ANAIS ELETRÔNICOS ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura | 10 a 12 de novembro de 2011 Itabaiana/SE: Departamento de Letras, Vol.02, ISSN: 2237-9908 DA ESTRUTURA À INTERPRETAÇÃO DO POEMA “A LUA DE LONDRES”, DE JOÃO DE LEMOS Anselmo Castro dos Santos (graduando/UFS) RESUMO O presente trabalho tem como objetivo fazer inicialmente uma abordagem estrutural do poema “A lua de Londres” de João de Lemos, identificando portanto, o modo como este é construído e apresentado ao leitor. Após discutir os pontos chave da estruturação (composição gráfica, o ritmo, o léxico e a construção sintática) entenderemos então que esses elementos trazem ao leitor, pistas para ampliar a significação do texto, enriquecendo assim, o aspecto semântico, o da significação. A fundamentação teóricometodológica insere-se na teoria Estilística de Norma Goldstein. As informações discutidas neste trabalho, tem como base, o texto Análise do poema, 1988, da autora referida anteriormente. No poema em análise, a idealização é o tema principal e aproxima-se intertextual do poema "Canção do exílio". Dessa forma, apesar das diferentes origens de seus autores - todos mantêm o mesmo ponto de vista: defender a terra natal durante seu "exílio" em terra estrangeira de um ponto de vista extremamente idealizador. Palavras-chave: teoria, abordagem estrutural, significado, interpretação. “A LUA DE LONDRES” É/ noi/te./ O as/tro/ sau/do/so rom/pe a /cus/to um/ plúm/beo/ céu, tol/da-/lhe o/ ros/to/ for/mo/so al/va/cen/to,/ hú/mi/do/ véu, traz/ per/di/da a/ cor/ de/ pra/ta, nas/ á/guas/ não/ se/ re/tra/ta, não/ bei/já/ no/ cam/po a/ flor, não/ traz/ cor/te/jô/ de es/ter/las, não/ fa/la/ de a/mor/ às/ be/las, não/ fa/la aos/ ho/mens/ de a/mor. Meiga Lua! Os teus segredos onde os deixaste ficar? Deixaste-os nos arvoredos das praias de além do mar? Foi na terra tua amada, nessa terra tão banhada por teu límpido clarão? Foi na terra dos verdores, na pátria dos meus amores, pátria do meu coração! Oh! que foi!... Deixaste o brilho 1 ANAIS ELETRÔNICOS ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura | 10 a 12 de novembro de 2011 Itabaiana/SE: Departamento de Letras, Vol.02, ISSN: 2237-9908 nos montes de Portugal, lá onde nasce o tomilho, onde há fontes de cristal; lá onde viceja a rosa, onde a leve mariposa se espaneja à luz do Sol; lá onde Deus concedera que em noite de Primavera se escutasse o rouxinol. Tu vens, ó Lua, tu deixas talvez há pouco o país onde do bosque as madeixas já têm um flóreo matiz; amaste do ar a doçura, do azul e formosura, das águas o suspirar. Como hás-de agora entre gelos dardejar teus raios belos, fumo e névoa aqui amar? Quem viu as margens do Lima, do Mondego os salgueirais; quem andou por Tejo acima, por cima dos seus cristais; quem foi ao meu pátrio Douro sobre fina areia de ouro raios de prata esparzir não pode amar outra terra nem sob o céu de Inglaterra doces sorrisos sorrir. Das cidades a princesa tens aqui; mas Deus igual não quis dar-lhe essa lindeza do teu e meu Portugal. Aqui, a indústria e as artes; além, de todas as partes, a natureza sem véu; aqui, ouro e pedrarias, ruas mil, mil arcarias; além, a terra e o céu! Vastas serras de tijolo, estátuas, praças sem fim retalham, cobrem o solo, mas não me encantam a mim. Na minha pátria, uma aldeia, por noites de lua cheia, é tão bela e tão feliz!... Amo as casinhas da serra coa Lua da minha terra, nas terras do meu país. Eu e tu, casta deidade, padecemos igual dor; temos a mesma saudade, sentimos o mesmo amor. Em Portugal, o teu rosto de riso e luz é composto; aqui, triste e sem clarão. Eu, lá, sinto-me contente; aqui, lembrança pungente faz-me negro o coração. Eia, pois, ó astro amigo, voltemos aos puros céus. Leva-me, ó Lua, contigo, preso num raio dos teus. Voltemos ambos, voltemos, que nem eu nem tu podemos aqui ser quais Deus nos fez; terás brilho, eu terei vida, eu já livre e tu despida das nuvens do céu inglês. INTRODUÇAO (apresentação do autor e da obra) João de Lemos Seixas Castelo Branco (1819-1890) nasceu em Peso da Régua. Formou-se em Direito na Universidade de Coimbra onde ajudou a fundar a revista O Trovador. Além de poesias de pendor ultra-romântico, escreveu o livro em prosa Serões 2 ANAIS ELETRÔNICOS II ENILL - Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura | ISSN: 0000-0000 10 a 12 de novembro de 2011, Itabaiana/SE da Aldeia, publicado em 1877. Os seus poemas foram reunidos nas coletâneas Cancioneiro (1º volume publicado em 1858, 2º volume em 1859 e 3º volume em 1866) e Canções da Tarde, esta publicada em 1875. O seu lirismo piegas foi criticado pelos escritores realistas. “Escrito em Londres, em 30 de março de 1847, e publicado nO Trovador, em 1848, ‘A lua de Londres’ oferece, além dos lugares comuns Ultra-Românticos, outros aspectos da tendência em voga durante os anos acadêmicos de João de Lemos.”(Massaud Moisés; A literatura portuguesa: através dos textos. Pág. 293) 1- COMPOSIÇÃO GRÁFICA O poema é composto por nove estrofes, sendo que cada uma possui dez versos (décima). Esses versos por sua vez, são regulares, obedecem às regras estabelecidas pela métrica clássica e apresentam rimas regulares, fazendo coincidir os sons finais das últimas palavras de cada verso. 2- O RITMO DO POEMA Os versos ou linhas têm o mesmo tamanho, ou seja, todos com sete sílabas. O verso de sete sílabas poéticas é conhecido como redondilha maior. Tem como sílabas acentuadas, ou mais fortes, qualquer uma delas e a sétima. Bastante melodiosa, ele é freqüente em poemas e também em canções populares. Pode-se perceber claramente o efeito que decorre da forma como o poema é composto. O poeta João de Lemos, dedica especial atenção ao lado sonoro de sua composição. Dessa forma, insinua-se facilmente nos ouvidos dos leitores uma espécie de música. No poema (A lua de Londres), o leitor tende a fazer uma espécie de pausa ao final de cada linha ou verso. Sendo assim, esta pausa se acentua pelos sons que se repetem como vemos na primeira estrofe: saudoso/formoso; céu/véu; prata/retrata; flor/amor e estrelas/belas. 3 ANAIS ELETRÔNICOS II ENILL - Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura | ISSN: 0000-0000 10 a 12 de novembro de 2011, Itabaiana/SE Aproveitando o conceito de rimas encontrado no livro “Análise do poema” de Norma Goldstein, podemos classificá-lo pela repetição dos mesmos sons no final das palavras. A mesma coloca ainda que essas rimas podem vir em palavras no interior dos versos, sendo chamadas rimas internas ou em palavras que conclui os versos, chamadas rimas externas, como no caso do poema em análise. 3- AS RIMAS E SUA CLASSIFICAÇÃO Ainda tendo como base o livro da Norma Goldstein, “a rima é a coincidência sonora no final de palavras diferentes. A rima pode ser classificada conforme sua posição no verso e na estrofe, conforme o tipo de sons (fonema) que coincidem e ainda como rimas pobres ou ricas” (pág. 22). Portanto, estas são as classificações mais usadas. Quanto à posição das rimas nos versos, vimos no tópico anterior que quando a rima ocorre no interior deles, chamamos de interna. Quando ocorre no final, chamamos de rimas externas. Já quanto à posição da rima ao longo do poema ou da estrofe, classificamos cada tipo de rima indicando uma letra, dessa forma, podemos analisar melhor sua distribuição, como vemos na primeira estrofe do poema. 4 ANAIS ELETRÔNICOS II ENILL - Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura | ISSN: 0000-0000 10 a 12 de novembro de 2011, Itabaiana/SE É noite. O astro saudoso rompe a custo um plúmbeo céu, ALTERNADAS tolda-lhe o rosto formoso alvacento, húmido véu, traz perdida a cor de prata, EMPARELHADAS nas águas não se retrata, não beija no campo a flor, EMPARELHADAS não traz cortejo de estrelas, INTERPOLADAS não fala de amor às belas, não fala aos homens de amor. Como podemos perceber, nas quatro primeiras linhas ou versos temos rimas alternadas. No quinto e sexto versos, temos rimas emparelhadas. No sétimo e décimo versos, rimas interpoladas, e, no oitavo e nono versos, rimas emparelhadas. Assim como na primeira estrofe, todas as que se seguem, possui a mesma posição ou distribuição da rimas. Analisando as rimas como pobres ou ricas, sendo que os tratados de versificação consideram ricas as rimas mais elaboradas, mais raras ou difíceis e pobres as mais simples, mais comuns ou menos elaboradas, podemos se utilizar de dois critérios distintos: o sonoro e o gramatical. Segundo Norma, no que tange ao critério gramatical, “são rimas pobres as rimas de palavras que pertencem à mesma categoria ou classe gramatical, e ricas as que fazem coincidir sonoramente palavras de diferentes classes gramaticais” (pág. 24). Já no 5 ANAIS ELETRÔNICOS II ENILL - Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura | ISSN: 0000-0000 10 a 12 de novembro de 2011, Itabaiana/SE critério sonoro ou fônico, “é pobre a rima que ocorre apenas em um fonema, e rica a que faz coincidir os sons das palavras a partir da consoante que precede a vogal tônica” (pág. 24). Tendo conhecimento dessas definições, analisaremos mais uma vez a primeira estrofe do poema de João de Lemos, mas antes gostaríamos de frisar que nas estrofes seguintes sua organização ou classificação pode ocorrer de forma que não coincidam com essa primeira. CRITÉRIO GRAMATICAL É noite. O astro saudoso POBRE rompe a custo um plúmbeo céu, tolda-lhe o rosto formoso POBRE alvacento, húmido véu, RICA traz perdida a cor de prata, nas águas não se retrata, não beija no campo a flor, POBRE não traz cortejo de estrelas, POBRE não fala de amor às belas, não fala aos homens de amor. CRITÉRIO FÔNICO É noite. O astro saudoso POBRE rompe a custo um plúmbeo céu, tolda-lhe o rosto formoso POBRE alvacento, húmido véu, 6 ANAIS ELETRÔNICOS II ENILL - Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura | ISSN: 0000-0000 10 a 12 de novembro de 2011, Itabaiana/SE RICA traz perdida a cor de prata, nas águas não se retrata, não beija no campo a flor, POBRE não traz cortejo de estrelas, POBRE não fala de amor às belas, não fala aos homens de amor. 4- AS PALAVRAS QUE COMPÕEM O POEMA E O MODO COMO ELAS SE ORGANIZAM Primeiramente frisamos que o poeta se utiliza de uma linguagem culta, mas que, no entanto, esse vocabulário ou léxico se constitui de palavras em sua maioria simples e conhecidas do leitor. Quanto às categorias gramaticais do poema, encontramos com predominância os substantivos, verbos e adjetivos. Estas, por sua vez, contém pistas para a interpretação do poema, por exemplo, quando o poeta utiliza os vários adjetivos, revela então a saudade de sua terra distante (Portugal) como vemos na segunda e terceira estrofes. Meiga Lua! Os teus segredos onde os deixaste ficar? Deixaste-os nos arvoredos das praias de além do mar? Foi na terra tua amada, nessa terra tão banhada por teu límpido clarão? Foi na terra dos verdores, na pátria dos meus amores, pátria do meu coração! Oh! que foi!... Deixaste o brilho nos montes de Portugal, lá onde nasce o tomilho, onde há fontes de cristal; lá onde viceja a rosa, onde a leve 7 ANAIS ELETRÔNICOS II ENILL - Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura | ISSN: 0000-0000 10 a 12 de novembro de 2011, Itabaiana/SE mariposa se espaneja à luz do Sol; lá onde Deus concedera que em noite de Primavera se escutasse o rouxinol. Quanto à pontuação, o poema é rico em vírgulas, ponto e vírgulas e aparecem ainda interrogações e exclamações. Mas o que queremos destacar são as reticências que aparecem no décimo verso da sexta estrofe (Além... a terra e o céu). O poeta deixa em aberto o texto, para que o leitor o complete com sua imaginação. Há também o paralelismo, um recurso que consiste na repetição da mesma construção sintática em versos diferentes. Isso se comprova nos últimos versos da primeira estrofe. É noite. O astro saudoso rompe a custo um plúmbeo céu, tolda-lhe o rosto formoso alvacento, húmido véu, traz perdida a cor de prata, nas águas não se retrata, não beija no campo a flor, não traz cortejo de estrelas, não fala de amor às belas, não fala aos homens de amor. 5- O ASPECTO SEMÂNTICO: INTERPRETAÇÃO Como já discutimos alguns pontos chave no que se refere à análise do poema, a saber: a composição gráfica, o ritmo, o léxico e a construção sintática, podemos afirmar então que esses elementos trazem ao leitor pistas para ampliar a significação do texto, enriquecendo o aspecto semântico, o da significação. Sem mais observações, para concluirmos nosso trabalho, passemos neste momento a interpretar o poema. João de Lemos, publica o seu poema "Lua de Londres" em 1875 e obtém uma grande popularidade, tornando-se um dos marcos do Romantismo português. Nesse 8 ANAIS ELETRÔNICOS II ENILL - Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura | ISSN: 0000-0000 10 a 12 de novembro de 2011, Itabaiana/SE poema o sujeito lírico idolatra Portugal durante seu exílio em terras estrangeiras. Com nove estrofes de dez versos, numa preferência pela redondilha maior, possui também um vocabulário que se destaca pela subjetividade, construindo, portanto, uma forma bem ao estilo romântico, assim como o poema de Gonçalves Dias. Os trechos metapoéticos mostram o ímpeto nacionalista como natural ao poeta desgarrado do seu lar, pois a saudade é transformada em poema como forma de mostrar o apego à nação natal durante o exílio. Assim como Gonçalves Dias se utiliza de alguns termos que lembram a fauna do Brasil, João de Lemos também usa o rouxinol como símbolo da fauna portuguesa, ao mostrar que a lua teria deixado o brilho “nos montes de Portugal”, descrevendo a natureza de forma idealizada por motivos divinos: Se espaneja à luz do sol; Lá onde Deus concedera Que em noite de primavera Se escutasse o rouxinol João de Lemos desqualifica a lua de Londres para reforçar a idealização de sua terra natalícia: Vastas serras de tijolo, estátuas, praças sem fim retalham, cobrem o solo, mas não me encantam a mim. Na minha pátria, uma aldeia, por noites de lua cheia, é tão bela e tão feliz!... Amo as casinhas da serra coa Lua da minha terra, nas terras do meu país. Essa identificação com a natureza que seria característica da terra natal é tanta que o sujeito lírico desse poema atribui sua dor aos elementos da natureza – noite e lua, respectivamente – com que ele dialoga, conforme a estrofe seguinte: 9 ANAIS ELETRÔNICOS II ENILL - Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura | ISSN: 0000-0000 10 a 12 de novembro de 2011, Itabaiana/SE Eu e tu, casta deidade, padecemos igual dor; temos a mesma saudade, sentimos o mesmo amor. Em Portugal, o teu rosto de riso e luz é composto; aqui, triste e sem clarão. Eu, lá, sinto-me contente; aqui, lembrança pungente faz-me negro o coração. Dessa forma, o sentimento do sujeito lírico é transferido para seus interlocutores. Lemos não solicita uma ajuda para um abstrato divino, mas sim para seus respectivos interlocutores, mostrando que tanto a noite como a lua e o bardo português são tristes nos locais que estão, reforçando a diferença entre o “aqui” e o “lá”: Eia, pois, oh astro amigo, Voltemos aos puros céus, Leva-me, oh lua, contigo, Preso num raio dos teus; Voltemos ambos, voltemos Que nem eu nem tu podemos Aqui ser quais Deus nos fez; Terás brilho, eu terei vida, Eu já livre, e tu despida Das nuvens do céu inglês. A impassibilidade na ação de retorno à terra natal fica evidente nessas estrofes finais, em que o sujeito lírico demonstra-se como desejoso de retorno, mas nada faz de objetivo para que o exílio termine, deslocando a iniciativa da ação para o abstrato e deixando permanente a possibilidade remota de retorno num futuro incerto. CONSIDERAÇÕES FINAIS No poema em análise, a idealização é o tema principal. Idealização da terra natal por um eu - lírico que se encontra exilado, demonstrando a oposição entre o 10 ANAIS ELETRÔNICOS II ENILL - Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura | ISSN: 0000-0000 10 a 12 de novembro de 2011, Itabaiana/SE presente numa terra "estrangeira" e o passado glorioso na terra natal, em um tom nacionalista predominante durante a escola romântica e grande parte do século XIX, ficando evidente, dessa forma, que o sujeito lírico do poema forma um leque intertextual em relação ao poema "Canção do exílio", e que - apesar das diferentes origens de seus autores - todos mantêm o mesmo ponto de vista: defender a terra natal durante seu "exílio" em terra estrangeira de um ponto de vista extremamente idealizador. REFERÊNCIAS GOLDSTEIN, Norma. Análise do poema.Série Ponto por Ponto.- São Paulo. Editora Ática: 1988. LUFT, Celso Pedro. Minidicionário Luft. 20. ed. São Paulo: Ática, 2002. MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa; através dos textos.´ MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários. São Paulo: Brasil. Editora Coltrix. 1974. 11