Lógicas de Apropriação Social do Espaço1 Vinicius de Moraes Netto Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional Universidade Federal do Rio Grande do Sul ÍNDICE SUMÁRIO ABSTRACT 1. Introdução 2. Dinâmicas de segregação 3. Lógicas e padrões de apropriação das diferentes classes 4. Sub-dinâmicas segregadas: redes de apropriação 5. O quanto uma cidade é segregada? 6. Crescimento urbano segregado, atratores e vida social A invisibilização da alteridade REFERÊNCIAS SUMÁRIO Pode a cidade ser um mecanismo do afastamento entre indivíduos socialmente diferentes? Seria ela constituída e apropriada em função da segregação social, um mecanismo ao mesmo tempo poderoso e velado? O presente trabalho propõe uma abordagem da segregação oposta ao usual enfoque estático das áreas segregadas: o fenômeno será visto como dinâmico, ocorrendo sobre a estrutura urbana. Dentro desta ótica, propõem as relações entre morfologia e dinâmicas de usos: os elementos e articulações em movimento (a mecânica) da segregação urbana. A observação de diferentes formas de apropriação do espaço por diferentes classes sociais vai permitir a geração do conceito de lógicas de apropriação sobre o espaço da cidade, tipificadas por classe em função dos meios de deslocamento e posição dos seus locais de habitação e atividades na cidade. As lógicas serão identificadas a partir de seus níveis de complexidade de apropriação (quantidade de atividades; geometria, flexibilidade e composição de percursos). A noção de complexidade será útil para o entendimento da disposição da cidade como locus de apropriação para os sujeitos socialmente diferentes, na proposição do conceito de grau de apropriação efetiva ou apropriatividade sobre o tecido urbano, variável por classe. Essas características seriam responsáveis por padrões de apropriação correspondentes às respectivas classes sociais. A noção de padrões, portanto permitirá decompor a “teia” complexa de ações individuais que compõem a dinâmica social em redes reconhecíveis. A segregação, assim, será proposta aqui como o produto de diferentes redes dinâmicas de apropriação ou sub-dinâmicas dentro da dinâmica social geral da cidade. Essa abordagem assume o fenômeno em tempo real, presente em virtualmente todos os espaços urbanos, e representa o caráter abstrato da segregação (isto é, contido na movimentação e nas atividades sociais) de forma analógica através da visualização geográfica das redes dinâmicas sociais. 1 Este artigo foi publicado anteriormente nos anais do VIII ENANPUR (Encontro da Associaçao Nacional de Pós-Gradução e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional) com o título “Retrato Dinâmico da Segregação: Lógicas de Apropriação Social”, 1999. ABSTRACT Social segregation is usually approached as a nearly static phenomenon (a long time process of segregated spatial production) that does not seem sufficiently clear to reveal the real dimensions of the problem. The present work proposes a concept of dynamic social segregation. It is possible to observe in class dynamics different forms of appropriation of urban spaces, with specific logics that are recognisable by their own levels of complexity (levels of flexibility and fragmentation in individuals route composition regarding quantity and position of the used attractors). These different logics will compose different patterns of appropriation according to different classes. If general social dynamics can be seen as a complex web of individual actions, the notion of patterns can analyse such web in recognisable networks, generating the notion of segregation as the product of different networks of appropriation or sub-dynamics into the general social dynamic. Social segregation would occur in the incompatibility or barely superimposition between class networks, thus seen as a dynamic phenomenon occurring in real-time and present to virtually all individuals and spaces in the city. This approach represents the abstract character of segregation (that is, contained in social activities and movements) analogously by the geographic visualisation of the dynamic networks of appropriation. 1. INTRODUÇÃO A cidade pode ser vista como um mecanismo social dinâmico impulsionado por motivações econômicas como agentes da configuração física urbana, um local de movimentação e interação social, trabalho, transporte, consumo e produção cooperada entre diferentes classes sociais. É possível dizer que os elementos intrínsecos da dinâmica econômica e social da cidade consistem nos espaços de interação e convívio entre indivíduos. Mas qual o nível de interação entre os indivíduos socialmente diferentes inseridos nesta dinâmica? Onde os indivíduos de classes sociais diferentes interagem? A segregação social pode ser definida basicamente como distância social, relacionada a distância entre grupos sociais ou entre indivíduos e grupos, tendo como cenário e meio de efetivação a própria estrutura urbana. Nesse sentido, a presente pesquisa aborda o fenômeno como relacionado à distância social estrutural nas cidades brasileiras, motivadas em razões econômicas. A definição de “classe”, no sentido de ser ou não uma definição precisa da estrutura social real não será discutida neste espaço, embora esta noção consagrada possa ser considerada como básica para a presente pesquisa. Existem razões para reconhecer a segregação social como um importante elemento para a compreensão da vida urbana em sociedades divididas. Enquanto cenário para a vida coletiva, a cidade brasileira não se mostra como um lugar para a experiência da pluralidade social. A cidade parece expressar e estruturar fisicamente a distância entre indivíduos, onde os socialmente diferentes desaparecem em suas rotinas. Na cidade brasileira é possível observar uma convivência velada entre dois mundos quase diferentes, que se suportam economicamente, mas têm suas dinâmica relacionais virtualmente fechadas um para o outro. O presente trabalho, assim sendo, pretende demonstrar: (1) o quanto diferentes classes sociais utilizam os espaços urbanos, se relacionando de maneira diferente à estes espaços; (2) a ausência de ampla interação social na cidade; (3) a mecânica da segregação social focando as diferentes formas coletivas de atuação na cidade, conformando rotina típicas de cada classe, onde se contém e se efetiva a segregação social. 1.1. A visão usual da segregação social A segregação urbana é usualmente vista como o processo de crescimento e formação de áreas de habitação segregada periféricas por classes de baixa renda (áreas convexas, circunscritas em seu perímetro), um fenômeno gerado intrinsecamente a produção do espaço. É possível gerar um “mapa da segregação social” pela observação da morfologia urbana e localização de áreas específicas de habitação socialmente homogênea, onde pessoas vivem e trabalham dissociadamente. As áreas segregadas, ocupadas especificamente por uma população, são pensadas usualmente como produto e como meio de produção da segregação. Sob um processo circular de causação e efeito gerado pela dinâmica econômica, grupos sociais diferenciados em função da renda, que cooperam produtivamente, ao mesmo tempo competem pelas melhores posições e vantagens no espaço urbano (Harvey, 1973; Villaça, 1998). A agregação espacial de indivíduos sócioeconomicamente similares é um passo relativamente lógico dentro do processo econômico de alocação da terra e produção do espaço, produzidos predominantemente pelas classes cujas possibilidades são compatíveis, mediado pelo preço da terra (Harvey, 1973). A idéia de um processo de segregação traz a noção de sub-processos econômicos os quais são naturalmente produzidas na sociedade brasileira. As abordagens da Sociologia ao fenômeno tendem à uma visão estrutural, de base marxista, em relação ao processo da dialética do conflito de classes e relações de produção. A segregação assim é vista como fragmentação social em áreas homogêneas, a formação de áreas segregadas internas à cidade, ou periféricas, das classes mais altas. Segundo estas teorias, a distância social ocorreria naturalmente em decorrência da ocupação social homogênea de áreas específicas por grupos específicos. Os arquitetos e planejadores abordam o fenômeno em enfoque análogos, adotando como instrumento de análise e mensuração do nível de segregação os mapas de zoneamentos segregados. Assim, o espaço da segregação nas teorias usuais é aquele das áreas e periferias segregadas; o tempo é aquele do processo de produção do espaço. As teorias sociológicas, urbanísticas e econômicas, entretanto, são marcadas por uma inaptidão para demonstrar a dimensão espacial dos fenômenos, utilizando como instrumento a palavra e suas possibilidades descritivas, pouco hábil para espacializar informação e assim se aproximar da realidade, e pelo desenho de representação dos objetos da arquitetura e do urbanismo, pouco capaz de reproduzir relações entre objetos. A dificuldade em tratar os aspectos de tempo e espaço dos fenômenos é semiológica, contida na estrutura destas linguagens, tornando-os elementos de difícil objetivação (Harvey, 1972; Hillier e Hanson, 1984). Podemos intuitivamente ver que a segregação é um fenômeno dinâmico (isto é, que ocorre na variação do tempo e de espaços), mas como poderemos descrevê-la com essa característica essencial? Se considerarmos apenas a diferenciação espacial entre classes e não o fenômeno ocorrendo no tempo, corremos o risco de não ver como a segregação molda as relações sociais entre os grupos, impondo a distância social e a invisibilização do diferente (Young apud Harvey, 1992). A abordagem estática e míope dos zoneamentos segregados não identifica dos componentes da dinâmica social (atividades, locais de interação social, rotinas, movimentação) - os elementos que compõem a vida social, onde está contido o problema. As ações e rotinas segregadas da população permanecem para ser analisadas. O fenômeno pode ser visto no cenário dinâmico da vida social da cidade através de manipulações mais efetivas das dimensões tempo e espaço, componentes da natureza abstrata da segregação enquanto distância social, tocada com dificuldade pelas abordagens usuais: ver o fenômeno não como um processo longo de produção de áreas homogêneas relacionadas à ausência de contato entre classes, mas como um fenômeno em tempo real ou “imediato” da segregação – a dimensão cotidiana da dinâmica social. para ver como a segregação se manifesta enquanto fenômeno de distância e invisibilização do diferente, presente em virtualmente todos os atos, atividades e relações sociais dos indivíduos de um sistema urbano. Portanto, mais diretamente relacionado a dinâmica social do que à diferenças geográficas de localização. Por estas razões, a presente pesquisa propõem o conceito de segregação dinâmica urbana, pretendendo demonstrar analiticamente o fenômeno e ampliar o entendimento da distância social em sociedades profundamente divididas, através de instrumentos e conceitos à seguir desenvolvidos. 2. DINÂMICAS DE SEGREGAÇÃO A abordagem sociológica das classes sociais é útil para descrever as formas de apropriação dos indivíduos sobre os espaços urbanos a partir das possibilidades geradas por seu nível de renda. A configuração abstrata da sociedade em classes sociais, cujos limites são à rigor indefinidos, gera uma base para a definição de formas de uso do espaço urbano. Assim, dentro da dinâmica social da cidade, é possível encontrar uma certa similaridade entre movimentações típicas de indivíduos socialmente similares, os quais tem similares formas de utilizar o espaço em função dos diferentes níveis de renda. O processo da dinâmica social ocorre genericamente em função de atividades de trabalho, consumo, movimentação, contato e interação social (envolvendo troca de informação de naturezas diversas). Os indivíduos de um sistema urbano se movem basicamente de dois modos: para locais de trabalho ou para locais de lazer ou consumo. Os objetivos do movimento individual são similares para as classes sociais sob estudo, como a estrutura genérica da movimentação “residência-trajeto-local de trabalho/etc. Este trabalho utilizará o conceito de apropriação social como o uso dos espaços urbanos. A palavra “apropriação” parece mais precisa que “uso”, a qual parece remeter à um uso pragmático ou mesmo funcional do espaço. O termo “apropriação” não envolverá o aspecto metafísico da palavra, referindo-se a sua dimensão psicológica, como o sentimento de posse, propriedade ou importância de um determinado objeto para um indivíduo. Para facilitar a manipulação do sentido da apropriação, se considerará seu componente mais visível: o aspecto físico da apropriação manifestado pela ação individual e efetivada no uso dos espaços urbanos como lugar de encontro, troca de informação entre indivíduos, movimentação entre locais de atividades, e o uso destes locais. A noção de apropriação social é necessária para entender onde o fenômeno da segregação reflete. É útil para revelar a cidade brasileira como não disponível para todos os seus habitantes da mesma maneira e nos mesmos níveis, revelando as características intrínsecas na dinâmica social da cidade brasileira que limitam ou facilitam o uso dos seus espaços para um indivíduo e não para outro, e consequentemente criar possibilidades de interação social. 2.1. Movimentação social a partir da alocação e configuração urbana Em uma cidade caracterizada pela segregação social, a configuração da trama de acessibilidade intra-urbana constitui-se em um importante fator da formação de áreas apropriadas de forma segregada. A configuração da trama urbana consiste numa noção relacionada ainda à um segundo elemento da estrutura urbana: os atratores urbanos, locais de recebem atividades e demandam fluxos sociais, como lojas, fábricas, etc. Os atratores envolvem interação social: é em seu interior que uma relevante parte da vida social ocorre, como encontros estáticos e a troca de informação. A noção de atratores será útil no presente estudo da segregação; enquanto espaço de atividade, é passivo de apropriação segregada de acordo com a tendência de formação de públicos específicos ou ainda com definições estritas do público que irá utilizá-lo. A atratividade destes locais trabalha conjuntamente com o movimento de indivíduos dentro da cidade, e será utilizada como instrumento útil na compreensão da influência da segregação social, enquanto gerador de movimentos segregados dos locais de habitação ou limitados pela configuração urbana a partir de determinadas formas de transporte estimulados (veicular privado ou público, e movimento pedestre) - e mesmo por conter segregação no próprio local. Neste sentido, é necessário considerar ambas noções: a influência da trama de movimento natural (Hillier e Hanson, 1984) na alocação dos atratores segregados baseados e as diferentes formas de transporte. Existem fortes relações entre configuração, movimento natural, alocação de atratores, habitação e movimentação entre estes locais. Na rota gerada pela atividade desenvolvida em um atrator, os movimentos na cidade serão realizados em função da posição dos atratores em função da estrutura da trama. O movimento será “desenhado” sobre a estrutura urbana conforme as propriedades de conectividade e menores caminhos gerados em sua configuração (Krafta, 1991; 1994). Assim, tecidos urbanos altamente fragmentados tenderão à condicionar rotas menos diretas e mais complexas. Essas propriedades e características se relacionam ainda à outro elemento de elevada importância: a forma de transporte para longas distâncias intraurbanas usuais em metrópoles. Veículos privados dependerão das direções do fluxo de trânsito e contarão com alta flexibilidade de escolha de rotas. Movimentos intra-urbanos realizados através de transporte público serão mais restritos e condicionados pelas rotas disponíveis. Será útil no entendimento das rotinas e dinâmicas sociais de uma cidade classificar os atratores enquanto locais de atividade em duas categorias: micro-atratores e macroatratores. A diferença está na escala relacionada a demanda de fluxos. Assim, shopping centers concentram um amplo conjunto de atividades e assim requerem fluxos mais altos que uma única loja, grandes edifícios residenciais demandarão mais fluxo que uma única residência. As rotas entre habitação e um macro-atrator terá as mesmas características que os movimentos aos micro-atratores, considerando-se ainda a tendência dos macroatratores de se alocarem nas principais vias urbanas. Os macro-atratores tem o papel de atratores estruturais para a cidade: eles concentram larga parte dos destinos e distribuição de fluxos (como as paradas de ônibus e estações de metrô). A presença e a posição dos macro-atratores parece importante para entender o movimento social e as formas e níveis de uso dos espaços urbanos. Eles multiplicarão consideravelmente o movimento condicionado pela configuração da trama urbana, e freqüentemente criarão movimento para certas áreas, como é possível observar nas cidades brasileiras não desenvolvidas totalmente em sua trama. Os conceitos de macro e micro-atratores são importantes na abordagem da dinâmica urbana, como veremos mais adiante, de acordo ao fato de que em nossas cidades, em geral, diferentes grupos utilizam específicos atratores urbanos. 3. LÓGICAS E PADRÕES DE APROPRIAÇÃO DAS DIFERENTES CLASSES O conjunto de movimentos individuais entre locais na cidade parecem gerar uma complexa teia de ações, atividades e fluxos sobre a macro-estrutura urbana. No todo desse movimento é possível encontrar padrões típicos de atividade e movimentação das classes baseadas no fato de que indivíduos socialmente similares tendem a utilizar os espaços urbanos com objetivos, locais de atividade e formas de movimento semelhantes. Razões econômicas impõem ou permitem possibilidades de atuação para indivíduos diferentes. A acessibilidade e locação da habitação e as formas de movimento são condicionadas. É possível inferir que indivíduos socialmente diferentes comumente não se movem nos mesmos espaços nas mesmas formas e segundo a mesma lógica. 3.1. Lógicas de apropriação social “Lógica” é um conceito cuja definição é difícil, em função de sua dimensão metafísica – um instrumento útil no sentido, cognitivo, para compreendermos a dinâmica ou a estrutura dos fenômenos em geral. Assim, lógica pode ser entendido como as diretrizes de uma estrutura; as razões (como ordens metafísicas) para um dado objeto ter sua estrutura de uma forma específica e não de outra. Estes arranjos de diretrizes determinam a forma da coexistência e articulação dos elementos achados num dado objeto, como seus parâmetros estruturais. Diferentes lógicas de apropriação significam a existência de diferentes formas de se relacionar e utilizar (uso estático ou em movimento, como pedestre ou através de veículo) os espaços da cidade, as quais podem ser descritas como diferentes estruturas de movimento. As rotinas típicas de movimento e atividades das diferentes classes são descritas abaixo. Nestas simples descrições estão contidas as lógicas de apropriação. Lógica do movimento intra-urbano: A – movimento e atividades típicas das classes de baixa renda 1 – movimento pedestre: a distância entre a residência e a parada de ônibus, meio sobre o qual estas populações dependem fundamentalmente em sua movimentação pela cidade, é composta de poucas linhas axiais. O raio de movimento pedestre geralmente não excede cinco quadras, em função da cobertura das linhas de ônibus nos bairros, e da dificuldade para o movimento pedestre em cobrir longas distâncias nos tempos exigidos pelas rotinas sociais face às facilidades do transporte veicular. A geometria da rota é essencialmente fragmentada, formada por uma sucessão de diferentes ruas com freqüente mudança na direção do movimento. A quantidade de contato ou encontro potencial (Hillier e Hanson, 1984) tende a se intensificar enquanto o indivíduo se aproxima da parada. 2 – rota do veículo de transporte coletivo: trajetos das viagens definidos e fixados, percorrendo conjuntos determinados de espaços urbanos. A maior parte das rotas tende a ser o mais reta e direta possível, para minimização do tempo de viagem, consumo de combustível, etc., e otimizar o número relativo de passageiros/viagem. Possibilidades de movimento: a - atividade localizada no centro da cidade; b - casa e local de trabalho localizado em bairros diferentes. Em grande parte dos casos os indivíduos de classes baixas utilizam duas linhas para o local de trabalho ou lazer (bairro-centro e centro-novo bairro). Em Porto Alegre, cerca de 90% das viagens de transporte coletivo tem como destino o centro, onde apenas 30% das pessoas permanecem para trabalho e consumo. Em certas posições na cidade é possível utilizar linhas transversais, o que minimiza os tempos de viagem e o uso de linhas diferentes. Rotas do ônibus: vários trechos de rua compõem a rota dentro dos bairros, tendendo a ficar menos intrincada ao chegar à via radial, onde seguirá em direção ao centro. Há uma tendência de redução no número de ruas e espaços axiais (decomposição do comprimento da rua no maior número possível de retas interligadas, representando as inflexões do traçado da rua que fazem parte das rotas possíveis entre formas construídas) nessa rota radial ao centro. A possibilidade de variação de trajeto é basicamente limitada as rotas radiais e transversais, o que restringe a possibilidade de apropriação pelas classes mais baixas em grande parte dos espaços públicos da cidade. A apropriação dos espaços urbanos dependem da existência do transporte público, na posição da rotas de ônibus sobre a estrutura urbana e na distância entre habitação e o local de atividade, gerando fricção de tempo e redução no número de atividades passíveis de serem desenvolvidas. B – atividades e movimento das classe de média e alta renda 1 – movimento pedestre: pode ser observado que o comportamento típico dos indivíduos dessas classes apresentam baixa quantidade de uso do movimento pedestre, inclusive nas proximidades da residência. 2 – movimento em veículo privado: tendem a ser mais complexos que o movimento veicular das classes baixas. As típicas rotas dos indivíduos dessas classes são compostos de muitos trechos axiais, não dependendo necessariamente das principais vias principais da cidade, em função de privilégios de localização (acessibilidade para outros locais) e da possibilidade de escolha na composição das rotas, permitindo adotar caminhos mais curtos na área interna à trama das vias principais. A rota tende a ser mais direta (redução de tempo de viagem), o que facilita a movimentação intra-urbana e o desempenho de mais atividades, incluindo aquelas que dependam da otimização dos tempos de deslocamento. 3.2. Padrões de apropriação social O conceito de lógicas de apropriação (diferentes estruturas de movimento) permite a identificação e definição de padrões de apropriação, como modelos diferenciados de apropriação. Uma lógica específica encontrada nos trajetos típicos permitirá o reconhecimento de estruturas típicas, formatações genéricas da estrutura geométrica das rotas, número de atividades desenvolvidas tipicamente pelos indivíduos a partir das formas de transporte e nível de renda. Em cada padrão, uma diferente lógica pode ser achada. Padrões de movimento podem ser observados na similaridade da estrutura d infinidade de movimentos na teia de apropriações sociais individuais.. Os padrões de apropriação determinam as áreas que tendem a ser utilizada por indivíduos específicos e de qual forma. A observação e mapeamento das rotinas dos diferentes indivíduos mostra que existem basicamente dois padrões de apropriação social nas grandes cidades brasileiras: um tipicamente como sendo das “classes baixas” (em azul na fig.2) e outro das classes média e alta (em vermelho no esquema da fig.2). Os dois padrões básicos podem ser decompostos em redes mais numerosas, dependendo da intenção do recorte de classes. Assim, o padrão das “classes altas” pode ser subdividido em média, média-alta e alta, baseados na habitação e pontos de destinos segregados – entretanto, sem contar com diferenças estruturais. Classes de baixa renda Pode ser afirmado que os indivíduos das classes baixas tendem a utilizar os espaços mais próximos de suas residências.2[1] Existem questões culturais relacionadas à esses 2 AGUIAR, Douglas (1998) “Urban collisions: continities and descontiunities”, PROPUR. Aguiar neste trabalho analisou uma área residencial de baixa renda reassentada dentro de um bairro classe média, em Porto Alegre, e pontuou diferenças essenciais no uso estático e em movimento nos espaços públicos para as diferentes classes. comportamentos3[2], porém a capacidade de movimentação entre locais distantes é um fator determinante. Os amplos movimentos intra-urbanos das classe baixas são feitos usualmente sobre rotas longas, retilíneas e rígidas, sobre limitados área e número de espaços públicos até o local de destino. Mesmo que os indivíduos de classes baixas vivam em áreas próximas ao local de emprego, esta lógica permanece, de acordo com a dependência do transporte coletivo para desenvolver outras atividades. É observável que esse padrão envolve uma área considerável de apropriação através do movimento pedestre, viabilizando bons níveis de encontro potencial no entorno à residência, parada ou estação, locais de consumo e de trabalho. A análise do papel do conjunto da trama de transporte coletivo para a apropriação social à nível da escala global da cidade (macroestrutura) coloca o panorama geral de possibilidades de apropriação. Os indivíduos de baixa renda tem nas paradas de ônibus e estações de metrô elementos fundamentais. A partir das paradas e estações que fazem parte da rota linear são criadas janelas de apropriação potencial sobre os espaços da cidade como aberturas para a apropriação social dos espaços próximos à parada. A partir das janelas de acesso à porção de trama de espaços em torno de si – que deverá abranger o local de destino -, forma-se campos de possível apropriação através do movimento pedestre. O acesso à ampla quantidade de áreas e espaços Fig. 1 – Os diferentes padrões de apropriação social das intra-urbanos é, dessa forma, diferentes classes estruturalmente seqüencial, fixado e viabilizado a partir destes elementos – que constituem para o indivíduo a possibilidade efetiva e a impressão da possibilidade de acessibilidade aos diversos espaços da cidade. A análise do papel das paradas e estações colocam-nos como macro-atratores de distribuição que transformam as possibilidades de apropriação do conjunto de espaços adjacentes à estrutura linear do trajeto numa espécie de trilha de possibilidades de apropriação, com a sucessão das áreas cobertas. A macroestrutura da cidade é coberta por uma trama de manchas sucessivas de apropriação potencial. A noção da apropriação dos espaços da cidade para o usuário de baixa renda se dá em função das janelas de apropriação sobre as áreas internas da cidade, a partir do conhecimento de posição destes elementos na estrutura urbana. A criação destas janelas de apropriação potencial dos diversos espaços da cidade passa a condicionar a noção de acessibilidade aos espaços, gerando o conhecimento da estrutura urbana a partir das áreas circunscritas às paradas. A continuidade e interligação das paradas e o percurso efetivo do indivíduo (o que efetiva sua apropriação sobre o espaço) se dá a partir das linhas do trajeto 3[2] As razões não-morfológicas, como a dimensão psico-social da segregação, não serão desenvolvidas no presente artigo. entre estas áreas de apropriação potencial. Em outras palavras, sua leitura da cidade se dá a partir da experiência e impressão de acesso a partir da janelas de apropriação potencial. A análise das possibilidades de apropriação do indivíduo a partir da rede de transporte coloca a possibilidade de escolha do local de destino entre todos os espaços da cidade em função dos macro-atratores, condicionando a apropriação potencial da cidade pelo acesso linear à área circunscrita de destino. Assim, a trilha virtual de apropriação potencial da análise da papel do sistema de transporte coletivo na apropriação urbana, ainda que se constitua como possibilidades de uso e alargue as possibilidades de distribuição para o sujeito, é limitada pelas limitações de tempo e número de atividades à desempenhar, como o trabalho. Portanto, a inicial trilha virtual é reduzida para o panorama de apropriação das áreas circunscritas de movimento pedestre ligadas pelas rotas lineares de espaços urbanos, que constituem o padrão geométrico das movimentações. As rotinas de movimentação e atividade social da população de baixa renda sobre a estrutura geral da cidade é profundamente condicionada por essa estrutura. Variações da rotina e apropriação de outros espaços tendem a ocorrer como lazer em fins-de-semana. Freqüentemente, o indivíduo de baixa renda depende de duas linhas de ônibus para chegar ao local de trabalho ou lazer, ou para se desempenhar mais que duas atividades no dia. Estes movimentos configuram-se com a mesma estrutura anterior, gerando rotas geometricamente limitadas e sobrepostas, como em forma de “V”. Os movimentos também podem constituir polígonos, quando utiliza-se três linhas de ônibus radiais e transversais diretamente entre três ou mais locais de atividade. Entretanto, essa possibilitada é bastante limitada, pela necessidade de sobreposição das linhas em paradas relativamente próximas para viabilizar o movimento no tempo. O número de rotas diferentes disponíveis limita a combinação de linhas transversais e radiais. Concluindo, os movimentos amplos sobre a cidade são substancialmente limitados à determinados conjuntos de espaços das vias principais de distribuição, em comparação à alta flexibilidade e número de rotas possíveis para o movimento em veículo privado. Assim, o conhecimento da estrutura urbana pela grande parte dos indivíduos de classe baixa será dificilmente comparável a daqueles de classes mais altas, e será construído consideravelmente mais lentamente. A noção individual da estrutura urbana se dará basicamente em relação às vias principais, as quais serão interligadas com limitações de detalhe dos interstícios entre vias principais. O caso do metrô subterrâneo é mais peculiar. As estações são janelas de apropriação sobre os espaços da cidade cuja interligação não se dá a partir dos trajetos na trama urbana. A noção de continuidade do tecido urbano, presente e basicamente linear para o usuário do ônibus, é desfeita para o usuário do metrô. As áreas cobertas pela janela de apropriação não são interligáveis mentalmente; são como espaços soltos e de algum modo acessáveis para o cidadão. Essas características impõem um quadro de fragmentação da apropriação e desconexão entre as diferentes áreas pelo movimento pedestre a partir das estações. Classes de média e alta renda Tais grupos se movem basicamente a partir dos seus próprios veículos, e seu movimento se relaciona freqüentemente ao uso de mais de dois atratores distantes entre si na rotina diária. A interligação dos pontos na rota diária do local de habitação aos demais locais de atividade, de acordo à possibilidade de acesso entre cada local de atividade através da trama da cidade, gerará polígonos de movimento. O padrão de apropriação em polígonos de acessos diretos entre atratores são progressivamente superpostos na sucessão das rotinas diárias e nas variações de locais de atividade, como consumo de alimentos, vestuário; escola dos filhos, trabalho, curso, etc. na rotina semanal, mensal, etc. A superposição das rotas colaborará na composição de rotinas complexas envolvendo padrões complexos de rotas de espaços apropriados com elevada quantidade de interconexão destes espaços. Isso permitirá contatos com novos espaços urbanos e a ligação entre estes, gerando o conhecimento de espaços intersticiais e de conexões entre as vias principais de distribuição. A forma geométrica da rota por veículo privado tende a ser mais fragmentada e complexa do que a das classes mais baixas, com uma alta relação entre o número de espaços axiais utilizados e a área coberta. As rotas tendem a cobrir amplas áreas como uma função do número de atividades a desempenhar. Esse complexo padrão de apropriação efetiva gerará um conhecimento detalhado da estrutura urbana, com elevada noção de interconectividade dos espaços, e familiaridade com o tecido da cidade. Deve ser observado que estas rotinas podem facilmente incorporar variações e adição de locais de atividade social. Um alto número de atratores são comumente utilizados como conseqüência da renda e facilidade de movimento, permitindo o desenvolvimento de atividades de interação social em locais distantes entre si, em pontos específicos sobre a macro-estrutura urbana, reduzindo substancialmente a dependência da rua e da proximidade espacial no desenvolvimento das interações e relações sociais – as características do comportamento trans-espacial (Hillier e Hanson, 1984). As rotinas do cidadão de classe média e alta a partir do veículo foram progressivamente substituindo o uso dos pequenos locais de consumo (de alimentos, entre outros) próximos a casa, e são atualmente essencialmente estruturadas pelo uso dos macro-locais de consumo. Assim, as rotinas dessas classes se dão basicamente com o uso de atratores estruturais de rotinas individuais ou macro-atratores, definidos no presente trabalho. 4. SUB-DINÂMICAS SEGREGADAS: REDES DE APROPRIAÇÃO O conjunto da movimentação social se constitui como uma complexa e indiferenciada teia de ações e apropriações individuais. Os conceitos de lógicas e padrões de apropriação permitem analisar a teia complexa em redes reconhecíveis de apropriação social. Essas redes representam a estrutura das rotinas sociais típicas das diferentes classes sociais, tendo a estrutura da cidade como cenário para as movimentações que são demandadas. As redes dinâmicas são constituídas pelos movimentos entre os locais de habitação e os locais de atividade segregados, através das possibilidades de movimentação intra-urbana pedestre e veicular. A distinção entre atratores segregados, a quantidade e posição destes, o uso das redes de transporte coletivo e particular e formas de movimento e alcance pedestre são os componentes do padrão que diferenciam a teia de movimentação. Os movimentos segregados que compõem as redes sociais distintas ocorrem a partir da atração entre locais de atratividade e os locais de habitação segregados. O conjunto de locais de habitação das classes considerando sua localização heterogênea, independente de sua posição em zonas. A rede dinâmica de uma classe é constituída por cada local de atividade gerando atração sobre os pontos de origem de fluxo social, os locais de habitação. Esses locais não são necessariamente dispostos em “zonas” segregadas, tampouco os atratores são de uso exclusivo de uma classe. Macro-atratores como shopping centers são utilizados por classes como na relação entre trabalhador (como os de baixa renda) e consumidor (de média e alta renda). Assim, um mesmo local não raramente apresenta co-presença de classes, ainda que sob formas de contato reduzido as relações de trabalho. A noção de redes que abrange a complexidade do fenômeno da segregação que ocorre potencialmente em cada local de atividade, independente da sua localização, é um fator de ruptura da visão usual de zonas segregadas. A rotina de movimento e atividade dos indivíduos de um sistema urbano freqüentemente se valem indistintamente dos espaços da cidade, boa parte deles espaços comuns ao uso das classes. Ainda assim o fenômeno da segregação enquanto distância social e ausência de interação entre classes permanece. A noção das redes dinâmicas sociais é capaz de representar essa característica dinâmica da rotina social geral da cidade, através da representação gráfica dos elementos que compõem as rotinas das redes. O diagrama ao lado representa processo de redução baseados em uns poucos elementos e características do sistema urbano, a geração da teia, e o modo como ela pode ser decomposta em redes, sobre as quais é gerado o desenvolvimento de outros conceitos e propriedades. As propriedades relacionadas à apropriação social das cidades podem apresentar-se com um alto grau de precisão, através da manipulação quantitativa dos conceitos. Entretanto, se sugere que a opção pela mensuração4[3] ou não das propriedades não afeta o sentido e a utilidade das propriedades em si para o entendimento do fenômeno dinâmico da segregação em sociedades divididas. Portanto, a mensuração baseia-se na conceituação, e não o contrário. É comumente afirmado Fig. 2 – Diagrama da abordagem da Segregação que a alocação de um atrator é Dinâmica: condicionantes, conceitos e propriedades determinada pela proximidade aos espaços onde vive o seu público consumidor. Este critério natural para a alocação corresponde aos usos segregados mesmo quando os atratores estão consideravelmente próximos de uma área de habitação de uma classe diferente. A despeito da proximidade espacial, uma única ou poucos redes de apropriação similares cobrirão este atrator. Um atrator de atividades tende a se inserir em uma rede específica: aquela do seu público consumidor. Se a dinâmica da segregação e seus critérios velados forem eficientes, um atrator das classes altas não será facilmente acessado por indivíduos de classes baixas, como uma função de sua localização em uma área sintaticamente segregada e pouco servida pela rede de transporte coletivo. Assim, a acessibilidade é o mais eficiente componente da dinâmica da segregação, porque afirma a distância social através da natural implicação das redes de movimento a partir da estrutura urbana e da dinâmica social das classes. Portanto, a ausência de sobreposição das redes dinâmicas das classes 4 O presente artigo não estenderá a possibilidade do tratamento quantitativo da abordagem, desenvolvida em Netto & Krafta (1999). se baseia na ausência de atratores utilizados pelas classes em comum, pela estrutura sintática da cidade e pela estrutura da rede de transporte público disponível. O conceito de redes dinâmicas específicas de classe gera entendimento da segregação como o produto de diferentes redes dinâmicas de apropriação ou sub-dinâmicas dentro da dinâmica geral da cidade. Essa abordagem assume o fenômeno em tempo real, presente virtualmente em todos os espaços urbanos, e representa o caráter abstrato da segregação (isto é, contido na movimentação e atividades sociais) de forma analógica através da visualização geográfica das redes dinâmicas sociais. A representação física do comportamento social como movimento e atividade sobre os espaços urbanos a partir da teia de apropriação social gera uma espécie de mapa dinâmico da segregação. O mapeamento dos atratores segregados e do movimento intra-urbano sugere que os dois padrões básicos de apropriação de todos os indivíduos do sistema urbano tem pouca sobreposição. A sobreposição das redes gera o mapa do panorama social da cidade assim como o panorama da apropriação segregada que é intrínseco a dinâmica social geral. A abordagem das redes sociais dinâmicas permite a mensuração da segregação social. A mensuração do nível de segregação é realizada a partir destes conceitos, desenvolvido em outro artigo), de modo provavelmente mais preciso e representativo do fenômeno que as técnicas de mensuração usualmente empregadas na pesquisa urbana, como a mensuração das áreas segregadas e os índices de clustering ou aglomeração espacial das classes em zonas de habitação específicas (como o trabalho de Lee e Culhane, 1998). A abordagem aqui proposta visa colocar uma visão analítica sobre o fenômeno, e sugere conceitos que visam clarificar aspectos e facilitar o entendimento do fenômeno em sua complexidade espacial e social dinâmica. Portanto, os processos propostos para abordar a segregação podem didaticamente mostrar importantes aspectos que não seriam vistos por outros meios. Nesse sentido, a representação gráfica consiste em um importante produto do trabalho e será útil para ver onde e como os indivíduo socialmente diferentes desaparecem; a modelo permite portanto explorar pontos que podem ser vistos como geradores de resultados mais precisos no tratamento do fenômeno. Sobre esse fato se supõe que a modelagem da segregação social enquanto fenômeno dinâmico, proposta da presente pesquisa, será útil para revelar os níveis de segregação de uma cidade real. 4.1. A propriedade da Complexidade de apropriação A partir da descrição das rotinas típicas em termos geométricos e topológicos, a presente pesquisa propõe uma propriedade de complexidade da apropriação para descrever as diferenças nas formas de apropriação dos espaços da cidade, tipificadas por classe. O papel da propriedade é permitir verificar a existência de níveis de apropriação diferentes entre indivíduos de diferentes classes sociais. Se supõem que o aumento do grau de complexidade na movimentação intra-urbana amplificará as possibilidades de apropriação. Um determinado nível de complexidade revela uma maior ou menor tendência para conhecer e interconectar mais espaços urbanos – a tendência de conhecer mais rotas entre locais. Assim, a complexidade de apropriação é uma medida de potencial apropriação social. A propriedade de complexidade de apropriação se baseia em dois elementos: 1) a fragmentação axial como o arranjo das rotas como agregação de partes de várias ruas. O nível de fragmentação das rotas envolve o número de espaços axiais utilizados pelo indivíduos em sua rotina social. Um alto nível de fragmentação indica uso de muitos espaços e a necessária interconexão desses espaços, como movimentos de “zig-zag” de interconexão dentro de polígonos de movimento e interconexão entre polígonos de rotas – o que potencializa o conhecimento da estrutura urbana e disponibilidade da cidade , podendo ampliar o sentimento de apropriação psicológica; 2) a flexibilidade de composição de rota como propriedade tanto dos tecidos – o que Krafta (1996) chamou “complexidade configuracional” – quanto dos movimentos sobre os tecidos baseados sobre o transporte veicular e pedestre (para descrever rotas amplas, o uso do veículo tende a ocorrer preferencialmente, número de atividades e nível de renda, que amplificam ou não as possibilidades de apropriação sobre os espaços da cidade. Como uma lógica específica é extraída das diferentes rotinas sociais, é necessário considerar que a complexidade das apropriações típicas é uma propriedade intrínseca de cada lógica, que serve para diferenciá-las entre si (juntamente as características geométricas específicas) – diretamente relacionadas ao nível de renda (forma de transporte, número e posição das atividades). Desse modo, as rotas e padrões de apropriação típicos para as classes média e alta tendem a ser mais complexas que para as classes de baixa renda. 4.2. A propriedade do nível de apropriação social A propriedade da apropriatividade consiste na relação de um indivíduo com os espaços da cidade enquanto cenário para suas atividades. Para tanto, utiliza a noção de apropriação como uso dos espaços para atividade e movimentação. É fundamentalmente quantitativa, seguindo a intenção de demonstração objetiva de aspectos suspeitados mas não demonstrados claramente. A apropriatividade se relaciona ao número de locais ou atratores que utiliza socialmente, e o número de espaços axiais que o indivíduo utiliza para se movimentar entre locais ou ainda estar sujeito as possibilidades de encontro e contato social. Esta propriedade é intencionada para mostrar como a cidade é apropriada pelos cidadãos sob o ponto de vista de suas diferenças econômicas. A hipótese inicial é de que a cidade parece não se dispor da mesma maneira parra todos os cidadãos; isto é, haveria a partir das diferenças de forma, lógica e complexidade de apropriação, níveis distintos de apropriação social, tipificados para as classe a partir do conceito de padrões. Os padrões, através da visualização gráfica das redes dinâmicas de movimento, revelam as formas, lógicas e complexidades de apropriação, o como e onde os indivíduos utilizam a cidade no desenvolvimento de suas rotinas. A conceituação da apropriatividade urbana como propriedade de descrição do nível de apropriação social indica o quão apropriados são os espaços urbanos para os indivíduos das diferentes classes. É uma medida da apropriação efetiva sobre a cidade. A propriedade é mensurável a partir da abordagem das redes dinâmicas descritas analogicamente como redes geográficas. Os padrões de apropriação descrevem as estruturas dos traçados das movimentações e atividades sociais, a partir da noção de atratores segregados, habitações específica por classe e redes de movimentação pedestre e veicular para as duas classes. Em seguida, a definição de atratividade dos locais de atividade exercem demanda de fluxo social, a partir dos locais de habitação, traça os trajetos mais curtos entre cada habitação e cada local de atividade compatível socialmente, utilizado para trabalho e/ou lazer. Esse conjunto de locais de atração das diferentes classes e dos locais de habitação dos indivíduos se apresentando como um panorama de movimentação e atividade segregados. A apropriatividade do indivíduo típica de uma classe é extraída da quantidade e espaços urbanos (ruas e locais de atividade) que são por ele utilizados, conforme a visualização geográfica das redes e da contagem dos “traços de apropriação” e presença efetiva do indivíduo sobre os espaços urbanos (o uso do espaço para movimento e atividade social). O presente trabalho não detalhará a descrição do processo do modelo e da mensuração. Através desta propriedade, é possível descrever a cidade como um local disposto para a apropriação dos indivíduos. É a propriedade aqui proposta com mais ênfase na questão do sujeito urbano, por tratar da noção de envolvimento e uso efetivo pelo sujeito dos espaços da cidade, representados pela estrutura de espaços públicos e locais de habitação e atividade. A apropriatividade é uma descrição da forma e do nível de apropriação social individual. 5. O QUANTO UMA CIDADE É SEGREGADA? A diferença no nível de segregação entre cidades diferentes pode ser observada empiricamente, mas essa característica será definida de modo preciso com dificuldades por outros meios que não o desenvolvimento sistemático de uma propriedade de segregação urbana. A presente abordagem permite gerar a propriedade do nível de segregação, e dizer o quanto uma cidade é segregada. A observação atenta dos espaços urbanos (espaços abertos e arquiteturas) pode dar idéia sobre o nível de segregação existente na cidade. Entretanto, essa informação parece pouco aplicável para a análise da vida urbana, por não conseguir reproduzir de modo sistemático as condições da segregação através, por exemplo, de meios gráficos, instrumentos analíticos ou sob forma de conceitos que expressem as características estruturais da escorregadia noção de espaço e tempo. Os instrumentos de análise desenvolvidos nos estudos configuracionais, como vimos, podem ser úteis, sobretudo se cruzados com a teoria sociológica, como esta pesquisa intenciona fazer. A partir de tal utilização conjunta de teorias e instrumentos de apreensão e manipulação dos fenômenos espaciais em correlação aos sociais, podem-se gerar instrumentos mais precisos de compreensão. A mensuração do nível de segregação urbano tem como parâmetros extremos uma cidade hipotética onde não houvesse segregação, com a presença das redes dinâmica das classes proporcionalmente sobre todos os espaços urbanos, e a de máxima segregação, com divisão de todos os espaços da cidade entre as classes, sem qualquer sobreposição ou co-presença nas ruas ou nos locais de atividade. Naturalmente, esses parâmetros são hipotéticos, utilizados como o valor zero e o valor máximo da segregação entre os quais o nível de segregação da cidade em estudo seria estabelecido. É importante notar que a mensuração e o valor numérico da segregação consistem em parâmetros da problema real mais que uma visão precisa do problema, por que o valor numérico não pode demonstrar sozinho como o fenômeno ocorre sócio-espacialmente nas cidades. Além deste fato, existem outros elementos graves da distância social que não podem ser mensurados facilmente, como o tratamento do processo não-morfológico de segregação - que requereria elevada sofisticação cujo resultado seria útil apenas como analogia. O autor acredita que a mensuração do nível de segregação pode ser útil como um indicador das divisões da dinâmica social da cidade, sendo apresentada em outro artigo específico. 6. CRESCIMENTO URBANO SEGREGADO, ATRATORES E VIDA SOCIAL Esta abordagem trabalha sobre conceituações como configuração urbana (Hillier e Hanson, 1984), atratores (Krafta, 1991, 1996) e macro-atratores urbanos. Assume que o panorama social da cidade é fortemente influenciado por tais fatores. Neste sentido, os macroatratores consistem em espaços de importância estrutural para a cidade. Enquanto elementos de distribuição e geração de fluxos na cidade, é possível entender e descrever a dinâmica urbana a partir deles. A população da cidade se move em função da escolha e limites de movimentos conformados pela configuração, assim tendendo a utilizar mais certos espaços que outros. São locais que se dispõem na estrutura como cenários para a atividade e interação social, utilizados por um número consideravelmente alto de indivíduos no desempenho de suas rotinas diárias. Estes locais tem um importante papel na vida de largas partes de indivíduos em uma cidade. Os macro-atratores são o objetivo de uma parte substancial dos movimentos intra-urbanos fundamentais, atuando como um segundo elemento de definição estrutural de fluxos; eles organizam e estruturam a movimentação e as rotinas sociais da cidade como um todo. Neste sentido, os macro-atratores são os locais mais relevantes para a interação social, compondo o conjunto de lugares de uso mais comum para partes consideráveis da população. Como Krafta (1991) e Hillier e Hanson (1984) notaram, existe uma natural relação entre atratores de atividade e a estrutura urbana. Neste sentido, a má localização de um macro-atrator como um terminal rodoviário imporá dificuldade de acesso aos cidadãos – como podemos ver em muitas cidades Fig.3 – Grafo do hierarquia dos espaços de atividade social: os brasileiras. Por outro lado, grandes macro-atratores são a base da estruturação das rotinas sociais atratores de consumo, como os hipermercados que se localizam freqüentemente nas bordas da cidade, acessados por vias estruturais da cidade, podem atrair alto fluxo de movimento social. A consideração dos macro-atratores relacionada a configuração urbana parece necessária se a intenção é analisar um largo espectro de aspectos da vida social, quando observados a movimentação social e o encontro potencial (Hillier e Hanson, 1984), a interação social (envolvendo potencialmente o uso estático e troca de informação de elementos de convívio social), e as rotinas sociais em si, desempenhadas em grande parte baseadas nos macroatratores. Os macro-atratores correspondem as “raízes” sobre as quais a vida social é baseada e construída. A partir de um novo macro-atrator, toda a vida social de uma cidade social é alterada, consistindo em um novo espaço social que influenciará substancial parte da dinâmica social urbana. A importância e relação dos macro-atratores aos micro-atratores pode ser vista como os níveis de um grafo de relações topológicas entre os espaços urbanos de atividade – um parâmetro para conhecermos a vida social de uma cidade. Observados sob um ponto de vista quantitativo, esses locais consistem no primeiro patamar entre os locais apropriados da cidade. Os macro-atratores podem ser vistos também como importantes peças de atração para pequenos atratores, que tomarão vantagem da intensa movimentação social gerada pelo equipamento. Um macro-atrator coloca internamente à cidade um vetor virtual de movimento e consequentemente de crescimento – e assim, de modificações na estrutura da valor do solo de virtualmente toda a cidade. Esse crescimento pode ser descrito como celular (Couclelis, 1997), baseados nas propriedades da configuração urbana (Hillier e Hanson, 1984), onde uma “mega-célula” produzirá uma grande perturbação em sua vizinhança. Nesse sentido, Porto Alegre (como em outras cidades brasileiras) oferece um exemplo: o shopping center Iguatemi foi alocado em meados dos anos 80 em uma região próxima de uma vila de baixa renda (sintaticamente pouco integrada ao restante do tecido) e a zona norte da cidade, tipicamente de baixa e média-baixa renda. Progressivamente os vários vazios urbanos em seu torno formas substituídos por uma relativamente intensa área comercial ao longo do seu eixo principal de acesso a partir do centro e de áreas de média e alta renda (Av. Nilo Peçanha), juntamente a altos edifícios residenciais, embora ainda limitados pela área de baixa renda. O padrão do valor do solo de toda a área foi substancialmente alterado, incluindo as áreas adjacentes da assim chamada “zona norte”, cujo padrão de renda típica subiu significativamente, abrigando atualmente indivíduos de maior poder aquisitivo. A produção dos macro-atratores dessa escala e tipo pode ser considerada como investimento de alto custo, e focará as classes mais altas. Neste sentido, as dinâmicas de segregação moldam a morfologia da cidade, transformando áreas estagnadas economicamente em novos centros (Villaça, 1998) para consumo e vivência. A INVISIBILIZAÇÃO DA ALTERIDADE A segregação social tem uma óbvia mas insuficientemente reconhecida e examinada conseqüência: impõem a apropriação dos espaços urbanos sem uma efetiva interação e contato entre as classes sociais. A falta de interação tem conseqüências severas: a distância social, o medo e o controle do diferente, e sua invisibilização na rotina cotidiana. As áreas segregadas são utilizadas por populações relativamente homogêneas econômica e socialmente, e a morfologia das áreas de habitação mostra estas pré-determinações – assim como mostra o contraste das justaposições de áreas segregadas. A interação entre indivíduos socialmente similares é dessa forma natural, e o diferente será acolhido nestes espaços restrito a determinados condicionantes. Entretanto, como procurou-se demonstrar neste trabalho, a segregação e a ausência de interação entre as classes não é fenômeno decorrente nem explicável exclusivamente na separação social estática das zonas socialmente homogêneas. A dinâmica das classes exige deslocamentos sobre toda a estrutura da cidade; nenhuma destas populações permanece restrita àquelas zonas. Tampouco estas são estruturalmente fechadas: a malha urbana é continua, e os sinais de homogeneização são, assim como comumente abruptos, muitas vezes graduais, e exibidos pela própria morfologia das edificações, da qualidade da pavimentação, etc. Villaça (1998) aponta que cidades brasileiras raramente tem espaços exclusivos para o rico, enquanto comumente apresentam para o pobre. Outros espaços urbanos, diferentemente, são utilizados de modo comum. Como se explica então a segregação? Como a rotina social continua dividida? Como os diferentes se invisibilizam? A segregação e a ausência do diferente parecem explicadas mais efetivamente como sub- dinâmicas segregadas das classes, que envolve a morfologia da cidade e a estrutura da trama como cenário condicionante das movimentações sociais, a locação dos atratores e as formas de transporte disponíveis, não incporporadas pelas abordagens da segregação usuais. A procura dessas respostas foram a motivação original desta pesquisa, que pretende ter seguimento em direção à uma mecânica da segregação, incorporando detalhadamente o elemento dinâmico social e o morfológico aos elementos não-morfológicos da segregação (como o comportamento individual segregador-segregado, as reações ao estranho, vigília institucional, etc.). Fig.4- A mecânica de invisibilização do diferente REFERÊNCIAS AGUIAR, D (2003) “Colisões urbanas: continuidades e descontinuidades” http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp166.asp ARENTZE T A, BORGES A W J, TIMMERMANS H J P (1994), “Multistop-based measurement of accessibility in a GIS environment” International Journal of Geographical Information Systems 8 342-356 BATTY, M & XIE, Y (1997), “From cells to cities” Environment and Planning B vol.24. COUCLELIS, H (1989) “Macrostructure and microbehaviour in a metropolitan area” Environment and Planning B vol. 16. COUCLELIS, H (1997), “From cellular automata to urban models: new principles for model development and implementation” Environment and Planning B, vol. 24. GIDDENS, A (1984) The constituition of Society: Outline of the Theory of Structuration. Cambridge, Polity Press; e Berkeley e Los Angeles, University of California Press. GIDDENS, A (1979) Central Problems in Social Theory. 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