MATEMÁTICA PARA ALÉM DO CÁLCULO FORMAL NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL SILVA, Daiana Paula da 1 RIBEIRO, Daiane Aline ¹ MONTEIRO, Gyana Mara ¹ CASSOL, Jacinara ¹ COUTINHO, Marília Maria Montiel ¹ SANTOS, Vanusa Rodrigues dos ¹ MAZZUCO, Neiva Gallina (orientadora)2 O presente trabalho tem por base o desenvolvimento do projeto “A Matemática para além do cálculo formal nas séries iniciais do Ensino Fundamental” por um grupo de seis acadêmicas do quarto ano de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Cascavel, referente à disciplina Prática de Ensino III, em uma escola pública. Na linha do materialismo histórico dialético, primeiramente nos dedicamos às reflexões teórico-metodológicas a partir do estudo de algumas obras produzidas por pesquisadores da área de Matemática, o que contribuiu para nos fundamentarmos para a elaboração do respectivo projeto e para a direção de nossa docência, na escola. O grupo foi subdividido de modo a atender uma primeira série, uma segunda e uma quarta série. Em cada semana a docência foi coordenada por uma acadêmica enquanto outra a auxiliava, contudo, o planejamento, a organização e a avaliação das atividades se deu de forma coletiva. Procuramos encaminhar os conteúdos, com as crianças, a partir de muita reflexão conceitual, paralelamente à contextualização dos conteúdos e à utilização de materiais didáticos, por compreender que essa é uma das formas de possibilitar o efetivo entendimento dos conteúdos. Assim, num primeiro momento, secundarizamos o mecanicismo da exercitação das técnicas operatórias e a memorização de regras ou algoritmos, embora temos a clareza de nosso compromisso político em possibilitar ao aluno também a apropriação de tais encaminhamentos, já que eles agilizam, intensamente, a “utilização” dos conteúdos matemáticos em nossa vida e/ou são fundamentais para a continuidade dos estudos na área. Compreendemos que quando os alunos apenas memorizam alguns procedimentos, acabam tendo uma falsa idéia de aprendizagem, ou seja, até conseguem boas notas, mas pouco sabem sobre o conteúdo. Desse modo, é preciso levá-los a compreender que os conteúdos 1 Acadêmicas 4º Ano Pedagogia – Unioeste – Campus Cascavel Profª Ms. Do Colegiado de Pedagogia da Unioeste Campus de Cascavel. [email protected] 2 matemáticos foram sistematizados ao longo da história para satisfazer algumas necessidades dos homens, como medir comprimentos, áreas, volumes, etc., como escreveram os autores da concepção de Matemática do Currículo Básico: “A Matemática, como parte do conjunto de conhecimentos científicos, é um bem cultural construído nas relações do homem com o mundo em que vive e no interior das relações sociais” (Paraná, 1990, p. 66). Assim, a Matemática não pode estar desvinculada do contexto social do aluno e o professor deve considerar a lógica do conteúdo e trazê-la para a realidade do aluno. Nessa linha de pensamento, o ensino da Matemática não pode se resumir em fórmulas e cálculos; ele deve ensinar a interpretar, a desenvolver o raciocínio lógico, ou seja, a preparar o aluno para resolver questões que estão no seu cotidiano e/ou que efetivamente desenvolvam o raciocínio lógico matemático. Não que não haja a necessidade de fórmulas, porém não devem ser utilizadas para introduzir os conteúdos. Nessa direção, Sadovsky (2007, p. 17) lembra: “Os aspectos mais interessantes da disciplina, como resolver problemas, discutir idéias, checar informações e ser desafiado, são pouco explorados na escola”. E, para que isso não ocorra, é necessário que o professor trabalhe, em sala de aula, problemas e exercícios significativos, na direção de associá-los com atividades Matemáticas por eles vivenciadas como compra de alguns produtos na panificadora, no mercado ou a venda de doces, picolés ou pães produzidos em sua casa para serem vendidos. Com base nesses pressupostos, analisaremos, nesse artigo, os principais encaminhamentos metodológicos utilizados em nossa docência, na seguinte ordem: textos matemáticos, oralidade, problemas, estimativa/cálculo mental, literatura infantil na Matemática, jogos, idéias da subtração e a divisão a partir de tabelas. Optamos por utilizar, constantemente, textos matemáticos em nossa docência, tanto para introduzir os conteúdos, quanto como forma de fixação e de avaliação dos mesmos, reconhecendo-os como uma forma de contribuir para a superação dos exercícios mecânicos e isolados, embora os alunos estranhem esse encaminhamento. Deste modo, procuramos, sempre que possível, apresentar uma história para introduzir os conteúdos, bem como elaboramos as atividades com enunciados contendo informações contextualizadas, exigindo, também, a análise ou justificativa das respectivas respostas por escrito, além de oralmente. Compreendemos que embora a produção escrita seja um processo trabalhoso e lento, que exige muita dedicação e paciência do professor, deve ser intensamente valorizada e oportunizada nos mais diferentes momentos, de forma a contribuir para que o aluno se sinta encorajado para escrever sempre mais, pois acreditamos que é escrevendo que se aprende a escrever cada vez melhor e, conseqüentemente, melhor compreenderemos os gêneros que dão sentido à escrita e, uma boa forma de iniciarmos essa difícil tarefa, é redigir respostas coerentes para os problemas resolvidos em sala de aula, seguidas, quando possível, de respectivas análises ou justificativas. Nesse sentido Smole (2001, p. 55) defende que, inicialmente, os textos a serem propostos nas aulas de Matemática devem ser simples não precisando, necessariamente, apresentar ligações diretas com a Matemática; podem apenas ser utilizados para resumir e organizar as idéias de uma aula ou mostrar as instruções de um jogo. Com esse propósito é que, seguidamente, em nossa prática, convidamos os alunos a escreverem uma história, na busca, sobretudo, da articulação do conteúdo com a sua realidade e da demonstração do entendimento quanto aos conceitos de determinado conteúdo. Esse encaminhamento metodológico nos reavivou o temor pela escrita apresentado pela maior parte das pessoas, percebendo, sobretudo, o quanto alguns alunos se sentem intimidados para escrever, relutando para iniciar esse processo, afinal, é comum termos dificuldades para transpor um conteúdo apreendido oralmente para o papel, até porque o registro de qualquer idéia é mais complexo que a sua respectiva compreensão ou “leitura”, o que evidencia ainda mais a constante necessidade da exercitação da escrita. Seria importante que ao final de cada atividade ou conteúdo os alunos escrevessem um pequeno texto para expressarem o que apreenderam. Segundo Smole (2001), este é um dos momentos importantes da produção de textos, após uma atividade, pois reforça o que o aluno aprendeu ao mesmo tempo em que possibilita que sejam sanadas dúvidas sobre o que não compreenderam, até como forma de avaliação da própria metodologia do professor. No entanto, quando se trabalha com textos, é preciso ter a compreensão quanto aos tipos de texto, isto é, quanto aos gêneros textuais. Conforme Hübbes et al. (2007), devemos considerar os diferentes gêneros textuais que estão presentes no nosso dia-a-dia, em todos os lugares, com o objetivo de informar, ensinar, ou seja, mostrar que cada gênero tem uma função social e apresenta um discurso que lhe é próprio. Destarte, é importante a proposição de diferentes tipos de textos como bilhetes, resumos de aula, artigo para jornal, poemas e rimas, histórias em quadrinhos ou outros. Diante de toda essa diversidade que circunda os textos escritos, o professor não pode simplesmente pedir ao aluno que escreva um texto, sem maiores explicações, pois este precisa saber qual o motivo da sua escrita em cada momento, bem como é preciso que ele saiba que quando escrevemos o fazemos pensando num destinatário. Assim, é preciso que ele se preocupe com a clareza da sua produção para que o seu interlocutor possa entendê-la. Também é fundamental que o conteúdo enfatizado na elaboração de um texto seja previamente explorado, oralmente, pelo professor, assim como que seja realizado um roteiro prévio para sistematizar as idéias dos alunos a serem contempladas no texto. Nesse sentido, a análise coletiva sobre o conteúdo pode possibilitar a obtenção de diferentes informações, sendo também um momento importante de socialização de idéias, etc.. O conteúdo também pode ser enriquecido com a realização de pesquisa, pelo aluno, em sua comunidade, na internet ou em bibliotecas. Trataremos, a seguir, sobre a importância da oralidade e das produções escritas para a apreensão dos conteúdos por parte dos alunos, na linha de pensamento de Cândido (2001), uma das defensoras da utilização constante da oralidade para se trabalhar conteúdos matemáticos, afinal, conteúdos bem explorados oralmente tendem a render boas produções. Embasadas nesta idéia, em nossa prática de ensino, procuramos explorar, ao máximo, os conceitos matemáticos através da oralidade, seja para retomar o conteúdo da aula anterior, seja para explorar exaustivamente um conteúdo ou analisar as respostas obtidas. Também consideramos que realizar uma atividade oralmente antes da atividade escrita é fundamental, na medida em que convida o aluno a pensar logicamente na busca de elaborar respostas aproximadas, obrigando-o a encontrar diferentes alternativas para tais respostas, além de estarem socializando essas alternativas. Dessa forma, conclui-se que a oralidade ajuda os alunos a organizarem seus pensamentos e a compreenderem a Matemática, contribuindo para relacioná-la com o seu dia-a-dia. Nesta linha de pensamento Cândido (2001, p. 16) escreveu: Portanto, quanto mais as crianças têm oportunidades de refletir sobre um determinado assunto – falando, escrevendo ou representando – mais elas o compreendem. Assim como a comunicação será cada vez mais acentuada, objetiva e elaborada à medida que a criança compreender melhor o que está comunicando. A oralidade também abre caminhos para o cálculo mental a partir do momento em que possibilita a análise de situações Matemáticas relacionadas com o dia-a-dia dos alunos, pois como afirma Parra (1996), as situações vinculadas ao cálculo mental estão diretamente ligadas a aspectos da vida cotidiana. Nesse sentido, afirma a autora: “entendemos por cálculo mental o conjunto de procedimentos em que, uma vez analisados os dados a serem tratados, estes se articulam, sem recorrer a um algoritmo pré-estabelecido para obter resultados exatos ou aproximados”. (PARRA, 1996, p. 189). No decorrer desse artigo também serão analisadas algumas obras de literatura infantil por nós utilizadas para introduzir diferentes conteúdos, que também constituem-se em textos matemáticos, as quais contribuíram para levar os alunos a compreenderem alguns conteúdos e a refletirem sobre a relação entre a Matemática e o cotidiano e, assim, como as personagens das histórias, eles buscavam soluções aproximadas, elaboradas mentalmente, para ajudar na compreensão dos problemas e na análise de suas respectivas respostas. Antes, porém, abordaremos o que consideramos ser o encaminhamento metodológico que deve ser utilizado para a exploração de todos os conteúdos: problemas matemáticos. Tais problemas são fundamentais, pois possibilitam a contextualização dos conteúdos paralelamente ao desenvolvimento do raciocínio lógico e ao senso crítico, os quais também constituem-se em pequenos textos matemáticos que, por si só, requerem muita interpretação, tanto por parte dos alunos quanto dos professores, aliás, são os professores que devem conduzir a interpretação dos textos até à exaustão. Assim, entendemos que, ao trabalhar com problemas em sala de aula, o professor está trabalhando também língua portuguesa, pois ela é condição para a apropriação efetiva dos conteúdos de todas as outras áreas do conhecimento, não tendo sentido, pois, enfatizá-la apenas em momentos específicos e, muito menos, fazer dela o treino de questões gramaticais fora de um contexto. No entanto, a maior parte dos problemas matemáticos presentes nos livros didáticos são desmotivadores, pois são apresentados de forma rígida, com poucos desafios, seguindo, na maior parte deles, a mesma ordem, e isso, segundo Toledo (1997), depois do aluno ler e resolver dois ou três “desses exercícios”, percebe que não precisa mais analisar os outros enunciados, basta retirar os números do texto e efetuar a mesma operação utilizada em problemas afins, resolvidos anteriormente. Isso nos faz perceber que quando o professor trabalha apenas com problemas com enunciados que trazem poucas informações, contribui para que os alunos busquem, imediatamente, sem muita reflexão, os dados quantitativos dos problemas. Resultados desse encaminhamento seguidamente são constatados ao ver as dificuldades apresentadas pelos alunos para resolver problemas com vários dados ou com enunciados longos o que nos fez concluir que: enunciados longos não seduzem os alunos a lê-los; eles não estão acostumados a tanta informação, e esse fato não lhes permite perceber quando um número é somente figurativo, ou seja, somente um elemento de informação; pelo fato de um problema trazer mais informações no enunciado, logo remete o aluno a pensar que para solucioná-lo precisa fazer duas ou mais operações, ou seja, que precisa utilizar todos os dados nele contido, dificultando, assim, a sua resolução. Compreendemos que o trabalho com diferentes e ricos problemas é fundamental para o desenvolvimento do senso crítico dos alunos, do raciocínio lógico bem como para ajudá-los a interpretar textos. Para isto, seus enunciados não devem seguir o “modelo” de problemas anteriores e nem trazer, de forma explícita, as “dicas” para a escolha da(s) operação(ões) que deve(m) ser realizada(s) para a sua respectiva resolução. Tampouco devemos utilizá-los somente após o ensino do conceito de determinado conteúdo como forma de fixação ou de avaliação, ou seja, o professor não pode ensinar o conceito de adição, por exemplo, para, só depois, passar alguns problemas envolvendo essa operação. Muitos professores insistem no treino do algoritmo padrão antes de contextualizar os conteúdos a partir de problemas, porque acreditam, segundo Cavalcanti (2001, p. 123), que as crianças “precisam dominar técnicas operatórias para resolver problemas, tendo um mínimo de linguagem Matemática adquirida para expressar suas resoluções”. Assim, esses professores não reconhecem que o trabalho com problemas é um dos melhores encaminhamentos para a apropriação conceitual de tais técnicas operatórias que, aliás, o domínio conceitual é muito mais importante que as técnicas em si, embora defendamos que os alunos devem dominar também o algoritmo padrão. Na verdade, é o domínio conceitual que possibilita, por exemplo, que o aluno não tenha mais a necessidade de perguntar ao professor “que continha” deve fazer para resolver um determinado problema. Essa dúvida revela que o aluno não compreendeu a essência do conteúdo, mostrando a necessidade de “reintroduzi-lo”, de reiniciar todo o processo que possibilita o domínio conceitual, ou seja, essa dúvida do aluno é “motivo para que o professor se desespere”. Lembramos também que, muitas vezes, a forma como é encaminhada a resolução de um problema não contribui para que os alunos se encorajem a utilizar outros encaminhamentos para a sua respectiva resolução, com base em sua própria lógica. É preciso lembrar que uma vez compreendido um conteúdo, vemos diferentes caminhos para organizá-lo. Nesse sentido, é importante que o professor propicie tempo e espaço para que eles possam discutir sobre a resolução dos problemas matemáticos, a fim de que encontrem diferentes formas e estratégias para chegar ao resultado. Destacamos a importância de fazer a estimativa de todos os problemas antes da sua resolução formal, porque entendemos que ela possibilita, ao aluno, planejar coerentemente sua resposta, delimitando-a. Assim, a resposta obtida após o cálculo formal deve ser confrontada com a estimativa, devendo esta, portanto, estar dentro dos limites quantitativos estabelecidos inicialmente (mínimo e máximo). Destarte, ao comparar o resultado encontrado no final da resolução do problema com a estimativa inicial, o aluno deverá perceber se o seu encaminhamento tem lógica e, com certeza, estará mais embasado para perceber os corriqueiros “enganos” de troca de operação, que, na verdade, tais enganos são decorrentes de sérios problemas conceituais. Portanto, a estimativa, além de exercitar o cálculo mental e aproximado, ajuda o aluno a estabelecer parâmetros para as respostas que busca, levando-o a perceber quando os resultados que obtém são coerentes ou absurdos. Nessa direção, os problemas desenvolvidos em nossa docência tiveram por base, sobretudo, as reflexões do matemático Luiz Roberto Dante (1991), o qual apresenta quatro passos importantes para o encaminhamento da resolução de um problema na sala de aula, conforme explanação a seguir: 1. Compreendendo o problema – O professor deve explorar oralmente o problema fazendo diversas perguntas à turma a fim de levá-la a uma interpretação coerente. Assim, através da oralidade, os alunos têm a oportunidade de rever todas as informações contidas no problema e de reorganizá-las, conforme achar mais coerente. 2. Estabelecendo um plano – Após a compreensão do problema, o professor deve fazer com que os alunos encontrem estratégias para solucioná-lo, como demonstração dos dados através de desenhos, gráficos ou tabelas, de forma a ajudá-los a organizarem suas idéias para a respectiva resolução. 3. Executando o plano – Depois de traçar as estratégias para a resolução, os alunos deverão segui-las para resolver o problema, ou seja, deverão executar o plano anterior. É importante que eles tenham a oportunidade de comparar sua resolução com a de outros colegas que optaram por outros planos. 4. Fazendo o retrospecto ou verificação – Esta etapa é de suma importância para a resolução do problema, pois é a parte que valida ou não o resultado encontrado. Nesta etapa os alunos devem verificar se a resposta encontrada está correta, ou seja, se o resultado encontrado não é absurdo. Tal resultado, como já afirmamos, deve ter como parâmetro a estimativa feita antes do cálculo formal para encontrar tal resposta e deve ser seguida da prova real. Nesta etapa é importante que os alunos façam uma justificativa do caminho seguido para encontrar a solução. Deste modo, os problemas matemáticos, além de oportunizarem a contextualização das operações fundamentais, paralelamente, também desenvolvem o raciocínio lógico dos alunos, sua criticidade e contribuem para que percebam a utilidade da Matemática na sua vida cotidiana. Por isso, os problemas matemáticos devem ser resolvidos em um ambiente de tranqüilidade, onde o aluno, sem cair no construtivismo, não tenha medo de mostrar suas hipóteses, ou seja, não tenha medo de errar e, acima de tudo, é preciso que ele tenha o tempo necessário para que possa refletir intensamente sobre eles e cumprir as etapas sugeridas anteriormente, com base em Dante (1991). Passaremos agora a abordar a questão da literatura infantil já mencionada, considerando-a como uma boa estratégia de trabalho para que o aluno possa compreender melhor um determinado conteúdo, mesmo sendo ele matemático. A primeira impressão quando se ouve falar de trabalho com histórias em educação Matemática é semelhante à de quando se solicita a produção de um texto matemático. Porém, percebemos o quanto ela contribui para a compreensão dos conteúdos, prendendo a atenção do aluno. Nessa perspectiva, citamos como experiência, uma obra de literatura infantil chamada “Doces Frações”, a qual aborda o conceito de frações e a noção de equivalência. O enredo e a fantasia presentes nesta história, além de despertarem o interesse do aluno, possibilitaram que ele percebesse a contextualização dos conteúdos a exemplo da necessidade de calcular o preço de diferentes pedaços de tortas já que as crianças da história, ao dividirem-nas, não lembraram da necessidade de manter o mesmo tamanho dos pedaços para que fosse mantido o preço já conhecido pelos consumidores. Então, para calcular o preço destes novos pedaços de tortas as crianças precisaram perceber a equivalência entre os pedaços, e assim puderam encontrar os respectivos preços. Destacamos, também, outra passagem da história em que uma das personagens iria repartir uma pizza entre ela, sua mãe e seu pai, porém, teve que dividi-la com mais três pessoas: sua avó e dois primos que chegaram na hora do jantar. Nessa situação, ela percebeu que quanto mais a pizza for dividida, menores serão os pedaços para cada pessoa, e pensou consigo mesma que, no primeiro momento, ela iria comer um pedaço grande, pois a pizza seria dividida em apenas três partes, mas, com a chegada de mais três pessoas, acabou comendo um pedaço bem menor, pois a pizza teve que ser repartida em seis partes, logo o pedaço comido foi menor do que o pedaço que ela pensou que iria comer num primeiro momento, antes da chegada dos visitantes, o que justifica a forme que ela continuou sentindo depois desse jantar. A obra “História de outro planeta”, de autoria de Luzia Faraco Faifi Ramos, trabalhada na primeira série, apresentou, detalhada e criativamente, as diferentes bases de dez, partindo da observação da quantidade de dedos das mãos de pessoas com origens “planetárias” diferentes. Assim, no planeta em que as pessoas têm três dedos em cada mão, o sistema de numeração é organizado na base seis; no planeta em que as pessoas têm dois dedos em cada mão, o sistema de numeração é organizado na base quatro. Paralelamente à análise dessas quantidades, a autora indicou os respectivos registros, tanto com desenhos quanto numericamente. A compreensão dessa história contribuiu, significativamente, para que as crianças percebessem que é possível utilizar qualquer base para contar, mas que a base decimal foi a escolhida para o nosso sistema de numeração, sobretudo por termos dez dedos nas mãos, o que ajuda a agilizar nosso raciocínio, nossos cálculos. A condução desse trabalho teve por base, entre outros autores, Toledo (1997), que sugere que as primeiras experiências das crianças, com números, sejam realizadas em bases variadas e não apenas na base dez. Ele propõe situações variadas em que as crianças tenham oportunidades de agrupar diferentes quantidades de elementos e depois registrá-las. O autor alerta que a apresentação mecânica do sistema de numeração decimal impede que os alunos se apropriem do significado de “agrupar e trocar”, o que os leva a decorarem o que é unidade e dezena, sem, no entanto, compreenderem o que representam. Na seqüência, utilizamos o livro “Caramelos da alegria”, da mesma autora, cujo enfoque é o sistema de numeração decimal. A história inicia contando que as crianças de uma cidade passavam o dia todo em casa vendo televisão e que uma estratégia montada por alguns personagens para levar as crianças até à praça para brincar, foi atraí-las com os chamados “caramelos da alegria”. Estes caramelos foram produzidos numa floresta pelas crianças que não se conformavam com essa situação, os quais precisaram ser organizados para o “transporte” até à cidade, da seguinte forma: dez caramelos em cada saquinho e dez saquinhos em cada caixa, o que contribuiu para que eles quantificassem os caramelos produzidos. Tais dados foram organizados em quadros, separados de acordo com as quantidades: caramelos soltos (unidade), saquinhos com dez caramelos (dezena) e caixas com dez saquinhos (centena). Na seqüência, depois de um temporal ocorrido nessa cidade que a deixou sem energia elétrica, as crianças, sem sua principal “ocupação”, foram até à praça onde estavam os caramelos à sua espera. Assim que começaram a comê-los foram resgatando o gosto pelo brincar e a transbordar alegria. A exploração do sistema de numeração decimal também foi amplamente explorado junto às operações utilizadas para resolver problemas matemáticos. Tais problemas objetivaram, basicamente, levar as crianças a compreenderem os conceitos das operações fundamentais, numa tentativa de ultrapassar a exercitação mecânica de seus respectivos algoritmos padrão. Este encaminhamento foi viabilizado com auxílio de desenhos e materiais concretos, pois compreendemos que a pictografia é um recurso importante para o registro e a sistematização de conteúdos além de ser uma forma de oportunizar a expressão de sentimentos e idéias. A experiência com materiais didáticos também foi de grande importância para a apropriação dos conteúdos, mormente o material dourado e o dinheirinho de mentira. Inicialmente deixamos as crianças brincarem com este material a fim de que pudessem analisá-lo melhor e superar a curiosidade por ele. Após, este material foi utilizado para a resolução das operações correspondentes aos problemas apresentados, organizado em quadro valor-lugar, nas carteiras dos alunos. O desenvolvimento deste trabalho nos fez perceber que a utilização do material, ao contrário de provocar tumulto em sala de aula, prende sua atenção e contribui para que eles se apropriem dos conteúdos. Aliás, com base em nossa prática e em nosso aprofundamento teórico, reconhecemos que a maior incidência de indisciplina ocorre quando os alunos estão sem atividade, ou precisam se adaptar ao ritmo de seus colegas, sem objetivos claros do que buscam em alguns momentos da aula, sobretudo quando não valorizam o conteúdo que está sendo explorado por não tê-lo entendido, embora saibam chegar aos resultados corretos. Destacamos que, quando os alunos foram desafiados a pensar, efetivamente, sobre os conteúdos explorados, sobremaneira quando tais conteúdos foram contextualizados, próximos de situações em que se deparam em seu dia-a-dia, houve grande envolvimento e concentração o que, conseqüentemente, contribuiu para o reconhecimento da importância da aula e para que a “disciplina” fosse mantida. Também constatamos que a utilização de material didático como um recurso de aprendizagem, desde que amplamente explorado, de modo a possibilitar muita reflexão, ao contrário de significar perda de tempo, possibilita que se explore vários conteúdos ao mesmo tempo, o que garante o “cumprimento” do planejamento de forma significativa, ultrapassando, assim, que o planejamento seja cumprido linearmente. Com este propósito, trabalhamos, em nossa prática, com diversos materiais de apoio, tanto para a introdução dos conteúdos quanto para o desenvolvimento das atividades: livros de literatura infantil, material dourado, quadro valor-lugar, caderno quadriculado, retroprojetor e transparências, fita métrica, a estrutura de uma casa em PVC, dinheirinho de mentira, quadrode-giz, etc.. Reconhecemos que os bons resultados desse trabalho não decorreram do simples reconhecimento do material ou de sua manipulação mecânica, mas, sobretudo, pelo estabelecimento das inter-relações que permitiram, desde a identificação de singularidades e generalizações até a diferenciação pela abstração e síntese dos conceitos explorados. Dessa forma, compreendemos que o trabalho com material e em grupo contribui para que os alunos avancem sempre mais e facilita a resolução das atividades. A conversa gerada nesses grupos não deve ser entendida como indisciplina, mas como condição de efetiva interação, como lembra Vygotsky (1984), para que aprendamos sempre mais. No sentido de também oportunizar muita reflexão visando a compreensão da amplitude da subtração, com a quarta série exploramos a subtração partindo da análise de suas diferentes idéias: subtrativa (tirar), comparativa (encontrar a diferença) e a aditiva (completar). Entendemos que é extremamente importante apresentar aos alunos essas diferentes idéias, para que possam compreender a subtração na sua totalidade, podendo assim resolvê-la não de forma mecânica, mas de forma interpretativa. Perceberam que a idéia subtrativa está relacionada à idéia de retirar uma quantidade de outra, e que, a partir dela, se quer encontrar o resto ou a sobra. Nela está implícita a idéia de inclusão de classes porque a quantidade a ser retirada está contida na quantidade maior, e que para encaminhar essa resolução no cartaz valor-lugar devemos colocar o material somente para o minuendo. Na idéia comparativa perceberam que se busca a diferença entre duas quantidades. Ocorre, também, em casos que envolvem comparação de uma parte com o todo e depois com a outra parte. Portanto, nesta idéia, é preciso representar tanto o minuendo quanto o subtraendo no quadro valor-lugar. A idéia aditiva, por sua vez, está ligada à adição, na qual o cálculo começa por uma parte e vai sendo completado até chegar ao todo, semelhante ao raciocínio utilizado para a entrega do troco, no comércio. Portanto, para encaminhar a resolução de um problema com essa idéia, no quadro valor-lugar, devemos colocar material para o subtraendo e ir completando até chegar no valor do minuendo. Trazemos, a seguir, algumas reflexões sobre jogos matemáticos, também utilizados em nossa prática, acreditando que eles contribuem tanto para o desenvolvimento cognitivo, quanto para o motor, pois estimulam o raciocínio lógico da criança e reforça, ludicamente, a aprendizagem da Matemática. Nessa direção, Lopes (1999, p. 22) assim afirma: “os métodos tradicionais de ensino estão cada vez menos atraentes para a criança, ela quer participar, questionar, atuar e não consegue ficar horas a fio sentada ouvindo uma aula expositiva”. A autora conclui chamando a atenção para que estejamos atentos para entender como a criança aprende, como ela se apropria dos conceitos, destacando que os jogos podem contribuir muito nesse processo. Contudo, como em qualquer outra atividade, salientamos que os objetivos de cada jogo devem ser claros, pois essa atividade deve colaborar para o aprendizado e a apropriação de novos conceitos. Em nossa experiência, um dos jogos propostos foi o “jogo do nunca dez”, escolhido para reforçar o sistema de numeração decimal, trabalhado anteriormente através de outras atividades sistematizadas como problemas e o quadro valor-lugar. Relataremos, a seguir, os resultados pedagógicos obtidos com o desenvolvimento desta atividade, considerando que os alunos demonstraram interesse pela atividade durante todo o seu desenvolvimento, cujo interesse atribuímos à maneira como o jogo foi encaminhado: • A diferenciação das unidades, dezenas e centenas sem a visualização delas no quadro valor lugar. •A estimativa da quantidade de unidades que faltavam para formar uma nova dezena e/ou centena. Se faltava muito ou pouco. •Ao registrar os pontos no quadro-de-giz, eles percebiam a lógica do registro, que ela era conseqüência da atividade/jogo, e compreendiam que todo registro tem um significado. Assim, a adição foi abstraída na medida em que eles jogavam os dados e somavam as unidades para conhecerem a nova pontuação depois de cada jogada. Neste propósito, trazemos a afirmação de Moizés (apud VYGOTSKY, 1997, p. 116) quando fala da aprendizagem “mediatizada por signos”: No processo da aprendizagem mediatizada por meio de um signo, é indispensável que se dê a apreensão do significado desse signo. Ou seja, é preciso que o aprendiz transforme aquele signo externo em um signo interno. Só depois dessa apropriação é que ele passará para sua estrutura cognitiva sob a forma de uma representação mental. Muitas vezes o processo ocorre ao inverso, por exemplo, na apresentação das operações, quando são apresentados os signos que aparecem em cada uma delas como característica principal. Assim, a forma de resolver a operação se limita a processos mecânicos, em atividade incompreendidas. O encaminhamento pedagógico para trabalhar a divisão se deu, em alguns momentos, a partir de tabelas, o que auxiliou nas várias etapas deste conteúdo como: na identificação do problema a ser resolvido, exploração de dados e registro, na resolução e na compreensão das etapas da divisão, visto que a tabela possibilita uma boa organização dos dados, contribuindo para uma interpretação coerente dos problemas. Por exemplo, partindo de uma situação em que se quer calcular o número de arranjos que podem ser feitos com 150 rosas, considerando que, para cada arranjo são necessárias 15 rosas. A cada arranjo feito, ou seja, a cada subtração de 15 rosas, devemos responder a um dos dados da tabela: “podemos fazer mais um arranjo de flores?”. A resposta “sim” ou “não”, dada pelo aluno, deve ser tomada como ponto de partida para completar a outra parte da tabela que pede que se indique quantas flores ainda temos para fazer arranjos. Dessa forma, compreendemos que dar significado ao conteúdo é um dos objetivos da tabela. Este encaminhamento está associado à subtração sucessiva de valores iguais, pois ao estabelecer que o número de flores em todos os arranjos deve ser de 15 rosas, ele vai percebendo a necessidade de continuar ou não a divisão. Ao término dessa disciplina – Prática de Ensino III - constatamos que os encaminhamentos teórico-metodológicos aqui apontados são importantes para que os alunos compreendam, efetivamente, os conteúdos matemáticos, visando a superação do processo mecânico de repetição de algoritmos e fórmulas. Percebemos que, de fato, eles refletiam para resolver as diferentes atividades apresentadas, embora, muitas vezes, tinham dificuldade para libertar-se dos caminhos previamente traçados, com base, principalmente, nos livros didáticos. Reconhecemos que este resultado deveu-se, principalmente, à intensa exploração dos conteúdos a partir da oralidade para só posteriormente registrá-los em forma de problemas ou outros textos matemáticos. Assim, compreendemos que tais encaminhamentos possibilitaram a articulação dos conteúdos com a realidade, cuja articulação é condição para que o aluno possa melhor entendê-la e, conseqüentemente, de nela interagir de forma mais crítica e coerente. REFERÊNCIAS CÂNDIDO, Patrícia T. Comunicação em Matemática. In: Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender Matemática. Org. Kátia Stocco Smole e Maria Ignez Diniz. Porto Alegre: Artmed, 2001. CAVALCANTI, Cláudia T. Diferentes formas de resolver problemas. In: Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender Matemática. Org. SMOLE, Kátia Stocco. DINIZ, Maria Ignez. Porto Alegre: ARTMED, 2001. HÜBES, Terezinha da Conceição Costa. (Coord.) 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