Lógicas de Apropriação Social do Espaço1
Vinicius de Moraes Netto
Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
ÍNDICE
SUMÁRIO
ABSTRACT
1. Introdução
2. Dinâmicas de segregação
3. Lógicas e padrões de apropriação das diferentes classes
4. Sub-dinâmicas segregadas: redes de apropriação
5. O quanto uma cidade é segregada?
6. Crescimento urbano segregado, atratores e vida social
A invisibilização da alteridade
REFERÊNCIAS
SUMÁRIO
Pode a cidade ser um mecanismo do afastamento entre indivíduos socialmente diferentes? Seria ela
constituída e apropriada em função da segregação social, um mecanismo ao mesmo tempo
poderoso e velado? O presente trabalho propõe uma abordagem da segregação oposta ao usual
enfoque estático das áreas segregadas: o fenômeno será visto como dinâmico, ocorrendo sobre a
estrutura urbana. Dentro desta ótica, propõem as relações entre morfologia e dinâmicas de usos: os
elementos e articulações em movimento (a mecânica) da segregação urbana.
A observação de diferentes formas de apropriação do espaço por diferentes classes sociais vai
permitir a geração do conceito de lógicas de apropriação sobre o espaço da cidade, tipificadas por
classe em função dos meios de deslocamento e posição dos seus locais de habitação e atividades
na cidade. As lógicas serão identificadas a partir de seus níveis de complexidade de apropriação
(quantidade de atividades; geometria, flexibilidade e composição de percursos). A noção de
complexidade será útil para o entendimento da disposição da cidade como locus de apropriação para
os sujeitos socialmente diferentes, na proposição do conceito de grau de apropriação efetiva ou
apropriatividade sobre o tecido urbano, variável por classe. Essas características seriam
responsáveis por padrões de apropriação correspondentes às respectivas classes sociais. A noção
de padrões, portanto permitirá decompor a “teia” complexa de ações individuais que compõem a
dinâmica social em redes reconhecíveis.
A segregação, assim, será proposta aqui como o produto de diferentes redes dinâmicas de
apropriação ou sub-dinâmicas dentro da dinâmica social geral da cidade. Essa abordagem assume o
fenômeno em tempo real, presente em virtualmente todos os espaços urbanos, e representa o
caráter abstrato da segregação (isto é, contido na movimentação e nas atividades sociais) de forma
analógica através da visualização geográfica das redes dinâmicas sociais.
1
Este artigo foi publicado anteriormente nos anais do VIII ENANPUR (Encontro da Associaçao
Nacional de Pós-Gradução e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional) com o título “Retrato
Dinâmico da Segregação: Lógicas de Apropriação Social”, 1999.
ABSTRACT
Social segregation is usually approached as a nearly static phenomenon (a long time process of
segregated spatial production) that does not seem sufficiently clear to reveal the real dimensions of
the problem. The present work proposes a concept of dynamic social segregation. It is possible to
observe in class dynamics different forms of appropriation of urban spaces, with specific logics that
are recognisable by their own levels of complexity (levels of flexibility and fragmentation in individuals
route composition regarding quantity and position of the used attractors). These different logics will
compose different patterns of appropriation according to different classes. If general social dynamics
can be seen as a complex web of individual actions, the notion of patterns can analyse such web in
recognisable networks, generating the notion of segregation as the product of different networks of
appropriation or sub-dynamics into the general social dynamic. Social segregation would occur in the
incompatibility or barely superimposition between class networks, thus seen as a dynamic
phenomenon occurring in real-time and present to virtually all individuals and spaces in the city. This
approach represents the abstract character of segregation (that is, contained in social activities and
movements) analogously by the geographic visualisation of the dynamic networks of appropriation.
1. INTRODUÇÃO
A cidade pode ser vista como um mecanismo social dinâmico impulsionado por motivações
econômicas como agentes da configuração física urbana, um local de movimentação e
interação social, trabalho, transporte, consumo e produção cooperada entre diferentes
classes sociais. É possível dizer que os elementos intrínsecos da dinâmica econômica e
social da cidade consistem nos espaços de interação e convívio entre indivíduos. Mas qual
o nível de interação entre os indivíduos socialmente diferentes inseridos nesta dinâmica?
Onde os indivíduos de classes sociais diferentes interagem?
A segregação social pode ser definida basicamente como distância social, relacionada a
distância entre grupos sociais ou entre indivíduos e grupos, tendo como cenário e meio de
efetivação a própria estrutura urbana. Nesse sentido, a presente pesquisa aborda o
fenômeno como relacionado à distância social estrutural nas cidades brasileiras, motivadas
em razões econômicas. A definição de “classe”, no sentido de ser ou não uma definição
precisa da estrutura social real não será discutida neste espaço, embora esta noção
consagrada possa ser considerada como básica para a presente pesquisa.
Existem razões para reconhecer a segregação social como um importante elemento para a
compreensão da vida urbana em sociedades divididas. Enquanto cenário para a vida
coletiva, a cidade brasileira não se mostra como um lugar para a experiência da pluralidade
social. A cidade parece expressar e estruturar fisicamente a distância entre indivíduos,
onde os socialmente diferentes desaparecem em suas rotinas. Na cidade brasileira é
possível observar uma convivência velada entre dois mundos quase diferentes, que se
suportam economicamente, mas têm suas dinâmica relacionais virtualmente fechadas um
para o outro. O presente trabalho, assim sendo, pretende demonstrar: (1) o quanto
diferentes classes sociais utilizam os espaços urbanos, se relacionando de maneira
diferente à estes espaços; (2) a ausência de ampla interação social na cidade; (3) a
mecânica da segregação social focando as diferentes formas coletivas de atuação na
cidade, conformando rotina típicas de cada classe, onde se contém e se efetiva a
segregação social.
1.1. A visão usual da segregação social
A segregação urbana é usualmente vista como o processo de crescimento e formação de
áreas de habitação segregada periféricas por classes de baixa renda (áreas convexas,
circunscritas em seu perímetro), um fenômeno gerado intrinsecamente a produção do
espaço. É possível gerar um “mapa da segregação social” pela observação da morfologia
urbana e localização de áreas específicas de habitação socialmente homogênea, onde
pessoas vivem e trabalham dissociadamente. As áreas segregadas, ocupadas
especificamente por uma população, são pensadas usualmente como produto e como meio
de produção da segregação. Sob um processo circular de causação e efeito gerado pela
dinâmica econômica, grupos sociais diferenciados em função da renda, que cooperam
produtivamente, ao mesmo tempo competem pelas melhores posições e vantagens no
espaço urbano (Harvey, 1973; Villaça, 1998). A agregação espacial de indivíduos sócioeconomicamente similares é um passo relativamente lógico dentro do processo econômico
de alocação da terra e produção do espaço, produzidos predominantemente pelas classes
cujas possibilidades são compatíveis, mediado pelo preço da terra (Harvey, 1973). A idéia
de um processo de segregação traz a noção de sub-processos econômicos os quais são
naturalmente produzidas na sociedade brasileira.
As abordagens da Sociologia ao fenômeno tendem à uma visão estrutural, de base
marxista, em relação ao processo da dialética do conflito de classes e relações de
produção. A segregação assim é vista como fragmentação social em áreas homogêneas, a
formação de áreas segregadas internas à cidade, ou periféricas, das classes mais altas.
Segundo estas teorias, a distância social ocorreria naturalmente em decorrência da
ocupação social homogênea de áreas específicas por grupos específicos. Os arquitetos e
planejadores abordam o fenômeno em enfoque análogos, adotando como instrumento de
análise e mensuração do nível de segregação os mapas de zoneamentos segregados.
Assim, o espaço da segregação nas teorias usuais é aquele das áreas e periferias
segregadas; o tempo é aquele do processo de produção do espaço.
As teorias sociológicas, urbanísticas e econômicas, entretanto, são marcadas por uma
inaptidão para demonstrar a dimensão espacial dos fenômenos, utilizando como
instrumento a palavra e suas possibilidades descritivas, pouco hábil para espacializar
informação e assim se aproximar da realidade, e pelo desenho de representação dos
objetos da arquitetura e do urbanismo, pouco capaz de reproduzir relações entre objetos. A
dificuldade em tratar os aspectos de tempo e espaço dos fenômenos é semiológica, contida
na estrutura destas linguagens, tornando-os elementos de difícil objetivação (Harvey, 1972;
Hillier e Hanson, 1984).
Podemos intuitivamente ver que a segregação é um fenômeno dinâmico (isto é, que ocorre
na variação do tempo e de espaços), mas como poderemos descrevê-la com essa
característica essencial? Se considerarmos apenas a diferenciação espacial entre classes e
não o fenômeno ocorrendo no tempo, corremos o risco de não ver como a segregação
molda as relações sociais entre os grupos, impondo a distância social e a invisibilização do
diferente (Young apud Harvey, 1992). A abordagem estática e míope dos zoneamentos
segregados não identifica dos componentes da dinâmica social (atividades, locais de
interação social, rotinas, movimentação) - os elementos que compõem a vida social, onde
está contido o problema. As ações e rotinas segregadas da população permanecem para
ser analisadas.
O fenômeno pode ser visto no cenário dinâmico da vida social da cidade através de
manipulações mais efetivas das dimensões tempo e espaço, componentes da natureza
abstrata da segregação enquanto distância social, tocada com dificuldade pelas
abordagens usuais: ver o fenômeno não como um processo longo de produção de áreas
homogêneas relacionadas à ausência de contato entre classes, mas como um fenômeno
em tempo real ou “imediato” da segregação – a dimensão cotidiana da dinâmica social.
para ver como a segregação se manifesta enquanto fenômeno de distância e invisibilização
do diferente, presente em virtualmente todos os atos, atividades e relações sociais dos
indivíduos de um sistema urbano. Portanto, mais diretamente relacionado a dinâmica social
do que à diferenças geográficas de localização.
Por estas razões, a presente pesquisa propõem o conceito de segregação dinâmica
urbana, pretendendo demonstrar analiticamente o fenômeno e ampliar o entendimento da
distância social em sociedades profundamente divididas, através de instrumentos e
conceitos à seguir desenvolvidos.
2. DINÂMICAS DE SEGREGAÇÃO
A abordagem sociológica das classes sociais é útil para descrever as formas de
apropriação dos indivíduos sobre os espaços urbanos a partir das possibilidades geradas
por seu nível de renda. A configuração abstrata da sociedade em classes sociais, cujos
limites são à rigor indefinidos, gera uma base para a definição de formas de uso do espaço
urbano. Assim, dentro da dinâmica social da cidade, é possível encontrar uma certa
similaridade entre movimentações típicas de indivíduos socialmente similares, os quais tem
similares formas de utilizar o espaço em função dos diferentes níveis de renda. O processo
da dinâmica social ocorre genericamente em função de atividades de trabalho, consumo,
movimentação, contato e interação social (envolvendo troca de informação de naturezas
diversas). Os indivíduos de um sistema urbano se movem basicamente de dois modos:
para locais de trabalho ou para locais de lazer ou consumo. Os objetivos do movimento
individual são similares para as classes sociais sob estudo, como a estrutura genérica da
movimentação “residência-trajeto-local de trabalho/etc.
Este trabalho utilizará o conceito de apropriação social como o uso dos espaços urbanos. A
palavra “apropriação” parece mais precisa que “uso”, a qual parece remeter à um uso
pragmático ou mesmo funcional do espaço. O termo “apropriação” não envolverá o aspecto
metafísico da palavra, referindo-se a sua dimensão psicológica, como o sentimento de
posse, propriedade ou importância de um determinado objeto para um indivíduo. Para
facilitar a manipulação do sentido da apropriação, se considerará seu componente mais
visível: o aspecto físico da apropriação manifestado pela ação individual e efetivada no uso
dos espaços urbanos como lugar de encontro, troca de informação entre indivíduos,
movimentação entre locais de atividades, e o uso destes locais. A noção de apropriação
social é necessária para entender onde o fenômeno da segregação reflete. É útil para
revelar a cidade brasileira como não disponível para todos os seus habitantes da mesma
maneira e nos mesmos níveis, revelando as características intrínsecas na dinâmica social
da cidade brasileira que limitam ou facilitam o uso dos seus espaços para um indivíduo e
não para outro, e consequentemente criar possibilidades de interação social.
2.1. Movimentação social a partir da alocação e configuração urbana
Em uma cidade caracterizada pela segregação social, a configuração da trama de
acessibilidade intra-urbana constitui-se em um importante fator da formação de áreas
apropriadas de forma segregada. A configuração da trama urbana consiste numa noção
relacionada ainda à um segundo elemento da estrutura urbana: os atratores urbanos, locais
de recebem atividades e demandam fluxos sociais, como lojas, fábricas, etc. Os atratores
envolvem interação social: é em seu interior que uma relevante parte da vida social ocorre,
como encontros estáticos e a troca de informação. A noção de atratores será útil no
presente estudo da segregação; enquanto espaço de atividade, é passivo de apropriação
segregada de acordo com a tendência de formação de públicos específicos ou ainda com
definições estritas do público que irá utilizá-lo. A atratividade destes locais trabalha
conjuntamente com o movimento de indivíduos dentro da cidade, e será utilizada como
instrumento útil na compreensão da influência da segregação social, enquanto gerador de
movimentos segregados dos locais de habitação ou limitados pela configuração urbana a
partir de determinadas formas de transporte estimulados (veicular privado ou público, e
movimento pedestre) - e mesmo por conter segregação no próprio local.
Neste sentido, é necessário considerar ambas noções: a influência da trama de movimento
natural (Hillier e Hanson, 1984) na alocação dos atratores segregados baseados e as
diferentes formas de transporte. Existem fortes relações entre configuração, movimento
natural, alocação de atratores, habitação e movimentação entre estes locais. Na rota
gerada pela atividade desenvolvida em um atrator, os movimentos na cidade serão
realizados em função da posição dos atratores em função da estrutura da trama. O
movimento será “desenhado” sobre a estrutura urbana conforme as propriedades de
conectividade e menores caminhos gerados em sua configuração (Krafta, 1991; 1994).
Assim, tecidos urbanos altamente fragmentados tenderão à condicionar rotas menos
diretas e mais complexas. Essas propriedades e características se relacionam ainda à outro
elemento de elevada importância: a forma de transporte para longas distâncias intraurbanas usuais em metrópoles. Veículos privados dependerão das direções do fluxo de
trânsito e contarão com alta flexibilidade de escolha de rotas. Movimentos intra-urbanos
realizados através de transporte público serão mais restritos e condicionados pelas rotas
disponíveis.
Será útil no entendimento das rotinas e dinâmicas sociais de uma cidade classificar os
atratores enquanto locais de atividade em duas categorias: micro-atratores e macroatratores. A diferença está na escala relacionada a demanda de fluxos. Assim, shopping
centers concentram um amplo conjunto de atividades e assim requerem fluxos mais altos
que uma única loja, grandes edifícios residenciais demandarão mais fluxo que uma única
residência. As rotas entre habitação e um macro-atrator terá as mesmas características que
os movimentos aos micro-atratores, considerando-se ainda a tendência dos macroatratores de se alocarem nas principais vias urbanas. Os macro-atratores tem o papel de
atratores estruturais para a cidade: eles concentram larga parte dos destinos e distribuição
de fluxos (como as paradas de ônibus e estações de metrô). A presença e a posição dos
macro-atratores parece importante para entender o movimento social e as formas e níveis
de uso dos espaços urbanos. Eles multiplicarão consideravelmente o movimento
condicionado pela configuração da trama urbana, e freqüentemente criarão movimento para
certas áreas, como é possível observar nas cidades brasileiras não desenvolvidas
totalmente em sua trama. Os conceitos de macro e micro-atratores são importantes na
abordagem da dinâmica urbana, como veremos mais adiante, de acordo ao fato de que em
nossas cidades, em geral, diferentes grupos utilizam específicos atratores urbanos.
3. LÓGICAS E PADRÕES DE APROPRIAÇÃO DAS DIFERENTES CLASSES
O conjunto de movimentos individuais entre locais na cidade parecem gerar uma complexa
teia de ações, atividades e fluxos sobre a macro-estrutura urbana. No todo desse
movimento é possível encontrar padrões típicos de atividade e movimentação das classes
baseadas no fato de que indivíduos socialmente similares tendem a utilizar os espaços
urbanos com objetivos, locais de atividade e formas de movimento semelhantes. Razões
econômicas impõem ou permitem possibilidades de atuação para indivíduos diferentes. A
acessibilidade e locação da habitação e as formas de movimento são condicionadas. É
possível inferir que indivíduos socialmente diferentes comumente não se movem nos
mesmos espaços nas mesmas formas e segundo a mesma lógica.
3.1. Lógicas de apropriação social
“Lógica” é um conceito cuja definição é difícil, em função de sua dimensão metafísica – um
instrumento útil no sentido, cognitivo, para compreendermos a dinâmica ou a estrutura dos
fenômenos em geral. Assim, lógica pode ser entendido como as diretrizes de uma
estrutura; as razões (como ordens metafísicas) para um dado objeto ter sua estrutura de
uma forma específica e não de outra. Estes arranjos de diretrizes determinam a forma da
coexistência e articulação dos elementos achados num dado objeto, como seus parâmetros
estruturais. Diferentes lógicas de apropriação significam a existência de diferentes formas
de se relacionar e utilizar (uso estático ou em movimento, como pedestre ou através de
veículo) os espaços da cidade, as quais podem ser descritas como diferentes estruturas de
movimento. As rotinas típicas de movimento e atividades das diferentes classes são
descritas abaixo. Nestas simples descrições estão contidas as lógicas de apropriação.
Lógica do movimento intra-urbano:
A – movimento e atividades típicas das classes de baixa renda
1 – movimento pedestre: a distância entre a residência e a parada de ônibus, meio sobre o
qual estas populações dependem fundamentalmente em sua movimentação pela cidade, é
composta de poucas linhas axiais. O raio de movimento pedestre geralmente não excede
cinco quadras, em função da cobertura das linhas de ônibus nos bairros, e da dificuldade
para o movimento pedestre em cobrir longas distâncias nos tempos exigidos pelas rotinas
sociais face às facilidades do transporte veicular. A geometria da rota é essencialmente
fragmentada, formada por uma sucessão de diferentes ruas com freqüente mudança na
direção do movimento. A quantidade de contato ou encontro potencial (Hillier e Hanson,
1984) tende a se intensificar enquanto o indivíduo se aproxima da parada.
2 – rota do veículo de transporte coletivo: trajetos das viagens definidos e fixados,
percorrendo conjuntos determinados de espaços urbanos. A maior parte das rotas tende a
ser o mais reta e direta possível, para minimização do tempo de viagem, consumo de
combustível, etc., e otimizar o número relativo de passageiros/viagem. Possibilidades de
movimento: a - atividade localizada no centro da cidade; b - casa e local de trabalho
localizado em bairros diferentes. Em grande parte dos casos os indivíduos de classes
baixas utilizam duas linhas para o local de trabalho ou lazer (bairro-centro e centro-novo
bairro). Em Porto Alegre, cerca de 90% das viagens de transporte coletivo tem como
destino o centro, onde apenas 30% das pessoas permanecem para trabalho e consumo.
Em certas posições na cidade é possível utilizar linhas transversais, o que minimiza os
tempos de viagem e o uso de linhas diferentes. Rotas do ônibus: vários trechos de rua
compõem a rota dentro dos bairros, tendendo a ficar menos intrincada ao chegar à via
radial, onde seguirá em direção ao centro. Há uma tendência de redução no número de
ruas e espaços axiais (decomposição do comprimento da rua no maior número possível de retas
interligadas, representando as inflexões do traçado da rua que fazem parte das rotas possíveis entre
formas construídas) nessa rota radial ao centro. A possibilidade de variação de trajeto é
basicamente limitada as rotas radiais e transversais, o que restringe a possibilidade de
apropriação pelas classes mais baixas em grande parte dos espaços públicos da cidade. A
apropriação dos espaços urbanos dependem da existência do transporte público, na
posição da rotas de ônibus sobre a estrutura urbana e na distância entre habitação e o local
de atividade, gerando fricção de tempo e redução no número de atividades passíveis de
serem desenvolvidas.
B – atividades e movimento das classe de média e alta renda
1 – movimento pedestre: pode ser observado que o comportamento típico dos indivíduos
dessas classes apresentam baixa quantidade de uso do movimento pedestre, inclusive nas
proximidades da residência.
2 – movimento em veículo privado: tendem a ser mais complexos que o movimento veicular
das classes baixas. As típicas rotas dos indivíduos dessas classes são compostos de
muitos trechos axiais, não dependendo necessariamente das principais vias principais da
cidade, em função de privilégios de localização (acessibilidade para outros locais) e da
possibilidade de escolha na composição das rotas, permitindo adotar caminhos mais curtos
na área interna à trama das vias principais. A rota tende a ser mais direta (redução de
tempo de viagem), o que facilita a movimentação intra-urbana e o desempenho de mais
atividades, incluindo aquelas que dependam da otimização dos tempos de deslocamento.
3.2. Padrões de apropriação social
O conceito de lógicas de apropriação (diferentes estruturas de movimento) permite a
identificação e definição de padrões de apropriação, como modelos diferenciados de
apropriação. Uma lógica específica encontrada nos trajetos típicos permitirá o
reconhecimento de estruturas típicas, formatações genéricas da estrutura geométrica das
rotas, número de atividades desenvolvidas tipicamente pelos indivíduos a partir das formas
de transporte e nível de renda. Em cada padrão, uma diferente lógica pode ser achada.
Padrões de movimento podem ser observados na similaridade da estrutura d infinidade de
movimentos na teia de apropriações sociais individuais..
Os padrões de apropriação determinam as áreas que tendem a ser utilizada por indivíduos
específicos e de qual forma. A observação e mapeamento das rotinas dos diferentes
indivíduos mostra que existem basicamente dois padrões de apropriação social nas
grandes cidades brasileiras: um tipicamente como sendo das “classes baixas” (em azul na
fig.2) e outro das classes média e alta (em vermelho no esquema da fig.2). Os dois padrões
básicos podem ser decompostos em redes mais numerosas, dependendo da intenção do
recorte de classes. Assim, o padrão das “classes altas” pode ser subdividido em média,
média-alta e alta, baseados na habitação e pontos de destinos segregados – entretanto,
sem contar com diferenças estruturais.
Classes de baixa renda
Pode ser afirmado que os indivíduos das classes baixas tendem a utilizar os espaços mais
próximos de suas residências.2[1] Existem questões culturais relacionadas à esses
2
AGUIAR, Douglas (1998) “Urban collisions: continities and descontiunities”, PROPUR. Aguiar neste trabalho analisou uma
área residencial de baixa renda reassentada dentro de um bairro classe média, em Porto Alegre, e pontuou diferenças
essenciais no uso estático e em movimento nos espaços públicos para as diferentes classes.
comportamentos3[2], porém a capacidade de movimentação entre locais distantes é um fator
determinante. Os amplos movimentos intra-urbanos das classe baixas são feitos
usualmente sobre rotas longas, retilíneas e rígidas, sobre limitados área e número de
espaços públicos até o local de destino. Mesmo que os indivíduos de classes baixas vivam
em áreas próximas ao local de emprego, esta lógica permanece, de acordo com a
dependência do transporte coletivo para desenvolver outras atividades. É observável que
esse padrão envolve uma área considerável de apropriação através do movimento
pedestre, viabilizando bons níveis de encontro potencial no entorno à residência, parada ou
estação, locais de consumo e de trabalho.
A análise do papel do conjunto da trama
de
transporte
coletivo
para
a
apropriação social à nível da escala
global da cidade (macroestrutura)
coloca
o
panorama
geral
de
possibilidades de apropriação. Os
indivíduos de baixa renda tem nas
paradas de ônibus e estações de metrô
elementos fundamentais. A partir das
paradas e estações que fazem parte da
rota linear são criadas janelas de
apropriação potencial sobre os espaços
da cidade como aberturas para a
apropriação
social
dos
espaços
próximos à parada. A partir das janelas
de acesso à porção de trama de
espaços em torno de si – que deverá
abranger o local de destino -, forma-se
campos de possível apropriação através
do movimento pedestre. O acesso à
ampla quantidade de áreas e espaços Fig. 1 – Os diferentes padrões de apropriação social das
intra-urbanos
é,
dessa
forma, diferentes classes
estruturalmente seqüencial, fixado e
viabilizado a partir destes elementos – que constituem para o indivíduo a possibilidade
efetiva e a impressão da possibilidade de acessibilidade aos diversos espaços da cidade. A
análise do papel das paradas e estações colocam-nos como macro-atratores de
distribuição que transformam as possibilidades de apropriação do conjunto de espaços
adjacentes à estrutura linear do trajeto numa espécie de trilha de possibilidades de
apropriação, com a sucessão das áreas cobertas. A macroestrutura da cidade é coberta por
uma trama de manchas sucessivas de apropriação potencial.
A noção da apropriação dos espaços da cidade para o usuário de baixa renda se dá em
função das janelas de apropriação sobre as áreas internas da cidade, a partir do
conhecimento de posição destes elementos na estrutura urbana. A criação destas janelas
de apropriação potencial dos diversos espaços da cidade passa a condicionar a noção de
acessibilidade aos espaços, gerando o conhecimento da estrutura urbana a partir das áreas
circunscritas às paradas. A continuidade e interligação das paradas e o percurso efetivo do
indivíduo (o que efetiva sua apropriação sobre o espaço) se dá a partir das linhas do trajeto
3[2]
As razões não-morfológicas, como a dimensão psico-social da segregação, não serão desenvolvidas no presente artigo.
entre estas áreas de apropriação potencial. Em outras palavras, sua leitura da cidade se dá
a partir da experiência e impressão de acesso a partir da janelas de apropriação potencial.
A análise das possibilidades de apropriação do indivíduo a partir da rede de transporte
coloca a possibilidade de escolha do local de destino entre todos os espaços da cidade em
função dos macro-atratores, condicionando a apropriação potencial da cidade pelo acesso
linear à área circunscrita de destino. Assim, a trilha virtual de apropriação potencial da
análise da papel do sistema de transporte coletivo na apropriação urbana, ainda que se
constitua como possibilidades de uso e alargue as possibilidades de distribuição para o
sujeito, é limitada pelas limitações de tempo e número de atividades à desempenhar, como
o trabalho. Portanto, a inicial trilha virtual é reduzida para o panorama de apropriação das
áreas circunscritas de movimento pedestre ligadas pelas rotas lineares de espaços
urbanos, que constituem o padrão geométrico das movimentações. As rotinas de
movimentação e atividade social da população de baixa renda sobre a estrutura geral da
cidade é profundamente condicionada por essa estrutura. Variações da rotina e apropriação
de outros espaços tendem a ocorrer como lazer em fins-de-semana.
Freqüentemente, o indivíduo de baixa renda depende de duas linhas de ônibus para chegar
ao local de trabalho ou lazer, ou para se desempenhar mais que duas atividades no dia.
Estes movimentos configuram-se com a mesma estrutura anterior, gerando rotas
geometricamente limitadas e sobrepostas, como em forma de “V”. Os movimentos também
podem constituir polígonos, quando utiliza-se três linhas de ônibus radiais e transversais
diretamente entre três ou mais locais de atividade. Entretanto, essa possibilitada é bastante
limitada, pela necessidade de sobreposição das linhas em paradas relativamente próximas
para viabilizar o movimento no tempo. O número de rotas diferentes disponíveis limita a
combinação de linhas transversais e radiais.
Concluindo, os movimentos amplos sobre a cidade são substancialmente limitados à
determinados conjuntos de espaços das vias principais de distribuição, em comparação à
alta flexibilidade e número de rotas possíveis para o movimento em veículo privado. Assim,
o conhecimento da estrutura urbana pela grande parte dos indivíduos de classe baixa será
dificilmente comparável a daqueles de classes mais altas, e será construído
consideravelmente mais lentamente. A noção individual da estrutura urbana se dará
basicamente em relação às vias principais, as quais serão interligadas com limitações de
detalhe dos interstícios entre vias principais.
O caso do metrô subterrâneo é mais peculiar. As estações são janelas de apropriação
sobre os espaços da cidade cuja interligação não se dá a partir dos trajetos na trama
urbana. A noção de continuidade do tecido urbano, presente e basicamente linear para o
usuário do ônibus, é desfeita para o usuário do metrô. As áreas cobertas pela janela de
apropriação não são interligáveis mentalmente; são como espaços soltos e de algum modo
acessáveis para o cidadão. Essas características impõem um quadro de fragmentação da
apropriação e desconexão entre as diferentes áreas pelo movimento pedestre a partir das
estações.
Classes de média e alta renda
Tais grupos se movem basicamente a partir dos seus próprios veículos, e seu movimento
se relaciona freqüentemente ao uso de mais de dois atratores distantes entre si na rotina
diária. A interligação dos pontos na rota diária do local de habitação aos demais locais de
atividade, de acordo à possibilidade de acesso entre cada local de atividade através da
trama da cidade, gerará polígonos de movimento. O padrão de apropriação em polígonos
de acessos diretos entre atratores são progressivamente superpostos na sucessão das
rotinas diárias e nas variações de locais de atividade, como consumo de alimentos,
vestuário; escola dos filhos, trabalho, curso, etc. na rotina semanal, mensal, etc. A
superposição das rotas colaborará na composição de rotinas complexas envolvendo
padrões complexos de rotas de espaços apropriados com elevada quantidade de
interconexão destes espaços. Isso permitirá contatos com novos espaços urbanos e a
ligação entre estes, gerando o conhecimento de espaços intersticiais e de conexões entre
as vias principais de distribuição. A forma geométrica da rota por veículo privado tende a
ser mais fragmentada e complexa do que a das classes mais baixas, com uma alta relação
entre o número de espaços axiais utilizados e a área coberta. As rotas tendem a cobrir
amplas áreas como uma função do número de atividades a desempenhar. Esse complexo
padrão de apropriação efetiva gerará um conhecimento detalhado da estrutura urbana, com
elevada noção de interconectividade dos espaços, e familiaridade com o tecido da cidade.
Deve ser observado que estas rotinas podem facilmente incorporar variações e adição de
locais de atividade social. Um alto número de atratores são comumente utilizados como
conseqüência da renda e facilidade de movimento, permitindo o desenvolvimento de
atividades de interação social em locais distantes entre si, em pontos específicos sobre a
macro-estrutura urbana, reduzindo substancialmente a dependência da rua e da
proximidade espacial no desenvolvimento das interações e relações sociais – as
características do comportamento trans-espacial (Hillier e Hanson, 1984). As rotinas do
cidadão de classe média e alta a partir do veículo foram progressivamente substituindo o
uso dos pequenos locais de consumo (de alimentos, entre outros) próximos a casa, e são
atualmente essencialmente estruturadas pelo uso dos macro-locais de consumo. Assim, as
rotinas dessas classes se dão basicamente com o uso de atratores estruturais de rotinas
individuais ou macro-atratores, definidos no presente trabalho.
4. SUB-DINÂMICAS SEGREGADAS: REDES DE APROPRIAÇÃO
O conjunto da movimentação social se constitui como uma complexa e indiferenciada teia
de ações e apropriações individuais. Os conceitos de lógicas e padrões de apropriação
permitem analisar a teia complexa em redes reconhecíveis de apropriação social. Essas
redes representam a estrutura das rotinas sociais típicas das diferentes classes sociais,
tendo a estrutura da cidade como cenário para as movimentações que são demandadas.
As redes dinâmicas são constituídas pelos movimentos entre os locais de habitação e os
locais de atividade segregados, através das possibilidades de movimentação intra-urbana
pedestre e veicular. A distinção entre atratores segregados, a quantidade e posição destes,
o uso das redes de transporte coletivo e particular e formas de movimento e alcance
pedestre são os componentes do padrão que diferenciam a teia de movimentação. Os
movimentos segregados que compõem as redes sociais distintas ocorrem a partir da
atração entre locais de atratividade e os locais de habitação segregados. O conjunto de
locais de habitação das classes considerando sua localização heterogênea, independente
de sua posição em zonas. A rede dinâmica de uma classe é constituída por cada local de
atividade gerando atração sobre os pontos de origem de fluxo social, os locais de
habitação. Esses locais não são necessariamente dispostos em “zonas” segregadas,
tampouco os atratores são de uso exclusivo de uma classe.
Macro-atratores como shopping centers são utilizados por classes como na relação entre
trabalhador (como os de baixa renda) e consumidor (de média e alta renda). Assim, um
mesmo local não raramente apresenta co-presença de classes, ainda que sob formas de
contato reduzido as relações de trabalho. A noção de redes que abrange a complexidade
do fenômeno da segregação que ocorre potencialmente em cada local de atividade,
independente da sua localização, é um fator de ruptura da visão usual de zonas
segregadas. A rotina de movimento e atividade dos indivíduos de um sistema urbano
freqüentemente se valem indistintamente dos espaços da cidade, boa parte deles espaços
comuns ao uso das classes. Ainda assim o fenômeno da segregação enquanto distância
social e ausência de interação entre classes permanece. A noção das redes dinâmicas
sociais é capaz de representar essa característica dinâmica da rotina social geral da
cidade, através da representação gráfica dos elementos que compõem as rotinas das
redes.
O diagrama ao lado representa processo
de redução baseados em uns poucos
elementos e características do sistema
urbano, a geração da teia, e o modo como
ela pode ser decomposta em redes, sobre
as quais é gerado o desenvolvimento de
outros conceitos e propriedades. As
propriedades relacionadas à apropriação
social das cidades podem apresentar-se
com um alto grau de precisão, através da
manipulação quantitativa dos conceitos.
Entretanto, se sugere que a opção pela
mensuração4[3] ou não das propriedades
não afeta o sentido e a utilidade das
propriedades em si para o entendimento
do fenômeno dinâmico da segregação em
sociedades
divididas.
Portanto,
a
mensuração baseia-se na conceituação, e
não o contrário. É comumente afirmado Fig. 2 – Diagrama da abordagem da Segregação
que a alocação de um atrator é Dinâmica: condicionantes, conceitos e propriedades
determinada
pela
proximidade
aos
espaços onde vive o seu público consumidor. Este critério natural para a alocação
corresponde aos usos segregados mesmo quando os atratores estão consideravelmente
próximos de uma área de habitação de uma classe diferente. A despeito da proximidade
espacial, uma única ou poucos redes de apropriação similares cobrirão este atrator. Um
atrator de atividades tende a se inserir em uma rede específica: aquela do seu público
consumidor. Se a dinâmica da segregação e seus critérios velados forem eficientes, um
atrator das classes altas não será facilmente acessado por indivíduos de classes baixas,
como uma função de sua localização em uma área sintaticamente segregada e pouco
servida pela rede de transporte coletivo. Assim, a acessibilidade é o mais eficiente
componente da dinâmica da segregação, porque afirma a distância social através da
natural implicação das redes de movimento a partir da estrutura urbana e da dinâmica
social das classes. Portanto, a ausência de sobreposição das redes dinâmicas das classes
4
O presente artigo não estenderá a possibilidade do tratamento quantitativo da abordagem, desenvolvida em
Netto & Krafta (1999).
se baseia na ausência de atratores utilizados pelas classes em comum, pela estrutura
sintática da cidade e pela estrutura da rede de transporte público disponível.
O conceito de redes dinâmicas específicas de classe gera entendimento da segregação
como o produto de diferentes redes dinâmicas de apropriação ou sub-dinâmicas dentro da
dinâmica geral da cidade. Essa abordagem assume o fenômeno em tempo real, presente
virtualmente em todos os espaços urbanos, e representa o caráter abstrato da segregação
(isto é, contido na movimentação e atividades sociais) de forma analógica através da
visualização geográfica das redes dinâmicas sociais.
A representação física do comportamento social como movimento e atividade sobre os
espaços urbanos a partir da teia de apropriação social gera uma espécie de mapa dinâmico
da segregação. O mapeamento dos atratores segregados e do movimento intra-urbano
sugere que os dois padrões básicos de apropriação de todos os indivíduos do sistema
urbano tem pouca sobreposição. A sobreposição das redes gera o mapa do panorama
social da cidade assim como o panorama da apropriação segregada que é intrínseco a
dinâmica social geral. A abordagem das redes sociais dinâmicas permite a mensuração da
segregação social. A mensuração do nível de segregação é realizada a partir destes
conceitos, desenvolvido em outro artigo), de modo provavelmente mais preciso e
representativo do fenômeno que as técnicas de mensuração usualmente empregadas na
pesquisa urbana, como a mensuração das áreas segregadas e os índices de clustering ou
aglomeração espacial das classes em zonas de habitação específicas (como o trabalho de
Lee e Culhane, 1998).
A abordagem aqui proposta visa colocar uma visão analítica sobre o fenômeno, e sugere
conceitos que visam clarificar aspectos e facilitar o entendimento do fenômeno em sua
complexidade espacial e social dinâmica. Portanto, os processos propostos para abordar a
segregação podem didaticamente mostrar importantes aspectos que não seriam vistos por
outros meios. Nesse sentido, a representação gráfica consiste em um importante produto
do trabalho e será útil para ver onde e como os indivíduo socialmente diferentes
desaparecem; a modelo permite portanto explorar pontos que podem ser vistos como
geradores de resultados mais precisos no tratamento do fenômeno. Sobre esse fato se
supõe que a modelagem da segregação social enquanto fenômeno dinâmico, proposta da
presente pesquisa, será útil para revelar os níveis de segregação de uma cidade real.
4.1. A propriedade da Complexidade de apropriação
A partir da descrição das rotinas típicas em termos geométricos e topológicos, a presente
pesquisa propõe uma propriedade de complexidade da apropriação para descrever as
diferenças nas formas de apropriação dos espaços da cidade, tipificadas por classe. O
papel da propriedade é permitir verificar a existência de níveis de apropriação diferentes
entre indivíduos de diferentes classes sociais. Se supõem que o aumento do grau de
complexidade na movimentação intra-urbana amplificará as possibilidades de apropriação.
Um determinado nível de complexidade revela uma maior ou menor tendência para
conhecer e interconectar mais espaços urbanos – a tendência de conhecer mais rotas entre
locais. Assim, a complexidade de apropriação é uma medida de potencial apropriação
social.
A propriedade de complexidade de apropriação se baseia em dois elementos:
1) a fragmentação axial como o arranjo das rotas como agregação de partes de várias ruas.
O nível de fragmentação das rotas envolve o número de espaços axiais utilizados pelo
indivíduos em sua rotina social. Um alto nível de fragmentação indica uso de muitos
espaços e a necessária interconexão desses espaços, como movimentos de “zig-zag” de
interconexão dentro de polígonos de movimento e interconexão entre polígonos de rotas –
o que potencializa o conhecimento da estrutura urbana e disponibilidade da cidade ,
podendo ampliar o sentimento de apropriação psicológica;
2) a flexibilidade de composição de rota como propriedade tanto dos tecidos – o que Krafta
(1996) chamou “complexidade configuracional” – quanto dos movimentos sobre os tecidos
baseados sobre o transporte veicular e pedestre (para descrever rotas amplas, o uso do
veículo tende a ocorrer preferencialmente, número de atividades e nível de renda, que
amplificam ou não as possibilidades de apropriação sobre os espaços da cidade.
Como uma lógica específica é extraída das diferentes rotinas sociais, é necessário
considerar que a complexidade das apropriações típicas é uma propriedade intrínseca de
cada lógica, que serve para diferenciá-las entre si (juntamente as características
geométricas específicas) – diretamente relacionadas ao nível de renda (forma de
transporte, número e posição das atividades). Desse modo, as rotas e padrões de
apropriação típicos para as classes média e alta tendem a ser mais complexas que para as
classes de baixa renda.
4.2. A propriedade do nível de apropriação social
A propriedade da apropriatividade consiste na relação de um indivíduo com os espaços da
cidade enquanto cenário para suas atividades. Para tanto, utiliza a noção de apropriação
como uso dos espaços para atividade e movimentação. É fundamentalmente quantitativa,
seguindo a intenção de demonstração objetiva de aspectos suspeitados mas não
demonstrados claramente. A apropriatividade se relaciona ao número de locais ou atratores
que utiliza socialmente, e o número de espaços axiais que o indivíduo utiliza para se
movimentar entre locais ou ainda estar sujeito as possibilidades de encontro e contato
social.
Esta propriedade é intencionada para mostrar como a cidade é apropriada pelos cidadãos
sob o ponto de vista de suas diferenças econômicas. A hipótese inicial é de que a cidade
parece não se dispor da mesma maneira parra todos os cidadãos; isto é, haveria a partir
das diferenças de forma, lógica e complexidade de apropriação, níveis distintos de
apropriação social, tipificados para as classe a partir do conceito de padrões. Os padrões,
através da visualização gráfica das redes dinâmicas de movimento, revelam as formas,
lógicas e complexidades de apropriação, o como e onde os indivíduos utilizam a cidade no
desenvolvimento de suas rotinas. A conceituação da apropriatividade urbana como
propriedade de descrição do nível de apropriação social indica o quão apropriados são os
espaços urbanos para os indivíduos das diferentes classes. É uma medida da apropriação
efetiva sobre a cidade.
A propriedade é mensurável a partir da abordagem das redes dinâmicas descritas
analogicamente como redes geográficas. Os padrões de apropriação descrevem as
estruturas dos traçados das movimentações e atividades sociais, a partir da noção de
atratores segregados, habitações específica por classe e redes de movimentação pedestre
e veicular para as duas classes. Em seguida, a definição de atratividade dos locais de
atividade exercem demanda de fluxo social, a partir dos locais de habitação, traça os
trajetos mais curtos entre cada habitação e cada local de atividade compatível socialmente,
utilizado para trabalho e/ou lazer. Esse conjunto de locais de atração das diferentes classes
e dos locais de habitação dos indivíduos se apresentando como um panorama de
movimentação e atividade segregados. A apropriatividade do indivíduo típica de uma
classe é extraída da quantidade e espaços urbanos (ruas e locais de atividade) que são por
ele utilizados, conforme a visualização geográfica das redes e da contagem dos “traços de
apropriação” e presença efetiva do indivíduo sobre os espaços urbanos (o uso do espaço
para movimento e atividade social). O presente trabalho não detalhará a descrição do
processo do modelo e da mensuração.
Através desta propriedade, é possível descrever a cidade como um local disposto para a
apropriação dos indivíduos. É a propriedade aqui proposta com mais ênfase na questão do
sujeito urbano, por tratar da noção de envolvimento e uso efetivo pelo sujeito dos espaços
da cidade, representados pela estrutura de espaços públicos e locais de habitação e
atividade. A apropriatividade é uma descrição da forma e do nível de apropriação social
individual.
5. O QUANTO UMA CIDADE É SEGREGADA?
A diferença no nível de segregação entre cidades diferentes pode ser observada
empiricamente, mas essa característica será definida de modo preciso com dificuldades por
outros meios que não o desenvolvimento sistemático de uma propriedade de segregação
urbana. A presente abordagem permite gerar a propriedade do nível de segregação, e dizer
o quanto uma cidade é segregada.
A observação atenta dos espaços urbanos (espaços abertos e arquiteturas) pode dar idéia
sobre o nível de segregação existente na cidade. Entretanto, essa informação parece
pouco aplicável para a análise da vida urbana, por não conseguir reproduzir de modo
sistemático as condições da segregação através, por exemplo, de meios gráficos,
instrumentos analíticos ou sob forma de conceitos que expressem as características
estruturais da escorregadia noção de espaço e tempo. Os instrumentos de análise
desenvolvidos nos estudos configuracionais, como vimos, podem ser úteis, sobretudo se
cruzados com a teoria sociológica, como esta pesquisa intenciona fazer. A partir de tal
utilização conjunta de teorias e instrumentos de apreensão e manipulação dos fenômenos
espaciais em correlação aos sociais, podem-se gerar instrumentos mais precisos de
compreensão.
A mensuração do nível de segregação urbano tem como parâmetros extremos uma cidade
hipotética onde não houvesse segregação, com a presença das redes dinâmica das
classes proporcionalmente sobre todos os espaços urbanos, e a de máxima segregação,
com divisão de todos os espaços da cidade entre as classes, sem qualquer sobreposição
ou co-presença nas ruas ou nos locais de atividade. Naturalmente, esses parâmetros são
hipotéticos, utilizados como o valor zero e o valor máximo da segregação entre os quais o
nível de segregação da cidade em estudo seria estabelecido. É importante notar que a
mensuração e o valor numérico da segregação consistem em parâmetros da problema real
mais que uma visão precisa do problema, por que o valor numérico não pode demonstrar
sozinho como o fenômeno ocorre sócio-espacialmente nas cidades. Além deste fato,
existem outros elementos graves da distância social que não podem ser mensurados
facilmente, como o tratamento do processo não-morfológico de segregação - que
requereria elevada sofisticação cujo resultado seria útil apenas como analogia. O autor
acredita que a mensuração do nível de segregação pode ser útil como um indicador das
divisões da dinâmica social da cidade, sendo apresentada em outro artigo específico.
6. CRESCIMENTO URBANO SEGREGADO, ATRATORES E VIDA SOCIAL
Esta abordagem trabalha sobre conceituações como configuração urbana (Hillier e Hanson,
1984), atratores (Krafta, 1991, 1996) e macro-atratores urbanos. Assume que o panorama
social da cidade é fortemente influenciado por tais fatores. Neste sentido, os macroatratores consistem em espaços de importância estrutural para a cidade. Enquanto
elementos de distribuição e geração de fluxos na cidade, é possível entender e descrever a
dinâmica urbana a partir deles. A população da cidade se move em função da escolha e
limites de movimentos conformados pela configuração, assim tendendo a utilizar mais
certos espaços que outros. São locais que se dispõem na estrutura como cenários para a
atividade e interação social, utilizados por um número consideravelmente alto de indivíduos
no desempenho de suas rotinas diárias. Estes locais tem um importante papel na vida de
largas partes de indivíduos em uma cidade. Os macro-atratores são o objetivo de uma parte
substancial dos movimentos intra-urbanos fundamentais, atuando como um segundo
elemento de definição estrutural de fluxos; eles organizam e estruturam a movimentação e
as rotinas sociais da cidade como um todo. Neste sentido, os macro-atratores são os locais
mais relevantes para a interação social, compondo o conjunto de lugares de uso mais
comum para partes consideráveis da população.
Como Krafta (1991) e Hillier e
Hanson (1984) notaram, existe uma
natural relação entre atratores de
atividade e a estrutura urbana.
Neste sentido, a má localização de
um macro-atrator como um terminal
rodoviário imporá dificuldade de
acesso aos cidadãos – como
podemos ver em muitas cidades
Fig.3 – Grafo do hierarquia dos espaços de atividade social: os
brasileiras. Por outro lado, grandes
macro-atratores são a base da estruturação das rotinas sociais
atratores de consumo, como os
hipermercados que se localizam
freqüentemente nas bordas da cidade, acessados por vias estruturais da cidade, podem
atrair alto fluxo de movimento social.
A consideração dos macro-atratores relacionada a configuração urbana parece necessária
se a intenção é analisar um largo espectro de aspectos da vida social, quando observados
a movimentação social e o encontro potencial (Hillier e Hanson, 1984), a interação social
(envolvendo potencialmente o uso estático e troca de informação de elementos de convívio
social), e as rotinas sociais em si, desempenhadas em grande parte baseadas nos macroatratores. Os macro-atratores correspondem as “raízes” sobre as quais a vida social é
baseada e construída. A partir de um novo macro-atrator, toda a vida social de uma cidade
social é alterada, consistindo em um novo espaço social que influenciará substancial parte
da dinâmica social urbana. A importância e relação dos macro-atratores aos micro-atratores
pode ser vista como os níveis de um grafo de relações topológicas entre os espaços
urbanos de atividade – um parâmetro para conhecermos a vida social de uma cidade.
Observados sob um ponto de vista quantitativo, esses locais consistem no primeiro patamar
entre os locais apropriados da cidade.
Os macro-atratores podem ser vistos também como importantes peças de atração para
pequenos atratores, que tomarão vantagem da intensa movimentação social gerada pelo
equipamento. Um macro-atrator coloca internamente à cidade um vetor virtual de
movimento e consequentemente de crescimento – e assim, de modificações na estrutura
da valor do solo de virtualmente toda a cidade. Esse crescimento pode ser descrito como
celular (Couclelis, 1997), baseados nas propriedades da configuração urbana (Hillier e
Hanson, 1984), onde uma “mega-célula” produzirá uma grande perturbação em sua
vizinhança. Nesse sentido, Porto Alegre (como em outras cidades brasileiras) oferece um
exemplo: o shopping center Iguatemi foi alocado em meados dos anos 80 em uma região
próxima de uma vila de baixa renda (sintaticamente pouco integrada ao restante do tecido)
e a zona norte da cidade, tipicamente de baixa e média-baixa renda. Progressivamente os
vários vazios urbanos em seu torno formas substituídos por uma relativamente intensa área
comercial ao longo do seu eixo principal de acesso a partir do centro e de áreas de média e
alta renda (Av. Nilo Peçanha), juntamente a altos edifícios residenciais, embora ainda
limitados pela área de baixa renda. O padrão do valor do solo de toda a área foi
substancialmente alterado, incluindo as áreas adjacentes da assim chamada “zona norte”,
cujo padrão de renda típica subiu significativamente, abrigando atualmente indivíduos de
maior poder aquisitivo.
A produção dos macro-atratores dessa escala e tipo pode ser considerada como
investimento de alto custo, e focará as classes mais altas. Neste sentido, as dinâmicas de
segregação moldam a morfologia da cidade, transformando áreas estagnadas
economicamente em novos centros (Villaça, 1998) para consumo e vivência.
A INVISIBILIZAÇÃO DA ALTERIDADE
A segregação social tem uma óbvia mas insuficientemente reconhecida e examinada
conseqüência: impõem a apropriação dos espaços urbanos sem uma efetiva interação e
contato entre as classes sociais. A falta de interação tem conseqüências severas: a
distância social, o medo e o controle do diferente, e sua invisibilização na rotina cotidiana.
As áreas segregadas são utilizadas por populações relativamente homogêneas econômica
e socialmente, e a morfologia das áreas de habitação mostra estas pré-determinações –
assim como mostra o contraste das justaposições de áreas segregadas. A interação entre
indivíduos socialmente similares é dessa forma natural, e o diferente será acolhido nestes
espaços restrito a determinados condicionantes.
Entretanto, como procurou-se demonstrar neste trabalho, a segregação e a ausência de
interação entre as classes não é fenômeno decorrente nem explicável exclusivamente na
separação social estática das zonas socialmente homogêneas. A dinâmica das classes
exige deslocamentos sobre toda a estrutura da cidade; nenhuma destas populações
permanece restrita àquelas zonas. Tampouco estas são estruturalmente fechadas: a malha
urbana é continua, e os sinais de homogeneização são, assim como comumente abruptos,
muitas vezes graduais, e exibidos pela própria morfologia das edificações, da qualidade da
pavimentação, etc. Villaça (1998) aponta que cidades brasileiras raramente tem espaços
exclusivos para o rico, enquanto comumente apresentam para o pobre. Outros espaços
urbanos, diferentemente, são utilizados de modo comum. Como se explica então a
segregação? Como a rotina social continua dividida? Como os diferentes se invisibilizam? A
segregação e a ausência do diferente parecem explicadas mais efetivamente como sub-
dinâmicas segregadas das classes, que envolve a morfologia da cidade e a estrutura da
trama como cenário condicionante das movimentações sociais, a locação dos atratores e
as formas de transporte disponíveis, não incporporadas pelas abordagens da segregação
usuais.
A procura dessas respostas foram a
motivação original desta pesquisa, que
pretende ter seguimento em direção à
uma
mecânica
da
segregação,
incorporando detalhadamente o elemento
dinâmico social e o morfológico aos
elementos
não-morfológicos
da
segregação (como o comportamento
individual
segregador-segregado,
as
reações ao estranho, vigília institucional,
etc.).
Fig.4- A mecânica de invisibilização do diferente
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Lógicas de Apropriação Social do Espaço