CONTROLO DO CONSUMO DE ÁLCOOL E ESTUPEFACIENTES NO CONTEXTO LABORAL I O problema 1. Quando, em meados da década de 90 do século passado, fui solicitado a intervir em seminário internacional levado a efeito por IPSS da cidade de Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian, sobre o problema do consumo de drogas em geral e do álcool em particular no meio laboral, precisamente para abordar a questão dos testes de despistagem e controlo desses consumos no âmbito da execução do contrato de trabalho, aceitei o desafio e encarei a questão, respondendo-lhe, sem hesitações, no sentido da legitimidade da entidade patronal para proceder a esse controlo, nomeadamente mediante a realização de testes, que à época os conhecimentos técnico – científicos já permitiam, mesmo sem sujeição a análises sanguíneas e/ou à urina. Não me atemorizei perante a inexistência de normas específicas sobre a matéria, nem pela ideia de tais testes e exames poderem interferir com direitos de personalidade ou fundamentais dos trabalhadores, nomeadamente o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade da vida privada, nos termos dos artigos 70º a 81º do Código Civil (CC) e 25º e 26º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e também nas pertinentes normas da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em particular no seu artigo 8º. Também não me esqueci da condição de pessoas e de cidadãos que os trabalhadores preservavam, apesar de vinculados a uma relação jurídica caracterizada pela ideia de superioridade/subordinação entre as partes, cabendo o poder de direcção e disciplinar ao empregador e aos trabalhadores o dever de obediência às ordens e instruções daquele, nomeadamente em matéria de conformação e execução da prestação de actividade a que se obrigavam pelo contrato de trabalho. O desassombro da posição ali sustentada, assentou na ideia de que não há direitos absolutos, mesmo os fundamentais, e que, em caso de conflito entre direitos da mesma natureza e igual dignidade constitucional ou legal, o dilema se resolve com recurso à regra estabelecida no artigo 335º do CC para a colisão de direitos, que vale também, com as necessárias adaptações, para os direitos fundamentais com assento constitucional ou análogos, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira1, por força do princípio da “concordância prática”, doutrinal e jurisprudencialmente afirmado e estabilizado. 1 Cfr. Constituição da República Anotada, Volume I, 1ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, em especial a anotação ao artigo 18º. Na verdade, aqueles direitos do trabalhador individualmente considerado, cuja universalidade e força vinculativa horizontal, no sentido de se imporem às pessoas e entidades públicas e privadas, também se não discutia, conflituavam com direitos de igual natureza dos outros trabalhadores e mesmo de terceiros que por qualquer razão tivessem que se deslocar ou permanecer nos locais onde decorria a execução do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à protecção da saúde e segurança, constituindo mesmo dever do empregador proporcionar tais condições de trabalho a todos quantos sob a sua direcção desenvolvessem actividade, como impunham diversas normas dispersas pela legislação extravagante que então vigorava, em particular nos artigos 19º, al. c), e 41º do DL n.º 49408, de 24.11.1969 (LCT), e 4º, n.º 1, e 8º, n.º 1, do DL n.º 441/91, de 14.11, mas igualmente a CRP, no seu artigo 59º, n.º 1, al. c). Por outro lado, no mesmo sentido concorriam razões de ordem prática, como as relacionadas com a necessidade de dotar a entidade patronal de instrumentos capazes de lhe permitir concretizar aqueles deveres, nomeadamente mediante a vigilância e controlo das ordens e instruções emanadas a propósito, assim como de fazer prova da sua irresponsabilidade na eclosão de certos acidentes de trabalho, cujos resultados danosos lhe caberia de outro modo reparar, mesmo com agravamento. Com efeito, a legislação nessa altura vigente no domínio da prevenção e da reparação dos acidentes de trabalho, condensada, essencialmente, na Lei n.º 2127, de 03.08.1965, e seu Decreto Regulamentar n.º 360/71, de 21.08, em conjugação com a LCT (cfr. artigo 19º, al. e)), impunham ao empregador o dever de reparar os danos emergentes de acidente de trabalho, com a obrigação de transferência dessa responsabilidade para entidades seguradoras. A omissão desse dever ou o seu cumprimento defeituoso, podia, inclusive, fazê-lo incorrer em responsabilidade contraordenacional e penal, como resultava do DL n.º 491/85, de 26.11, que estabelecia o regime geral das contraordenações, e dos artigos 152º, n.ºs 1 e 4, e 277º, n.ºs 1, als. a) e b), 2 e 3, do Código Penal, com as alterações introduzidas, respectivamente, pelas Leis n.º 65/98, de 02.09, e 48/95, de 15.032. Todavia, ocorrendo violação das regras de segurança, higiene e saúde estabelecidas na lei, em regulamento ou decididas pela entidade patronal, as seguradoras podiam declinar a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente, cabendo nessas hipóteses em primeira linha ao empregador assumir directamente e com agravamento essa reparação, salvo se pudesse demonstrar que ele se ficara a dever a culpa grave, exclusiva e indesculpável 2 Regimes sancionatórios ainda vigentes, apesar das muitas alterações sofridas pelos correspondentes diplomas instituidores, como pode ver-se das correspondentes normas do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12.02 (CT 2009), em conjugação com as dos seus artigos 548º e ss., e dos artigos 152º - B e 277º do Código Penal. do sinistrado, ou a privação permanente ou acidental do uso da razão do mesmo, situações em que, por descaracterização, a sua obrigação de reparação ficaria arredada. Além de poder, em caso de acidente causado por um trabalhador com repercussão danosa noutros trabalhadores, sem prejuízo do seu dever de indemnizar os danos por estes sofridos, sub-rogar-se no seu direito à reparação perante o trabalhador lesante3. Estranho seria, por conseguinte, que, perante este quadro normativo impositivo de obrigações rigorosas à entidade patronal no âmbito da prevenção e reparação dos riscos e sinistros laborais, de cuja inobservância podia, inclusive, decorrer a sua responsabilização contraordenacional e/ou penal, o mesmo ordenamento jurídico não lhe facultasse, em contrapartida, a possibilidade de demonstrar o seu efectivo cumprimento e o eventual incumprimento dos demais obrigados, nomeadamente no sentido de afastar as referidas imposições indemnizatórias e sancionatórias. Tanto mais quanto se afigurava indiscutível, segundo estudos sociológicos nacionais e internacionais disponíveis, que a prevalência do consumo de drogas, álcool e outros produtos estupefacientes e psicotrópicos em contexto laboral atingia cifras elevadas, constituindo mesmo percentagem significativa do total dos consumidores, ocasionais e dependentes, bem como a sua danosidade física e psíquica propiciadora de diminuição das capacidades de atenção e concentração na execução das tarefas inerentes a qualquer actividade profissional, quando não mesmo totalmente impeditiva, com o acrescido risco de actuações potencialmente lesivas da segurança e da saúde dos próprios e dos demais trabalhadores e terceiros presentes no mesmo serviço ou dele beneficiários e de bens de grande valor, material e imaterial, dos próprios empregadores. Desse balanceamento concluí, em suma, ser legítimo ao empregador realizar testes de despistagem e controlo de consumos de drogas, lato sensu, actuação que estaria também legitimada e era cabível nos seus poderes de direcção, com a única ressalva de impedir práticas persecutórias e discriminatórias relativamente a determinados trabalhadores ou que se traduzissem em claras violações do princípio constitucional da proibição do excesso, nas suas dimensões de adequação, proporcionalidade e necessidade, se bem que em termos bastante amplos face ao quadro fundamentador traçado. 3 Regime que, “mutatis mutandi”, se manteve inalterado no essencial do que aqui interessa, nos regimes de reparação posteriores, aprovados pelas Leis n.ºs 100/97, de 13.09, e 98/2009, de 04.09, e diplomas complementares, assim como nos sucessivos Códigos do Trabalho e diplomas definidores do regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, como pode ver-se, actualmente, nos artigos 126º a 129º e 281º a 284º, do CT 2009, e no DL n.º 102/2009, em particular os seus artigos 1º, 15º e 103º e ss. Todos com cobertura constitucional, conforme estabelece o artigo 59º, n.º 1, al. f), da CRP, desde a revisão constitucional de 1997. Essa foi também a posição de Silvestre Sousa4, assim como da maioria da jurisprudência que até aí se tinha debruçado sobre questões relacionadas com o consumo de drogas em contexto laboral, em particular do álcool, embora quase raramente apreciando a legitimidade ou legalidade das pesquisas efectuadas, circunscrevendo a sua pronúncia ao impacto descaracterizador ou não dos acidentes de trabalho sofridos por trabalhadores sob a sua maior ou menor influência, daí se retirando a ilação de que aquelas eram questões cuja resposta positiva se tinha por pacífica e adquirida. A excepção pode encontrar-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 24.06.1998, proferido no processo n.º 97S243, publicado no BMJ n.º 478, pp. 171, relatado pelo Conselheiro Matos Canas, no qual, além da afirmação da legalidade e legitimidade dos testes se aprecia também em sentido positivo a constitucionalidade de regulamento interno de empresa que determinava a submissão dos seus trabalhadores a testes de alcoolémia aleatórios, por não violação dos referidos direitos de personalidade e/ou fundamentais, admitindo ainda a virtualidade de uma eventual recusa dos trabalhadores em submeter-se à sua realização poder erigir-se em justa causa de despedimento, por desobediência intolerável às ordens legítimas do empregador5. 2. Apesar desse relativo conforto, pouco tempo decorreu até ganhar a consciência da verdadeira dimensão do problema e, consequentemente, das insuficiências e candura da abordagem que dele tinha empreendido. Com efeito, aquela posição, também estribada no pressuposto de que todos os intervenientes nas relações jurídico - laborais agiriam de boa – fé e com respeito pelos aludidos princípios constitucionais, como é mister em qualquer contrato, da sua formação à sua execução e cessação, foi abalada pelas crescentes práticas, timidamente denunciadas por candidatos a certos empregos, trabalhadores no activo e algumas associações de defesa dos grupos sociais envolvidos, com algum eco na comunicação social, de empresas e empresários que não olhavam a meios para se intrometer na esfera íntima dos interessados em determinados postos de trabalho e pelos titulares de outros já preenchidos, com a conivência 4 Cfr. “Problemática da embriaguez e da toxicomania em sede de relações de trabalho”, in RDES – Ano XXIX (II da 2ª Série), Julho – Setembro, n.º 3, pp. 399 a 448. 5 O sumário do acórdão pode ser consultado no site http://www.gde.mj.pt/jstj/nsf, sob o número convencional 00033889 e como documento n.º SJ199806240002434. Pode também ser consultado no BTE, 2ª Série, n.º 4-5-6/99, pp. 708 e ss., para onde nos remete Carlos Perdigão, que o cita e comenta no trabalho “Testes de Alcoolémia e Direitos dos Trabalhadores”, in Minerva – Revista de Estudos Laborais, Ano I, n.º 2, Março de 2003, pp. 9 a 59. O autor, de resto, tira conclusões coincidentes com a orientação sufragada no aresto, o que não invalida a utilidade da leitura do trabalho, entre o mais, pela vasta e valiosa informação proporcionada quanto à morbilidade do fenómeno, em termos pessoais e sócio – laborais, mas também pelas suas conclusões propositivas. de laboratórios, empresas de selecção e recrutamento e profissionais de saúde e do direito, a par de uma relativa incapacidade das autoridades competentes para fiscalizar e impedir tais comportamentos, perguntando o que, obviamente, se não devia nem podia perguntar, pelo menos do modo generalizado como o faziam, sobre doenças anteriores, próprias e familiares, estado de gravidez e planos futuros sobre a maternidade e paternidade e outras informações sobre hábitos de vida, além de submeterem esses candidatos e trabalhadores a testes e exames de todo o género, despistando propensões genéticas e consumos de drogas, sem lhes prestar qualquer informação sobre o respectivo âmbito ou justificar a necessidade e acedendo aos respectivos resultados, que depois serviam para fundamentar a selecção e o recrutamento ou mesmo para condicionar as carreiras dos trabalhadores já em actividade. Essas práticas, aliás, parecem ter constituído a campainha que despertou a doutrina nacional para o problema, tendo começado a surgir, em ritmo crescente, trabalhos de diversos autores sobre o assunto6, num movimento que viria a culminar com a consagração legal expressa de normas relativas aos direitos de personalidade dos trabalhadores e dos candidatos a essa qualidade, com a publicação e início de vigência do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27.08, nesse corpo normativo se incluindo o artigo 19º, que, sob a epígrafe “Testes e exames médicos”, veio precisamente introduzir uma disciplina normativa própria e específica sobre a realização de exames e testes para efeitos de admissão e permanência no emprego, para além dos já previstos na legislação relativa à segurança e saúde no trabalho, consagrando inequivocamente essa possibilidade, mas com carácter excepcional e estabelecendo diferentes níveis de exigência, consoante a maior ou menor intromissão na esfera privada dos trabalhadores e candidatos ao emprego que da sua realização pudesse advir. 6 Seria injusto neste ponto não destacar a vastíssima reflexão de José João Abrantes, que, desde o início da década de 90, tinha já dado à estampa vários escritos sobre a matéria e sempre no sentido da afirmação da cidadania dos trabalhadores, mesmo enquanto tal e no âmbito da execução do contrato de trabalho, conforme se pode ver na resenha efectuada por Rui Assis, em “O Poder de Direcção do Empregador – Configuração geral e problemas actuais”, Coimbra Editora, 2005, a pp. 263 e ss. em que indica a bibliografia de suporte à sua obra. Nela, de resto, pode ver-se grande parte da doutrina a propósito produzida em finais daquela década, em grande medida condensada, in “AAVV, II Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, Coord. António Moreira”, Almedina, Coimbra, 1999, e “AAVV, III Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, Coord. António Moreira”, Almedina, Coimbra, 2001, designadamente António Menezes Cordeiro e António Nunes de Carvalho. Mas também in “AAVV, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho”, Vol. II, Coord. Pedro Romano Martinez, Almedina, Coimbra, 2002, de que saliento, pela pertinência e profundidade, o texto intitulado “Justa Causa e Esfera Privada”, pp. 35-91, da autoria de Guilherme Machado Dray. Nessa altura, por outro lado, começou a germinar a ideia de que os testes de despistagem e controlo dos consumos de droga se traduziam ou poderiam traduzir na recolha e tratamento de dados pessoais de saúde e, como tal, sensíveis, nos termos e para os efeitos do regime da Lei n.º 67/98, de 26.10, que estabeleceu entre nós o regime de Protecção de Dados, como sustentou Catarina Sarmento e Castro, em “A protecção de dados pessoais dos trabalhadores”, publicado na Revista Questões Laborais, n.º 19, Ano IX – 2002, pp. 27 a 60. Estavam, pois, lançadas as bases para um recomeço do debate, agora em torno da oportunidade e necessidade da consagração legal, aplaudida por quase todos, mas sem unanimidade quanto à sua verdadeira novidade e mesmo necessidade e ainda menos quanto à respectiva qualidade, por se considerar que, mesmo constituindo um importante factor de travagem das práticas denunciadas, padecia ainda de um certo grau de incerteza e indeterminabilidade a carecer de densificação e consolidação doutrinária e jurisprudencial7, senão mesmo legal. Desse renovado debate e perante a prática que se foi institucionalizando e generalizando no tecido empresarial português, associado aos programas governamentais plurianuais sobre a prevenção e combate ao fenómeno, em resultado de consensos obtidos na concertação social, com o envolvimento, portanto, das associações patronais e sindicais, assim como o de outras entidades ligadas à prevenção da toxicodependência e à fiscalização das condições de trabalho, a algumas orientações internacionais sobre a matéria, incluindo o direito da União Europeia e conclusões de grupos de trabalho constituídos no seio do Conselho da Europa, nasceu a convicção de que a opção feita em 2003 tinha sido acertada, era de manter e podia ser melhorada, pelo que, se procedeu a uma revisão do Código do Trabalho de que resultou o citado CT 2009, cujo artigo 19º sofreu também alterações de pormenor relativamente à versão de 20038, no sentido de melhorar a sua disciplina em matéria de exames e testes que vão além dos exames de acesso, ocasionais e periódicos previstos na legislação relativa à segurança e saúde no trabalho, essencialmente aos que se encontram definidos no artigo 108º da Lei n.º 102/2009, de 10.09. 2. As interrogações e algumas respostas 7 Por essa altura, a Inspecção – Geral do Trabalho (IGT) e o Centro de Estudos Judiciários promoveram jornadas geograficamente dispersas e com juristas do foro, da academia e da actividade inspectiva, cujas intervenções compilaram e publicaram em Dezembro de 2004, pela Coimbra Editora, em obra intitulada “A reforma do Código do Trabalho”. Nela podem consultar-se trabalhos pertinentes ao tema que aqui nos ocupa, da autoria de, respectivamente, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, José João Abrantes e Maria Regina Redinha, sob os títulos “A Protecção dos Dados Pessoais No Contrato de Trabalho”, pp. 123-138, “O Novo Código Do Trabalho E Os Direitos de Personalidade Do Trabalhador”, pp. 139-160, e “Os Direitos De Personalidade No Código Do Trabalho: Actualidade E Oportunidade Da Sua Inclusão”, pp. 161-171. Sobre a matéria vale ainda a pena ler o que escreveram Rui Assis, in ob cit., em especial a pp. 207-262, Teresa Alexandra Coelho Moreira, in “Da Esfera Privada do Trabalhador e o Controlo do Empregador”, STVDIA IVRIDICA 78, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra Editora, 2004, em especial pp. 199-203, 219-238, 358-365 e 476-478, e Júlio Manuel Vieira Gomes, in “Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho”, Coimbra Editora, 2007, particularmente pp.350-352. 8 Essencialmente de redacção, mas também de substância, nomeadamente na parte em que eliminou do nº 3 o segmento “salvo autorização escrita deste”, o que nos reconduz para a discussão sobre a relevância ou irrelevância do consentimento do trabalhador no acesso e divulgação da informação recolhida nos exames e nos testes. A introdução do n.º 4, quanto ao sancionamento da violação do estatuído nos n.ºs 1 e 2, foi essencialmente de ordem sistemática, na medida em que a mesma estatuição no CT 2003 se encontrava no artigo 641º, n.º 1. Aqui chegados, importa conferir as interrogações que a normatividade vigente em matéria de testes e exames para despistagem e controlo de consumo de drogas no contexto laboral ainda comporta. Numa primeira aproximação, parece não fazer já qualquer sentido a pergunta que constituiu o ponto de partida desta abordagem, pois é hoje inequívoco que a lei permite a realização desse tipo de exames e testes, embora o faça pela negativa e lhe introduza fortes restrições, conforme resulta do artigo 19º, n.º 1, do CT 2009. Da sua redacção, mesmo persistindo alguma indeterminabilidade com potenciais efeitos impeditivos em sede sancionatória, parece resultar definitivamente arredada qualquer ideia de realização desse tipo de testes e exames à generalidade dos trabalhadores e em qualquer actividade, ainda que com respeito pelos princípios da igualdade e da não discriminação e da proibição do excesso, apenas em função das razões de ordem prática inicialmente enunciadas e dos poderes de direcção do empregador, que, nesta matéria sofre, assim, acentuadas limitações. Parece, por outro lado, resultar daquele normativo, lido à luz dos referidos princípios constitucionais e em atenção à natureza dos direitos fundamentais aqui em jogo, designadamente o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade da vida privada, também eles objecto de previsão e protecção legal directa, nos termos dos artigos 15º e 16º do CT 2009, em que se inscrevem as questões de saúde e os hábitos de vida de todas as pessoas, que em caso de dúvida sobre a admissibilidade ou não da realização de exames e testes destinados ao controlo de consumo de drogas em contexto laboral, deve prevalecer o entendimento mais restritivo, ou seja, o da salvaguarda daquele direito, com exclusão dos testes e/ou exames. Além disso, afigura-se evidente também que os testes e exames devem ser precedidos de informação escrita sobre a sua fundamentação a facultar ao(s) indivíduo(s) a sujeitar aos mesmos, assim se lhes garantindo a possibilidade de oposição igualmente fundada e esclarecida, e que a sua realização deve ser assegurada por pessoal de saúde ou por técnico para tanto habilitado, sempre sob a vigilância de médico responsável e em regime de confidencialidade, estando o resultado subtraído ao conhecimento do empregador, a que aquele apenas pode entregar ficha de aptidão ou de inaptidão para o desempenho da actividade em causa, salvo consentimento daqueles validamente prestado9. 9 Como se viu, o CT 2009 eliminou do n.º 3 do artigo 19º o segmento relativo ao consentimento nele estabelecido no CT 2003, o que reconduziu a discussão doutrinária sobre a admissibilidade e valor do consentimento do trabalhador neste âmbito ao disposto no artigo 81º do CC e 18º e ss. da CRP, só o admitindo em circunstâncias muito limitadas e desde que assegurada a sua prestação em condições de absoluta liberdade, precisamente porque, em contexto laboral, isso se apresenta sempre eivado de dúvidas, face ao estado de subordinação jurídica e, muitas vezes também, económica do trabalhador perante o empregador, o mesmo se Sendo também indiscutível que a violação do regime estatuído no n.º 1, quanto aos testes e exames passíveis de realização e algumas das formalidades a observar, constitui contraordenação muito grave, punível nos termos dos artigos 548º e ss. do CT 2009. Por outro lado, o regime aqui estatuído é aplicável também aos trabalhadores em funções públicas, por força do artigo 4º, n.º 1, al. b), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20.06, assim como aos trabalhadores sujeitos a outros regimes especiais e equiparados ao contrato de trabalho, nos termos do artigo 10º do mesmo código, nomeadamente aos praticantes desportivos profissionais, cujos contratos estão sujeitos ao regime jurídico estabelecido na Lei n.º 28/98, de 26.06. Fora destas certezas, no entanto, restam muitas dúvidas sobre a adequada resposta a dar a um conjunto alargado de outras interrogações que o problema em análise suscita, designadamente: a) A informação escrita a fornecer pelo empregador está sujeita a qualquer outra formalidade especial, deve observar um determinado conteúdo mínimo, pode ou tem que ser feita a todos os trabalhadores por escrito individualizado ou comum e mediante ordem de serviço geral ou regulamento interno da empresa? b) Pode a realização dos testes e exames, as formalidades a que estão sujeitos, modo e conteúdo da informação escrita a facultar aos trabalhadores, assim como as respectivas consequências em caso de resultado positivo ou de recusa ser estabelecidas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho? c) Podem os trabalhadores, individual ou colectivamente, impugnar a validade e o conteúdo desses regulamentos internos e instrumentos de regulamentação colectiva? d) O resultado dos exames ou testes, sendo positivo, mesmo que obtido noutro âmbito, tem alguma consequência disciplinar directa ou pode ser usado, nomeadamente como elemento de prova, em procedimento disciplinar aberto na sua sequência ou dos factos que determinaram a realização do exame? e) E de natureza civil, designadamente em matéria de recusa da prestação pelo empregador e caducidade do contrato ou outra modalidade de cessação, ou em processos de acidente de trabalho e de doença profissional? f) E de natureza contraordenacional e criminal? g) E pode ainda, nesses casos, ser acessível ao empregador e a terceiros, que não as autoridades públicas de saúde ou de fiscalização e repressão da legalidade, mesmo sem consentimento dos trabalhadores? podendo dizer, com as necessárias adaptações, relativamente à posição do candidato ao emprego, como referem vários autores, entre os quais Rui Assis, in ob. cit.. h) O resultado pode ou deve ser valorado da mesma forma quer se trate de consumo ocasional, reiterado ou de dependência, dentro ou fora do local e do tempo de trabalho ou mesmo depois da morte? i) E relativamente a todos os trabalhadores por conta de outrem a quem o regime é aplicável, nomeadamente os adstritos ao exercício de funções públicas e aos profissionais do desporto? j) Quais as consequências de eventual recusa do trabalhador em submeter-se aos testes e/ou exames determinados pelo empregador, fundadamente e segundo as regras legais e regulamentares, mas que aquele conteste, ou mesmo sem qualquer contestação? k) Quais os meios de reacção ao dispor dos trabalhadores nessas circunstâncias ou noutras em que pretendam impugnar a decisão patronal de os submeter aos testes ou exames de controlo e despistagem do consumo de drogas? l) Implicando a realização de tais exames e/ou testes a recolha e tratamento de dados, estes podem ou devem ser considerados dados de saúde e da vida privada e, como tal, sensíveis, determinando que aquele fique dependente da prévia autorização, notificação e controlo pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD)? Enfim, muitas interrogações para as quais a lei parece não fornecer resposta imediata, segura e aplicável de modo geral e uniforme a todas as situações em que elas podem colocarse. Ainda assim, deve dizer-se que a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) e o Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), celebraram um protocolo relativo à “Prevenção de Riscos em Meio Laboral”, na sequência de um trabalho conjunto em que contaram com a colaboração da CNPD, das associações patronais e sindicais, da Direcção – Geral de Saúde e da Sociedade Portuguesa de Medicina no Trabalho, em que definiram um conjunto de princípios orientadores da sua actuação neste domínio, à luz de uma interpretação do regime legal, que se afigura encontrar nele arrimo e que, em boa parte, responde a muitas daquelas questões, que também a CNPD aprovou10. Nessa sequência a CNPD emitiu uma Deliberação em que desenvolveu esses princípios e definiu regras de actuação uniforme para o tratamento dos dados neste âmbito11. 10 O documento aprovado intitulou-se “Segurança e Saúde do Trabalho e a Prevenção do Consumo de Substâncias Psicoactivas: Linhas Orientadoras para a Intervenção em Meio Laboral”, o qual foi também aprovado pela CNPD, através da Deliberação n.º 440/2010, de 14 de Junho. 11 Trata-se da DELIBERAÇÃO Nº 890 /2010, de 15.11, aplicável aos tratamentos de dados pessoais com a finalidade de medicina preventiva e curativa no âmbito dos controlos de substâncias psicoactivas efectuados a trabalhadores, passível e consulta na página web da Comissão. Revendo-me nesses princípios e regras, aqui os reproduzo, com a devida vénia, começando pelos primeiros: «Os princípios orientadores da intervenção em meio laboral sobre a matéria de consumo de substância psicoactivas deve assentar em: a) Promover a prevenção e o tratamento com programas de informação, formação e qualificação sobre as substâncias psicoactivas integrados em programas de saúde mais amplos; b) Garantir a confidencialidade de toda a informação em todos os pontos do processo de detecção, tratamento e reabilitação; c) Inexistência de qualquer forma de discriminação, por parte dos empregadores, dos trabalhadores que se querem sujeitar a tratamentos, sendo-lhes garantidos o posto de trabalho e as mesmas oportunidades de promoção considerando-se, enquanto durar o tratamento, a sua eventual transferência para funções que não constituam risco para a segurança do próprio ou de terceiros, sem perda de direitos ou outras regalias; d) Absoluta aceitação voluntária por parte do trabalhador não se lhe podendo impor qualquer tratamento contra a sua vontade; e) Consideração de que o problema do consumo de substâncias psicoactivas deve ser entendido como uma questão de saúde e tratado como tal no que respeita a todos os aspectos nomeadamente incapacidade temporária, subsídio de doença e outros benefícios sociais; f) Procedimentos integrados exclusivamente no âmbito da medicina do trabalho não devendo existir em qualquer outro contexto; g) Procedimentos estatuídos em regulamento onde constem: as substâncias alvo da detecção, as categorias profissionais que se justifica serem alvo dos testes, as circunstâncias da aplicação dos testes, os profissionais envolvidos sendo sempre obrigados a sigilo e submetidos à responsabilidade do médico do trabalho, a frequência dos testes, a homologação dos aparelhos de teste, a oportunidade da contra-prova e sua gratuidade, os procedimentos a adoptar em caso de teste positivo, a comunicação à entidade patronal unicamente por ficha de aptidão com a menção de apto ou não apto, a sujeição a processo disciplinar face a uma prestação laboral considerada fraca e inaceitável independentemente do consumo; h) Reconhecimento de que os testes se destinam exclusivamente a verificar a aptidão do trabalhador para o desempenho das suas funções e só podem ser efectuados no estrito cumprimento da lei (Código do Trabalho e Lei 102/2009, de 10 de Setembro); i) Reconhecimento de que os testes de despistagem de consumos de substâncias psicoactivas põem em causa direitos, liberdades e garantias consagrados nos artigos 25.º e 26.º da Constituição da Republica Portuguesa, nomeadamente o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade da vida privada; j) Condenação da criação de sanções à margem da lei como seja considerar justa causa de despedimento o mero consumo de substâncias psicoactivas em si.». Quanto às regras, elas incidem sobre todos os aspectos pertinentes no domínio da recolha e tratamento de dados sensíveis, como pode observar-se: «Controlo prévio Os tratamentos de dados com a finalidade de medicina preventiva e curativa no âmbito dos controlos de substâncias psicoactivas efectuados a trabalhadores incidem sobre dados sensíveis, pelo que, nos termos da alínea a) do artigo 28º da LPD, estão sujeitos a controlo prévio. Consequentemente, tais tratamentos não poderão iniciar-se antes da obtenção da respectiva Autorização da CNPD, a emitir nos termos e condições fixadas após notificação do tratamento a esta Comissão. Responsável pelo Tratamento Nos termos da alínea d) do artigo 3.º da Lei 67/98, o responsável pelo tratamento é “a pessoa singular ou colectiva, a autoridade pública, o serviço ou qualquer outro organismo que, individualmente ou em conjunto com outrem, determine as finalidades e os meios de tratamento dos dados pessoais”. A entidade responsável pelo tratamento de dados decorrentes de controlos de alcoolemia ou de consumos de droga é a entidade empregadora, sem prejuízo da obrigatoriedade de o tratamento se efectuar no âmbito dos Serviços de Segurança e Saúde no Trabalho ou de prestação de serviços neste sector. Finalidade do tratamento A finalidade destes tratamentos de dados tem, necessariamente, de ser subsumida à finalidade de medicina preventiva e curativa no âmbito dos controlos de substâncias psicoactivas efectuados a trabalhadores. No entanto, admite-se a sua utilização para efeito de prova no âmbito de procedimento disciplinar em curso, cuja fundamentação assente nas causas tipificadas no Código de Trabalho. Ressalva-se que o consumo de substâncias psicoactivas em si não constitui justa causa de despedimento, mas antes o comportamento que dali, eventualmente, possa ser subsumido no âmbito do disposto no artigo 351.º do Código de Trabalho. A utilização dos dados para finalidade diversa tem de ser objecto de autorização da CNPD, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 28.º da Lei 67/98. Qualidade dos dados Os dados pessoais tratados devem ser adequados, pertinentes e não excessivos relativamente à finalidade de medicina preventiva e curativa no âmbito dos controlos de alcoolemia e de droga efectuados a trabalhadores (cfr. artigo 5.º da Lei 67/98). Neste contexto devem, ainda, ser respeitados os seguintes pressupostos no tratamento de dados em causa: a) Que o âmbito de aplicação seja restrito às categorias de trabalhadores cuja actividade possa pôr em perigo a sua integridade física ou de terceiros, desde que concretamente justificadas em nome de razões ponderosas de interesse público relevante ou que estejam em conflito com outros direitos constitucionalmente consagrados; b) Que o tratamento de dados esteja enquadrado em programa de saúde ocupacional com carácter de medicina preventiva e curativa; e c) Que seja elaborado regulamento para o efeito, de acordo com as orientações constantes nas “Linhas Orientadoras para a Intervenção em Meio Laboral” (IDT/ACT) já referidas, onde tenha sido assegurada a participação dos representantes dos trabalhadores. Condições de legitimidade A legitimidade para estes tratamentos decorre do interesse público importante subjacente ao tratamento, indispensável ao exercício das atribuições legais ou estatutárias do responsável, atentos os pressupostos supra mencionados, com «garantias de não discriminação» e sendo adoptadas as «medidas de segurança» adequadas (cf. n.º 2 do artigo 7.º da Lei 67/98). O interesse público previsto no n.º 2 do artigo 7º da Lei 67/98 é qualificado, pelo que apenas releva o interesse público se este for importante. Nos tratamentos de dados pessoais com a finalidade em análise é o perigo para a integridade física do próprio ou de terceiros que justifica o interesse público importante, assente em nome de motivos ponderosos quando existam razões objectivas em função da segurança para o próprio, para outros trabalhadores, para os utentes dos serviços ou para a comunidade em geral, não bastando a alegação de perigo indirecto, reflexo ou remoto, ou quando, os riscos sejam mínimos. Categorias de dados tratados Mostram-se necessárias para a prossecução desta finalidade as seguintes categorias de dados: circunstâncias da aplicação dos testes; sigilo); o controlo; Estas informações, quando necessárias para a avaliação da aptidão dos trabalhadores, enquadram-se no conceito de informação médica, tal como descrito no artigo 5.º da Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro. Decisões individuais automatizadas Não são admitidas, nos termos do n.º 1, do artigo 13º, da Lei n.º 67/98, decisões que produzam efeitos na esfera jurídica do trabalhador ou que o afectem de modo significativo, tomadas exclusivamente com base num tratamento automatizado de dados destinado a avaliar determinados aspectos da sua personalidade, designadamente a sua capacidade profissional. Tratamento efectuado por subcontratante Caso o empregador, responsável pelo tratamento, na organização dos serviços de segurança e saúde no trabalho opte pela contratação, para a prestação destes serviços, de uma entidade externa, deve essa prestação de serviços ser regida por um contrato ou acto jurídico que vincule a entidade (subcontratante) ao responsável pelo tratamento. Nesse contrato ou acto jurídico, o qual deverá revestir a forma escrita, com valor probatório legalmente reconhecido, deve constar que o subcontratante apenas actua mediante instruções do responsável pelo tratamento e que lhe incumbe a obrigação de pôr em prática as medidas técnicas e organizativas adequadas para proteger os dados pessoais contra a destruição acidental ou ilícita, a perda acidental, a alteração, a difusão ou acesso não autorizados, bem como para garantir um nível de segurança adequado em relação aos riscos inerente ao tratamento e à natureza dos dados a proteger (cf. artigo 14.º da Lei n.º 67/98). Medidas de Segurança Em relação à segurança da informação – e porque estão em causa dados sensíveis, designadamente dados de saúde – importa considerar as medidas previstas no artigo 15.º da Lei 67/98. Tais medidas devem aplicar-se tanto aos dados contidos em ficheiros automatizados, como aos dados manuais. Importa ainda ter em atenção os procedimentos concretos quanto às formas de recolha, processamento e circulação da informação. Em primeiro lugar, e quanto aos dados automatizados, o sistema deve garantir uma separação lógica entre os dados referentes à saúde e os restantes dados pessoais, de natureza administrativa (artigo 15º nº 3 da Lei 67/98). Nesse sentido, o sistema informatizado deve estar estruturado, de modo a permitir o acesso à informação de acordo com os diferentes níveis de acesso dos utilizadores, sendo atribuídas palavras-passe de software que disciplinem as autorizações de acesso. Tais palavras-passe devem ainda ser periodicamente alteradas e eliminado perfil utilizador logo que este deixe de ter privilégios de acesso. Devem, pois, ser adoptadas medidas de segurança que impeçam o acesso à informação a pessoas não autorizadas. As observações clínicas relativas à informação de saúde são anotadas em ficha própria que serve de base ao preenchimento da «ficha de aptidão», a qual, sendo remetida ao responsável pela área dos recursos humanos, não pode conter elementos que envolvam segredo profissional (n.º 3 do artigo 110.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro); A informação de saúde deverá ser de acesso restrito ao médico do trabalho ou, sob a sua direcção e controlo, a outros profissionais de saúde obrigados a sigilo profissional. A informação de saúde, na qual se incluem os resultados dos testes, em caso algum poderá ser comunicada ao empregador, apenas sendo dado conhecimento do estado de aptidão do trabalhador em termos de apto, não apto ou, ainda, apto com restrições. Sempre que haja circulação da informação de saúde em rede, a transmissão dos dados deve ser cifrada (nº 4 do artigo 15.º da Lei 67/98). Ainda no âmbito das condições de segurança, deve ser garantido um acesso restrito, sob o ponto de vista físico e lógico, aos servidores do sistema, que devem manter um registo de auditoria de acesso à informação sensível. De igual modo, devem ser feitas cópias de segurança (back-ups) da informação, as quais deverão ser mantidas em local apenas acessível ao administrador de sistema. No que diz respeito aos dados contidos em suporte de papel, devem ser adoptadas medidas organizacionais, que garantam um nível de segurança idêntico, impedindo o acesso e manuseamento indevidos. Quando a recolha de dados pessoais referentes à saúde não for efectuada directamente pelo profissional de saúde (por exemplo, preenchimento de um questionário directamente pelo titular dos dados), têm de ser tomadas medidas concretas quanto à circulação dessa informação, que impeçam a visualização dos dados por pessoa não autorizada (alíneas b) e h) do nº 1 do artigo 15.º da Lei 67/98), designadamente mediante a entrega directa ao profissional de saúde ou entrega nos serviços, em envelope fechado, endereçado ao profissional de saúde. Independentemente das medidas de segurança adoptadas pela entidade responsável pelo tratamento, é a esta que cabe assegurar o resultado da efectiva segurança da informação e dos dados tratados. Note-se que o teste de controlo terá sempre de ser efectuado por profissional de saúde. Comunicação de Dados Sem prejuízo das comunicações legalmente previstas, não pode haver comunicação de dados. A ficha clínica só pode ser facultada às autoridades de saúde e aos médicos da Autoridade para as Condições de Trabalho (cf. n.º 2 do artigo 109.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro). Prazo de conservação da informação Nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 5º da Lei 67/98, os dados pessoais apenas podem ser conservados durante o período necessário para prossecução das finalidades da recolha ou do tratamento posterior. Neste sentido, atenta a sensibilidade dos dados pessoais objecto de tratamento, fixa-se o prazo máximo de conservação da informação em um ano. Nas situações de existência de processo judicial, nomeadamente decorrente de acidente de trabalho ou doença profissional, a informação pode ser conservada para além daquele prazo, enquanto se mostrar necessária, designadamente para comprovação da situação de doença. Direito de informação A prestação de informação por parte do responsável do tratamento ao titular dos dados é um direito essencial no regime de protecção de dados, com consagração constitucional. Ademais, o direito de informação é corolário dos princípios da boa fé, da lealdade e da transparência, pelo que o titular dos dados deve «ter conhecimento da existência de um tratamento de dados pessoais e obter, no momento em que os dados lhe são pedidos, uma informação rigorosa e completa das circunstâncias dessa recolha» (cf. Considerando 38 da Directiva 95/46/CE). Assim sendo, deve o responsável pelo tratamento, no momento da recolha dos dados, garantir que são fornecidas ao trabalhador (titular dos dados) todas as informações constantes do nº 1 do artigo 10º da Lei 67/98. Direito de acesso e rectificação O direito de acesso aos seus dados pessoais por parte do titular, bem como o direito de os rectificar são igualmente direitos fundamentais (n.º 1 do artigo 35.º da CRP), essenciais para a verificação dos princípios da adequação, pertinência, exactidão e actualização dos dados pessoais (alíneas c) e d) do artigo 5.º da Lei 67/98). No âmbito da finalidade de medicina preventiva e curativa no âmbito do controlo de alcoolemia ou de consumos de droga, devido à natureza diversa dos dados objecto de tratamento, aplicam-se duas regras distintas para o exercício do direito de acesso. Destas diferentes formas de acesso deve ser dado conhecimento ao titular dos dados aquando da prestação do direito de informação. Nos termos do nº 1 do artigo 11º da Lei 67/98, o titular dos dados tem o direito de obter directamente do responsável do tratamento, livremente, sem restrições, com periodicidade razoável, sem demoras ou custos excessivos, o conjunto das informações previstas nas alíneas a) a e) da norma acima mencionada. Havendo, no contexto desta finalidade, lugar ao tratamento de dados de saúde, o direito de acesso deverá ser exercido, nos termos do n.º 5 do artigo 11.º da Lei 67/98, isto é, por intermédio de médico escolhido pelo titular dos dados, que pode ser, a solicitação do trabalhador, o médico do trabalho. Quanto ao direito de rectificação, este é exercido junto do responsável pelo tratamento, que deverá estabelecer a forma como o titular dos dados o pode fazer, no momento da prestação do direito de informação. No entanto, dada a especificidade do tratamento de dados de saúde, quando houver lugar ao exercício do direito de rectificação deste tipo de dados, deverá o trabalhador exercê-lo directamente junto do médico do trabalho ou de profissional de saúde sujeito a segredo profissional, uma vez que o conhecimento destes dados está limitado a estas pessoas.». * Daqui resulta que uma boa parte das interrogações antes formuladas, encontrou resposta cabal nos princípios e regras definidos pela CNPD na Deliberação parcialmente transcrita. Acresce que algumas delas foram sancionadas pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, designadamente quanto ao controlo prévio, finalidades e natureza dos dados objecto de tratamento, assim como à tendencial obrigatoriedade de os exames e testes serem regulamentados nas suas várias incidências, desde os trabalhadores a abranger, frequência, conteúdo, finalidades, informação, contraditório, etc., através de regulamento interno da empresa devidamente divulgado pelos trabalhadores, estando sujeito, prevendo tratamento de dados sensíveis dos trabalhadores, a autorização prévia e controlo da Comissão, conforme se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) nela citado, de 09.09.2010, proferido no processo n.º 076/10, na 1ª Subsecção do contencioso administrativo, relatado pelo Conselheiro Pais Borges, disponível no sítio http://www.gde.mj.pt/jsta.nsf, no qual se discutiu a competência da CNPD para intervir e pronunciar-se sobre a validade do Regulamento Interno instituído na Câmara Municipal do Porto sobre o controlo dos seus trabalhadores aos testes e exames aqui em discussão. Outras matérias mereceram o apoio jurisprudencial, como seja a da obrigatoriedade de os testes serem realizados por pessoal médico e de enfermagem ou por técnicos habilitados na área da segurança e saúde no trabalho, sob a responsabilidade de um médico, nomeadamente do médico do trabalho, como parece resultar do texto e sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), de 06.10.2010, proferido no processo n.º 475/07.7TTFUNC.L1-4, relatado pela Desembargadora Paula Sá Fernandes, disponível no sítio http://www.gde.mj.pt/jtrl.nsf, relativo a um trabalhador de uma fábrica de cervejas, com a categoria de auxiliar de armazém, detectado com uma taxa de alcoolémia de 0,83, g/l. Também assim quanto à utilização do regulamento interno da empresa como via privilegiada de estatuição do regime dos testes, sem qualquer dependência de aceitação por banda dos trabalhadores para produzir efeitos, como se decidiu em acórdão do mesmo tribunal, de 15.09.2010, proferido no processo n.º 335/10.4TTFUN.L1-4, relativo a uma providência cautelar pedida pelo STAAF (Sindicato dos Trabalhadores de Aviação e Aeroportos do Funchal) contra o Regulamento Interno aprovado pela ANAM (Aeroportos e Navegação Aérea da Madeira, SA), relatado pelo Desembargador Ferreira Marques e disponível no mesmo sítio. Outro tanto, quanto à natureza dos dados, à sua confidencialidade e irrelevância probatória quando acedidos ilicitamente, e à inviabilidade de o simples consumo, em maior ou menor grau, poder por si justificar o despedimento com justa causa de um trabalhador, como se decidiu no muito comentado e glosado acórdão do Tribunal da Relação do Porto (TRP), de 10.07.2013, proferido no processo n.º 313/12.9TTOAZ.P1, relatado pelo Desembargador Eduardo Petersen, disponível no sítio http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf, em que se discutiu a ilegalidade do acesso da entidade patronal concessionária dos serviço de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos ao resultado de relatórios clínicos com informação sobre valores da taxa de álcool no sangue e, consequentemente, o seu nulo valor probatório por ser prova proibida12, nele se abordando igualmente, ainda que a título incidental, a necessidade de tais dados apenas poderem ser conhecidos por pessoal médico, cuja informação àquela se deverá 12 Inferindo-se da sua fundamentação que o tribunal considerou aplicável no âmbito do processo disciplinar laboral a disciplina consagrada artigo 32º, n.º 10, doa CRP. limitar à declaração de aptidão ou inaptidão para a actividade por parte do trabalhador, aqui um trabalhador desqualificado daqueles serviços, a quem for detectada a presença de álcool no sangue, assim como a validade dos regulamentos internos nesta matéria e a necessidade de normas prévias da entidade empregadora a proibir o consumo no trabalho. 3. As dúvidas persistentes Todavia, algumas dessas decisões revelaram também dissidências face aos princípios elencados pela CNPD, como aconteceu com o primeiro dos arestos citados do TRL, quanto à possibilidade de a simples prova de presença de álcool no sangue, ao arrepio do determinado pela entidade patronal em Ordem de Serviço do conhecimento do trabalhador, com antecedentes registados de mais duas situações de consumo, constituir justa causa de despedimento, efectivamente decretado e confirmado nessa decisão. O mesmo se diga do segundo dos acórdãos do TRL referidos, quanto à validade da regra constante do regulamento interno sobre a possibilidade de qualquer trabalhador da ANAM poder ser sujeito aos testes e/ou exames, o que se afigura desconforme com os aludidos princípios de diferenciação, necessidade, adequação, etc, pelo simples facto de se tratar de empresa de gestão de aeroportos. Também no acórdão recente do TRP, de 30.06.2014, proferido no processo n.º 933/12.1TTBCL, relatado pelo Desembargador Rui Penha e disponível no mesmo sítio, em que se discutia a validade do despedimento de um trabalhador da construção civil, a quem fora detectada presença de álcool, mediante testes qualitativos, com alcoolímetros certificados por entidade privada, que não pelo IPQ, efectuados por técnico de segurança, cujos resultados foram comunicados à entidade patronal, em valor superior aos 0,50 g/l definidos na CCT para o sector, com antecedentes e considerado reincidente, nos termos dessa mesma CCT, ainda que acompanhada por regulamento interno da empresa que sujeitava à possibilidade de submissão aos testes de qualquer trabalhador, considerou válido o despedimento, por preenchida a justa causa, sem discutir a validade das cláusulas da CCT e do regulamento, nem a licitude da prova assim obtida e levada ao conhecimento do empregador. No mesmo sentido decidiu o acórdão do TRL, de 11.07.2002, relatado pelo Desembargador Pereira Rodrigues, proferido no processo n.º JTRL00093310, também disponível naquele sítio, aqui com a particularidade de se tratar de confirmação de despedimento, baseada em prova de consumo no âmbito da condução rodoviária, em que fora detectada para esse efeito uma TAS de 0,69, assim incorrendo o trabalhador em contraordenação grave nos termos do Código da Estrada (CE), e em que se deu como assente que desse facto nenhuma funesta consequência adveio para quem que fosse, salvo para o trabalhador. E nos acórdãos do TRP, de 10.07.2006, proferido no processo n.º 0613312, disponível no sítio mencionado sob o n.º convencional JTRP00039402, relatado pelo Desembargador Ferreira da Costa, e do TRL, de 23.01.2002, relatado pela Desembargadora Maria João Romba, proferido no processo n.º 0081314, disponível no sítio referenciado sob o n.º convencional JTRL00039788, ambos relativos a acidentes de trabalho mortais, cuja descaracterização se discutia e em que foi admitida e valorada a TAS detectada nos cadáveres das vítimas nos respectivos relatórios de autópsia, cujos resultados foram facultados aos intervenientes, incluindo a segurador a e entidade patronal, sem qualquer discussão pelos tribunais sobre a legitimidade e legalidade desse acesso por parte daqueles e licitude e validade da prova assim obtida. * Desta breve resenha jurisprudencial se conclui que entre os referidos princípios definidos pela CNPD e a jurisprudência se verificam ainda dissonâncias de entendimento sobres aspectos tão cruciais como o da possibilidade de o despedimento do trabalhador poder derivar directamente da realização dos testes/exames e respectivo resultado positivo, o do livre acesso da entidade patronal ao resultado desses exames e testes sem consequências ao nível da sua valia probatória, assim como o da possibilidade de ser utilizado o resultado positivo de pesquisas efectuadas noutros domínios, como no da fiscalização rodoviária, com implicações ao nível do direito de mera ordenação social, ou em autópsias relevantes também para fins criminais e cíveis, para efeitos jurídico – laborais, designadamente para integração de justa causa de despedimento e de eventual descaracterização de acidente de trabalho. Por outro lado, muitas das interrogações formuladas não foram ainda objecto de tratamento jurisprudencial ou doutrinal que se conheça, tão pouco encontrando resposta nos princípios elencados pela CNPD. Algumas delas, de índole estritamente processual, como as possibilidades de reacção dos trabalhadores à ordem de realização dos testes que considerem infundada e violadora dos seus direitos, assim como relativamente à validade e ao conteúdo dos IRCT e regulamentos internos, encontram resposta no Código de Processo do Trabalho (CPT), com as alterações introduzidas pelo DL n.º 295/2009, de 13.10, seja ao nível dos procedimentos cautelares, seja mediante recurso às acções especiais em matéria de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho e da tutela da personalidade do trabalhador, reguladas, respectivamente, pelos seus artigos 4º e 183º a 186º, e 26º, n.º 1, al. g), e 186º - D a 186º - F, devendo quanto a ambas ter também em atenção as pertinentes normas substantivas da CRP e do CT 2009, considerando, designadamente que em matéria de direitos fundamentais os IRCT só podem dispor em sentido mais favorável aos trabalhadores, nos termos do disposto no artigo 3º, n.º 3, al. a). Fica por outro lado a dúvida sobre saber se o consumo de drogas e os efeitos negativos que lhe andam associados quanto à manutenção da capacidade de trabalho com zelo e diligência e de manutenção dos níveis de produtividade antes alcançados ou mesmo determinantes de total incapacidade, apesar de as boas práticas apontarem no sentido de se dever considerar sempre transitória a situação de dependência, são ou não susceptíveis de preencher os requisitos da cessação do contrato de trabalho, por caducidade derivada de impossibilidade superveniente absoluta e definitiva de o trabalhador cumprir a prestação a que se obrigou, nos termos do artigo 343º, al. b), ou por inadaptação, nos termos dos artigos 373º, 374º, n.º 1. e 375, n.º 2, todos do CT 2009. Quanto a outras consequências cíveis, contra-ordenacionais ou criminais resultantes do consumo de drogas em meio laboral e do conhecimento do seu resultado apurado nos testes ou exames de que aqui se trata, salvo eventual direito da entidade patronal em recusar a prestação de trabalhador que os serviços de medicina do trabalho considerem inaptos para a actividade, não se vê que elas possam aqui ter lugar, até em consideração do seu carácter confidencial, impeditivo, portanto, do conhecimento pelas autoridades competentes para a sua apreciação e punição no âmbito contraordenacional e criminal. Já quanto à efectiva e igual aplicação das normas e princípios enunciados a todos os trabalhadores, mesmo os que exercem funções públicas e os praticantes desportivos profissionais, perfila-se de difícil defesa essa igualdade de tratamento. Efectivamente, em face das normas especiais que regem a execução dos respectivos contratos e que impõem aos praticantes desportivos particulares deveres de conduta extra – laboral e laboral tendentes a preservar a capacidade física necessária à prática desportiva e o inevitável dever de sujeitar-se aos exames e tratamentos a tanto necessários, nos termos do artigo 13º, als. c) e d), da referida Lei n.º 28/98, de 26.0613, e aos segundos o dever de preservar a imagem e capacidade funcional dos empregadores públicos, ao ponto de relativamente a eles a lei prever mesmo o sancionamento com pena de suspensão quando se apresentem ao serviço em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou drogas equiparadas, como estabelece o artigo 186º, al. b), da mencionada LTFP, salvo se se enveredar pela inconstitucionalidade desta última norma. 13 Para maiores desenvolvimentos sobre a relação laboral desportiva e suas diferenças relativamente à relação laboral comum, vide João Leal Amado, in “Vinculação Versus Liberdade - O Processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo”, Coimbra Editora, 2002. Quanto às situações de recusa indevida do trabalhador a submeter-se a testes ou exames legitimamente determinados pelo empregador, como se afirmou no acórdão do STJ de 1998 acima referenciado, parece não restarem dúvidas de que esse comportamento se traduzirá em violação do dever de obediência às ordens daquele, com potencial relevância disciplinar. Mais problemática se apresenta a questão de saber se os consumos detectados devem ter sempre idêntico tratamento, sejam resultado de comportamentos aditivos no tempo e no local de trabalho, sejam absolutamente alheios ao meio laboral. Nesta última situação e considerando as orientações perfilhadas pela CNPD, que subscrevo quanto à impossibilidade de qualquer resultado positivo poder ser directamente determinante de sanção disciplinar, tudo aponta no sentido de tais consumos, só por si, como os demais, salvo expressa proibição patronal de consumos no meio laboral, serem, por maioria de razão, irrelevantes quanto ao acesso e permanência no trabalho, sem prejuízo dos efeitos indirectos que neste se possam repercutir, em termos de cumprimento contratual. 4 Conclusões É tempo de concluir, reafirmando a perplexidade que me levou no século passado a defender candidamente ser legítimo ao empregador submeter todos os seus trabalhadores a testes e exames para despistagem e controlo do consumo de drogas, desde que não persecutórios e respeitadores do princípio da proibição do excesso e independentemente da sua actividade, mais ainda quando a sua inércia relativamente a um trabalhador sob influência de álcool ou outras substâncias psicoactivas o possa fazer incorrer em responsabilidade civil, contraordenacional ou penal. Mas reconheço que esse não foi o caminho trilhado pela lei, que, sem dúvida e em homenagem a valores superiores de defesa de direitos fundamentais do trabalhador pessoa e cidadão, estabeleceu um regime em que a realização de tais testes e exames constitui a excepção, sendo a regra a da sua proibição, além de a condicionar a apertados requisitos formais e informativos. Mais, o regime estabelecido impõe também que o tratamento dos dados assim excepcionalmente obtidos, quando necessário e personalizado, obriga a prévia autorização, notificação e controlo pela CNPD, na medida em que se trata de dados de saúde ou relativos à vida privada dos trabalhadores, também sujeitos ao regime da confidencialidade e apenas acessíveis ao pessoal médico ou por este supervisionado e a outras autoridades sujeitas ao mesmo dever de sigilo, salvo autorização daquela Comissão. E que o resultado positivo eventualmente apurado não pode ter qualquer consequência disciplinar directa. Apesar disso, é facto que a nossa jurisprudência ainda não reflecte em toda a sua dimensão o regime instituído, de acordo com aquela que parece ser a sua melhor interpretação e aplicação, pelo que se imporá um maior investimento no seu estudo, senão mesmo a revisão das respectivas normas, cuja imperatividade é também indiscutível. Lisboa, 22 de Outubro de 2014 João Rato