1 AUSÊNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL: UM ESTUDO DE CASO DO ASSENTAMENTO ESTRELA DALVA-PB Diego de Oliveira Silvestre – Universidade Federal da Paraíba [email protected] Resumo: A história da reforma agrária no Brasil é marcada por sucessos e fracassos na implantação os assentamentos rurais. A falta de apoio e ações das autoridades tem levado a estes uma situação de relativo abandono. No caso específico do assentamento Estrela Dalva, no município de São Sebastião do Umbuzeiro - PB, localizada no Cariri Paraibano, além de sofrer a ação dos processos naturais de degradação, passa por níveis intensos de antropização na qual a falta de políticas públicas tem induzindo a práticas insustentáveis como a extração da vegetação nativa para o beneficiamento do carvão, esta atividade, todavia exerce uma marcante influência no quadro de empregos diretos e indiretos, gerados principalmente no período seco, onde se acentuam os processos de desmatamento e desflorestamento por ausência de outras atividades produtivas. Este trabalho tem como objetivo abordar a atual situação dos assentados e os principais problemas enfrentados pelos mesmos, na qual a falta de políticas assistencialistas tem induzindo a insustentáveis práticas como a redução da cobertura florestal. Assim como a falta de acesso aos serviços de apoio à produção, os assentados têm sofrido dificuldades financeiras e tecnológicas, constatando-se que a reforma agrária implantada no município de São Sebastião do Umbuzeiro através do assentamento Estrela Dalva apresenta resultados que estão longe de promover o bemestar da maioria das famílias no assentamento. Palavras - chaves: Políticas Públicas, Meio Ambiente, Assentamento. Resumen: La historia de la reforma agraria en Brasil está marcada por éxitos y fracasos en la aplicación de los asentamientos rurales. La falta de apoyo y actuaciones de las autoridades ha llevado a una situación de relativo abandono. Para la solución Estrela Dalva, en São Sebastião do Umbuzeiro - PB, ubicado en Cariri Paraibano, y sufren la acción de los procesos naturales de degradación es a través de los niveles de antropização intensa en la que la falta de políticas públicas ha dado lugar a las prácticas insostenibles, como la eliminación de vegetación nativa para el beneficio del carbón, esta actividad, sino que ejerce una influencia significativa en el contexto de empleos directos e indirectos, generados principalmente en la estación seca, que hacen hincapié en los procesos de deforestación y la deforestación debido a la falta de otras actividades productivo. Este trabajo pretende abordar la situación actual de los colonos y los principales problemas que enfrentan las mujeres, en la que la falta de apoyo a las políticas han dado lugar a prácticas no sostenibles tales como la reducción de la cubierta forestal. Así como la falta de acceso a los servicios de apoyo para la producción, los colonos han sufrido dificultades financieras y la tecnología, señalando que la reforma agraria implementado en el municipio de São Sebastião do Umbuzeiro solución a través de Estrela Dalva presenta los resultados que están lejos de promover la bienestar de la mayoría de las familias en el asentamiento. Palabras Claves: Políticas Públicas, Medio Ambiente, Asentamientos 2 1 - INTRODUÇÃO As políticas públicas têm o propósito de instituir normas de convívio social para assuntos emergentes ou emergenciais numa coletividade. Buscam estabelecer os direitos e deveres, do público e do privado e delimitar os papéis sociais dos indivíduos e instituições. A implantação de assentamentos rurais é um tipo de política pública que no caso brasileiro está vinculada a uma tentativa de controlar e atenuar a violência dos conflitos sociais no campo, que ganharam uma grande dimensão a partir do surgimento das Ligas Camponesas na década de 1950. Os assentamentos rurais, geralmente, são áreas de antigos latifúndios1, conquistados por trabalhadores rurais sem-terra por meio do processo de ocupação (acampamento no local). Os assentamentos rurais aparecem como uma dádiva oferecida pelo governo e que os assentados não têm o que questionar. Os assentados são pensados como agentes em mutação, numa concepção de mudança em que o comportamento dos assentados ou a construção desses é orientada, sofrendo alterações na sociabilidade e nas formas de organização políticas propiciadas através do associativismo e do cooperativismo. Entretanto esse processo não ocorre sem impasses e se faz presente na relação dos assentados com o poder local, ora recusando, ora aceitando as políticas a serem implantadas, o espaço social por sua vez é permanentemente reproduzido o que permite a adaptação, aceitação ou assimilação de forma diferente da que foi planejada pelo governo. No Cariri Paraibano, verifica-se que os assentamentos rurais por ocasião da criação dos mesmos, suas parcelas são oriundas da divisão da antiga fazenda/latifúndio. Nestas áreas, em geral, a produção é feita sem utilização de técnicas agrícolas avançadas, resultando na oferta de um produto sem competitividade no mercado. A venda dos poucos excedentes da produção é realizada através de intermediários, a preços sempre desvantajosos para o produtor rural. No caso específico, do assentamento Estrela Dalva, localizado no município de São Sebastião do Umbuzeiro - PB, a falta de política pública tem induzindo a práticas insustentáveis com a redução da cobertura florestal pelo desflorestamento. O desmate acentuado das parcelas, nas áreas coletivas e das reservas legais não promovem a adequada sustentabilidade dos assentados nos PA’s, que procuram na fonte florestal, estratégias de sobrevivência. 1 Palavra empregada desde a Roma antiga para designar grande área de terras sob a posse de um único proprietário. No Estatuto da Terra (1964) foi empregada para designar grandes propriedades improdutivas. 3 Em estudo de caso realizado nesta área constatou-se que a reforma agrária implantada no município de São Sebastião do Umbuzeiro apresenta resultados que estão longe de promover o bem-estar da maioria das famílias assentadas. Com a falta de assistência do INCRA pouco tem sido o acesso aos serviços de apoio à produção e partindo de dificuldades financeiras e tecnológicas dos assentados, as atividades agrícolas são praticadas com baixa produtividade. A atividade florestal com a retirada da caatinga exerce marcante influência no quadro de empregos diretos e indiretos, gerados principalmente no período seco, onde se acentuam os processos de desmatamento e desflorestamento por ausência de outras atividades produtivas e principalmente pelo total desconhecimento dos impactos ambientais ocasionados pela extração da vegetação nativa para o beneficiamento do carvão e sendo este acentuado com utilização do fogo contribuindo significativamente para o aumento das com conseqüências negativas. 1.2 Objetivo Nesta análise, cabe o objetivo deste trabalho enfatizar a ausência de políticas públicas do INCRA direcionadas para o assentamento Estrela Dalva, enfatizando o uso alternativo da caatinga para o beneficiamento do carvão em detrimento do manejo florestal onde a distribuição de parcelas com assentados e as estratégias de financiamento da produção dos mesmos além de não obedecerem a condicionantes ecológicos, as informações a respeito do assentamento na mídia apresentam-se deturpadas. 1.2 – Metodologia Para a realização do presente trabalho foi utilizado o método pesquisa-ação, na qual os pesquisadores participam de todas as fases necessárias para a conclusão do trabalho. A escolha desse método deu-se pelo fato descrito por ROESH (1999) em que a pesquisa-ação possibilita aos pesquisadores uma maior aproximação com o objeto de estudo, pois os mesmos estarão inseridos no processo a ser estudado. Quanto à metodologia adotada, cabe fazer duas observações, primeiro o método de pesquisa adotado foi o estudo de caso. A segunda refere-se à utilização de diversas fontes bibliográficas como, livros e artigos científicos. 4 O tratamento da bibliografia foi realizado a partir da contribuição dos representantes com debates provenientes de domínios acadêmicos diferentes, tradições teóricas diversas enfocando a questão ambiental ao estudo dos assentamentos rurais. Para atingir os objetivos propostos foi realizada uma revisão na literatura sobre o histórico do processo de ocupação do Cariri Paraibano e a questão ambiental nos Assentamentos Rurais, bem como os aspectos naturais da área estudada. 1.3 – Localização e caracterização da Área de Estudo O assentamento Estrela Dalva está localizado no município de São Sebastião do Umbuzeiro que por sua vez está localizado na Microrregião São Sebastião do Umbuzeiro e na Mesorregião Borborema do Estado da Paraíba. Sua área é de 461 km² representando 0.816% do Estado, 0.0296% da Região e 0.0054% de todo o território brasileiro. A sede do município tem uma altitude aproximada de 594 metros distando 263,0 Km da capital. O acesso é feito, a partir de João Pessoa, pelas rodovias BR 230/BR 110/PB 264. (Mapa 1) Mapa 1: Localização do Assentamento Estrela Dalva O município de São Sebastião do Umbuzeiro está inserido predominantemente na unidade geo ambiental do Planalto da Borborema, que representa a paisagem típica do semi-árido nordestino, caracterizada por uma superfície de bastante monótona, relevo predominantemente suave-ondulado, cortada por vales estreitos, com vertentes dissecadas. 5 Elevações residuais, cristas e/ou outeiros pontuam a linha do horizonte. Esses relevos isolados testemunham os ciclos intensos de erosão que atingiram grande parte do sertão nordestino. Estas microrregiões delimitam-se com o planalto da Borborema, formadas por rochas antigas do escudo cristalino brasileiro, suas formações rochosas remonta do Pré-Crabriano constituídas por terrenos resistentes no qual se dividem em formações magmáticas (formadas da cristalização do magma) e metamórficas (resultados das transformações físico-químicas). A vegetação é basicamente composta por Caatinga hiperxerófila que é mais úmida e possui três estratos de vegetação: herbáceo, arbustivo e arbóreo. O estrato herbáceo, com plantas de até um metro, é constituído, dentre outras, por bromeliáceas, gramíneas e outras espécies. O estrato arbustivo, com vegetais de dois metros de altura, é constituído por leguminosas, euforbiáceas, crótons, rubiáceas entre outras. O estrato arbóreo, com árvores de até quinze metros, é constituído por anacardiáceas, leguminosas, cactáceas e várias outras e ainda podemos encontrar floresta caducifólia. O clima é do tipo Tropical Semi-Árido, caracterizado pela escassez e pela irregularidade de chuvas. O índice de chuvas é inferior a 800 mm/ano (em São Sebastião do Umbuzeiro a média é de 431,8mm), as temperaturas médias em torno de 27º C e a amplitude térmica por volta de 5º C. O período chuvoso se inicia em novembro e seu término dar-se por volta de abril. 2- PEQUENO HISTÓRICO DA QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA E NORDESTINA Atualmente, a temática reforma agrária vem ocupando espaço crescente no debate acadêmico, nas instituições e na sociedade em geral, dado o potencial da sua contribuição na resolução de graves problemas brasileiros, tais como a concentração de renda e o desemprego. Mas, pouco se discute sobre a viabilidade econômica dos assentamentos de reforma agrária, associada à uma política efetiva de fixação do homem no campo. Considera como reforma agrária o conjunto de medidas que visem a promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade (Estatuto da Terra, art. 1º, § 1º). Outra definição de reforma agrária pode-se ser abordada como NESTOR DUARTE (1953): 6 Reforma agrária é a revisão, por diversos processos de execução, das relações jurídicas e econômicas dos que detêm e trabalham a propriedade rural, com o objetivo de modificar determinada situação atual do domínio e posse da terra e a distribuição da renda agrícola. A questão da reforma agrária no Brasil remonta ao século XIX. Nas lutas pela abolição da escravatura, a distribuição das terras já era uma reivindicação de alguns setores da sociedade. Desde essa época, contudo, os interesses dos grandes proprietários que constituíam a chamada "oligarquia rural" - já se faziam sentir na política brasileira. Das sesmarias à Lei de Terras - durante a colonização, Portugal aplica no Brasil a legislação e a política agrária praticadas na metrópole desde o século XIV. Baseia-se na doação de terras de domínio público - terras devolutas - a particulares no regime de sesmaria, ou seja, na condição de cultivá-las dentro de certo prazo. A independência do Brasil e o fim da distribuição das sesmarias, em 1822, trouxeram um breve período em que, por falta de legislação sobre a posse da terra, homens livres ocuparam modestas áreas de terras devolutas, todavia a Lei de Terras de 1850 pôs fim ao avanço da posse da terra, pois determinava que só podia-se adquiri-la através da compra, fazendo com que só os que já tinham propriedades tivessem condições de obter novas terras. A revolução de 1930, que derrubou a oligarquia cafeeira, deu um grande impulso ao processo de industrialização, reconheceu direitos legais aos trabalhadores urbanos e atribuiu ao Estado o papel principal no processo econômico, mas não interveio na ordem agrária. No final dos anos 50 e início dos 60, os debates ampliaram-se com a participação popular. As chamadas reformas de base (agrária, urbana, bancária e universitária) eram consideradas essenciais pelo governo, para o desenvolvimento econômico e social do país. Entre todas, foi a reforma agrária que polarizou as atenções. Em 1962, foi criada a Superintendência de Política Agrária - SUPRA, com a atribuição de executar a reforma agrária. Em vez de dividir a propriedade, porém, o capitalismo impulsionado pelo regime militar brasileiro (1964-1984) promoveu a modernização do latifúndio, por meio do crédito rural fortemente subsidiado e abundante. O dinheiro farto e barato, aliado ao estímulo à cultura da soja - para gerar grandes excedentes exportáveis - propiciou a incorporação das pequenas propriedades rurais pelas médias e grandes: a soja exigia maiores propriedades e o crédito facilitava a aquisição de terra. Assim, quanto mais terra tivesse o proprietário, mais crédito recebia e mais terra podia comprar. O Nordeste brasileiro sempre se caracterizou pela concentração da propriedade e o uso da terra constitui-se em um dos traços mais marcantes da realidade fundiária. Os estudos realizados sobre o 7 assunto, por diversos autores, indicam que continuam crescendo as áreas ocupadas por médios, grandes e muito grandes proprietários e crescendo pouco, as áreas dos pequenos proprietários rurais. (SILVA, 2006 apud CARVALHO, 1988). Um exemplo dessa realidade verificou-se na década de 1950 quando o economista Celso Furtado através do GTDN (Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste) afirmou que o problema agrário nordestino tinha como causa o superpovoamento do semi-árido e que a solução mais plausível para este problema seria a transferência dessa população para áreas do Nordeste até então desabitadas como o sul do Maranhão e Piauí e o oeste da Bahia, todavia como o golpe militar de 1964 todo o projeto de redistribuição de terras foi abandonado. A idéia de transferir pessoas para a região foi mantida, todavia a essência da redistribuição igualitária de terras foi esquecida. As cercas de 5000 famílias transferidas para essas áreas advinham, sobretudo da região Sul do país principalmente, dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, região esta caracterizada pela intensa concentração fundiária, o que fez com a velha estrutura latifundiária fosse mantida e ampliada. 2.1 - Assentamentos Rurais no Cariri paraibano O termo assentamento rural aparece, na década de 1960, como referência dos relatórios oficiais para designar a transferência e alocação de um determinado grupo de famílias em algum imóvel rural em particular. Portanto assentamento significa a incorporação de novas terras ao processo produtivo com a finalidade de criar empregos, distribuir renda, etc. beneficiando os pequenos agricultores (ROMEIRO, 1994). Os assentamentos rurais são descritos por FERRANTE como "projetos públicos", "ações aparentemente não-políticas" efetuadas pelo Estado, responsável pela alocação das populações e pelo "traçado das rígidas regras de vocação agrícola e de produtividade", mas que representam interesses e relações de poder das classes envolvidas. No que diz respeito à luta pela terra no Cariri paraibano, esta foi pouco expressiva se comparada ao que aconteceu na Zona da Mata e no Agreste. Merece destaque no início do processo de colonização a Confederação dos Cariris ou “Guerra dos Bárbaros” representada pela luta dos índios Cariris contra o branco colonizador em defesa do seu território, luta esta que deixou as marcas do sangue indígena no território sertanejo e se estendeu por muitos anos. A explicação para a ausência de luta por terra nos Cariris paraibanos durante o século XX é 8 relacionada por alguns estudiosos à forma de organização da produção e do trabalho no campo baseada na combinação gado-algodão-policultura alimentar de subsistência que permitia o acesso, mesmo que precário, do agricultor à terra através dos sistemas d e parceria e arrendamento. Outra razão para a aparente paz na terra nessa área poderia estar relacionada ao fato de que durante muito tempo a sua riqueza esteve muito mais representada pelo rebanho do que pela terra como bem afirma MARTINS (1995, p. 51): Essas regiões mantidas a margem da economia colonial eram justamente aquelas em que mais descuidado fora o processo de ocupação territorial, já que a riqueza era, e seria ainda por muito tempo representado pelo gado e não pela terra. Fazenda era o rebanho e não o território. 2.3 – Assentamento Estrela Dalva. A origem deste assentamento não esta relacionada á luta pela terra. No caso específico a desapropriação da Fazenda Estrela Dalva foi realizada para atender junto à demanda realizada junto ao INCRA pelo presidente do sindicato dos trabalhadores rurais do município, representando os pequenos produtores, que consideravam o imóvel improdutivo. A desapropriação foi efetuada através do decreto de 20 de outubro de 1997. O imóvel possuía uma área de 5.270,0 hectares, sendo a área destinada para o assentamento de 4.060,89 ha. A desapropriação foi realizada através de pagamento pelo INCRA de uma indenização aos proprietários do imóvel num valor de R$ 397.810,00. O projeto de assentamento tem capacidade de assentar setenta e sete famílias, mas atualmente estão assentadas cinqüenta e três famílias. De acordo com aplicação dos questionários socioeconômicos constatamos que atualmente o PA Estrela D’Alva conta com cinqüenta e três famílias, mas até o ano passado constava no INCRA 77 famílias, a redução foi feita através de um pedido da APROPED (Associação dos Produtores Rurais do Assentamento Estrela D’Alva), visto que o número real dos lotes e das casas construídas era de 53, cada família ficou aproximadamente com 79,62 hectares, além de duas áreas coletivas com 31,46 e 22, 9886 hectares. De acordo com Pereira (2003), a maioria dos títulos dos lotes foi dada aos homens (93%). Quanto à origem dos assentados 73% são oriundos do próprio município de São Sebastião do Umbuzeiro. Antes do assentamento 60% residiam na zona urbana de São Sebastião do Umbuzeiro, 9 13% na própria fazenda e outros 13% na zona rural do município, o restante residia em outros municípios do Cariri Ocidental. 3 – LEGISLAÇÃO AMBIENTAL PARA ASSENTAMENTOS A reforma agrária, ao longo dos anos, vem abrangendo em sua área de competência diferentes assuntos e abordagens. Atualmente, uma nova realidade foi inserida neste contexto, a preocupação com temas relacionados ás questões ambientais, tendo em vista a implantação de ações ambientais nos projetos de assentamentos. A legislação ambiental sobre os assentamentos rurais reflete uma abordagem histórica política e ideológica sobre a reforma agrária no Brasil desde a criação da carta da terra entre as suas determinações específicas onde à função social da terra estivesse assegurada a conservação dos recursos naturais. As primeiras tendências da abordagem ambiental sobre o espaço agrícola no Brasil surgem fundamentadas nas críticas ao modelo adotado pelo Estado a partir da década de 60, ficando conhecido como modernização agrícola. Esse modelo encontra seu auge nos anos 70. Para BRANDENBURG (1999), o meio ambiente emerge como uma questão na agricultura após a modernização ancorada no ideário da chamada revolução verde. Depois desse período de modernização, ocorrem manifestações contrárias ao padrão técnico e econômico implantado pelas políticas agrícolas. Essas eram fortemente subsidiadas pelo Estado que, de certa forma, serviram de estopim para o surgimento de diversos movimentos de contestação. Do ponto de vista das ações do Estado, dois instrumentos foram criados. O primeiro conhecido como Agenda Ambiental (MEPF/MMA, 1998)2 e, o segundo, o INCRA através de sua Gerência Ambiental (INCRA,1998). Segundo SCHERER-WARREN (1993), apenas três movimentos, organizados em sua maioria a partir da década de 80 do século passado, apresentou alguma relação com a questão ambiental em razão de sua luta pela preservação da terra e de seus meios de produção: 1)MAB - Movimento dos Pequenos Agricultores Atingidos por Barragens; 2) O Movimento Indígena que luta pelo direito de 2 Essa agenda propunha quatro ações no sentido de equacionar os problemas relacionados: (1) com a ocupação equivocada das áreas; (2) com a ausência de mecanismos de proteção e manejo florestais; (3) com os condicionantes para a regularização fundiária; (4) com a necessidade de se promover a utilização sustentável dos recursos naturais nos assentamentos. 10 posse de suas terras e (3) o movimento de seringueiros que lutam pela preservação de suas atividades extrativistas na floresta amazônica. Nos anos de 1990, algumas disputas ocorreram entre organizações e lideranças ambientalistas e movimentos de luta pela terra, portadores da bandeira de reforma agrária. De certa forma, percebese que, de fato, havia práticas questionáveis utilizadas pelos assentados. Os assentamentos de reforma agrária recebiam simplesmente a terra, não possuíam infra-estrutura e os agricultores, sem acesso a outras tecnologias, utilizava-se de queimadas como mecanismo de preparo da terra, limpeza e renovação das pastagens, assim como da derrubada de matas para ampliação do espaço de produção, própria da herança cultural proveniente do modelo de colonização brasileira. (PORTOGONÇALVES, 1998). Em 1997 deu-se inicio no Brasil as discussões sobre os procedimentos referentes ao licenciamento ambiental para áreas destinadas á reforma agrária. No âmbito federal surgiu a resolução 237 do CONAMA (O Conselho Nacional do Meio Ambiente) que formalizava a exigência do licenciamento ambiental para diversas atividades, inclusive as referentes ao programa de Reforma agrária. Como já assinalado acima, os assentamentos de reforma agrária são notórios por serem implantados sem que sejam submetidos ao processo de licenciamento ambiental que a legislação estabelece para intervenções com seu potencial de impacto e dano ambientais. Um aspecto importante para compreender parte do conflito entre unidades de conservação e assentamentos da reforma agrária é o rito necessário para o licenciamento ambiental destes. E importante lembrar que os debates sobre a reforma agrária no país mantiveram-se distantes da preocupação com o uso dos recursos naturais. O Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA elaborou uma serie de resoluções com o intuito de propor os padrões ambientais necessários para a execução de atividades produtivas que efetiva ou potencialmente causam poluição ou degradação ambiental incluindo as atividades relacionadas aos projetos de assentamentos rurais de reforma agrária. A legislação (Resolução CONAMA 289 de 25/10/2001) dispõe que assentamentos não são isentos do processo de licenciamento ambiental, e que este processo deve ser realizado pelo órgão estadual competente. Com o intuito de disciplinar as diretrizes para o licenciamento ambiental tornado obrigatório aos assentamentos rurais. 11 Esse instrumento legal ficou clara a preocupação do governo com a adequação dos projetos de assentamentos rurais ao plano de gestão ambiental3·. De forma que esses empreendimentos estivessem de acordo com as diretrizes de uso adequado aos recursos naturais efetivando-se a proteção ao meio ambiente. Vale a pena ressaltar a definição de reforma agrária contido no primeiro parágrafo da resolução 289 definida a seguir como: Conjunto de medidas que visem a promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender ao principio de justiça social, ao aumento de produtividade e ao cumprimento da função sócio-ambiental da propriedade. A leitura desse parágrafo nos mostra a definição da reforma agrária através da resolução 289, ganha um novo diferencial enquadrando-se no contexto da função sócio-ambiental, no comprimento da função ambiental proposta de reforma agrária no país. A reforma agrária ganha novos atributos na preservação do meio ambiente expressa pelo art.186, I e II da Constituição da Republica de 1988. Onde a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores 3.1 - Questão ambiental no Assentamento Estrela Dalva A apropriação desta fração do território caririsense pelos trabalhadores embora não tenha sido resultado de luta, propiciou transformações significativas nas suas vidas, na dinâmica fundiária do município e na organização interna da organização da produção e do trabalho no antigo latifúndio, 3 A gestão ambiental seria efetivada através da proteção ao meio ambiente, de forma sustentável através de diretrizes e procedimentos que orientassem e disciplinassem o uso e a exploração dos recursos naturais nos projetos de assentamentos rurais de reforma agrária. 12 verifica-se que a Política de Reforma Agrária e, em especial, dos PA’s não tem observado os passivos e ativos ambientais por ocasião da criação dos mesmos. A produção agrícola e pecuária, antes extremamente reduzida ampliou-se significativamente. No assentamento destaca-se a produção de culturas de ciclo curto como o feijão e o milho. O preparo da terra se faz de forma tradicional, com a retirada da vegetação nativa e o uso do fogo (coivara) para remover o resto da vegetação (foto1e 2). Foto 1 e 2: Utilização de fogo para limpeza da vegetação e obtenção do carvão O assentamento Estrela Dalva não poderia escapar. Suas parcelas oriundas da divisão da antiga fazenda/latifúndio são insustentáveis de várias formas, dentre elas: pela fertilidade e permanência do solo comprometidas; pelos bens florestais escassos; pela produtividade de grãos, de carne e de leite reduzidas; pelo tamanho da parcela e imprevisibilidade do aumento das famílias. Este cenário não acontece de maneira aleatória. Parte dele é provocado pela não observância do condicionamento ecológico da região. Partindo desse pressuposto, o assentamento Estrela Dalva não foi isenta da ação humana imposta nesse meio, ao longo dos anos vem comprometendo o ritmo natural das adaptações vegetais auxiliando o impacto ambiental ocasionado pelo desmate da caatinga já que há um elevado índice de corte de lenha anualmente tendo em vista sua utilização nos processos produtivos dos assentados. Ou seja, a vegetação da caatinga no assentamento Estrela Dalva como objeto de estudo central do presente trabalho, está sendo substituída por grãos e forragens quando, num processo 13 agroecológico, esta derrubada poderia ser feita em faixas ou o plantio realizado dentro da caatinga raleada e a vegetação cortada, depois de retirada as estacas, moirões, varas, lenha, etc, teria os seus ramos enleirados.4 Longe disso, o processo de desflorestamento tem usado correntões5, lâminas de tratores, fogo total ou fogo em coivaras, seguido depois da aração e gradagem6 provocando uma serie de impactos negativas nas áreas do assentamento em que essas atividades se fazem ativas. O Impacto ambiental é conceituado na Resolução do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) nº 001 (de 23/01/86), de forma bastante ampla, como: Art. 1º Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais O assentamento Estrela Dalva assim como o Nordeste e no Cariri paraibano é uma reflexo das atividades humanas que ali se instalaram e se desenvolveram e que, sobretudo degradaram e degradam o meio ambiente com as suas atividades econômicas. Depois do gado e do algodão, o assentamento passou por outros ciclos de substituição da vegetação da caatinga (desflorestamento). Foram ocasionados por diferentes ações de ordem governamental, muitas vezes fruto de ações de políticas públicas erradamente criadas, erradamente dimensionadas, erradamente implantadas e erradamente monitoradas. Tanto nos ciclos de desflorestamento, como de extrativismo sempre há o mesmo erro e a mesma imprevidência: nunca se perguntou para que e para quem se produzia. Sabia-se apenas que era em nome de um “desenvolvimento” da região (PEREIRA, 2006). É possível perceber que a retirada da vegetação provoca sérios problemas como a erosão, o assoreamento de rios e reservatórios de água, a diminuição da fertilidade do solo e das chuvas, o 4 Processo que consiste em amontoar ou empilhar o material derrubado, em leiras ou camadas contínuas, espaçada uma das outras. 5 Consistem na fixação, entre dois tratores, de gigantescas correntes, pesando toneladas, para a derrubada de hectares de mata, indiscriminadamente. É uma técnica extremamente nociva para as árvores. 6 Etapa de preparação do solo para cultivo agrícola posterior à aração. 14 uso contínuo errôneo dos solos ocasionou, a formação de uma espécie de “talco ou goma” na superfície do solo, denunciando o comprometimento da estrutura do mesmo. Esses fatos elevam a susceptibilidade ambiental no meio físico frágil do Cariri, provocando também fragilidades econômicas e sociais. Nesta análise, cabe reforçar que a política pública de reforma agrária para as condições do Cariri Paraibano está induzindo a redução da cobertura florestal pelo desflorestamento e desmate acentuado das parcelas, das áreas coletivas e das reservas legais ao não promover a adequada sustentabilidade dos assentados nos PA’s, que procuram na fonte florestal, estratégias de sobrevivência. Por outro lado, quando existem recursos públicos advindos de outra política pública, como o PRONAF, e que deveriam minimizar este quadro, este crédito é usado de forma inadequada desde a concepção dos projetos. Ou seja, um recurso público, que deveria ser utilizado para fins de produção, está, na verdade, desvirtuando esta produção pela degradação de um dos fatores de produção que é o solo. A instituição de crédito esquiva-se, alegando que não patrocina desmates ou desflorestamentos, mas aceita projetos que incluem estas modalidades como correntões, lâminas de tratores, fogo total ou fogo em coivaras, seguido depois da aração nas suas planilhas. CONSIDERAÇÕES FINAIS A incapacidade governamental em dar aos assentados suporte técnico faz com que a atividade florestal no assentamento Estrela Dalva acentue os processos de desmatamento e desflorestamento, embora antigas e degradantes, essas atividades exercem marcante influência no quadro de empregos diretos e indiretos, gerados principalmente no período seco. Assim, o meio ambiente nos assentamentos rurais é posto como segundo ou terceiro plano, o que acarreta problemáticas difíceis de serem revertidas, ou até mesmo, uma sucessão de períodos de estagnação econômica, provocada pela escassez de matéria-prima. A falta de atuação das resoluções ambientais pelo Estado encaminha para um ritmo de devastação, é possível que em determinados locais no assentamento Estrela Dalva já possam ser identificados núcleos de desertificação. No entanto, estes dispositivos legais, não têm sido usados como restritivos no surgimento de novos PA’s e na adeqüabilidade dos já existentes. No momento em que este trabalho foi escrito ou que está sendo lido, é cabível lembrar que dezenas de hectares de caatinga foram derrubadas em nome de propostas agrícolas ou forrageiras, de sustentabilidade ou de geração de renda. 15 É necessária uma proposta de política pública mais realista e direcionada, através da conciliação do aspecto econômico e os recursos ambientais existentes e que permanece sempre a premissa do resgate e às inovações de tecnologias que possam reduzir ou eliminar a pressão dos parcelamentos junto aos recursos naturais e conseqüentemente o surgimento ou acentuação dos passivos ambientais e a degradação dos ativos ambientais existentes. Portanto as políticas públicas e a questão ambiental consideram-se imbricadas onde ambos são tratados dentro de preceitos que enfatizam a qualidade de vida das populações. REFERÊNCIAS AB'SÁBER, A. N. Problemática da Desertificação e da Savanização no Brasil Intertropical Geomorfologia. São Paulo: Edusp, n° 43, IGEOG – USP, 1977 BRANDENBURG, Alfio. Agricultura familiar, ONGs e desenvolvimento sustentável. Curitiba. Ed. UFPR, 1999 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Resolução CONAMA 237/97. Acesso internet em agosto de 2009 – www.mma.gov.br/conama BRASIL. Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. Dispõe sobre a regulamentação dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988. Legislação Federal. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Acesso internet em agosto de 2009 - www.mma.gov.br CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. 20ª edição, atualizada e ampliada. Ed. Saraiva, São Paulo, 1998. DUARTE, Nestor. Reforma Agrária. Rio de Janeiro, MEC/SD, 1953 FERRANTE, Vera Lúcia S. Botta. Assentamentos rurais e agricultura regional: contrapontos e ambigüidades. Contextualizar é preciso. Internet: <http:www.ufpe.br/~debarros/vferrante.html> GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (Des) Caminhos do Meio Ambiente. São Paulo: Ed. Contexto, 1998 MARTINS, José de S. Os camponeses e a política no Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. 185p. 16 PEREIRA, D. D. Potencialidades da Produção Sustentável e Preservação Ambiental nas Áreas Susceptíveis ao Processo de Desertificação. In: Combate a Desertificação: Um Desafio para a Escola. MEC/SED/TV Escola/Salto para o Futuro. Boletim 08. 2006. PEREIRA, D. D. O Caroá Neoglaziovia variegata Mez no Cariri Paraibano: Ocorrência, Antropização e Possibilidades de Manejo no Assentamento Estrela D’Alva. João Pessoa: Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente). Universidade Federal da Paraíba/ Universidade Estadual da Paraíba, 2003. ROESCH, Sylvia Maria Azevedo. Projetos de estágio e de pesquisa em administração: guias para estágios, trabalhos de conclusão, dissertações e estudos de caso. São Paulo: Atlas, 1999. ROMEIRO, Adhemar et al. Reforma agrária - produção, emprego e renda - Relatório da Fao em debate. Rio de Janeiro. Petrópolis: Vozes, 1994. 216 p. SCHERER WARREN, Ilse. 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