Estudo sobre alimentos tradicionais no Crato, Cariri cearense Ariza Maria ROCHA1; Cicero Antonio Mariano dos SANTOS2; José Arimatea Barros BEZERRA3 1 Universidade Regional do Cariri (URCA). E-mail: [email protected]; 2 Universidade Federal do Ceará (UFC). Email: [email protected]; 3 Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: [email protected]. Resumo: Trata-se de um estudo sobre alimentos tradicionais do Nordeste brasileiro que tem como objetivo geral investigar a biodiversidade alimentar dos estados do Ceará e Piauí, identificando alimentos tradicionais que possam ser recompostos como potenciais de geração de segurança alimentar e nutricional em função de sua utilização no Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE. O marco teórico está apoiado na pesquisa qualitativa e os dados foram coletados a partir da observação participante e entrevista. Serão apresentados, aqui, resultados parciais sobre os alimentos regionais do Cariri Cearense, da cidade de Crato. Nesse espaço, identificou-se um conjunto de alimentos tradicionalmente produzidos e consumidos pela população rural local, dentre os quais o baião de dois feito com andu. Das casas de farinha (hoje, existem apenas três casas na Baixa do Maracujá) extrai-se a goma, tapioca, beiju, biscoito e o bolo de puba. Do frutos do jatobá, ibiriba, mangaba, murici, araticum e do cambuí é feito o suco. Usa-se a pimenta de mico e o pequi como tempero para o arroz, feijão e a pequizada. O óleo do pequi e o óleo do côco de babaçu são apreciados na região, embora, sejam produtos caseiros feitos por apenas algumas famílias do meio rural. Do babaçu tudo se aproveita, desde o óleo, à feitura de sequilhos servidos nas festas de Renovação (festa muito popular também conhecida da entronização do Coração de Jesus), das palhas do babaçu são feitas as vassoura e o abano; do talo faz o balaio, a casca faz carvão. Esses saberes fazem parte das receitas familiares que são transmitidas pela oralidade e possuem significados próprios das relações da população com a terra, com a água e até com as fases da lua. A inserção dos citadosalimentos na merenda escolar contribuiria para o fortalecimento da agricultura familiar local e valorização da cultura alimentar local pelos escolares. Palavras-chave: Alimentação escolar. Alimentos Tradicionais. Cariri cearense. 1 INTRODUÇÃO Este estudo enfoca os alimentos tradicionais do Nordeste brasileiro, particularmente, Crato localizado no Cariri cearense. Nesse espaço, identificou-se um conjunto de alimentos tradicionalmente produzidos e consumidos pela população rural local, com destaque as casas de farinha (extrai-se a goma, tapioca, beiju, biscoito e o bolo de puba), a mangaba e o óleo do coco de babaçu que são apreciados na região, embora, sejam produtos caseiros feitos por apenas algumas famílias do meio rural. Este estudo nasceu do projeto “Práticas Alimentares Nordestinas: Estudo Sobre Alimentos Tradicionais dos Estados do Ceará e Piauí “ realizado pelo Grupo de Estudo e Pesquisas Alimentação, Gostos e Saber es – AGOSTOS, coordenado pelo professor José Arimatea Barros Bezerra. O objetivo principal do estudo é investigar a biodiversidade alimentar dos estados do Ceará e Piauí, tendo em vista identificar alimentos tradicionais que possam ser recompostos como potenciais de geração de segurança alimentar e nutricional em função de sua utilização no Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE. O marco teórico está apoiado na pesquisa qualitativa e os dados foram coletados a partir da observação participante e entrevista. Serão apresentados, aqui, resultados parciais sobre os alimentos regionais do Cariri Cearense, da cidade de Crato. Este trabalho está dividido nos Anais do I Seminário Alimentação e Cultura na Bahia 1 seguintes tópicos: Primeiro, a caracterização da região; Segundo, a mandioca e as casas de farinha. Terceiro, o óleo do coco de babaçu na região. 2 CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO Ao sul do estado do Ceará está localizado o Cariri, palavra originária dos índios Kariris que, significa tristonho, calado, silencioso (PINHEIRO, 2011, p.11). O Vale do Cariri está situado na região do Araripe, e possui a segunda maior concentração populacional do Ceará, com 577 mil habitantes (7,1% da população Total). O polo dinâmico da região é o CRAJUBAR, formado pelas cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. (CEARÁ, 2005, p.10). Crato, foi um dos primeiros municípios criados no sopé da Chapada do Araripe, no extremo sul do estado e na Microrregião do Cariri também conhecido como o "Oásis do Sertão". Faz fronteira com o estado de Pernambuco,constituindo também um entroncamento rodoviário que interliga ao Piauí, Paraíba, além da capital do Ceará, Fortaleza (WILSON, 2007). Segundo o IBGE, em 2010, Crato tinha uma população de 121.428 habitantes, em uma área de 1.157,914 Km² da unidade territorial e uma densidade demográfica de 104,87 hab/Km². O município é dividido em dez distritos: Crato (sede), Baixio das Palmeiras, Belmonte, Campo Alegre, Dom Quintino, Monte Alverne, Bela Vista, Ponta da Serra, Santa Fé e Santa Rosa. Esta pesquisa foi realizada no município de Crato, especificamente, no distrito de Santa Fé e na localidade Baixio dos Maracujás com agricultores rurais para investigar a biodiversidade alimentar na região, identificando alimentos tradicionais que possam ser recompostos como potenciais de geração de segurança alimentar e nutricional. Em agosto/2011, iniciamos a pesquisa realizando o levantamento socioeconômico e a produção/produtos da agricultura da região. Assim, recorremos ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará - EMATERCE e o Sindicato dos Agricultores do Município do Crato-Ceará. O levantamento revelou que, entre os alimentos tradicionais que caracterizam a região estão a rapadura, mel, pequi, mandioca e macaxeira. O trabalho iniciou com um mapeamento dos alimentos regionais no limite espacial do município do Crato, identificando aqueles que podem ser apropriados, em suas formas tradicionais, como instrumentos indutores de fortalecimento da agricultura familiar e possibilitem a geração de renda em função de sua utilização no Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. No levantamento identificamos o pequi (pequizada, pequi no arroz), mandioca (goma, farinha, beiju, tapioca, biscoito), macaúba (coco, suco, pão), rapadura (mel, melado, caldo), milho (cozido, assado, bolo, canjica, pamonha, cuscuz, pipoca), fubá (bolo), mungunzá (salgado e doce), coco de babaçu (óleo, sequilho e bolo), doce de buriti, macaxeira (cozida e assada, bolo, mangaba (suco, doce, sorvete), andu (baião de dois). Partimos então para a pesquisa de campo, antes porém estivemos na Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará - EMATERCE, no dia 30/08/2011, para conhecer a produção de alimentos tradicionais no município de Crato e foi confirmado que não existe mais engenho para a produção da rapadura, apenas alambique para a cachaça. A pesquisa continuou no Sindicato dos trabalhadores Rurais. Lá tivemos a indicação para visitar o Sítio Malhada; Baixa do Maracujá e Santa Fé e focalizamos a mandioca produzida nas Casas de Farinha, o coco de babaçu (o óleo e o sequilhos), a mangaba e o pequi compondo os principais alimentos regionais no limite espacial do município do Crato. 3 A MANDIOCA E AS CASAS DE FARINHA Nosso primeiro dia de visita foi na Baixa do Maracujá na casa de farinha do Sr. Silva i. Na Baixa do Maracujá, tinha 40 casas, hoje só tem 03 casas funcionando. No dia anterior teve farinhada, o forno ainda estava quente. Fomos conhecer a mandioca (espécie comestível do gênero Manihot) e a Casa de Farinha. A medida em que Sr. Silva apresentava sua plantação, ele foi explicando o processo do plantio da mandioca. Segundo ele, a maniva (caule) é usada no plantio. Para saber se a maniva está em condições de plantio é preciso observar a queda natural das folhas da base à extremidade. O plantio da mandioca pode ser durante todo o ano, porém o período ideal de plantio é Anais do I Seminário Alimentação e Cultura na Bahia 2 importante para a produção da mandioca, principalmente pela relação com a presença de umidade no solo, necessária para brotação das manivas e enraizamento. Tal período equivale aos meses que coincidem com o inicio da estação chuvosa, que para nossa região equivale aos meses de março a junho. O preparo do solo e importante para evitar problemas fúngicos como tombamentos e podridões nas raízes, devido à presença de fungos no solo. Primeiramente escolhe-se o local de plantio a cultura é pouco exigente, necessita de solos profundos, aerados, friáveis, arenosos ou de textura media com pH variando entre 5,5 a 7. Estes requisitos são básicos para um bom desenvolvimento da cultura e boa produção. As fases para preparo do solo são simples, mas suas ausências são suficientes para uma queda na produção, primeiramente faz-se o roço ou capina, fazendo a retirada do mato competitivo, deixando apenas algumas gramíneas ou leguminosas para evitar erosão laminar e aumentar a troca de nitrogênio no solo, após a capina uma analise de solo é importante, para saber se o mesmo necessita de uma correção ou adubação, logo após realiza-se a aração que deve ser na profundidade de 15 a 20 centímetros e, 30 dias depois, executar-se duas gradagens em sentido cruzado, a segunda em curva de nível, deixando-se o solo bem destorroado para ser coveado ou sulcado e plantado. O prepara do solo deve ser feito no mínimo três meses antes do plantio para que as correções tenham tempo de agir no solo pois estas vão requisitadas pela cultura durante o seu desenvolvimento. A colheita é realizada dependendo dos seguintes fatores: 1. Técnicos; a) Ciclo das cultivares (precoces - 10-12 meses; semiprebendas - 14-16 meses; e tardias - 1820 meses); b) Ocorrência adversa, como o ataque de pragas ou doenças, falta ou excesso de água, tais fatores podem antecipar ou retardar a colheita; c) Condições em que se encontram as áreas plantadas de mandioca na ocasião da colheita, como a infestação de infestação de plantas daninhas; d) sistema de plantio em relação às condições de umidade do solo. 2. Ambientais; a) condições de solo e clima, que determinam para a condução da cultura e as facilidades e dificuldades para o arranquio das plantas. Na entrevista, o Sr. Silva. esclarece a desmotivação de muitos pequenos agricultores com a plantação da mandioca e que reclamam muito da rigorosidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA em proteção à Floresta nativa da região. Para ele, o IBAMA deveria ser mais rigoroso com o grande agricultor que produz em massa e grande é o prejuízo da vegetação. Diferente do pequeno agricultor que só produz para a subsistência familiar, ou seja, segundo ele “uma goma para fazer uma tapioca para a merenda da tarde”. Com as mãos grossas e marcadas pelos calos, Sr. Silva apresenta sua propriedade: uma casa de farinha que serve para toda a comunidade, uns pés de mandioca, pé de pequi e mangaba, algumas plantas medicinais, alguns animais domésticos criados soltos pela propriedade e a esperança de rever melhores dias para a família. A cultura da mandioca é um costume antigo e deixado de herança dos índios. Com a massa de mandioca prepara-se puba, bolos, papas, tapiocas, beijus e a farinha. Pinheiro (2010, p.47) descreve as casas de farinha do Crato da década de 1950: As casas-de-farinha, que se vêem por toda a parte, no vale ou no alto do chapadão, são cobertas de telhas, abertas dos lados, sustentadas por forquilhas de aroeira. É oportuno descrever aqui, o aviamento, produtor da farinha, alimentação estimadíssima do sertanejo, ao lado da rapadura. Compõe-se o aviamento de uma roda de 150 centímetros de circunferência, feita de quatro cambotas de pau dá arco, ligadas por duas fortes travessas de pau que se cruzam no centro da roda. Dai o nome que lhe doa de roda de cruz. No centro dessa cruz, que é também, como vimos, o centro da roda, passa um varão de ferro, o qual é montado em mancais do mesmo metal pregados num suporte de madeira, o moirão, construído de um tronco de braúna, de 14 palmos de Anais do I Seminário Alimentação e Cultura na Bahia 3 comprimento, cuja metade é enfiada no chão, a outra metade (não enterrada) é aberta no seu meio, de cima abaixo, de modo a formar duas hastes paralelas entre si. Nas extremidades do varão, de que se falou atrás, prendem-se dois veios de ferro, acionadores da roda. Em toda a circunferência desta cava-se um rêgo em que corre um relho de couro cru de boi, ou de tamanduá. Por intermédio dêsse relho liga-se a roda a um carritel de pequizeiro, o qual participa de um cilindro também de pequizeiro. Neste cilindro, chamado bola ou caititú, encravam-se vinte e quatro serrilhas de aço, distantes umas das outras cêrca de um centímetro, cujos dentes se destinam à trituração da preciosa raiz. Prende-se a um banco de madeira o caititú, em baixo do qual se acha um coxo de cedro, de sete palmos de comprimento, de quatro de largura e de dois de altura, cuja função é receber a planta reduzida à massa. Acima da bola, em sua frente, o suspiro, formado por dois pequenos pedados de cedro que evitam seja projetada para fora a mandioca violentamente ralada pelo caititú em movimento. É a massa depois lavada em uma rêde, um metro de algodãozinho ralo armado em dois toros de pau por meio de bocados de corda de caroá. Bom os desmanchadores duas cuias de massa e uma d´agua nessa rêde, levam-nas à prensa composta de um coxo de pequizeiro, de um fuso de banha-de-galinha, de uma porca de pau-d´arco, de um pranchão da mesma madeira com um buraco central em que se encaixa o fuso. Sustentam a prensa dois moirões de aroeira, de sucupira, ou de amarelo, de uns vinte palmos de comprimento, fincados profundamente no chão. Por meio de um travessão de pau dois ou três homens giram o fuso e comprimem a massa tanto quanto lhes permitem suas fôrças. Para que ela, a massa, assim apertada não saia pelas junturas das tábuas, ou pelos orifícios do coxo, fora-se êste com palhas de babaçu ou de carnaúbas. Do fundo do vaso, através de buracos redondos que o crivam, escorre a manipueira, que é venenosa. Passam a massa prensada em uma urupema de taboca, que retém em suas malhas a crueira, excelente ração para o gado vacum, porcos, etc. Torra-se a parte peneirada num forno constante de seis arcos de alvenaria, nos quais assenta um ladrilho circular de grandes tijolos de barro cozido, bem ajustados uns aos outros. Em toda a circunferência do ladrilho, que mede cêrca de três metros e meio, se eleva uma pequena parede de um e meio palmo de altura. Com um rodo de cedro encastoado numa vara de taboca de uns cinco metros de comprimento, espalha o forneiro, cuidadosamente, a massa a fim de que se processe igual a torrefação. O rude maquinismo é movido por braços de homens, os dois puxadores de roda, nus da cintura para cima, as calças arregaçadas até os joelhos, reluzentes de suor que lhes corre por todo o corpo, da cabeça aos pés. No entanto, nos dias de hoje, essa prática alimentar do agricultor familiar caririense vive com os riscos do extrativismo da mandioca na Serra do Araripe e com a concorrência do produto industrializado no município de Salitre-CE. Mãe e filho explicam que no período de 2003 a 2010 eles criaram um projeto MANDIOCA que correspondia um dia de festa voltada para a divulgação da cultura da mandioca; no entanto, o projeto foi reformulado e recebeu a denominação de NATIVOS. Abaixo, uma foto da festa da mandioca, na casa da família Vieira: Foto: Festa da Mandioca. Fonte: Arquivo do Sr. Da Hora. A foto, acima, revela que a Casa de Farinha pesquisada é grande e organizada. Dentro da Casa de Farinha, funciona também a Escola de Jovens e Adultos, em que Dona Rosa é a professora Anais do I Seminário Alimentação e Cultura na Bahia 4 de Jovens e Adultos. No lado esquerdo desse espaço ficam as carteiras, lousa, giz e cadernos dos alunos. Nesse mesmo local funciona, também, o Conselho de Base de Agricultores e a Associação de Trabalhadoras Rurais da Agricultura Familiar-ATRAF, com reuniões mensais. Trata-se de um espaço para as mulheres discutirem os problemas e as ações da agricultura familiar na visão de mãe e trabalhadora. Ainda na propriedade da família extrai-se o Pequi (óleo, remédio, sorvete, tempero); Andu (uma espécie de feijão que faz o baião de dois); ibiriba (suco, condimento); Jatobá (suco); pimenta de mico (tempero e remédio); Murici (suco); Araticum (suco), Cambuí (suco) e a Mangaba (suco, sorvete, leite e mingau). A mãe, Dona Rosa conserva, em seu freezer, polpa das frutas de caju e mangaba para o consumo da família. Desses alimentos surgem espaços de sociabilidade, como, por exemplo, a farinhada, festa na qual os familiares e amigos comparecem para ajudar a fabricação da farinha, reforçando as relações familiares e de grupo. 4 MANGABA Fotos: MANGABA: FLOR E FRUTO A Mangaba é o fruto da mangabeira (Hancórnia speciosa), que predomina em toda a Chapada do Araripe que consiste em um fruto pequeno e amarelo quando maduro e com brix ( Teores de açucares) relativamente baixo, o que caracteriza seu gosto amargoso. Dona Rosa relata que o período de produção vai de 15 de novembro até 20 de janeiro. Da fruta, D. Rosa faz suco, doce e sorvete, além do leite que é medicinal. O preparo do suco de mangaba segue os seguintes passos: 1. Coleta dos frutos: A coleta dos frutos é realizada logo após sua queda, o que caracteriza o fruto maduro e pronto para o consumo, caso o fruto seja coletado ainda verde na árvore estes ficam com gosto muito amargo e com a presença de látex o que torna o suco inviável para consumo. Em seguida os frutos são lavados e selecionados para o preparo do suco ou sorvete, etc. 2. Após a lavagem os frutos são peneirados em uma arupemba (Tipo de peneira confeccionada a mão feita com folhas de carnaúba) até ser extraída toda a polpa. As sementes que ficam na arupemba são colocadas ao sol para secagem e posterior plantio. 3. Após a extração da polpa a mesma é confeccionada em copos de sorvete e guardada em freezer por tempo indeterminado. 4. O suco de mangaba pode ser feito com água e leite dependendo do gosto do consumidor. 5 COCO DE BABAÇU-ÓLEO, SEQUILHOS E BOLOS No dia 10 de setembro de 2011, estivemos na propriedade da família do Sr. João. Tivemos uma recepção acolhedora e depois dos primeiros momentos de cordial conversa, o Sr. João apresentou o trabalho com o coco de babaçu. Acompanhamos desde a extração do coco de babaçu até a fabricação do óleo e dos sequilhos. Anais do I Seminário Alimentação e Cultura na Bahia 5 Foto: Coco de Babaçu O babaçu é uma palmeira que tem o nome científico: Orrbignya speciosa (Mart.) Barb. Rodr. Família botânica: Palmae. Na literatura esta palmeira tem sua origem na região amazônica e Mata Atlântica na Bahia (SITE BIODIESELBR.COM, 2012) e pode atingir até 20 metros de altura e as folhas com até 8 metros de comprimento. Segundo o Site BIODIESEL.COM “ Cada palmeira pode apresentar até 6 cachos, surgindo de janeiro a abril”. Dessa espécie de palmeira tudo se aproveita: das palhas do babaçu faz vassoura, o abano, cesta e outros peças de artesanato; do talo faz o balaio; da casca faz carvão; da amêndoa faz o óleo; do óleo faz o cozido, bolos e sequilhos servidos nas festas de Renovação (festa muito popular também conhecida da entronização do Coração de Jesus) e o que ainda sobra do alimento vai para os animais de criação da família. A Festa de Renovação surgiu a partir das promessas feitas por Jesus Cristo à Santa Margarida Maria Alacoque, uma religiosa nascida no dia 22 de agosto de 1647 em Verosvres, na França. Segundo a Cartilha do Coração de Jesus (1962), a renovação surgiu a partir de uma visão de Santa Margarida Maria de Alacoque , mais precisamente no ano de 1675, na cidade de Paray-le Monial na França, em que Jesus aparecera com o coração em chamas e pedira que celebrassem uma festa para honrar seu coração. No Cariri, segundo Figueirêdo (2004), essa devoção surgiu pela mão de Padre Cícero Romão que, seguindo os preceitos da romanização da Igreja Católica no Brasil, trouxe, em 1898, uma imagem do Sagrado Coração de Jesus de Roma e, que a partir de então, passou a ser venerada em toda região e é dessa palmeira que se extrai o óleo e faz o sequilho. No local pesquisado, a família cata os cocos e as mulheres fazem o resto do trabalho que é árduo e estafante. Sentadas ou de cócoras, a mulheres batem o coco num machado, com a lâmina virada para cima ou com uma pedra grande, por isso, em algumas regiões, essas mulheres são chamadas de “quebradeiras”. Dona Maria, irmã de Seu João, é uma quebradeira e foi ela que revelou os segredos da extração do óleo do coco do babaçu e as receitas que aprendeu com sua mãe. Assim, como o óleo do coco do babaçu, o óleo do pequi também é muito apreciado na região, e, embora, sejam produtos caseiros feitos por apenas algumas famílias do meio rural. Do babaçu tudo se aproveita, desde o óleo, à feitura de sequilhos, das palhas do babaçu são feitas as vassoura e o abano; do talo faz o balaio, a casca faz carvão. 6 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Os alimentos apresentados aqui podem ser apropriados, em suas formas tradicionais, como instrumentos indutores de fortalecimento da agricultura familiar e possibilitem a geração de renda em função de sua utilização no Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Desde modo, a inserção dos citados alimentos na merenda escolar contribuiria para o fortalecimento da agricultura familiar local e valorização da cultura alimentar local pelos escolares. Esses saberes fazem parte das receitas familiares que são transmitidas pela oralidade e possuem significados próprios das relações da população com a terra, com a água e até com as fases da lua. A inserção dos citados alimentos na merenda escolar contribuiria para o fortalecimento da agricultura familiar local e valorização da cultura alimentar local pelos escolares. Anais do I Seminário Alimentação e Cultura na Bahia 6 7 REFERÊNCIAS CARTILHA, Cerimonial para entronização dos Sagrados Corações de Jesus e Maria.7a Edição, Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes Limitadas, 1962. CEARÁ, Governo do Estado. Programa de Desenvolvimento Regional: Cidades do Ceará. Fortaleza-CE: SDLR, Out.,2005. CEARÁ, Governo do Estado. Programa de Desenvolvimento Regional: Cidades do Ceará. Fortaleza-CE: SDLR, Out.,2005. DA HORA, Rodrigo. Fotos da Casa de Farinha, Crato-CE, 2011. GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Casa de Farinha. Projeto de Digitalização do Acervo da Divisão de Folclore desenvolvido pelo Departamento de Apoio a Projetos de Preservação Cultural. Pesquisa realizada pela Divisão de Folclore em 1986. Pesquisa, roteiro e texto de Ana Rita Paixão, Fernando Lemos. Departamento de Apoio a Projetos de Preservação Cultural, Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – INEPAC, Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro -RJ, Pesquisa digitalizada em agosto de 2005. IBGE :: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em http://www.ibge.gov.br/ acesso no dia 5 de fevereiro de 2012. PINHEIRO, Irineu. O Cariri: Seu Descobrimento, Povoamento, Costumes. Coedição SECULT, Edições URCA – Fortaleza-CE: Edições UFC, 2010. WILTON, George; BEZERRA, Adriano. Geografia do Ceará: uma visão didática para concursos e vestibulares. Fortaleza-CE: Premius, 2007. i Para preservar o anonimato do depoente, utilizaremos um nome fantasia. Anais do I Seminário Alimentação e Cultura na Bahia 7