Anais do XIX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do IV Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 23 e 24 de setembro de 2014 RELAÇÃO ENTRE ESTADO NUTRICIONAL E PERFIL LIPÍDICO DE ADOLESCENTES ESCOLARES Jessica Rondoni Silva Carla C. Enes Faculdade de Nutrição Centro de Ciências da Vida [email protected] Grupo de Pesquisa: Epidemiologia e Saúde Centro de Ciências da Vida [email protected] Resumo: O objetivo do estudo foi estimar a prevalência de dislipidemia entre adolescentes escolares e investigar sua associação com o excesso de peso. Trata-se de um estudo transversal com amostra probabilística de 525 adolescentes, matriculados em escolas públicas de Piracicaba (SP). Foram obtidas informações sociodemográficas, antropométricas (peso, altura e circunferência da cintura) e bioquímicas (colesterol total e frações, triglicerídeos).Utilizou-se o teste t-Student para avaliar a diferença de médias. A relação entre os indicadores antropométricos e a dislipidemia foi testada pela análise bivariada e a regressão logística foi utilizada para ajustar fatores de confusão e identificar interações. A força de associação foi mensurada usando-se odds ratio (OR) e seus intervalos de confiança de 95%. As análises foram realizadas no Stata 12.0 e considerou-se nível de significância de 0,05. A prevalência de dislipidemia foi de 80,8%. As frações lipídicas que apresentaram maior frequência de alteração foram o HDL-colesterol (64,19%) e colesterol total (25,9%). A média do IMC foi maior entre os adolescentes que apresentaram níveis séricos alterados de HDL-colesterol (p=0,0027) e de triglicerídeo (p=0,0040). Em relação à gordura abdominal, os valores de HDL-c eram menores e de triglicerídeo maiores entre os jovens com maior WHtR e circunferência da cintura. Os adolescentes com colesterol total aumentado apresentaram valores de WHtR superiores (p=0,0039) quando comparados àqueles com níveis normais de colesterol. A circunferência da cintura [OR = 1,29; IC (95%) = 1,10 – 1,80 p=0,018] e WHtR [OR = 3,27; IC (95%) = 1,29 – 8,28 p=0,012] apresentaram associação com o colesterol total. Somente a WHtR [OR = 2,71; IC (95%) = 1,08 – 6,82 p=0,034] manteve-se associada ao triglicerídeo no modelo multivariado. A elevada prevalência de dislipidemia e sua associação com a obesidade abdominal identificada neste estudo indica que a triagem preventiva deve iniciar durante a infância com o intuito de reduzir a ocorrência de doenças cardiovasculares. Palavras-chave: Dislipidemias; doenças cardiovascular, obesidade. adolescente; Área do Conhecimento: Ciências da vidaSub-Área: Análise nutricional de população 1. INTRODUÇÃO A prevalência da obesidade na infância e na adolescência traz conseqüências em curto e longo prazos, por estar associada a alterações lipídicas, como o aumento da concentração de colesterol 1 total, triglicerídeo e LDL, e diminuição de HDL . Pesquisas têm evidenciado a relação de parâmetros antropométricos que classificam o excesso de peso e a obesidade abdominal com o perfil lipídico 2,3 alterado entre a população jovem . A relevância das dislipidemias como problema de saúde pública está na sua relação com 4 as doenças cardiovasculares (DCV) , estando classificadas entre os mais importantes fatores de risco para doença cardiovascular aterosclerótica, juntamente com a hipertensão arterial, a obesidade 5 e o diabetes mellitus . Especialistas vêm alertando para o aumento das dislipidemias entre crianças e adolescentes. No Brasil, não existem dados epidemiológicos de abrangência nacional referentes à prevalência desse agravo. No entanto, estudos isolados têm identificado altas prevalências de dislipidemia, variando entre 3,1% e 46,5% em crianças e 6-8 adolescentes de diferentes regiões do país . Diante do exposto, esse artigo teve como objetivo estimar a prevalência de dislipidemia entre adolescentes escolares e investigar sua associação com o excesso de peso e obesidade abdominal. 2. MÉTODOS Trata-se de um estudo transversal realizado com 525 adolescentes de ambos os sexos, com idade entre 10 e 19 anos, selecionados probabilisticamente, de escolas públicas de Anais do XIX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do IV Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 23 e 24 de setembro de 2014 Piracicaba-SP. Pesquisadores treinados realizaram as entrevistas, usando um questionário estruturado com perguntas sobre os aspectos sociais, demográficos e de estilo de vida dos participantes. Ao final da entrevista, procedeu-se a uma avaliação clínica que incluiu medidas antropométricas (peso corporal, estatura e circunferência da cintura [CC]). As amostras sanguíneas foram coletadas por enfermeiros treinados. O projeto foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP. Participaram do estudo somente os adolescentes que devolveram o termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos pais ou responsáveis. Medidas de peso, altura e circunferência da cintura foram aferidas. O estado nutricional dos adolescentes foi avaliado a partir do índice de massa corporal (IMC) 2 (IMC = peso (kg)/altura (m)) e classificado segundo os pontos de corte estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde9. Os adolescentes foram classificados em eutróficos e com excesso de peso (sobrepeso + obeso). A obesidade abdominal foi avaliada pela circunferência da cintura e pela relação entre circunferência da cintura(cm) e altura(cm) (WHtRwaist-to-height ratio). O ponto de corte utilizado para a classificação da circunferência da cintura foi o 10 recomendado por Taylor e cols. , que define obesidade abdominal como CC ≥ percentil 80, ajustado para idade e sexo. Em relação à WHtR, adotaram-se 11 os critérios preconizados por Li e cols. , sendo utilizado como ponto de coorte para definição de obesidade abdominal o valor ≥ 0,5. Amostras de sangue foram coletadas (5mL) após jejum de 12 horas, na própria unidade de ensino por enfermeiras habilitadas para tal procedimento. Os valores referentes ao LDL-colesterol foram obtidos a partir dos resultados das dosagens do colesterol total (CT), HDLcolesterol (HDL-c) e triglicerídeo (TG) pela fórmula de 12 Friedewald: LDL-c = CT - (HDL + TG/5) . Para classificar as concentrações de lipídios séricos foram utilizados os valores propostos na V Diretriz Brasileira 13 de Dislipidemia e Prevenção da Aterosclerose . Os pontos de corte estabelecidos foram: CT ≥ 150 mg/dl (limítrofe) e CT ≥170 (aumentado); LDL-c ≥ 100 mg/dl (limítrofe) e LDL-c ≥ 130 mg/dl (aumentado); HDL-c < 45 mg/dl (não desejável); TG > 100 mg/dl (limítrofe) e TG ≥ 130 mg/dl (aumentado). Para o diagnóstico das dislipidemias, foram adotados os valores aumentados ou alterados. Considerou-se como portador de dislipidemia o indivíduo que apresentasse, entre esses exames, pelo 5 menos um valor alterado . Foram calculadas estatísticas descritivas (médias e desvio-padrão) e estimadas as frequências para os principais indicadores antropométricos e bioquímicos. As médias foram comparadas pelo teste “t” de Student. Usou-se a análise bivariada para testar a relação entre as variáveis independentes e as alterações no perfil lipídico. A força de associação foi mensurada usando-se odds ratio (OR) e seus intervalos de confiança de 95% [IC (95%)]. Foram estimados quatro modelos de regressão logística para avaliar a associação entre a presença de alterações lipídicas e indicadores do estado nutricional (presença ou ausência de excesso de peso e obesidade abdominal). O modelo final foi ajustado pela idade e sexo. As análises estatísticas foram realizadas no STATA versão 12.0. O nível de significância estatística foi estabelecido em 5%. 3.RESULTADOS Dos 525 adolescentes que permitiram a coleta de amostras de sangue 60,6% eram meninas. As frações lipídicas que apresentaram maior frequência de alteração foram o colesterol total e o HDL-colesterol. Um em cada quatro adolescentes tinha níveis de colesterol total elevados (≥170mg/dL) e cerca de 65% dos participantes apresentaram níveis séricos de HDLcolesterol abaixo do limite desejável (<45mg/dL) (Tabela 2). A prevalência de dislipidemia foi de 80,8% (n=424). Os resultados revelam que a média do IMC foi maior entre os adolescentes que apresentaram níveis séricos alterados de HDL-colesterol (p=0,0027) e de triglicerídeo (p=0,0040). Em relação à gordura abdominal, observou-se que os valores de HDL-c eram menores e de triglicerídeo maiores entre os jovens com maior WHtR e circunferência da cintura. Os adolescentes que tinham colesterol total alterado (≥170mg/dL) apresentaram valores de WHtR superiores (p=0,0039) quando comparados àqueles com níveis normais de colesterol (Tabela 3). Nas análises bivariadas a presença de excesso de peso (p=0,029) e valores de risco para CC (p=0,002) e WHtR (p=0,002) se associaram a alterações nos níveis de HDL-colesterol (Tabela 4). Valores considerados de risco para CC (p=0,039) e WHtR (p=0,001) também se associaram a níveis alterados de triglicerídeo. A Tabela 5 mostra os resultados da análise multivariada. A circunferência da cintura [OR = 1,29; IC (95%) = 1,10 – 1,80 p=0,018] e WHtR [OR = 3,27; IC (95%) = 1,29 – 8,28 p=0,012] apresentaram associação com o colesterol total após o ajuste pelas variáveis de confusão. Em relação ao triglicerídeo somente a WHtR [OR = 2,71; IC (95%) = 1,08 – 6,82 p=0,034] manteve-se associada a essa fração lipídica no modelo multivariado. Anais do XIX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do IV Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 23 e 24 de setembro de 2014 Tabela 1- Características antropométricas e bioquímicas dos adolescentes segundo sexo e maturação sexual. Piracicaba, SP, 2013. Total Meninos Meninas Pré-púberes Púberes Idade (anos) § 13,9(1,8) 14,0(1,8) 13,9(1,8) 13(2,0)* 13,9(1,8) Peso (kg) § 53,7(15,9) 55,7(17,4)* 52,4(14,8) 46,7(19,2)* 54,6(13,4) Altura (cm) § 159,9(10,3) 163,6(12,8)* 157,6(7,3) 153,0(16,1)* 158,4(7,7) 20,8(5,4) 20,6(5,4) 21,0(5,5) 19,7(6,4)* 21,7(5,0) 167(35,1) 62(33,3) 105(36,2) 13(40,6) 103(37,9) CC (cm) § 74,1(10,8) 75,2(12,0)* 73,4(9,9) 76,3(14,8) 73,7(10,0) WHtR § 0,46(0,1) 0,50(0,1) 0,50(0,1) 0,50(0,1) 0,46(0,1) CT (mg/dL) § 154,1(27,6) 150,3(25,4)* 156,5(28,7) 156,6(32,7) 155,0(27,8) LDL (mg/dL) § 97,7(22,9) 96,1(21,0) 98,7(24,0) 101,3(27,5) 97,1(22,6) HDL (mg/dL) § 42,3(9,2) 41,8(9,1) 42,6(9,2) 40,9(8,4) 42,6(9,3) TG (mg/dL) § 71,5(41,1) 66,0(41,5) 75,1(40,5)* 84,3(68,9) 75,4(41,1) 2 IMC (kg/m ) § Excesso de peso (n,%) IMC: índice de massa corporal; CC: circunferência da cintura; CT: colesterol total; LDL-c: lipoproteína de baixa densidade; HDLc: lipoproteína de alta densidade; TG: triglicerídeos. §Média e desvio-padrão. *Teste t Student p<0,05 Tabela 2- Classificação do perfil lipídico dos adolescentes, Piracicaba, SP, 2013. Dosagens Desejável lipídicas Limítrofe Alterado n % IC*(95%) n % IC* (95%) n % IC* (95%) CT 268 51,05 46,68 – 55,40 121 23,05 19,51 – 6,89 136 25,90 22,21 – 9,88 LDL-c 318 60,69 56,36 – 4,89 160 30,53 26,61 – 4,67 46 8,78 6,50 – 11,53 HDL-c 188 35,81 31,70 – 40,08 - - - 337 64,19 59,92 – 68,30 TG 435 82,86 79,35 – 5,98 57 10,86 8,33 – 13,84 33 6,29 4,36 – 8,71 *IC: intervalo de confiança de 95%; CT: colesterol total; LDL-c: lipoproteína de baixa densidade; HDL-c: lipoproteína de alta densidade; TG: triglicerídeos. Tabela 3- Classificação do perfil lipídico segundo parâmetros antropométricos. Piracicaba, SP, 2013. CT Variáveis 2 IMC (kg/m )§ Normal LDL* Alterado Normal HDL Alterado Normal TG Alterado Normal Alterado (n=389) (n=136) (n=478) (n=46) (n=188) (n=337) (n=492) (n=33) 20,9(5,2) 20,5(6,1) 20,9(5,3) 20,1(6,7) 19,9(5,2) 21,3(5,5) 20,6(5,4) 23,4(5,6) p-valor** 0,5041 CC (cm)§ 73,9(10,3) p-valor** 0,8473 WHtR§ 0,4(0,1) p-valor** 0,0039 0,0027 0,3307 74,1(12,3) 73,8(10,6) 75,1(12,9) 0,5(0,1) 0,0721 75,4(11,3) 0,0001 0,4494 0,5(0,1) 71,4(9,4) 0,0040 0,5(0,1) 0,4(0,1) 0,0015 73,6(10,3) 79,8(15,7) 0,0014 0,5(0,1) 0,5(0,1) 0,6(0,1) <0,001 IMC: índice de massa corporal; CC: circunferência da cintura; CT: colesterol total; LDL-c: lipoproteína de baixa densidade; HDL-c: lipoproteína de alta densidade; TG: triglicerídeos. §Média e desvio-padrão. *1 missing; **Teste t-student Anais do XIX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do IV Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 23 e 24 de setembro de 2014 Tabela 4- Índices antropométricos associados às alterações no perfil lipídico. Piracicaba, SP, 2013. CT LDL HDL OR IC (95%) OR 0,72 - 1,73 1,20 IC (95%) OR 0,60 - 2,41 1,58* TG IC (95%) OR 1,05 -2,37 1,59 IC (95%) Excesso de peso Não 1,00 Sim 1,12 1,00 1,00 1,00 0,78 - 3,25 CC Normal 1,00 Risco 0,97 1,00 0,63 – 1,50 0,98 1,00 0,50 – 1,93 1,96* 1,00 1,29 –2,98 2,12* 1,04 – 4,32 WHtR Normal 1,00 Risco 1,35 1,00 0,87 - 2,11 1,03 1,00 0,50 - 2,10 2,07* 1,00 1,31 - 3,27 3,25* 1,59 - 6,64 *p<0,05; OR: odds ratio; IC: intervalo de confiança de 95%; CC: circunferência da cintura; CT: colesterol total; LDL-c: lipoproteína de baixa densidade; HDL-c: lipoproteína de alta densidade; TG: triglicerídeos Tabela 5 - Modelo final de regressão logística de variáveis associadas às alterações no perfil lipídico. CT OR IC (95%) LDL OR HDL IC (95%) OR IC (95%) TG OR IC (95%) Excesso de peso Não 1,00 Sim 1,35 1,00 0,65 – 2,79 1,22 1,00 0,39 – 3,80 0,75 1,00 0,39 – 1,46 0,88 0,36 – 2,13 CC Normal 1,00 Risco 1,29* 1,00 1,10 – 1,80 0,73 1,00 0,17 – 3,10 2,00 1,00 0,88 – 4,59 1,04 0,36 – 3,01 WHtR Normal 1,00 Risco 3,27* 1,00 1,29 – 8,28 1,54 1,00 0,42 – 5,68 1,46 1,00 0,68 – 3,13 2,71* 1,08 – 6,82 Sexo Meninos 1,00 Meninas 1,36 1,00 0,87 – 2,13 1,47 1,00 0,70 – 3,08 0,82 1,00 0,55 – 1,22 1,50 0,89 – 2,54 Idade 10-14 anos 1,00 15-19 anos 1,11 1,00 0,72 – 1,72 2,00 1,00 1,00 – 4,00 1,26 1,00 0,85 – 1,87 0,45 0,26 – 0,78 OR: odds ratio; IC:intervalo de confiança de 95%; CC: circunferência da cintura; CT: colesterol total; LDL-c: lipoproteína de baixa densidade; HDL-c: lipoproteína de alta densidade; TG: triglicerídeos *p<0,05 4- DISCUSSÃO Os resultados do presente estudo revelam que a prevalência de dislipidemia é bastante elevada, uma vez que 80% dos adolescentes apresentaram alteração em pelo menos uma fração lipídica, sendo a hipoalfalipoproteinemia a principal alteração. Os dados indicam ainda uma associação entre a obesidade abdominal e alterações no perfil lipídico. Prevalências elevadas de dislipidemia, porém menores, também foram encontradas em outros 6,8 estudos realizados no Brasil com adolescentes e crianças14. Um estudo realizado com 257 escolares, com idade entre 3 e 14 anos encontrou prevalências menores de dislipidemia, sendo 3,1% de hipercolesterolemia, 4,7% de hipertrigliceridemia, Anais do XIX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do IV Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 23 e 24 de setembro de 2014 LDL-c elevado em 6,6% e níveis inadequados de 15 HDL-c em 17,9% . Ainda que as dislipidemias tenham um componente genético, sobretudo na hipercolesterolemia familiar homozigótica, a maior parte é determinada por fatores ambientais, especialmente relacionados à alimentação e à 16,17,18 16 inatividade física . Alcantara neto et al observaram uma influência negativa do consumo baixo e moderado de frutas, leguminosas e cereais, bem como do consumo moderado e alto de alimentos gordurosos e industrializados sobre o estado 19 lipidêmico de crianças e adolescentes. Rinaldi et al. em um estudo com 147 escolares com excesso de peso, também identificaram associação positiva entre o nível de colesterol e derivados do leite ricos em gordura e entre os níveis de triglicerídeos e o percentual de gordura saturada da dieta. Esses resultados reforçam a importância de práticas alimentares saudáveis para reduzir o risco de doenças cardiovasculares (DCV) na idade adulta, uma vez que evidências sugerem que níveis elevados de lipídios séricos estão relacionados com maior incidência de hiperlipidemia, hipertensão e doença 20,21 aterosclerótica . De acordo com o Programa Nacional de Educação sobre o Colesterol, a hipercolesterolemia, em particular o aumento do LDL, é o principal preditor das DCV. Os dados revelaram a influência do excesso de peso, mais especificamente da obesidade abdominal, na ocorrência de dislipidemia. Os adolescentes com CC e WHtR aumentados apresentaram maior risco para TG elevado e baixa 22 concentração de HDL-c. Santos e Spósito relatam que a principal dislipidemia associada à obesidade é caracterizada por elevações leves e moderadas do TG e diminuição do HDL-c. Merece atenção o fato do HDL-c baixo ter sido a dislipidemia mais prevalente neste estudo (64,19%), tendo em vista que essa fração lipídica é um importante fator protetor contra o desenvolvimento de doenças crônicas, 23 particularmente da aterosclerose . Já na análise multivariada, a gordura abdominal associou-se ao colesterol total, considerando os indicadores CC e WHtR e ao triglicerídeo, segundo o indicador WHtR. 8 Pereira et al. identificaram níveis médios de TG e HDL-c menos favoráveis entre os participantes com excesso de peso e obesidade abdominal. Resultados semelhantes foram encontrados por 24 Suárez e cols. , que observaram diferenças significativas nos valores de lipídeos (TG e HDL-c) entre a população total e aquela com sobrepeso e obesidade. Em outro estudo realizado com 943 adolescentes escolares, MUSSO et al.3, encontraram diferenças significativas nos níveis de triglicerídeos e HDL-colesterol entre aqueles com excesso de peso e sem excesso de peso. Em relação aos valores de CT e LDL-c, nossos achados corroboram parcialmente os 24 25 encontrados por Suárez e cols. e Silva e cols. , que não identificaram diferenças nos valores de LDL-c segundo o estado nutricional. Porém, encontraram valores de CT superiores entre os participantes com excesso de peso e obesidade, enquanto que no presente estudo o CT associou-se a obesidade abdominal. Um mecanismo que poderia explicar essa associação é que a dislipidemia ocorre devido especialmente ao desenvolvimento da resistência à insulina, inicialmente periférica, e posteriormente sistêmica. O hiperinsulinismo associado ao aumento da leptina e a redução da ativação da adiponectina, induz a ativação da via cinase AMP-dependente, 26 favorecendo a oxidação dos ácidos graxos . 5- CONCLUSÃO A elevada prevalência de dislipidemia e sua associação com a obesidade abdominal identificada neste estudo indica que a triagem preventiva deve iniciar durante a infância. Isto porque tanto a dislipidemia quanto o excesso de peso são condições que aumentam o risco de aterosclerose, que por sua vez, se constitui em um fator relevante para a ocorrência de infarto do miocárdio e acidentes cerebrovasculares. É necessário, portanto, que políticas públicas no setor da saúde sejam propostas com enfoque no tratamento, controle e prevenção da dislipidemia e obesidade, visando à redução da incidência de doenças cardiovasculares. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo apoio financeiro (processo no. 2012/01283-3). REFERENCIAS [ 1] Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults. Executive Summary of The Third Report of the National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III). JAMA 2001; 285:248697. [2] I’Allemand D, Wiegand S, Reinehr T, Müller J, Wabitsch M, Widhalm K, et al. Cardiovascular risk in 26,008 European overweight children as established by a multicenter database. Obesity 2008; 16:1672-9. [3] Musso G, Graffigna M, Soutelo J, Honfi M, Ledesma L, MiksztowiczV, et al. 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