MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Federal da _______.ª Vara da Subseção Judiciária Federal de São Paulo O Ministério Público Federal, por seu Procurador que ao final assina, vem, na tutela dos interesses difusos e coletivos, com base no art. 129, II e III da Constituição Federal e no art. 1.º e seguintes da Lei n.º 7.437/85, ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face de BANCO PACTUAL S.A., sociedade anônima, com sede na Praia de Botafogo, 501 – 5º e 6º andar – Botafogo, CEP: 22250-040 – Rio de Janeiro - RJ, inscrita no CNPJ/MF n.º 43.073.394/0001-10; BANCO NOSSA CAIXA S.A., sociedade anônima, com sede na Rua Quinze de Novembro, 111 - 17.º andar – Centro, CEP: 01013-001 - São Paulo – SP, inscrita no CNPJ/MF n.º 43.073.394/0001-10; BANCO ITAÚ S.A., sociedade anônima, com sede na Praça Alfredo Egydio de Souza Aranha, 100 - Parque Jabaquara, Cep: 04344-902 São Paulo/SP, inscrita no CNPJ/MF n.º 30.306.294/0001-45; MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL BANCO SANTANDER, sociedade anônima, com sede na Rua Amador Bueno, 474 - Santo Amaro, Cep: 04752-005 - São Paulo/SP, inscrita no CNPJ/MF n.º 61.472.676/0001-72; BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S.A., sociedade anônima com sede na Av. Paranjana, 5700 – Passaré, CEP: 60740-000 – Fortaleza/Ceará, inscrita no CNPJ/MF n.º 07.237.373/0001-20; BANCO VOTORANTIM S.A., sociedade anônima com sede na Av. Roque Petroni Júnior, 999 – 16º andar, CEP: 04707-910 – São Paulo/SP, inscrita no CNPJ/MF n.º 59.588.111/0001-03; BANKBOSTON BANCO MÚLTIPLO S.A., sociedade anônima, com sede na Av. Dr. Chucri Zaidan, 246 – 16º andar – Brooklin, CEP.: 04583110 – São Paulo/SP, inscrita no CNPJ/MF n.º 60.394.079/0001-04; HSBC BANK BRASIL S.A. - BANCO MÚLTIPLO, sociedade anônima com sede na Travessa Oliveira Belo, 34, Edifício Palácio Avenida – Centro, CEP: 80020-030 – Curitiba/PR, inscrita no CNPJ/MF n.º 01.701.201/0001-89; BANCO ALFA S.A., sociedade anônima, com sede na Alameda Santos, 466 – Cerqueira Cesar, CEP: 01418-000 - São Paulo/SP, inscrita no CNPJ/MF n.º 03.323.840/0001-83; BANCO SAFRA S.A., sociedade anônima, com sede na Av. Paulista, 2100 – Cerqueira Cesar, CEP: 01310-930 – São Paulo/SP, inscrita no CNPJ/MF n.º 58.160.789/0001-28; BANCO ABN AMRO REAL S.A., sociedade anônima, com sede na Av. Paulista, 1374 - 3º andar - Bela Vista, CEP: 01310-916 – São Paulo/SP, inscrita no CNPJ/MF n.º 33.066.408/0001-15; MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL BANCO CITIBANK S.A., sociedade anônima, com sede na Av. Paulista, 1111 – 2º andar – Bela Vista, CEP: 01311-920 – São Paulo/SP, inscrita no CNPJ/MF n.º 33.479.023/0001-80; UNIBANCO UNIÃO DE BANCOS BRASILEIROS S.A., sociedade anônima, com sede na Av. Eusébio Matoso, 891 – Pinheiros CEP: 05423-901 - São Paulo/SP, inscrita no CNPJ/MF n.º 33.700.394/000140; CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, empresa pública federal, com sede a na SBS Quadra 4, Lotes 3/4, Ed. Sede - Asa Sul, CEP: 70092-900 – Brasília/DF, inscrita no CNPJ/MF n.º 00.360.305/0001-04; BANCO BBM S.A, sociedade anônima, com sede na Praça Pio X, nº 98, CEP: 20091-040 - Rio de Janeiro/RJ, inscrita no CNPJ/MF n.º 15.114.366/0001-69; BANRISUL S.A, sociedade anônima, com sede na Rua Capitão Montanha, 177 – Centro, CEP: 09010-040 - Porto Alegre/RS, inscrita no CNPJ/MF n.º 92.702.067/0001-96. Pelos seguintes fundamentos de fato e de direito: I. Introdução Pela presente pretende o Ministério Público Federal ver reconhecida a necessidade de se determinar o fornecimento de dados cadastrais constante nos bancos de dados das instituições fincanceiras rés mediante requisição do Ministério Público Federal, bem como da Polícia Federal, sem necessidade de mandado ou autorização judicial. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Assim na medida em que, conforme trazido ao MPF pela representação de n.º 1.34.001.000621/2006-43, os bancos-réus somente encaminham os dados cadastrais acima mencionados ao Parquet e/ou à Polícia mediante ordem judicial, por entenderem estar tais dados protegidos pelo sigilo bancário. II. Da competência da Justiça Federal e da Capital do Estado Compete à Justiça Federal conhecer e julgar a presente ação, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal, pela presença da Caixa Econômica Federal, empresa pública federal que é, no pólo passivo da presente ação. Por demais, de se ter que atua o MPF na hipótese vinculado a evidente interesse da União, conquanto venham os réus, por seu entendimento, embaraçando o normal desenvolvimento das atividades da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Nessa linha, reconhecendo o interesse da União como determinador da competência federal nas ações civils públicas propostas pelo MPF, o STJ, em diversos precedentes: dano ambiental causado em rios da União indica o interesse desta nas demandas em curso, a arrastar a competência para o julgamento das ações para a Justiça Federal. Precedentes da Primeira Seção: CC 33.061/RJ, Rel. Min.Laurita Vaz, DJ 08/04/2002; CC 16.863/SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ 19/08/1996. CC 39111 / RJ, rel. Min. Luiz Fux 1. A ação civil pública, como as demais, submete-se, quanto à competência, à regra estabelecida no art. 109, I, da Constituição, segundo a qual cabe aos juízes federais processar e julgar "as causas MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho". Assim, figurando como autor da ação o Ministério Público Federal, que é órgão da União, a competência para a causa é da Justiça Federal. 3. Não se confunde competência com legitimidade das partes. A questão competencial é logicamente antecedente e, eventualmente,prejudicial à da legitimidade. Fixada a competência, cumpre ao juiz apreciar a legitimação ativa do Ministério Público Federal para promover a demanda, consideradas as suas características, as suas finalidades e os bens jurídicos envolvidos. 4. À luz do sistema e dos princípios constitucionais, nomeadamente o princípio federativo, é atribuição do Ministério Público da União promover as ações civis públicas de interesse federal e ao Ministério Público Estadual as demais. Considera-se que há interesse federal nas ações civis públicas que (a) envolvam matéria de competência da Justiça Especializada da União (Justiça do Trabalho e Eleitoral); (b) devam ser legitimamente promovidas perante os órgãos Judiciários da União (Tribunais Superiores) e da Justiça Federal (Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais); (c) sejam da competência federal em razão da matéria — as fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional (CF, art. 109, III) e as que envolvam disputa sobre direitos indígenas (CF, art. 109, XI); (d) sejam da competência federal em razão da pessoa — as que devam ser propostas contra a União, suas entidades autárquicas e empresas públicas federais, ou em que uma dessas entidades figure entre os substituídos processuais no pólo ativo (CF, art. 109, I); e (e) as demais causas que envolvam interesses federais em razão da natureza dos bens e dos valores jurídicos que se visa tutelar. REsp 440002 / SE, rel. Min. Teori Albino Zavascki MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 1. Competência da Justiça Federal fixada, anteriormente, em conflito julgado pela Seção. Conflito renovado (CC 32.476-SC), sob o fundamento de que compete à Justiça Federal apreciar as causas nas quais estão sendo impugnados projetos que afetam bens da União, ainda que a implementação dessas obras tenha sido delegada a algum município.CC 36439 / SC Ademais disto, a competência aqui na Capital se estabelece, nos termos do artigo 93, II, do CDC. III. Da legitimidade ativa do Ministério Público Federal Tem-se legítima a presença do Ministério Público Federal no pólo ativo desta ação. O devido atendimento por parte dos réus às requisições do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, tanto pela previsão legal de que estão revestidas tais requisições, como pela imprescindibilidade delas para que se assegure o regular andamento de investigações e procedimentos no âmbito de atuação daquelas Instituições, são por certo direitos difusos, nos termos do art. 1.º da LACP. Pelos termos do inciso IV, do referido dispositivo legal, a matéria é regida pelo princípio da não taxatividade da ação civil pública. Assim também o art. 129, III, da Constituição Federal, revela o dever de proteção por esta Instituição aos direitos difusos não estabelecidos de forma exaustiva. Ademais, dispõe a Lei Complementar n.º 75/93: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL “Art. 2.º Incumbem ao Ministério Público as medidas necessárias para garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição Federal. Art. 5.º (...) § 1º Os órgãos do Ministério Público da União devem zelar pela observância dos princípios e competências da Instituição, bem como pelo livre exercício de suas funções. (...)” Assim, a legitimidade do Ministério Público Federal decorre tanto do já referido art. 129, II e III, da CF, como, em base infraconstitucional, do art. 5.º da Lei da Ação Civil Pública e do Capítulo I da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público Federal (Lei Complementar n.º 75), que prevê as atribuições pertinentes à proteção dos direitos difusos já enunciados. Ainda, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão da lavra do Ministro José Delgado (RESP 427140 / RO): “(...) 2. A carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 3. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade)”. Portanto, evidenciada a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para composição deste processo. IV. Dados cadastrais e sigilo bancário Tem-se que por certo não estão abrangidos pela proteção do sigilo bancário os meros dados cadastrais dos clientes das instituições financeiras, assim pelas razões seguintes. As noções de sigilo bancário, banco, atividades dos bancos e relações banco-clientes não são noções de igual extensão e é o sigilo bancário cobertor apenas de parte desses últimos. Dessa forma na medida em que, ainda que tenham os bancos atividade empresarial que os qualifica em face das demais, mantém eles também procedimentos que se aproximam do geral das atividades econômicas. Assim, a relação banco-cliente não é, enquanto não adentra nas movimentações financeiras propriamente ditas, específica a ponto de fazer incluir o simples preenchimento de cadastro na proteção do sigilo bancário. Em razão do princípio republicano, para se evitar bolhas de privilégio, o sigilo bancário deve ser estendido em observação à tutela constitucional da intimidade naquilo que lhe é peculiar e próprio, ou seja, estritamente nas movimentações financeiras de um cliente no seio de uma entidade bancária. Em outras palavras, não é a porta do banco que define o sigilo bancário mas o conceito de movimentações financeiras. Seria de outra forma caminhar pelo privilégio reconhecer a reserva MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL jurisdicional inclusive para os dados cadastrais armazenados pelas instituições financeiras, como se fossem eles a rigor o que quisesse proteger a legislação pertinente1. A distinção entre dados cadastrais e o conteúdo específico das movimentações financeiras (assim como a distinção entre dados cadastrais e conteúdo das comunicações telefônicas ou telemáticas), para o fim de separar os corpos sobre os quais incide o sigilo bancário, é reconhecida pela jurisprudência de nossos Tribunais: No caso dos autos, não houve a quebra do sigilo bancário (medida para a qual se exige, à toda evidência, autorização judicial), mas mera requisição dos dados cadastrais da conta bancária onde fazia o ente público depósito dos pagamentos do servidor, após descoberto seu falecimento. (Tribunal Regional Federal da 4.ª. Região, apelação criminal, processo n.º 2003.71.00.0281924) Não se pode confundir meros dados cadastrais com movimentações financeiras dos correntistas. O sigilo bancário, constitucionalmente tutelado (CF, art. 5º, X), obviamente não está sendo rompido, no caso, porque protege o conteúdo da conta, identificado com as operações financeiras praticadas por seu titular. Não alcança simples notas referentes a nome, endereço ou CNPJ/CPF do correntista. (Tribunal Regional Federal da 4.ª. Região, agravo n.º 2005.04.01.044098) O fornecimento de dados cadastrais em poder do provedor de acesso à Internet, que permitam a identificação de autor de crimes digitais, 1Dados cadastrais são a qualificação completa da pessoa física ou jurídica titular da conta bancária, incluindo nome ou razão social, endereço de residência ou sede, número de documentos ou de inscrição no CNPJ, estado civil, profissão ou objeto social e data de nascimento ou de constituição. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL não fere o direito à privacidade e o sigilo das comunicações, uma vez que dizem respeito à qualificação de pessoas, e não ao teor da mensagem enviada. (Tribunal de Justiça de Minas Gerais, processo n.º. 1.0000.04.4146355/000(1) EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL – Requisição de informações – Localização dos executados – Expedição de ofício ao Banco Central para obtenção de informações requeridas por instituição financeira – Alegação de imprescindibilidade da autorização judicial – Inocorrência – Dados cadastrais não estão abrigados pelo sigilo legal e podem ser fornecidos reciprocamente pelas próprias instituições financeiras – Lei complementar 103/01 – Exeqüente que, ademais, forneceu endereço inexistente para a citação – Decisão denegatória mantida - Recurso improvido (Tribunal de Justiça de São Paulo, Agravo de Instrumento n.º 7.050.676-6) Precisando parte de dados existentes em companhia telefônica para instruir possível ação criminal, tem ela a obrigação de os fornecer, não estando protegida pela inciso XII, do artigo 5º, da Constituição Federal. (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Apelação Cível 20030810047326APC) Na verdade, os dados cadastrais são um pressuposto para a possibilidade em favor do indivíduo de se postar como cliente em uma relação de consumo com um fornecedor de serviços bancários, a partir de onde irá ele, então, no exercício de sua intimidade, desenvolver sua atividade financeira, esta sim protegida pela cláusula de reserva de jurisdição. Antes disso tem-se mera atividade burocrática cujo fim é exatamente o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL oposto do sigilo, ou seja, o de fazer conhecer o cliente. Esse "fazer-se conhecer", percebase, não é, inclusive, mera opção de gestão privada da atividade dos bancos, mas preocupação de interesse geral, tutelada inclusive pela autoridade pública executiva máxima, qual seja, o Banco Central do Brasil. Inexiste, dessa forma, um direito à submersão no sistema bancário, mas apenas o adequado sigilo bancário, o sigilo das movimentações, o não se deixar conhecer o patrimônio ou o que se faz com ele, ao menos até segunda ordem, aqui, necessariamente judicial. O destino comum desses dados já mostra muitas vezes inclusive a total desproporcionalidade em vê-los acobertados de reserva jurisdicional. São, pois, os referidos dados os que muitas vezes já vem estampados nas folhas do talão de cheque, nos envelopes de correspondências bancárias, utilizados pelas campanhas de telemarketing dos próprios bancos, informados aos serviços de proteção ao crédito e, não raro, nas próprias comunicações de crimes de que são de alguma forma vítimas as próprias instituições financeiras. Por fim, ainda nessa linha, importante notar que a Lei Complementar n.º 105/2001 não coloca sob sigilo, no âmbito das instituições financeiras, os dados cadastrais dos correntistas, pois seu art. 1.º dispõe tão só: “As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados” Pelo contrário, o assunto é tratado no art. 10-A da Lei n.º 9.613/98, o qual não coloca a matéria sob qualquer sigilo: “O Banco Central manterá registro centralizado formando o cadastro geral de correntistas e clientes de instituições financeiras, bem como de seus procuradores” MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E, a respeito de todo e qualquer cadastro de consumidores, dispõe o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 43, §4º: “Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público” V. O dever de informar As atividades institucionais da Polícia Federal e do Ministério Público Federal na persecução penal, como impostas pelos princípios da oficialidade, da obrigatoriedade e da efetividade do processo, são instrumentalizadas pelo acesso desses órgãos, respeitadas as garantias individuais, notadamente as processuais, pela informação e instrução de seus expedientes, vinculando a participação de todos aqueles que tenham eventualmente possibilidade de prestar os devidos esclarecimentos, quer quanto ao crime, suas circunstâncias, quanto ao criminoso, a vítima, dentre outras situações2. É atividade constitucional, de preenchimento do interesse público, dotada naturalmente de prerrogativas, próprias de cada Estatuto de cada uma das Instituições mencionadas, abrangentes, por exemplo, da faculdade de fazer comparecer pessoas, de requisição e de acesso. O dever público de colaboração com a atividade de resolução dos crimes e de efetivação da aplicação das penas envolve genericamente os administrados e, por outro lado e em geral como o são as atividades estatais, é a atuação dos órgãos da persecução penal devidamente controlada, não apenas interna como externamente, por meios processuais e extraprocessuais. 2 Não menos instrumentalizado é o MPF quando na tutela de interesses difusos e coletivos, momento em que mantém plenamente seus poderes requisitórios. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Em outra linha de aproximação ao problema, tem-se que as atuações do Ministério Público Federal são reconhecidamente, inclusive já em momento constitucional, de interesse público. Ademais, são esses órgãos, como todo o Poder Público em uma Constituição Republicana, plenamente responsáveis e dotados das balizas legal e principiológica condizente com os direitos e garantias trazidas pela Constituição. Ainda, são dotados das prerrogativas próprias ao fiel cumprimento de suas missões institucionais, aí compreendido o dever-poder de se terem como informados quanto aos pontos de interesse da persecução penal – e no caso específico do MPF, de tutela cível dos interesses difusos e coletivos. De outro lado, como ressaltado no item anterior, os dados cadastrais das instituições financeiras não são protegidos pelo sigilo bancário, pelo que isentos da garantia da reserva de jurisdição. Em suma, havendo órgãos constituídos com prerrogativas de serem informados e não havendo sigilo bancário de dados cadastrais, nada há que desincumba, em regra, as instituições financeiras de seu dever de indicar os dados cadastrais à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal quando houver solicitação por parte destes. VI. Os poderes requisitórios do Ministério Público Federal A Constituição Federal trata o Ministério Público como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” - art. 127. Logo em seguida, por ocasião do elenco das funções institucionais do Ministério Público, expressamente lhe dá o poder de “expedir notificações nos procedimentos MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva” - art. 129, inc. VI. Resta assim que os poderes requisitórios do Ministério Público são de fonte constitucional3 e da essência da própria Instituição, para a qual reservou o constituinte papel ativo na tutela de interesses difusos e coletivos e no exercício da ação penal. Nessa linha, a Lei Complementar 75/93, Lei Orgânica do Ministério Público da União, instrumentaliza a Instituição com as ferramentas imprescindíveis ao exercício de sua função pública. Assim, ao prever os instrumentos de atuação do MPU, diz a referida Lei: Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência: I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada; II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta; III - requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a realização de atividades específicas; IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas; V - realizar inspeções e diligências investigatórias; VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio; VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar; 3 Assim, como já decidido pelo STJ (ROMS 13187): A atribuição do órgão ministerial, relativa à requisição de informações e documentos de qualquer natureza, advém do próprio ordenamento constitucional no resguardo do interesse público, que sobrepõe-se a qualquer outro, a fim de que possíveis fatos criminosos sejam apurados MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública; IX - requisitar o auxílio de força policial. § 1º O membro do Ministério Público será civil e criminalmente responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar; a ação penal, na hipótese, poderá ser proposta também pelo ofendido, subsidiariamente, na forma da lei processual penal. § 2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido. § 3º A falta injustificada e o retardamento indevido do cumprimento das requisições do Ministério Público implicarão a responsabilidade de quem lhe der causa. § 4º As correspondências, notificações, requisições e intimações do Ministério Público quando tiverem como destinatário o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, membro do Congresso Nacional, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro de Estado, Ministro de Tribunal Superior, Ministro do Tribunal de Contas da União ou chefe de missão diplomática de caráter permanente serão encaminhadas e levadas a efeito pelo Procurador-Geral da República ou outro órgão do Ministério Público a quem essa atribuição seja delegada, cabendo às autoridades mencionadas fixar data, hora e local em que puderem ser ouvidas, se for o caso. § 5º As requisições do Ministério Público serão feitas fixando-se prazo razoável de até dez dias úteis para atendimento, prorrogável mediante solicitação justificada. Em resumo, fundamenta amplamente a Lei Complementar 75/93 os poderes requisitórios do Ministério Público, ainda que diante de pessoas privadas e limita a oposição do sigilo (art. 8º, §2.º), que fica reservado, jurisprudencial, aos casos estritos de reserva de jurisdição. conforme entendimento MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Nesse sentido, já decidiu o STJ (REsp 657037): ADMINISTRATIVO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PROVIDÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS PARA PROPOSIÇÃO DE INQUÉRITO CIVIL E AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS NÃO CONFIGURADOS LEGALMENTE COMO SIGILOSOS. PREVALÊNCIA DA LEI Nº 8.625/93. I - A Lei nº 8.625/93 confere ao Ministério Público autorização para a requisição de informações a entidades públicas ou privadas visando à instauração de procedimentos judiciais ou administrativos. II - O Parquet ao requisitar os documentos inerentes à transferência do controle acionário da empresa de telefonia celular OI, com assunção de dívidas na ordem de R$ 4.760.000.000,00 (quatro bilhões, setecentos e sessenta milhões de reais) por apenas R$ 1,00 (um real), está na sua função de investigar a legalidade de operação de tal vulto. III - O artigo 155, § 1º, da Lei das Sociedades Anônimas, ao apontar como sigilosas as informações que ainda não tenham sido divulgadas para o mercado, não dirigiu esse sigilo ao Ministério Público, não havendo superposição da norma em relação à Lei nº 8.625/93. IV - Não existindo lei que imponha sigilo em relação aos dados em tela, prevalece a determinação legal que autoriza o Ministério Público a requisitar tais informações De se ter dos termos do diploma legal citado não haver faculdade para as instituições financeiras rés em não fornecer os dados cadastrais de seus clientes ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Parquet Federal4, no ponto em que não abrangidos pela reserva de jurisdição restrita às movimentações bancárias. De se firmar que a própria noção de sigilo bancário em si, ou seja, aquele que envolve as movimentações financeiras, tem cedido em face dos poderes requisitórios do MP quando se trata, por exemplo, de dinheiro público. Assim já decidido pelo próprio STF (MS 21729, rel. Min. Marco Aurélio): Mandado de Segurança. Sigilo bancário. Instituição financeira executora de política creditícia e financeira do Governo Federal. Legitimidade do Ministério Público para requisitar informações e documentos destinados a instruir procedimentos administrativos de sua competência. 2. Solicitação de informações, pelo Ministério Público Federal ao Banco do Brasil S/A, sobre concessão de empréstimos, subsidiados pelo Tesouro Nacional, com base em plano de governo, a empresas do setor sucroalcooleiro. 3. Alegação do Banco impetrante de não poder informar os beneficiários dos aludidos empréstimos, por estarem protegidos pelo sigilo bancário, previsto no art. 38 da Lei nº 4.595/1964, e, ainda, ao entendimento de que dirigente do Banco do Brasil S/A não é autoridade, para efeito do art. 8º, da LC nº 75/1993. 4. O poder de investigação do Estado é dirigido a coibir atividades afrontosas à ordem jurídica e a garantia do sigilo bancário não se estende às atividades ilícitas. A ordem jurídica confere explicitamente poderes amplos de investigação ao Ministério Público - art. 129, incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar nº 75/1993. 5. Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público, 4 Sobre a inexistência de faculdade ao atendimento de requisição ministerial, STJ (RHC 11888): II. Improcede a alegação de que os Poderes Executivo e Legislativo não estariam obrigados a atender a requisições ministeriais, pois pode ser destinatário da requisição qualquer órgão da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes Públicos. III. Não se pode aceitar a verdadeira pretensão, da paciente, de se atribuir o direito de escolher o tipo de documentação que deva remeter ao Ministério Público, sob pena de inconcebível inversão de valores e de situações. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado em defesa do patrimônio público. Princípio da publicidade, ut art. 37 da Constituição. 6. No caso concreto, os empréstimos concedidos eram verdadeiros financiamentos públicos, porquanto o Banco do Brasil os realizou na condição de executor da política creditícia e financeira do Governo Federal, que deliberou sobre sua concessão e ainda se comprometeu a proceder à equalização da taxa de juros, sob a forma de subvenção econômica ao setor produtivo, de acordo com a Lei nº 8.427/1992. 7. Mandado de segurança indeferido. De se concluir nessa linha que o poder de requisição do MPF é a regra cuja exceção não inclui os meros dados cadastrais dos clientes das instituições financeiras. VII. Os poderes da Polícia Federal A Polícia Federal é órgão da segurança pública, bem jurídico constitucional cuja responsabilidade de todos – inclusive das instituições financeiras - é determinada pelo caput do art. 144 da Constituição Federal. Suas atividades como polícia judiciária da União e suas atribuições na apuração dos delitos elencados pelos incisos I e II do art. 144, § 1.o. da CF, implicam no fornecimento pela ordem jurídica do instrumental próprio para o sucesso de suas atividades. Dessa forma, determina o CPP que cumpre à Polícia Judiciária a direção do inquérito policial, nos termos de seus artigos 5.º. e seguintes. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Assim sendo, sendo-lhe próprio o poder executório em suas atribuições, inclusive o de conduzir pessoas, refoge da iniciativa direta da Autoridade Policial apenas aqueles atos cuja determinação seja exclusiva da autoridade judiciária ou cujo sigilo seja oponível à ela, Autoridade Policial. Como visto acima, não se tendo nos dados cadastrais informação protegida por sigilo bancário, razão não há para que possam negar os réus seu fornecimento à Polícia Federal, no regular exercício de suas atribuições. Como órgão da Administração Pública no interesse da persecução penal, tem a Polícia Federal as chamadas prerrogativas exorbitantes ao direito comum, destacadamente poderes de exigir das pessoas não acusadas por crime que prestem os esclarecimentos devidos no interesse da investigação e que venham aos autos os elementos e documentos de interesse na posse de referidas pessoas. Assim, sem prejuízo do que estabelece o art. 6.º. do CPP, o qual enumera não taxativamente os poderes-deveres da autoridade policial, necessários à elucidação dos delitos, tem-se também que é de todos a responsabilidade pela segurança pública, em conformidade, aliás, com o já citado caput do art. 144 da Carta Federal. É, pois, dever inerente à todos, na esfera de seu alcance, colaborar com a atividade policial, para o “correto e efetivo cumprimento da justiça”, como exposto no julgamento pela 6ª Turma do STJ do Habeas Corpus 20906/MG, cujo relator foi o Ministro Hamilton Carvalhito. Como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, quanto às acima mencionadas prerrogativas (Curso de Direito Administrativo, 12.ed., Malheiros Editores, p. 356/357): “A ordem jurídica, é natural, dispensa tratamento diferentes aos interesses públicos e privados. Pode-se mesmo dizer que a sobrevivência e garantia dos últimos dependem da prevalência dos primeiros. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL A Administração Pública, por desenvolver atividade voltada à realização de interesses da coletividade (que são os seus interesses primários – únicos colimáveis -, em oposição aos secundários), encontra-se sob uma disciplina peculiar que impõe certos ônus, restrições, sujeições à sua atuação e lhe confere, de outro lado, prerrogativas de que não desfrutam usualmente os particulares. Por meio de umas e de outras, pretende-se equipá-la adequadamente para o exato e eficiente cumprimento de sua razão de ser. (...) Como se disse, a Administração Pública, para cumprimento dos fins que lhe são legalmente assinalados, dispõe de meios jurídicos peculiares, perfeitamente diversos dos que presidem as relações entre particulares. Tendo em vista os interesses que lhe cumpre proteger, realizar e assegurar, a Administração está adornada de prerrogativas que lhe são conferidas pelo sistema normativo a fim de que sua atuação possa objetivar eficazmente os escopos consagrados como próprios da coletividade – internos ao setor público. Nenhum desses poderes, juridicamente regulados, sublinhe-se, constitui-se em benefícios conferidos à Administração, por ser órgão do poder.” Nessa linha, pois, o disposto no art. 6.º. do CPP, a determinar à Polícia “colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias". MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL VIII. A proporcionalidade Sabido que nenhum direito, ainda que previsto no art. 5.o. da Constituição Federal é absoluto e sabido, ademais, que devem os direitos e deveres em face das diversas situações jurídicas conviver, de maneira que nenhum reste anulado por outro, aponta a doutrina constitucionalista para a proporcionalidade como medida de convivência dos diversos direitos trazidos pelo texto constitucional. Assim, inevitável ver o aparente conflito trazido pelo interesse da Polícia Federal na persecução penal, como também o do Ministério Público Federal, esse em face, ainda, da defesa dos interesses difusos e coletivos, com o interesse das instituições financeiras na tutela do que elas têm como sigilo bancário, e inevitável da mesma forma se buscar na proporcionalidade a solução para essa confrontação. Temos que esse conflito deva ser resolvido, então, em favor do interesse público vinculado às duas Instituições: MPF e Polícia Federal. De início na medida em que a busca de tais informações por uma e por outra se dá no atingimento dos respectivos misteres, essencialmente de interesse público, e não por simples espírito de emulação. De outra parte, os dados cadastrais são informações relativamente corriqueiras, menores, dentro do leque de dados gerenciados pelas rés e, dessa forma, a eles não deve ser estendida uma garantia de reserva jurisdicional que se mostra desproporcional, excessiva e inadequada. Por fim, por se dever ter que a tutela da intimidade não restará desguarnecida. A lide penal é uma lide necessária, não sujeita a autocomposição ou resolução extrajudicial, ou seja, o controle jurisdicional é inevitável e os órgãos da MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL persecução atuam vinculados às suas finalidades públicas e controlados, interna e externamente. Assim, o acesso à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, por encaminhamento direto, se, por um lado conforme o conceito de sigilo bancário (que, como dito, não inclui os dados cadastrais), por outro, não significa e nem pode significar desproteção em desfavor da pessoa humana. A ausência da reserva de jurisdição não equivale à vulgarização das informações pessoais cuja garantia resta inabalada pela seriedade das instituições, os princípios da atividade administrativa, vinculada à moralidade, impessoalidade, finalidade e legalidade, ademais dos princípios processuais e procedimentais, inclusive administrativos e judiciais. Não deve ser esquecida a manutenção do controle jurisdicional na hipótese e naturalmente, na medida em que as informações colhidas pelos órgãos da persecução penal são exatamente destinadas à sustentação de uma pretensão em Juízo, a quem cabe certamente avaliar a adequação, a necessidade e a proporcionalidade do proceder que lhe é apresentado. Resta pois, no conflito entre interesse público certo e interesse particular eventual, aquele desprotegido sem o acesso às informações cadastrais, esse tutelado independentemente do sigilo, a proporcionalidade a indicar a necessidade do atendimento por parte dos réus das requisições policiais e ministeriais. Sobre a proporcionalidade, ensina Willis Santiago Guerra Filho (Dos princípios constitucionais – Considerações em torno das normas principiológicas da Constituição, Coord. George Salomão Leite, Malheiros Editores, p. 243/244): “O reconhecimento dessa “dupla dimensionalidade” ou “duplo caráter” dos direitos fundamentais resulta da percepção da tarefa básica a ser cumprida por uma comunidade política, que seria a harmonização dos interesses de seus membros, individualmente MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL considerados, com aqueles interesses de toda a comunidade, ou de parte dela – donde se ter a possibilidade de individualizar três ordens distintas desses interesses: interesses individuais, interesses coletivos (ou “supraindividuais”, onde se incluem os chamados “interesses difusos”) e interesses gerais ou públicos. Note-se que apenas a harmonização das três ordens de interesse possibilita o melhor atendimento dos interesses situados em cada uma, já que o excessivo privilegiamento dos interesses situados em alguma delas, em detrimento daqueles situados nas demais, termina, no fundo, sendo um desserviço para a consagração desses mesmos interesses, que se pretendia satisfazer mais que aos outros (...) Assim é que se torna admissível e, mesmo, necessária a atribuição de competência ao Estado para, tutelando primordialmente o interesse público, fazer o devido balizamento da esfera até onde vão interesses particulares e comunitários – para o quê, inevitavelmente, restringirá direitos fundamentais, para com isso assegurar a maior eficiência deles próprios, visto não poderem todos, concretamente, ser atendidos absoluta e plenamente. É nessa dimensão, objetiva, que aparecem princípios como o da isonomia e proporcionalidade, engrenagens essenciais do mecanismo político-constitucional de acomodação dos diversos interesses em jogo em dada sociedade, e, logo, indispensáveis para garantir a preservação dos direitos fundamentais – donde se incluírem na categoria, equiparável, das garantis fundamentais”. Nesses termos, o acesso ao Poder Público aqui mencionado às informações cadastrais, não atingindo as movimentações bancárias em si, está em pleno acordo com a compatibilização entre interesses públicos e individuais, sendo medida adequada e proporcional medida de convivência entre a necessidade de efetividade da persecução penal e o respeito que se imprimiu à intimidade financeira das pessoas. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL IX.Conclusões Os fatos expostos até aqui o foram na direção das seguintes conclusões. O Ministério Público Federal é constitucionalmente instrumentalizado para o necessário acesso às informações de interesse de seus procedimentos e de sua atuação, sendo detalhado esse instrumental pela Lei Complementar 75/93. A Polícia Federal, órgão constitucional da segurança pública, é instrumentalizada pela legislação processual penal com os poderes chamados exorbitantes do direito comum, devendo a ela ser garantido o trazer aos autos do inquérito as informações necessárias ao seu pleno desenvolvimento. Os dados cadastrais não estão abrangidos pelo sigilo bancário na medida em que antecedente não incluído no registro das movimentações financeiras propriamente ditas. Ainda que se visse nos dados cadastrais o sigilo bancário, a proporcionalidade própria da interpretação constitucional franquearia o seu acesso à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal sem necessidade de intervenção prévia da Autoridade Judicial. Restam, pois, presentes as razões constante do voto do relator, Desembargador Federal Néfi Cordeiro, na Apelação em Mandado de Segurança 2004.71.00.022811 (Tribunal Regional Federal da 4.ª Região): “Assim, a doutrina e a jurisprudência têm entendido, pacificamente, que os direitos e garantias fundamentais não são absolutos, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL sofrendo limitações, mormente quando há interesse público relevante, perfeitamente aceitável, em decorrência do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. No corpo daquele voto – STF, MS 23452 -, foi apresentado, ainda, pelo relator do Mandado de Segurança, Min. Celso de Mello, necessário esclarecimento sobre o princípio da reserva de jurisdição, em citação a Paulo Castro Rangel: "(...) Com a noção de reserva absoluta queremos aludir àquelas matérias em que os tribunais têm de ter não apenas a última palavra, mas logo a primeira palavra. Isto é − e como diz GOMES CANOTILHO − em que existe um verdadeiro monopólio de juiz, que impede, de todo em todo, o exercício dessa função por parte de outras autoridades − administrativas, legislativas, judiciais/não jurisdicionais − mesmo que das decisões destas últimas possa haver recurso para um juiz. Não restam dúvidas de que o juiz terá a primeira e a última palavra naquele conjunto de situações especificamente previstas em preceitos de Constituição e que formam aquilo a que chamamos uma reserva absoluta especificada de jurisdição”. Nesta esteira − e precisamente sobre o caso concreto − segue análise do eminente Procurador da República, Dr. Luciano Feldens (publicado na revista jurídica Última Instância): "(...) Cabe considerar, no particular, que a atividade investigatória da polícia (federal ou civil) não se submete, em regra, ao controle preventivo do Poder Judiciário, o que somente se verifica ante situações determinadas em MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL que a lei e/ou a Constituição assim exijam, tal o exemplo das matérias submetidas a sigilo cuja disclosure das informações se demonstre submetida à reserva de jurisdição, tais como: a) busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), b) interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a c) decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI). Rigorosamente, de nenhuma dessas hipóteses trata o presente caso. Não há confundir−se, evidentemente, "interceptação de comunicações telefônicas" (medida para a qual se exige, à toda evidência, autorização judicial, nos termos da Lei 9296/96) com "requisição de dados cadastrais de posse de companhias telefônicas". Conforme assentamos em manifestação lançada nos autos do procedimento criminal nº 2002.71.00.030869−0, "uma situação é a prudente e recomendável preservação de tais dados, pela companhia telefônica, perante terceiros (situação inocorrente até pouco tempo atrás, bastando lembrar que as contas telefônicas eram remetidas 'abertas' aos clientes, via correio); outra, bem distinta, é a obrigatoriedade (a todos acometida) de atender ao Estado−Polícia quando este se fizer legitimamente investido dessa função, assentada a obrigatoriedade de qualquer do povo de não obstar (obrigação negativa) a atuação do poder de polícia do Estado, notadamente em face do comando do art. 6º, III, do Código de Processo Penal, que reza competir à Autoridade Policial 'colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias'”. Ademais, a 7ª Turma deste Tribunal Regional, em sua antiga composição, decidiu não haver quebra de sigilo no requerimento de informações sobre dados telefônicos (APC nº 2000.04.01.091246−0, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Rel. Des. Federal Vladimir Freitas, DJU 19/03/03) em voto assim redigido: "(...) Em sendo assim, mesmo com uma Constituição relativamente recente − 1988 − podemos concluir que as mudanças foram tantas que não faz mais sentido excluir do Ministério Público o poder de requisitar diretamente informações às autoridades administrativas ou aos particulares. Inclusive aos Bancos e empresas de telecomunicações. Alinho a propósito três argumentos: 1) o constituinte buscou dar ao Ministério Público a mais completa independência para defender os interesses da sociedade; 2) a criminalidade moderna, dotada de organização e internacionalidade, não pode ser combatida pelos métodos tradicionais de um mundo que já não existe; 3) o legislador já abriu exceção ao sigilo absoluto das informações e dados ao permitir através da Lei Complementar 105/2001 que a Receita Federal requisite diretamente aos Bancos os dados que necessita para apurar sonegação fiscal.(...)" Destarte, cabe traçar aqui, por necessário, uma distinção entre a interceptação (escuta) das comunicações telefônicas, inteiramente submetida ao princípio constitucional da reserva de jurisdição (CF, art. 5º, XII) de um lado, e o fornecimento dos dados (registros) telefônicos, de outro. A interceptação das comunicações telefônicas, além de submetida ao postulado da reserva constitucional de jurisdição, possui finalidade específica, pois a utilização desse meio probatório apenas se justifica, havendo ordem judicial, para fins de investigação criminal ou de instrução processual penal (CF, art. 5º, XII, in fine). Diversa é, porém, a situação concernente ao acesso aos registros telefônicos. No meu entendimento, sobre tais dados MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL inexiste previsão constitucional ou legal de sigilo, pois não fazem parte da intimidade da pessoa, assim como sobre eles não paira o princípio da reserva jurisdicional. De todo modo, ainda que considerados tais registros como sigilosos − o que admito apenas por argumentação − o direito à intimidade, neste caso, cederia ante interesse público maior consubstanciado na investigação policial da prática de ato ilícito em tese. Assim sendo, feita a necessária distinção entre "comunicação telefônica" e "dados cadastrais telefônicos" e inexistindo acerca destes o alegado postulado constitucional da reserva de jurisdição, creio não haver direito líquido e certo a ser protegido, bem como não reconheço qualquer ilegalidade ou abuso de poder por parte da autoridade apontada coatora. X. Da antecipação da tutela Para combater o atraso de solução jurisdicional que obrigue os réus a fornecer os dados cadastrais de seus clientes, mediante requisição do Ministério Público ou da Polícia, independentemente de autorização judicial, tem-se que cabe, no caso, a solução legalmente prevista pelo art. 273 do CPC. O periculum in mora está caracterizado pela necessidade imediata de conformação da atuação dos réus com as previsões legais e constitucionais que lhes impõem o dever de atender às solicitações das Instituições acima mencionadas. Efetivamente, encontram-se vinculados à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, paralelamente à presente lide, série de procedimentos, inquéritos policiais e MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL civis, dentro dos quais aparece a necessidade de colheita, no interesse de seu prosseguimento, dos dados cadastrais aqui buscados. São procedimentos que ademais de sujeitos, por exemplo, à prescrição, dependem para chegar a uma útil conclusão das informações próprias e adequadas, como os referidos aqui dados. Assim, a negativa por parte dos réus em fornecer os dados cadastrais solicitados, decorrente da consideração da falsa premissa de que tais dados estão abrangidos pelo sigilo bancário, pode gerar e tem gerado, além do atraso de investigações imprescindíveis à tutela do interesse público, seja no que tange à persecução penal, seja quanto à tutela de interesses difusos e coletivos, o abarrotamento do Judiciário com demandas desnecessárias. O fumus boni iuris decorre dos argumentos desenvolvidos na presente petição inicial. Para o bom cumprimento da liminar faz-se pertinente, pois, a garantia inibitória dada pelo art. 461 e 273 do CPC e pelo art. 84 do CDC, e seus respectivos parágrafos. Sobre a tutela inibitória e sua aptidão para impedir a continuidade de uma situação negadora do direito ensinam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart: “A tutela inibitória é essencialmente preventiva, pois é sempre voltada para o futuro, destinando-se a impedir a prática de um ilícito, sua repetição ou continuação. Trata-se de uma forma de tutela jurisdicional imprescindível dentro da sociedade contemporânea, em que multiplicam-se os exemplos de direitos que não podem ser adequadamente tutelados pela velha fórmula do equivalente pecuniário. A tutela inibitória, em outras palavras, é absolutamente MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL necessária para a proteção dos chamados novos direitos. (...) A tutela inibitória não visa apenas a impedir um fazer, ou seja, um ilícito comissivo, mas destina-se a combater qualquer espécie de ilícito, seja ele comissivo ou omissivo. O ilícito, conforme a espécie de obrigação violada, pode ser comissivo ou omissivo, o que abre a oportunidade, por conseqüência, a uma tutela inibitória negativa – que imponha um não fazer – ou uma tutela inibitória positiva – que imponha um fazer”5 Por fim, de se ver que além de não ter que se falar em irreversibilidade da medida, a tutela nos termos aqui propostos é para atender às próprias finalidades do réu. XI.Do pedido Pelo exposto, é a presente ação para se pedir: a) em antecipação da tutela, a antecipação dos efeitos da declaração de que os dados cadastrais dos clientes dos réus não estão abrangidos pela proteção do sigilo bancário, e a antecipação dos efeitos da condenação, sob pena de multa diária e sem prejuízo das demais medidas previstas pelo art. 461 do CPC, consistente na obrigação de fazer, qual seja, em fornecer os referidos dados cadastrais, independentemente de autorização judicial, quando requisitados pelo Ministério Público Federal ou pela Polícia Federal. 5 Manual do Processo de Conhecimento, Editora Revista dos Tribunais, p. 454 e 456 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL b) a citação dos réus para, querendo, apresentarem resposta; c) ao final, a confirmação da antecipação da tutela, ou, em sendo esta indeferida, que seja declarado que os dados cadastrais dos clientes dos réus não estão abrangidos pela proteção do sigilo bancário, bem como que sejam condenados estes, sob pena de multa diária e sem prejuízo das demais medidas previstas pelo art. 461 do CPC, na obrigação de fazer consistente em fornecer tais dados, independentemente de autorização judicial, quando requisitados pelo Ministério Público Federal ou pela Polícia Federal. Provará o alegado por todos os meios em direito admitidos. Dá-se a causa o valor de R$ 10.000,00. São Paulo, 10 de julho de 2006. Márcio Schusterschitz da Silva Araújo Procurador da República