidade de vida, adoece,
provoca disabilidades e mortes. (Dias AJA. 2003)
“A violência é uma forma de relação entre os humanos
com intenção de causar dano (maleficência), sem levar
em conta a autonomia do outro, então é um campo que
comporta a bioética” . (Rivas F.,2000)
A violência tem pontos em comum com a iniqüidade, que
é a falta de justiça e assim do mesmo modo a bioética
tem o que refletir. A violência também fere o imperativo
categórico do ser humano ser um fim em si mesmo e
não mero meio.
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“Apesar do avanço da democracia,
presenciamos um momento de total
descontrole da violência. Muitos
profissionais, como os médicos, lidam com
esse problema o tempo todo e se deparam
com novas questões éticas que surgem a
partir desse contexto” Adorno S. Universidade
discute bioética e violência. In: Ferreira T
(jornalista). Jornal da Paulista, Ano 14 - N°
157.
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“[A] violência, pelo número de vítimas e a
magnitude de seqüelas orgânicas e emocionais
que produz, adquiriu um caráter endêmico e se
converteu num problema de saúde pública em
vários países" (...) "O setor saúde constitui a
encruzilhada para onde confluem todos os
corolários da violência, pela pressão que exercem
suas vítimas sobre os serviços de urgência, de
atenção especializada, de reabilitação física,
psicológica e de assistência social" (Opas, l993).
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“Inserida num contexto histórico-social e com
profundas raízes culturais, a violência sexual,
uma das facetas do fenômeno violência, atinge
todas as faixas etárias, classes sociais e pessoas
de ambos os sexos. Conforme se observa na
literatura mundial, ela ocorre universalmente,
estimando-se que produza cerca de 12 milhões
de vítimas mulheres anualmente, atingindo
desde recém-natos até idosos” (Márcia Aparecida
Ribeiro; Maria das Graças Carvalho Ferriani; Jair Naves dos Reis)
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A violência sexual contra crianças e adolescentes tem
se manifestado pela exploração sexual comercial
(prostituição tradicional, tráfico para fins sexuais,
turismo sexual e da pornografia convencional e via
internet) e pelo abuso sexual.
Em todo o mundo, inclusive nas Américas, pesquisas têm
demonstrado que são as mulheres, crianças e
adolescentes, os mais envolvidos, , embora informações
atuais indiquem a presença também de crianças do sexo
masculino.
Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para
Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil (Pestraf) - Centro
de Referência, Estudos e Ações Sobre Crianças e Adolescentes
(Cecria) - Maria Lúcia Leal e Maria de Fátima Leal – organizadoras
(2002).
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Pertencentes às classes populares, baixa
escolaridade, moram na periferia, há
carência de saneamento e outros bens
sociais comunitários, moram com algum
familiar, têm filhos e trabalham em
atividade que exigem pouca escolaridade.
Predominância de mulheres negras, entre
15 e 27 anos.
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

Outros estudos apontam ainda que, geralmente
essas mulheres, crianças e adolescentes já
sofreram algum tipo de violência intrafamiliar
(abuso sexual, estupro, sedução, negligência,
abandono, maus tratos, violência física e
psicológica) e extrafamiliar (na rua, nas escolas,
nos abrigos e etc).
O agressor geralmente é do sexo masculino,
embora existam casos envolvendo mulheres,
homossexuais e adolescentes.
Tendência de tornar o agressor também
vítima.
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Pesquisa de Tatiana Savoia Landini, 2006:
Crianças sendo arregimentadas para a prostituição cada
vez mais cedo; as vítimas já haviam vivido nas ruas; os
cafetões e donos de boates não apenas forçavam as
meninas a se prostituírem como as transformavam em
escravas; os policiais, agentes da lei, muitas vezes
torturavam as meninas; a família, desestruturada e
desinformada, era responsabilizada pelo destino das
filhas. (Folha de São Paulo, 1991).
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1º - Crescimento no número de textos sobre o tema no jornal
O Estado de São Paulo
 1908 – 12 reportagens
 1991 – 48 reportagens
2º - Aumento em alguns tipos de violência: pornografia
infantil e a pedofilia e um maior aprofundamento da
prostituição infantil.
- No início e no meio do século, a imprensa limitava-se a
denunciar alguns casos de lenocínio ou prostituição.
- No final do séc. XX: exploração sexual comercial: leilões
de virgindade, cárcere privado em bordéis, turismo
internacional, turismo nacional, etc. (Landini, 2006)
)MARLENE BRAZ
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3º Maior profundidade na análise dos casos e mais
espaço.
O jornalista ia além de "dar a notícia“. Análise e
entrevista com especialistas que para a leitura e
entendimento das causas.
Continuidade no acompanhamento de vários casos,
o que raramente acontecia no início do século.
Alguns casos são transformados em escândalos e
sobre eles são publicadas notícias praticamente
diárias.
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4º - Forma de noticiar a violência através da
própria linguagem utilizada.
Nos primeiros três quartos do século: "homem de
maus instintos", "crime perverso", "ato
repugnante” . Expressões mais ligadas à
moralidade, ao que era socialmente aceitável ou
inaceitável.
A partir de 1980, o noticiário sobre violência sexual
passou a ser dito em linguagem científica e
através de dados quantitativos.
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5º - Freqüência com que a violência sexual ocorre.
 Início do século as reportagens eram sobre casos
específicos e esporádicos
 Hoje - introdução de textos gerais transmitindo
a mensagem de que os crimes sexuais são
eventos comuns, cotidianos, e que havia uma
sub-notificação de sua ocorrência.
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

Século XVI - O "sexo" era tratado com naturalidade
em livros para crianças (Erasmo de Rotterdam) e
abordavam as prostitutas e prostíbulos. (Norbert
Elias).
No século XX, o "sexo" passou a ser um assunto que
não podia ser falado na presença de crianças e
adolescentes, quanto mais em livros destinados a
eles.
Tema a ser evitado. A publicidade que se deu em
torno da violência sexual é um fator complementar.
Se falar de sexo perto de crianças "macula a alma”, o
abuso sexual seria, então, muito mais grave.
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

Leis de Proteção à infância e adolescência
com o reconhecimento de que estes grupos
devem ser protegidos de todas as formas
de abuso e exploração.
Na prática, os grupos sociais que lutam pela
defesa destes direitos ganharam força e
visibilidade, mostrando de forma crescente
que a violência sexual existe e deve ser
denunciada e combatida.
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No modo de entender a violência sexual cometida
contra menores de idade. Antes a ênfase colocada na
questão de gênero, passou a ser posta na idade.
“Mudança de enfoque de gênero para geração. Nesse
sentido, o que antes constituía uma única categoria –
a violência sexual, seja contra crianças seja contra
adultos – passou a constituir dois grupos analíticos –
a violência sexual contra adultos e a violência sexual
contra crianças”.(Landini, 2006).
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“No
final do século, os textos sobre prostituição
adquirem um outro tom, um outro enfoque: as
meninas e meninos passaram a ser vistos como
vítimas da pobreza e do abandono, não mais da
desonra sexual. Nesse período, o jornal deixa de
publicar reportagens sobre os "crimes contra a
honra",. em seu lugar aparecem os textos sobre
pedofilia e pornografia infantil, dois tipos de crime
que só existem se a vítima for menor de idade.”
(Ibidem)
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
“Se nas primeiras décadas do século as
reportagens referiam-se, praticamente, apenas a
meninas, no final do período, muitos textos
enfatizam que os meninos também são vítimas
tanto de estupro (legalmente chamado de abuso
sexual) quanto de violência intra-familiar.”
(Ibidem)
MARLENE BRAZ
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

Deve-se deter sobre os mecanismos capazes de
conduzir um ser humano a cometer atrocidades ou
consentir nelas?
A única saída seria a de tornar conscientes para o
indivíduo(s) o(s) determinante(s) inconsciente(s) de
seus atos?
Isto porque apelar para o compromisso com o
outro, tentar despertar em cada indivíduo por
exortação advinda de fora, não sensibilizaria de
forma significativa a pessoa humana.
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

As raízes do Mal não devem ser explicadas porque
seriam “compreendidas” e onde há compreensão
pode haver justificativa, isto é, o entendimento das
“razões”, o que seria totalmente imperdoável.
Claude Lazmann disse que “após seu filme nada
mais deveria ser feito sobre o assunto. (...)
procurar respostas sobre por que Hitler matou
judeus seria, invariavelmente, uma busca de
justificativas para o genocídio”. Lazmann C. Shoah.
In: Indo mais fundo no pesadelo. Jornal do Brasil,
25/07/1998:6.
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
A idéia hoje que deve prevalecer, a partir
do setor saúde, “é que, na sua maioria,
os eventos violentos e os
traumatismos não são acidentais, não
são fatalidades, não são falta de
sorte: eles podem ser enfrentados,
prevenidos e evitados” (Minayo, 1994).
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 Compreender
justificá-lo?
o mal não é
O
abusador também é vítima?
E
A RESPONSABILIDADE?
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


Todorov, denomina de “vitimização social”, algo
característico das sociedades americanas e que vem
influenciando outros países. Ninguém se julga culpado ou
responsável por nada. Tudo é atribuído aos outros. Em suas
palavras:
“Se não sou feliz hoje, a culpa é dos meus pais no passado,
de minha sociedade no presente: eles não fizeram o
necessário para o meu desenvolvimento. A única hesitação
que posso ter é saber se para obter a reparação me volto
para um advogado ou para um psicoterapeuta: mas, nos
dois casos, sou uma pura vítima e minha responsabilidade
não é levada em conta”.
TODOROV, T. O Homem Desenraizado. 1999.
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EXPLORAÇÃO SEXUAL E RESPONSABILIDADE