XV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Sto. Domingo, Rep. Dominicana, 9 - 12 nov. 2010
O servidor público e a administração 2.0: transparência e accountability
Maria Teresa Salis Gomes
Em Janeiro de 2009, pouco depois de tomar posse como presidente dos Estados Unidos da América,
numa nota intitulada “Transparência e Administração Aberta” endereçada aos dirigentes da
administração, Barack Obama enunciava os princípios que deveriam nortear a actuação da
administração pública na sua relação com os cidadãos: a Administração deve ser transparente,
participada e contar com a intervenção dos cidadãos.
A transparência promove a accountability e fornece informação aos cidadãos acerca daquilo que a sua
Administração está a fazer. A adopção de medidas legais e políticas permite que a informação seja
disponibilizada com rapidez e possa ser facilmente encontrada e (re)utilizada. Por sua vez, a
participação dos cidadãos aumenta a eficácia da Administração e melhora a qualidade das suas
decisões. Cabe às organizações públicas criar mais e melhores oportunidades de participação dos
cidadãos na policy making, que assim podem partilhar o seu conhecimento especializado e a
informação que detêm de forma dispersa. Por fim, os cidadãos devem envolver-se activamente na
gestão pública e nela colaborar. As organizações públicas são incentivadas a recorrer a ferramentas,
métodos e sistemas inovadores para colaborar entre si aos vários níveis da Administração, mas também
com entidades não governamentais, empresas e indivíduos do sector privado, devendo estar atentas ao
seu feedback para avaliar e melhorar os níveis de colaboração e identificar novas oportunidades de
cooperação. Em todas estas circunstâncias, as organizações públicas devem recorrer às novas
tecnologias para comunicar online as suas acções e decisões ao público.
Estas orientações ganham particular significado no quadro da “visão” que guia o actual
desenvolvimento da administração 2.0. As ferramentas da Web 2.0 – redes sociais, blogues, wiki, entre
outras - podem permitir a uma organização pública servir os cidadãos de forma mais efectiva, eficiente
e inclusiva. Isto acrescenta novas dimensões à forma como a Administração Pública se relaciona com
os cidadãos e com a sociedade em geral, e como as próprias Administrações se relacionam entre si,
com os seus colaboradores, criando novas funções e papéis. Todavia, à volta deste fenómeno surgem
questões genéricas sobre as oportunidades e os desafios inerentes a uma administração 2.0. Surgem
ainda outras, mais particulares e sensíveis, tais como os possíveis limites da participação dos cidadãos e
dos próprios servidores públicos e a sua accountability, bem como do acesso à informação em prol da
transparência, e a autoridade e o poder do Estado.
Administração 2.0: fazer as coisas com as pessoas e não para as pessoas
O reconhecimento da importância da função “comunicação” nas organizações públicas como um
instrumento para assegurar um melhor serviço ao cidadão e aproximar a administração pública dos
mesmos ocorre na década de 90 em paralelo com a afirmação da Internet, entretanto já utilizada há
alguns anos no sector privado. A introdução das tecnologias no quadro da administração electrónica
orientou-se para as transacções entre os cidadãos e a administração, procurando olhar para a
organização e os seus processos, de modo a garantir prestações mais eficazes e eficientes em termos de
custos e qualidade dos serviços para consumidores/clientes. As administrações públicas investiram no
desenvolvimento de portais, com páginas estáticas, que forneciam informação e alguns serviços que
utilizadores consumiam.
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A tecnologia traçava a fronteira entre fornecedores e consumidores de informação, e plasmava a
estrutura top-down das organizações tradicionais, onde se registavam poucas oportunidades de
interacção entre os actores e menos ainda de participação. Embora já se referisse a preocupação de
melhorar a transparência e o processo de tomada de decisão, a administração electrónica estava
orientada fundamentalmente para a modernização da Administração Pública. Apesar deste enfoque, a
administração electrónica da 1.ª geração veio influenciar a relação entre cidadãos e Administração, ao
colocar o cidadão no centro do processo. Todavia, a importação das práticas de aplicação das
tecnologias, e da Internet em particular, do sector privado para o sector público, talvez tenha
contribuído para desviar temporariamente o uso das TIC do ideal da governança.
A adopção das ferramentas e das práticas da Web 2.0 traz, pois, uma mudança de enfoque no que toca à
utilização da tecnologia e introduz não só um novo paradigma de relacionamento da Administração
com os cidadãos, nomeadamente, online, mas também um novo quadro de referência para a actuação
dos servidores públicos. A administração 2.0 coloca em contacto muitas pessoas, que colaboram entre
si sem a necessidade de intermediários no quadro de relações bottom-up, mais democráticas no
entender de alguns. Deste modo, espera-se que a utilização de ferramentas típicas da Web 2.0 contribua
para uma dupla transformação. Por um lado, um aprofundamento do relacionamento entre
Administração e cidadãos, que se traduz numa gestão aberta (acesso livre à informação do sector
público), e num maior envolvimento dos cidadãos na gestão pública. Por outro lado, uma mudança no
quadro mental das organizações públicas e dos seus colaboradores que necessitam de ver estas
ferramentas como uma solução para as organizações aumentarem a sua produtividade e a comunicação,
encorajarem a criatividade e gerirem o conhecimento, melhorando o seu funcionamento interno.
Pela primeira vez a tecnologia encontra-se perfeitamente alinhada com os princípios da governança,
permitindo a participação e o trabalho colaborativo entre parceiros que assumem uma responsabilidade
partilhada. Embora as tecnologias sejam fundamentais para esta mudança e se possa evocar o seu poder
de transformação, não deixam de ser meras facilitadoras, contrariamente ao que acontecia com a
primeira geração da Web.
Para muitas organizações públicas, o aparecimento destas ferramentas representa uma oportunidade
para inovar, realizar iniciativas que anteriormente não seriam possíveis, conseguindo envolver os
cidadãos e a comunidade, utilizando as suas capacidades para melhorar o valor dos serviços que a
administração presta.
Na verdade coloca-a, por um lado, perante a possibilidade de concretizar muitas práticas da boa
governança mas, por outro, coloca-a perante desafios não tanto ao nível tecnológico ou jurídico, não
negligenciáveis, mas mais de natureza cultural, pois a concretização da administração 2.0 envolve
mudanças profundas na cultura das administrações. Trata-se de criar uma cultura de consulta,
participação e transparência com base na utilização destas novas ferramentas.
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Governança democrática e administração aberta
Após um período em que a gestão pública se concentrou em modernizar a administração pública para
garantir serviços mais eficazes e eficientes para os cidadãos e as empresas, a ideia de governar com os
cidadãos e não para os cidadãos, a possibilidade de explorar o potencial de parcerias com vários
actores, consolida-se no plano dos princípios. A definição de políticas públicas e a sua implementação,
o desenho de programas e de serviços e a sua prestação constituem um processo complexo. Necessitam
de ser cuidadosamente geridos e coordenados, uma vez que os resultados positivos para os actores
envolvidos não surgem automaticamente.
Participação, envolvimento dos cidadãos e das comunidades, governo em rede são conceitos chave que
contribuem para a boa governança e tornaram-se uma prioridade oficial de muitos governos
particularmente empenhados em criar condições e incentivar a sua concretização.
A literatura há muito que identificou um conjunto de motivos pelos quais a participação deve ser
encorajada tanto ao nível da administração central como do poder local. A administração 2.0, ao
potenciar a participação dos cidadãos, levanta simultaneamente considerações sobre os seus eventuais
limites no quadro duma governança democrática. Questões tais como qual o significado actual de
accountability ou como garantir o interesse público num cenário onde a Administração e os
stakeholders partilham poder para encontrar soluções para problemas adquirem novas dimensões no
contexto da Administração 2.0.
Com efeito, entende-se que a participação dos cidadãos no processo de tomada de decisão constitui
uma forma de reforçar a legitimidade e a accountability das instituições democráticas e, no limite, dos
gestores públicos. Na maior parte das democracias ocidentais as relações de accountability das
organizações e dos seus dirigentes têm sido essencialmente de natureza vertical, os gestores públicos
respondendo perante os seus superiores hierárquicos da cadeia de comando. Contudo, no contexto
duma administração 2.0, onde se reforçam as práticas de governo em rede ou a criação de formas de
organização em rede, com as suas relações horizontais, o entendimento tradicional de accountability,
coloca questões ao nível da ética: para quem é que o dirigente público trabalha e perante quem
responde hoje? A relação entre a Administração e os stakeholders só pode ocorrer num quadro onde os
servidores públicos continuem a ser profissionais e apolíticos. Cabe-lhes criar uma cultura e práticas de
abertura a novas oportunidades de parceria, mas devem manter-se fiéis aos valores do serviço público.
O envolvimento dos cidadãos, particularmente ao nível do poder local, contribui também para
empower as comunidades e ajuda a criar uma coesão social. Reconhece-se que os resultados de
estratégias top-down para resolver muitos problemas não são garantidos e que a sua solução requer
informação e recursos detidos pelos actores da sociedade e um trabalho colaborativo entre a
Administração e estes. No Reino Unido, desde 2006, espera-se que as autoridades locais informem,
consultem e envolvam os seus cidadãos e comunidades nas suas actividades. Em 2009, foi aprovado o
“Duty to inform” que obriga as autoridades locais a embeber uma cultura de envolvimento e
empowerment na sua prestação de serviços e no processo de tomada de decisão ao nível local. Ao dar a
“voz” aos cidadãos, tanto ao nível do indivíduo como das comunidades, espera-se conseguir melhorar a
capacidade de resposta dos serviços públicos e melhorar os seus resultados e a satisfação dos cidadãos.
Contudo, se o bem comum não for devidamente acautelado, essa participação pode ser factor de
exclusão e divisão.
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Importa atentar, por um lado, a quem se envolve, quando, em que actividades, onde, como e porquê, e
considerar ainda quais os resultados dessa participação. E, por outro, identificar quem ficou de fora,
porquê e qual a actuação desses grupos.
Se a governança tem os seus mentores, outros questionam as suas conquistas, apontando os seus limites
e mesmo os seus perigos. Se é um facto que a formação e implementação de políticas necessitam de ter
em consideração uma pluralidade de actores com interesses, objectivos e estratégias distintos e não
sendo de colocar em causa os benefícios da governação em rede, como conciliar o interesse público
prosseguido pela democracia representativa com o ideário e as práticas da boa governança?
Na realidade, a administração 2.0 abre a possibilidade de tornar a democracia representativa mais
susceptível de ser responsabilizada e mais participada. Contudo, o processo de participação na tomada
de decisão não se poderá sobrepor ou substituir às políticas votadas no quadro de uma democracia
representativa. As orientações de Obama traduzem o reconhecimento da necessidade não só de
concretizar as práticas de informação, participação e envolvimento (engagement) dos cidadãos, mas de
explorar a utilização das tecnologias para concretizar uma administração aberta ao serviço da
governança democrática.
Informação pública, transparência e poder
Os grupos de trabalho que têm vindo, a pedido de vários governos, a estudar a administração 2.0 e
como concretizá-la, defendem a necessidade de criar condições para permitir o acesso à informação do
sector público de modo a garantir uma administração aberta. Entendem que se trata dum recurso
nacional e que a sua disponibilização, para além de reforçar a transparência, tem um valor económico e
social. Um maior acesso à informação pública, a sua reutilização e uma maior interacção entre os
cidadãos e outros stakeholders com a Administração devem contribuir para uma maior inovação,
reconhecido factor de competitividade das organizações e dos países.
Por informação pública entende-se habitualmente toda a informação gerada, criada, compilada,
processada, preservada e armazenada, disseminada ou cuja produção foi financiada pelo ou para o
Governo ou organizações públicas, tendo em conta os requisitos legais em vigor. Em Portugal, a lei n.º
46/2007, de 24 de Agosto, que transpõe a Directiva n.º 2003/98/CE, do Parlamento e do Conselho, de
17 de Novembro, relativa à reutilização de informações do sector público, distingue entre “Documento
administrativo” (“qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou
outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu
nome”) de «Documento nominativo» (o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa
singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela
reserva da intimidade da vida privada).
Refere ainda que não se consideram documentos administrativos, as notas pessoais, esboços,
apontamentos e outros registos de natureza semelhante, bem como “os documentos cuja elaboração não
releve da actividade administrativa, designadamente referentes à reunião do Conselho de Ministros e de
secretários de Estado, bem como à sua preparação”.
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A OCDE, em 2001, já colocava a questão do acesso à informação pública como um dos vectores do
tripé que suporta e favorece a cidadania activa – informação, consulta e participação dos cidadãos, a
título individual ou organizados em grupos, na tomada de decisão ao longo de todo o ciclo de uma
política pública. Em 2008, na sua Recommendation of the Council for Enhanced Access and More
Effective Use of Public Sector Information aponta os benefícios em termos sociais e económicos do
acesso livre e gratuito à informação do sector público e incentiva os Estados Membros a adoptar
práticas de distribuição e utilização mais eficientes. Em causa está o desenvolvimento de uma cultura
de difusão sistemática da informação não sensível.
Por defeito, de acordo com os governos com práticas de gestão mais aberta, a informação do sector
público deve ser gratuita e assentar em open standards. Não basta que a informação esteja disponível
em linguagem clara e seja útil (useful). É fundamental que seja facilmente localizável (findable),
utilizável (usable) e reutilizável sem custos.
As teses duma administração aberta e da transparência vão no sentido de uma crescente difusão da
informação pública. A progressiva pressão dos cidadãos para que administração adopte ferramentas e
práticas duma administração 2.0 reforça esta tendência.
A questão da liberalização do acesso à informação pública vem pôr em evidência os contornos
complicados da questão da difusão e do acesso à informação do sector público. Se é importante
contrariar a tendência para o secretismo tradicional na Administração Pública e se, ao nível dos
princípios, a tese duma administração aberta se encontra sobejamente fundamentada, no quadro duma
administração 2.0, a questão do acesso à informação pública ganha novas dimensões que se
intersectam. Tendo como pano de fundo o facto da produção de informação já não ser da
responsabilidade exclusiva de um ou mais autores da Administração Pública que controlam o processo
e disponibilizam a informação em páginas estáticas, será de reflectir sobre os eventuais perigos da
liberalização. Num quadro em que a administração 2.0 começa apenas a dar os primeiros passos, não
existem certezas ou respostas, mas deve haver espaço para questionar os possíveis limites a esta
evolução, a qual, para garantir a transparência da gestão pública e a criação de valor para a sociedade,
pode, todavia, pôr em causa a governabilidade.
Embora continue, na prática, a dominar o modelo de gestão burocrática e hierárquica que caracterizou
o século vinte, a complexidade da sociedade, a velocidade com que as mudanças ocorrem e a existência
de novos ferramentas que possibilitam novas respostas, estão progressivamente a forçar as
organizações públicas e os seus dirigentes a adoptar novos modelos de governo em rede. Este pode não
ser aplicado em toda a organização, ocorrendo apenas a alguns níveis da mesma. Trata-se duma
evolução a várias velocidades, que ainda depende muito dos dirigentes à frente da organização, da sua
visão e competência, e dos recursos que cada um tem à sua disposição, bem como do próprio sector de
actividade da organização.
A evolução para formas de organização em rede, horizontais, coloca crescentemente a questão do poder
de quem detém a informação (e da natureza da informação). Num modelo típico de gestão em rede,
para poder actuar, o gestor depende dos recursos de outros actores ou organizações, sobre os quais não
exerce nenhuma autoridade ou exerce uma autoridade limitada. Intervém no contexto duma estrutura de
poder dividida e nenhuma decisão estratégica pode ser tomada unilateralmente. O gestor necessita
obrigatoriamente de exercer um trabalho de coordenação.
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Tal não significa que não haja diferenças de poder ou que a questão do poder tenha deixado de ser
relevante. Num sistema em rede, o poder de um actor depende dos recursos de que dispõe e do seu grau
de dependência de recursos detidos pelos outros actores. Quanto mais os vários actores tiverem uma
dependência mútua em matéria de recursos, mais a divisão de poder na rede é igualitária. Mas mesmo
actores com mais poder podem ter uma autoridade limitada dado não terem uma autoridade directa
sobre a forma como outros actores utilizam os seus recursos.
Esta reflexão articula-se, no nosso entender, claramente com o tema da liberalização do acesso à
informação e da sua equação com a autoridade do Estado e a partilha do poder e, por conseguinte, com
a questão das dificuldades que pode colocar por vezes à governabilidade, afectando a própria
accountability dos gestores.
Até há algum tempo a distinção entre “informação de cidadania” e “informação de valor acrescentado”
orientou as políticas de acesso à informação pública. Enquanto no primeiro caso as organizações
públicas deviam tomar medidas e seleccionar os canais mais adequados para permitir o acesso a esta
informação por todos os cidadãos, já no segundo se admitia que na informação podia residir uma fonte
de receitas para as organizações públicas, incentivadas pela adopção de práticas de gestão por
resultados a gerar também receitas com as suas actividades. Assim, a difusão deste segundo tipo de
informação não deveria aparentemente ser obrigatória paras as organizações.
Face ao imperativo da transparência e duma administração aberta, pretende-se fazer valer a obrigação
da difusão sistemática da informação não sensível. Em Portugal, o art. 6.º da lei n.º 46/2007 define as
restrições ao direito de acesso a informação pública (documentos que podem pôr em risco a segurança
interna e externa do Estado, matérias em segredo de justiça). Esclarece, contudo, que ”o acesso aos
documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos
pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano após
a sua elaboração”. Prevê a possibilidade de terceiros terem acesso a documentos nominativos “se
estiver munido de autorização escrita da pessoa a quem os dados digam respeito ou demonstrar
interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da
proporcionalidade” e a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou
sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar
interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da
proporcionalidade.”
Em Portugal como noutros países, as organizações públicas sentem a necessidade de actuar nesta
matéria com reserva, pois nem sempre é claro aquilo que distingue a informação sensível da restante. O
que se deve entender por “sensível”? Embora o questionar a exequibilidade de uma gestão totalmente
transparente, onde a organização retém apenas a informação “sensível”, contrarie o pensamento
dominante, protagonizado pelos habituais actores – os países anglo-saxónicos – será viável ou mesmo
útil, numa perspectiva de eficácia e eficiência da gestão, dar acesso a toda a informação não sensível
produzida por uma organização pública?
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Reconhecendo os riscos que esta questão encerra, consideramos que haverá sempre uma margem de
discricionariedade do dirigente nesta matéria e que existirão possivelmente caminhos intermédios para
conseguir concretizar os objectivos últimos da administração aberta.
A liberalização do acesso à informação pública prende-se igualmente com as questões da accountability
e da participação já evocadas acima, quando se alertava para a necessidade de acautelar uma
governança democrática. Admitindo os princípios do acesso à informação, que continua a ser um dos
principais recursos duma organização, da participação e da responsabilidade partilhada no desenho de
programas e serviços e em processos de tomada de decisão, os princípios da governança não se podem
sobrepor às opções que decorrem do princípio fundador da democracia representativa.
O novo cenário que se coloca às organizações públicas e aos seus dirigentes pode ser entendido como
um dos principais desafios que têm pela frente. Se as questões tecnológicas são de grande importância,
outras há, relacionadas com a existência do enquadramento legal para viabilizar o acesso e difusão da
informação, que não devem ser menorizadas. Trata-se duma evolução muito recente cuja aplicação
começa a ser visível em algumas administrações, embora não seja suficiente para modificar essa
cultura. Assiste-se, pois, a uma aplicação a várias velocidades, em que as organizações e os seus
dirigentes são pressionados pelo escrutínio de vários actores – cidadãos, empresas, comunicação social,
e a sociedade civil em geral.
Administração 2.0 – gestão do risco e desafios
As ferramentas da Web 2.0 oferecem às organizações públicas a possibilidade de concretizar muitos
dos princípios da boa governança. Estarão elas preparadas para aproveitar as oportunidades
proporcionadas pela Web 2.0?
Qualquer projecto que assente na Web 2.0, como muitos outros projectos de inovação, requer a
existência de um plano para gerir o risco. O projecto mexe simultaneamente com vários aspectos
normalmente críticos para as administrações públicas. Logo, as organizações que decidem caminhar no
sentido duma administração 2.0 defrontam-se com barreiras que de momento são difíceis de derrubar.
Apesar do enquadramento jurídico tender a favorecer a difusão de informação pública, o secretismo
continua a ser a prática dominante na generalidade das administrações públicas e das suas
organizações.
Logo, a liberalização do acesso à informação e a abertura de canais de participação online para os
interlocutores internos e/ou externos são, sem dúvida, o primeiro risco que as organizações terão de
assumir. Ambas conduzem a uma diminuição ou mesmo à perda do controlo sobre os conteúdos
informativos disponíveis no seu espaço. A perspectiva da utilização que cidadãos, meios da
comunicação social, grupos de interesse e mesmo grupos políticos poderão dar a alguma informação
constitui um factor poderoso de dissuasão de medidas a favor do livre acesso a certa informação. Este
pode dar origem a informação incorrecta ou enganosa, críticas ao desempenho da organização, dos seus
colaboradores ou da Administração Pública em geral, podendo afectar a sua imagem ou reputação e
levar ao insucesso de projectos. Corroborando o fundamento desse receio partilhado por muitos
dirigentes públicos, Andrea di Maio, vice-presidente e analista reputado do Gartner Group, uma
empresa que conduz estudos de referência sobre a utilização da tecnologia para apoiar a tomada de
decisão de líderes, alerta, por exemplo, para os perigos da “intermediação” criada pela interpretação da
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informação pública por entidades externas, que põe em causa a própria imagem das organizações
públicas, a sua accountability e a relação de confiança entre o cidadão e a administração. O especialista
alerta ainda para a fiabilidade da informação produzida por esses intermediários. O acesso livre à
informação coloca as organizações públicas perante o desafio inesperado de garantir que os cidadãos
continuam a ter acesso a informação de qualidade.
Para as organizações empenhadas em utilizar estas ferramentas tanto para cooperar com actores
externos como internos, a melhor forma de controlar os eventuais “estragos” é de acompanhar o que
dizem acerca delas nas redes, e nomear mesmo um ou mais colaboradores responsáveis por participar
nas “conversas” não tanto como a voz da “autoridade” para matar o debate, mas como alguém que,
assumindo a sua relação com a organização que representa, está atento às críticas e responde de forma
aberta e honesta às mesmas de acordo com a estratégia de comunicação concertada pela organização.
Mas os riscos associados à introdução de ferramentas da Web 2.0 não se verificam somente na relação
da administração com os stakeholders externos. Podem igualmente ocorrer no relacionamento entre
organizações públicas ou com os colaboradores da própria organização. Daí que se registe um maior
número de realizações da Administração 2.0 para melhorar a relação entre a Administração, os cidadãos
e a comunidade em geral, do que para explorar as suas possíveis aplicações ao nível interno das
organizações. Em tempos de incerteza, apesar da investigação na área da sociologia do trabalho sugerir
que uma liderança transparente contribui para aumentar o sentimento de segurança dos trabalhadores e
a sua satisfação com o trabalho, bom número dos dirigentes actuais continua a exercer uma relação
hierárquica com os seus colaboradores
O enfraquecimento ou mesmo a quebra das cadeias hierárquicas, característico da Web 2.0, e a perda de
controlo sobre a informação abrem, pois, uma caixa de Pandora, que introduz, caso não sejam
efectuadas mudanças importantes nas práticas de gestão e na cultura das organizações e das pessoas,
um potencial cenário de crise. As organizações públicas necessitam cada vez mais de estar preparadas
para viver em gestão de crise e saber controlar os riscos, dado que as tecnologias permitirão
crescentemente cruzar dados, revelando pontos críticos nas suas práticas.
O primeiro desafio que se coloca à concretização da administração 2.0 consiste precisamente em
conseguir que esta seja introduzida nas organizações públicas. Mesmo aquelas que admitem a
importância da adopção de medidas para garantir a transparência e uma administração aberta,
necessitam de ultrapassar um conjunto de outros constrangimentos que se prendem com o perfil médio
das pessoas que trabalham hoje para a Administração Pública em bom número de países.
As administrações públicas têm dificuldade em renovar os seus colaboradores. Perante a necessidade
de reduzir a despesa pública e a crise da segurança social, os Baby Boomers (nascidos entre 1945 e
1964) continuam a constituir uma percentagem importante dos seus recursos humanos. Embora a
geração X (nascidos entre 1964 e 1981) tenda a adoptar estilos de liderança mais descentralizada e
promova a comunicação com os colaboradores aos vários níveis da organização, não tem a relação
natural que a geração Y (também conhecida pela geração Milénio) tem com a tecnologia.
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Em muitos países continua a assistir-se à tendência para o aumento da idade média dos servidores
públicos que, em regra, independentemente da sua função, não possuem nem a cultura nem as
competências necessárias para levar a cabo muitas das tarefas inerentes a um governo em rede e a uma
administração 2.0. Este facto irá nos próximos tempos travar a concretização duma administração 2.0.
Apesar do número crescente de redes sociais, de blogues, os níveis de literacia digital de um vasto
número de funcionários continua a ser insuficiente para os habilitar a utilizar as ferramentas da Web
2.0. Além disso, a participação numa rede social e a facilitação do envolvimento dos cidadãos na gestão
pública, requer a intervenção de servidores públicos que tenham uma compreensão clara do seu papel
no quadro duma administração 2.0, e competências societais para o desempenhar. Nem todos se
sentirão confortáveis nesse novo cenário. É necessário encontrar o “tom” certo para comunicar com os
interlocutores, pondo de lado o registo formal para adoptar um tom mais pessoal. As Administrações
Públicas terão de proporcionar apoio técnico e formação aos colaboradores para os habilitar a
comunicar através destes novos canais.
A participação constitui simultaneamente o maior risco e desafio para a administração 2.0. Para que se
possa falar de administração 2.0 é preciso que haja participação online dos stakeholders. Os analistas
dividem-se em relação à capacidade das ferramentas da Web 2.0 induzirem transformações nas
organizações e na forma como as pessoas se relacionam. Questionam ainda a sua capacidade real para
gerar uma maior participação dos cidadãos na gestão pública. Sendo verdade que a existência dessas
ferramentas veio facilitar novas formas de participação social, trabalhos da OCDE em países onde
existe uma elevada literacia digital e o acesso à Internet não constitui uma dificuldade para a
população, mostram que não basta que haja banda larga e pontos de acesso à Internet para que a
participação aconteça. Quem não tinha hábitos de participação presencial, tende a não participar online.
Trabalhos mais recentes sobre a participação mostram também que esta só existe cada vez mais se as
pessoas sentirem que a sua intervenção no espaço virtual lhes traz valor. Esta realidade já se encontra
documentada por especialistas de vários países, nomeadamente do Reino Unido, onde a questão da
participação tem vindo a ser trabalhada desde a década de 60 pela própria Administração Pública no
quadro de programas de combate à pobreza e ao racismo. A maior parte dos grupos e das redes são
frequentados por pessoas que têm uma motivação intrínseca para nelas participar e participam de forma
voluntária.
É de esperar que as gerações X e Y utilizem crescentemente as ferramentas 2.0 criadas pelas
organizações públicas para conquistar a participação dos cidadãos e da sociedade em geral. Nesse
contexto, os servidores públicos, uma vez treinados e instruídos para actuar num cenário Web 2.0,
agirão em conformidade com os procedimentos definidos para cumprir a missão da sua organização. Os
mais inovadores têm naquelas ferramentas um meio para interagir melhor com os cidadãos e tornar o
seu trabalho mutuamente mais produtivo, satisfatório e gratificante. Contudo, qual a perspectiva de
utilização das ferramentas da Web 2.0 ao serviço da criatividade, da inovação, da aprendizagem, da
criação de conhecimento e de um melhor desempenho da sua organização?
Debruçando-nos sobre a realidade da Administração Pública, apresenta-se-nos um cenário muito
distinto do desejável. Considerando apenas o factor “motivação” que, como referimos, constitui a
chave para a participação, constatamos que os colaboradores da Administração Pública trabalham de
acordo com orientações superiores e são pagos para o efeito. Falta-lhes, portanto, uma motivação
intrínseca, necessária para criar valor para a sua própria organização ou para a Administração Pública
através da sua participação.
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A adopção destas ferramentas requer ainda a existência de um código de conduta para o funcionário
público que necessita, no quadro das suas funções como colaborador da AP ou enquanto cidadão, de
participar num debate online. Já existem vários e a posição da maior parte dos países anglo-saxónicos,
os mais adiantados neste domínio, é que a participação, embora levante questões de confidencialidade,
imparcialidade e probidade, não deve ser travada. Apesar do código de conduta procurar traçar a
fronteira entre a intervenção do funcionário na sua qualidade de servidor público e na qualidade de
cidadão ou de profissional numa área, o limite será frequentemente difuso e sujeito à apreciação
discricionária do próprio e da sua organização, particularmente sempre que estiverem em causa temas
sensíveis para a Administração Pública. Somente a prática ajudará os envolvidos a chegar a uma
interpretação equilibrada dos seus direitos e deveres.
Para que os servidores públicos estejam aptos a participar na administração 2.0 é necessário incentivar
a sua intervenção nesse contexto. Mas, salvo se a participação se enquadrar no exercício das funções,
não é possível garantir que irão partilhar o seu conhecimento e experiência para benefício da
organização. A partilha será tanto menos provável quanto mais os processos de avaliação de
desempenho valorizarem os desempenhos individuais e não os das equipas. Para contrariar a tendência
para a não utilização das ferramentas Web 2.0 existentes, as organizações podem valorizar os
contributos (conhecimento e experiência) e premiar os funcionários que utilizam a Web 2.0 com
impacto reconhecido para melhorar o desempenho pessoal e da organização, transformando numa
primeira fase (numa lógica de discriminação positiva) a participação e a partilha de informação e
conhecimento num objectivo de desempenho. Podem adoptar formas de alimentar a motivação
intrínseca dos seus colaboradores, por exemplo, permitindo que seleccionem projectos da organização e
se envolvam com benefício para a mesma. As organizações podem promover projectos de formação, de
natureza diversa, e definir estratégias de gestão da aprendizagem e do conhecimento directamente
articuladas com a gestão do desempenho das equipas e dos seus colaboradores assentes nessas
ferramentas.
O caso do comunidades@ina: as ferramentas da Web 2.0 para apoiar a aprendizagem informal
No início de 2010, o Instituto Nacional de Administração, a organização responsável pela formação
para a Administração central em Portugal, lançou o comunidades@ina (http://comunidades.ina.pt), um
espaço virtual concebido para acolher grupos de discussão, promover a aprendizagem informal e
introduzir novas formas de aprender e trabalhar. Num contexto em que se prevê que a idade da
aposentação dos servidores públicos irá continuar a aumentar, em que a mobilidade se torna uma
necessidade face à diminuição progressiva dos recursos humanos da Administração Pública, é
importante trabalhar questões tais como a aprendizagem informal e a aprendizagem ao longo da vida. A
evolução da tecnologia e a mudança da forma como as pessoas a utilizam para interagir no quadro de
redes sociais, levou o INA, após trinta anos a promover diversas soluções de aprendizagem formal, a
passar do discurso à prática e criar este espaço assente na filosofia da Web 2.0. A ele têm livre acesso os
colaboradores da Administração Pública, bem como todos os demais interessados nos assuntos
relacionados com o sector público – professores e estudantes universitários, consultores individuais ou
de empresas, membros de organizações não governamentais. Todos intervêm a título individual, não
falando formalmente em nome das suas organizações.
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O projecto constitui uma das primeiras tentativas da administração portuguesa para explorar estas
ferramentas. Nele consegue-se identificar muitas das questões mais críticas, já assinaladas atrás,
associadas à sua utilização pela Administração Pública tanto no que diz respeito à relação com
interlocutores externos como internos. Retomamos brevemente algumas delas reflectindo sobre como
se manifestam no contexto do comunidades@ina. São, contudo, transferíveis para realidades que
envolvam a utilização de ferramentas Web 2.0.
Na fase de desenho do projecto, analisou-se as oportunidades e os desafios associados. Estes foram
amplamente discutidos com especialistas na área das comunidades de prática e com cerca de cinquenta
dirigentes e quadros da Administração Pública que, com a sua reflexão, contribuíram para aperfeiçoar o
desenho do espaço e antecipar pontos críticos.
Na perspectiva do INA, as oportunidades são diversas: proporcionar aos funcionários públicos uma
nova forma de aprender e de resolver problemas para além das soluções de aprendizagem formal;
incentivar uma nova cultura de aprendizagem, assente na partilha e na participação, bem como a
adopção de práticas de aprendizagem ao longo da vida; permitir o acesso a um número acrescido de
pessoas para resolver um problema, o que implica potencialmente uma muito maior eficiência. Podem
ser pessoas que frequentaram acções de formação do INA na área, mas também outras que têm
experiência nessa matéria ou que apenas contribuem através da colocação de questões pertinentes;
proporcionar uma forma de identificar problemas não detectados ainda; permitir uma maior eficiência
também na identificação das soluções graças à transparência do processo e contribuir para definir uma
agenda com as suas prioridades em colaboração com os membros associados.
Idealmente, tal como noutros contextos em que as comunidades actuam, a participação dos seus
membros na resolução dos problemas, pode desenvolver novas competências necessárias para a
administração 2.0 não só ao nível da literacia digital mas também da participação e gestão de grupos;
incentivar hábitos de co-produção de conhecimento; incentivar práticas de transparência da
administração pública (partilha de informação entre pessoas e organizações). No plano interno, a
participação no comunidades@ina, pode contribuir para uma maior colaboração entre departamentos
na organização. Essa cooperação já se verifica, por exemplo, com o Centro de Documentação que
efectua pesquisas bibliográficas sobre os temas das audioconferências e as disponibiliza na área dos
recursos públicos do comunidades@ina.
Os riscos de um projecto desta natureza são conhecidos e correspondem a outros tantos desafios que o
INA assume como um processo de aprendizagem relevante para si mas também para a generalidade das
organizações públicas portuguesas que dão os primeiros passos na Web 2.0. Uma vez o projecto
lançado, cumpre monitorizar os seus pontos críticos, tanto os positivos como os potencialmente
negativos.
Risco do projecto
As organizações (e as públicas muito particularmente) não gostam de se envolver em projectos de
risco. Um projecto desta natureza não corresponde certamente a esse requisito. Daí que um projecto
que envolva a utilização da Web 2.0 não deva avançar sem o apoio da direcção de topo (no caso do
INA da própria tutela).
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É preciso que haja espaços para experimentar e falhar, para aprender com os êxitos e com os
insucessos. Os dirigentes que travam projectos de risco (devidamente fundamentado) e acolhem de
forma crítica resultados maus ou menos positivos matam o espírito de iniciativa das equipas e das
pessoas, a orientação para a criatividade e a inovação, a aprendizagem organizacional. É preciso definir
uma visão e uma missão para o projecto apoiadas pela direcção de topo, conhecidas de toda a
organização e dos seus stakeholders, uma estratégia e uma equipa, um orçamento para a concretizar.
Importa que seja claro quem lidera a iniciativa na organização e é desejável que haja uma política
concertada de utilização sob pena de ter um menor impacto. Importa mobilizar não só os stakeholders
mas a própria organização para o projecto. Numa organização aprendente a inovação deve ser vista
como uma actividade nuclear.
Má imagem e reputação
Existe sempre o perigo da crítica ou de comentários indesejáveis por parte dos utilizadores. Um espaço
deste tipo constitui um desafio que contraria a cultura administrativa vigente. É importante ver essas
críticas pela positiva e monitorizar sempre. Delas podem resultar novas ideias e feedback esclarecido
para a nossa actividade. Os membros do comunidades@ina não representam as suas organizações e
exprimem apenas os seus pontos de vista. Na linha da utilização mais habitual das ferramentas da Web
2.0, não existe ninguém do lado do INA que “levante a cancela” para que algo seja publicado, por
exemplo, nos fóruns de discussão. Tudo o que é escrito nesse espaço fica registado e, de acordo com os
Termos de Utilização, excepto se for ofensivo ou atentar à verdade, não é retirado. Daí que o INA, tal
como qualquer organização que promove a utilização de ferramentas da Web 2.0, sujeita-se a ser
objecto duma percepção negativa. Num espaço como o comunidades@ina, os temas dos debates não
dizem directamente respeito ao INA. Contudo, a instituição pode ser colocada em situações sensíveis
pelas posições que membros assumem em relação a algum assunto, por exemplo, contrariando as
posições oficiais do governo ou questionando os “ensinamentos” veiculados pelo INA no quadro das
suas formações.
Limitar ou travar a utilização deste espaço seria contrariar a sua própria missão. Todavia, no
comunidades@ina existem três mecanismos para controlar este tipo de problema. Os próprios membros
podem reagir e rejeitar comportamentos e posições pouco adequadas, tomando posição nos fóruns onde
o debate decorre. Os membros podem “denunciar” ao administrador comportamentos indevidos
utilizando uma funcionalidade prevista para o efeito. Por fim, considerando que não existe anonimato e
que aquilo que cada membro escreve fica assinado por si, este tende a exercer um auto-controle sobre
aquilo que escreve de modo a não contrariar as regras consagradas nos Termos de Utilização.
Informação incorrecta ou enganosa
Atendendo a que a comunicação no comunidades@ina não é controlada, a sua qualidade também não
está sujeita a qualquer espécie de controlo. Os Termos de Utilização do comunidades@ina
salvaguardam expressamente qualquer responsabilidade do INA e dos autores de conteúdos em relação
a informações que não sejam correctas e que possam dar origem a prejuízos para um membro ou uma
organização. A utilização dos recursos é da responsabilidade exclusiva do utilizador.
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Confidencialidade da informação
Os conteúdos são da responsabilidade dos membros que devem saber qual a informação que podem ou
não partilhar. Consultando a literatura já disponível acerca deste tema, que relata práticas em curso
particularmente em países anglo-saxónicos, verifica-se que as entidades que estão a utilizar as redes
sociais para envolver os cidadãos na resolução de problemas dão conta que os benefícios da partilha da
informação excedem largamente os problemas que essa disponibilização pode provocar. Essas
entidades estão a apostar numa administração cada vez mais aberta, onde a informação está à
disposição de todos.
Partilha de informação
O objectivo primordial do comunidades@ina é a partilha de informação e de experiências pessoais ou
organizacionais como uma forma de encontrar soluções para problemas que são comuns a muitas
organizações públicas. Contudo, embora se fale da administração aberta, de transparência, as
organizações públicas ainda estão muito longe dessa realidade. Este facto limita seguramente uma
interacção online mais rica e fundamentada dos seus membros. Apesar de ser necessário garantir o
cumprimento de políticas de privacidade e confidencialidade e acautelar os direitos de autor, deve-se
incentivar uma cultura de partilha de informação não sensível. Representa uma mudança cultural muito
importante. Embora deva existir um enquadramento legal, será uma mudança cultural difícil de
concretizar.
Participação nos grupos
Um projecto desta natureza assenta na existência de duas condições: uma massa crítica significativa e a
participação do maior número de membros. A concretização da primeira condição, não sendo fácil de
garantir, é, todavia, mais controlável pelo gestor do projecto. O conhecimento dos grupos alvo e um
plano de comunicação e marketing apropriado podem concorrer para um crescimento orgânico. Já a
segunda é a questão verdadeiramente crítica numa comunidade, sendo difícil influenciar a sua
evolução. A falta de tempo para participar é um argumento comum avançado por membros e
facilitadores. O argumento tem fundamento, considerando que as organizações públicas em Portugal
têm vindo a diminuir os seus efectivos devido a legislação aprovada na área da aposentação e gestão
das carreiras na função pública. Isto acarreta responsabilidades acrescidas para quem fica. De referir
que ainda não está claramente definida qual a legitimidade um colaborador da administração pública
para intervir em espaços desta natureza. Isto requer criatividade e uma abordagem holística.
Medo do registo escrito
Não existem hábitos enraizados de participação seja pública ou social em Portugal. Além disso, aquilo
que se escreve fica registado para sempre. Daí que os potenciais intervenientes tenham mais reticências
em escrever – risco de má imagem e reputação para o membro. É necessário um esforço adicional de
facilitação e um plano de motivação e comunicação muito criativo. É importante que os facilitadores
acompanhem os debates não para impedir a divulgação de informação, mas para controlar aquilo que as
pessoas de um modo geral vão escrevendo, de modo a poder juntar-se à conversa não na qualidade de
representante da organização que mata a discussão.
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Dinamização do grupo
Embora os membros do grupo possam ter uma cultura de participação online, é importante promover
momentos presenciais que podem servir simultaneamente para discutir temas em análise no espaço
virtual, mas particularmente para aproximar as pessoas e consolidar as relações. Há que não recear
pedir o apoio dos utilizadores /membros ou envolver os utilizadores/membros utilizando vários canais.
No INA, a organização de audioconferências temáticas quase semanais, de participação gratuita,
contribui para o necessário esforço permanente para alimentar a comunidade, indo buscar informação a
várias fontes, articular com outras redes, de modo a manter um espaço vivo, dinâmico e útil.
Política de comunicação
Qualquer espaço desta natureza precisa de ter uma massa crítica sem a qual dificilmente terá
viabilidade. A maioria terá tendência a procurar informação sobre eventos e recursos, outros partilham
com maior ou menor regularidade recursos e informação acerca de eventos. Sabe-se que apenas uns
poucos, em regra sempre os mesmos, tendem a intervir nos fóruns de discussão. É necessário
conquistar novos membros regularmente e conseguir levar os existentes a participar de várias formas:
partilhando recursos (pdf, links), divulgando eventos nacionais e internacionais de que tem
conhecimento sobre as mais diversas temáticas de interesse para a AP. Donde a importância duma
política de comunicação.
O trabalho em curso no quadro do comunidades@ina confirma que projectos desta natureza – partilha
de conhecimento e participação em redes sociais - são projectos cujos frutos só se começam a ver a
médio a longo prazo. Embora a existência de um enquadramento legal e de condições tecnológicas seja
um requisito prévio para a concretização duma administração 2.0, não se deve sobrevalorizar a
importância da existência de espaços de interacção online para o crescimento da participação. O
verdadeiro desafio reside em passar do paradigma inicial da Web-Google (ligar pessoas com
conhecimento) para ligar pessoas com pessoas, levando-as a exprimirem-se e a estabelecer relações
orientadas para a solução de problemas.
A situação actual reflecte a tensão entre a cultura das redes – essencialmente aberta e colaborativa - e a
cultura tradicional nas organizações públicas onde predomina uma cultura de controlo, hierarquia e
previsibilidade. As práticas de partilha e participação dos vários actores envolvidos serão, ainda por
algum tempo, dispersas, coexistindo organizações com uma ampla utilização das tecnologias para
envolver os cidadãos com muitas outras onde o modelo de gestão tradicional e o respectivo quadro
mental se manterão.
As organizações públicas devem ser incentivadas a adoptar uma cultura de participação e de
aprendizagem partilhada, e de inovação online assente no recurso a ferramentas colaborativas. Muito
provavelmente a pressão para a mudança virá do exterior, e acabará a prazo por influenciar a utilização
das ferramentas da Web 2.0 nas próprias organizações. Entretanto, é fundamental que as organizações
valorizem e compensem os colaboradores que utilizam novos métodos e ferramentas da Web 2.0 para
resolver tarefas e para aprender.
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Apesar das dificuldades apontadas, avançar para projectos desta natureza representa um risco menor do
que não avançar. É necessário fazer cada vez mais coisas com as pessoas e não para as pessoas.
Bibliografia
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Nota biográfica
Directora do Departamento de e-learning do Instituto Nacional de Administração (Portugal)
responsável pela promoção do programa de formação em b-learning para dirigentes e quadros da
Administração Pública portuguesa e de países da CPLP, bem como pela produção de recursos
pedagógicos multimédia de apoio à formação em b-learning. Coordena o projecto do
comunidades@ina, um espaço virtual onde todos os interessados nos assuntos da administração pública
se podem encontrar para partilhar informação e experiências. É ainda directora das áreas da formação
de formadores e gestão da aprendizagem, bem como da formação nas áreas da comunicação
institucional com destaque para a simplificação da comunicação administrativa e jurídica, no âmbito da
qual produziu manuais de formação. Coordenadou e é co-autora do livro "A face oculta da governança:
cidadania activa, administração pública e sociedade" (2003). Apresenta regularmente comunicações
sobre as suas áreas de especialidades, muitas das quais se encontram publicadas.
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