Formação, séc. XXI Licenciaturas em Informática, em Portugal 20 FORMAÇÃO, SÉC. XXI Por António Dias de Figueiredo, Professor Catedrático na Universidade de Coimbra Licenciaturas em Informática, em Portugal: porque não as melhores da Europa? O título é provocatório, mas merece reflexão! Serão os nossos professores menos competentes que os seus pares europeus? Teremos pior equipamento? Serão os alunos mais inaptos? Se não, porque não temos as melhores licenciaturas de Informática da Europa? E m 2002 decorreu a avaliação destas licenciaturas, sob a égide da Fundação das Universidades Portuguesas, organismo responsável pela avaliação das licenciaturas nacionais. O presidente da comissão que conduziu a avaliação tem, acerca delas, uma opinião muito favorável, mas destaca alguns dos aspectos a melhorar para que pudessem contar-se entre as melhores da Europa. c e n t r o at l a n t i c o. p t m a g a z i n e • O u t u b ro 2 0 0 3 Alunos Uma queixa corrente dos docentes é a deficiente preparação em Matemática dos alunos que ingressam nestas licenciaturas e a sua falta de capacidade de abstracção e hábitos de trabalho, que justificariam um esforço persistente da tutela. A mera colocação de barreiras à entrada dos alunos menos habilitados não resolve o grave problema nacional da falta de técnicos qualificados. O universo dos alunos capazes está a reduzir-se de tal forma que em breve não chegará para preencher os bons cursos nacionais nem para abastecer o País com os licenciados de que necessita para reforçar a economia e apresentar aos investidores um corpo de recursos humanos de qualidade. Estratégia e Qualidade A maioria das licenciaturas revela preocupações estratégicas muito acima da média das licenciaturas nacionais. No entanto, não asseguram ainda uma visão de integração estratégica, a prazo, com as múltiplas componentes da actividade universitária. Surgem, por vezes, fechadas sobre si próprias, parcialmente isoladas da realidade estratégica da escola em que se integram, e mais isoladas, ainda, das outras licenciaturas, nacionais e estrangeiras, com as quais se justificaria que construíssem parcerias estratégicas. Além disso, tendem a manter-se igualmente isoladas dos seus utentes ou stakeholders primários – os estudantes e organizações recrutadoras – que tanto interessaria ver mobilizados para o seu enriquecimento, num projecto colectivo, em permanente procura de excelência. De facto, a sua concepção raramente tenta escrutinar sistematicamente o mercado, prevalecendo cenários de oferta centrados em saberes às vezes excessivamente académicos e em interesses por vezes corporativos e de difícil conciliação. Não se trataria, bem entendido, de abrir mão do controlo da escola sobre as suas licenciaturas, mas sim de assegurar que as partes interessadas são ouvidas e envolvidas entusiasticamente. O American Board for Engineering and Technology (ABET), organismo responsável pela avaliação das licenciaturas tecnológicas norte-americanas, estabelece, para o envolvimento dos stakeholders na definição das metas e objectivos de uma licenciatura, uma métrica de cinco níveis. O nível 1, mais baixo, equivale a meros “contactos informais”, enquanto que o nível 5, corresponde a um grau elevado de envolvimento na definição de metas, objectivos, na avaliação do su- Curriculum e métodos De um modo geral, as licenciaturas avaliadas reivindicam o estatuto de licenciaturas de banda larga, com sólida formação de base. Para a maioria, contudo, tal apenas significa boa preparação teórica. Ora, num curso tecnológico, sendo necessário dominar a teoria, é necessário também contextualizá-la em comportamentos que assegurem aplicação flexível e adequada à complexidade organizacional e sócio-técnica – algo que os futuros licenciados só farão, com qualidade, se interiorizarem competências de organização e gestão adquiridas, não a título opcional, mas de forma estruturante e imbricada nos saberes e competências científicos e técnicos. Necessitam também de adquirir, de forma paralela, competências comportamentais e relacionais, ou soft skills, integradas organicamente com as científicas, tecnológicas, organizacionais e de gestão. Só então as licenciaturas poderão auto-intitular-se de banda larga e com sólida formação de base. O regime de créditos ainda em vigor constitui um sério obstáculo a uma pedagogia de qualidade. Valorizando excessivamente as aulas teóricas e desvalorizando as aulas práticas e laboratoriais, incentiva uma pedagogia transmissiva e desincentiva uma pedagogia da actividade. Excepção feita a alguns laboratórios onde a actividade dos alunos é mais exploratória e dinâmica, não se observam modelos de aprendizagem orgânicos e integradores, estimulantes da actividade, iniciativa e criatividade. É urgente substituir este modelo de créditos pelo modelo ECTS, que vigorará no âmbito da Declaração de Bolonha. Haverá, contudo, que resistir à tentação de manter o modelo pedagógico vigente, “convertendo-o” expeditamente em ECTS por mera conversão contabilística dos tempos. A superação desta tentação poderá ser um dos maiores desafios que o próximo futuro colocará às licenciaturas portuguesas. Em qualquer dos casos, são manifestos dois magnos problemas pedagógicos, a resolver com urgência, independentemente do modelo de créditos. Um é a falta de preocupações pedagógicas de um número significativo de docentes; o outro é a falta de equilíbrio na distribuição de cargas ao longo do semestre lectivo, que tende a gerar períodos de grande concentração de esforços em alternância com períodos relativamente passivos. Esta irregularidade associa-se, por sua vez, à extensão exagerada dos períodos de avaliação. A proverbial falta de produtividade do trabalho do nosso país surge aqui patente. Bastará uma comparação: em Portugal há tipicamente 29 semanas de aulas, 14 de exames, 2 de Natal, 2 de Páscoa e 5 de Verão; nos Estados Unidos há, tipicamente, 30 semanas de aulas, 2 de exames, 4 de Natal, 2 de Páscoa e 14 de Verão. Comparados com os seus colegas americanos, os portugueses consomem um excesso de 1 a 1,5 anos, só em avaliações! Perdem, além disso, a utilização reprodutiva de longos períodos de férias, que nos EUA são fortes complementos da profissionalização. • O relatório completo da comissão, que aborda muitos outros aspectos relevantes, está disponível na página Web da Fundação: http://www.fup.pt/admin/ fup/docs/ca/rsg_c2a2_ informatica.pdf Formação, séc. XXI Licenciaturas em Informática, em Portugal Em Portugal há tipicamente 29 semanas de aulas, 14 de exames, 2 de Natal, 2 de Páscoa e 5 de Verão; nos Estados Unidos há, tipicamente, 30 semanas de aulas, 2 de exames, 4 de Natal, 2 de Páscoa e 14 de Verão. 21 c e n t r o at l a n t i c o. p t m a g a z i n e • O u t u b ro 2 0 0 3 cesso e em ciclos de melhoria contínua e parceria estratégica, sustentada, com as diversas partes”. Que licenciatura portuguesa se poderá afirmar no nível 5? No que toca à qualidade, não se pode falar ainda de uma “cultura de qualidade”. As preocupações de qualidade gerida e integral ocorrem ainda de forma muito localizada, em algumas das pessoas que gerem o processo de auto-avaliação. Para outras, que começam a despertar para o conceito, persiste ainda a ideia de uma qualidade apenas controlada e para a grande maioria as preocupações de qualidade são vagas e encaradas segundo perspectivas avulsas. Por outro lado, poucas são as escolas com sistemas de informação capazes de corresponder aos desafios da gestão da qualidade.