UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE MARY ANNE FILGUEIRAS PORTO ROSA GESTÃO INTEGRADA DOS SERVIÇOS E BENEFÍCIOS DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: uma análise dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) de Maracanaú FORTALEZA - CEARÁ 2011 MARY ANNE FILGUEIRAS PORTO ROSA GESTÃO INTEGRADA DOS SERVIÇOS E BENEFÍCIOS DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: uma análise dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) de Maracanaú Dissertação apresentada à Coordenação do Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade. Orientadora: Prof. Dra. Francisca Rejane Bezerra Andrade. Fortaleza-Ceará 2011 R788g Rosa, Mary Anne Filgueiras Porto. Gestão integrada dos serviços e benefícios da política de assistência social: uma análise dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) de Maracanaú / Mary Anne Filgueiras Porto Rosa. __ Fortaleza, 2011. 134p.: il. Orientadora: Profª. Drª. Francisca Rejane Bezerra de Andrade. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados. 1. Política Pública. 2. Assistência Social. 3. Serviços e Benefícios. 4. SUAS. Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados. CDD: 320.6 MARY ANNE FILGUEIRAS PORTO ROSA Gestão integrada dos serviços e benefícios da política de assistência social: uma análise dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) de Maracanaú Dissertação apresentada à Coordenação do Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade. Data da defesa: 24/02/2011 BANCA EXAMINADORA ______________________________________________________ Profª. Dra. Francisca Rejane Bezerra Andrade - UECE (Orientadora) ____________________________________________________ Profª. Dra. Maria Zelma de Araújo Madeira - UECE (Membro da Banca) _______________________________________________________ Profª. Dra. Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos - UFC (Membro da Banca) Aos trabalhadores da assistência social que, em meio a tantos desafios, sonham com a consolidação da implantação do SUAS, e aos usuários, que, mais do que destinatários, são protagonistas desta política pública. AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a Deus: conhecer Sua palavra e Seus ensinamentos e ter aceito Seu filho, Jesus Cristo, como meu salvador fez de mim nova criatura. Essa vitória não teria sido possível sem o Teu espírito me iluminando, dando-me força e condições para que eu chegasse até aqui. Obrigada pelas incontáveis bênçãos que tem derramado em minha vida. Aos meus pais, Airton e Mazé Filgueiras, e aos meus irmãos, Janis, Alcides e Gabriela Filgueiras, que sempre acreditaram em mim, incentivaram-me e batalharam muito para que eu pudesse estudar. Obrigada por tudo. Obrigada pela torcida, principalmente nesta reta final de conclusão do mestrado – sei que deixei vocês preocupados. Ao meu amor, Porto Júnior, presente de Deus em minha vida. Nossos caminhos se cruzaram em um momento de muitas mudanças para mim. Nosso encontro foi tão forte que me trouxe muitos sonhos, e decidimos seguir juntos nesta caminhada da vida. Com você partilhei todas as angústias da construção deste trabalho, qualificação e defesa. Obrigada pela força, pelo incentivo e pelo cuidado. A toda a minha família: avó Luiza e avô Alcides Oliveira, que sempre conseguiram manter a família unida; tios, tias, primos, sobrinhos. A Maracanaú, pois foi nessa cidade, trabalhando na assistência social, que cresci profissionalmente e amadureci teoricamente, permitindo-me alçar novos voos, como realizar a especialização e o mestrado, e onde conheci pessoas muito especiais. Aqui fica o reconhecimento e o carinho pelos trabalhadores da assistência social que diariamente se deparam com questões adversas à efetivação dos direitos, mas buscam formas de superação dentro dos limites e das possibilidades. Agradecimento especial às minhas interlocutoras da pesquisa, que dispuseram de seu tempo, suas experiências e contribuições, fundamentais para a conclusão desta dissertação. Vocês são autoras também deste trabalho. Aos professores, coordenadores e colaboradores do Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade. Importantes lições foram aprendidas. À CAPES, pelo incentivo à realização da pesquisa, onde pude ser bolsista durante o período do mestrado. A todos (as) os (as) colegas de curso que conseguiram vencer esse instigante desafio de se concluir um mestrado. À Leiriane Araújo, minha amiga e irmã. Esse sonho do mestrado passa por você, pelo seu incentivo, força e provocações. Foi você que esteve comigo quando, em um momento muito ansioso, estava esperando pelo resultado da seleção do mestrado. Foi ótimo ter chorado de felicidade com você. Obrigada, ainda, por ter discutido várias vezes este trabalho comigo. À Prof.ª Dra. Rejane Bezerra, minha orientadora. Que prazer ter sido sua orientanda! Mestre que exerce a docência com tanta competência, carinho, disciplina e atenção com seus alunos e orientandos. Obrigada pelas contribuições, pelo cuidado e pela paciência comigo. À Prof.ª Dra. Zelma Madeira, professora e amiga, pessoa forte, admirável como ser humano e como mestre, que sempre acreditou em mim, contribuiu e contribui com minha formação profissional e quem me enseja tantas oportunidades, sempre me incentivando. Obrigada pela confiança. À Profª Dra. Glaucíria Mota Brasil, mulher forte, dedicada e decidida. Tenho-lhe muita admiração e carinho. Obrigada por tudo. Meu sonho de tentar o mestrado começa quando, ainda sua aluna da graduação, ensejou-me oportunidade de participar de projeto de pesquisa, onde comecei a dar os primeiros passos como pesquisadora. Aprendi muito no estágio de docência. À Dra. Geogia Patrícia Guimarães dos Santos, obrigada por ter aceito participar da banca de defesa do mestrado. À Maria Teresa Simão Carvalho, pessoa fundamental para meu crescimento como profissional. Aprendi com você que a vida é um grande movimento e precisa ser vivida com prazer. À Dra. Ieda Castro, gestora da assistência social no município de Maracanaú, uma importante referência nacional e militante nesta área. Pessoa admirável como ser humano e como profissional, quando estudante de serviço social admirava suas palestras e, quando profissional, tive o prazer em trabalhar e aprendi importantes lições para minha vida profissional e pessoal. À Lucíola Limaverde, pela valiosa colaboração na revisão deste trabalho, feita com tanta dedicação e competência. Às minhas amigas de longas datas Leidiane Cavalcante, Keyla Lima, Nídia Mesquita, Lívia Sales, Meg Sousa, Rafaela Braga e Rosane Barbosa, que perto ou longe sempre estão torcendo por mim e se felicitando com meus projetos. Às minhas amigas do Hospital Waldemar Alcântara. Obrigada pela força. Não sei... se a vida é curta ou longa demais pra nós, Mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: Colo que acolhe, Braço que envolve, Palavra que conforta, Silêncio que respeita, Alegria que contagia, Lágrima que corre, Olhar que acaricia, Desejo que sacia, Amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, Mas que seja intensa, Verdadeira, pura... Enquanto durar Cora Coralina RESUMO Este trabalho tem como objetivo geral analisar a articulação entre os serviços e benefícios da política de assistência social em Maracanaú, que são centrais na constituição do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Outros objetivos traçados foram: identificar como vem sendo trabalhada essa articulação nos CRAS, seus avanços, limites e desafios. Propôs-se também a realizar uma discussão histórico-conceitual sobre as políticas sociais e sobre o processo histórico de organização da política de assistência social no Brasil, tal como uma discussão conceitual sobre os serviços e benefícios e como estes estão organizados em Maracanaú. A pesquisa empírica foi realizada junto aos seis Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), sendo esta de natureza qualitativa e de cunho empírico. Os sujeitos desta pesquisa foram as seis coordenadoras dos CRAS, a gestora da política de assistência social e a coordenadora da proteção social. Utilizamos neste estudo três tipos de pesquisa: bibliográfica, documental e a pesquisa de campo. Os principais instrumentos de coleta de dados foram a entrevista e o grupo de discussão. O trabalho teve como categorias principais: assistência social, neoliberalismo, políticas sociais e SUAS. Na pesquisa de campo, apresentaram-se ainda como categorias empíricas: participação, intersetorialidade, monitoramento, avaliação e recursos humanos. Essas categorias foram relevantes para identificar elementos dificultadores e facilitadores que interferem diretamente na efetivação da proposta de articulação entre serviços e benefícios da política de assistência social. A conclusão deste estudo aponta que ocorreram muitos avanços na política de assistência social em relação ao processo de legalização e normatização desta política. Nesse atual momento do SUAS, é preciso lutar para garantir sustentabilidade a este sistema, num conjunto articulado de diversos atores, profissionais, gestão, sociedade civil na luta por financiamento da política, incentivo à qualificação da gestão e dos profissionais, melhores condições de trabalho e estrutura mínima de atendimento dos usuários, e principalmente buscar formas e diálogos que tragam esses usuários para participar mais efetivamente da política. Palavras-chave: Assistência social; Sistema Único de Assistência Social; Serviços e benefícios da política de assistência social. ABSTRACT This work aims at analyzing the relationship between the services and benefits from the social work policy in Maracanaú, which are central to the “Sistema Único de Assistência Social” (SUAS) – Social Work Unified System. Other objectives taken into account are: to identify how that relationship have been carried up in CRAS, their developments, limits and challenges. It is also proposed to raise a historical-conceptual debate on the social policies and about the historical process related to the organization of the social work policy in Brazil, in the sense of a conceptual discussion about the services and benefits and how they are organized in Maracanaú. The empirical research was carried out in the six “Centros de Referência da Assistência Social” (CRAS) – Social Work Reference Centers, being that study of a qualitative nature. The subjects in the study were six CRAS coordinators, the social work policy manager and the coordinator of social support. For this research were used three methodological approaches: review of literature, documentary and field research. The main survey instruments used to collect data were the interview and the group discussion. The main categories in this work were: social work, neoliberalism, social policy and SUAS. In the field research, empirical categories such as participation, the intersection of different social sectors, monitoring, evaluation and human resources. These categories were important for identifying difficult elements and facilitators which directly interfere with bringing about the articulation between services and benefits of the social work policy. This study concludes that there have been many advances in the social work policy in relation to its process of legalization and systematization. In the current moment of SUAS, it is necessary to struggle to assure this system’s sustainability, by means of the action of an articulated group formed by several characters, professionals, management, civil society for financial support, incentive to enhance the qualification of professionals and of management as well, better work conditions and proper facilities to attend the users, and mainly to look for ways and discussions which gather these users to take part in the policy more effectively. Key-words: Social work; “Social Work Unified System”; Social work services and benefits policy. LISTA DE TABELAS Tabela 1 Síntese dos serviços oferecidos pela política de assistência social em 74 Maracanaú 2005-2008 Tabela 2 Síntese dos benefícios oferecidos pela política de assistência social em Maracanaú 2005-2008 75 Tabela 3 Síntese dos serviços e benefícios oferecidos pela política de assistência 78 social em Maracanaú no ano de 2009 Tabela 4 Síntese dos equipamentos da SASC nos anos de 2005 e 2009 Tabela 5 Repasse financeiro do Governo Federal para os serviços e benefícios em 88 Maracanaú Tabela 6 Relação de famílias a serem referenciadas pelos CRAS's X número de 92 profissionais Tabela 7 Descritivo das formas de contratação do RH da SASC 85 93 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Número de benefícios eventuais concedidos pelos CRAS de 81 2005-2009 Gráfico 2 Número de beneficiários do Bolsa Família e do BPC nos anos de 87 2005-2009 Gráfico 3 Relação entre trabalhadores do SUAS temporários x concursados 93 LISTA DE SIGLAS BPC - Benefício de Prestação Continuada CF - Constituição Federal CONSEA - Conselho Nacional de Segurança Alimentar CRAS - Centro de Referência da Assistência Social FHC - Fernando Henrique Cardoso FMI - Fundo Monetário Internacional LBA - Legião Brasileira de Assistência LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social MP - Medida Provisória MPAS - Ministério de Previdência e Assistência Social NOB - Norma Operacional Básica PAIF - Programa de Atenção Integral às Famílias PCS - Programa Comunidade Solidária PBF - Programa Bolsa Família PNAS - Política Nacional de Assistência Social PSB - Proteção Social Básica PSE - Proteção Social Especial SER - Secretaria Executiva Regional SAS - Secretaria de Ação Social SUAS - Sistema Único de Assistência Social SUMÁRIO INTRODUÇÃO 15 1. A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO OBJETO DE PESQUISA: DO DESPERTAR PARA A PROBLEMÁTICA À ESPECIFICIDADE DA PESQUISA 1.1. Aproximação ao objeto 18 1.2. Conhecendo o campo de pesquisa - Maracanaú: questões importantes para se pensar o desafio do desenvolvimento da política pública de assistência social 20 1.3 Caminhos metodológicos da construção do objeto e da realização da pesquisa 26 1.3.1. O despertar para a problemática e para a relevância do tema 26 1.3.2. A escolha do método, a definição dos tipos de pesquisa e o processo de entrada no campo: reflexões iniciais para o desenvolvimento da pesquisa 30 1.3.3. Descobertas e dificuldades do trabalho de campo: da escolha e aplicação dos instrumentais de coleta de informações à análise dos dados da pesquisa 33 1.3.4. Escolha e caracterização das interlocutoras da pesquisa 37 2. A TRAJETÓRIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NA AFIRMAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE DIREITOS: UM DEBATE NECESSÁRIO 2.1. Política social, neoliberalismo e assistência social: perspectivas históricas e contemporâneas 40 2.2. A política de assistência social no Brasil: um recorte 46 2.3. A Política Nacional de Assistência Social e o SUAS: primeiras aproximações 55 3. SERVIÇOS E BENEFÍCIOS DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL 63 3.1. Serviços e benefícios em Maracanaú 73 3.2. Na contramão da consolidação do SUAS: a política de recursos humanos do SUAS e a necessidade de capacitação X a precarização das relações de trabalho 91 3.3. Intersetorialidade: caminhos mais próximos para a integração 101 3.4. Informação, monitoramento e criação de indicadores: como medir o impacto do processo de integração de serviços e benefícios 106 3.5. Participação dos usuários do SUAS: dilemas e desafios para se trabalhar nos territórios dos CRAS 110 CONSIDERAÇÕES FINAIS: A CHEGADA COMO PONTO DE PARTIDA 114 REFERÊNCIAS 123 APÊNDICE 130 INTRODUÇÃO A realização deste trabalho é a materialização de um sonho de estar sempre dando continuidade aos estudos, pois foi a partir deles que alcançamos as mais importantes conquistas – um sonho que se iniciou há uns sete anos, ainda na faculdade. Então, conseguir chegar até aqui representa mais que um trabalho concluído: representa uma vitória, faz parte da construção de uma trajetória de vida. A escolha para se trabalhar esta temática perpassa um universo de significados criados a partir da trajetória profissional da pesquisadora, que aos poucos foi se encontrando e se apaixonando por esta discussão. Esta experiência de conhecer uma realidade e se debruçar sobre um objeto conferiu crescimentos e desafios como pesquisadora, já que o universo da pesquisa exige disciplina, dedicação, organização, exaustivas leituras, e percebemos que sem essas premissas não conseguiríamos concluir este estudo. Esse crescimento como profissional fez perceber que nossas ações realmente estão no campo dos limites e das possibilidades, pois, sem conhecer a realidade e todas as dimensões que circundam nossas ações, poderemos ter posicionamentos equivocados sobre o fazer profissional. O crescimento existe também como sujeito coletivo que está discutindo políticas públicas as quais, no caso deste estudo, trabalham com o universo de significados dos operadores da política, onde o que confere significado às ações deles é o usuário da política, é o impacto que a política pública faz na vida desses sujeitos. São horizontes, perspectivas de se construir uma sociedade mais justa e igualitária. O pesquisador também está inserido dentro do universo do seu objeto. Discutir assistência social na contemporaneidade torna-se um desafio muito instigante tendo em vista que essa temática tinha pouco espaço no mundo acadêmico, envolvendo poucos estudos e publicações no cenário nacional. Com a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) nos municípios brasileiros, esse tema tem sido objeto de estudos, pesquisas, publicações, capacitação técnica etc. A assistência social se confronta com um passado recente de práticas assistencialistas, paternalistas e de usos clientelísticos. Porém, apesar de existir tais práticas que a distanciem do campo dos direitos e de sua afirmação como uma política de seguridade social, direito do cidadão e dever do Estado, possuímos instrumentos historicamente conquistados, como a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e propostas de efetivação desses com a construção do SUAS, que coloca essa política responsável por um conjunto de 15 ações visando a prevenir e superar formas de exclusão social na sociedade brasileira. A assistência social está sendo construída, inserida dentro de uma proposta de proteção social, integrada às outras políticas de seguridade social há 23 anos. Houve muitos avanços, como a regulamentação da LOAS e a proposta de um sistema único (SUAS). Porém, essas normas legais e novos ordenamentos só ganham concretude, legitimidade e provocam mudanças no cotidiano quando são assumidos pelo coletivo, pelo Estado e pela sociedade. A Política Nacional de Assistência Social traz consigo uma nova proposta de ordenamento, normas, regras, diretrizes em forma de um sistema, que é o Sistema Único de Assistência Social, colocando o Estado na primazia da condução dessa política. Ela define os direitos sociais como campo a ser abraçado e defendido, assim como a rede de atendimento, que são os equipamentos, determinando os seus papéis, respeitando as diferenças regionais. Porém, é um sistema que tem encontrado enormes desafios de adesão. Nem todos os municípios brasileiros estão no sistema. Portanto, o novo ordenamento e sua normatização não garante a implantação efetiva do SUAS, tal como a qualidade dos serviços e benefícios previstos na PNAS, sendo um terreno fértil de discussões e debates. Nessa direção, tendo em vista a amplitude da temática “assistência social”, o tema a ser discutido neste estudo passa pela discussão dessa política, em específico o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), tendo como foco central, recorte do objeto de investigação, os serviços e os benefícios socioassistenciais desse sistema. Tendo em vista que a discussão da proposta de integração entre serviços e benefícios na política de assistência social é recente, não tínhamos estudos que discutissem essa problemática. Encontramos algumas discussões no cenário nacional, mas sobre benefícios eventuais, já que até recentemente tínhamos como uma das grandes ações da assistência o plantão social. O grande diferencial que conferiu condições de estruturar este estudo foi o trabalho de campo, foi a realidade estudada que apresentou questões e categorias empíricas que aproximaram ao conhecimento do objeto. Nessa direção, procurando atender aos objetivos propostos, estruturamos este trabalho em três capítulos: No primeiro capítulo, intitulado: A política de assistência social como objeto de pesquisa: do despertar para a problemática à especificidade da pesquisa, apresentamos a proposta deste estudo, onde descrevemos as motivações e justificativas pela escolha do tema 16 de estudo. Realizamos ainda as primeiras aproximações teóricas sobre a problemática a ser conhecida na tentativa de compreender melhor as questões que circundam o tema. Apresentamos também o percurso metodológico da pesquisa, o qual se define essencialmente como uma pesquisa qualitativa de natureza empírica. As fontes de pesquisa foram os levantamentos bibliográfico e documental e a pesquisa de campo. Apresentamos os principais instrumentos de coleta de dados, que foram a entrevista e o grupo de discussão, além de caracterizar as interlocutoras da pesquisa e discutir sobre o processo de análises dos dados. Por fim, apresentamos o campo empírico da pesquisa. Em seguida, no segundo capítulo, realizamos uma discussão sobre a assistência social, trajetórias históricas e o SUAS: caminhos de uma política pública, onde analisamos a assistência social à luz do diálogo entre vários autores, bem como utilizamos uma discussão histórica da constituição da assistência social como política pública de direitos, concluindo-o com a discussão da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e sobre o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). No último capítulo, apresentamos uma análise sobre a integração dos serviços e Benefícios do Sistema Único de Assistência Social (SUAS): discutindo conceitos e as categorias empíricas da pesquisa. Nele apresentamos, primeiramente, os conceitos sobre serviços e benefícios, tal como esses estão organizados em Maracanaú, analisando-os a partir da discussão do objeto deste trabalho, que trata da integração dos serviços e benefícios da política de assistência social. Para nos aproximarmos dos elementos que permeiam o objeto deste estudo no universo cotidiano dos CRAS, por fim, apresentamos uma discussão sobre o que chamamos de categorias empíricas do trabalho, visto terem surgido no trabalho de campo desta pesquisa. São questões que foram bastante relevantes para a construção deste estudo. Nas considerações finais, trazemos reflexões sobre a realização deste estudo, sobre a política de assistência social no contexto do SUAS, apresentando ainda os resultados da pesquisa, tal como os avanços, limites e desafios para a efetivação da proposta de articulação entre os serviços e benefícios da política. Com certeza essa chegada é um ponto de partida. 17 1. A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO OBJETO DE PESQUISA: DO DESPERTAR PARA A PROBLEMÁTICA À ESPECIFICIDADE DA PESQUISA 1.1. Aproximação do objeto de pesquisa Historicamente a assistência social foi vista como uma ação clientelista do poder público, com um caráter de benesse, transformando o usuário na condição de favorecido e não o considerando como cidadão. Essa perspectiva aproxima a assistência social do caráter filantrópico, que reproduz a exclusão e os privilégios (assistencialismo, primeiro-damismo e clientelismo), e não um mecanismo possível de universalização de direitos sociais. O ponto de partida para a legitimação da assistência social como política de estado deu-se a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal, sob o conceito de cidadania universal. Uma conquista, um marco legal não somente na história do País, mas também na trajetória da política de assistência social, conferindo-lhe o mesmo status das demais políticas sociais através da integração desta, juntamente com a saúde e a previdência ao conjunto da seguridade social. Como política social pública, a assistência social inicia seu trânsito para um campo novo: o campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal. Inserida na seguridade social, aponta também para seu caráter de política de proteção social articulada a outras políticas do campo social voltadas à garantia de direitos e de condições dignas de vida. Porém, as mudanças nessa política foram sendo realizadas de forma gradual, controlada, conservando muitos traços da forma como a política era tratada antes da Constituição de 1988. A conjuntura política e socioeconômica do momento privilegiou a questão econômica, ou seja, o Estado compartilhou dos interesses do mercado em detrimento dos interesses sociais para manutenção da ordem vigente. A política de assistência social foi concebida pelo Governo de “forma marginal, residual e emergencial” (RAICHELIS, 2000, p. 104), com o controle das mudanças que estavam previstas a partir da proposta da seguridade social. O controle dessas mudanças pode ser identificado com a regulamentação da Lei Orgânica da Assistência Social, que encontrou diversos impasses para sua regulamentação. Na primeira tentativa de regulamentação, em 1990, a Lei Orgânica da Assistência Social teve seu 18 texto integralmente vetado pelo Presidente da República, sob o argumento da impossibilidade de recursos para cobrir os Benefícios da Prestação Continuada (BPC)1. Somente ao final do ano de 1993 foi aprovada a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) Lei nº. 8.742 de 07/12/1993, que se constituiu num marco para a política de assistência social no País. Percebemos aqui traços claros de conservadorismo político2, onde as mudanças podem até ocorrer, mas devem ser mantidas as devidas proporções e ter controle sobre elas. Os principais avanços trazidos pela LOAS foram as prerrogativas de um sistema descentralizado e participativo, a criação de conselhos e fundos de assistência social, a democratização da relação entre Estado e sociedade, com a participação de entidades não governamentais. Porém, a prevalência de antigas práticas clientelistas e paternalistas permearam esses avanços, reatualizando a perspectiva do conservadorismo. O processo de construção e efetivação da assistência social como política pública foi pleno de ambiguidades. As ações do Governo davam prioridade à transferência de verbas públicas para o setor privado, no caso da assistência para entidades filantrópicas e assistenciais, e a extinção de desmanche de órgãos governamentais responsáveis pelas ações de assistência social: Na assistência social, foi ignorado todo o movimento que rompeu com o padrão de atividade focal, pontual e assistencialista, e que a transformou em política pública e parte da seguridade social, colocando a LOAS em situação de extrema vulnerabilidade (BEHRING, 2003, p.15). Nessa direção, o sistema de proteção social adotado no Brasil durante a década de 1990 foi caracterizado pela acentuada fragmentação institucional, pela exclusão da participação social nos processos decisórios e pelo uso clientelístico da máquina estatal. Trazendo um pouco para a atualidade, sabemos que, na política de assistência social, apesar de ser constitucionalmente reconhecida e efetivamente legalizada, faltava materializar as prerrogativas legais da LOAS. 1 É a garantia de um salário mínimo para idosos a partir de 65 anos ou pessoas com deficiência, incapacitada para o trabalho e para a vida independente, obedecendo a critérios de renda em ambos os casos. 2 Partimos dessa premissa no sentido que o termo conservador na atualidade é tomado dentro de uma visão pejorativa, como sinônimo de atraso ou retrógrado, reacionário ou ser adepto a partido de esquerda, contrapondo-se à ideia de avanço, progresso, mudança (STELMACKI, 2006). Porém, a prática conservadora está relacionada a situações que demandem transformações, mas estas não podem ser produzidas através de revoluções, sempre na perspectiva da manutenção e continuidade da ordem e do status quo. Nesse sentido, ser conservador se coloca para além do senso comum de ser retrógrado, é perceber dentro do contexto atual ações, intervenções, discursos transvertidos de mudanças, avanços, rupturas que não alteram as bases da ordem existente, efetivando mudanças cuidadosas na realidade de forma residual, superficial, controlando suas repercussões. 19 A construção de um Sistema Único de Assistência Social (SUAS) foi um grande marco e avanço para os direcionamentos dessa política. Tais direcionamentos resultaram na aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) em 2004, que expressa a materialidade do conteúdo da assistência social construindo, assim, as novas bases dessa política pública, como direito de cidadania e de responsabilidade do Estado. Tal política foi operacionalizada através da construção da uma Norma Operacional Básica – NOB/SUAS/2005. O SUAS, cujo modelo de gestão é descentralizado e participativo, constitui-se na regulação e organização em todo o território nacional das ações socioassistenciais. Os serviços, programas, projetos e benefícios têm como foco prioritário a atenção às famílias, seus membros e indivíduos e o território como base de organização, que passam a ser definidos pelas funções que desempenham, pelo número de pessoas que deles necessitam e pela sua complexidade. Pressupõe, ainda, gestão compartilhada, co-financiamento da política pelas três esferas de governo e definição clara das competências técnico-políticas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com a participação e mobilização da sociedade civil e estes têm o papel efetivo na sua implantação e implementação (PNAS, 2004, p.39). A proposta do SUAS é um avanço na concretização de um modelo de gestão que possibilita a efetivação dos princípios e diretrizes da política de assistência social, conforme definido na LOAS, em seu Art. 5°3, sendo que tais questões serão aprofundadas no próximo capitulo. 1.2. Conhecendo o campo de pesquisa – Maracanaú: questões importantes para se pensar o desafio do desenvolvimento da política pública de assistência social Para discutir a política de assistência social em um determinado território, é necessário conhecer que local é esse. Os elementos de sua formação histórica, econômica e cultural são relevantes para entender a realidade do município, suas potencialidades, desigualdades socioculturais que irão influenciar no desenvolvimento de políticas públicas. Importa destacar que o terreno para investigação é a Secretaria de Assistência Social e Cidadania de Maracanaú, município localizado na Região Metropolitana de Fortaleza, localizando-se a 13 km da capital cearense. 3 Art. 5º - A organização da assistência social tem como base as seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; III - primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo. 20 O nome Maracanaú significa “bebedouro das Maracanãs”, provavelmente pela existência de várias lagoas e da presença dessa espécie de pássaro. Maracanaú figura-se como parte de Maranguape até que este, em 1875, vê-se diante de uma grande mudança com a inauguração da estrada de ferro de Baturité e a estação de trem. No século XX, cresce o povoamento em torno de quatro instituições: o trem metropolitano – ramal Maranguape/ Fortaleza, o Sanatório de Maracanaú (hoje Hospital Municipal), a Colônia Antônio Justa e o Instituto Carneiro de Mendonça – Centro de Reabilitação de Menores. Em 1970, Maracanaú sofre uma grande transformação quando é escolhido para sediar o Distrito Industrial de Fortaleza (Diagnóstico de Vulnerabilidades, 2005). Trata-se, pois, de um município relativamente novo, tendo em vista que foi emancipado do município de Maranguape em 1983, através da ação política do Movimento pela Emancipação de Maracanaú. Possui uma população de aproximadamente 193.178 habitantes e, como foi indicado, sedia o maior polo industrial do Estado, sendo a economia de Maracanaú centralizada fundamentalmente no setor industrial4. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2004, o referido município ocupa, atualmente, o 2° lugar em arrecadação de impostos do Estado do Ceará. Maracanaú é uma cidade eminentemente urbana. Parte de sua população foi atraída pelo polo industrial, bem como os conjuntos habitacionais implantados no município nas décadas de 1970 e 1980. O resultado desse crescimento urbano acelerado e a falta de políticas públicas adequadas ao intenso processo de urbanização foi o acirramento das mazelas sociais, causadas pelo desemprego, emprego informal e aumento da violência (MARACANAÚ, 2005). Dados do Diagnóstico das Vulnerabilidades (2005) revelam que, num período de 25 anos, Maracanaú sofreu a maior explosão demográfica do Estado. De uma população de quase 38 mil em 1980, saltou para mais de 200 mil em 2005, distribuídos em um espaço territorial de quase 100 km quadrados. Jovens de até 19 anos atingem 46% da população, o que faz de Maracanaú a cidade mais jovem do Ceará. Das 15 mil pessoas empregadas nas 135 indústrias existentes no município, apenas nove mil residem em Maracanaú. 4 Possui várias indústrias de preparação de britamento e outros trabalhos em pedras; produtos de laticínio; artefatos têxteis de tecidos (exceto vestuário); artigos para cama, mesa e colchoaria; biscoitos e bolachas; calçados de couro, plástico, tecidos, fibras, madeira ou borracha; fungicidas; herbicidas; defensivos agrícolas; massas alimentícias; material elétrico para veículos (exceto baterias) e medicamentos. A agricultura é também uma fonte de renda do município com plantações de algodão herbáceo sequeiro; plantas aromáticas e medicinais. (Wikipédia, acessado em julho de 2009). 21 A taxa de desemprego do município é de quase 20%. Síntese de um conglomerado de conjuntos habitacionais populares, cujas casas são construídas em lotes de 150 a 200 metros quadrados. Com precária infraestrutura urbana, Maracanaú enfrenta graves problemas ambientais, menos de 50% da população tem acesso ao esgotamento sanitário (MARACANAÚ, 2005). Nessa direção, Maracanaú, apesar de sediar o maior polo industrial do Estado, apresenta em seu entorno um cenário de pobreza expressa em precários indicadores sociais e violência urbana, expressão de uma cidade com características de área fronteiriça, às margens da metrópole. Envolta na contradição inerente à sociedade capitalista, há indícios de que aproximadamente 70% da população5 não usufrui da riqueza produzida no município, exigindo uma maior ação do poder público na oferta de serviços públicos. Esses dados tornam-se elucidativos quando os comparamos com os dados do Cadastro Único de Maracanaú. O número de famílias inseridas no Cadastro Único é de 37.306 famílias; dessas, 17.749 recebem o Bolsa Família. Assim, 150.387 mil pessoas de uma população de 201.693 habitantes estão no Cadastro Único de Maracanaú – mais da metade da população, exigindo do poder público municipal, em particular da assistência social, ações eficazes na promoção da emancipação social dessas famílias (SASC, 2009). A cidade é circundada por duas rodovias estaduais, travessia de várias rotas turísticas e por um anel viário que interliga duas BRs: 116 e 222. Se, de um lado, o polo industrial, a CEASA, uma pedreira, um aterro sanitário e os rios Maranguapinho e Timbó, localizados no município, favorecem as potencialidades locais, eles aumentam, por outro, as vulnerabilidades e os riscos sociais. Segundo o diagnóstico das vulnerabilidades: As mudanças ocorridas no espaço urbano de Maracanaú e nas suas formas de sociabilidade não podem, portanto, ser dissociadas do modelo de industrialização e urbanização induzida por que passou e vem passando o município. Ou seja, não decorreram espontaneamente de sua dinâmica interna, mas de um processo de desenvolvimento que vem propiciando o aparecimento de estruturas dissociadas do contexto local e de sua identidade de lugar (MARACANAÚ, 2005, p. 19). Essa observação se torna mais elucidativa pelos dados anteriormente apresentados e pelo fato de que a cidade de Maracanaú traz, ainda, o legado de uma herança cultural excludente, o que dificulta a construção de uma identidade coletiva. Nasceu em meio à instalação de equipamentos sociais de natureza estigmatizante: Hospital de Dermatologia 5 A maioria dessas famílias vive da economia informal (biscateiros, ambulantes, catadores de lixo, micronegócios, feirantes) ou do trabalho precarizado no setor formal no município de Fortaleza (MARACANAÚ, 2005). 22 Sanitária Antônio Justa (1942), a chamada Colônia Antônio Justa, especializada no tratamento da hanseníase; Hospital de Maracanaú (1952), especializado, na época, no tratamento da tuberculose e atualmente com uma cobertura mais ampla; Escola para Menores Abandonados de Santo Antônio do Pitaguari, popularmente conhecida como Santo Antônio do Buraco, conforme Mourão (2003). Apesar de a presença dessas instituições terem contribuído para o desenvolvimento da cidade, com a chegada de funcionários e médicos, trouxe também estigma e preconceito para seus moradores, pois a hanseníase e a tuberculose eram tidas como doenças incuráveis na época. A cidade passou a ser vista, então, como um depositário de doentes, excluídos do convívio social. A alta taxa de concentração da população somada à urbanização desordenada, ao elevado índice de desemprego e à debilidade na qualidade ambiental contribuem para as disparidades e vulnerabilidades vivenciadas pela população de Maracanaú. O processo de informalidade nas relações de trabalho expõe as pessoas a uma situação de desproteção social em que são excluídas de direitos fundamentais, agravando ainda mais o quadro de pauperização dos grupos familiares e contribuindo para o alto índice de violência e criminalidade apresentado nos bairros. É nesse cenário ora apresentado, cenário de potencialidades, contradições, estigmas e desigualdades, que as políticas públicas de assistência social terão de se debruçar para implantar e implementar suas ações. Nessa direção, apresentamos um breve histórico dessa política no município e a caracterização do órgão gestor da política de assistência social. A Secretaria de Assistência Social e Cidadania de Maracanaú está localizada na Av. II, n° 150 – Centro Administrativo – Jereissati I. Em sua origem, a referida secretaria teve sua primeira denominação de Secretaria de Promoção Social, criada pela Lei n° 016, de 27/05/1985. Funcionava em um pequeno prédio, situado à rua Antônio de Alencar, 297 – Centro e foi criada na administração do primeiro prefeito eleito no município, Almir Freitas Dutra. Sua primeira titular foi a primeira-dama do município. No entanto, com o assassinato do referido prefeito, o município sofreu consequências de ordem política que culminaram com a intervenção do Estado para garantir a ordem até que fossem realizadas novas eleições. Nesse período, a Secretaria de Promoção Social incluía trabalhos com idosos e em creches conveniadas com as entidades comunitárias. Com a posse do novo prefeito, em 1989, ocorreram significativas mudanças. Foi nomeada a primeira-dama do município da nova gestão para esta secretaria em 2000, que passou a ser denominada Secretaria de Saúde e Ação 23 Social, passando a contar com técnicas contratadas do Estado para estruturar e implementar um trabalho mais sistematizado na área da assistência social (SOUZA, 2006). Vale ressaltar que a Lei n° 795, de 18/12/2000, fundiu a Secretaria de Ação Social e a Secretaria de Saúde. Essa fusão acarretou um trabalho fragmentado e desarticulado entre as duas secretarias, inviabilizando a concretização de um comando único na esfera municipal, isto é, a política de assistência social era executada por uma coordenadoria vinculada à Secretaria de Saúde. Os serviços oferecidos se restringiam à assessoria jurídica e aos departamentos de apoio comunitário e o de apoio à criança e ao adolescente. Dentro de cada departamento funcionavam setores específicos de atenção à população. Em relação a esse período, as falas de algumas entrevistadas6 da pesquisa que trabalhavam no município na época são bem ilustrativas sobre como funcionavam as ações de assistência social no Município: Antes da implantação da Secretaria de Assistência Social e Cidadania, existia a Secretaria de Saúde e Ação Social. A assistência social estava subordinada a esta secretaria através da Coordenação de Ação Social. O atendimento à população era realizado em um espaço que não garantia conforto e privacidade às famílias. Não havia por parte do poder público acompanhamento familiar. Os projetos eram desenvolvidos pelas associações através de financiamento público. A política não era divulgada, democratizada. Não havia servidores concursados. (Entrevistada 1) [...] eram práticas totalmente assistencialistas, as quais tinham como figura central a primeira-dama. (Entrevistada 3). A assistência social estava subordinada à Secretaria de Saúde, através de uma Coordenadoria de Ação Social. Acredito que, dentro desse contexto, as ações eram desenvolvidas de forma pontual. Não havia a democratização da política (Entrevistada 2). Quando analisamos, através de documentos e das falas das entrevistadas, o processo como vem sendo gestada a política de assistência social nesse curto período de emancipação de Maracanaú, observamos que o histórico da política de assistência social do município acompanha o direcionamento e a concepção de como a assistência social era trabalhada em nível nacional de um passado recente de uma ação tradicionalmente clientelista do poder público, com um caráter de benesse, transformando o usuário em favorecido, nunca como cidadão. Tais considerações nos levam a refletir sobre a forma como a assistência social era concebida nesse município logo após sua emancipação, onde temos a gestão da política de assistência social na responsabilidade da primeira-dama. Nesse período, como fora colocado 6 Ressaltamos que apresentaremos o perfil dessas interlocutoras ao final deste capítulo. 24 anteriormente, as ações da secretaria eram incipientes, assistencialistas e se limitavam ao trabalho com os idosos e em creches conveniadas com as entidades comunitárias. Tal constatação, levantada pelas interlocutoras da pesquisa e trazidas nos relatórios de gestão, indica relevantes mudanças e direcionamentos, mas não existem elementos que apontem para grandes rupturas. As interlocutoras revelam que nesse período não existia comando único das ações, e a assistência social era centrada na figura da primeira-dama. Características que estudiosos da assistência social como Sposati (2007) definem como práticas assistencialistas e paternalistas. Atualmente pode-se ter o comando único e o CRAS como gestor da política de assistência social no território, mas não temos elementos que apontem para o rompimento com as práticas assistencialistas. Tais questões serão abordadas no próximo capítulo. Essa tendência continuou na gestão seguinte, seguindo um movimento que acontecia em todo o Brasil na década de 1990, quando a política pública de assistência social era executada em primazia pelas organizações não governamentais. Entretanto, no final de 2004 inicia-se uma nova gestão no município que coincide com o processo de implantação do SUAS nos municípios brasileiros. A partir de então, algumas reformas administrativas foram iniciadas, dentre elas a separação das Secretarias de Saúde e Ação Social, sendo criada a Secretaria de Assistência Social e Cidadania. Inicialmente, a Secretaria de Ação Social desagrega-se da Secretaria de Saúde, passando a denominar-se Secretaria de Assistência Social e Cidadania, a partir da Lei n° 986, de 7 de janeiro de 2005, proporcionando maior autonomia ao órgão, cuja finalidade seria atuar como um comando único na esfera municipal. Com a nova gestão, a criação da Secretaria de Assistência Social e Cidadania tornase um marco na política municipal de assistência social local, pois é a primeira a criar condições para a implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), preconizado pela Política Nacional de Assistência Social. Aderindo ao Sistema Único da Assistência Social, a política municipal foi organizada em dois eixos operacionais, segundo dados do relatório de gestão 2008, quais sejam: • Proteção Social Básica: objetiva prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, bem como com o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. • Proteção Social Especial: objetiva trabalhar a violação dos direitos sociais da 25 família que se encontra em situação de risco pessoal e social. Prioriza serviços de média e alta complexidade que possibilitem a organização de um novo projeto de vida, visando criar condições para adquirirem referências na sociedade como sujeitos de direito. Referenciada nesses dois eixos, organizou-se uma rede local, pública e conveniada, de proteção social que pudesse garantir à família segurança, acolhida, renda, convívio familiar e comunitário, culminando em 2006 com a implementação de centros de referências para execução direta dos serviços de proteção social. Nessa direção, a criação e a consolidação da Secretaria de Assistência Social dentro do Sistema Único de Assistência Social traz a direção do SUAS, mas com um passado bem recente de uma cultura da política de assistência social de cunho assistencialista que se distanciava da perspectiva de direitos, onde o novo e o velho se encontram, os desafios para implantação dessa política se tornam maiores. É nesse campo que debruçamos reflexões e realizamos a coleta de dados que permitem discutir como os benefícios e serviços são articulados na atual política de assistência social. 1.3.Caminhos metodológicos da construção do objeto e da realização da pesquisa 1.3.1. O despertar para a problemática e para a relevância do tema Partindo da reflexão de Bourdieu (1998) em relação à importância da construção do objeto, onde se precisa converter problemas, questões muito abstratas, em operações científicas práticas, é que começamos a desvelar esse processo nessa pesquisa, pela relação da pesquisadora com o objeto, entendendo que o pesquisador tem um objeto a conhecer, que é o mundo social, de que ele próprio é produto. Essa relação passa pelas escolhas pessoais e profissionais de formação em que nos inserimos. Entendendo que as inquietações que nos levam ao desenvolvimento de uma pesquisa nascem do universo do cotidiano, o que atrai na produção do conhecimento é a existência do desconhecido, é o sentido da novidade e o confronto com o que nos é estranho. O cotidiano no qual nos deparamos com essas inquietações e o despertar para o tema foi resultado da formação acadêmica em serviço social, principalmente das experiências de estágio na área da assistência social. Em 2003, como estagiária da Secretaria Executiva Regional (SER) IV de Fortaleza, Distrito de Assistência Social, foi possível participar das discussões, debates e encaminhamentos de propostas deliberadas na V Conferência Regional de Assistência Social de Fortaleza e ser eleita delegada para a V Conferência Municipal de Assistência Social. 26 Na época, estava no centro dos debates a avaliação da LOAS e a reafirmação desta como instrumento de consolidação e ampliação do direito à assistência social. Procurava-se dar visibilidade à política e ao sistema descentralizado, o comando único – um movimento que se fazia urgente e que o artigo 6º7 da LOAS punha como exigência na formulação da política de assistência social. As propostas das conferências municipais foram para a discussão na IV Conferência Nacional de Assistência Social, que deliberou a construção do SUAS, como exposto anteriormente. Dois anos depois dessa conferência, o SUAS começou a ser implantado no País. Era algo totalmente novo que exigiria um novo redesenho institucional e conceitual de como seria gerida a política de assistência social no Brasil e ainda com o desafio de romper com o histórico de práticas assistencialistas e uso clientelístico dessa política. Seria preciso construir uma nova cultura institucional. Após essa primeira aproximação com a temática assistência social, vivenciei outras experiências de estágio, mas não na área de assistência social, e sim na área da seguridade social. Em paralelo a esse processo, duas atividades nos aproximaram bastante do mundo acadêmico: a primeira na área da docência, quando fui monitora por um ano da disciplina Teoria e Metodologia do Serviço Social II e pude pela primeira vez participar de uma semana cientifica da universidade apresentando minha experiência de monitoria; e a segunda na área da pesquisa, onde fui pesquisadora do estudo e análise comparativa das dinâmicas, padrões estatísticos espaciais e fatores explicativos da incidência de crimes relacionados à exploração sexual de crianças e adolescentes entre a cidade de Fortaleza e sua Região Metropolitana. Pudemos vivenciar nessa experiência a prática de trabalho de campo e suas dificuldades, tal como o uso de instrumento de coletas de dados, organização dos dados, ou seja, com todo esse universo que o pesquisador precisa conhecer e explorar. Essa aproximação reacendeu o sonho de cursar um mestrado, que até então parecia distante. Após ser aprovada em uma seleção para estagiária de serviço social na área da assistência social, houve nova aproximação dessa área. Após o término do estágio e já formada, atuando como assistente social da Secretaria de Assistência Social de Maracanaú, 7 As ações na área de assistência social são organizadas em sistema descentralizado e participativo, constituído pelas entidades e organização de assistência social abrangidas por esta Lei, que articule meios, esforços e recursos, e por um conjunto de instâncias deliberativas compostas pelos diversos setores envolvidos na área (LOAS, 1993, Art. 6º). 27 pude participar do primeiro ano de implantação do SUAS no Município. Durante o período de 2005-2009, trabalhei na Coordenadoria de Proteção Social, área de gestão da política, e fui dois anos coordenadora do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) Jereissati, área de operacionalização da política. Áreas próximas, mas de objetivos diferenciados que me proporcionaram o contato tanto com a discussão mais técnica, política e de planejamento, como com os usuários dessa política e com as organizações da sociedade civil, campo de tensões, lutas e debates da relação Estado e Sociedade. A partir de então, tivemos acesso à bibliografia especializada na área, às discussões da política nacional de assistência social, à Norma Operacional Básica (NOB) e a outros instrumentos legais norteadores para implantação do SUAS, o que nos aproximava cada vez mais da problemática de estudo. Outra questão relevante para a escolha do tema, além da emergência e da amplitude das discussões no cenário nacional e relevância histórica, foi, ainda, por existirem as condições e as possibilidades para se realizar a pesquisa, já que o local escolhido para realização da pesquisa permitia que eu tivesse acesso a documentos, relatórios, dentre outros fatores. Ressalta-se que não é só admissível como recomendável que o aluno tenha em conta questões de ordem práticas tais como possibilidade de obtenção de recursos para a pesquisa [...] O interesse pelo assunto [...] Trata-se de uma procedência cronológica, [...] interação iniciada a partir de inquietações de um sujeito cognoscente [...] (GONDIM, 1999, p. 22). Até então, estava inserida no mesmo contexto do objeto de estudo. Mas como romper com os preconceitos, com a persuasão clandestina (BOURDIEU, 1998, p. 36) do discurso do instituído, da gestão, das orientações do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), que estava construindo as diretrizes operacionais, as quais eu como profissional trabalhava em sua operacionalização? Ou seja, o pré-construído do qual trata Bourdieu estava por toda parte, questões estas que estavam interiorizadas na pesquisadora, tanto como técnica, quanto como gestora. Porém, é importante ressaltar que, durante o período do trabalho de campo, a pesquisadora encontrava-se desligada da Secretaria de Assistência Social havia nove meses, período este que, como bolsista CAPES, estava com dedicação exclusiva para o mestrado. Consideramos ter sido importante para a inserção como pesquisadora no campo, distanciando da perspectiva da funcionária que trabalhava na secretaria, na gestão da política. 28 Ao começar a fazer leituras, na tentativa de compreender melhor o processo de implantação do SUAS na direção da consolidação de uma política de assistência social, percebemos a importância e a relevância de estudar sobre o assunto, ampliando o entendimento e rompendo com o senso comum (BOURDIEU, 1998, p. 34) que permeia a problemática. Assim, romper com o senso comum é convergir o olhar para uma leitura da realidade com um olhar de pesquisador, um olhar sociológico que Bourdieu (1998) chama de ruptura epistemológica, que é por em suspenso as pré-construções vulgares, implica a ruptura com modos de pensamento, conceitos, ou seja, com o discurso oficial, com as crenças de um grupo, ou de um corpo de profissionais, com certezas partilhadas etc. Dessa maneira, aliando o conhecimento empírico ao teórico, pudemos constatar que falar de “assistência social não é tarefa fácil, porque vários são os preconceitos e idéias equivocadas que ainda cercam essa matéria” (PEREIRA, 2002, p. 217). Embora a assistência social seja um fenômeno tão antigo quanto a humanidade e esteja presente em todos os contextos socioculturais, poucas ainda são as contribuições teóricas que ajudam a melhor precisá-lo do ponto de vista conceitual e político estratégico. Historicamente, a assistência social foi percebida dentro de uma lógica privada, ligada sempre à satisfação de uma necessidade, de uma falta material, sendo que, na dimensão pública, a vida social do indivíduo finda sendo relegada, ou seja, assistir ao outro nas suas carências e necessidades é alvo do favor, da gestão privada, do uso paternalista e político dessa política. Essa constatação tem sido objeto de inquietações, pois mexe com todo um padrão cultural vivenciado historicamente pela assistência social, razões que justificam o atual estudo pela lógica do “público” e da gerência da assistência social como política pública de direitos sociais. Nessa direção, tendo em vista que a política de assistência social vem sendo desafiada por mudanças de concepção e direcionamento, confrontando-se com um passado recente de estruturas que perduraram por muitas décadas, faz-se necessário que seja pesquisado, discutido e analisado como essa política vem sendo gerida nos municípios brasileiros. A partir dessas primeiras aproximações com o tema, foram sendo suscitadas algumas questões que contribuíram para a aproximação e a delimitação do objeto. O recorte do tema e o direcionamento para se discutir os serviços e benefícios do Sistema Único de Assistência Social, veio da aproximação inicial de discussão dessa 29 problemática na especialização em serviço social “Direitos Sociais e Competências Profissionais” no ano de 2010. Na época, priorizamos estudar a problemática em apenas um CRAS, não trabalhando a complexidade de todos os CRAS do município e na perspectiva da gestão da política. Eram questões que precisavam ser trabalhadas em outro estudo, que permitisse mais tempo e amadurecimento teórico para tanto. Dessa forma, consideramos oportuno realizar esta pesquisa neste Mestrado Acadêmico de Políticas Públicas, como forma de dar continuidade ao estudo iniciado na especialização, aprofundando teoricamente as questões suscitadas de modo a contribuir com a comunidade científica e com o processo de conhecimento. Isso porque se trata de uma problemática que envolve questões sócio-históricas e culturais de relevância para as políticas públicas que, juntamente a outros trabalhos, vem a dar visibilidade e suscitar questões, sugestões e críticas no sentido de avançar na construção de políticas de direitos universalizantes. Nessa direção, este trabalho tem como objetivo geral analisar a articulação entre os serviços e benefícios da política de assistência social em Maracanaú, centrais na constituição do SUAS. Outros objetivos a serem buscados são identificar a articulação entre os serviços e benefícios do SUAS nos CRAS e, por fim, caracterizar quais os avanços, limites e desafios para a articulação entre serviços e benefícios no CRAS de Maracanaú, campo empírico deste estudo. Para tanto, foi preciso pensar o caminho teórico-metodológico a ser seguido para alcançar tais objetivos. 1.3.2 A escolha do método, definição dos tipos de pesquisa e o processo de entrada no campo: reflexões iniciais para o desenvolvimento da pesquisa Pensar em metodologia da pesquisa é refletir sobre um caminho pelo qual se chega a um determinado resultado ou um esforço para atingir um fim, uma investigação que segue uma maneira planejada para conhecer alguma coisa. Cientificamente, a metodologia é um procedimento racional para o conhecimento, seguindo um percurso. O método não representa um caminho qualquer entre outros, mas é uma via de acesso que permite interpretar com maior coerência e correção possíveis as questões sociais propostas num dado estudo, na perspectiva abraçada pelo pesquisador (CHAUÍ, 1994). Sabemos que a escolha da metodologia no projeto de pesquisa exige muita reflexão e 30 conhecimento sobre os métodos e as técnicas que possibilitam o estabelecimento da realidade pesquisada. A partir dessa compreensão, utilizamos durante o processo investigativo métodos e técnicas que possibilitaram uma maior aproximação com a realidade estudada, entendendo que não há uma regra fechada e acabada para a pesquisa, sendo preciso dedicação, leitura para elaboração do texto. Neste estudo, o método de pesquisa escolhido foi o de natureza qualitativa e de cunho empírico. O uso de técnicas qualitativas de pesquisa vem no sentido de responder a questões muito particulares que não podem ser quantificadas, trabalhando com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, correspondendo a um espaço mais profundo das relações. Isso vai ao encontro dos objetivos desta pesquisa, onde os sujeitos, interlocutoras deste estudo, revelam-se através da fala, trazendo à tona o que eles pensam a respeito do que está sendo pesquisado a partir de suas vivências e experiências, incluindo ainda a visão de pesquisadora em relação ao problema e também o que o sujeito tem a dizer a respeito. O uso da metodologia qualitativa fez aumentar as possibilidades de descoberta e exame deste estudo, onde o sujeito se revela no discurso e na ação, como um sujeito singular. Como afirma Martinelli (1999, p.56): “Parte-se de uma perspectiva muito valiosa, porque à medida – e este é um elemento muito importante – que se quer localizar a percepção dos sujeitos, torna-se indispensável o contato direto com o sujeito da pesquisa”. Ao definir-se o método, utilizaremos ainda neste estudo, três tipos de pesquisa: a pesquisa bibliográfica, a documental e a pesquisa de campo. Os principais referenciais teóricos utilizados neste trabalho foram, principalmente, dentre outros, os estudos sobre política social de Pereira (2002), Behring (2002, 2007 e 2008) e Boshetti (2003). Sobre neoliberalismo, foram muito relevantes os estudos de Anderson (1995) e Laurell (1995). Os estudos de Silva (2007) e Mota (2009) sobre seguridade social colaboraram com as reflexões sobre essa temática. Para discussão conceitual histórica da assistência social e análise das categorias empíricas, foram relevantes os estudos de Couto, (2006), Alves (2009), Mestriner (2008) e Raichelis (2000). Mills (1980) faz observações sobre a importância da organização e formação dos arquivos. Essa organização deu-se não só durante o período de realização deste trabalho, mas vem sendo uma construção desde quando começamos a trabalhar na política de assistência social e a partir de algumas disciplinas cursadas no mestrado, onde vimos adquirindo livros, artigos, legislações pertinentes ao tema etc. 31 A pesquisa documental foi de fundamental importância, porquanto trabalhamos na pesquisa a política pública de assistência social e a gestão de serviços e benefícios do Sistema Único de Assistência Social compostas de documentos norteadores: legislações governamentais (decretos, resoluções, política nacional de assistência social, norma operacional básica, plano de assistência social municipal, relatórios de gestão e outros instrumentos de gestão). Foram utilizados documentos referentes aos anos de 2005, ano de implantação do SUAS ao ano de 2010, findando no primeiro semestre de 2011. Dentre os documentos oficiais utilizados neste estudo, destacamos a PNAS (2004), a NOB (2005), os relatórios de gestão da SASC, o diagnóstico das vulnerabilidades de Maracanaú, a resolução dos benefícios eventuais (2005 e 2010) e o protocolo de gestão integrada de serviços e benefícios e transferência de renda no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Mills (1980) convida a fazer uso de métodos e técnicas, mas sobretudo da imaginação durante o processo investigativo e a importância de coligir anotações em arquivos, desenvolvendo hábitos de autorreflexão. Nessa direção, fez parte ainda deste arquivo de documentos: fichamentos de livros, anotações de seminários, referenciais bibliográficos, transcrições do grupo de discussão e anotações em diários de campo8. E a pesquisa de campo? A busca de campo, na necessidade de selecionar formas de investigar o objeto apresentou-se como possibilidade de não só realizar uma aproximação com aquilo que desejamos conhecer e estudar, mas também de criar um conhecimento, partindo da realidade presente no campo. Ou seja, aliando a pesquisa teórica e a documental, os dados coletados no campo permitiram dar originalidade e especificidade ao estudo realizado. Assim, a pesquisa empírica foi realizada junto aos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) através do órgão gestor da política de assistência social de Maracanaú, a Secretaria de Assistência Social e Cidadania. A escolha pelo campo foi conduzida pelo objeto da pesquisa, onde se fez necessário investigar no local em que são geridos e executados os serviços e benefícios da política de assistência social, ou seja, o CRAS. E por que no CRAS de Maracanaú? Como já fora explicitado anteriormente, outro critério para a escolha foram as condições e possibilidades para se realizar a pesquisa, visto que este local permitia que eu pesquisasse e tivesse acesso a documentos, relatórios, dentre 8 O diário de campo é pessoal e intransferível. Sobre ele o pesquisador se debruça no intuito de descobrir detalhes que no seu somatório vai congregar os diferentes momentos da pesquisa (CRUZ NETO, 1996, p. 63). 32 outros fatores. A entrada no campo se deu através do contato direto da pesquisadora com uma das gestoras da secretaria, no mês de junho de 2010, para apresentar o projeto de pesquisa, dar esclarecimentos e buscar o apoio para a realização do trabalho empírico. Após esse contato, quando foi autorizada a realização da pesquisa, falamos com a coordenadora da proteção social, uma das entrevistadas da pesquisa e chefe imediata das demais entrevistadas, coordenadoras dos CRAS, para convidá-la a participar da pesquisa e agendar uma data para que pudéssemos realizar as entrevistas. É importante destacar que houve uma boa receptividade com a pesquisadora, tal como quanto à disponibilização de documentos da instituição. 1.3.3. Descobertas e dificuldades do trabalho de campo: da escolha e aplicação dos instrumentais de coleta de informações à análise dos dados da pesquisa Dando continuidade à discussão da metodologia, após falar sobre a entrada no campo iremos debater as descobertas e dificuldades do trabalho de campo. Nos meses de julho e agosto de 2010, realizamos diversas visitas exploratórias no campo, principalmente para coleta de dados da pesquisa documental e primeiro contato com as entrevistadas da pesquisa. Para a realização do trabalho de campo, vale ressaltar a importância das principais “faculdades do entendimento”: o olhar, o ouvir e o escrever. Essas são três etapas de apreensão dos fenômenos sociais, tematizando-os, o que significa dizer questionando-os como algo merecedor de reflexão no exercício da pesquisa e da produção do conhecimento. “Enquanto no olhar e no ouvir disciplinados a saber, realiza-se nossa percepção, será no escrever que o nosso pensamento exercitar-se-á” (OLIVEIRA, 2000, p. 20). Acerca do “olhar”, o autor ressalta a importância da “domesticação” teórica da visão do pesquisador de campo; já o ato de ouvir tem de estar preparado para eliminar todos os ruídos que lhe pareçam insignificantes – principalmente no momento da entrevista, superando a dificuldade entre o mundo do pesquisador e o do pesquisado ou a realidade que se tenciona penetrar, buscando relação dialógica entre eles ou, segundo Oliveira (2000), diálogos entre iguais. Essa reflexão se fez muito pertinente ao trabalhar neste estudo o grupo de discussão, que será abordado mais adiante, como escolha de instrumento de coleta de dados. Por fim, em relação à atividade de escrever, o autor expressa que esta passa a ser 33 parte quase indissociável do pensamento, uma vez que o ato de escrever é simultâneo ao de pensar, pois o escrever está presente no campo, ao se fazer o diário, como as anotações e impressões, e também depois de organizadas as observações, durante a elaboração da narrativa em sua textualização dos resultados da pesquisa. Tendo em vista as reflexões ora realizadas, utilizamos dentro da pesquisa qualitativa como instrumentos durante a pesquisa de campo: a entrevista semiestruturada e o grupo de discussão. Como instrumento principal de coleta de dados, utilizamos a entrevista semiestruturada, a qual é definida como uma técnica utilizada no trabalho de campo, fornecendo dados secundários e primários, referente aos objetos de pesquisa, ideias, crenças, maneiras de pensar e opiniões como um meio de obter respostas. A entrevista foi constituída por uma série ordenada de perguntas referentes a um tema. Como instrumento de coleta de dados, está submetido aos cânones do método científico, um dos quais é a busca de objetividade, ou seja, é a tentativa de cooptação do real, sem contaminação indesejável nem por parte do pesquisador nem de fatores externos (HAGUETTE, 2001). A construção da entrevista semiestruturada se deu a partir de temaschave norteados pelos objetivos da pesquisa. A escolha por esse instrumento foi definida a partir da demanda do campo que se apresentou muito dinâmica, onde encontramos dificuldades em abordar as interlocutoras da pesquisa na hora do trabalho. Logo aos primeiros contatos para definirmos as datas da entrevista, já colocavam a questão de não haver a privacidade para realizar a pesquisa e de que seríamos constantemente interrompidas. Essas questões são aparentemente simples, mas fazem toda a diferença na hora do desenvolvimento do trabalho. Outra questão ainda para escolha deste instrumental foi o fato de que nele foram solicitadas algumas informações que as interlocutoras não poderiam responder de imediato. Foram as questões objetivas, que solicitavam dados e informações dos CRAS e que precisavam ser buscadas junto ao registro de informações dos centros, como por exemplo: qual o benefício mais solicitado? As famílias procuram hoje o CRAS na solicitação do benefício ou do serviço? Vale ressaltar que, para as interlocutoras que trabalham na gestão, o roteiro não incluiu as questões objetivas, as quais diziam respeito às interlocutoras que trabalhavam diretamente na operacionalização e execução da política, no caso, as coordenadoras do CRAS. A construção da entrevista se deu a partir da elaboração de um roteiro, onde primeiro 34 estabelecemos temas gerais (política social, assistência social, SUAS, serviços e benefícios), de acordo com os pressupostos teóricos deste estudo e consoante o objetivo geral da pesquisa. Depois formulamos as perguntas que foram dispostas por bloco, segundo cada tema – aqui se deram as questões subjetivas do instrumental. Em outro bloco de questões, foram relacionadas às objetivas que foram necessárias para captar alguns dados relevantes para compreensão do objeto e para estabelecer interlocuções com os dados obtidos. O roteiro era composto, ainda, com um bloco inicial de perguntas para compor o perfil das interlocutoras da pesquisa (ver apêndice). Como não era possível prever todas as situações no trabalho do campo, encontramos algumas dificuldades para a aplicação da entrevista. Para que não houvesse disparidades no tempo de realização da pesquisa, agendamos com as interlocutoras previamente; porém, nem todas as participantes cumpriram com o prazo, o que ocasionou um pequeno atraso no planejamento de tempo para realizar o trabalho de campo. Nessa direção, esse instrumento precisou ser reformulado e readaptado durante o processo do trabalho de campo. A escolha para utilizar a técnica de coleta de dados, grupo de discussão, veio no sentido de ampliar e aprofundar a comunicação entre o pesquisador e as interlocutoras da pesquisa. Segundo Minayo (1996), essa estratégia de coleta de dados é utilizada para focalizar a pesquisa, formular questões mais precisas, complementado, no caso deste estudo, os dados coletados na entrevista e suscitando questões que podem se apresentar a partir da relação e interação do grupo com o pesquisador. Jordão (1994, p. 48) coloca que o objetivo desse instrumento é explorar as "possibilidades da dinâmica da interação das pessoas numa situação artificialmente criada que permita verbalizações espontâneas". A autora afirma que essa técnica se baseia em grupos homogêneos, ou seja, os participantes devem possuir características comuns (socioeconômicas ou outras), no caso, as coordenadoras e gestoras da política. A dinâmica desta técnica assegura, de acordo com a autora, trocas e conflito de opiniões, importantes para a obtenção de respostas para o problema investigado, e cada membro expressa livremente as suas opiniões. [...] a opinião do grupo não é a soma de opiniões individuais, mas o produto de interações coletivas. A participação de cada membro dá-se de forma distinta, mas as falas individuais são produto da interação mútua [...]. Dessa forma as opiniões de grupo cristalizam-se como totalidade das posições verbais e não-verbais. As ‘opiniões de grupo’ dizem respeito às orientações coletivas oriundas do contexto social dos indivíduos que participam em uma pesquisa: os entrevistados passaram a ser vistos, a partir de então, como representantes do meio social em que vivem e não apenas como detentores de opiniões (MANGOLD apud WELLER, 1996, p. 241) [grifos da autora]. 35 Agendamos previamente com as participantes, sendo convidadas para participar do grupo as mesmas interlocutoras que responderam às entrevistas; porém, das oito interlocutoras só participaram seis. O local escolhido para realização do grupo foi no auditório de um setor da Secretaria de Assistência Social disponibilizado pela coordenadora. Para aplicação dessa metodologia, além da organização da estrutura e convites aos participantes, preparamos anteriormente os temas de discussão e a dinâmica a ser utilizada. Repetimos algumas questões do roteiro da entrevista para perceber e levantar dados a partir da interação entre os participantes. Iniciamos o momento com a apresentação e explicação dos motivos da pesquisa e da escolha daquele grupo, tal como esclarecemos questões relacionadas à ética do pesquisador e garantia do sigilo das respostas. Após estabelecido esse primeiro estágio de interação, iniciamos o grupo de discussão. A primeira questão levantada pelo pesquisador, por ser a primeira, gerou alguns segundos de silêncio, o que foi quebrado por uma interlocutora. Após esse momento, o grupo foi se soltando aos poucos. Apesar de a investigação qualitativa permitir abertura e flexibilidade, optamos seguir o roteiro; porém, deixamos o grupo à vontade na hora da discussão, onde cada uma colocavase aleatoriamente no debate das questões. A pesquisadora intervinha em momentos onde se começava a distanciar do tema foco, como também deixamos discutir questões não previstas no roteiro, mas que se referiam ao objeto de estudo. Durante esse momento, utilizamos o diário de campo para relatar percepções e tópicos importantes que iam sendo suscitados pelas interlocutoras, tal como registrava impressões, interrupções etc. Fizemos uso ainda do gravador, que fora autorizado pelas participantes. Após o término, concluímos as observações no diário de campo. Obtidos todos os dados coletados, eles foram organizados para que pudessem ser analisados e interpretados. Para tanto, fizemos uso das orientações trazidas por Minayo (2008), que enumera algumas etapas desse processo de análise. A ordenação dos dados neste estudo se deu a partir da compilação dos dados existentes: da pesquisa documental (relatórios, documentos oficiais etc.) e da pesquisa bibliográfica e os dados levantados no campo (entrevista e grupo de discussão). Nessa fase, em específico, organizamos esses instrumentais da seguinte forma: utilizamos a transcrição da gravação do grupo de discussão e ordenamos por questões-tema, de acordo com o roteiro elaborado. E, quanto às entrevistas, reunimos as falas por blocos de 36 acordo com cada questão elaborada. Esse processo exigiu ainda a releitura do material. A fase que a autora chama de classificação dos dados foi o momento de construção da relação dos dados da pesquisa bibliográfica com os dados da pesquisa de campo. Nessa fase, após a organização dos dados, percebemos que emergiram a partir do trabalho de campo outras categorias, as quais podemos chamar de categorias empíricas que precisaram ser relacionadas com as categorias centrais deste trabalho. Esse processo de articulação das categorias empíricas com as gerais requereu sucessivas aproximações com a base teórica do pesquisador com os resultados por ele investigado. (MINAYO, 1994). A análise final “faz uma inflexão sobre o material empírico [...] esse movimento incessante que se eleva do empírico para o teórico e vice-versa” (MINAYO, 1994, p. 236). Para tanto, foi preciso a análise dos dados, das falas e discursos em um processo de reflexão e apreensão dos textos, dos sentidos das falas dentro de uma proposta de reflexão e problematização crítica desses dados. Entendemos que o resultado apresentado é provisório, mas permitiu um encontro com as especificidades do objeto – não em sua totalidade, mas nas relações essenciais no exercício da pesquisa, que não é uma atividade fácil. Essa relação empiria-teoria, relação imprescindível para se discutir o objeto, conduziu-nos ao processo do conhecimento. A conclusão da pesquisa nos leva a refletir, tendo em vista o objeto de estudo tratar-se de políticas públicas, sobre propostas, indicações para se pensar em novas possibilidades de ações, planejamento, avaliação, ou seja, repensar práticas como contribuição para conhecimento dessas políticas. 1.3.4 Escolha e caracterização das interlocutoras da pesquisa Primordialmente, como não buscamos medidas estatísticas e sim nos aproximar de vivências, trabalhamos não com amostras aleatórias – daí por que escolhemos o grupo com o qual realizamos a pesquisa, trabalhando na perspectiva de sujeito coletivo, no sentido de que aquela pessoa que está sendo convidada a participar tenha uma referência grupal, expressando de forma típica conjunto de vivências de seu grupo (MARTINELLI, 1999). Nessa direção, escolhemos trabalhar com as operadoras da política, as trabalhadoras da política de assistência social, tendo em vista que perpassa pelo objetivo da pesquisa investigar como estão sendo trabalhados, organizados e geridos os benefícios e serviços socioassistenciais na perspectiva da gestão dessa integração. Para dar representatividade a esse grupo de trabalhadoras, escolhemos como sujeitos desta pesquisa seis coordenadoras dos 37 CRAS, a gestora da política de assistência social e a coordenadora da proteção social, ou seja, as técnicas que trabalhavam na execução da política e as que trabalhavam na gestão. A escolha desse universo se deu pelo entendimento de que, segundo Minayo (1996), a compreensão de mundo se dá a partir do estoque de experiências pessoais de outros, isto é, de companheiros, sucessores contemporâneos. Portanto, cada ator social tem um conhecimento de sua experiência e atribui relevância a determinados temas, aspectos ou situações, de acordo com sua própria história anterior, fazendo sua definição de situação. Assim, não só age como atribui significados portadores de relevâncias à sua ação. O contato com as demais entrevistadas da pesquisa, no caso, as coordenadoras dos CRAS, deu-se por telefone, primeiramente, quando agendamos a entrevista. Ao todo foram oito entrevistadas a participar da pesquisa, todas com nível superior. Perfil das entrevistadas: ENTREVISTADA 1: Graduada em serviço social, possui pós-graduação também em serviço social: direitos sociais e competências profissionais. É servidora estatutária, trabalha no município há cinco anos, estando na função de coordenadora de CRAS há quatro anos. Como gestora de políticas públicas, considerou que apreendeu as seguintes habilidades: visão crítica da realidade, conhecimento sobre legislação social, saber fazer diagnóstico, liderança, realizar mediações, dinamismo etc. ENTREVISTADA 2: Graduada em serviço social, possui pós-graduação em serviço social, políticas públicas e direitos sociais. É servidora estatutária, trabalhando há seis anos no município. Não participa de nenhum conselho de direitos. Como gestora de uma política pública, considera-se participativa, atualizada no que se refere à política de assistência social e gosta de participar dos espaços de diálogo e discussão sobre a política no município. ENTREVISTADA 3: Graduada em serviço social, possui pós-graduação na área de infância e adolescência. É servidora estatutária, trabalhando há dois anos no município, tendo três anos de experiência na função que exerce. Participa do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente. Como gestora de uma política pública, considera-se comprometida, estudiosa, dinâmica, flexível. As principais habilidades são: capacidade de organização, de articulação e liderança. ENTREVISTADA 4: Graduada em serviço social, especialista em gestão e planejamento de políticas públicas e mestrado em educação, exerce cargo comissionado, estando há seis anos na função que exerce. Como gestora de uma política pública, considerase aberta ao diálogo, defensora da democratização da política pública e consciente do papel do município na construção da política. As principais habilidades aprendidas foi que existe um 38 novo paradigma da gestão das políticas públicas: o de ampliar os espaços de diálogo com os sujeitos locais. ENTREVISTADA 5: Graduada em serviço social, especialista em psicopedagogia, é servidora estatutária, trabalha no município há cinco anos, estando há dois anos na função que exerce. Como gestora de uma política pública, considera suas principais características: mediação de conflitos e atitude crítica. A principal habilidade aprendida foi a melhor apreensão da política pública, especificamente a de assistência social. ENTREVISTADA 6: Graduada em serviço social, é funcionária com contrato temporário. Trabalha no município há cinco meses, estando no mesmo período na função que exerce. ENTREVISTADA 7: Graduada em serviço social, possui pós-graduação, é servidora com cargo comissionado, trabalha no município há um ano, estando há um ano na função que exerce. Como gestora de uma política pública, considera suas principais características: organização, conhecimento em administração pública e recursos humanos. ENTREVISTADA 8: Graduada em serviço social, especialista em políticas públicas, é servidora estatutária, trabalha no município há seis anos, estando há cinco meses na função que exerce. Como gestora de uma política pública, considera suas principais características: comprometimento, organização e dinamismo. É interessante destacar que, de acordo com a orientação do SUAS, os municípios deverão investir em funcionários de carreira concursados para fortalecer a consolidação do SUAS. Segundo a NOB/SUAS, a baixa rotatividade permite a continuidade e a eficácia dos serviços oferecidos. Os números coletados nas entrevistas demonstram que seis das interlocutoras são servidoras estatutárias e seis já trabalham na função há mais de dois anos. A vinculação institucional dos funcionários que executam a política de assistência social e a baixa rotatividade reflete diretamente na relação do profissional com a população usuária e com a rede socioassistencial, ONGs e lideranças comunitárias, permitindo que os técnicos que trabalham há muito tempo no território tornem-se técnicos de referência para aqueles. Em relação ao grau de instrução, temos que todas interlocutoras que estão em cargos de coordenação são de nível superior, sendo que sete possuem especialização e uma possui mestrado. A formação e a qualificação garantem maior qualidade aos serviços prestados à população usuária. No próximo capítulo, iremos nos deter à análise da trajetória da política de assistência social no caminho da construção de uma política pública de direitos. 39 2. A TRAJETÓRIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NA AFIRMAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE DIREITOS: UM DEBATE NECESSÁRIO 2.1 Políticas sociais, neoliberalismo e assistência social: perspectivas históricas e contemporâneas Para discutirmos o tema “política de assistência social”, percorreremos o caminho que perpassa a discussão conceitual e histórica da política social e do sistema de proteção social brasileiro. A partir dessas primeiras aproximações, buscaremos compreender como ela foi se consolidando como uma política de proteção social no marco das políticas públicas brasileiras. Discutir política social torna-se um desafio, tendo em vista a amplitude do tema e a vasta bibliografia que o discute sob diversas perspectivas. Para fins deste trabalho, discutiremos a política social em dois momentos: um que se refere à política social e o welfare state, sendo este considerado por muitos autores um marco histórico para se discutir a origem e conteúdo da política social (PEREIRA, 2008), e a política social na contemporaneidade no marco do neoliberalismo e na realidade brasileira. Segundo Behring e Boschetti (2007), as políticas sociais se gestam em um momento em que o capitalismo está ascendendo com a revolução industrial; as lutas de classe e a intervenção estatal estão se desenvolvendo. Aqui se conforma o Estado liberal9, e se generalizam após a 2ª Guerra Mundial no período do capitalismo monopolista10. É importante destacar, antes de darmos continuidade à discussão a partir desses marcos referenciais destacados acima, que as sociedades pré-capitalistas, segundo Behring e Boschetti, assumem algumas responsabilidades sociais para manter a ordem social e punir a vagabundagem (2007, p. 48), sendo a caridade privada, as ações de filantropia e outras ações pontuais as protoformas das políticas sociais. São exemplos dessas ações algumas legislações sociais pré-capitalistas, de cunho punitivo e restritivo como a Poor Law (1601)11: 9 O Estado liberal constitui-se a partir das lutas contra o absolutismo e teve papel central de mediador, funcionando restritamente, delegando a discussão dos direitos para a órbita do mercado e do exercício livre do sentimento humanitário inerente aos homens, para que o mercado pudesse cumprir sua tarefa e promover o desenvolvimento do bem-estar em geral (CARNOY apud COUTO, 2006, p. 61). 10 Segundo Cruz Neto (1996), o capitalismo monopolista recobra o patamar mais alto do sistema totalizante de contradição que confere à ordem burguesa os seus traços basilares de exploração, alienação. O autor destaca algumas características desse período: a era dos monopólios potencializou as contradições do capitalismo; a sociedade burguesa se consolida como madura; o objetivo primário é o acréscimo dos lucros capitalistas através do controle dos mercados; a taxa de acumulação se eleva; cresce a tendência a economizar trabalho “vivo” com introdução de novas tecnologias; a maximização dos lucros pelo controle dos mercados e o aumento do fluxo de afluência de trabalhadores ao exercito industrial de reserva. 11 Por esta lei, os pobres abdicaram de seus direitos civis e políticos em troca de sua manutenção pela coletividade. Por 40 [...] estas regulamentações tinham alguns fundamentos em comum: estabelecer o imperativo do trabalho para sobreviver; obrigar o pobre a aceitar qualquer trabalho que fosse oferecido; regular a remuneração do trabalho, de modo que o trabalhador pobre não poderia negociar formas de remuneração; proibir a mendicância dos pobres obrigando-os a se submeter aos trabalhos oferecidos (BEHRING apud CASTEL, 2007, p. 32). Nessa direção, pontuamos que as políticas sociais emergem dentro de um contexto da grande crise do capital que aconteceu nas primeiras décadas do século XX: a crise de 1929, conhecida como Grande Depressão. Nesse período, as políticas sociais se desenvolveram lentamente. No final do século XIX e início do século XX, os ideários do liberalismo de individualismo, predomínio da liberdade, naturalização da miséria e manutenção de um estado mínimo deram um ritmo mais lento para o desenvolvimento de políticas sociais, pois, segundo este ideário (BEHRING; BOSCHETTI, 2007), o Estado não deveria garantir políticas sociais, já que estas contribuem para a reprodução da miséria; a política social deve ser um paliativo, voltada para alguns indivíduos (criança, idosos e deficientes). Porém, é durante esse período que há um aumento de lutas e organização da classe trabalhadora e reconhecimento dos direitos civis e políticos na Europa, sendo que o surgimento das políticas sociais aconteceu “de forma gradual e diferenciada entre os países, dependendo dos movimentos de organização e pressão da classe trabalhadora, do grau de desenvolvimento das forças produtivas e organização da classe trabalhadora” (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 64). Tal crise consolida-se no cenário político da década de 1930, marcado por grandes transformações, dentre as quais se destacam o crescimento do movimento operário, que passou a ocupar os espaços políticos e sociais, o processo de monopolização do capital12 e a contestação ao sistema de autorregulação do mercado (laissez-faire), que defendia a necessidade da intervenção do Estado, inclusive no campo econômico. Tal contestação se expressa nas proposições de Keynes13, a partir de um conjunto de medidas anticrise14 meio de uma taxa, paga pelos cidadãos, e com a preocupação de que os pobres representavam um problema para a ordem pública e de higiene para a coletividade, o tratamento deveria ser feito em paróquia, que tinha a tarefa de controlá-los. 12 Segundo Cruz Neto (1996), para que o capitalismo monopolista se efetive com êxito, ele demanda mecanismos de intervenção que exigem um redimensionamento do Estado. Tal intervenção: incide na organização e na dinâmica econômica de forma continua e sistemática; atua como instrumento de organização econômica; e função estatal a preservação e o controle contínuo da força de trabalho, ocupada e excedente. Tal intervenção se deu com a institucionalização das políticas sociais que teve sua funcionalidade ligada aos objetivos político-econômicos do capital, pois teve como objetivo escamotear o funcionamento da desigualdade social, inerente ao sistema capitalista, por meio do controle da questão social. 13 Keynes (1833 – 1946) propôs a mudança da relação do Estado com o sistema produtivo, rompendo com princípios do liberalismo (BEHRING, 2007, p. 84). Foi um economista inglês que, através de sua obra “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda” (1936), obteve uma expressão teórica e intelectual relevante por apresentar saídas para superar a crise de 1929. 41 sustentadas pelo Estado. Dentre elas se incluem as políticas sociais: A grande novidade e principal característica do capitalismo monopolista é a discussão do papel do Estado. Este, retirando parte crescente do produto social por meio de impostos diretos e indiretos que incidem primordialmente sobre os assalariados, intervém ostensivamente no processo econômico, financiando a aquisição dos meios materiais de produção pelos grandes grupos industriais (BEHRING, 2002, p. 33). O welfare state ou estado de bem-estar social veio tentar fazer frente a um cenário de crise econômica causada pela recessão, desemprego e acirramento das desigualdades sociais. Vale destacar que os pilares do welfare state foram construídos a partir da solidariedade social, nascida da guerra, da resistência em torno dos objetivos que buscaram incorporar o proletariado e outros segmentos subalternos aos novos empregos produtivos, à cidadania e às instituições estatais. Esse projeto, ainda segundo Behring (2002), buscou modificar as forças do mercado em três direções: garantir às famílias uma renda mínima, restringir questões de inseguranças, colocando as famílias para fazer frente a questões como velhice, desemprego, dentre outros, e assegurar aos cidadãos uma gama de serviços sociais. Os estudos de Harvey (1994) acerca das transformações políticas, econômicas e sociais no período pós-Segunda Guerra Mundial nos ajudam a entender melhor as questões que se apresentaram nesse período: O Estado teve de assumir novos papéis e construir novos poderes institucionais; o capital corporativo teve de ajustar as velas em certos aspectos para seguir com mais suavidade a trilha da lucratividade segura; e o trabalho organizado teve de assumir novos papéis e funções relativos ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processos de produção. O equilíbrio de poder, tenso mesmo assim firme, que prevalecia entre o trabalho organizado, o grande capital corporativo e a Nação-Estado, e que formou a base da expansão de pós-guerra, não foi alcançado por acaso – resultou de anos de luta (HARVEY, 1994, p. 125). Os processos de produção ao qual o autor faz referência acima dizem respeito ao sistema de produção fordista que relacionava produção em massa com consumo de massa e propunha um novo sistema de reprodução da força de trabalho, baseado em uma nova política Keynes tornou-se um homem público e de negócios, foi presidente do Banco Central e negociador do Tratado de Versalhes (assinado em novembro de 1918 pelas potências europeias, que após seis meses de negociação encerrou oficialmente a 1º Guerra Mundial). 14 Foram medidas que visavam a amortecer a crise de superprodução, superacumulação e subconsumo, segundo Behring (2007). 42 de gerência e controle. Behring (2007) coloca que o keynesianismo e o fordismo, associados, constituem os pilares do processo de acumulação acelerada de capital pós-1945. Behring (2002), em seu livro “Política social no capitalismo tardio”, enfatiza que a política keynesiana, ao elevar a demanda global, ao invés de evitar a crise, vai apenas amortecê-la por meio de alguns mecanismos, que seriam impensáveis pela burguesia liberal: planificação da economia para se evitar riscos, política salarial e de controle de preços, política fiscal, política de juros, políticas sociais etc. Porém, esse período, também conhecido como “anos de ouro do capitalismo”, começa a entrar em crise a partir da década de 1960: as dívidas públicas e privadas crescem, as altas taxas de inflação surgem, a ampliação da estrutura etária da população torna-se uma nova demanda para as políticas sociais, a absorção das novas gerações do mercado de trabalho se restringe devido às novas tecnologias que estavam surgindo, “poupando” mão de obra e diminuindo as expectativas do pleno emprego. Essa crise financeira resultou no limite da capacidade de financiamento das políticas sociais pelo Estado: [...] o sonho do pleno emprego e cidadania relacionado à política social havia terminado no capitalismo central e comprometido na periferia do capital, onde nunca se realizou efetivamente. As elites políticas econômicas, então, começaram a questionar e a responsabilizar pela crise e atuação agigantada do Estado, mediador civilizador, especialmente naqueles setores que não revertiam diretamente em favor dos seus interesses (BEHRING, 2007, p.103). Nesse período, começou a ganhar força no cenário mundial a perspectiva do neoliberalismo. Para Perry Anderson (1995), o neoliberalismo nasceu como uma reação teórica e política ao modelo de desenvolvimento centrado na intervenção do Estado, que considerava essa intervenção a principal causa da crise no sistema capitalista de produção. Segundo o autor, os neoliberais passaram a atacar qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado: Os neoliberais defendem uma programática em que o Estado não deve intervir na regulação do comércio exterior, nem na regulação dos mercados financeiros, sustentam a estabilidade monetária como meta suprema, o que seria assegurado mediante a contenção de gastos sociais e manutenção de “uma taxa “natural” de desemprego, associados a reformas fiscais, com redução de impostos para altos rendimentos, ou seja, um Estado forte para romper com o poder dos sindicatos e parco para os gastos sociais. (ANDERSON, 1995) Para Laurell (1995), a solução para a crise segundo os neoliberais consiste em: reconstituir o mercado, a competição e o individualismo; eliminar a intervenção do Estado na 43 economia, tanto nas funções de planejamento e condução quanto como agente econômico direto, através da privatização e desregulamentação das atividades econômicas; reduzir as funções relacionadas com o bem-estar social, onde isso pertencia ao âmbito privado, sendo que as suas fontes naturais são a família, a comunidade e os serviços privados (atender só os indigentes), fazendo oposição à universalidade, à igualdade e à gratuidade dos serviços sociais. Conforme exposto acima, o neoliberalismo nasceu como uma reação teórica, mas sua hegemonia só ocorreu no final dos anos de 1970, quando seus princípios se materializaram nas propostas de governo de diversos países da Europa (1979, no governo Thatcher) e dos EUA (1980, no governo Reagan). Therborn (1995) traz contribuições importantes para a compreensão do neoliberalismo sobre as condições que definem a dinâmica do capitalismo contemporâneo. Segundo o autor, até meados de 1970, o capitalismo se defrontou com a expansão dos Estados e mercados. No entanto, o final dos anos de 1970 e os anos de 1980 se configurariam como uma “virada histórica”. Esse período repercutiu em profundas transformações sociais, econômicas, políticas e do trabalho no plano internacional, ocasionando redimensionamento do papel do Estado e das políticas públicas. Houve um processo de desindustrialização relativa, ou seja, o peso do trabalho industrial diminuiu e essas indústrias absorviam grande parte da mão de obra que existia. Houve a introdução de novas modalidades de produção, com o desenvolvimento de tecnologias mais flexíveis15: É marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalhos, dos mercados de trabalho, dos padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças nos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas (1995, p. 140). O aspecto mais “dramático” considerado por Therborn (1995) foi a grande expansão dos mercados financeiros16. Esses mercados são muito competitivos, impactando na relação 15 Regime de produção que se contrapôs à rigidez do fordismo - acumulação flexível, marcado por um processo de flexibilização da produção e dos contratos trabalhistas, gerando desemprego estrutural, bem como acirramento das desigualdades sociais (HARVEY, 1994). 16 Segundo Iamamoto (2009), a financeirização ocorre com a preferência do capital em aplicações financeiras em 44 entre Estado e mercado. Segundo o autor, os Estados nacionais chegaram a ser bem menores que o mercado financeiro mundial, passando aqueles a depender da confiança dos mercados para implementar grande parte das políticas estatais. Fazendo um paralelo de como as políticas sociais eram tratadas durante o welfare state e depois da reestruturação produtiva, podemos destacar que, durante o primeiro período, houve investimento e expansão dessas políticas e dos direitos sociais, principalmente àqueles ligados ao trabalho (seguro-desemprego, aposentadoria, pensões) e às políticas de saúde, educação e assistência social. Por conseguinte, o modo de produção flexível provocou impactos negativos sobre o trabalho, dentre os quais podemos destacar: desemprego de longa duração, precarização das relações de trabalho, ampliação das ofertas de emprego intermitente, em tempo parcial, temporário, instáveis, não associados a direitos. Nessa direção, alguns autores concordam que, ao invés de ações preventivas e eventualmente redistributivas, o neoliberalismo produziu um retrocesso com o agravamento das desigualdades sociais. Anderson (1995) traz uma reflexão importante quando discute que o neoliberalismo não resolveu a crise do capitalismo, não alterou o índice de recessão e o baixo crescimento econômico teve efeito negativo nas condições de vida da classe trabalhadora, mas tal projeto continuou a demonstrar dinamismo que não se esgota nem com as grandes recessões e crises. Nessa direção, após apresentação desse cenário do neoliberalismo e das políticas sociais, adentraremos na realidade e nas particularidades das políticas sociais no contexto brasileiro, destacando a condução e intervenção do Estado nelas e em específico na seguridade social em um de seus pilares, a política de assistência social. Segundo Laurell (1995), a adoção de políticas neoliberais como programa de governo tem suas particularidades: depende da trajetória e ritmo de cada país; contam as condições políticas particulares. No caso da América Latina, as estratégias concretas para implantação dessa política foram: corte dos gastos públicos, privatizações17, centralização dos gastos sociais públicos18 em programas seletivos contra a pobreza, descentralização19. detrimento de aplicações produtivas. Seus principais agentes são os grupos industriais transnacionais, investidores institucionais (bancos, companhias de seguro, fundos de pensões etc.) se tornam acionários e interferem no ritmo dos investimentos das empresas, nas repartições das receitas, na definição das formas de emprego e gestão da mão de obra etc. 17 A privatização é o objetivo central, porém só interessa na medida em que a administração de fundos e a produção de serviços possam se converter em atividades econômicas rentáveis. 18 Segundo Laurell (1995), sobre a centralização dos gastos sociais públicos em programas seletivos contra a pobreza, pode-se dizer que esses programas têm um objetivo oculto: assegurar uma clientela política em substituição ao apoio popular 45 Na América Latina, os ideários neoliberais começaram a se incorporar nos programas de governo primeiramente no Chile (1973), depois na Argentina e no Brasil a partir de 1990, no governo Fernando Collor. Em relação à realidade brasileira, esse fato torna-se paradoxal tendo em vista estarmos saindo de uma década de reformas políticas, no que concerne à ampliação da democracia, com o fim da ditadura, um processo de lutas históricas que culminou com a Constituição de 1988. Nessa direção, pensar a política social na sociedade brasileira requer também situá-la num processo histórico, social, econômico e político para lhe conferir sentido e significado na contemporaneidade. Nesse sentido, destaco algumas particularidades presentes na formação social brasileira que interferiram diretamente na condução e compreensão dessa política. 2.2. A política de assistência social no Brasil: um recorte A colonização no Brasil imprime até hoje uma tendência ou uma relação de dependência aos países capitalistas centrais. O colonialismo e o imperialismo são momentos de um sentido geral da formação brasileira: uma sociedade e uma economia que se organizavam para fora (PRADO, 1991). O peso do escravismo na sociedade brasileira é outro exemplo que interfere diretamente nas relações sociais e condições de trabalho carregado até hoje de desqualificação. Outra característica é o desenvolvimento desigual e combinado que caracterizou uma formação social de ritmos irregulares, desencontrados, e contraditórios. O Brasil capitalista moderno seria então um presente que se acha impregnado de vários passados (IANNI apud BEHRING, 2007), em função da nossa via não clássica do processo de transição para o capitalismo20, ou seja, uma passagem de um modo de produção primitiva para o feudalismo e, finalmente, a transição para o capitalismo. Em meio a esses processos, aconteceram as revoluções Industrial e Francesa, as revoluções burguesas. Essas heranças foram por demais marcantes, pois estruturaram uma sociedade em baseado num pacto social amplo, impossível de se estabelecer no padrão das políticas neoliberais . 19 De acordo com Laurell (1995), a descentralização neoliberal não tem por objetivo democratizar a ação pública, mas principalmente permitir a introdução de mecanismos gerenciais e incentivar processos de privatização, deixando em nível local a decisão a respeito de como financiar, administrar e produzir os serviços. 20 Caio Prado Júnior percebe essa transição a partir da substituição lenta do trabalho escravo pelo “trabalho livre” nas grandes unidades agrárias, “numa complexa articulação de progresso” (adaptação ao capitalismo) e conservação (permanência de importantes elementos da antiga ordem: passado colonial e escravista, cuja herança é composta de uma profunda desigualdade, na distribuição de bens e serviços produzidos na sociedade). 46 cima de privilégios que em pleno século XXI ainda não foram superados: patriarcalismo, paternalismo, patrimonialismo, a ideologia do mando e do favor, que trazem implícitos as relações de subordinação e dos serviços pessoais. José de Sousa Martins (1994) nos ajuda a compreender o processo de modernização conservadora que articula progresso a um ritmo lento às transformações operadas, de modo que o novo surja com o desdobramento do velho. Essas proposições rebatem nas alternativas que historicamente o Estado brasileiro propôs, através das políticas sociais. Adentrando a discussão da política de assistência social, a história do reconhecimento desta como política pública é bem recente e teve uma trajetória de muitos obstáculos, contradições e avanços, sendo que o conservadorismo se faz presente nessa trajetória. São muitas heranças que precisam ser rompidas e ressignificadas. Como exemplo, trago algumas falas das interlocutoras para que possamos visualizar a relação entre a proposta atual para a assistência social trazida pelo SUAS e as questões históricas vivenciadas por essa política: Com o SUAS houve visibilidade da política de assistência social como garantidora de direitos, quebra do paradigma assistencialista e clientelista, elaboração de normativas (PNAS, NOB/SUAS, NOB/RH), criação de campo de trabalho para diversos trabalhadores sociais e a implementação de estruturas físicas descentralizadas como CRAS e CREAS (Entrevistada 5). A cultura política ainda é conservadora. Mesmo a gente descentralizando a oferta dos serviços nos territórios, você ainda vê o acesso como uma questão caritativa, isso está no jeito de fazer. Existe uma diferença entre o normatizado e a realidade, a dinâmica real. A dinâmica real ainda não está compatível com o que preconiza o SUAS, ainda tem divergência e conflito com as forças instituintes da assistência social, que são os usuários, os trabalhadores. Então, ainda não há uma unidade entre a norma, que é aquilo que o SUAS prevê, e a realidade dos territórios. O usuário ainda procura a assistência social como sendo caridade. (Entrevistada 8) Ao analisar o conjunto das falas, percebemos que, apesar das positivações e motivações acerca do sistema, como nos coloca a primeira fala da entrevistada 5, sabe-se que o SUAS ainda se encontra em consolidação e não houve uma quebra com o paradigma anterior. Na prática, o assistencialismo ainda persiste, como nos coloca interlocutora 8. Sabe-se que anos de práticas na assistência social caracterizadas por clientelistas, tuteladoras e fragmentadas faz com que haja conflitualidades permeadas pelo senso comum, que se revelam não só em práticas, como também em discursos, distanciando-se da perspectiva de política pública de direitos e reforçando o conservadorismo na política de assistência social. Tal perspectiva se acentua à medida que o Sistema Único de Assistência 47 Social avança em normatizações – mas a implementação delas não acompanha o mesmo ritmo, o que pode reiterar antigas práticas. Percebemos ainda que a cultura do benefício na assistência está muito presente, principalmente no imaginário dos usuários da política, que precisam participar de forma efetiva na política, para conhecer, discutir e propor sobre o SUAS. Sem a participação do usuário, dificulta-se mensurar a qualidade dos serviços oferecidos. Dando continuidade à discussão, Mota (2000) coloca que é somente a partir dos anos de 1980 que a sociedade brasileira ensaia, com a Constituição Federal, os primeiros passos em prol do exercício da cidadania, de formas de democracia, de constitucionalização de novos direitos sociais, trabalhistas e político. Com a Constituição de 1988, instaurou-se o Estado democrático de direito, tornando-se um importante instrumento de proteção de direitos e garantias individuais. Com a Constituição, a assistência social entra para o campo do direito de todos, com a universalização dos acessos, trazendo a primazia e a responsabilidade do Estado na execução dessa política. Implementa como inovação as questões da participação, do controle social e da descentralização das políticas. Segundo a Constituição Federal, em seu Artigo 203, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo por objetivos: I - A proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - Amparo às crianças e adolescentes carentes; III - A promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - A habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (BRASIL, art. 203, 1988). Tal política se organiza com base nas diretrizes trazidas no Art. 204 da Constituição, que versa sobre: I - Descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II - Participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. 48 Porém, alguns autores analisam que, apesar dos avanços trazidos com a Constituição de 1988, o Brasil não conformou um “estado de bem-estar social”, ou seja, não teve essa experiência. Nos anos de 1980, quando se começava a discutir as propostas e lutas sociais e a revitalização da sociedade civil, estavam acontecendo fortes críticas a esse sistema (welfare state) nos países onde ele havia se estabelecido. Não tivemos tempo para amadurecimento e efetivação dessas propostas da Constituição cidadã, já que adentramos, nos anos seguintes (década de 90), na lógica da política neoliberal. Nessa direção, os “postulados neoliberais” (SILVA, 2007, p. 115) para a área social foram: redução da ação estatal, corte nos gastos e diminuição dos benefícios, focalização dos gastos e canalização para grupos comprovadamente pobres, privatização e descentralização dos serviços, o bem-estar social pertencendo ao âmbito da família e dos serviços privados, o Estado só devendo intervir para aliviar a pobreza extrema. O paradoxo destacado em parágrafo anterior, segundo Couto (2006), se dá na direção de que com a Constituição houve avanços político-sociais, expressos na nova proposta de organização e gestão da seguridade social, em que havia uma expectativa para execução desses avanços constitucionais pelo Estado. Por outro lado, houve as diretrizes de organismos de financeiras internacionais, como Banco Mundial e FMI, inseridas no Consenso de Washington21. O direcionamento dado pela política neoliberal para execução de tais políticas assume o tripé: privatização22, focalização23 e descentralização24. Essas proposições fazem parte do entendimento ou da perspectiva conceitual “abraçadas” por algumas entrevistadas desta pesquisa, quando elas colocam de que forma as políticas públicas sociais no Brasil vêm sendo tratadas: As políticas públicas sociais não vêm sendo priorizadas ao longo da história do nosso país. O Estado brasileiro prioriza os investimentos numa perspectiva de expansão e acumulação do capital, em detrimento da consolidação das políticas sociais, para as quais o Estado se torna cada vez mais minimizado (Entrevistada 2). 21 É a denominação dada a um plano único de medidas de ajustamento das economias periféricas, chancelado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo Banco Mundial (BIRD), pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pelo governo norte-americano em uma reunião ocorrida em Washington em 1989, quando se inaugura a introdução do projeto neoliberal em mais de 60 países em todo o mundo (FIORI apud RAICHELIS, 2000, p. 73). 22 As privatizações foram muito propagadas pela mídia como uma forma de melhorar a situação do Brasil, já que privatizando haveria a redução da dívida interna e externa, o melhor desempenho dessas empresas que estariam defasadas nas mãos do Estado e assim aumentariam as chances de investimentos no país, resultando no aumento de emprego e da redução dos preços para os consumidores (SOARES, 2000). 23 A focalização seriam triagens necessárias para gastar o que realmente necessitasse e com quem realmente precisasse, ou seja, aqueles realmente e comprovadamente pobres. 24 A descentralização dos serviços sociais é a transferência de responsabilidades federais para os níveis municipais e estaduais, onde cabe a estes manter os projetos, mesmo não possuindo o dinheiro suficiente para tal, levando ao fechamento ou à manutenção mínima deles. 49 Como a nossa intervenção profissional está diretamente ligada à garantia de direitos do cidadão, pelo fato de não haver investimentos de forma prioritária por parte do Estado, alguns direitos muitas vezes não se efetivam (Entrevistada 3). Essas falas reforçam a perspectivas de alguns autores quando colocam que houve um retrocesso às conquistas históricas das políticas sociais, bem como a diminuição dos gastos sociais. Retomando a discussão da segunda citação, feita pela entrevistada 3, entendemos que os profissionais, em sua prática, deparam-se com um leque de demandas e solicitações de benefícios e serviços que muitas vezes não conseguem ser acessados pelos usuários por conta dos parcos investimentos das políticas sociais – por exemplo, o acesso a uma moradia com boas condições de habitabilidade, concessão de alguns benefícios, que muitas vezes as famílias aguardam meses para receber. Vianna (2005) coloca que a seguridade traz uma visão sistêmica ou ampliada da política social e é inscrita na Constituição como um conjunto integrado de ações, dever do Estado e direito do cidadão. No Brasil, a intenção constituinte integrou as áreas de Previdência, Saúde e Assistência Social sob a rubrica da seguridade. Assim, sinalizou possibilidades de expandir as ações e o alcance das mesmas, consolidar mecanismos mais sólidos e equânimes de financiamento e estabelecer um modo de gestão capaz de dar conta das especificidades que cada área possui, mantendo o espírito geral de uma proteção universal, democrática, distributiva e não estigmatizante (VIANNA, 2005, p.174). Porém, o que aconteceu25 nos anos posteriores à Constituição colaborou para a não integração entre as políticas. Elas foram regulamentadas, em diferentes períodos, por leis distintas (Saúde em 1990, Previdência em 1991 e Assistência Social com a LOAS em 1993) e colocadas em ministérios diferentes, com receitas de financiamento separadas. Com a Constituição e com a LOAS, a assistência social assume um patamar de política não contributiva, com primazia do Estado na condução dessa política. Ou seja, os serviços prestados, os programas e projetos não podem ser vendidos porquanto é dever do Estado dotar recursos orçamentários e financeiros para prestação de serviços através de uma rede socioassistencial: Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir 25 Transição do autoritarismo do regime anterior para o regime democrático (VIANNA, 2005, p. 174) e o advento das ideias neoliberais. 50 o atendimento às necessidades básicas. Art. 2º A assistência social tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Parágrafo único. A assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais (LOAS, 1993). A inserção da política de assistência social na seguridade social foi uma grande conquista e um processo inovador, porquanto antes do reconhecimento legal dessa política o Estado já intervinha institucionalmente, por exemplo, na década de 1940, com a criação da LBA26. Nessa direção, tal política ganhou visibilidade dentro das políticas sociais, passando a ser definida, segundo Couto, como um: Tipo particular de política social de caráter de provisão social que pressupõe um Estado provedor para estabelecimento dos direitos sociais, sendo esta política genérica na atenção e específica para os destinatários, voltada para o atendimento das necessidades básicas e universalizante, sem contribuição financeira para demandá-la27 (COUTO, 2006, p. 167). A LOAS foi sancionada após um intenso processo de lutas que envolveu diversos atores da sociedade e entidades que atuavam na área da assistência social, cinco anos após a Constituição de 1988. Estes se organizaram para fortalecer a concepção de assistência social como função governamental e política pública28 (RAICHELIS, 2000, p. 123). Nessa direção, a LOAS foi sendo implementada a partir de 1993, porém com alguns entraves: de um lado, uma conjuntura desfavorável da década de 1990 para consolidação dessa política e, de outro, um passado recente e heranças históricas constituídas na política brasileira, de práticas assistencialistas, clientelistas, pontuais e emergenciais do atendimento a populações. Existia ainda o entendimento da assistência social como filantropia e ação de 26 A Legião Brasileira de Assistência (LBA) foi criada em 1942 pelo governo de Vargas e foi extinta em 1995 no governo de Fernando Henrique (BOSCHETTI, 2003, p. 42). 27 Universalizante porque, ao incluir segmentos sociais excluídos no circuito de políticas, serviços diretos, reforça o conteúdo universal de várias políticas socioeconômicas (PEREIRA apud COUTO, 2006, p. 167). 28 Segundo Souza (2005, p. 69): “a política pública é um campo de conhecimento que busca, ao mesmo tempo, colocar o governo em ação e /ou analisar esta ação e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações. A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações, que produzirão resultados e mudanças no mundo real”. 51 benemerência, desqualificando-a como política pública. Boschetti (2003) destaca outros entraves para a consolidação dessa política como direito ou reconhecimento como política social, que são a descontinuidade e a prática assistemática, como exposto em parágrafo anterior. O Estado já intervinha institucionalmente com a LBA29 (1942) e somente em 1985 a assistência social passou a compor um plano nacional de desenvolvimento. Todos esses entraves, juntamente com o “preconceito com a área” (COUTO, 2006, p. 171), a falta de debate conceitual e a articulação das forças conservadoras, que durante a década de 1990 apontavam a limitação dos gastos do Estado para evitar uma crise fiscal, colaboraram com a tardia regulação dessa política. Em relação à condução que as políticas sociais receberam, principalmente a partir da década de 1990, com o advento do neoliberalismo, algumas falas das entrevistadas da pesquisa são elucidativas de como essas políticas se expressam no cotidiano profissional deles: Outro resultado desse processo da política neoliberal que reduz os gastos públicos apresenta-se na redução das políticas sociais e na sua substituição por programas de combate à pobreza, destinados aos mais pobres. Ora, nós assistentes sociais somos operadores dessas políticas, portanto a redução e a privatização delas impactam fortemente no nosso cotidiano de trabalho e na vida dos usuários, uma vez que se tornam mais seletivas e restritivas (Entrevistada 2). Esta crise atinge as políticas públicas. Diminui os atendimentos, as ofertas de serviços, restringe os meios financeiros materiais e humanos para a implementação dos projetos (Entrevistada 1). Diante do exposto, entendemos que todo esse processo de ajuste e redução do investimento nas políticas públicas incide no cotidiano desses profissionais chamados a implementar e viabilizar direitos sociais e os meios de exercê-los; encontram limites em suas ações, que dependem de recursos, condições e meios de trabalho cada vez mais escassos para operar os serviços sociais públicos: Diante da precariedade ou da seletividade das políticas públicas, temos diariamente 29 Em outubro de 1942, a LDB se torna uma sociedade civil de finalidades não econômicas, voltada para “congregar as organizações de boa vontade”. Aqui a assistência social como ação social é ato de vontade, e não direito de cidadania. Do apoio às famílias dos pracinhas, ela vai estender sua ação às famílias da grande massa não previdenciária. Passa a atender as famílias quando da ocorrência de calamidades, trazendo o vínculo emergencial à assistência social. Agora as secas, as enchentes, entre outras ocorrências que fragilizam grupos e coletivos da população, demarcam a presença do caráter da urgência e do circunstancial no campo genético da menina LOAS. 52 relatos de cidadãos que não conseguem acessar as políticas de saúde, educação, habitação, assistência social, dentre outras, restando recorrer a instâncias como a Defensoria Pública para fazer valer o seu direito (Entrevistada 1). Somente em 1995, no governo de FHC, a LOAS entrou em pauta nas disputas por reconhecimento. Porém, esse processo se deu de forma avessa aos direcionamentos da LOAS, pois o cenário nacional e internacional estava avesso aos direitos. (COUTO, 2006, p. 177). Esse governo extinguiu grandes instituições como a LBA30, mantendo apenas alguns serviços e projetos, período marcado pelo imobilismo do Estado: Uma avaliação do governo FHC aponta que, entre 1994 e 1998, não houve progressos no campo da assistência social. Além de não terem sido implementados os mecanismos garantidos pela LOAS, ocorreu uma redução do número de atendimentos nos serviços (BOSCHETTI, 2003, p. 90). Outros traços desse período apontam para os poucos investimentos na área social e ações focalizadas, visto que foi retomada a perspectiva de canalizar a assistência social para o âmbito do privado e da solidariedade. A universalidade é substituída por políticas residuais, de critérios clientelistas (COUTO, 2006, p. 182), como o programa Comunidade Solidária, e dificuldades para os mecanismos de controle social, como as conferências de assistência social, terem suas deliberações efetivadas. Um exemplo é o impedimento para realização da III Conferência Nacional em 1999, quando nesse período estava acontecendo o primeiro ano da reeleição do presidente FHC. Foi cancelada por ordem presidencial e reprogramada para dezembro de 2001. Também nesse período, FHC criou a Secretaria de Assistência Social (SAS), que passou a funcionar junto ao Ministério de Previdência e Assistência Social (MPAS), e lançou o Programa Comunidade Solidária (PCS), de que a primeira-dama tornou-se presidente, tendo como objetivo: “coordenar as ações governamentais visando ao atendimento de parcela da população que não dispõe de meios para prover suas necessidades básicas, em especial o combate à fome” (MP/813/95, Art. 12). Essa proposta acabou substituindo a regulação estatal, que era para ser realizada mediante as ações da SAS, órgão responsável por coordenar as ações de assistência social no 30 Seu fim já era previsto, tendo em vista que essa instituição foi alvo de escândalos envolvendo corrupção e apropriação ilimitada da “coisa pública” (MESTRINER, 2008); mas essa extinção ocorreu de forma autoritária e truculenta, onde seu acervo/memória/conhecimentos foi incinerado e soprado como cinza ao vento; ou a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA). (SPOSATI, 2003, p. 20). 53 Brasil, pela relação solidária com a sociedade, advinda com o PCS, distanciando-se de uma das diretrizes da LOAS: a da primazia do Estado na condução da política. Com o PCS, as ações da política de assistência social não mudaram o patamar de descontinuidade, centralização, clientelismo, superposição, pulverização de recursos e fragmentação de ações: A ênfase no PCS prejudicou a imediata estruturação da Secretaria de Assistência Social (SAS). A política de assistência social ficou paralisada por aproximadamente seis meses, com as entidades conveniadas sem recursos para manutenção dos projetos. A assistência social passou a ter dois comandos no plano da União. O mesmo ocorreu com os estados e municípios, pois nessas instâncias foram criadas estruturas administrativas para articular com o comando nacional do PCS. Nesse sentido, as medidas governamentais contrapõem-se à idéia de comando único de assistência social em casa instância da Federação prevista na LOAS (SILVEIRA, 2007, p. 71). Em relação às conferências31 que aconteceram nesse período, Sposati (2004) destaca que a I Conferência Nacional de Assistência Social aconteceu dois anos após aprovação da LOAS, em 7 de julho de 1995, em clima de conquista da promulgação da LOAS. Esta foi debatida, sendo discutidas a questão do sistema descentralizado e participativo, a municipalização, a renda mínima, o financiamento, o controle social. Porém, na II e III32 conferências, os temas e as propostas se repetem, num indicativo de que as deliberações estavam sendo implementadas. Segundo Sposati (2004), houve algumas novidades, como a implantação dos conselhos e dos fundos municipais. As reordenações institucionais se instalaram em todo Brasil. Como discutimos, o conservadorismo em relação à política de assistência social nesse período se apresentou em ações, intervenções, discursos transvertidos de mudanças, avanços, rupturas que não alteram as bases da ordem existente, efetivando mudanças cuidadosas na realidade de forma residual, superficial, controlando suas repercussões para manutenção da hegemonia de uma classe social. A exemplo, destacamos a direção impressa para as políticas sociais, onde a grande orientação é a focalização das ações, com estímulo a fundos sociais de emergência, aos programas compensatórios de transferência de renda e à 31 É um espaço de debate coletivo e de deliberação onde são avaliadas as ações governamentais e onde se decide o que fazer, como fazer, com qual recurso e quem são os responsáveis pelas propostas aprovadas na conferência. As Conferências são instâncias máximas de deliberação e também de controle social. (CNAS, 2009, p. 4). 32 Segundo Sposati (2004), houve impedimento para realização da III Conferência Nacional em 1999; nesse período, estava acontecendo o primeiro ano da reeleição do presidente FHC. Foi cancelada por ordem presidencial e reprogramada para dezembro de 2001, rompendo-se assim, segundo a autora, o disposto em lei, onde as conferências nacionais deveriam se realizar de dois em dois anos. 54 mobilização da “solidariedade” individual e voluntária (BEHERING; BOSCHETTI, 2008), bem como das organizações filantrópicas e organizações não governamentais prestadoras de serviços de atendimento, no âmbito da sociedade civil. Após esse longo processo de estagnação, a discussão da assistência social toma novos contornos com a IV Conferência Nacional de Assistência Social, que aconteceu em dezembro de 2003 com o tema "Assistência social como política de inclusão: uma nova agenda para a cidadania – Loas 10 anos". Essa conferência representou mais um marco e um avanço para a política de assistência social. Apesar de ela estar constitucionalmente reconhecida e efetivamente legalizada, faltava materializar as prerrogativas legais da LOAS na direção de dar concretude a ela, sendo uma grande contribuição dessa conferência a deliberação que sinalizava a construção de um Sistema Único de Assistência Social (SUAS). 2.3. A Política Nacional de Assistência Social e o SUAS: primeiras aproximações A Política Nacional de Assistência Social (PNAS), em 2004, expressa a materialidade do conteúdo da assistência social, construindo assim as novas bases dessa política pública como direito de cidadania e de responsabilidade do Estado. Tal política foi operacionalizada através da construção da uma Norma Operacional Básica – NOB/SUAS/2005. O SUAS, cujo modelo de gestão é descentralizado e participativo, constitui-se na regulação e organização em todo o território nacional das ações sócio assistenciais. Os serviços, programas, projetos e benefícios têm como foco prioritário a atenção às famílias, seus membros e indivíduos e o território como base de organização, que passam a ser definidos pelas funções que desempenham, pelo número de pessoas que deles necessitam e pela sua complexidade. Pressupõe, ainda, gestão compartilhada, co-financiamento da política pelas três esferas de governo e definição clara das competências técnico-políticas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com a participação e mobilização da sociedade civil e estes têm o papel efetivo na sua implantação e implementação (PNAS, 2004, p. 39). A proposta do SUAS é um avanço na concretização de um modelo de gestão, baseado no comando único das ações, que possibilita a efetivação dos princípios e diretrizes da política de assistência social, conforme definido na LOAS: [...] do próprio SUAS como um sistema único normativo que regulamenta toda a política, eu acho que foi o maior avanço, que até então a gente não tinha isso tão 55 regulamentado, e a partir disso é, aqui no município, a decisão de implantar esse sistema e de descentralizar com a criação dos CRAS. Eu acho que isso foi fundamental e foi um dos maiores avanços (Grupo de discussão). [...] a experiência que a gente tinha aqui era de a concessão de benefícios totalmente isolados de serviços, praticamente... Mesmo quando a gente teve a implantação do primeiro CRAS em 2004, os benefícios continuaram sendo vinculados às secretarias, ao movimento de promoção social através de uma ONG, não tinha essa cara estatizada, essa questão do poder público mesmo. Por mais que fosse identificado, era muito personalizado com a figura do movimento de promoção social (Grupo de discussão). As falas acima retratam um dos principais avanços que a PNAS (2004) trouxe para o campo da assistência social: não se trata de novidade, já que a questão do comando único das ações vem sendo proposto desde a LOAS, porém somente com a PNAS e a NOB (2005) o comando único tornou-se um dos requisitos para adesão dos municípios brasileiros ao SUAS. No caso de Maracanaú, como discutimos, foi nesse processo de adesão ao SUAS que o município resgatou a primazia do Estado na condução da política de assistência social, que antes era dada por uma ONG chamada Movimento de Promoção Social. O SUAS, percebendo as diferenças regionais e locais do país, tem como enfoque o território. Nessa visão, “o território não se constitui apenas como referenciamento geográfico, mas como espaço da vida cotidiana, da construção da história e das relações comunitárias” (RIZOTTI, 2005, p. 2). Essa perspectiva socioterritorial vai além do diagnóstico da situação de vulnerabilidade e a análise das suas potencialidades. Para discutirmos melhor essa questão, observemos a fala abaixo: Eu olho muito como uma preocupação entre o que deve ser e o que está posto. O que a gente percebe é que, antes de 2005 – o SUAS é nascido de 2005 –, olhando os relatórios de 2004, a gente tinha ações pulverizadas, fragmentadas, não existia indicadores nem informação sobre resultado nem sobre cobertura, nem existia o diagnóstico pra identificar de fato qual era a necessidade da assistência social do município. Com o SUAS, a gente já percebe que há uma melhor forma de trabalhar os dados. A questão do diagnóstico foi uma exigência do SUAS, então o município começou a se olhar, a se ver, coisa que não se via antes. A gente ficava preso aos dados populacionais e à história de exclusão do município, hoje o diagnóstico traz desde a questão da renda à questão de quantos são beneficiários, principalmente do BPC, do Bolsa Família, dos benefícios eventuais. As mudanças vão se dando diferentemente em cada território. A gente sai de um CRAS e você vê que cada CRAS tem uma dinâmica própria, cada grupo tem um processo próprio que depende da capacitação, da qualificação, da formação, da cultura política, da história daquela equipe, da qualidade na contratação de trabalho (Entrevistada 8). Percebe-se pela fala da interlocutora que o SUAS é o horizonte e o direcionamento da organização da assistência social no município, mas essa relação encontra-se na divergência entre o que está posto e o que está sendo realizado, entre a norma e a implantação 56 delas em ações para os usuários da política. Observa-se que a organização das diretrizes do SUAS no município em relação ao comando único das ações e da própria adesão ao sistema no município foi um avanço. A perspectiva territorial proposta pelo SUAS representa uma relevante mudança. A PNAS propõe que as ações públicas da área da assistência social devem ser planejadas de acordo com o território, pois é nele onde se “concretizam e se manifestam e se criam os tensionamentos e as possibilidades para seu enfrentamento” (COUTO et al, 2010, p. 50). A interlocutora coloca que a perspectiva de ter feito um diagnóstico permitiu o município se olhar, se perceber para além de um município com questões estigmatizantes e como região periférica de Fortaleza, mas com cada território do município apresentando suas especificidades de vulnerabilidades e potencialidades. A partir delas, de acordo com a fala da interlocutora, os dados da pesquisa documental foram implantados os CRAS, descentralizando as ações da assistência social para os territórios e os próprios CRAS dentro desse processo também vão se diferenciando na oferta dos serviços e benefícios. Outro ponto destacado pela interlocutora é que antes não se tinha a dimensão de quais eram os usuários da assistência social, o trabalho se dava muito a partir da demanda espontânea que chegava aos locais de atendimento. Com o Cadastro Único e a listagem das famílias que recebem o BPC, os CRAS podem trabalhar a busca ativa das famílias do território de cada CRAS, posto que eles têm condições de localizar essas famílias no território a partir das listagens. É importante salientar que muitas vulnerabilidades evidenciadas no território não têm origem apenas na dinâmica local, mas em processos macros relacionados ao aumento do desemprego, perdas salariais, crescimento do exército de reserva, reedição de novas formas de exploração (salário por peça, trabalho em domicílio) (BEHRING, 2003), diminuição de investimentos (saúde, habitação, educação, saneamento). Ainda nessa mesma perspectiva, Mioto et al (2008) colocam que as políticas públicas não podem estar voltadas para o atendimento das necessidades meramente biológicas, ou seja, a satisfação de necessidades de sobrevivência, emergenciais, imediatas. “O ser humano, seja ele quem for, é um ser social e, como tal, é dotado de dimensões emocionais, cognitivas e de capacidade de aprendizagem e desenvolvimento, que devem ser considerados pelas políticas públicas” (MIOTO, 2008, p. 103). A fala da interlocutora a seguir traz elementos importantes para serem analisados: 57 Não existia sistema. O SUAS é uma novidade, porque a assistência social não era organizada em uma forma sistêmica. A centralidade do modelo antigo era o beneficio; a novidade do SUAS é o serviço. Todo mundo que vinha para assistência social tinha que vir a partir de uma demanda e de um beneficio. Hoje o modelo propõe um novo formato, onde a família procura não apenas pelo beneficio, mas pela necessidade de ser assistido, de ser protegido, de ser cuidado, ele procura por um sofrimento que foi causado a ele, e não apenas pelo beneficio. Eu não posso dizer que o SUAS rompeu com o sistema antigo porque não existia sistema antigo, o que existia antes eram diferentes formas de fazer assistência social em diferentes espaços, com diferentes normas. Hoje você tem uma padronização normatizada e a perspectiva de que cada território organize seus serviços de acordo com as necessidades (Entrevistada 8). Trazendo aqui as contribuições de Mioto para a análise da fala, as políticas públicas têm de contribuir para a efetiva concretização da autonomia, da informação, da convivência familiar e comunitária, da participação coletiva do ser humano etc. Questões que a interlocutora aponta como um avanço na proposta do SUAS quando ela traz direcionamentos que a política de assistência social busca ir para além da centralidade do benefício, ou seja, não só das provisões materiais que, dentro das condições de desigualdade e empobrecimento da população, são necessárias e estão garantidas nas LOAS. Esse avanço, ou novo direcionamento, que se traduz em serviços e programas complementares dentro das proteções afiançadas pelo sistema, buscam formas de diminuição da desigualdade social e a autonomia do usuário da assistência social. Tal proteção é dividida em proteção social básica e proteção social especial, que visam à garantia mínima de sobrevivência, convívio familiar e acolhida através de um conjunto de ações que vão desde a viabilização de benefícios eventuais e serviços continuados (desenvolvimento de potencialidade e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários), até a concretização de um conjunto de ações, serviços e projetos operados em rede com unidade de porta de entrada destinada a proteger e recuperar as situações de violação de direitos de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos etc. Porém, veremos no decorrer da pesquisa que esse processo ainda se encontra em construção e apresenta diversas dificuldades de ser efetivado. Os dados da pesquisa e as falas das interlocutoras apontam que a prevalência pela solicitação do benefício ainda é muito presente, sendo esta ainda a maior demanda do CRAS. Não sendo a única, veremos quando apresentarmos os serviços do CRAS que eles oferecem serviços de convivência social, mas apresentam pouca participação das famílias. Tais constatações serão analisadas com maior ênfase no terceiro capítulo. Nessa direção, o SUAS define e organiza os elementos essenciais e imprescindíveis à 58 execução da política de assistência social, possibilitando a normatização dos padrões nos serviços, qualidade no atendimento, indicadores de avaliação e resultado. Houve, desde o início da proposta do SUAS, muitos avanços no processo de adesão: segundo dados do MDS (2008) até abril de 2008, 5.444 municípios (cerca de 97,8% dos municípios brasileiros) estavam habilitados nos níveis de gestão definidos na Norma Operacional Básica do SUAS. Isso significa uma boa aceitação da proposta pelos municípios e uma cobertura de atendimento em quase todo o Brasil (RAICHELIS, 2010). Dando continuidade à apresentação do SUAS, ele tem como proposta de gerenciamento alguns eixos estruturantes: matricialidade sociofamiliar; descentralização político-administrativa e territorialização; novas bases para a relação entre Estado e sociedade civil; financiamento; controle social; o desafio da participação popular/cidadão usuário; a política de recursos humanos; a informação, o monitoramento e a avaliação (PNAS, 2004, p. 40). A partir desses, os serviços socioassistenciais no SUAS são organizados segundo as seguintes referências: vigilância social, proteção social e defesa social e institucional: 1) Vigilância social: responsável pela produção de um banco de dados que sistematize as informações das situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social que incidem sobre as famílias/pessoas; tais informações devem ser visualizadas através de indicadores e índices territorializados das áreas mais precarizadas e vulneráveis. 2) Proteção social básica e especial: refere-se às ações voltadas para resguardar os cidadãos contra os riscos pessoais e sociais (desemprego, precariedade de renda, fragilização de vínculos familiar e discriminações) inerentes aos ciclos de vida, partindo do pressuposto que as necessidades sociais são diversas e complexas, exigindo respostas públicas diferenciadas, a partir do nível de complexidade (CAPACITASUAS, 2008, p. 42). Segundo a PNAS 2005, a Proteção Social Básica ajuda a prevenir situações de risco, desenvolvendo potencialidades, aquisições e fortalecendo vínculos familiares e comunitários. Tem como público-alvo as famílias e indivíduos que vivem em condição de vulnerabilidade social, pobreza; privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos); fragilização de vínculos afetivos relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras) e qualquer outra situação de vulnerabilidade e risco social. 59 Já a Proteção Social Especial objetiva proteger de situações de risco as famílias e indivíduos cujos direitos tenham sido violados e/ou já tenha ocorrido rompimento dos laços familiares e comunitários (PNAS, 2005). Divide-se em média complexidade, onde há direitos violados, mas vínculos familiar e comunitário não rompidos, e alta complexidade, sem referência e/ ou em situação de ameaça, necessitando ser retirado de seu núcleo familiar e/ ou comunitário. Essa proteção tem como público-alvo a população que vive em condição de risco pessoal ou social decorrente da ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, dentre outras. 3. Defesa social e institucional: assegurar os direitos socioassistenciais tais como: direito do usuário ao atendimento digno, atencioso e respeitoso, à informação, ao protagonismo e ao convívio familiar. A implantação do SUAS como sistema único supõe ainda unir para garantir o rompimento com a fragmentação e o planejamento entre as esferas do governo, evitando a superposição de ações por categorias ou segmentos sociais (idoso e criança, por exemplo), mas na perspectiva da família. Para tanto, estabelece prerrogativas para a construção efetiva do SUAS como a gestão compartilhada, o cofinanciamento e a cooperação técnica entre os três entes federativos, com divisão de responsabilidades entre esses entes para instalar, regular, manter e expandir as ações de assistência social como dever de Estado e direito do cidadão. Portanto, o SUAS regula em todo o território nacional a hierarquia, os vínculos e as responsabilidades nas ações de assistência social, sob lógica de ação em rede hierarquizada, comportando quatro tipos de gestão: a dos municípios, do Distrito Federal, dos estados e da União. No que se refere aos níveis de gestão, na esfera municipal são denominados: inicial, básico e plena. Seguem a lógica do grau de comprometimento da política municipal com as diretrizes e prioridades previstas tanto na LOAS quanto no SUAS. Nessa direção, O SUAS será uma grande rede de articulação provedora das ações sociais básicas e especiais para garantir seguridade social à população. Portanto, a concepção do SUAS parte de sua responsabilidade em não só garantir direitos, mas também de concretizá-los, tornando a sociedade mais justa, equânime e assegurando a proteção social à 60 população que se encontra em situação de vulnerabilidade, risco e exclusão social. Como vimos, a organização da política de assistência social prevê um sistema descentralizado, com comando único das ações e a participação da sociedade. É fundamentada em um modelo sistêmico que aponta para a ruptura do assistencialismo e de ações fragmentadas, pressupondo uma política pública com a primazia da responsabilidade do Estado e com a efetiva participação do controle social pela sociedade, como nos colocam as entrevistadas da pesquisa: O SUAS trouxe a proposta de descentralização dos serviços, padronização dos serviços, integração entre programas e serviços, a orientação de valorização e capacitação dos recursos humanos, priorizando concursos públicos (Entrevistada 3). O SUAS estabeleceu parâmetros para a atuação da assistência social em nível nacional, dando um caráter de política pública de direitos para ela. Buscou o rompimento com as tradições assistencialistas, embora não as tenha eliminado por completo (Entrevistada 2). É interessante destacar nas falas dessas entrevistadas, a questão da padronização dos serviços, presente em todos os municípios brasileiros onde as unidades de referência da política, como o CRAS e o CREAS, possuem o mesmo direcionamento, nomenclatura e equipe mínima, diminuindo assim a sobreposição de ações e garantindo às famílias que possam ser atendidas por essas unidades em qualquer parte do Estado ou do Brasil em que vá residir. Em relação à questão dos concursos públicos abordada pela interlocutora 3, sabe-se que existe na política um direcionamento para efetivação de funcionários de carreira para qualificar a implantação do SUAS, mas sabemos que esse processo tem se dado de forma gradual, sendo que a grande maioria dos trabalhadores da assistência social possuem contratos temporários. Outra discussão importante trazida pela entrevistada 2 refere-se aos avanços, mas ao não total rompimento com antigas práticas que permearam o histórico da política de assistência social. Como exemplo, podemos destacar que em muitos dos municípios brasileiros a esposa do prefeito é gestora da assistência social, o que resgata um antigo traço da política: o primeiro-damismo. Nesse sentido, a organização do órgão gestor da assistência social constitui-se determinante para que ela adquira um caráter de política pública e de responsabilidade do Estado. Dentre os entes federativos, ao município compete em primeira instância a execução da política de assistência social; “é no município que as ações que efetivam essa política 61 ganham mais visibilidade” (SOUZA, 2005, p. 12). Ainda sobre essa mesma questão, Sposati (2003, p. 34) coloca que “é a partir dos municípios que temos efetivamente construído avanços na política de assistência social”. Diante desse novo cenário de organização administrativa, política e financeira da assistência social, cabe aos municípios iniciativas que visem a seu reordenamento, tanto no campo da gestão dessa política, quanto na sua condução para alcançar definitivamente modos de implementação que considerem as atuais diretrizes apontadas pela PNAS. É no município que as situações, de fato, acontecem. É no município que o cidadão nasce vive e constrói sua história. É aí que o cidadão fiscaliza e exercita o controle social. A municipalização constitui ainda uma fórmula de organizar o trabalho do Estado que é gigantesco. Assim, a descentralização permite também maior racionalidade, agilidade e eficiência (JOVCHLOVITCH, 1993, p. 1). É nessa direção que estudamos esse tema a partir das ações desenvolvidas em nível municipal. Percebemos que a trajetória das políticas sociais não obedeceu a um ritmo de desenvolvimento acelerado e seus investimentos, implementação e alcance de ação estiveram sempre ligados ao tratamento dado a elas, ou seja, não prioritário. No caso brasileiro, avançamos muito com a Constituição de 1988; porém, os períodos que sucederam a promulgação dela dificultaram a efetivação das políticas sociais previstas. Entre essas estava a política de assistência social, que encontrou muitos limites e dificuldades para sua implementação, como já colocado neste capítulo. Dentre eles, destacamos a previsão de articulação entre os serviços e benefícios desse sistema pelo SUAS, que discutiremos no próximo capítulo. 62 3. SERVIÇOS E BENEFÍCIOS DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Uma das propostas e diretrizes desse sistema único diz respeito à regulamentação dos benefícios, à organização dos serviços, programas e projetos, à articulação com outras políticas, dentre outros, onde levar serviços e benefícios socioassistenciais mais perto das pessoas proporcionará, de acordo com a PNAS 2004, status de direito da população à assistência social. As seguranças e provisões afiançadas pela política de assistência social são estabelecidas e reconhecidas legalmente – CF 88 e LOAS 93 – como direito do cidadão e dever do Estado. Esse novo status adquirido pela política de assistência social elevou seus serviços e benefícios à categoria de direito social, colocando-se em oposição às concepções e práticas clientelistas e paternalistas destituidoras de direito. Os benefícios eventuais na assistência social foram historicamente a expressão máxima dessas práticas (FREITAS; MARCO, 2010, p. 31). Percebemos que esse tema vem sendo tratado há muito tempo, mas se traduzia em instrumentos normativo-legais. Somente com a política de assistência social no contexto do SUAS, em seu processo de implantação, ocorreu um novo direcionamento para organização e gestão dos serviços e benefícios socioassistenciais. Tal importância desse novo direcionamento é apontada pela entrevistada da pesquisa: Penso que a importância de tal articulação é principalmente instituir a possibilidade de as famílias acessarem benefícios dos quais têm direitos e através deles participarem dos serviços, nos quais irão vivenciar e refletir suas atitudes, crenças, valores e assim construir saídas para suas situações de vulnerabilidades e riscos sociais. Penso que é a oportunidade para os indivíduos e as famílias se olharem, se fortalecerem nas suas capacidades protetivas (Entrevistada 5). Essa visão da entrevistada destaca a importância dessa integração entre serviços e benefícios da política, vem ao encontro das discussões de se trabalhar para além da concessão do benefício pontual, mas de a médio ou longo prazo se trabalhar alternativas possibilitadoras de autonomia dessas famílias que precisam e solicitam benefícios cotidianamente. A proposta desse sistema é um novo modelo socioassistencial que reorganiza a rede de atendimento, redefinindo assim os conceitos de serviços e benefícios socioassistenciais: a rede de atendimento ou rede socioassistencial é um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, que oferta e opera serviços, benefícios [...] o que supõe a articulação entre todas estas unidades de provisão de proteção social, sob a hierarquia de básica e especial e ainda por níveis de complexidade (NOB/SUAS, 2005, p. 94). 63 De acordo com o SUAS, os serviços socioassistenciais são divididos em serviços de proteção social básica e serviços de proteção social especial. Para fins deste trabalho, por ter seu campo empírico em um CRAS, iremos nos deter nos serviços de proteção social básica. Nessa direção, entende-se por serviços as atividades continuadas que visem à melhoria da vida da população, por meio do desenvolvimento de ações direcionadas para as necessidades básicas (MDS, 2008, p. 266). Tais serviços são importantes na provisão da assistência social; eles objetivam processar o acesso às seguranças e à cobertura de necessidades essenciais, tais como: alimentação, abrigo, lazer e cultura, profissionalização, informação, apoio psicológico e apoio domiciliar. Os principais serviços que versa a política é o Programa de Atenção Integral à Família (PAIF) e o Serviço de Convivência Social. Segundo o documento de orientação técnica dos CRAS, o PAIF, criado em 18 de abril de 2004, tornou-se em seguida um serviço continuado da assistência social. O PAIF é o principal programa de proteção social básica do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Ele desenvolve ações e serviços básicos continuados para famílias em situação de vulnerabilidade social visando ao fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. O PAIF funciona especificamente nos CRAS (MDS, 2006, p. 31), sendo ofertados os seguintes serviços e ações: a) recepção e acolhida de famílias, seus membros e indivíduos em situação de vulnerabilidade social; b) oferta de procedimentos profissionais em defesa dos direitos humanos e sociais e dos relacionados às demandas de proteção social de Assistência Social; c) vigilância social: produção e sistematização de informações que possibilitem a construção de indicadores e de índices territorializados das situações de vulnerabilidades e riscos que incidem sobre famílias/pessoas nos diferentes ciclos de vida. Conhecimento das famílias referenciadas e as beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e do Programa Bolsa Família (PBF); d) acompanhamento familiar: em grupos de convivência, reflexão e serviço sócioeducativo para famílias ou seus representantes; dos beneficiários do PBF, em especial das famílias que não estejam cumprindo as condicionalidades; das famílias com beneficiários do BPC; e) proteção pró-ativa por meio de visitas às famílias que estejam em situações de maior vulnerabilidade (como, por exemplo, as famílias que não estão cumprindo as condicionalidades do PBF), ou risco; f) encaminhamento: para avaliação e inserção dos potenciais beneficiários do PBF no Cadastro Único (CAD Único) e do BPC, na avaliação social e do INSS; das famílias e indivíduos para a aquisição dos documentos civis fundamentais para o exercício da cidadania; encaminhamento (com acompanhamento) da população referenciada no território do CRAS para serviços de proteção básica e de proteção 64 social especial – quando for o caso; g) produção e divulgação de informações de modo a oferecer referências para as famílias e indivíduos sobre os programas, projetos e serviços socioassistenciais do SUAS, sobre o PBF e o BPC, sobre os órgãos de defesa de direitos e demais serviços públicos de âmbito local, municipal, do Distrito Federal, regional, da área metropolitana e ou da microregião do estado; h) apoio nas avaliações de revisão dos cadastros do PBF e do BPC e demais benefícios (MDS, 2006, p. 31). Segundo o documento de tipificação dos serviços de 2009, são os usuários prioritários do PAIF: famílias beneficiárias de programas de transferência de renda e benefícios assistenciais; famílias que atendem os critérios de elegibilidade a tais programas ou benefícios, mas ainda não contempladas; famílias em situação de vulnerabilidade em decorrência de dificuldades vivenciadas por algum de seus membros; pessoas com deficiência e/ou pessoas idosas que vivenciam situações de vulnerabilidade e risco social (MDS, 2009, p. 7). O Serviço de Convivência Social, segundo o documento de tipificação dos serviços (2009), deve desenvolver ações intergeracionais e perceber a heterogeneidade dos grupos (por sexo, presença de pessoas com deficiência, etnia, raça, entre outros). Tal serviço deve ter articulação com PAIF, de modo a promover o atendimento das famílias dos usuários desses serviços, garantindo a matricialidade sociofamiliar da política de assistência social. Serviço realizado em grupos, organizado a partir de percursos, de modo a garantir aquisições progressivas aos seus usuários, de acordo com o seu ciclo de vida, a fim de complementar o trabalho social com famílias e prevenir a ocorrência de situações de risco social. Forma de intervenção social planejada que cria situações desafiadoras, estimula e orienta os usuários na construção e reconstrução de suas histórias e vivências individuais e coletivas, na família e no território. Organiza-se de modo a ampliar trocas culturais e de vivências, desenvolver o sentimento de pertença e de identidade, fortalecer vínculos familiares e incentivar a socialização e a convivência comunitária. Possui caráter preventivo e proativo, pautado na defesa e afirmação dos direitos e no desenvolvimento de capacidades e potencialidades, com vistas ao alcance de alternativas emancipatórias para o enfrentamento da vulnerabilidade social (MDS, 2009, p. 9) A categoria benefícios caracteriza-se pela forma de transferência direta de valores que pode ser em pecúnia ou na forma material (cesta básica, fraldas geriátricas etc.) aos seus destinatários, como destaca Pereira: Os benefícios assistenciais constituem, na história da política social moderna, a distribuição pública de provisões materiais ou financeiras a grupos específicos que não podem, com recursos próprios, satisfazerem suas necessidades básicas (PEREIRA, 2010, p. 11). 65 No âmbito do SUAS, eles podem ser de caráter continuado, como é o caso do BPC, ou eventual, como os definidos na LOAS: no caso, auxílio-funeral e auxílio-natalidade. O município também pode, através de resolução junto ao Conselho Municipal de Assistência Social, regulamentar outros benefícios (cesta básica, por exemplo). Temos ainda, o Programa Bolsa Família, que não se enquadra nessas categorias, pois é considerado um benefício de transferência de renda com condicionalidades. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é previsto na Constituição, regulamentado pela LOAS e consiste no repasse direto pelo Governo Federal de um salário mínimo mensal ao beneficiário, que podem ser pessoas idosas, a partir dos 65 anos ou pessoas deficientes incapacitadas para o trabalho e para vida independente, que não tenham condições de garantir sua própria subsistência ou tê-la garantida por sua família. Em ambos os casos, a renda per capita familiar deve ser inferior a ¼ do salário mínimo (MDS, 2008, p. 269). A gestão desse benefício é realizada pelo órgão gestor federal responsável pela política de assistência social, no caso, o MDS. Porém, sua operacionalização é realizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). As condições que deram origem ao benefício são avaliadas a cada dois anos. Os benefícios eventuais estão previstos no Art. 22 da LOAS. Destinam-se a cidadãos e a famílias com impossibilidade de arcar por conta própria com as situações de vulnerabilidade e riscos temporários; são benefícios de caráter suplementar e temporário que integram o SUAS; são prestados pelos municípios, com regulamentação de legislação municipal e distrital em consonância com as orientações nacionais. Na LOAS estão previstos três tipos de benefícios eventuais: a) Os compulsórios, porque são inegociáveis e infensos a opções quanto à obrigatoriedade de sua provisão, contidos no caput do art. 22. Esses benefícios visam ao pagamento de auxílio por natalidade ou morte às famílias cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo; b) Os de caráter facultativo, porque são sujeitos a opções quanto à sua provisão. Esses benefícios, previstos § 2º do art. 22 da LOAS, “podem” ser criados para atenderem necessidades advindas de situações de vulnerabilidade temporária, com prioridade para a criança, a família, o idoso, a pessoa portadora de deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública; c) Os subsidiários, contidos no § 3º do art.22, que consistem numa transferência em dinheiro “no valor de 25% do salário mínimo para cada criança de até 06 anos de idade”, tendo como critério de elegibilidade a renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Trata-se, portanto, de uma modalidade de BE's que, além de depender da vontade política dos governantes , dependerá também de recursos materiais e de financeiros para que sejam executados. Esses recursos são escassos nos orçamentos públicos (PEREIRA, 2010, p. 11). 66 Por fim, temos o Bolsa Família, que é um benefício de transferência direta de renda, com condicionalidades33, para famílias pobres e extremamente pobres. Segundo uma entrevistada da pesquisa, apesar das críticas que o programa recebe por ser considerado pontual e assistencialista, “o Bolsa Família tornou-se importante ferramenta de gestão e de combate à pobreza, atraindo o foco das demais políticas públicas para sua interface com a assistência” (Entrevistada 1). Essa interfase colocada pela entrevistada se refere, dentre outros, às condicionalidades da saúde e educação exigidas pelo programa. Vale destacar que o Programa Bolsa Família unificou os antigos programas de transferência de renda do Governo Federal: Bolsa Escola34, Bolsa Alimentação35, Auxílio Gás36, Cartão Alimentação37. Segundo dados do MDS (2008), a unificação veio no sentido de reduzir os custos gerenciais e duplicidades de pagamento. O Bolsa Família possui três dimensões: o alívio imediato da pobreza, contribuição para redução da pobreza para a geração seguinte e a articulação de programas complementares (alfabetização de adultos, capacitação profissional, atividades produtivas) (MDS, 2008, p. 145). Para o recebimento de tal benefício, são estabelecidos parâmetros de renda e composição familiar. As famílias que recebem o Bolsa Família estão inscritas no Cadastro Único para programas sociais do Governo Federal (CadÚnico), que é um instrumento de coleta de dados e informações com o objetivo de identificar famílias em situação de pobreza, a fim de que estas possam ser cobertas pelas políticas sociais públicas, constituindo-se um importante instrumento de gestão municipal, estadual e federal. Após apresentarmos os principais serviços e benefícios da política de assistência 33 São os compromissos assumidos pelas famílias nas áreas de saúde e educação para receberem o benefício do programa e compromissos para o poder público de ampliar a oferta local dos serviços públicos de educação e saúde. Os objetivos das condicionalidades é que as famílias possam, em médio e longo prazos, romper o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza através do acesso aos direitos sociais e contribuir para alterar o perfil da distribuição de renda no Brasil. 34 Bolsa Escola foi um programa de transferência de renda com condicionalidades, cujo objetivo era pagar uma bolsa às famílias de jovens e crianças de baixa renda como estímulo para que frequentassem a escola. Foi criado em 1994 e implementado em nível nacional em 2001, no governo FHC. Uma vez beneficiária, a família passava a receber R$ 15,00 mensais, por aluno, limitado a R$ 45,00, ou três crianças por família. Era acompanhado pelo Ministério da Educação. Foi incorporado ao Bolsa Família. 35 O Bolsa Alimentação foi o primeiro programa de transferência de renda. Era dirigido a famílias de baixa renda que tinham membros mais vulneráveis à desnutrição e às doenças: gestantes, mães amamentando e crianças abaixo de 6 anos. Foi idealizado e implementado pelo Ministério da Saúde em 2001. 36 O Auxílio Gás foi um programa de distribuição de renda implementado pelo Governo Federal em 2001, administrado pelo Ministério de Minas e Energia para famílias com renda de até meio salário mínimo, onde essas recebiam o valor de R$ 15,00 a cada dois meses, como forma de subsidiar a compra de botijões de gás. Foi incorporado ao Bolsa-Família. 37 O Programa Cartão Alimentação fez parte das políticas específicas do Fome Zero. Foi implementado pelo Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (MESA). No programa, as famílias de baixa renda recebiam um benefício no valor de R$ 50,00 para a compra de alimentos básicos na localidade de moradia. Tal programa foi substituído em 20 de outubro de 2003 pelo Programa Bolsa Família. 67 social, destacamos dois instrumentos de gestão importantes que trouxeram um direcionamento conceitual e organizacional relevantes para se discutir a articulação entre serviços e benefícios da política de assistência social: o Protocolo de Gestão Integrada e a Tipificação dos Serviços. O que era previsto com a PNAS de 2005 foi discutido detalhadamente em um documento elaborado pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT) chamado Protocolo de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transferências de Renda no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Tal documento sinaliza que: A segurança de renda deve ser associada às seguranças do convívio familiar e comunitário e de desenvolvimento da autonomia, isto é, que o acesso de indivíduos e famílias a benefícios socioassistenciais e à transferência de renda deve ser associado à oferta de serviços socioassistenciais no SUAS. As crianças, adolescentes, jovens, pessoas com deficiência e pessoas idosas constituem segmentos mais vulneráveis à violação de seus direitos e que constitui responsabilidade da Assistência Social potencializar seus vínculos familiares e comunitários, sua autonomia e possibilidades de participação na vida comunitária (MDS/CIT, 2009, p. 3). A fala da entrevistada materializa tais prerrogativas no que diz respeito ao que essa integração pode representar para o atendimento das famílias, público-alvo da assistência social. A articulação entre serviços e benefícios contribui para a consolidação do SUAS à medida que proporciona um atendimento mais completo, considerando que o homem é uma totalidade, necessitando ser atendido em diversas dimensões. A mulher que recebe o benefício eventual da 2ª via da certidão de nascimento também necessita ser capacitada para a inserção no mercado de trabalho, assim como o (a) adolescente que é esclarecido sobre os direitos do cidadão deve receber benefícios que lhes proporcione o exercício da cidadania (Entrevistada 1). A entrevistada traz a dimensão para além do recebimento do benefício, que é direito dos usuários, mas não pode se encerrar só nisso – tem de perpassar a participação, o acesso aos direitos sociais: saúde, educação, lazer e outros serviços, como de inclusão produtiva, protagonismo e autonomia dos usuários. Tais questões são exemplificadas: Acredito que, através da dimensão socioeducativa, dos serviços socioassistenciais, vai se construindo a ideia de política pública e dando clareza aos profissionais e aos usuários de sua importância. Penso que os serviços têm um importante papel na concretização da política e vivencio também cotidianamente através das experiências relatadas pelos usuários o quanto é fundamental para eles a garantia de receberem benefício, uma vez que vivem em uma sociedade extremamente excludente que não possibilita um outro direito fundamental, que é o trabalho. Como muitos não conseguem acessá-lo, a garantia de sobrevivência de sua família vem através desses benefícios (Entrevistada 5) . 68 O protocolo de gestão destaca como público prioritário dos serviços socioassistenciais as famílias que recebem os benefícios e programas de transferência de renda, tais como Programa Bolsa Família (PBF), Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Benefício de Prestação Continuada (BPC) e benefícios eventuais de assistência social. Tal documento destaca também que os benefícios eventuais integram organicamente as garantias do SUAS e sua prestação deve atender ao princípio da integração à rede de serviços socioassistenciais, com vistas ao atendimento das necessidades humanas básicas. Enfim, esse documento é uma orientação para estabelecer os procedimentos para a gestão integrada dos serviços, benefícios socioassistenciais e transferências de renda para o atendimento de indivíduos e de famílias beneficiárias do PBF, PETI, BPC e benefícios eventuais, no âmbito do SUAS. A fala que se segue traz o entendimento que a interlocutora tem da importância do processo de integração: A integração serviço/ benefício poderia romper com a lógica anterior de atendimento da assistência pelo beneficio, ou então o beneficio ganhar uma outra centralidade – não a centralidade da caridade, mas do direito. Eu acho que o protocolo de gestão integrada, quando prevê a integração, ele está pensando em rotinas, em procedimentos que ajudariam o profissional a entender que, na hora em que uma pessoa pede um beneficio, é porque a necessidade dele extrapola o beneficio. O beneficio é apenas um ponto da necessidade dele. A necessidade dele é mais ampla: é a necessidade de educação, é a necessidade de habitação, que ele só vai identificar essa necessidade pelo acompanhamento. Se só a família chega pedindo uma cesta básica, então o foco dela está no benefício. Ou então ela chega pra pedir o Bolsa Família, o foco dela está na necessidade imediata da renda. No caso do Bolsa Família, se o assistente social ou a equipe centralizar só na concessão do beneficio, ela vai perder a dimensão da questão social que faz receber o beneficio (Entrevistada 8). A interlocutora traz em seu relato a dimensão da relevância do protocolo de gestão integrada, para além de um documento que indica os procedimentos técnicos para realização dessa integração. Traz uma mudança conceitual que essa integração agrega à política de assistência social. Assim, a fala expressa a necessidade de fazer novos processos de mediação entre as singularidades e as particularidades que se mostram de forma imediata através das necessidades emergenciais apresentadas nos CRAS pelos usuários quando solicitam benefícios. Com a dimensão universal, percebem-se as contradições da questão social e do 69 contexto no qual o usuário está inserido. A interlocutora, ao tentar esclarecer a importância da integração dos serviços e benefícios, aponta uma questão importante que trata da mudança da centralidade do benefício como o ponto central da política de assistência – conforme era concebido antes da implantação do SUAS, para uma perspectiva mais ampliada, integrando novas formas de se pensar a gestão e a execução do trabalho de atenção as famílias nos CRAS. A gestão articulada entre serviços e benefícios tem como diretrizes: a coresponsabilidade entre os entes federados; as seguranças afiançadas pela Política Nacional de Assistência Social e a centralidade da família no atendimento socioassistencial de forma integral, visando à interrupção de ciclos intergeracionais de pobreza e de violação de direitos (MDS/CIT, 2009, Artº 2). Segundo o Art 4º desse documento, a gestão integrada de serviços, benefícios e transferências de renda no âmbito do SUAS têm como objetivos: I - Gerais: a. Pactuar, entre os entes federados, os procedimentos que garantam a oferta prioritária de serviços socioassistenciais para os indivíduos e as famílias beneficiárias do PBF, do PETI e BPC; b. Construir possibilidades de atendimento intersetorial, qualificar o atendimento a indivíduos e famílias e potencializar estratégias para a inclusão social, o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, o acesso à renda e a garantia de direitos socioassistenciais; c. Favorecer a superação de situações de vulnerabilidade e risco vividas pelos indivíduos e pelas famílias beneficiárias do PBF e do BPC, bem como pelas famílias beneficiárias do PETI, por meio da oferta de serviços socioassistenciais e encaminhamentos para a rede socioassistencial e das demais políticas públicas e, quando necessário, para órgãos do Sistema de Garantia de Direitos (SGD). II - Específicos: a. Adotar o Cadastro Único para programas sociais e o cadastro do BPC como base de dados para a realização de diagnóstico de vulnerabilidade e risco no território; b. Padronizar procedimentos de gestão para o atendimento das famílias mencionadas no Art. 1º; c. Estabelecer fluxo de informações entre os entes federados no que diz respeito ao atendimento das famílias; d. Padronizar procedimentos de gestão, instrumentos para a coleta de dados e geração de informações, indicadores para o monitoramento e a avaliação do atendimento das famílias; e. Propor mecanismos que fortaleçam sistematicamente a articulação da rede socioassistencial, de educação e saúde para monitorar e avaliar o atendimento das famílias beneficiárias de programas de transferência de renda, bem como a inclusão, o acesso e a permanência na escola dos beneficiários do PBF, PETI e BPC (MDS/CIT, 2009, Artº 4). 70 Outro documento importante para a discussão dos serviços e benefícios na assistência social é a tipificação nacional dos serviços socioassistenciais, escrito na resolução nº 109 de novembro de 2009, que destaca os serviços por níveis de complexidade do SUAS: proteção social básica e proteção social especial de média complexidade. Tal documento traz a orientação para elaboração de uma matriz padronizada para as fichas dos serviços socioassistenciais. Para cada serviço é descrito: nome do serviço, ou seja, os termos utilizados para denominar o serviço de modo a evidenciar sua principal função e os seus usuários; a descrição do conteúdo da oferta do serviço; os usuários – neste ponto o documento detalha a quem se destinam as atenções de cada serviço a partir das vulnerabilidades e riscos; o documento detalha os objetivos dos serviços e os resultados que dele se esperam; as provisões38; as aquisições dos usuários39 e suas condições, formas de acesso; e o equipamento que realizará o serviço, tal como o período de funcionamento. Outros pontos importantes discutidos pelo documento são: a articulação em rede40, o impacto social esperado41 e as regulamentações42. (Resolução nº 109, 2009, p. 5 – grifos nossos). Em relação a como a equipe tomou conhecimento dos documentos (protocolo de gestão integrada e tipificação dos serviços socioassistenciais) supra-apresentados, as entrevistadas relataram: Sim, a equipe tomou conhecimento através de reunião com a secretária de assistência social, do site do MDS e de grupo de estudo formado pela equipe. Esta não participou de capacitação (Entrevistada 2). A equipe tem conhecimento do protocolo. Foi-nos repassado em reunião técnica, provocada pela Secretaria Municipal de Assistência Social. Em seguida, o protocolo foi discutido em reunião interna da equipe, não existindo um treinamento específico sobre ele (Entrevistada 3). 38 “As ofertas do trabalho institucional, organizadas em quatro dimensões: ambiente físico,recursos materiais, recursos humanos e trabalho social essencial ao serviço. Organizados conforme cada serviço, as provisões garantem determinadas aquisições aos cidadãos” (Resolução nº 109/ 2009, p. 5). 39 Trata dos compromissos a serem cumpridos pelos gestores em todos os níveis para que os serviços prestados no âmbito do SUAS produzam seguranças sociais aos seus usuários, conforme suas necessidades e a situação de vulnerabilidade e risco em que se encontram. Podem resultar em medidas da resolutividade e efetividade dos serviços, a serem aferidas pelos níveis de participação e satisfação dos usuários e pelas mudanças efetivas e duradouras em sua condição de vida, na perspectiva do fortalecimento de sua autonomia e cidadania. As aquisições específicas de cada serviço estão organizadas segundo as seguranças sociais que devem garantir” (Resolução nº 109/ 2009, p. 5). 40 “Sinaliza a completude da atenção hierarquizada em serviços de vigilância social, defesa de direitos e proteção básica e especial de assistência social e dos serviços de outras políticas públicas e de organizações privadas. indica a conexão de cada serviço com outros serviços, programas, projetos e organizações dos poderes executivo e judiciário e organizações não governamentais” (Resolução nº 109/ 2009, p. 5). 41 “Trata dos resultados e dos impactos esperados de cada serviço e do conjunto dos serviços conectados em rede socioassistencial; projeta expectativas que vão além das aquisições dos sujeitos que utilizam os serviços e avançam na direção de mudanças positivas em relação a indicadores de vulnerabilidades e de riscos sociais”.(Resolução nº 109/ 2009, 5). 42 “Remissão a leis, decretos, normas técnicas e planos nacionais que regulam benefícios e serviços socioassistenciais e atenções a segmentos específicos que demandam a proteção social de assistência social” (Resolução nº 109/ 2009, p. 5). 71 Percebemos a partir dessas falas que, apesar de elas terem conhecimento e acesso ao documento, não foram capacitados para implantação das diretrizes do protocolo, o que sugere que a equipe poderá encontrar dificuldades em executar esses pressupostos: Eu acho que a apropriação dos documentos ainda não é cem por cento. A gente lê, a gente busca, mas muitas dúvidas mesmo, muitas, sabe. Está aqui, a gente tem que adequar... (Grupo de discussão). Agora, eu acho que a gente deveria ter um momento de estar aprofundando, porque tem algumas questões que trazem a tipificação que a gente fica na dúvida. Principalmente as coordenações, que têm que dar conta de uma série de coisas, aqui que a gente ainda não sabe como fazer. Então, talvez seja algo para a gente estar discutindo, no mínimo (Grupo de discussão). É importante que a gente leia. Tem algumas críticas, tem alguns questionamentos, tem algumas dúvidas, mas são documentos importantes que dão horizontes, que dão uma diretriz, que ajudam a gente a planejar. Esse ano o planejamento foi baseado nele. Então, eu acho que são documentos que ajudam a gente a pensar, a orientar e a ajudar a fazer o planejamento... (Grupo de discussão). Sabe-se que existem críticas em relação a documentos, cartilhas governamentais que não trazem qualquer orientação instrumental de como fazer, pois cada local onde são executados esses serviços tem suas particularidades e especificidades de gestão da política pública. Porém, esses documentos e normatizações trazem direcionamentos de como os CRAS podem trabalhar essa articulação em seus territórios, fazendo as adaptações necessárias de acordo com cada realidade. Por tratar-se de um documento muito extenso e com muitas discussões que envolvem conceitos e metodologias, as entrevistadas destacam que não houve capacitação com a equipe para ela estudar e organizar os serviços de acordo com o proposto no documento supracitado. Observamos no conjunto das falas que, por se tratarem de normatizações recentes, ainda suscitam muitas dúvidas e dificuldades de operacionalização das propostas, sendo necessário que os CRAS, durante a aplicabilidade delas, possam perceber as diferenças e adequações necessárias, tendo em vista as especificidades dos territórios dos CRAS. Sobre esse mesmo assunto, as interlocutoras apontam como dificuldades: O protocolo é um avanço. Agora, a operacionalização e a implementação dele eu não sei se a gente tem elementos, porque nos temos muito mais dificuldades pra executar. Hoje eu acho que todos os municípios estão com dificuldade de executá-lo por causa dessa história do uso tecnológico, que nós não temos o hábito, dos limites de uma rede de informação que não existe acesso a Internet, a uma banda larga. Você não tem, imagine os municípios mais afastados. E você não tem equipe suficiente (Entrevistada 8). Esse eu acho que é um grande problema, é um entrave. Eu não sei se eu diria que 72 mais avanço normativo do que avanço real. Agora, traz desafios, muitos desafios: um dos desafios é a equipe se apropriar do conceito de beneficio, refazer a sua concepção do que é o próprio serviço (Entrevistada 4). Percebemos, complementando as reflexões anteriores, que os profissionais ressaltam a importância desses documentos, mas têm dificuldades em implementá-los, seja por questões estruturais, seja pela falta de profissionais para executar os serviços de integração, como também pela falta de apropriação dos conceitos. É importante destacar sobre o que abordaram as interlocutoras, em destaque a interlocutora 8, que esses documentos institucionais elaborados pelo Governo Federal não são amarras, e sim orientações e direcionamentos para os Estados e municípios para que tomem algumas concepções como referência. Entretanto, a metodologia de trabalho a ser utilizada pelos profissionais são deles, que têm sua autonomia para implementar tais propostas trazidas pelos documentos norteadores, a partir da realidade de cada CRAS. Para tanto, é necessário um processo contínuo de discussões para se pensar os processos e fluxos do trabalho, num movimento de aplicar na realidade, a partir da execução dos serviços, e voltar para a equipe para se discutir e avaliar. Ou seja, criar trabalhos de grupos contínuos e capacitação continuada desses operadores da política. É importante destacar que, por se tratar de um sistema novo, em fase de implantação de muitas de suas diretrizes, esse documento vem no sentido de unificação, padronização dos serviços que compõem o sistema único de assistência social. Vale mencionar que esses documentos são normatizações que passaram por uma consulta e foram deliberados na VI Conferência Nacional de Assistência Social para tipificar e consolidar a classificação nacional dos serviços socioassistenciais – uma meta prevista no Plano Decenal de Assistência Social de estabelecer bases de padronização nacional dos serviços e equipamentos físicos do SUAS e com o objetivo de evitar a superposição de ações. 3.1 Serviços e benefícios em Maracanaú Após apresentarmos os principais instrumentos de gestão dos serviços e benefícios da política de assistência social, daremos continuidade às nossas discussões, analisando alguns dados empíricos da pesquisa. De acordo com as análises dos relatórios de gestão de 2005 a 2009, observamos mudanças significativas de como eram tratados conceitual e organizacionalmente o relatório de gestão (2009). Os serviços e benefícios executados pela 73 assistência social do município estão no quadro abaixo: Tabela 1 – Síntese dos serviços oferecidos pela política de assistência social em Maracanaú de 2005-2008: Serviços Local onde era executado Serviço de atenção às famílias. CRAS Ações socioeducativas com as famílias (ASEF); Entidades conveniadas 43 Serviço de atenção à pessoa com deficiência; Entidades conveniadas Serviço de atenção à pessoa idosa Entidades conveniadas e Centro de Convivência do idoso44 Serviço de atendimento a crianças e adolescentes de 7 a Polos de Convivência 17 anos Serviço de atendimento aos jovens/ Agente Jovem CRAS Serviços complementares CRAS, outros equipamentos e diretamente pelo setor. a) Inclusão produtiva b) Segurança alimentar Fonte: SASC/ Pesquisa direta. Relatórios de gestão 2005, 2006, 2007, 2008. Na tabela acima, antes de adentramos no cerne da discussão, faremos uma apresentação dela. Na primeira coluna, apresentamos como estavam organizados os serviços oferecidos pela política. Na segunda coluna, onde esses serviços eram executados. Em relação aos serviços, observamos que eles aconteciam de forma pulverizada, com um leque de serviços executados por diferentes equipamentos da assistência social, não existindo um equipamento de referência para organizá-los. De acordo com a PNAS, o CRAS é o responsável pela gestão da política de assistência social no território, sendo este quem organiza, gerencia, articula e integra os serviços do CRAS com a rede socioassistencial do território, que são os outros equipamentos e as entidades conveniadas. 43 Entidades sem fins lucrativos (ONGs, associações) que, por meio de convênio com a Prefeitura, executavam serviços de assistência social. 44 Equipamento da Secretaria de Assistência Social de Maracanaú que desenvolvia ações e acompanhamento a pessoas idosas. 74 Porém, conforme expusemos na tabela acima, o que acontecia era o inverso, cada serviço destacava um equipamento diferente, como por exemplo, o serviço de atendimento a crianças e adolescentes. Nos relatórios, ele era representado pelos polos de convivência social45, e o serviço de atenção às crianças de zero a seis anos eram executados pelas entidades conveniadas. O que esse movimento sugere é que o público desses serviços procurava espontaneamente os equipamentos e não havia interfaces com os serviços considerados como a porta de entrada no sistema único que é o CRAS. Essas famílias não eram acompanhadas e o CRAS não tinha como monitorar que serviços e benefícios as famílias atendidas ou acompanhadas estavam acessando junto à rede socioassistencial. Na tabela a seguir, apresentamos como estavam organizados os benefícios socioassistenciais e onde eram concedidos: Tabela 2 – Síntese dos benefícios oferecidos pela política de assistência social em Maracanaú 2005-2008: Gestão dos benefícios eventuais (Resolução nº 20/2005 – CMAS) Local onde era concedido Benefícios de segurança alimentar: cesta básica e leites especiais. Benefícios socioassistenciais: auxílio-funeral, BPC. Benefícios de cidadania civil: encaminhamentos para casamento civil, segunda via de certidão de nascimento, RG, CTPS e passe-livre. CRAS Benefícios de apoio à reabilitação e mobilidade: cadeira de rodas, cadeiras higiênicas, óculos de grau, colchão d’água, colchão caixa de ovo, fraldas geriátricas e muletas. Benefícios de apoio à acessibilidade/ transporte: passagens municipais, intermunicipais e interestaduais; transportes de pacientes, carro para mudança. Benefícios de acesso a ações complementares socioambientais: limpa-fossa Fonte: SASC/ Pesquisa direta. Relatórios de gestão 2005, 2006, 2007, 2008. 45 Equipamentos estatais da assistência social de Maracanaú que atendem a crianças e adolescentes em atividades culturais, esportivas, lazer, lúdicas etc. 75 Para compreendermos a proposta de regulamentação, reportamo-nos a como eram organizados os benefícios em Maracanaú antes da implantação do SUAS. Como destacado anteriormente, existia o Movimento de Promoção Social, maior ação da assistência social do município na época. Tal movimento concedia benefícios das mais diversas categorias: saneamento, moradia (material de construção), saúde (aparelhos ortopédicos e outros) e alguns socioassistenciais (CASTRO, 2010). Em relação a esse período, uma entrevistada destaca: Os serviços eram pautados principalmente por segmentos tais como criança, idoso e executados pelo Movimento de Promoção Social, ONG ligada à primeira-dama do município e em parceria com outras entidades comunitárias. Os benefícios também eram geridos pelo Movimento. Na verdade eram o foco da política e não tinham nenhuma relação com os serviços (Entrevistada 3). Tal perspectiva retrata que os benefícios não estavam claramente definidos, tendo em vista a diversidade de natureza do benefício (saúde, habitação etc.), distanciando-se de uma proposta mais ampla de proteção social, alimentando práticas assistencialistas que vão de encontro ao que está proposto na LOAS. [...] faltou tratamento específico desses benefícios no campo dos instrumentos de gestão da política pública de assistência social. Na verdade, muitos municípios não têm clareza conceitual de suas ações sociais e não sabem distinguir ações personalistas e não especializadas desenvolvidas por pessoas de boa vontade e por primeiras-damas dos benefícios eventuais na LOAS (PEREIRA, 2010, p. 20). Em Maracanaú, segundo os documentos analisados, houve uma primeira tentativa de regulação desses benefícios eventuais, em 2005, com a Resolução nº 20 do CMAS, em que há uma redefinição dos benefícios que seriam “concedidos” pela política de assistência social, com sua caracterização e critérios para concessão (Tabela 1). Os benefícios hoje são geridos de acordo com as prerrogativas do SUAS, transferindo a eles um caráter de política pública. A assistência social passou a ser vista como direito, muito embora não tenham sido eliminadas as práticas assistencialistas em várias situações. A população vem aos poucos, se dando conta dessa mudança. Isso se reflete no grau de participação dos usuários nos espaços de controle social do município. Embora a mudança seja lenta e gradual, já se torna perceptível em diversos momentos (Entrevistada 3). Atualmente, são geridos no âmbito da Secretaria de Assistência Social e Cidadania, são regulamentados pelo CMAS e ofertados nos CRAS. As semelhanças se limitam à dificuldade de articular serviço e benefício, a cultura (em bem menor escala, mas ainda presente) da população pela busca do benefício através de figuras políticas (vereadores) (Entrevistada 2). 76 A regulamentação dos benefícios de acordo com a prerrogativa do SUAS, como destaca a interlocutora 3, pode ser considerada um avanço, porque, tendo em vista o levantamento nacional sobre os benefícios eventuais realizado pelo MDS (2009), somente 29,4% dos municípios que responderam à pesquisa, num total de 4.174, tinham regulação dos benefícios segundo os parâmetros das legislações especificadas. A entrevistada 2 nos chama atenção novamente para a questão que por diversas vezes neste trabalho estamos retomando: a do conservadorismo das ações, sempre mesclando as novas práticas às antigas; no caso, apresentando o uso clientelístico da política que, apesar de ter esse número reduzido, ainda existe, segundo a fala da interlocutora, a figura de pessoas que buscam intermediar a solicitação de benefícios e serviços para as famílias junto aos CRAS descaracterizando o caráter de direito do cidadão que eles venham acessar a partir da política pública de assistência social. Dando continuidade a essa discussão, apresentamos a tabela seguinte, que sintetiza algumas mudanças acontecidas em Maracanaú a partir da perspectiva e orientação do protocolo de gestão integrada entre serviços e benefícios. 77 Tabela 3 - Síntese dos serviços e benefícios oferecidos pela política de assistência social em Maracanaú no ano de 2009 Serviços Local onde é executado 3.1 Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) 46 . Atividades desenvolvidas pelo PAIF: • Recepção e acolhida47 • Acompanhamento familiar48 • Gestão dos benefícios (ver nota descritiva) 3.2. Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos49. CRAS No CRAS e na rede socioassistencial do território dos CRAS, tendo como público-alvo as famílias referenciadas. Nota descritiva: Gestão dos benefícios: Resolução nº 09/2009. - Benefícios de segurança alimentar: cesta básica, leites especiais. - Benefícios socioassistenciais: auxílio-funeral, BPC. - Benefícios de cidadania civil: encaminhamentos para casamento civil, segunda via de certidão de nascimento, RG, CTPS e passe-livre. - Benefícios de apoio à reabilitação e mobilidade: fraldas geriátricas, colchão caixa de ovo e colchão d'água. - Benefícios de apoio à acessibilidade: transportes (passagens municipais, intermunicipais e interestaduais; carro para mudança). - Benefícios de acesso a ações complementares socioambientais: limpa-fossa. Fonte: SASC/ Relatório de gestão, 2009. 46 O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) consiste no trabalho social com famílias, de caráter continuado, com a finalidade de fortalecer a função protetiva das famílias, prevenir a ruptura dos seus vínculos, promover seu acesso e usufruto de direitos e contribuir na melhoria de sua qualidade de vida. Prevê o desenvolvimento de potencialidades e aquisições das famílias e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários por meio de ações de caráter preventivo, protetivo e proativo. O trabalho social do PAIF deve utilizar-se também de ações nas áreas culturais para o cumprimento de seus objetivos, de modo a ampliar universo informacional e proporcionar novas vivências às famílias usuárias do serviço (MDS, 2009, p. 6). 47 É um procedimento que visa a facilitar o acesso de famílias, seus membros e indivíduos aos projetos, benefícios e serviços socioassistenciais, por meio da identificação da demanda, da indicação apropriada aos serviços oferecidos pela rede de proteção social de assistência social e da verificação e da avaliação da efetividade dos atendimentos e encaminhamentos realizados (MDS, 2006). 48 Acolhida ou segurança de acolhida é a família ser ouvida, atendida em suas demandas, interesses, necessidades e possibilidades, receber orientações e encaminhamentos, com o objetivo de aumentar o acesso a benefícios socioassistenciais e programas de transferência de renda, bem como aos demais direitos sociais,civis e políticos, ter acesso a ambiência acolhedora e ter assegurada sua privacidade (CNAS, 2009) 49 Serviço realizado em grupos, organizado a partir de percursos, de modo a garantir aquisições progressivas aos seus usuários, de acordo com o seu ciclo de vida, a fim de complementar o trabalho social com famílias e prevenir a ocorrência de situações de risco social. Forma de intervenção social planejada que cria situações desafiadoras, estimula e orienta os usuários na construção e reconstrução de suas histórias e vivências individuais e coletivas, na família e no território. Organiza-se de modo a ampliar trocas culturais e de vivências, desenvolver o sentimento de pertença e de identidade, fortalecer vínculos familiares e incentivar a socialização e a convivência comunitária. Possui caráter preventivo e proativo, pautado na defesa e afirmação dos direitos e no desenvolvimento de capacidades e potencialidades, com vistas ao alcance de alternativas emancipatórias para o enfrentamento da vulnerabilidade social. (MDS, 2009, p. 9). 78 Podemos observar que, de 2005 a 2008, nos relatórios de gestão, os serviços eram apresentados separadamente dos benefícios (vide resumo na tabela 1). A partir de 2009, ele já compõe o serviço de atendimento às famílias, não como uma ação separada e executada independente deste, mas como uma atividade desenvolvida pelo PAIF. O CRAS é colocado como o principal equipamento que organiza, gerencia e articula esses serviços e benefícios no território. Todos os outros equipamentos que executam alguns desses serviços, como vimos na tabela 1, entram como rede socioassistencial, onde o CRAS referencia e encaminha as famílias que ele atende e acompanha. Foram estabelecidos apenas dois tipos de serviço: o PAIF e os serviços de convivência. Vimos na tabela 1 que eram subdivididos em vários serviços. Os benefícios entraram na ação do PAIF, dentro da perspectiva de articular o benefício eventual ou de transferência de renda ao serviço do CRAS, não mais de forma separada, como vimos na tabela 1. Tal relação dá o direcionamento conceitual que as famílias que recebem algum benefício estão inseridas em algum serviço: Ao fugir da lógica do benefício pelo benefício, a articulação (serviços - benefícios) enseja a possibilidade de instaurar as ações complementares que possibilitem a instauração da “alta social” das famílias beneficiadas e sua consequente emancipação (Entrevistada 2). A lógica do benefício pelo benefício, trazida pela entrevistada da pesquisa, é uma prática em que há foco somente na concessão do benefício, e não em outros serviços que possam oferecer condições para a redução de vulnerabilidades e riscos, acompanhamento e inserção em cursos de inclusão produtiva, serviços de segurança alimentar para as famílias. Tal prática está presente no histórico da política de assistência social, quando, dentre outros, por muito tempo permaneceu o plantão social, em que as famílias procuravam os serviços da assistência social para solicitar benefícios eventuais: Lá no CRAS também a gente tem várias demandas até do Bolsa Família. Às vezes a pessoa está no atendimento técnico e pergunta: Você já veio ao CRAS? - Já, vim fazer cadastro (Grupo de discussão). O exposto acima nos leva à percepção que ainda está muito incutido no imaginário das famílias a assistência social como provedora de benefícios. Apesar de conceitualmente tentar-se organizar e fomentar uma nova proposta de organização dos serviços e benefícios (tabela 2), diferente da apresentada na tabela 1, há ainda muito a lógica do atendimento do 79 plantão social, ou seja, da demanda espontânea, do atendimento de balcão. A lógica trazida pelos CRAS no território não é de porta de entrada, mas é o CRAS na comunidade, acompanhando as famílias, aonde os benefícios vão se complementar aos serviços, como nos coloca a interlocutora: Se eu acompanho uma família idosa, a família do BPC com deficiência que está em casa, pode ser que haja necessidade de uma fralda, e aí o beneficio se complementa ao serviço. Complementar os serviços, no caso, principalmente esse de fralda geriátrica, esses de carro de mudança. Porque, olha, uma família precisa de um carro de mudança, porque está sendo despejada. Se ele pede três vezes, é porque essa família ela tem uma vulnerabilidade muito alta, seja pela renda que faz com que ela não tenha dinheiro pra pagar aluguel e ela fica migrando. Se ela tiver inserida no acompanhamento, no PAIF, quando surgir essa necessidade, o CRAS vai poder utilizar os benefícios. A tendência desses benefícios é serem complementares aos serviços (Entrevistada 8). Outra comparação entre as tabelas 1 e 2 diz respeito à regulamentação dos benefícios. Em 2009, respaldado pelo Decreto nº 6307, de 14 de dezembro de 2007, que dispõe que “as providências relativas a programas, projetos, serviços, benefícios diretamente vinculados ao campo da saúde, educação, integração nacional e demais políticas setoriais não se incluem na modalidade benefícios eventuais da Assistência Social” (Artº 9). As ações de socorro às vítimas de enchente passaram a se constituir ação da Defesa Civil, cabendo à Secretaria de Assistência Social acompanhar essas famílias e abrigar quando necessário (CASTRO, 2010, p. 58). Muitos benefícios e serviços foram direcionados para a saúde, como óculos de grau, transporte de pacientes, cadeiras de rodas e higiênicas etc.50. Tal processo foi considerado um avanço no que se refere aos benefícios eventuais: E aí uma grande questão que, dois anos pra cá, houve um grande avanço para a política de assistência, foi a da gente ter conseguido romper com alguns benefícios que estavam na assistência, mas eram da saúde, do âmbito da saúde, como por exemplo: prótese, transporte de pacientes... Eram benefícios que era concedido pela assistência, mas gerava grande discussão, porque eles tinham um cunho muito mais na perspectiva da saúde (Grupo de discussão). Para que fique clara a importância dessa regulamentação por parte do CMAS do município e da mudança de alguns benefícios para a saúde, como nos explica a interlocutora, Pereira (2010) informa que, desde 1996, com a regulamentação do BPC, os benefícios eventuais vêm sendo alvo de preocupações coletivas, pois era preciso decifrá-los, defini-los e 50 Vide resumo na tabela 2. 80 identificar os seus papéis político e estratégico. Em uma pesquisa realizada pela autora nos anos de 2004 a 2009, ela verificou que, em linhas gerais, em muitos municípios brasileiros, os benefícios eventuais não estavam claramente definidos, restringindo-se às prestações de distribuição de cestas básicas, filtros, leites, cadeiras de rodas, próteses, material de construção, medicamentos, ligações telefônicas, laqueaduras etc. A autora diz ainda que isso é um misto de indefinição e falta de comprometimento das outras políticas. A próxima fala se complementa à anterior e ajuda a compreender melhor a importância de alguns benefícios terem sido repassados para serem geridos por outras políticas: É em relação aos benefícios eventuais, e nisso eu digo que a gente teve alguns avanços, porque quando o município concedia cadeira de rodas, por exemplo, a gente tinha aquele olhar só na necessidade da cadeira de rodas. Agora, quando a gente passou isso para a saúde, a saúde tem que se preocupar não só com a cadeira de rodas, mas com a reabilitação da pessoa com deficiência, da saúde do idoso. Então, ele tem que criar uma rede de serviços de saúde que se complemente ao beneficio da cadeira de rodas. Isso foi um avanço, o conselho regulamentou os benefícios eventuais (Entrevistada 8). Para que consigamos identificar o volume de concessão de benefícios e o impacto que a regulamentação causou na concessão dos benefícios, entendendo o que a interlocutora explica, observemos o gráfico abaixo: Gráfico 1 Número de benefícios concedidos pelos CRAS de 2005-2009: 11091 10378 5582 Benefícios Concedidos 1029 2005 242 2006 2007 2008 2009 Fonte: Pesquisa direta. Relatórios de gestão 2005-2009. Observamos a partir dos dados da tabela que houve, durante os anos de 2006 a 2009, 81 uma diminuição no número de benefícios eventuais, principalmente porque muitos foram para a saúde, como a concessão de: óculos, cadeira de rodas, muletas, colchão d'água e colchão caixa de ovo. Mudanças que foram citadas pela interlocutora: De beneficio eventual diminuiu significativamente, por quê? Na minha visão pessoal, minha, análise minha, eu quase não tenho mais benefícios, então diminuiu porque alguns foram para a saúde: prótese, cadeira de rodas, higiênico... Eles foram para a saúde, então... Tinha cem pedidos de óculos por mês, hoje eu não tenho mais óculos, desde 2009 que eu não tenho óculos, não tenho pedido, não chega mais ao CRAS solicitação de óculos. E os outros benefícios foram para a saúde. Os benefícios que ficam na área da assistência, o único beneficio que eu ainda tenho uma demanda considerável é segunda via de certidão nascimento, o restante quase não tem procura. Cesta básica, há seis meses o CRAS não entrega. Então, se eu não entrego há seis meses cesta básica, eu não tenho demanda. O auxílio-funeral é um por ano; o próprio auxílio-natalidade, que achei que fosse gerar uma demanda significativa, eu tenho nove pedidos, nove. Assim, eu não acho que há mais uma busca pelos benefícios eventuais... Eu não visualizo. (Grupo de discussão). Porém, essas mudanças não foram completas e não ocasionaram grandes rupturas. São processos de negociações e convencimento com os gestores de outras políticas que os benefícios da política de assistência social estão integrados dentro das ações do CRAS e tem caráter socioassistencial. A próxima fala aponta que até os benefícios que permanecem com a assistência social ainda precisam ser reformulados dentro dessa nova perspectiva de integração de serviços e benefícios: Hoje predomina o auxílio-natalidade e o auxílio-funeral. Esses benefícios ainda são muito precários, porque eles são só na concessão dos serviços, não envolve renda. Então, eles não são ainda benefícios que gerem impacto na vida das famílias. Os outros benefícios que existem, na verdade, são acomodações dentro das necessidades das pessoas que a gente vai ter que migrar: no caso do leite, o leite especial de soja, para quem tem intolerância à lactose, ainda está na assistência social, mas a tendência é migrar para a saúde (Entrevistada 8). Enfim, atualmente, os benefícios são geridos no CRAS de forma descentralizada, ou seja, em cada território onde residem as famílias, não mais concentrados em um só órgão, como era no Movimento de Promoção Social. Tal processo pode ser resumido nas falas: As diferenças do momento atual para 2004, antes da implantação do SUAS, são: a descentralização, a definição dos benefícios que realmente são de competência da assistência; a regulamentação pelo CMAS (controle social); a possibilidade de articular serviços e benefícios (Entrevistada 3). Os benefícios eventuais são regulamentados através da resolução do CMAS que determina quais benefícios e os critérios para concessão. A família solicita ao CRAS ou aos técnicos, identificando a necessidade solicitam à coordenação da proteção 82 social a liberação dos mesmos. Eles não têm regularidade. A entrega é realizada via visita domiciliar e algumas famílias, dependendo da avaliação técnica, passam a receber acompanhamento social. O PBF e o BPC são benefícios concedidos pelo Governo Federal e geridos pelo CRAS. O atendimento relacionado ao CadÚnico e o PBF é realizado no CRAS, contempla atendimento para atualização cadastral, resolução de multiplicidade, transferência de município, cadastro novo, desmembramento familiar, solicitação de desbloqueio e reversão de cancelamento, além de informações, orientações e encaminhamentos. A gestão do PBF contempla acompanhamento das famílias em situação de descumprimento das condicionalidades através de visita domiciliar, elaboração de relatórios sociais, preenchimento de relatório no SICOM, articulação com a rede socioassistencial, reuniões com as famílias, alterações cadastrais. O descumprimento é bimestral, portanto, a cada dois meses recebemos do GESUAS a relação das famílias nessa situação. Em relação ao BPC, a família recebe orientação, preenchimento do instrumental, agendamento do atendimento no INSS, articulação com a Defensoria Pública da União para garantir o acesso ao BPC. Para aqueles já contemplados com o benefício, é realizada visita de acompanhamento social, reuniões com as famílias, atendimento individual, concessão de benefícios eventuais, encaminhamento para a rede (Entrevistada 1). É importante destacar que, nessa descrição, o que nos revela a entrevistada 1 ao descrever a forma de gestão e solicitação dos benefícios é que, ao não destacar ou informar se há articulação desses benefícios com os serviços existentes no CRAS, estes são apresentados como se fossem trabalhados de forma separada. A tendência apontada acima é a da lógica da primazia do benefício e não da integração serviços e benefícios. Uma outra dificuldade que foi visualizada é a da segmentação dos usuários, sendo que a proposta da política é a da matricialidade familiar. As falas abaixo expõem essa questão: A gente não tem nem um sistema informatizado que possibilite essa informação, geralmente por segmento mesmo. Geralmente ele está com beneficio eventual, ele tem família Bolsa Família, também tem BPC, entendeu? O BPC e o PETI é com mais clareza, porque como é um público fechado, pequeno, geralmente pequeno, eu sei quantos BPCs tem, quantos BPCs estão no Cadastro Único, quantos têm Bolsa Família. Não posso dizer do ProJovem porque é um grupo pequeno, a gente precisa fazer agora, maio e junho desse ano, e PETI também. Agora, do Bolsa Família, que é muito maior, eu não tenho sistema informatizado, eu não sei te dizer precisamente. O que eu posso lhe dizer, até por uma exigência da própria política, as famílias atendidas no CRAS estão no Cadastro Único e, quando elas não estão, a gente providencia a visita pra fazer, pra avaliar e pra poder colocar no CadÚnico. Mas o que a gente vê muito é isso, é muito difícil... (Grupo de discussão). Ela fala muito em matricialidade familiar, família, só o que traz é a família! Só que, quando ela cobra a gente ela, cobra segmentos, ela cobra BPC, ela cobra PET ela cobra Bolsa Família, aí a gente tem que fazer um serviço... É pra família BPC, é pra família PETI, mas quando eu trabalho família PETI, família BPC ou Bolsa Família, são aspectos diferenciados que preciso abordar (Grupo de discussão). Na análise do conjunto das falas, observa-se que as interlocutoras afirmam que a política cobra segmentos, porém o enfoque da política para ser trabalhado nos CRAS é a família. Nesse caso, há um entendimento diferente da PNAS. A Política Nacional de 83 Assistência Social diz que o público a ser referenciado pelos CRAS são famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade social, decorrente da pobreza, privação ou ausência de renda, acesso precário ou nulo aos serviços públicos, com vínculos afetivos relacionais e de pertencimento social fragilizados, que vivenciem situações de discriminação, sendo o seu público prioritário: famílias que recebem o Bolsa Família, famílias que tenham beneficiários do BPC, famílias com crianças inseridas no PETI. Ou seja, a perspectiva do benefício ainda está tão arraigada no imaginário e nas ações dos profissionais que eles mencionam trabalhar os beneficiários, e não as famílias dos beneficiários do BPC, do PBF ou do PETI. Os trechos seguintes reafirmam as proposições assinaladas anteriormente, complementando as duas falas apresentadas acima: A gente via o BPC de idoso e deficiente, aí eu pensei: não dá pra fazer grupo, mas como é que eu vou trazer esse povo BPC deficiente? Porque a maioria é paralisia cerebral, estão acamados, como é que eu vou fazer, então? Não, não dá pra fazer grupo. Então vai ter que ser um acompanhamento domiciliar. E visitando as famílias eu via, na questão mesmo da adaptabilidade, que muitas das exigências não eram porque a pessoa era negligente, mas é por falta de conhecimento (Grupo de discussão). Como é que eu vou trazer esse povo pro CRAS? Não dá pra fazer isso! Porque tem a questão dos carros, então deixando trabalho para os cuidadores, aí eu comecei a fazer um projeto no CRAS e equipe de saúde está disponível, uma agente de saúde que ia estar junto comigo para que a gente pudesse fazer a visita social, dar os encaminhamentos da parte do CRAS e aquele agente de saúde dar outras orientações. Porque não está na minha competência olhar e dizer: “Olha, a senhora não está, a senhora precisa melhorar isso e isso na higiene e limpeza”. É interessante fazer essa articulação. Eu encontrei essa abertura na equipe de ação, eu converso com outra coordenadora e ela diz: “É um problema, porque a gente não sabe como é”. E esse é um marco que a gente não pode definir, não pode negar, é o avanço da própria assistência social, que é legalizar, deixar tudo normatizado (Grupo de discussão). Os dados acima evidenciam e reafirmam o que já fora analisado anteriormente, ou seja, que existem entendimentos diferenciados dos propostos pela política de assistência social. A interlocutora da primeira fala, ao tentar descrever uma ação onde iria articular famílias que recebem o BPC com o serviço oferecido pelo CRAS, de grupos de convivência, ou seja, articular serviços e benefícios, traz uma concepção que tem de se trabalhar o beneficiário do beneficio, e não a família do beneficiário. O trabalho social com as famílias a que se propõe o CRAS, segundo a política, é o fortalecimento dos vínculos familiares, do direito à convivência social. A família deve ser apoiada para exercer seu caráter protetivo aos seus demais membros em situação de dependência. O SUAS, ao eleger a matricialidade sociofamiliar como pilar, enfoca a família em 84 seu contexto sociocultural e em sua integralidade. Para se realizar qualquer trabalho com as famílias, é preciso enfocar todos os seus membros e suas demandas, reconhecer suas próprias dinâmicas e as suas repercussões da realidade social, econômica e cultural vivenciadas por elas, segundo Andrade e Matias (2008). Essas são questões que apontam para a necessidade da capacitação continuada dos trabalhadores. Ainda existem muitas questões que precisam ser trabalhadas para que as equipes se empoderem da proposta de articulação dos serviços e benefícios, pois ainda é muito presente a cultura do benefício e do beneficiário. Ao observamos os dados coletados na pesquisa documental com os da pesquisa de campo, observamos uma grande lacuna. Apesar de terem uma proposta diferente de organização dos serviços e benefícios que apontam para um novo direcionamento e concepções e uma nova forma de fazer e pensar conceitualmente, fica claro nos relatos que tal processo ainda não está incorporado no cotidiano dos CRAS. Tais mudanças não garantiram rupturas e necessariamente novas práticas. É claro que é importante ressaltar que foi um avanço a normatização desses benefícios, tal como a discussão da natureza deles – e ainda o repasse de benefícios de competência de outras políticas, buscando romper com a tradição histórica de encaminhar para a assistência social as demandas que as outras políticas não respostam. Para concluir essa discussão dos serviços e benefícios em Maracanaú, apresentaremos como foram sendo organizados os serviços e benefícios na política de assistência social. Destacamos que, além dos instrumentos normativos-legais apresentados, observamos mudanças institucionais em relação à rede de equipamentos de assistência social existente no município. Vejamos a tabela: Tabela 4: Síntese dos equipamentos da SASC nos anos de 2005 e 2009 2005 5 Polos de Convivência; 1 CRAS; 1 abrigo; 1 equipamento de Proteção Social Especial. 2009 6 Polos de Convivência; 6 CRAS; 1 restaurante popular; 5 cozinhas comunitárias; 1 CREAS; 1 abrigo; 1 Centro de Convivência do Idoso. Fonte: SASC/ Relatório de gestão 2005 e 2009. 85 De acordo com os dados, em 2005 o município contava com um CRAS e, no final de 2009, estava com seis CRAS, assim como outros equipamentos e serviços. Ou seja, ampliouse o número de equipamentos e puderam ser ofertados mais serviços. Esses dados numéricos apontam para um avanço quando se fala da implantação de equipamentos públicos de assistência social na tentativa de se formar uma rede de atendimento socioassistencial, já que, antes da implantação do SUAS, como a maioria das ações eram desenvolvidas por ONGs, não tínhamos equipamentos de referência na assistência social, nem em nível municipal nem em nível federal, já que a LBA havia sido extinta. Porém, somente com esses dados não dá para avaliar a qualidade dos serviços ofertados e as condições estruturais desses equipamentos. De acordo com os dados coletados, percebe-se que esse processo ainda se encontra em construção e com muita dificuldade na sua operacionalização, tendo em vista que, apesar de o município ter conseguido avançar em seus instrumentos legais-normativos, ter aumentado sua rede socioassistencial, com a implantação de diversos equipamentos, e de os CRAS possuírem a lista de beneficiários do BPC, do Bolsa Família e dos benefícios eventuais, como solicita o pacto de gestão dos benefícios apresentado no início deste tópico, a maior demanda que o CRAS atende ainda é relacionada à solicitação de benefícios: A grande demanda dos CRAS é Cadastro Único, Bolsa Família. Eu quase não tenho demanda, eu tenho duas pessoas por mês: uma que vem solicitar uma orientação, uma informação... Mas a grande demanda é Cadastro Único, é tanto que hoje a gente não consegue imaginar o CRAS sem cadastradores (Entrevistada 4). A fala acima e os dados coletados no CRAS demonstram que, apesar de o município ter avançado na oferta de serviços, segundo informação das interlocutoras da pesquisa, há uma maior procura pelo Bolsa Família, seguido pelos benefícios eventuais, apresentados na tabela 5. Para tentarmos entender os motivos desse aumento de demanda pelos benefícios de transferência de renda, é elucidativo o gráfico abaixo: 86 Gráfico 2 Número de Beneficiários do BPC E BF nos anos de 2005-2009 Benefíciários do Bolsa -Família 17040 2802 2791 2005 19127 3077 2006 3345 2007 Benefíciários do BPC 19433 3591 2008 20646 3904 2009 Fonte: Matriz da Informação/MDS/2009. Percebemos que, durante esses anos, há um aumento progressivo do número de beneficiários dos programas de transferência de renda, no caso, o Bolsa Família que, apesar de ser concedido pelo Governo Federal, fica sob a responsabilidade dos municípios, o atendimento e o cadastramento às famílias beneficiárias e àquelas que querem se cadastrar no programa, os processos de revisões, enfim, a gestão do programa. O Governo Federal é responsável pelo repasse direto do beneficio, tal como o processo de escolha das famílias beneficiárias. A política de assistência social tem, dentre outros, como público prioritário, as famílias do Bolsa Família e as famílias beneficiárias do BPC, aumentando o desafio dos CRAS de acompanha-las e inseri-las dentro da rede de atendimento socioassistencial, tal como com a articulação entre outras políticas públicas, ou seja, articular esses benefícios com os serviços oferecidos no CRAS através do PAIF e do serviço de convivência. Por que desafio? Pelo número de beneficiários, que chega a 24.560, se juntarmos BF e BPC (vide gráfico 3), para um número de seis CRAS que existem no município, onde a política coloca que cada CRAS acompanha diretamente mil famílias diretamente. Ou seja, de acordo com o que está preconizado na PNAS os CRAS de Maracanaú, teriam a capacidade de acompanhar apenas seis mil famílias diretamente. Esse quadro de dificuldades se amplia quando identificamos como está organizado o financiamento dos serviços e dos benefícios. Tal organização não caminha para processos de integração, como nos coloca a interlocutora: 87 Olha o que o SUAS faz: o SUAS diz que tem que estar, tem que ser maior que beneficio, só que não tem uma política de financiamento pra estruturar a rede, pra ampliar os locais de atendimento. Você tem um CRAS, mas não tem uma rede integrada ao CRAS que possa oferecer a convivência, então falta o financiamento público para ampliar o serviço. Aí, se você olhar da assistência social, é mais recurso destinado aos benefícios do que aos serviços. Você tira pelo Governo Federal: tem dinheiro pro Bolsa Família, mas não tem dinheiro pra estruturar a rede de serviço (Entrevistada 8). Para tentar analisar essa fala, pesquisamos sobre os valores investidos em nível federal para os serviços e para os benefícios em Maracanaú: Tabela 5: Repasse financeiro do Governo Federal para os serviços e benefícios em Maracanaú Benefícios BPC R$ 24.872.097,07 Bolsa Família R$ 3.950.926,00 Serviços Serviços de Convivência R$ 1.364.287,50 PAIF R$ 291.600,00 Fonte: Matriz da Informação/MDS/2009. Observando a tabela acima, identificamos que o valor investido nos benefícios são bem superiores aos investidos em serviços, como nos coloca a interlocutora. Vale ressaltar que esses valores são repassados diretamente para os beneficiários. No caso dos serviços, os valores são repassados ao município. Nessa direção, constata-se uma prevalência de investimento nos programas de transferência de renda, que, fora da perspectiva maior de articulação com outros serviços e a outras políticas como de emprego e renda, segurança alimentar etc., não permite vislumbrar perspectiva de autonomia desses beneficiários, encerrando a ação na pontualidade da concessão do benefício, reforçando a perspectiva da focalização da política em determinados segmentos. 88 Ou seja, é um paradoxo o SUAS apontar numa direção e o financiamento público apontar noutra. O SUAS aponta para integrar benefícios e serviços e o financiamento federal, do fundo público federal, enfatiza o beneficio do Bolsa Família. Percebemos que articular serviços e benefícios mexe com uma questão histórica na assistência social, que é a cultura da solicitação do benefício, ou seja, a primazia pelo benefício – o que caracteriza, na assistência social, o privilégio de ações de caráter imediato e emergencial. A PNAS propõe um conjunto articulado de ações para que se possa pensar em formas de superação das adversidades e das necessidades imediatas dos usuários, pois, se mergulharmos na proposta de só conceder o benefícios, não vamos pensar e trabalhar sobre as questões sociais que estão por trás de uma solicitação de uma cesta básica, ou que está por trás de uma família que teve seu benefício do Bolsa Família cancelado ou bloqueado, ou por que a criança não está indo para escola – ou seja, das necessidades reais de uma família com um beneficiário de BPC que não está acessando os serviços de saúde ou de educação, tendo em vista que muitas crianças que recebem BPC podem estar inseridas em atividades pedagógicas etc. Claro que não ficaremos presos à discussão do metiê das ações dos CRAS, mas a ideia é trazer a dimensão de que, quando eu articulo uma ação pontual de concessão de benefício a um serviço como o PAIF, onde as famílias precisam ser acompanhadas, orientadas sobre seus direitos sociais, pode-se estar articulando serviços de segurança alimentar para aquela família que solicitou cesta básica, pode-se estar identificando que aquela criança que não está indo para escola pode estar em situação de violação de direitos, em situação de trabalho infantil, onde o CRAS pode acionar em sua rede de atendimento o CREAS, podemse acionar outros serviços e benefícios de outras políticas como educação e saúde para os beneficiários do BPC, por exemplo. Nessa direção, após as primeiras aproximações e discussões com os dados da pesquisa empíricas onde apresentamos conceitos, a forma que os serviços e benefícios estão organizados em Maracanaú e as duas principais normatizações (protocolo de gestão e tipificação dos serviços e benefícios) que preveem o processo de integração entre serviços e benefícios, as falas que se seguem são reveladoras para se discutir se o processo de integração, a partir da perspectiva das entrevistadas, realmente está acontecendo e como é vivenciado dentro do cotidiano de quem a executa: 89 A tipificação não é suficiente para estabelecer os procedimentos e as rotinas de trabalho. Passa pelo processo de trabalho, pelos processos de trabalho de cada CRAS. O que significa atender, acolher, acompanhar, o que significa isso? Os próprios serviços têm dificuldade de dialogar, PAIF e serviço de convivência têm dificuldade de dialogar. É um sistema novo que está no imaginário nosso, já conseguiu se firmar como, eu diria, um sistema que está posto. Hoje a linguagem padronizada é sua, agora é um sistema que tem muito para ser feito, muito. A gente apenas sinalizou com ele, eu acho que logo, logo ele precisa ser avaliado: inclusive é avançar nesses entraves, se não a gente não consegue avançar para vir recursos (Grupo de discussão). Então, eu diria que nós avançamos muito em termos de normatização, mas, em termos de realidade concreta, a gente ainda tem muita coisa pra caminhar (Entrevistada 8) Nessas falas, as interlocutoras apontam que se avançou bastante nas normatizações, ou seja, em documentos que dão legalidade à política de assistência social, mas esses documentos (protocolo de gestão e tipificação) não são suficientes para garantir a integração, tal como a qualidade dos serviços oferecidos pelos equipamentos (CRAS e CREAS), como discutimos. Nessa direção, existem muitas questões que se apresentam na realidade, no cotidiano dos CRAS, que são determinantes para discutirmos o processo de integração. Ou seja, além das questões já apresentadas e discutidas até aqui, existem outros rebatimentos que interferem diretamente nos caminhos para se chegar ao que está proposto para conseguir tal articulação, exemplificada no parágrafo anterior. São questões muito relevantes que surgidas dos dados das entrevistas e principalmente do grupo de discussão que fomenta o debate para que consigamos nos aproximar cada vez mais do objeto, na tentativa de perceber, identificar elementos, dificultadores, facilitadores, relacionados a estrutura, culturais etc., que vão interferir diretamente na efetivação dessa proposta de articulação. Denominamos as questões que se apresentaram no trabalho de campo de categorias empíricas. Subdividimo-as em temáticas: 1) recursos humanos, 2) monitoramento e avaliação, 3) intersetorialidade e; 4) a questão da participação dos usuários da política. 90 3.2. Na contramão da consolidação do SUAS: a política de recursos humanos do SUAS e a necessidade de capacitação X a precarização das relações de trabalho Uma questão recorrente nas falas das interlocutoras e nos dados da pesquisa documental foram os recursos humanos na política de assistência social. Para fins didáticos, resolvemos apresentar as questões que surgiram na pesquisa empírica a partir dos seguintes tópicos, que apareceram nas análises dos dados: a precarização das relações de trabalho dos funcionários da assistência social, a questão da capacitação continuada e a questão dos projetos profissionais individuais. O processo de implantação do SUAS nos municípios brasileiros ampliou substancialmente o mercado de trabalho para profissionais que tradicionalmente já atuam na área da assistência social, como os assistentes sociais, os pedagogos, além de criar novos espaços para profissionais como nutricionistas, educadores físicos, terapeutas ocupacionais, economistas domésticos, técnicos agrícolas etc. Novos espaços foram sendo criados nos CRAS, CREAS, centros de convivência, cozinhas comunitárias e programas de segurança alimentar e inclusão produtiva, que ampliaram o leque de possibilidades de intervenção para aquelas diversas categorias profissionais. Porém, nesse mesmo processo de ampliação do mercado para os profissionais, aumenta-se a precarização das relações de trabalho e de contratação. Na condução do SUAS, o agente público, ou seja, o profissional desempenha um papel estratégico. Ele é o principal responsável pelas funções de execução, articulação, planejamento, coordenação, negociação, monitoramento e avaliação dos serviços desenvolvidos. Assim, é imprescindível, para se ter qualidade dos serviços socioassistenciais prestados e continuidade deles, ter-se uma política de recursos humanos adequada à nova institucionalidade que o sistema exige. A fala da interlocutora é elucidativa para discutirmos essa questão no nosso terreno de investigação: [...] a rotatividade de pessoal é muito grande, então tem entraves ainda, sabe? Mas eu diria que uma das maiores dificuldades de integração, benefícios e serviços é que o volume de serviços não acompanha o volume de benefícios. Se você tem 40 mil beneficiários, você não tem equipe que possa cobrir esse número de beneficiários, porque não existe quadro de pessoal (Entrevistada 8). A interlocutora vai colocar que não existe um número suficiente de profissionais para acompanhar a quantidade de famílias que existem nos territórios de abrangência dos CRAS. Para discutir essa questão, aliando aos dados da pesquisa de campo, apresentamos números da 91 pesquisa documental para que possamos visualizar o número de técnicos que trabalham nos CRAS frente ao grande número de famílias que precisam ser acompanhadas: Tabela 6: Relação de famílias a serem referenciadas pelos CRAS's X número de profissionais CRAS Número de famílias referenciadas Número de profissionais Nível superior (psicólogos e assistentes sociais) CRAS 1 8.517 famílias 3 CRAS 2 3.127 famílias 4 CRAS 3 1.101 famílias 2 CRAS 4 13.454 famílias 2 CRAS 5 3.147 famílias 5 CRAS 6 9.982 famílias 2 Fonte: Pesquisa direta. Dados da pesquisa documental/ Ago. 2010. A PNAS sugere que cada CRAS acompanhe mil famílias diretamente, referencie cinco mil e que cada equipamento possua uma equipe mínima de quatro profissionais de nível superior para a realização das atividades no CRAS. Diante dos dados apresentados na tabela 2, percebemos que três CRAS estão com a capacidade de atendimento e acompanhamento das famílias bem acima do que a política propõe. Na área do CRAS 1, seria preciso a implantação de mais um CRAS ou ampliação da equipe; no CRAS 4, seria preciso a implantação de mais dois CRAS's para atender o número de famílias que reside nessa área de abrangência; e no CRAS 6, seria preciso a implantação de mais um CRAS para estar de acordo com o que a política sugere e para conseguir desenvolver as ações que são propostas. 92 Tal questão é muito relevante quando se pensa em articular serviços e benefícios, visto que se tem um número bem maior de beneficiários do que profissionais para acompanhar, reforçando a última fala da interlocutora. Ainda nessa mesma perspectiva de discussão, observemos a tabela e o gráfico abaixo no que se refere a forma de contratação dos recursos humanos nos CRAS: Tabela 7: Descritivo das formas de contratação do RH da SASC: Forma de contratos Total Concursados 18 Terceirizados 14 Cargos comissionados 1 Contrato temporário 34 Estagiário 12 Total de funcionários nos CRAS 79 Fonte: Pesquisa direta. Dados da pesquisa documental/ Ago. 2010 Gráfico 3 Relação entre trabalhadores do SUAS concursados x temporários 23% Concursados Temporários 77% Fonte: Pesquisa direta. Dados da pesquisa documental/ Ago. 2010 Os dados acima nos revelam que 77% dos funcionários que estão trabalhando nos 93 CRAS possuem contrato temporário. Essa é uma realidade que os municípios brasileiros têm enfrentado, onde os gestores ainda estão se adaptando à proposta do SUAS e às normas que surgem. A NOB RH/SUAS aponta para a existência necessária de servidores públicos responsáveis pela sua execução das atividades socioassistenciais, fazendo-se necessário a contratação de recursos humanos por concurso público: “Possibilitar condições efetivas de trabalho para os servidores públicos que atuam na área de assistência social significa constituir base sólida para a consolidação do sistema” (MDS, 2008). Porém, com a não existência de concurso, o município tem adotado a contratação de recursos humanos (RH) para a execução do SUAS por meio de terceirização, contratos temporários e cargos comissionados. Tal tendência de contratação e gerenciamento do RH contribui para a precarização do trabalho dos técnicos, trazendo prejuízos à qualidade dos serviços ofertados aos usuários da assistência social, como nos relata uma interlocutora: O sistema avança em termos de organização dos serviços, mas a questão de pessoal não acompanha o mesmo ritmo. Isso dificulta a integração e os avanços que o SUAS precisa ter. Talvez se a gente avançar na NOB-RH, na formação de quadro de pessoal estável, concursado, a gente consiga realmente consolidar o sistema (Entrevistada 6). Embora não se objetive aprofundar, é importante destacar para se compreender esse processo de precarização das relações de trabalho, observando que o processo de financeirização da economia51 e o processo de reestruturação produtiva trouxe profundas alterações nas formas de produção e de gestão do trabalho perante as exigências do mercado em contexto de mundialização do capital. Os profissionais que trabalham nos CRAS também são alvos dessa nova gestão de mão de obra, que precariza as relações de trabalho, seja nas formas de contratação: por projeto, por serviço, por tempo determinado, seja uma contratação precária, com perda de direitos, contenção salarial, diminuição de concursos públicos e, para aqueles que são concursados, o não incentivo a carreira. A NOB-RH/SUAS busca definir questões no que diz respeito à gestão do trabalho e a sua importância, dentre outros, para garantir a qualidade da prestação dos serviços a serem 51 Esse novo regime de produção e de favorecimento dos investimentos especulativos em detrimento da produção se projeta no mundo gerando recessão. Nesse contexto de reestruturação produtiva, afeta os processos de trabalho, o mercado de trabalho, os direitos sociais, atinge a luta sindical e precariza as condições e as formas de gestão (contratação) do trabalho. 94 ofertados. Tal documento traz como diretrizes para a gestão do trabalho no contexto do SUAS: necessidade de equipes permanentes de profissionais de referências, de planos anuais de capacitação, além de definir Plano de Carreira, Cargos e Salários, implantação de plano de capacitação etc. Em relação a isso, observamos que o município não avançou muito, com algumas ações pontuais em relação essas questões, como nos retrata as falas das interlocutoras: [...] até muitos concursados, que antes trabalhavam na assistência social, pediram para ir para saúde por haver mais vantagens para o servidor (Entrevistada 5). [...] educação continuada dos trabalhadores da assistência social, estabelecimento de política de recursos humanos atrativa para esses trabalhadores (Plano de Cargos e Carreiras e concurso público) e profissionalização da gestão (Entrevistada 3). De acordo com os dados da pesquisa documental em 2005 e 2006, nos primeiros anos da implantação do SUAS no município foram convocados 32 profissionais que haviam feito concurso em 2003, o último que aconteceu em Maracanaú. Porém, não era suficiente para o número de equipamentos e serviços que foram sendo implementados durante os anos, até 2010, ano limite de análise dos dados dessa pesquisa. Como colocou a entrevistada, alguns saíram por motivos diversos. Ainda segundo dados da pesquisa documental, os concursados conseguiram gratificação por titulação, como nos conta uma interlocutora: Foi importante à conquista da gratificação de titulação para os profissionais concursados da assistência social, mas ainda temos que implementar o nosso plano de cargos e carreiras, com gratificação e incentivos para aqueles que querem trabalhar na assistência social, como forma de incentivar os profissionais a quererem fazer carreira na assistência social (Entrevistada 2). Como demonstrado no início deste capítulo, Maracanaú avançou em termos de descentralização da política. Hoje se pode falar em comando único no Município, ampliação do número de CRAS e outros equipamentos como o CREAS, Centro de Convivência do Idoso, Polos de Convivência, restaurante popular. Porém, não dispõe de condições para manter essa estrutura no que se refere a recursos humanos para condução da política, como nos afirma uma interlocutora: Então, a gente avançou muito na normatização, na organização dos serviços na territorialização, na implantação de equipamentos, mas falta um elemento que é fundamental, que é gente para atender, para acompanhar as famílias. O sistema hoje está ameaçado por não ter pessoal (Entrevistada 8). 95 Nessa direção, há dificuldade em se falar em continuidade e qualidade dos serviços ofertados pela política de assistência social, tal como a integração dos serviços e benefícios da assistência social, como nos diz uma das interlocutoras: De modo geral, os CRAS têm conhecimento, e acho que é consenso a importância e necessidade dessa articulação. Porém, tal articulação ainda é um desafio e exige capacitação e qualificação dos técnicos nos CRAS e CREAS (Entrevistada 3). Ou seja, na política de assistência social, o principal instrumento de desenvolvimento do trabalho social com famílias são os profissionais. Nessa direção, a qualificação deles tornase imprescindível: É preciso, então, centrar esforços na formação específica e capacitação continuada dos “agentes da ponta”, executores do trabalho social com famílias, bem como proporcionar a troca de experiência com os demais agentes. Lembrando que a importância dada à qualidade de condições de trabalho (o que inclui sua capacitação permanente) dos agentes se reflete na qualidade da política de acompanhamento familiar (ANDRADE; MATIAS, 2008, p. 11). Outra questão levantada pelas entrevistadas refere-se a dificuldades em se realizar o trabalho com as famílias e as comunidades sobre a questão da capacitação dos funcionários que operam a política. Pelas falas das entrevistadas, podemos perceber que elas se referem à necessidade de capacitação para aquisição de um conjunto de habilidades que lhes permitam criar e transformar em ações práticas os direcionamentos trazidos pela política: Eu acho que aí está o desafio, que é se apropriar do que versa a política. Nos CRAS, a equipe técnica ainda não está em contato com isso, não. Como é realmente trabalhar essa matricialidade familiar? O que é mesmo trabalhar? O que é mesmo esse acompanhamento familiar? É formar um grupo socioeducativo? Como eu vou trabalhar acompanhamento familiar? É esse o acompanhamento familiar que a política coloca? Então, eu acho que o desafio também está nisso, de esmiuçar essas questões (Grupo de discussão). O que é mesmo trabalhar com família? Eu acho que está faltando de nós técnicos, de nós profissionais do serviço social, da psicologia, pedagogia, de quem está em CRAS, eu acho que é como trabalhar com família. (Grupo de discussão). Essas questões apontadas pelas interlocutoras são pertinentes e nos faz refletir sobre a proposta desse sistema único. Ao passo que o SUAS ampliou os espaços ocupacionais, ele trouxe também uma exigência de novas habilidades e competências para se gerir e executar essa política pública, habilidades que têm de ir além do aparato burocrático das instituições. São habilidades de assessoria, consultoria, elaboração de diagnósticos, indicadores 96 sociais, planejamentos estratégicos, avaliação, monitoramento, metodologias de trabalho com as famílias, que exigem do profissional competência crítica para dialogar com essas normatizações postas pela política e com as exigências burocráticas e administrativas que existem quando se trabalha com gestão pública. Ainda refletindo sobre o que colocam as interlocutoras, o SUAS trouxe um conjunto de conceitos e novas propostas de metodologia de trabalho com as famílias que precisa ser apreendido pelos profissionais dos CRAS. São novos conceitos e novas terminologias como vulnerabilidades, riscos, empoderamento das famílias, proteções sociais básicas e especiais, instrumentos de gestão, monitoramento, avaliação, sistema de informação, indicadores sociais, impacto social, trabalho com as famílias de fortalecimento de vínculos, prevenção de riscos, desenvolvimento de potencialidades e desenvolvimento de autonomia que exigem capacitação. Um processo que se traduz na prática com um novo fazer e uma nova forma de se pensar, de se gerir esse sistema, organização dos serviços, benefícios, acompanhamento das famílias, implementação e gestão de equipamentos. As falas das interlocutoras abaixo, ilustram essa questão: Porque o profissional não se sente à vontade ou capacitado ou dominando aquela temática para estar à frente de um grupo para conduzir aquela discussão. Então, às vezes o profissional tem habilidade, competência ou seguridade para desenvolver uma linha de trabalho, e não para desenvolver uma outra linha (Entrevistada 7) [...] É preciso profissionais capacitados, e ainda existe fragilidade das formações acadêmicas no que se refere ao trabalho com famílias e comunidades (Entrevistada 6) São necessárias a qualificação e a abertura para o trabalho integrado e multiprofissional das equipes técnicas: a compreensão do significado dos eixos estruturantes do SUAS, especialmente a matricialidade sociofamiliar; o trabalho intersetorial das diversas políticas públicas (Entrevistada 5). As falas acima trazem questões para além da capacitação continuada dos profissionais: dizem respeito também às formações acadêmicas desses profissionais que não os têm capacitado para trabalhar metodologias de atendimento com as famílias. A educação permanente é concepção fundamental para qualificação das ações do SUAS, que não diz respeito só aos técnicos, mas aos conselheiros, à rede socioassistencial conveniada etc. Para concluir esse tópico, que trata das questões relacionadas aos recursos humanos da política de assistência social, destaco quatro falas de interlocutoras que consideramos muito relevantes para refletir: 97 Eu vejo assim: é cada um no seu quadrado. No máximo a gente consegue alinhar alguns conceitos, mas o trabalho, sei lá, a norma maior... Tá bem quadradinho assim, serviço social age assim e a psicologia assim, assim, assim... (Grupo de discussão). É, mas aí é que está: tem uma questão que eu acho que é muito particular do profissional. A gente tem uma equipe técnica que nem todo mundo está com a mesma linha de pensamento, não? Então, se eu colocar uma reunião para um grupo de gestantes, por exemplo, que eu vou trabalhar direitos da gestante, naquele mês elas vêm porque tem o kit-natalidade, não por conta do tema. Mas se eu ponho outro tema que está mais próximo delas, da realidade delas, eu sei que elas vêm com interesse maior pra reunião. Mas isso é uma coisa que eu tenho claro, que eu não estou à frente do grupo socioeducativo, é um outro técnico que está, e esse técnico muitas vezes... Porque aí não é defeito nem é qualidade, eu acho que vai de cada um, é da personalidade de cada um. Aquele técnico tem aquilo muito enraizado que você não consegue tirar aquilo dele, pelo menos assim: eu consigo no CRAS! Entendeu? É muito assim: “Eu acho que é desse jeito, porque tem que ser desse jeito, porque valeu”. Então, vamos supor: eu só quero trabalhar desse jeito (Grupo de discussão). [...] a gente lida com várias habilidades, vários saberes, várias competências, várias linhas de trabalho, entendeu? Não dá para um profissional ter competência e habilidade para trabalhar com famílias nas mais diversas tentativas, e entra também o que ela colocou (Grupo de discussão). Essa fala nos faz refletir sobre duas questões: a primeira diz respeito à dificuldade de trabalhar a interdisciplinaridade dentro do próprio CRAS, que iremos discutir com mais dados e profundidade no próximo tópico deste capítulo; a segunda diz respeito à dificuldade em se formar a identidade do trabalhador da assistência social, com vistas a consolidar um perfil técnico voltado para o interesse público de garantia dos direitos sociais. Aqui é importante considerar que, além das questões da precarização das relações de trabalho e do escasso número de profissionais, já discutidos acima, nós temos um passado recente de “concepções fortemente arraigadas no campo da assistência social, enquanto campo de improvisação, do voluntarismo e da desprofissionalização” (COUTO et al, 2010, p. 230). Nesse sentido, a política inova ao trazer como profissionais, técnicos de referência nos CRAS, como uma equipe mínima para se ter nesse equipamento, o assistente social e o psicólogo. Porém, são desafios a serem enfrentados no processo de implantação do SUAS a questão da redefinição do trabalho, do trabalho multidisciplinar a ser executado pelos operadores dessa política. As falas acima nos revelam a dificuldade, primeiramente, de perceber o papel desses profissionais dentro do CRAS e ainda como trabalhar esses diferentes saberes. A interlocutora aponta como se cada um quisesse trabalhar da sua forma, do seu jeito, e além disso confundem as atribuições privativas de cada profissional, como se isso fosse suficiente para cada um ficar enquadrado nos limites de suas atribuições – sendo que a política prevê a 98 relação entre as diversas áreas de saber e aponta para interdisciplinaridade com o foco de gestão de “difusão da política e dos direitos sociais” (COUTO et al, 2010, p. 231). A fala que se segue aponta para uma questão da muito interessante que, embora seja uma questão que não possa ser aprofundada, também não poderia passar despercebida nesta discussão, tendo em vista que debater integração de serviços e benefícios, que é uma proposta do sistema, perpassa essa questão de acreditar na proposta da política e de seus objetivos: Há algumas resistências em alguns CRAS. Eu acho que existe um desenho da própria política, dos trabalhadores da política, onde existem muitos trabalhadores que discordam, que não estão ganhando para propostas. Eu acho que para cada um também dificulta muito, tem que ter essa consciência também. Eu digo isso porque a gente já teve experiências de trabalhar com pessoas que discordam da política, como: eu discordo da política, eu não caminho da forma que tem que ser. Acaba criando problemas, aí é algo que é só uma colocação de como isso vai ser trabalhado, como isso vai ser conduzido. Eu não sei! Mas, realmente, se eu não tiver profissionais convencidos de que realmente aquela proposta, se ela não está ideal, ela tem que ser responsável, porque não depende de mim, não depende da fulana... É uma coisa bem maior, então eu posso estar propondo que ela se aprimore, eu não posso é estar me negando a fazer o que a proposta que a política diz que tem que ser. Agora chegou uma pessoa para ser atendida pelo CRAS ou participar, ou receber benefício eventual, ou que tem que ter Cadastro Único, eu não posso me negar a fazer porque eu discordo, porque eu acho que é tutelar, que é isso ou aquilo (Grupo de discussão). Segundo Raichelis (2010), além das dimensões objetivas que conferem materialidade ao fazer profissional, é preciso considerar também o modo que o profissional incorpora na sua consciência o significado do seu trabalho, as representações que faz da profissão, a intencionalidade de suas ações, as justificativas que elabora para legitimar sua atividade e orientam a direção social do exercício profissional: Refletir sobre os espaços sócio-ocupacionais implica considerá-los como expressões das dimensões contraditórias do fazer profissional, nos quais se consensam e se confrontam concepções, valores, intencionalidades, propostas de sujeitos individuais e coletivos, articulados em torno de distintos projetos em disputa no espaço institucional onde se implementam políticas públicas (RAICHELIS, 2010, p. 752). Ou seja, o trabalho dos profissionais que atuam nos CRAS é a expressão de um movimento que articula lutas por espaços de trabalho, competências e atribuições privativas, projetos societários ou projeto ético-político – ou não, já que nem todas as profissões fazem opção por um projeto. São questões que conferem direção social ao trabalho profissional. E os sujeitos se subordinam às normas institucionais, onde se organizam. A fala abaixo consegue sintetizar o que vem sendo colocado, complementando a fala da interlocutora do grupo de discussão exposto anteriormente no texto: 99 A assistência social prevê multiprofissionais. Você tem profissionais com diferentes valores, com diferentes jeitos de fazer e com diferentes projetos sociais, diferentes interesses, diferentes possibilidades. Então já existe aí uma dificuldade, que é construir uma unidade na equipe. Depois se tem uma dificuldade, que é construir uma unidade no próprio território e depois extrapolar a dimensão do território e ampliar esse território para o município (Grupo de discussão). Nesse sentido, partindo dessa perspectiva, a fala acima se torna compreensível de análise. No CRAS trabalham diversas categorias de profissionais. A própria implementação de políticas é um jogo complexo de conflitos e tensões que envolve diferentes protagonistas, interesses, projeto e estratégias, contexto em que são requisitadas a presença e a intervenção de diferentes categorias profissionais que disputam espaços de reconhecimento e poder no interior das instituições (RAICHELIS, 2010). Esse universo é heterogêneo, composto por pessoas de diversas áreas de formação, de acúmulo teórico-prático, de vínculos de trabalho diferenciados, de militância ou não na área da assistência social. Esse trabalho coletivo do SUAS é orientado por projetos profissionais que podem convergir, mas também podem se contrapor. Daí advém a compreensão do que a interlocutora chama de não estar ganho pelo projeto da política, discordando da política. Enfim, concluindo essa discussão sobre o RH, trago uma citação da autora Raichelis: Por ser uma área de prestação de serviços cuja mediação principal é o próprio profissional, o trabalho da assistência social está estrategicamente apoiado no conhecimento e na formação teórica, técnica e política do seu quadro de pessoal, e nas condições institucionais de que dispõe para efetivar sua intervenção (2010, p. 761). Em síntese, fica clara a importância em se repensar e discutir a questão dos recursos humanos no SUAS, tendo em vista que perpassam diversas questões, como as formas de precarização das relações de trabalho, capacitação continuada, condições de trabalho. Todas essas colocam em debate a direção política do trabalho, a qualidade dos serviços socioassistenciais e a continuidade deles, a construção de processos interventivos que promovam o protagonismo dos usuários, a superação da cultura histórica do pragmatismo e das ações improvisadas. São reflexões bastante pertinentes quando vai se trabalhar as ações de articulação dos serviços e benefícios da política. Será que os profissionais estão capacitados para executar, 100 problematizar e propor sobre o que está colocado no protocolo de gestão integrada dos serviços e benefícios? Eles acreditam nessas propostas? Por que é tão difícil romper com a cultura do benefício e do atendimento pontual? São interrogações que, apesar de existirem muitos caminhos e circunstâncias sinalizando para uma resposta, ainda precisam ser aprofundadas. 3.3 Intersetorialidade: caminhos mais próximos para a integração O SUAS reconhece a necessária complementaridade entre os serviços das diversas políticas sociais e entre os serviços da própria política de assistência social. A complexidade das questões sociais apresentadas no cotidiano dos CRAS demandam respostas que desafiam esse equipamento, não só na integração dos serviços socioassistencias da política de assistência social, como também no conjunto de serviços e programas de outras políticas específicas. Além da questão dos recursos humanos, identificamos que um dos grandes desafios para uma efetiva integração de serviços e benefícios é a intersetorialidade, não na perspectiva da soma de ações conjuntas, mas do compartilhamento de conhecimentos, ações e responsabilidades entre as diversas políticas públicas. Nessa direção, após reunir relatos que tratam da questão, identificamos dificuldades à realização da intersetorialidade: a) com outras políticas sociais; b) com as lideranças comunitárias e organizações não governamentais; c) entre os próprios equipamentos e serviços da rede socioassistencial do município; e d) entre os próprios técnicos da política de assistência social. Os trechos que se seguem revelam a amplitude com que essa questão se apresenta no cotidiano dos CRAS: Eu vejo muito CRAS tentando ir pro território fazer essa intersetorialidade local, e eu não vejo essa mesma vontade com os parceiros, seja com as associações, seja com o poder público – que aí entram as escolas, porque elas já têm uma demanda das políticas dela, a educação já dá uma demanda... Quando a gente vai falar também a demanda, tem a situação também dos profissionais de cada política e às vezes eles não compram a mesma ideia com a gente, não têm o mesmo entendimento da importância da política de assistência social, a gente vai trabalhar com as associações... Eu mesma, semana passada, visitei 15 associações para convidar para uma reunião para a gente falar sobre a política de assistência social, isso antes tentando sensibilizar, mostrar a importância, conversar, aí comparecem quatro... Fica muito difícil esse trabalho de integração, de intersetorialidade de articulação. E mesmo a gente tentando trabalhar, porque ai tem uma questão que a 101 política precisa avançar (Grupo de discussão). Há ainda muitos entraves para se trabalhar a intersetorialidade, seja dentro da própria rede socioassistencial, quanto com as outras políticas públicas (Entrevistada 2). É uma das funções do CRAS fazer envolver essa intersetorialidade, pra que isso aconteça, as outras políticas setoriais têm também que ter conhecimento do que é o SUAS, do que é uma NOB, do que é a política, que é para a gente não ter isso. Fica muito difícil a gente propor fazer uma integração de serviços, a gente tentar fazer uma integração de serviços com benefícios quando a própria rede que a gente tem que articular e promover essa integração não compreende (Grupo de discussão). Os depoimentos se reportam, em sua maioria, principalmente à intersetorialidade entre as diversas políticas públicas. Essa dificuldade é histórica. Diz respeito às próprias políticas de seguridade que, segundo a Constituição Federal, eram para ser um conjunto integrado de ações. Porém, sabemos que, desde a regulamentação das leis orgânicas dessas políticas à materialidade delas, essas políticas conduziram-se de forma desconectadas entre si. Sabemos que a política de assistência social dada de forma separada das demais não dá conta de respostar as mais complexas necessidades e problemas que são demandados pela população. Cabe à assistência social, no âmbito da proteção social e defesa dos direitos, mobilizar um leque de serviços e ações de diferentes instituições públicas, gestoras das diversas políticas públicas, seja da área da educação, habitação, trabalho, esporte, justiça etc. Ou seja, “atuar na perspectiva da intersetorialidade significa ter a capacidade de compartilhar responsabilidades e de organizar as atribuições necessárias à realização de uma tarefa a qual é preciso com igual compromisso dos atores sociais envolvidos” (BIDARRA, 2009, p. 490). Assim, como nos retratam as falas, vão sempre existir dificuldades em se articular diferentes políticas, ou seja, a intersetorialidade é um processo contínuo que vai demandar investimento em mecanismos que favoreçam o relacionamento entre profissionais das diversas políticas e de diferentes formações. “A atuação intersetorial requer o esforço das diferentes áreas do conhecimento em vencerem dificuldades para trabalhar de modo integrado e construir um outro patamar de gestão social” (BIDARRA, 2009, p. 491). Vimos na tabela 3 que houve uma considerável ampliação dos equipamentos de assistência social, tal como dos serviços. Essas mudanças interferiram no aumento da rede socioassistencial que oferece serviços à população, onde os CRAS teriam mais opções para trabalhar com as famílias. Porém, em relação a esse ponto, foi colocado por uma entrevistada que, apesar desse aumento ter sido um avanço, ele se coloca ao mesmo tempo como limite: Eu acho que a questão da rede socioassistencial é fundamental para que essa integração exista de fato. Porque a gente percebe que aqui, em relação a Maracanaú, 102 não tem uma inexistência, mas uma precariedade de rede, existe mas muito precária. Acaba não dando conta, não consegue fazer essa integração, a gente não consegue nem mesmo com os próprios equipamentos da assistência social (Grupo de discussão). Não conhecemos todos os serviços, os projetos de cada parte da política de assistência social básica. Inclusive com o próprio CREAS a gente não consegue fazer essa integração, imagina quando se parte para outras políticas, para outros equipamentos, para outros equipamentos que não estão necessariamente dentro da rede, dentro do nosso âmbito (Grupo de discussão). Diante dessas falas e dos dados apresentados, percebemos que houve muitos avanços na criação da rede socioassistencial desse município. Porém, ainda existe uma dificuldade no fluxo do atendimento, no funcionamento dessa rede integrada de serviços e benefícios: Pensou-se num modelo que o sistema tem que caminhar. Ele tem proteção básica e especial, CRAS e CREAS precisam estar em referência e em contrarreferência o tempo inteiro. Mas, como a gente está na nossa formação, a gente é muito departamentalizado, a gente acha que é um latifúndio, que é próprio de cada um, aí a gente tem uma visão ainda muito segmentada, a gente ainda não consegue ter uma visão da unidade, da totalidade do município. Então cada território acaba se isolando como se fosse um mundo, os territórios não conseguem dialogar. Se você observar, cada CRAS se fecha em seu território, você não tem o CRAS A com o CRAS B num processo de articulação para fortalecer a rede daquele entorno. Eu conheço bem o meu território, mas eu não conheço o território do outro. Isso é comum, porque o sistema ainda não está ajeitado, e tem a nossa cultura, a cultura do conhecimento nosso, que é particularizado, que é segmentado, há essa dificuldade. Assim, a intersetorialidade ou a intrasetorialidade, que é a própria rede interna, existe uma dificuldade muito grande, porque a prática da descentralização é muito nova, exige um processo de amadurecimento, de autonomia. É gerencial que precisa ser trabalhada ainda internamente. Apesar dos avanços, ainda é muito precário (Grupo de discussão). Esse dado se apresentou para análise de forma instigante, já que ele revela que os dois principais equipamentos da política de assistência social: o CRAS (proteção social básica) e o CREAS (proteção social especial) têm dificuldades de articulação entre si, como também os diferentes CRAS têm dificuldades em desenvolver a prática intersetorial. A assistência social tem um campo próprio de integração entre os seus serviços e benefícios a serem articulados, visando à superação da fragmentação e pulverização das ações. Na lógica do sistema, e sob o princípio da matricialidade, as ações e serviços têm de estar integrados. “Não se pode integrar para fora, quando não se tem uma efetiva integração para dentro” (Estudos Especiais da PUC, 2008, p. 42). O CRAS no território organiza e coordena a rede local de serviços socioassistenciais. Ele é o responsável pela articulação da rede de proteção social local no que se refere ao acesso aos serviços. Então, cabe aos gestores públicos assumirem a perspectiva de fortalecimento das 103 relações entre os integrantes da rede. Sabe-se que trabalhar com as famílias em situações complexas de vulnerabilidades e riscos sociais exige uma apropriação de um conjunto de saberes sobre questões econômicas, sociais, culturais, ambientais, jurídicas, relacionais, psicológicas, de gênero etc., exigindo uma intervenção de práticas interdisciplinares. Em relação à política de assistência social, exige uma relação multiprofissional a partir dos diferentes saberes (assistente social, psicólogo, pedagogo, nutricionista, educador social etc.). Porém, as interlocutoras apontaram a dificuldade em estabelecer essa relação de interdisciplinaridade entre os próprios profissionais dos CRAS: Porque aí eu acho que é a questão da socialização das informações, por exemplo: teve um seminário só com psicólogos, teve até conferência sobre o SUAS com os psicólogos e tudo. Depois desse encontro que teve lá, eu pelo menos não tive o feedback, eu não sei o que foi discutido lá. É repassar as informações: “E aí, como é que vocês viram, concordaram, discordaram, que linha ficou a discussão lá?” Para que a gente mesmo possa se alinhar, porque é aquela coisa: trabalhar a interdisciplinaridade, a multiprofissionalidade (Grupo de discussão). Por exemplo, em um CRAS tem esse projeto que está dando certo, o ProJovem, é referência e tal. Vamos juntar, vamos fazer um seminário, vamos socializar a experiência. Eu acho que pode melhorar nesse sentido. Porque tem um CRAS que está conseguindo superar as dificuldades que os outros CRAS estão passando, vamos chamar os outros CRAS para conversar, para discutir, discutir mesmo criticamente, criticamente! Como está o ProJovem? Como está o acompanhamento do BPC? Como está o acompanhamento PETI? Como está o acompanhamento do Bolsa Família? Porque um grupo socioeducativo em um CRAS funciona tão bem e lá no outro CRAS não funciona? O que é que nós estamos errando? (Grupo de discussão). As falas demonstram uma fragilidade no processo de socialização de informações entre os setores da própria secretaria e entre os equipamentos, o que sugere um investimento na facilitação de um diálogo interdisciplinar e “transversal de domínios de conhecimento” (BIDARRA, 2009, p. 491) para que sejam partilhados, contrapondo-se à prática de retenção de saberes. Assim, os autor chama de intersetorialidade essa visão mais ampla das diferentes possibilidades de interesses comuns e de ação integrada e compartilhada. Uma fala que achamos bastante relevante foi trazida no grupo de discussão, colocada como dificuldade: foi a intersetorialidade com as lideranças comunitáriaa e as organizações não governamentais: Alguns desafios que a gente tem se deparado no CRAS é com a própria relação, a relação com aqueles que se intitulam representantes da comunidade. Eu não diria que eles não compreendem a política, talvez até compreendam, mas ainda não aceitam, não aceitam de forma plena que as coisas aconteçam dessa forma, que há um novo modelo, que há uma nova forma de conhecer as coisas. Isso acaba faltando 104 muito, a crítica tem muito ranço ainda, o próprio CRAS, na parte de concordar no território, ele passa por dificuldades por conta desse... É assim, uma crítica que existe, é como se a gente tivesse num espaço que antes era ocupado por essas lideranças (Grupo de discussão). Não temos como tratar dessa questão sem resgatar questões históricas que permeiam a discussão da política de assistência social. Sabemos que, durante a década de 1990, foram privilegiados recursos para o setor privado, para entidades filantrópicas e assistenciais em detrimento das ações governamentais. Durante esse período, a assistência caracteriza-se por iniciativas dessas ONGs direcionadas a segmentos: criança, adolescente, idoso etc. “Pode-se dizer que a assistência social se desenvolveu mediada por ONGs ou por voluntários, num obscuro campo de publicização do privado, sem delinear claramente o que neste campo era público ou era privado” (MESTRINER, 2008, p. 17). O SUAS refere-se à retomada da centralidade do Estado na garantia da existência de serviços estatais como articuladora do serviço socioassistencias para a população. O CRAS como unidade pública de referência no território representa a presença do Estado na condução da política e na prestação dos serviços. Tendo em vista esse passado recente, o SUAS, apesar de todos os direcionamentos de fortalecimento da gestão pública na política de assistência social e da primazia do Estado, não garante a ruptura com as antigas práticas. Em um mesmo momento, vão convergir ou divergir antigas e novas práticas, é o velho e o novo que vão estar sempre imbricados na realidade. Portanto, o Estado tem a primazia das ações, mas a sociedade civil, através das ONGs, também executa serviços de assistência social. As ONGs estão inseridas na rede socioassistencial dentro da nova proposta de reordenamento da política preconizada pela PNAS. Elas cumprem um importante papel no processo de fortalecimento do SUAS. Essa rede é composta por um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, o que pressupõe a articulação do CRAS com as organizações não governamentais prestadoras de serviços. Apesar de apontar como dificuldade, é papel do CRAS mobilizar e articular essa rede de serviços no território, ou seja, vão ter de articular e dialogar com quem historicamente já executou os serviços da assistência social. 105 3.4. Informação, monitoramento e criação de indicadores: como medir o impacto do processo de integração de serviços e benefícios Para Arretche (1999), a análise e avaliação de políticas sociais se dedicam a compreender a configuração das políticas sociais, o que pressupõe conhecer e explicitar sua “dimensão, significado, abrangência, funções, efeitos, enfim, todos os elementos que formam e dão significado às políticas sociais” (BOSHETTI, 2010, p. 576). O SUAS, dentro de uma proposta que acena para possibilidades de superação de limites institucionais e políticos historicamente conhecidos, tem buscado novas formas de gestão, trazidas pela PNAS (2004) à procura de novos processos e novos resultados para essa política pública. A gestão da informação é um dos instrumentos identificados como imprescindíveis para gerar produtos (informação e conhecimento) úteis para a gestão da política, na perspectiva da informação como um direito de todo cidadão. De acordo com PNAS (2004), o campo de informação, monitoramento e avaliação possui um sentido técnico e político: Gerar uma nova, criativa e transformadora utilização da tecnologia da informação para aperfeiçoar a política de assistência social no país, que resulte em uma produção de informações e conhecimento para os gestores, conselheiros, usuários, trabalhadores e entidades, que garanta novos espaços e patamares para a realização do controle social, níveis de eficiência e qualidade mensuráveis, através de indicadores, e que incida em um real avanço da política de assistência social para a população usuária é o produto esperado com o novo ideário a ser inaugurado neste campo específico (BRASIL/PNAS, 2004, p.51). Nessa direção, como medir impactos? Como saber se está acontecendo integração entre serviços e benefícios? Como essa integração acontece sem passar pela discussão de monitoramento, informação e indicadores sociais para se mensurar impactos? Essas foram questões com as quais nos deparamos no momento da discussão do grupo focal e quando analisamos os dados da pesquisa empírica. Foram falas que surgiram e precisavam ser analisadas. Ao analisar os dados objetivos da entrevista semiestruturada, observamos que algumas questões não souberam ser respondidas. Cem por cento das entrevistadas não souberam precisar alguns dados que foram solicitados. O que mais chamou atenção foi que elas não souberam informar quantas famílias que recebiam os benefícios (eventuais, BPC e Bolsa Família) estão inseridas em serviços oferecidos pela política. Existe uma dificuldade 106 em se mensurar ou de criar indicadores que permitam visualizar o impacto dessa articulação, ou se ela está acontecendo. Esse dado coletado na entrevista se tornou mais elucidativo para análise quando, no momento do grupo focal, os participantes tocaram no ponto referente ao monitoramento e avaliação das ações desenvolvidas nos CRAS. As falas das interlocutoras tornam-se elucidativas das proposições realizadas acima: Em relação à questão para identificar, nós fizemos um instrumental onde a gente colocou no atendimento o primeiro passo: a gente conseguiu cadastrar e atualizar quem tem e quem não tem, quem é e não é beneficiário, quais as situações que levaram enfim. Também facilita muito porque a gente tem até como saber, e assim a gente consegue registrar. Às vezes vem uma pessoa, entra uma família, a gente consegue ver se ele tem BPC, tem Bolsa Família, tem BPC ou não, se recebe eventuais. Acho que todo cadastro tem separado espaço, se recebe eventual, a gente tem condição de visualizar isso... (Entrevistada 7). Podemos constatar, assim, que o sistema de informação e monitoramento do SUAS ainda se encontra em construção, e as equipes dos CRAS não dispõem de mecanismos que lhes confira os acompanhamentos dos encaminhamentos realizados, pois, segundo os resultados da pesquisa, os CRAS não recebem retornos de seus encaminhamentos e não conseguem acompanhá-los para conseguir mensurar o impacto de suas ações. A fala seguinte, da interlocutora 2, mostra que a cultura do benefício ainda está muito arraigada nas ações dos técnicos, existindo uma dificuldade em se trabalhar a família, o cadastro da família e não o cadastro do BPC, da cesta básica, do Bolsa Família. Assim, o cadastro, em alguns CRAS, ainda é por benefício, e não por família – daí a dificuldade em se mensurar quantas famílias são acompanhadas, ou quantas famílias são atendidas, já que o cadastro é por benefício. Se a mesma família solicitar “n” benefícios, eu vou ter “n” cadastros de uma mesma família. Ou seja, é uma questão que envolve instrumentais, registro das informações e questões conceituais: Porque, na hora que eu apresento um relatório mensal, eu posso estar duplicando, por exemplo; eu tenho lá uma pasta no relatório que a gente tem que informar, famílias PETI, famílias BPC, benefícios eventuais. Aquela família que está recebendo naquele momento benefícios eventuais pode estar – aliás, na maioria das vezes, ela está primeiro – no Bolsa Família. Ela pode estar no PETI, ela pode estar no BPC e ela pode estar em outra coisa. Então, como eu faço isso? Eu vou repetir? Ela vai aparecer nesses momentos? Em cada um desses segmentos? Como é que eu vejo, como é que eu consigo ver esse... (Entrevistada 2) E aí vai além do conceitual, vai para a parte prática também. Porque é tão difícil pra mim fazer do CRAS um relatório mensal? Porque meus instrumentais, por mais que eu tenha, não dão conta? (Entrevistada 1) 107 [...] não ter um sistema informatizado que possibilite identificar qual o caminho que o usuário está percorrendo dentro da política (Entrevistada 3). Os depoimentos acima são elucidativos também para analisar a questão do monitoramento e da avaliação: a primeira fala aponta para a questão técnica da própria atividade de registrar informações, de ter instrumentais que deem conta de captar dados, produzir informação e conhecimento. Fica bem clara essa dificuldade nas três primeiras falas das interlocutoras, onde são apontadas como consequências dessas dificuldades a validade dos dados mensurados nos relatórios, já que eles podem estar duplicados, a própria dificuldade em registrar os dados nos relatórios, pois, segundo as interlocutoras, eles não dão contam de captar todos os aspectos das ações desenvolvidas nos CRAS. Outra questão importante sinalizada pela interlocutora 3 trata-se da dificuldade de perceber e identificar o caminho percorrido pelo usuário na rede de assistência social, repercutindo diretamente no acompanhamento dessas famílias no CRAS: que serviços o usuário do CRAS está acessando, se ele tem conseguido acessar, para se medir o impacto das ações da assistência social e até mesmo de outras políticas acionadas pelo CRAS e pelo usuário. Tal dificuldade repercute na capacidade de definição de melhores processos, agilização de procedimentos e fluxos, indispensável na ação decisória, no planejamento das ações, no controle público. Percebe-se que as interlocutoras reconhecem e afirmam a importância da informação e do monitoramento. Porém, como estamos tratando de políticas públicas, tal ação tem de estar inserida no cotidiano dos CRAS como atividade imprescindível. O monitoramento e a informação são importantes ferramentas de gestão, de planejamento. A avaliação dessas informações, que são das próprias ações desenvolvidas pelos CRAS, são capazes de definir metas, tal como a oferta dos serviços e dos benefícios em cada território, tendo em vista que cada um deles apresenta especificidades. Isso evitaria superposição de ações, oferta de serviços que não serão procurados no território. Seria possível prever a demanda para os serviços e benefícios, evitando a falta deles no CRAS. Esse processo repercute também na gestão financeira e administrativa dos recursos: Possibilita-se uma substancial e decisiva alteração em torno da realização de políticas estratégicas. Elas são desenhadas como meio de aferir e aperfeiçoar os projetos existentes, aprimorando o conhecimento sobre os componentes sobre os componentes que perfazem a política e sua execução, contribuindo para o seu 108 planejamento futuro, tendo como pano de fundo sua contribuição às metas institucionais (TAPAJÓS, 2008, p. 3). As falas que se seguem apontam para o segundo aspecto, que é o cunho político do processo de avaliação e monitoramento: De benefícios com serviços... Quando eu integro, eu posso dizer que determinada ação foi definida na integração ou não. Eu não tenho como fazer isso, eu não sei como medir esse impacto, é algo que a gente vai ter que discutir muito para tentar construir algo, é uma dificuldade... (Grupo de discussão). [...] agora a dificuldade, acho que é uma coisa que todos têm, ainda é assim... Visualizar a questão do impacto, ou seja, a gente sabe que tem que trabalhar. Como é que eu vou traduzir isso, como é que eu vou visualizar essa integração? (Entrevistada 7). Segundo Tapajós (2008), para haver gestão da informação é preciso alterar a ação de quem a produz, armazena, organiza e classifica. E para isso é necessário entendê-la como direito, conforme já dito, pois elas não possuem utilidade apenas de ferramenta de gestão para os técnicos e gestores da política, mas para a rede socioassistencial, para o exercício do controle social e para os usuários dessa política. As falas acima apontam tanto para a questão em se mensurar se está acontecendo a integração e como ela acontece, se é de forma pontual ou planejada, apontando para questão do impacto, entendendo como essas ações se refletem na vida dos usuários no território – apesar de tal ponto não ter sido explicitado pela interlocutora. A informação não pode se restringir a apenas ao seu repasse, mas permitir ao usuário refletir sobre sua condição de vida e, como sujeito de direitos, que essas informações sejam ferramentas de reivindicações, considerando os usuários como sujeitos que fazem história e têm potencialidades. São informações que podem sinalizar para as questões sociais presentes no território e o impacto das próprias necessidades imediatas desses usuários que vão solicitar o benefício eventual. Tendo em vista a informação, o monitoramento e os indicadores sociais tratarem-se de categorias empíricas, não sendo centrais neste trabalho, não temos elementos suficientes para perceber todos os aspectos que permeiam essas problemáticas. Foi importante considerar tais proposições acima colocadas porque se relacionam com o objeto deste estudo, principalmente no que se refere à articulação entre serviços e benefícios que poderá gerar impacto na vida dos usuários, na própria cultura que permeia a assistência social de solicitação de benefícios, encerrando-se nele. 109 Fica evidente que, dependendo da metodologia a ser utilizada no processo de monitoramento e avaliação, poderemos coletar informações de cunho quantitativo, técnicoburocráticos que favorecem somente as ações do governo (quantos benefícios entregues, quantos equipamentos instalados etc), como se observa nos relatórios de gestão. Não favorecem, então, o protagonismo dos sujeitos atendidos por esses serviços e benefícios, distanciando-se de uma reflexão mais aprofundada sobre o real e suas contradições, não estabelecendo diálogos desses resultados com outras políticas para responder questões de como anda a articulação da assistência social com as demais políticas sociais também demandatárias de serviços aos usuários. São caminhos de avaliação que podem levar a objetivos diferenciados: ser utilizado como um instrumento técnico-burocrático ou como uma ferramenta de dados qualitativos e político, onde se pensa a assistência social para além “de sua tradição emergencial e reducionista” (ALVES, 2009, p. 226). 3.5 Participação dos usuários do SUAS: dilemas e desafios para se trabalhar nos territórios dos CRAS Essa discussão de participação, trazida nas falas das interlocutoras, está muito voltada à não participação dos usuários nos serviços de convivências (reuniões, palestras, grupos socioeducativos), o que reforça a cultura pela solicitação do benefício. São décadas de tais práticas que não podem ser rompidas imediatamente, mas é preciso estabelecer novas culturas organizacionais para que a lógica pela primazia do serviçobenefício seja alcançada. Porém, as falas das entrevistadas explicitam melhor algumas dificuldades encontradas pelo CRAS para efetivação dessa articulação: Um outro fator limitante diz respeito à falta de tradição em participação popular, decorrente, em boa medida, da tradição assistencialista do município (Entrevistada 3). Há uma cultura da não participação presente no cotidiano dos territórios dos CRAS (Entrevistada 3). O serviço de convivência ganha grande relevância nesse contexto, mas também se configura como maior dificuldade. As equipes técnicas relatam acentuada resistência das famílias em participar (Entrevistada 6). A interlocutora 3 traz uma questão interessante sobre a questão cultural associada ao usuário da assistência social, da não participação. Pelas falas, podemos perceber que é preciso 110 trabalhar com os usuários a compreensão dele como sujeito de direitos, de potencialidades, não só como sujeito de necessidades. Esses direitos, para serem garantidos, exigem um movimento coletivo que envolve não só os trabalhadores das políticas, os conselhos, mas os usuários: O SUAS dever proporcionar condições objetivas para que a população usuária da Assistência Social rompa com o estigma de desorganizada, despolitizada e disponível para as manobras eleitorais, como comumente é apresentada à população que tradicionalmente aciona os atendimentos da política (COUTO et al, 2010, p. 49). Nesse processo de integração entre serviços e benefícios o usuário, é o sujeito central no processo de qualificação dos serviços. É ele que vai dizer se esses serviços estão alcançando seus objetivos e gerando impactos. É preciso trazer o usuário para dentro da política e construir parâmetros em que ele possa perceber sua condição dentro da sociedade, reconhecendo seus direitos, reivindicando melhores serviços, para além da figura só de beneficiário. Tem-se hoje a oportunidade de fazer esse movimento de trazer o usuário para dentro da política. Os CRAS, ou seja, a assistência social, estão nos territórios, estão próximos do cotidiano dessas famílias que são atendidas pelos serviços e benefícios do CRAS. As atividades em grupo são serviços oferecidos nos CRAS, são momentos em que se pode fortalecer a organização social, onde pode-se debater sobre as condições de vida do usuário, suas demandas, suas reivindicações, valorizando o trabalho coletivo, a socialização das informações. Porém, de acordo com os dados da pesquisa empírica, o que se observa são dificuldades de trazer esse usuário para participar dos serviços oferecidos pelo CRAS: As famílias que recebem o Bolsa Família, benefícios eventuais, BPC, ao serem convidadas para participar de algum serviço, eles geralmente não manifestam interesse e não comparecem nas reuniões. Tentamos mobilizar essas famílias através de convite no atendimento diário, de mobilizações na comunidade, de cartas, panfletos, divulgação com os adolescentes do ProJovem (Entrevistada 3). [...] não sei nos outros CRAS, mas no nosso não se tem interesse de trabalhar em grupo, nas atividades coletivas, entendeu? Olha! Tem uma ausência muito grande, e aí eu trago isso em números. A gente pediu a relação e existem 105 famílias BPC idoso. De 105, convidamos para uma reunião, compareceram nove. E o restante disse no dia da visita que a gente convidou pra reunião que elas não tinham interesse em participar: “não tenho interesse de participar disso não, quero não”, e assim disse mesmo na segunda visita que foi feita pra família (Grupo de discussão). Nos trechos apresentados, podemos perceber que existe não só a dificuldade dos usuários em participar, mas também a própria lógica que os técnicos imprimem à 111 participação. A atividade grupal está vinculada ao acompanhamento do beneficiário do BPC ou do Bolsa Família, que poderia ser também do benefício eventual, vinculando ou até mesmo direcionando a participação do usuário à sua condição de beneficiário. O que precisa ser trabalhado são os usuários da assistência social que podem ou não receber algum benefício, mas podem participar dos serviços oferecidos no CRAS. A própria política condiciona algumas atividades somente para os beneficiários do Bolsa Família. As falas que se seguem reforçam essas proposições: Sem ser para ganhar um beneficio, entendeu? Tem 45 famílias PETI, nós já chamamos para duas reuniões. Das 45, nas duas, foram nove na primeira e onze na segunda. Vinte compareceram à reunião. E olhe que o PETI a gente ainda visitou dizendo que era uma reunião para falar do possível bloqueio que ia acontecer em julho. Então como fazer esse trabalho coletivo, se pelo menos na realidade do CRAS nós vimos, nós encontramos em maio e junho, se não há um despertar da população para isso? É muita apatia. (Entrevistada 4). [...] entretanto, algumas equipes já alcançaram melhores resultados, estabelecendo diálogos com a população usuária e realizando atividades grupais que conseguem instituir um processo de sensibilização e conscientização (Entrevistada 2). Os depoimentos acima são muito pertinentes para se analisar também como os técnicos, os trabalhadores da assistência social percebem a não participação do usuário. Uma das interlocutoras acima coloca que existe uma apatia por parte do usuário; porém, temos de perceber que, diante da cultura histórica da não participação, teremos um processo lento e gradual de trazer esse usuário para uma participação efetiva na política de assistência social, construção essa que terá avanços, conforme destacou a entrevistada 2, e retrocessos. O próprio caráter da participação trazido pela interlocutora 4 está vinculado à cultura do benefício: “E olhe que a gente ainda visitou dizendo que era uma reunião para falar do possível bloqueio que ia acontecer em julho”, como se o trabalho do CRAS com as famílias fosse de fiscalizar e administrar as condições que fizeram os beneficiários receberem suas benefícios. Os trabalhadores da assistência social precisam discutir quais os objetivos, qual a importância da participação dos usuários. Percebemos que as falas não apontam para uma concepção homogênea entre as interlocutoras: Se o CRAS for um espaço público aberto ao debate, e não uma unidade burocrática, eu acho que nós temos aí algumas possibilidades de ampliação de participação, não só do usuário na assistência social – nós estamos falando de um usuário que não participa na saúde, que não participa na escola, que não participa no trabalho. Se ele participasse, ele participaria como usuário da assistência social. Nós estamos falando de um povo que, para participar, ele vai ter que ser incentivado, ele tem que passar para a esfera pública. Primeiro, tem que participar, mas eu não chamo um, não converso, eu não faço um fórum de discussão. Entendeu? Eu não estabeleço uma 112 relação democrática, como a pessoa vai falar? Se manifestar? Se a necessidade faz com que ele se aprisione na armadilha da necessidade? Agora, para fazer essa busca de participação, a cultura profissional tem que ser uma cultura democrática, não é uma cultura de tutela. Em nós, assistentes sociais, é muito forte a cultura da tutela, a gente sempre acha que gente que tem que sair no meio do mundo resolvendo os problemas do usuário (Interlocutora 5). [...] não tem teoria sobre participação: “ah, você vai participar assim ou assado”, não! Você vai participando de uma forma passiva, só consentindo ou não, ou de forma ativa, quando você vai sendo mais propositivo (Interlocutora 8). O SUAS se propõe, por principio, a ser participativo. Cabe à equipe dos territórios fomentar a participação. Como é fomentar a participação? É criar espaços de debate, como coloca a interlocutora acima. Quanto mais você ampliar os espaços de debate, mais você vai incentivando e estimulando. A participação é um processo dinâmico que vai se dando na prática democrática. Tem a ver com a atitude até do profissional, na relação que ele estabelece com o usuário: se estabelece uma relação com o usuário de dependência, onde o técnico do CRAS é aquele que oferece algo a alguém, a participação que se vai ter é muito mais de consentimento. Mas temse uma atitude muito mais cotidiana de buscar e discutir algumas questões com os usuários na perspectiva de se estimular e exercitar a participação, como nos coloca a interlocutora 8. Nessa direção, tendo apresentado esse leque de questões que buscaram a todo momento se aproximar do objeto deste estudo, procurando compreender os elementos que permeiam a problemática escolhida para desenvolvimento deste trabalho, apresentamos a seguir a síntese das questões mais relevantes que pudemos identificar em relação ao objeto de estudo com as considerações finais da pesquisa. 113 CONSIDERAÇÕES FINAIS: A CHEGADA COMO PONTO DE PARTIDA É importante destacar, nestas palavras finais, longe das formalidades acadêmicas, que o caminho percorrido durante a efetivação deste trabalho vai desde o despertar para o tema, passando por estudos teóricos, pesquisa de campo, várias horas escrevendo, até momentos de ansiedade, medo, insegurança e de obstáculos pessoais. Porém, fiz deles um caminho novo, como a poesia de Fernando Sabino. Passei também, no entanto, por momentos de realização de ver o trabalho acontecendo, as ideias fluindo. Foram muitas folhas riscadas, corrigidas, ideias descartadas, retoques sucessivos, enfim, um trabalho que exigiu bastante fôlego. Durante o processo de construção desta dissertação, muitas questões e dificuldades surgiram – principalmente por ser uma discussão recente a proposta de articulação entre os benefícios e serviços da política de assistência social, não existindo vasta literatura sobre o tema dentro dos estudos da assistência social. A conclusão deste estudo se torna ainda mais desafiadora não só por ter de apresentar os resultados alcançados nesta pesquisa, mas por ter de sintetizar tantas questões que se apresentaram, pois sabemos que, em uma única pesquisa, não é possível definir todas as condicionantes e implicações que cercam a problemática. Consideramos que os resultados deste estudo servirão de direcionamento para a discussão da política de assistência social para profissionais, gestores e demais pesquisadores interessados no trabalho realizado dentro dos critérios que conferem cientificidade a ele, principalmente por se tratar de um objeto de campo ainda pouco investigado na área da assistência social. Propusemos nesta dissertação conhecer e analisar como está organizada a articulação entre os serviços e benefícios da política de assistência social em Maracanaú, centrais na constituição do SUAS, e identificar como vem sendo trabalhada nos CRAS a articulação entre os serviços e benefícios do SUAS, verificando quais os avanços, limites e desafios para a articulação entre serviços e benefícios nos CRAS de Maracanaú, campo empírico deste estudo. Para alcançar esses objetivos, iniciamos a discussão debatendo a trajetória histórica da assistência social no Brasil, percorrendo o caminho que perpassa a discussão conceitual dessa política social, buscando compreender como ela foi se consolidando como instrumento de proteção social no marco das políticas públicas brasileiras. 114 Apresentamos também os instrumentos legais que regulamentam a política de assistência social, tal como documentos que tratam de questões relacionadas com o objeto de estudo. Identificamos questões culturais que perpassam o histórico da política de assistência social no Brasil, de tradição assistencialista de tutela do usuário, à pouca participação deles e à tendência das políticas nos programas pontuais e emergenciais de transferência de renda. Tais questões se tornam desafios para operacionalização e efetivação dessa política. Ao entrarmos na discussão do SUAS, encontramos diversos elementos que apontam para avanços nessa política. O sistema propôs um novo modelo de atendimento, que rompe com o modelo desorganizado e muito centrado na filantropia – principalmente por trazer a perspectiva da centralidade do Estado na condução da política. Até então, tínhamos um cenário onde a sociedade civil, através das ONGs, eram os principais responsáveis pela condução dessa política. O SUAS organiza serviços e benefícios, prevendo integração entre eles. Prevê programas complementares, como segurança alimentar, que possam auxiliar no sistema na proteção social. Na perspectiva da descentralização, permite que os municípios organizem os serviços de acordo com as necessidades locais. Então, diríamos que o SUAS trouxe uma nova formatação, um novo modo de fazer da assistência social. Ele torna-se importante como instrumento, como sistema para que a assistência social possa continuar avançando como uma política pública. Porém, sem existir uma investigação avaliativa sobre estes primeiros anos de implantação do Sistema Único de Assistência Social, não podemos falar em rupturas e consolidação dessa proposta. O que se pode precisar é que esse modelo está normatizado, instituído, aponta para uma ruptura, porque ele profissionaliza a forma de atender, valorizando o trabalho multiprofissional. Por estar normatizado no campo do direito, ele é um instrumento que a população passa a ter para reivindicar, sendo uma inovação na política de assistência social a organização desta em forma de sistema único. A centralidade, antes da implantação do SUAS, era o beneficio, como colocaram algumas interlocutoras. No SUAS, para além do benefícios, o diferencial é a provisão de serviço. Se antes os usuários buscavam a assistência social pela demanda do beneficio, seja de uma cesta ou óculos, hoje o modelo propõe um novo formato, onde a família procura não apenas pelo beneficio, mas pela necessidade de ser assistido, de ser protegido. O SUAS 115 trabalha estimulando a convivência, a proteção básica, tentando diminuir os processos de violação de direitos. O sistema define qual a sua matéria, quais os direitos a serem defendidos e assegurados, que são os direitos socioassistenciais. Antes nós tínhamos diferentes formas de fazer assistência em diferentes espaços, com diferentes normas. O SUAS trouxe uma padronização normatizada e a perspectiva de que cada território organize seus serviços de acordo com as necessidades. Porém, as descobertas da pesquisa levaram à compreensão de que existem muitas diferenças entre o normatizado e a realidade, a dinâmica real. A dinâmica real ainda não está compatível com o que está instituído. O instituído ainda tem divergências e conflitos com as forças instituintes da assistência social, que são os usuários, os trabalhadores, a gestão que representa o Estado. Pudemos observar que ainda não há uma unidade entre a norma, que é aquilo que o SUAS prevê, e os instituintes, que são as forças dos territórios que estão ali vivendo a realidade. A pesquisa aponta que os usuários ainda procuram a assistência como sendo caridade. Existe ainda uma tensão, uma vivência de duas perspectivas da assistência social, que é aquela que se aproxima da assistência social do assistencialismo, visualizado quando as interlocutoras colocam as dificuldades em trazer os usuários para participar das atividades dos CRAS, da dificuldade em dialogar com as lideranças, as ONGs do território. Os dados levantados permitiram visualizar que o órgão gestor municipal da política de assistência social avançou em questões da implantação do comando único das ações, adesão e implantação do SUAS no município. Ampliou a rede de atendimento, implantando seis CRAS, criando restaurante popular, cinco cozinhas comunitárias, Polos de Convivência Social, Centro de Convivência do Idoso, ampliando a oferta dos serviços à população. São ações que representam avanços para a política, mas não garantem a consolidação da implantação do SUAS no município, tal como a qualidade dos serviços oferecidos. A análise teórico-empírica dos dados aponta como grande desafio para a política de assistência social em Maracanaú a estruturação da gestão, principalmente a gestão de trabalho. A assistência social avançou, cresceu em equipamentos, normatizou e organizou-se de acordo com o que está previsto no SUAS. Porém, não se avançou em termos de condições que garantissem a sustentação dessa rede de atendimento, principalmente no que se refere a recursos humanos. 116 Percebemos muitas dificuldades relacionadas a essa questão e identificamos que ela está na contramão da consolidação do SUAS e da efetivação da proposta de integração entre benefícios e serviços, principalmente no que se refere à precarização das relações de trabalho dos trabalhadores da assistência social e da questão da capacitação continuada. Discutimos que o processo de implantação do SUAS nos municípios brasileiros ampliou o mercado de trabalho para diferentes categorias profissionais (assistentes sociais, pedagogos, nutricionistas, educadores físicos, terapeutas ocupacionais, economistas domésticos, técnicos agrícolas). Os equipamentos e serviços que foram implantados nos CRAS, CREAS, centros de convivência, programas de segurança alimentar e inclusão produtiva ampliaram o leque de possibilidades de intervenção para as diversas categorias profissionais. Porém, nesse mesmo processo de ampliação do mercado para esses profissionais, aumentou-se a precarização das relações de trabalho e de contratação. Os dados da pesquisa revelaram rotatividade entre os profissionais, onde o número de funcionários temporários e terceirizados é bem maior do que os concursados: 77% dos funcionários que estão trabalhando nos CRAS possuem contrato temporário, o que são impeditivos de se investir em capacitação, rebatendo na qualidade dos serviços e sua continuidade. Identificamos ainda que o número de famílias a ser acompanhada é bem maior que a capacidade de atendimento dos CRAS, precisando da implantação de estrutura física e equipe técnica de no mínimo mais quatro CRAS. Tal questão é muito relevante quando se pensa em articular serviços e benefícios, posto que se tem um número bem maior de beneficiários em relação ao de profissionais. Diante desse contexto, torna-se complicado falar em continuidade e qualidade dos serviços ofertados pela política de assistência social, tal como a integração dos serviços e benefícios da assistência social, como nos colocou uma das interlocutoras. A capacitação continuada foi outra questão que se apresentou como fundamental para se pensar em qualidade dos serviços e benefícios ofertados, tal como a integração deles. Os dados da pesquisa revelaram que as equipes apresentam dificuldades em realizar o trabalho com as famílias e a comunidade. O SUAS ampliou os espaços ocupacionais, mas também trouxe novas exigências, habilidades e competências para se gerir e executar essa política pública (assessoria, consultoria, elaboração de diagnósticos, indicadores sociais, planejamento estratégicos, 117 avaliação, monitoramento, metodologias de trabalhos com as famílias). Observamos que os profissionais se colocam de forma crítica e propositiva para dialogar com as normatizações postas pela política e com as exigências burocráticas e administrativas. Porém, ainda apresentam muitas dificuldades em trabalhar metodologias de trabalho com as famílias. O SUAS trouxe muitos conceitos, como vulnerabilidades, riscos, empoderamento das famílias, proteções sociais básicas e especiais, instrumentos de gestão, monitoramento, avaliação, sistema de informação, indicadores sociais, impacto social etc. Esse processo se traduz na prática com um novo fazer e uma nova forma de se pensar, de se gerir esse sistema, organização dos serviços, os benefícios, o acompanhamento das famílias, a implantação de equipamentos e a gestão destes, exigindo capacitação para tanto. As falas das interlocutoras apontaram para uma não capacitação para trabalhar tantas questões. Essas questões apontaram não só para a necessidade da capacitação continuada dos profissionais, mas também das formações acadêmicas deles, que não os tem habilitado para trabalhar metodologias de atendimento com as famílias. Fechando a problemática dos recursos humanos, as análises dos dados revelaram limites no que se refere ao trabalho multiprofissional dentro do próprio CRAS e da dificuldade em se formar a identidade do trabalhador da assistência social, com vistas a consolidar um perfil técnico voltado para o interesse público de garantia dos direitos sociais. Isso vai desde a discussão do papel desses profissionais dentro do CRAS e de como articular os diferentes saberes quanto à questão de convergências e divergências de projetos profissionais. Foram reflexões feitas neste estudo, bastante pertinentes quando vai se trabalhar as ações de articulação dos serviços e benefícios da política. Hoje temos normatizados os documentos que apontam para a integração. Foi um avanço, mas agora temos de discutir sobre a qualidade e a continuidade desses serviços. Para se ter qualificação dos serviços socioassistenciais e sua continuidade, precisamos ter uma política de recursos humanos adequada a essa nova institucionalidade que o sistema exige para a condução do SUAS. Sabemos que, no SUAS, os recursos humanos são a força que pode fazer o sistema avançar. Quem faz acolhida, quem acompanha, quem articula com a rede, quem monitora e avalia são os profissionais, principalmente. Como proposição, esta dissertação aponta como prioridade a necessidade de contratação de pessoal através de concurso público, investimento na carreira e formação continuada dos profissionais que são concursados. 118 Em relação à discussão do processo de integração entre serviços e benefícios, observamos que somente com a política de assistência social no contexto do SUAS, em seu processo de implantação, ocorreu um novo direcionamento para organização e gestão desses serviços e benefícios socioassistenciais. Apresentamos dois instrumentos que trouxeram um direcionamento conceitual e organizacional para a articulação entre serviços e benefícios da política de assistência social: Protocolo de Gestão Integrada e Tipificação dos Serviços. Em relação a essa integração, este estudo aponta que existe um consenso entre as interlocutoras sobre a importância do processo de integração. Porém, apesar de elas terem se reunidos para tomar conhecimento e acesso ao documento, não foram treinadas para a implantação das diretrizes do protocolo, o que sinaliza para dificuldades em executar os pressupostos do protocolo. As interlocutoras afirmaram ainda sentir muitas dúvidas e dificuldades de operacionalização das propostas, o que sugere um processo contínuo de discussões e formações. Pudemos constatar ainda avanços do município em relação à regulamentação e à transferência de benefícios de outras naturezas para políticas sociais responsáveis por essas provisões. A regulamentação foi um avanço em relação ao direcionamento dado aos benefícios antes da implantação do SUAS, quando os benefícios não estavam claramente definidos, tendo em vista a diversidade de natureza do benefício (saúde, habitação, assistência social etc), alimentando práticas assistencialistas que vão de encontro ao que está proposto na LOAS. Em relação aos serviços, observamos que eles aconteciam de forma pulverizada, com um leque de serviços executados por diferentes equipamentos da assistência social. Passaram a ser gerenciados no território pelos CRAS, onde as famílias assistidas pelos benefícios podem ser acompanhadas. A pesquisa revelou que as interlocutoras acreditam que a integração serviço/ benefício poderia romper com a lógica anterior de atendimento da assistência de centralidade no beneficio. Contudo, percebe-se que a cultura do benefício ainda está muito arraigada, não só no usuário, mas nos próprios operadores da política, que a aproxima da lógica do plantão social, da demanda espontânea e emergencial. Ao relacionar os dados coletados na pesquisa documental com as da pesquisa de campo, observamos uma grande lacuna. Apesar de terem dado uma nova proposta de organização dos serviços e benefícios levam a novos direcionamentos e concepções, uma 119 nova forma de fazer e pensar conceitualmente, fica claro nos relatos que tal processo ainda não está incorporado no cotidiano dos CRAS. Tais mudanças não garantiram rupturas e necessariamente novas práticas. Até os benefícios que permanecem com a assistência social ainda precisam ser reformulados dentro dessa nova perspectiva de integração de serviços e benefícios. Percebe-se que esse processo ainda se encontra em construção e com muita dificuldade na sua operacionalização, tendo em vista que, apesar de o município ter conseguido avançar em seus instrumentos legais-normativos e ter aumentado sua rede socioassistencial, com a implantação de diversos equipamentos, falta qualificar a oferta de serviços oferecidos por esses equipamentos. Esse quadro de dificuldades se amplia quando identificamos como está organizado o financiamento dos serviços e dos benefícios. Tal organização não caminha para processos de integração. O valor investido nos benefícios é bem superior ao investido em serviços de convivência, programas complementares como inclusão produtiva e segurança alimentar. O SUAS aponta para integrar benefícios e serviços, e o financiamento federal enfatiza o beneficio do Bolsa Família. Em relação à questão do monitoramento e avaliação, sabemos que a gestão da informação é um dos instrumentos identificados como imprescindíveis para a gestão da política. Destacamos que nenhuma entrevistada soube precisar alguns dados que foram solicitados. Existe uma dificuldade em se mensurar ou criar indicadores que permitam visualizar o impacto dessa articulação, ou se ela está acontecendo. Pudemos constatar, assim, que o sistema de informação e monitoramento do SUAS ainda se encontra em construção, e as equipes dos CRAS não dispõem de mecanismo que lhes confira os acompanhamentos dos encaminhamentos realizados, ou seja, há dificuldades no registro das informações, nos instrumentais, que não dão conta de captar dados e produzir informação e conhecimento. Esse novo modelo de gestão é baseado numa concepção de sistema, mas as equipes têm dificuldades em perceber e identificar o caminho percorrido pelo usuário na rede de assistência social, repercutindo diretamente no acompanhamento dessas famílias no CRAS: que serviços o usuário do CRAS está acessando e se ele tem conseguido acessar, para assim se medir o impacto das ações da assistência social e até mesmo de outras políticas acionadas 120 pelo CRAS e pelo usuário. Já em relação à questão da participação dos usuários no SUAS, ela apresentou-se como um dos maiores desafios para se avançar na política e no processo de integração dos serviços e benefícios. A problemática da participação, trazida nas falas das interlocutoras, está muito voltada à não participação dos usuários nos serviços de convivências (reuniões, palestras, grupos socioeducativos), o que reforça a cultura pela solicitação do benefício. É preciso trazer o usuário para dentro da política e trabalhar com ele a compreensão do direito à assistência social. Nesse processo de integração o usuário é o sujeito central no processo de qualificação dos serviços, é ele quem vai dizer se os serviços estão alcançando seus objetivos e gerando impactos. O momento do SUAS é uma oportunidade de fazer esse movimento de trazer o usuário para dentro da política. Os CRAS estão nos territórios, estão próximos do cotidiano das famílias. As dificuldades apresentadas não dizem respeito somente aos usuários, mas também à lógica que alguns técnicos imprimem à participação, onde as atividades grupais, em sua maioria, estão direcionadas à participação do usuário e à sua condição de beneficiário. É como uma interlocutora afirmou: “A gente até avisa que o benefício pode ser cancelado, mas mesmo assim os usuários não vão para as reuniões”. Os trabalhadores da assistência social precisam discutir quais os objetivos, qual a importância da participação dos usuários, pois percebemos que as falas das interlocutoras não têm para uma concepção homogênea em relação à participação. Alguns CRAS têm conseguido incentivar a participação dos usuários e ONGs para discutir seus problemas. Estas questões foram bastante relevantes para a análise do objeto, na tentativa de perceber, identificar elementos dificultadores e facilitadores que vão interferir diretamente na efetivação da proposta de articulação e em como ela está sendo implantada e vivenciada dentro do cotidiano de quem a executa. Nessa direção, esta pesquisa conclui-se apontando que muito se avançou na política de assistência social em relação ao seu processo de legalização e normatização. Neste atual momento do SUAS, é preciso lutar para garantir sustentabilidade ao sistema, num conjunto articulado de diversos atores, profissionais, gestão, sociedade civil na luta por financiamento da política, incentivo à qualificação da gestão e dos profissionais, melhores condições de 121 trabalho e estrutura mínima de atendimento dos usuários, principalmente buscando formas e diálogos que tragam esses usuários para dentro da política. Após um longo processo de estudos, análise e descobertas, a conclusão deste trabalho me estimula a conferir continuidade e aprofundamento ao tema aqui examinado em projetos e publicações futuras, emulando o interesse e o instigante desafio à pesquisa e aos estudos. Considero esta chegada um ponto de partida para novas ideias, críticas e estudos, acreditando sempre na dinâmica das coisas, sendo que o tema abordado não se esgota somente nesta discussão. 122 REFERÊNCIAS ALVES, A. A. F. Assistência social: história crítica e avaliação. 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Francisca Rejane Bezerra Andrade Pesquisadora: Mary Anne Filgueiras Porto Rosa Título: Gestão integrada dos serviços e benefícios da política de assistência social: analisando uma análise dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) de Maracanaú ROTEIRO DE ENTREVISTA Entrevista nº _________. Data: ________________. • CARACTERIZAÇÃO DA INTERLOCUTORA DA PESQUISA 1.1. Sexo: ( 1.3. Cor: ( )M ( ) F. 1.2. Idade: _______. ) Branco ( 1.4. Grau de instrução: ( ( ) Pardo ( ) Graduação ) Negro ( ( ) Indígena ) Pós-Graduação ) Completa ( ) Em andamento. 1.5. Graduação em: _________________________. 1.6. Vinculo institucional: ( ) Servidor estatutário ( Comissionado ( ) Contrato temporário ( ) Empregado público celetista ( ) ) Outro. Especifique: _________. 1.7. Tempo de trabalho no município: ________________. 1.8. Tempo de trabalho na função: _____________. 1.9. Participa de algum conselho de direitos: ( ) SIM ( ) Não. Especifique: ____________________________________________. 1.10. Quais suas principais características como gestora de uma política pública? Quais novas habilidades foram apreendidas? 131 CARACTERIZAÇÃO DO CAMPO DA PESQUISA 2.1. CRAS:_________________________. 2.2. Tempo de implantação:______________. 2.3. Número de funcionários:________. ( ) Nível Médio ( 2.4 . Número de funcionários: Efetivos ( ) Contratados ( ) Superior ) 2.5. Número de bairros atendidos: _________________. 2.6. Quais os benefícios oferecidos por este CRAS: 2.7. Quais os serviços oferecidos por este CRAS: 2.8. Qual o público prioritário de atendimento deste CRAS: 2.9. Número de famílias no território: ____________. 2.10. Número de famílias atendidas anualmente:___________. 2.11. Número de famílias atendidas mensalmente:___________. 2.12. Número de famílias acompanhadas: _______________. 2.13. Quantas destas famílias são: • BPC: ______________; • Bolsa Família:__________. • Estão inseridas no CadÚnico: __________. • São famílias público-alvo da Proteção Social Especial: _____________ . • Foram beneficiadas com benefícios eventuais: ________________. • Não sabe precisar: ( • Estão participando de algum serviço: _______________________. ). Informações relevantes: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________. 132 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL / BENEFÍCIOS E SERVIÇOS EM DISCUSSÃO 3.1. Quais os principais avanços que o SUAS trouxe para o desenvolvimento do trabalho na área da assistência social? 3.2. Você tem conhecimento como eram geridos os serviços e benefícios da assistência social no município antes da implantação do SUAS? Se sim, especifique. 3.3. Atualmente como esses benefícios são geridos? Quais as principais semelhanças e diferenças? 3.4. Quais as principais mudanças observadas? A ARTICULAÇÃO ENTRE SERVIÇOS E BENEFÍCIOS NO CRAS 4.1. É de conhecimento da equipe o documento protocolo de gestão integrada de serviços e benefícios e o documento que trata da tipificação dos serviços? Como tomaram conhecimento? Participaram de alguma capacitação? De que forma foi repassado para equipe do CRAS? 4.2. No que a proposta de articulação entre serviços e benefícios contribui para a consolidação do SUAS? 4.3. Em relação à demanda espontânea que procura o CRAS, qual a principal procura: ( Benefícios (eventual, transferência de renda) ( ) Serviços ( ) ) Não sabe precisar. 4.4. Caso a resposta seja benefício, qual o benefício mais solicitado? 4.5. Caso seja serviço, qual o serviço mais procurado? 4.6. Em relação ao público do CRAS beneficiários de algum benefícios (eventual, BPC, BF ou outros), qual participa mais dos serviços? Qual público é mais difícil ou o CRAS encontra mais dificuldades de acompanhar? Por quê? 4.7. Como vem sendo realizada a articulação entre serviços e benefícios no CRAS junto às famílias beneficiárias? 4.8. Em relação à articulação entre serviços e benefícios da assistência social, quais os principais limites? 4.9. Em relação à articulação entre serviços e benefícios geridos pela assistência, quais os principais desafios? 4.10. Em relação à articulação entre serviços e benefícios geridos pela assistência social, quais os principais avanços? 133 4.11. A oferta de serviços no CRAS e no território é compatível com o quantitativo de beneficiários público-alvo da assistência social? ( ) SIM ( ) NÃO 4.12. O CRAS utiliza algum instrumento para mensurar o impacto desse conjunto integrado (serviços e benefícios) na vida da população usuária? ( ) SIM ( ) NÃO. 4.13. O CRAS possui a listagem das famílias beneficiárias do benefícios de transferência de renda? ( ) SIM ( ) NÃO. Como tiveram acesso: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ________________________________________________. 134