XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
Factores chave no processo de implementação de políticas públicas em Portugal
Maria Engrácia Cardim
I.
INTRODUÇÃO
A implementação constitui uma fase do processo de produção de políticas públicas que não
é habitualmente analisada como responsável pelo êxito ou pela falência daquelas políticas
(DYE, 2002). Todavia, é no seu decurso que tem lugar a concretização do projecto que a
governação entendeu ser mais adequado à resolução de um dado problema. As expectativas
que actores e destinatários nele colocam e a gestão dos recursos que lhe são afectos,
justificam que se cuide da sua eficiência, mas também do impacto que pode gerar no tecido
social e na confiança dos cidadãos. Às agências a quem é cometida a responsabilidade de
pôr em prática o que foi equacionado como mais eficaz, incumbe garantir a articulação com
as condições observadas no tecido destinatário e a sustentação técnica de quem representa
as soluções no terreno. Às representações sociais que vão sendo construídas sobre o
processo não são alheias novas variáveis decorrentes de cenários políticos sociais
envolventes. Neste paper apresentamos reflexões sobre estas questões, que emergiram de
pesquisa levada a cabo sobre a implementação de políticas públicas em Portugal, nos
domínios da educação, da formação e da segurança social (CARDIM, 2006).
Na sequência daquela pesquisa promovemos investigação sobre pontos críticos
anteriormente identificados, análise das discrepâncias entre o discurso oficial e a
confirmação das práticas, que nos remetem para a análise do papel da coordenação dos
processos de implementação pluri-agências e para a importância de uma cultura de partilha
de boas práticas propulsora de transferência de conhecimento e de aproveitamento das
lições da experiência.
Como área crítica na implementação de políticas públicas transversais a tutelas (de
tendência verticalizada) desenvolvemos análise crítica sobre a expressão no terreno de
políticas de acessibilidade dirigidas à concretização da igualdade de oportunidades e de
direitos relativamente a cidadãos com mobilidade reduzida.
Generalizadamente esquecida nas preocupações de quem gere a adequação das políticas
públicas às características e necessidades dos contextos societais (cujas dinâmicas neles
forçam novas configurações nos problemas e na relação entre as soluções que se lhes
ajustam), encontra-se a monitorização do painel das políticas activas. As consequências
daquele esquecimento ou desatenção permitem que se perpetuem, onerando o peso da
administração e perturbando a percepção sobre a eficácia do papel do Estado.
A opção por desenvolver e reforçar quadros de governance que articulem as características,
as dinâmicas e as competências locais com a intervenção programática ou reguladora do
Estado, traduz-se também em processos de implementação territorializada.
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Esta estratégia facilita a aproximação entre quem gere e quem é gerido, seja na perspectiva
de uma melhor disponibilização da provisão pública, seja no aproveitamento dos recursos
locais e do reforço da sociedade civil como parceira do Estado, seja ainda no melhoramento
do exercício da coordenação dos agentes no terreno, deles extraindo sinergias e capacidade
de actuar com eficácia.
II.
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO QUADRO DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
Uma observação atenta sobre a definição das políticas públicas, sobre a sua formulação e
sobre o seu impacto, leva-nos frequentemente à conclusão de que existe um elevado risco
de não serem obtidos os resultados previstos, de surgirem efeitos perversos, ou,
simplesmente, de não ter sido sequer alcançada a visibilidade desejada.
Não obstante a identificação dos problemas e da sua prioridade de resolução, a justificação e
a oportunidade das decisões, a legitimidade de quem as toma, a tecnicidade envolvida no
seu equacionamento, a relevância das respostas que se pretendem, ou, ainda, o conjunto de
meios envolvidos, parece existir algo mais que inibe ou distorce os resultados desejados.
Não nos interessa aqui colocar no eixo das causalidades a componente valorativa que
resulta da concordância ou discordância com as ideias, postulados ou orientações de quem
decide sobre a matéria pública. Para além de nos colocar noutra matriz temática, aquele
enfoque, mesmo aplicado em tempos políticos diferenciados e com matrizes ideológicas
distintas, levar-nos-ia, provavelmente, a concluir da inevitabilidade daqueles desajustes.
Dirigindo-se as políticas públicas à resolução de problemas identificados na estrutura e no
funcionamento da sociedade e das comunidades que a compõem, cujo interesse envolve os
cidadãos, enquanto seus destinatários finais, é legítimo que se questione sobre como estes
foram atingidos, como foram envolvidos e quais as mais-valias decorrentes.
Sendo objecto de exploração científica, as evidências que decorrem da metodologia
científica associada à produção das políticas públicas parecem, na generalidade, não
suscitar a adesão dos participantes e dos actores dos processos. De facto, a resolução de
problemas públicos promove, desde logo, o confronto entre interesses sociais divergentes,
que vão, nomeadamente, da própria consideração de um problema como adequado e
prioritário para constar da agenda política, à sua formulação, à estruturação do modo como
se prevê seja concretizada e às opções de actuação que suscita no transcurso da sua vida
útil. Determinante, subjaz ainda a moldura política e ideológica do regime.
Muito resumidamente, partimos, para o efeito aqui proposto, do princípio de que se assumem
como políticas públicas as decisões tomadas pelo governo, destinadas à resolução de
problemas que afectam a sociedade ou à introdução de regras e orientações que
determinam o modo de funcionamento do colectivo dos cidadãos e das instituições e actores
que operam na sua esfera de actuação (que, à partida, se identifica com o espaço nacional).
As decorrentes orientações correspondem ao que o governo entende fazer ou realizar, mas
também ao que o governo escolhe não fazer, escudado na sua dimensão sancionatória.
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Escoram-se na causa pública e no interesse comum, afectam um elevado número e
diversidade de pessoas e são interpretadas e implementadas por actores públicos e privados
(BIRKLAND, 2001). O carácter público das políticas vai para além da consideração dos bens
públicos, estendendo-se aos sistemas que providenciam os bens ou serviços públicos. Os
bens ou serviços públicos remetem para acessibilidade garantida a todos os cidadãos, em
igualdade de condições de tempo, de custo e de qualidade. Os correspondentes modelos de
provisão são variáveis e dependentes das opções políticas de cada sociedade (DYE, 2002).
A diversidade de pessoas (entendidas individual e colectivamente), de instituições e de
interesses envolvidos confere-lhes natural e significativa importância, mas também suscita,
não raras vezes, controvérsia e frustração no seio dos seus destinatários.
À afirmação de que as políticas públicas se resumem a leis, regulamentos e orientações
definidas pelo (ou em nome do) governo relativamente a questões, problemas ou áreas de
interesse, contrapõe-se um entendimento mais extensivo que afirma que as políticas se
revelam através de textos, de práticas, de comportamentos, de símbolos e de discursos que
definem, divulgam e disponibilizam valores, bens e serviços, bem como regulações,
regulamentações, investimentos, estatutos e outros atributos valorativos de sinal positivo ou
negativo. Quer dizer que, após a formação e publicação da legislação, continua a desenrolarse o processo de elaboração e de concretização das políticas, através de quem as vai
implementar (ou pôr em prática), uma vez que envolvem decisões sobre quem vai beneficiar
efectivamente das medidas, de que forma, com que meios e através de quem. E é
exactamente ao longo desse itinerário que se emitem os sinais que alimentam as percepções
de agentes e de destinatários, que assim vão formatando, elas próprias, representações
colectivas, muitas vezes distintas do conceito inicial.
Portanto, entre a definição política e os seus resultados transcorre um processo que envolve
estruturas, meios, actores e caminhos que, no seu conjunto, são capazes de anular, de
subverter, de limitar ou de levar a bom termo a ideia inicial ou a intenção de resolução.
Expectativas e capital de confiança, investimentos financeiros e materiais, esforço legislativo,
podem, assim, frustrar-se através de um processo, a que generalizadamente não é conferida
importância central, mas que, não raramente, determina o seu êxito ou fracasso.
Este processo ou transcurso constitui a fase de Implementação de uma Política Pública,
através do qual ela caminha do estádio de orientação até ao estádio de concretização e de
consumo pelos seus destinatários finais. É, fundamentalmente, no corpo da fase de
implementação que se desenrolam as actividades, se accionam os recursos e se
responsabilizam os agentes que vão pôr em prática a “construção” dos meios e das
respostas que “factualizam” as políticas públicas. E é ainda nesta fase que se procede à
monitorização das políticas, por forma a que se garantam os objectivos definidos, se
incorporem no tecido visado e se actualizem face aos meios e aos modos de actuação.
De facto, estamos perante mais do que uma simples fase do ciclo de realização das políticas
públicas. Estamos perante um processo de integração, de processamento e de socialização
das orientações ou medidas de política, que até aqui se mantinham como corpo de decisões
e que agora passam para a dimensão da concretização.
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À importância conferida ao processo de implementação, enquanto chave no ciclo de
produção de políticas públicas, vem juntar-se a sua relevância no tocante aos meios que
envolve, aos recursos que consome e, ainda, ao investimento que lhe está
programaticamente associado. Não menos importante é, ainda, a eventual usura que o
insucesso das políticas provoca no capital de expectativas do colectivo social e na
credibilidade da capacidade pública de resolver problemas e de melhorar as condições de
vida e de cidadania dos indivíduos e das instituições.
Pôr em prática o que é decidido envolve um processo a que são chamadas, nomeadamente,
as várias disciplinas da gestão. Mas, para além do desenho e da formulação dos programas,
existe uma dimensão que, muitas vezes, consome vontades, meios, competências e tempo.
Essa dimensão concretiza-se na passagem das decisões pelas estruturas incumbidas de as
veicular e de as pôr em prática. A passagem e a incorporação da informação (e das
decisões) nos níveis do aparelho burocrático assume características muito diversas, que
podem viabilizar, alterar ou inibir a decisão tomada ou subverter o seu próprio sentido. Esta
“passagem” pelos níveis intermédios das estruturas burocráticas e a forma como chegam ao
“destino” e como são aplicadas, constitui matéria de interesse para o desempenho público e
área de trabalho oportuna para a investigação. No cerne da questão está também a forma
como as organizações da administração pública se posicionam face à missão de levar a bom
termo as resoluções e orientações que concretizam as políticas públicas, recolhendo, em
retorno, a informação sobre os seus resultados e impactos e sobre as dinâmicas geradas
para a sua implementação.
Com aquela preocupação têm vindo a desenvolver-se estratégias e novas abordagens de
gestão, consubstanciadas em modelos que rompessem com o peso e a alegada ineficácia do
sector público na gestão das organizações. Visavam uma maior eficácia na obtenção de
resultados, um melhor aproveitamento dos recursos, uma diminuição do desperdício e a
própria extinção de bolsas de improdutividade. New Public Management, New Public Service,
Public Governance Movement constituem sucessivas abordagens. Nomeadamente o modelo
Governance procura posicionar-se como “uma nova forma de pensar sobre as capacidades
do Estado e as relações entre este e a sociedade” (PIERRE e PETERS, 2000: 50). Visa
ainda reforçar o enfoque intra-organizacional e o claro alinhamento das organizações
relativamente a objectivos e resultados (RHODES, 1997: 55), a que não é alheio o
estreitamento das relações entre disponibilizadores e destinatários das políticas públicas.
III.
ABORDAGENS TEÓRICAS À IMPLEMENTAÇÃO
O desajuste entre a realização e a expectativa condena (ou pode condenar) o sucesso das
políticas públicas, não obstante o seu desenho ter sido alegadamente adequado, em fase de
agendamento social e político e de decisão, à dimensão e à gravidade dos problemas e à
expressão e amplitude dos seus destinatários, tendo comportado (em princípio) a
identificação dos problemas mais prementes, a definição da sua prioridade, tipo e formato de
resposta, o equacionamento de recursos e meios necessários, o seu agenciamento e o
agendamento público do respectivo programa.
Todavia, a política de implementação configura-se como uma das questões mais
problemáticas para quem produz e gere o processo político e a matéria pública.
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O protagonismo e a autonomização da Implementação, enquanto fase do processo político,
vieram a tomar crescente lugar na investigação e na produção científica a partir dos anos 70,
do século XX (HILL e HUPE, 2002).
Os trabalhos de Pressman e Wildavsky (PRESSMAN e WILDAVSKY, 1984) sobre o Projecto
de Oakland vieram iniciar o estudo sistemático daquela fase do ciclo de produção das
políticas públicas. Desde então, têm vindo a emergir sucessivas gerações de investigação
dando corpo e conteúdo à Teoria da Implementação.
Sucessivos enfoques, parâmetros e modelos, associados às matrizes e correntes científicas
das disciplinas que vieram a constituir-se como seus referenciais (designadamente, a Ciência
Política, a Administração Pública, a Sociologia, a Psicologia Social, a Gestão, a Economia),
preencheram (e preenchem) espaços de demonstração, de entendimento e de explicação
dos processos de concretização das políticas (BIRKLAND, 2001).
Em jogo estava a delimitação do núcleo causal predominante, abrindo passo, ora para uma
propedêutica eficaz, ora para uma explicação e interpretação mais abrangente e integradora,
de forma crescente.
Partiu-se de um primeiro paradigma de abordagem top down, de carácter dedutivo, nascido
no vértice superior da pirâmide institucional de “decisão pública”, atravessando o aparelho ou
a agência implementadora até à base e prolongando-se na verificação da percepção social
sobre o formato da política pública, junto dos destinatários (SABATIER e MAZMANIAN,
2000).
Um segundo paradigma (LIPSKY, 1980) veio colocar o cerne da questão numa abordagem
bottom up, de carácter indutivo e explicativo (SCHARPF, 1986), nascida exactamente na
base da estrutura de provisão, ou seja, no nível dos street level bureaucrats e do seu
contacto com os destinatários finais e com o seu contexto.
Outra abordagem elegeu como fulcro do processo de implementação a estrutura intermédia
das organizações (GOGGIN, BOWMAN e LESTER, 1990), 1990). Podendo considerar-se
sucedâneo da abordagem top-down, no seu âmbito viriam a ser desenvolvidas e testadas
teorias sobre o comportamento do segmento dos funcionários intermédios das organizações,
designados “middle range”. Ocupando as camadas intermédias dos aparelhos organizativos
da administração pública, movem-se num cenário de opacidade relativamente à visão da
operacionalidade das políticas públicas e à sua directa ligação às necessidades do mundo
exterior e dos destinatários finais. No seu modus inscrevem-se comportamentos que
habitualmente não promovem fluidez na passagem de informação de orientação
(descendente) e de retorno (ascendente).
A multidisciplinaridade do problema vinha, entretanto, aconselhar abordagens conjugadas e
mais abrangentes, já que a solução não se vislumbrava num só modelo ou numa mono
abordagem (HILL e HUPE, 2002).
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Num quadro de reflexão mais amplo, o trabalho de O’Toole (O’TOOLE, 1997) promove a
relação interdisciplinar no estudo da implementação, empreendida num quadro de
colaboração multi-actores. A sua contribuição faz-se sentir ainda na modelização dos
processos inter-organizacionais e nas questões relativas à gestão de redes relacionais. A
questão da implementação multi-agências apela à centralidade da coordenação, enquanto
factor chave. Ainda com O’Toole (O’TOOLE, 2001), para além da centralidade da
cooperação na implementação em contextos de rede, são evidenciados problemas de
incerteza e de debilidade institucional nas fases de formação da implementação, geradores
de desafios para quem pretenda gerir a implementação de políticas inovadoras. Na
continuidade desta abordagem mais abrangente, surgem enfoques na análise e no impacto
das respostas dos actores sociais (individuais ou grupais) afectados pela política, bem como
nos factores macro-contextuais mais abrangentes (SCHOFIELD, 2004).
Um novo ênfase vem sendo dado, na actualidade, à pesquisa e à prática das relações entre
ética, responsabilidade social e responsabilidade pública (public accountability), na óptica da
obrigação de prestar contas e de responder pelos resultados e controlo, propondo assim o
reforço e a renovação dos estudos sobre implementação (MOZZICAFREDO, 2003).
O conceito de responsabilidade transporta-se para a centralidade da relação entre a
administração/prestador e o cidadão/destinatário, traduzindo-se em obrigações que se
reportam, nomeadamente: ao funcionamento do sistema administrativo, na óptica do seu
dever de eficiência e eficácia; à demonstração do seu modo de agir e dos seus resultados,
na óptica da transparência e da devolução do seu labor junto dos destinatários, que, no
limite, são cidadãos e seus “accionistas”; à integração em projectos coordenados, que
correspondem à concretização de políticas públicas, elas próprias interligadas, enquanto
resposta articulada que o governo formula, visando a resolução de problemas de interesse
público; à fiabilidade da sua actuação concreta relativamente ao formato e às finalidades
daquelas políticas, respondendo perante a entidade coordenadora (o governo), a quem os
cidadãos delegaram, por via democrática, o dever de formulação de respostas.
A construção de uma imagem de confiança no sistema decorre, significativamente, de
práticas consistentes e de respostas coerentes com a formulação pública do que
publicamente é prometido aos cidadãos. Neste alinhamento, situa-se a “difusão da ética
profissional e da realização eficaz dos programas públicos, como valor de legitimação do
funcionamento da administração” (MOZZICAFREDO, 2003).
O modelo do Estado e dos regimes é também determinante na compreensão e a gestão das
“caixas pretas”, onde se desenrolam os processos de implementação das políticas públicas,
face à decorrente dimensão e tipologia da presença do Estado.
Portugal surge aqui como palco de investimento nesta área, posto que alia uma intervenção
de orientações políticas e um quadro legislativo e regulamentar denso, uma representação
social de ineficiência na gestão das agências implementadoras, uma débil cultura de
avaliação e de monitorização das políticas e de hábitos e práticas de parceria, de
colaboração e de coordenação.
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A escassa produção de narrativa e de reflexão sobre as práticas, vem ainda enfraquecer a
capacidade analítica e a eventual introdução de rectificações, reformas ou proposições, que
diminuam o gap entre o que é pretendido e o que é concretizado.
IV.
SUPORTE METODOLÓGICO E ESTRUTURA DE OBSERVAÇÃO E DE ANÁLISE
DO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO
Como suporte à pesquisa optámos por uma estratégia metodológica que acolhe a
complexidade do objecto, o seu contexto e a teia de interacções que o caracterizam e
determinam, os estados e as práticas inspiradas por perspectivas e backgrounds
diferenciados (FLICK, 2002).
Os processos de mudança social e a diversidade de estilos e de contextos de vida têm vindo
a redireccionar a pesquisa social das tradicionais metodologias dedutivas (imprecisas na
diferenciação dos objectos de estudo), para a utilização de estratégias indutivas. Ao invés de
se partir de teorias que se testam, são requeridos conceitos com sensibilidade empírica,
utilizados na aproximação aos contextos sociais em estudo – conhecimento e práticas são
estudados na sua dimensão local (FLICK, 2002).
Segundo Peter deLeon (1998), deveria considerar-se, de momento, suficiente e satisfatório o
domínio da compreensão da implementação, sendo que a explicação não implica
necessariamente a previsão. Ora uma orientação pós positivista pode desenvolver-se neste
eixo.
Uma metodologia qualitativa adapta-se melhor a um baixo standard de quantificação (com
escassez ou mesmo inexistência de informação e de dados disponíveis), proporcionando a
captação de uma visão mais completa das condições do contexto.
Seguimos, portanto, não uma conceptualização teórica e metodológica única, mas várias
abordagens inspiradoras da discussão, da análise e da prática da pesquisa (Flick, 2002) em
processo de triangulação.
(---------------------------------------introduzir imagem 1-----------------------------------------No desenvolvimento da pesquisa sobre o processo de implementação de políticas públicas
nas áreas da educação, da formação e da segurança social, utilizámos uma estratégia de
pesquisa de informação que combinou aquela abordagem, com formatos parametrizados
ajustados à apreensão de variáveis de referência para caracterização dos processos de
implementação estudados.
A sua aplicação permitiu-nos manter o mesmo scope de observação e de análise, de grande
utilidade para a análise comparativa entre os sistemas estudados.
A selecção dos parâmetros decorreu de um prévio trabalho exploratório sobre o itinerário
utilizado na implementação dos sistemas e sobre a tipologia das políticas analisadas.
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A sua aplicação prática revelou-a robusta na adequação ao levantamento e à identificação
da informação.
Da sua estrutura damos conta na apresentação sinóptica que se segue. Introduzimos alguns
preenchimentos, colocados apenas a título de exemplo, dado o carácter reservado que a
divulgação dos reais preenchimentos encerra.
----------------------------------------inserir quadro 1-----------------------------------------------------A percepção de que existe uma tensão entre a construção social do discurso sobre a
realidade e as práticas coloca dois níveis de análise que têm que ser contrastados.
Relativamente ao tema da implementação conjugam-se assim dois mundos, o mundo do
discurso e o mundo da acção, por forma a identificar a existência (ou não) de disfunção e o
seu sentido e momento de afastamento.
O material proveniente de cada um desses “mundos” é sujeito a processo comparativo a
partir do qual se identificam as relações consistentes e as relações inconsistentes.
A informação foi também recolhida em fontes, cuja tipologia abrange (MASON,1996):
• Pessoas (indivíduos isoladamente e inseridos em grupos ou colectividades)
• Organizações, instituições e entidades
• Textos
• Contextos e ambientes
• Objectos, instrumentos, produtos media
•
Eventos e acontecimentos
A partir de síntese meta teórica proveniente de abordagens institucionais, (HILL e HUPE,
2002) desenvolvemos um quadro de análise aplicado à organização implementadora, sobre
os três níveis de governação, que nela se cruzam:
A. Os três níveis de actuação:
1.
Constitucional;
2.
Directivo;
3.
Operacional;
B. Os três loci ou contextos onde se desenvolvem as relações político-societais (âmbito
político, âmbito institucional, âmbito local):
1.
Patamar político - O sistema político administrativo;
2.
Patamar institucional - As relações institucionais;
3.
Patamar micro – o âmbito local (street level).
Contribuímos, assim, com elementos sobre a iluminação de um conjunto de aspectos a ter
em conta nos processos de implementação, face à expectável interferência que podem
provocar nos comportamentos ou nos resultados das políticas públicas.
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V.
FACTORES CRÍTICOS NO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO
O paradigma actual de implementação de políticas públicas, numa lógica de governança,
assenta numa base de criação de redes e parcerias, seja em cooperação inter-agências, ou
em cooperação estreita destas com os seus diversos stakeholders (HILL e HUPE, 2002).
As mudanças recentemente operadas (e a operar) na Administração Pública Portuguesa
ainda não esbateram, ao nível do aparelho e das agências, o enorme apego ao modelo
burocrático (grande formalização e centralização), contribuindo para o desperdício das
potencialidades que poderiam advir dessas redes.
Na sequência de investigação anterior (CARDIM, 2006), sobre a construção de frameworks
of analysis com vocação explicativa e propedêutica, sustentada em trabalho empírico que
incidiu sobre diversas políticas nas áreas da educação, formação e segurança social,
surgiram resultados que permitiram o desenho de modelos de enquadramento e análise de
processos de implementação. Deles emergiu a identificação de pontos críticos para o
sucesso de uma implementação, tais como:
1.
Coordenação, enquanto questão chave nos processos de territorialização das
políticas, em quadros de implementação pluri-agências. Integram-se aqui parâmetros já
avançados na linha de investigação enquadradora, abordando-se questões relacionadas com
a implementação local, com a territorialização de políticas conjugadas e com o papel e os
modos de coordenação entre políticas, entre agências implementadoras e entre actores
locais e centrais. Trata-se também de (re)construir o processo de implementação de políticas
no local e o agenciamento e interacção entre parceiros, haja em vista a forma como se
materializa a articulação, a coordenação e a monitorização formal, não formal e informal. O
“construir” e o “descodificar” o sistema de implementação de políticas no terreno e a forma
como os processos de agenciamento de recursos e de vontades são desenvolvidos e
“modelizados”, concorrem para a percepção das variáveis que influenciam aqueles
processos e os seus “resultados”, variáveis essas que advêm do contexto social, das suas
estruturas de poder e de relação e da representação que agências e actores envolvidos
produzem na comunidade.
2.
Verificação do valor da distância entre o enunciado das políticas e a sua
concretização;
3.
Equacionamento e a dinamização do papel das redes sociais, enquanto factores de
sinergia nos processos de territorialização das políticas públicas;
4.
Adopção de estratégias de negociação e de envolvimento de parcerias, associando
competências e mais-valias e promovendo o esclarecimento dos actores sociais e dos
destinatários das políticas;
5.
Adopção de um modelo de public accountability, com introdução de práticas,
processos e instrumentos facilitadores do exercício de prestação de contas e da promoção
de uma cultura de transparência e de rigor, como factor de credibilidade, geradora de
confiança;
6.
Responsabilização dos actores envolvidos;
7.
Actualização e fluidez de informação sobre a política pública, quer a nível interno às
organizações implementadoras (vertical e horizontal), quer a nível externo, dirigida a
parceiros, destinatários e outros stakeholders envolvidos;
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8.
Desenvolvimento de uma cultura de reflexão sobre a experiência e sobre a
identificação e partilha de boas práticas, como factor propulsor de conhecimento.
Comuns aos três sistemas estudados (educação, formação, segurança social) permanecem
questões que podem comprometer a sua manutenção e o desenvolvimento das suas
finalidades e destinatários, da sua integridade conceptual, da sua qualidade técnica.
A divulgação pública de programas e de finalidades e a integração e relacionamento de
resultados devidamente qualificados, ajuda a promover o comprometimento e a
responsabilização dos actores envolvidos.
O acompanhamento e a monitorização dos sistemas constituem processos de validação de
percursos e de detecção de aportações de correcção ou de melhoria, sobretudo se
preocupados com a incorporação das lições provenientes da reflexão sobre a experiência. A
coordenação e o trabalho de cooperação constituem actuações chave, não só para a eficácia
dos sistemas, como também para a partilha do sentido comum de actuações convergentes.
A acessibilidade (interna e externa) aos programas, às suas finalidades e destinatários e aos
seus processos e regras, aos seus responsáveis e aos seus resultados, constitui, não só o
exercício do dever de transparência na provisão do serviço público, como também um meio
efectivo de controlo da efectivação das políticas.
A proximidade do destinatário final e do seu contexto constitui, por fim, a garantia da
utilidade, da oportunidade e da pertinência das políticas públicas, enquanto formas de
melhoria da condição colectiva da vida em sociedade, enquanto modos de resolução de
problemas integrados na esfera da acção pública e enquanto intervenções territorializadas e
ajustadas aos ambientes concretos, entre si diversos nos formatos, mas comuns no sentido
das necessidades.
No decurso do trabalho de investigação registaram-se obstáculos relativos ao estudo dos
processos de implementação visados, que em si podem traduzir disfunções face a um
modelo de funcionamento com transparência e public accountability. Reflectiram-se
sobretudo:
•
No fechamento das agências;
•
Nas dificuldades levantadas ao acesso a informações referentes aos processos de
implementação, aos sistemas de comunicação interna e aos desempenhos na execução das
políticas, que prejudicou ainda a investigação sobre os ciclos e os processos produtivos
gerados e geridos no seio das organizações;
•
Na manutenção de estatutos de caixa preta, favoráveis à perpetuação de complexos
dispositivos procedimentais, de inspiração burocrática e resistentes à introdução de
processos produtivos mais eficazes e inovadores
•
Na indisponibilidade de informação de carácter quantitativo e qualitativo, facilitadora
de comparação entre o discurso oficial e as práticas que caracterizam a disponibilização das
medidas no terreno.
Identificaram-se todavia boas práticas circunscritas no tempo e nos contextos.
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Os processos foram submetidos a análise de per si e a análise comparativa subordinada aos
parâmetros: génese da política; condições de formulação e de implementação de cada
política; características da agência implementadora; ocorrências determinantes e
consequências; perspectivas de evolução.
O objectivo daqueles estudos consistia em perceber o que acontece entre as expectativas
políticas e os seus resultados, tal como são percebidos. Subsumido naquele objectivo,
perfilavam-se as seguintes questões: que se passa no processo de aplicação do que é
decidido; qual o percurso de evolução de uma política; que tipo de direcções e de relações
tende a estabelecer com os problemas que visa resolver, com os seus destinatários e com os
seus contextos e circunstâncias – aproximação ou afastamento, acessibilidade ou
burocratização, imobilismo ou evolução.
A resolução daquelas questões implicou a compreensão dos diferentes processos à luz dos
eixos de cada uma das políticas em análise, prosseguindo o esclarecimento de: como é que
as decisões foram postas em prática; quais os seus objectivos iniciais e como é que foram
percebidos e comunicados por quem os aplicou; como foram percebidos pelos destinatários;
como é que acompanharam as evoluções do contexto, das ocorrências políticas e sociais ou
das mudanças de direcção e de gestão das estruturas enquadradoras. O alinhamento do que
emergiu na actividade identificadora veio a alimentar a compreensão e a caracterização dos
itinerários.
Identificaram-se as questões centrais ao processo de implementação a partir da observação
e da análise de três sistemas. A especificidade de cada um determinou que os aspectos
relevantes (de sinal positivo ou negativo) não fossem comuns. Mas, por isso mesmo, veio
alargar-se a possibilidade de indicação de fases, momentos, acções ou processos que
resultam cruciais para a prossecução das finalidades das políticas públicas, em tempo útil e
de forma adequada.
BIBLIOGRAFIA
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RESENHA BIOGRÁFICA
Maria Engrácia Cardim é Professora Auxiliar no Instituto Superior de Ciências Sociais e
Políticas (ISCSP) da Universidade Técnica de Lisboa (UTL), e membro do Conselho
Executivo do Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP), no qual coordena a linha
de investigação Concepção, Implementação e Avaliação de Políticas Públicas. É Doutorada
em Ciências Sociais, na especialidade de Administração Pública, por esta instituição do
ensino superior.
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| e-mail: [email protected]
IMAGENS E QUADROS
Quadro 1 – MATRIZ DE RECOLHA DE INFORMAÇÃO SOBRE PROCESSOS DE IMPLEMENTAÇÃO
Colocação em Agenda
GÉNESE
Formulação da política
Tempo de formulação
Participação pública
Preparação da legislação
CONDIÇÕES
Estatuto
Envolvimento político;
Divulgação esclarecimento
Organização
AGÊNCIA
Estrutura
Funcionamento
IMPLEMENTADORA
Modelo implementação
Práticas
OCORRÊNCIAS
Tipo
de
Ocorrência
Ex: Mudança de governo e de tutela
Ex:Mudança de gestão
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Alteração do estatuto da agência
Debate e discussão pública
vontade política
Consequência
focagem estratégica entre a agência e o sistema
Relação entre a agência e os pólos locais
1ºnível
Alteração da medida e desinvestimento político na medida
Construção social sobre a medida
DETERMINANTES/
CONSEQUÊNCIAS
Ex: Estabilização do sistema em termos conceptuais; estruturação
administrativa do sistema; linha de desenvolvimento estratégico;
tipo de imagem pública do sistema; representação social junto de
stakeholders e actores sociais; mobilidade de pessoal na agência
e no sistema
Consequência
2º nível
Diversidade de práticas na aplicação da linha metodológica
distintiva; apoio técnico e metodológico no terreno; espaços de
partilha de problemas e de soluções; mobilidade de pessoal na
agência
diferenciação das práticas locais; aparelho administrativo e seus
agentes; rotinização e generalização da prestação pecuniária; etc
Realização de reflexões ao nível do sistema; impactos de novos
protocolos com sistemas e instâncias de referência; relançamento
de sistema de acompanhamento profissionalizado
Sentido
Positivo
PERSPECTIVAS
Extensão do sistema; mobilização de novos actores; etc
Alargamento dos sectores preocupados com a descaracterização
e o desvirtuamento da medida; vontade de reflexão em processo
de estruturação; possibilidade de reequacionamento da medida,
prevendo diferenciação de respostas e de medidas de política
para diferentes tipologias de situação e de segmentos de
população; manifestação de vontade política
Cultura de gestão pouco reflexiva e inovadora ao nível da
agência; desalento de alguns pólos técnicos inovadores no seio
da agencia
Sentido
Negativo
perda de sentido inovador e de afastamento da pilotagem central
face aos contextos, às necessidades e às práticas de terreno
Cedência ao imobilismo e à rotinização; delegação do sentido e
da realização das reformas nas estruturas tradicionais do
aparelho administrativo; ausência de questionamento e de
reequacionamento da medida
14
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O
PROCESSO
PRODUÇÃO
POLÍTICAS
E
IMPLEMENTAÇÃO
DE
DAS
A
Identificação dos problemas e formulação das políticas
Divulgação alargada
Estrutura
Existência de compromisso
responsabilidade directa e rosto
Processo
IMPLEMENTAÇÃO
Transparência
E
Acessibilidade
Consistência
dos
Resultados
(public
accountability),
Existência de um núcleo duro de grande capacidade
técnica, tocado pela fortaleza da convicção; com capacidade
e mobilização para investimento conceptual, metodológico e
operacional; com standards elevados de sentido
organizacional; com mobilização para aprender; com
capacidade de identificar as situações em que é vantajoso ir
buscar competências fora; com consciência do processo
colectivo
Interna - compromisso e responsabilização pela parte que a
cada um cabe na prossecução do todo.
Externa - disponibilidade de informação de carácter
quantitativo - public accountability
Factor de credibilidade e de confiança, que permite aceitar
como fiável o discurso político
Monitorização política
Monitorização
E
Evolução
Monitorização técnica e de gestão
Gestão da iniciativa e percepção estratégica dos processos
Resultados obtidos; modificações realizadas e
aconselháveis; impactos no contexto intervencionado
/ou
Grupos de trabalho envolvidos no processo
Reforço grupal que ultrapassa o somatório dos elementos individuais que a compõem
Informações
relevantes
adicionais
Confiança, ou seja, expectativa previsível, construída sobre um conjunto de observações
sobre comportamentos de sentido e resultado semelhantes; “normalidade” subjacente ao
acolhimento e à instalação da confiança
Construções sociais erigidas sobre a leitura da realidade, que concorrem, elas próprias, para
novos aconteceres ou devires
Práticas de confirmação do discurso
Processos colectivos consistentes, construídos de forma e por eixos convergentes que
geram concentração e encadeamento de vontades esclarecidas, conhecedoras do que é
pretendido e sabedoras de como deve ser prosseguido
15
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Uma observação atenta sobre a definição das - siare