VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002
Panel: “Conversando sobre gestión pública : directivos, innovación y cambio en el proceso de modernización del Estado.
Enfoques y perspectivas”
O papel do servidor público num Estado democrático e participativo
Aragon Érico Dasso Júnior
Secretaria da Coordenação e Planejamento
Estado do Rio Grande do Sul
Brasil
Introdução
O tema da Gestão Pública normalmente é tratado tecnicamente, quase como se a variável política não o
influenciasse. A New Public Management, que no Brasil se denominou de Nova Gestão Pública ou
Gerencialismo, passou a ocupar um espaço quase que hegemônico no Mundo, representando algo
muito parecido ao que se poderia denominar de “pensamento único” na área da Gestão Pública. Este
artigo pretende modificar um pouco a forma de abordagem desse tema, partindo da premissa de que o
conceito de Estado é o balizador para o conceito de Aparelho do Estado ou de Administração Pública.
O modo petista1 de governar é o paradigma que as administrações do Partido dos Trabalhadores (PT)
têm construído e que corporifica a lógica de ação à frente de governos, sejam eles municipais ou
estaduais. Esse paradigma tem incorporado as inovações realizadas pelos governos petistas através dos
tempos e tem se tornado uma referência para a administração pública brasileira. Durante esses últimos
anos várias práticas de gestão pública foram introduzidas, especialmente no que se refere aos recursos
humanos.
O objetivo deste artigo é identificar os elementos desse paradigma, no que se refere à crise que o
Estado enfrenta. Para tanto, ele está dividido em blocos. No primeiro está alinhavada a discussão que se
trava em torno do papel do Estado e dos dilemas que a administração pública vem enfrentando nos dias
de hoje. O segundo discute como o PT tem lidado com esse tema. O terceiro bloco objetiva fazer uma
síntese, ainda que preliminar, sobre a experiência do governo petista no Rio Grande do Sul nessa área;
apresentando para isso a lógica geral que a tem orientado, assim como as ações concretas
desenvolvidas. No último bloco, a opção foi trabalhar sobre um perfil de servidor público para o setor
público, tendo como objetivo central formar profissionais com uma compreensão crítica da formação
do Estado brasileiro fundado nos princípios da participação popular e da cidadania plena. Este artigo,
enfim, pretende aprofundar o tema da formação de quadros, a partir da experiência inovadora na gestão
pública democrática e participativa do Partido dos Trabalhadores, especialmente no Estado do Rio
Grande do Sul.
1. Comentários sobre a Reforma do Estado
A Reforma do Estado se constitui um dos temas de maior importância na agenda contemporânea de
políticas públicas e, certamente, um dos maiores desafios para da relação Estado e sociedade no mundo
progressivamente democrático (?) e globalizado. Criar as condições para que o Estado e suas
instituições funcionem melhor tornou-se uma das questões de primeira ordem a partir dos anos 90.
Existe hoje um legado recente de formulação e implementação de políticas e programas nacionais de
reformas do Estado. Raros são os casos de países que não implementaram programas nacionais de
1
Expressão normalmente utilizada para definir os governos do Partido dos Trabalhadores – PT.
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reformas do Estado a partir da década de 80. Crise fiscal e ajuste do papel do Estado aos novos desafios
colocados pela democracia e dos processos de globalização se constituíram razões para as reformas do
Estado. As reformas contemporâneas foram assumindo progressivamente uma natureza comum, e,
hoje, infelizmente, se pode falar em uma agenda “convergente” de reformas.
Em perspectiva histórica a literatura identifica duas ondas de políticas de reforma do Estado. A
primeira onda teve por objetivo a gestão da crise econômica que afetou as economias desenvolvidas e
em desenvolvimento no início da década de 80. A segunda onda tratou da estabilidade macroeconômica combinada com a reforma das instituições públicas. Enquanto as primeiras reformas
visaram iniciativas voltadas para o ajuste fiscal envolvendo cortes nos gastos públicos, reformas
tributárias, liberalização econômica e comercial, bem como desregulamentação e privatizações em
setores específicos, as reformas da segunda onda, que se consolidou a partir dos anos 90, voltaram-se
para mudanças institucionais mais profundas, tais como reformas do aparelho do Estado, das relações
trabalhistas, do judiciário, legislativo, dos mecanismos regulatórios, tributárias, dos programas
massivos de privatizações e revisão das relações entre governos centrais e subnacionais.
A Reforma Administrativa ou a Reforma do Aparelho do Estado foi, portanto um componente de um
processo mais amplo de reforma das instituições do Estado. O primeiro ponto de comparabilidade da
maioria das reformas é o paradigma gerencialista que as norteia. Orientada por princípios teóricos
oriundos das teorias da escolha pública, das teorias do agente-principal, e do novo institucionalismo
econômico, a New Public Management foi a âncora teórica que inspirou os programas nacionais nos
anos 90. Este paradigma tem por princípios gerais a ênfase na eficiência e na elevação da performance,
a introdução de mecanismos de mercado na gestão pública, a orientação por resultados, a
descentralização dos controles gerenciais no sentido de maior autonomia, responsabilização e
flexibilização de procedimentos, bem como uma importante distinção entre as funções de formulação
(policy-making) e implementação (service delivery) das políticas públicas. Em operacionais estes
princípios moldaram as reformas em várias direções e sentidos. Todavia, é possível comparar algumas
dimensões comuns, e falar de uma agenda comum de reformas. A primeira dimensão recaiu sobre a
necessidade de dotar a administração pública de uma lógica administrativa construída a partir de
mecanismos e incentivos capazes de produzir eficiência, efetividade, e qualidade na provisão dos
serviços públicos. Para tal, o novo paradigma aderiu a uma lógica pós-burocrática na qual são
preferidas estruturas descentralizadas de gestão nas quais as estruturas de decisão sobre a alocação de
recursos e provisão de serviços sejam mais próximas dos cidadãos-consumidores. Modelos flexíveis de
gestão operando em ambientes competitivos são os tipos ideais do paradigma gerencialista. Por fim, a
cultura burocrática dos controles e meios deveria ser substituída por uma cultura gerencial voltada para
os resultados, onde os gestores públicos operariam com mais autonomia, menos controles burocráticos,
e maior atenção com os resultados. Em síntese, as reformas buscaram criar uma nova burocracia na
qual um padrão de accountability por controles fosse progressivamente substituída pela accountability
de resultados.
A década de 80 foi fortemente marcada pelo debate sobre o papel do Estado, especialmente sobre o seu
tamanho e os gastos do aparelho estatal. É assim que, do ponto de vista dos neoliberais, prevalecia e
ainda prevalece a idéia de um Estado mínimo a quem caberia apenas garantir os direitos de
propriedade, além de reservar ao mercado a total coordenação da economia. Como conseqüência, o
receituário neoliberal compõe-se de um conjunto de elementos para restringir o Estado, para o ajuste
fiscal e para as reformas orientadas para o mercado.
Após duas décadas de experiências concretas de reformas, os resultados gerais não apontaram para a
constituição de um Estado mínimo, mas sim para a reconstrução da forma de intervenção e gestão do
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aparelho estatal. Dessa forma, firmou-se consenso majoritário, fortalecido pela realidade concreta, de
que a solução real dos problemas estava na busca de novas formas de compatibilidade entre a esfera do
mercado e a esfera do Estado, como salienta Przeworski (1998, p.43), “mesmo na ausência de suas
tradicionais ‘falhas’, a idéia de que os mercados são eficientes, parece estar morta ou, no mínimo,
moribunda”. Dessa forma, de maneira geral, firmou-se a visão de que nem a lógica pura do mercado
nem a lógica estatal conseguem dar conta sozinhas do problema.
Assim constituiu-se uma visão hegemônica de que não se tratava unicamente de redefinir o grau de
intervenção do Estado na economia, mas sim de reformar o Estado através de uma série de ações para
“para dar poder ao Estado para fazer o que deve fazer e o impeçam de fazer o que não deve fazer”
(PRZEWORSKI, 1998, p.39).
Entretanto, o novo papel do Estado frente à globalização nos induz a pensar que isto seja consenso
universal e que frente a ela o único papel a ser desempenhado pelo Estado é desenvolver uma política
de inserção no mundo globalizado, com eficiência. A globalização está fundamentada, basicamente em
três mitos:
A globalização é uma resultante exclusiva das forças de mercado. Se assim fosse, tratar-se-ia de
uma nova ordem econômica e que qualquer governo de bom senso deveria adotá-la.
A globalização é um fenômeno universal inclusivo e homogeneizador. Neste sentido,
globalização é uma nova ordem mundial, dinâmica, e, os países que não aderirem a este projeto estão
fadados a "nadar, nadar e morrer na praia".
A globalização promove uma redução pacífica e inevitável da soberania dos estados nacionais.
Com isto muitos ideólogos mais eufóricos prevêem a inutilidade do estado. Toda a raça humana estaria
agregada às nações desenvolvidas.
Com relação a estes três mitos, percebemos que não só as forças de mercado, mas também
determinações políticas e ideológicas atuam ao lado da economia, abrindo assim as portas para um
processo de globalização restrito e excludente; um projeto que aumenta a polarização das riquezas entre
os países e classes. Enfim, na globalização também há contradições. O impacto produzido por ela é
sentido diferentemente em cada Estado Nacional e em cada classe social. O novo papel do Estado,
juntamente com as forças sociais e políticas internas, é adotar medidas para conter a crescente
desigualdade social. Quanto ao Estado, estamos assistindo o triunfo de grupos econômicos sobre o
resto do mundo. Com isto nem indivíduos e nem nações tem seu direitos respeitados. Nações pobres
são obrigadas à recessão, à não construção de escolas, a baixos salários, a não cuidar da saúde pública,
muitas pessoas são condenadas à inanição por causa dos altos juros pagos aos credores. Diante desta
situação os governos perdem a autonomia, não conseguem realizar uma política pública direcionada
realmente ao bem comum de toda a nação. A globalização é o triunfo de um grupo econômico sobre o
mundo. Tal triunfo não se preocupa com os problemas sociais que isto trás como conseqüência.
Precisamos, urgentemente, redimensionar a globalização: ao invés de ser exploradora deveria ser uma
globalização solidária.
A despeito das diferentes visões a respeito do grau da intervenção estatal, há, no entanto, alguns pontos
de análise comuns entre as diferentes concepções a respeito das causas essenciais da crise do Estado. O
primeiro deles diz respeito ao caráter financeiro-fiscal dela, ou seja, à incapacidade de financiamento
do Estado, pois os gastos públicos cresceram muito mais rapidamente que os meios para financiá-los.
Em segundo lugar, à estrutura burocratizada e centralizada do Estado, que se demonstrava ineficiente e
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incapaz de atender com qualidade as demandas dos cidadãos. Por último, trata-se de uma crise de
legitimidade, de questionamento do modelo de relação entre o Estado e a sociedade, devido ao
progressivo distanciamento entre a máquina pública e o cidadão.
Dessa forma, a Reforma do Estado vem enfrentando as três dimensões - econômica, administrativa e
política - assinaladas acima: a superação da crise fiscal, a reforma da administração pública e a
reformulação do padrão de relação entre Estado e sociedade.
Superação da Crise Fiscal
No que se refere à superação da crise fiscal, tradicionalmente denominada de ajuste fiscal, trata-se de
sinalizar uma mudança estrutural no tratamento das contas públicas de forma a reduzir o déficit público
crescente. Nessa direção, há um conjunto de medidas que são adotadas e que, em geral, se sustentam
em dois pilares: a redução do gasto público e o aumento da arrecadação tributária.
Em relação à redução do gasto público, são recomendadas medidas de redução do tamanho e do custo
do setor público, especialmente no que se refere ao quadro de pessoal, através de programas de
privatização, terceirização e outros. Além disso, por sua relevância, destacam-se alguns gastos
específicos como o do sistema previdenciário, que é o tema que mais afeta o equilíbrio das finanças
públicas e que poderá inviabilizar a administração dos governos, com sérios prejuízos á população em
geral e em particular no tocante aos programas sociais.
O segundo pilar consiste na adoção de ações para aumentar a participação da receita pública no PIB.
Dessa maneira, preconiza-se a melhoria da máquina arrecadadora estatal de forma a evitar a evasão e a
elisão fiscal, e, eventualmente também a efetivação de uma reforma tributária.
Reforma da Administração Pública
Em relação à reforma da administração pública, trata-se de enfrentar a cada vez mais clara
incapacidade do Estado em atender às demandas dos cidadãos, seja na quantidade ou na qualidade dos
serviços prestados. Esse bloco de ação voltado à dimensão administrativa da crise do Estado, ao
problema de sua capacidade gerencial, é comumente denominado de reforma administrativa.
O cerne da proposta de reforma administrativa se concentra na reformulação do modelo de gestão
vigente na administração pública, fundado no conceito weberiano de burocracia.
O questionamento ao paradigma burocrático, caracterizado por procedimentos racionais e inflexíveis
baseados no cumprimento impessoal das normas, ocorre por ele não conseguir mais dar conta das
novas funções colocadas ao Estado, a partir de uma drástica transformação de contexto. A grande
ênfase dada aos controles tornou a administração pública pesada e amarrada à formalidade técnica e
processual. A estrutura hierárquica, rígida e verticalizada, não propicia a criatividade nem o
compromisso com os resultados da prestação de serviços aos cidadãos. O comportamento dos
funcionários é polarizado pelo cumprimento das normas e rituais internos em detrimento do benefício
proporcionado à sociedade.
O núcleo básico de um novo modelo de gestão, que pretende tornar o Estado eficiente, se compõe de
três aspectos fundantes: a orientação da ação do Estado para o cidadão, com ênfase no controle dos
resultados; a valorização da burocracia (empowerment) e a modernização dos sistemas de apoio à
gestão pública.
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O elemento talvez mais importante do novo modelo de gestão seja o de deixar de ser auto-referente e
passar a ser focado nas demandas do cidadão. E a forma de avaliar se o Estado está orientado, de fato,
para a prestação de serviços ao cidadão é a burocracia deixar de se preocupar com controles prévios
dos procedimentos e se concentrar na formulação e gestão de políticas públicas capazes de atender às
demandas dos cidadãos e no controle dos resultados da ação estatal, através de indicadores de
resultado.
Um segundo elemento relevante é o papel central que se reserva aos funcionários públicos nesse novo
modelo de gestão, que requer, um processo de fortalecimento e aumento da autonomia da burocracia
(empowerment).
Para tanto, é necessário, em primeiro lugar, valorizar seu trabalho através de sua participação na
formulação e na gestão das políticas públicas, garantindo-se, com isso, seu compromisso em relação
aos resultados a serem alcançados. Em segundo lugar, é preciso priorizar a capacitação dos servidores
construindo uma burocracia com maior capacidade técnica e gerencial para enfrentar o desafio de
desenvolver políticas públicas capazes de garantir o desenvolvimento social e econômico. Essa
capacitação, por outro lado, precisa estar orientada para romper com a excessiva especialização e para
torná-lo capaz de desempenhar múltiplas funções. Um último elemento refere-se à necessidade de
profissionalização dos servidores, ou seja, estabelecer, num prazo compatível, uma política
remuneratória adequada às novas exigências profissionais e um sistema de carreira baseado na
progressão funcional por mérito.
Por último, trata-se de adotar modernos sistemas de apoio à gestão pública, tendo como objetivo
reconstruir a capacidade analítica do Estado. Por um lado, através do aprimoramento da tomada de
decisões - resgatando a cultura de planejamento, transformando o orçamento público num instrumento
gerencial, vinculado ao planejamento e viabilizador do controle social; e, por outro, através da
mudança das estruturas organizacionais, tornando-as leves, flexíveis, descentralizadas, horizontais e
com menor número de níveis hierárquicos, podendo até mesmo ser temporárias.
Reformulação do Padrão de Relação entre Estado e Sociedade.
Entre as três dimensões da crise do Estado, a dimensão política somente mais recentemente tem sido
abordada de maneira significativa.
O descrédito do cidadão em relação ao Estado tem origem na sua ineficiência na prestação de serviços,
como indicado anteriormente, mas também advém do aumento do distanciamento entre ele e a
sociedade. Esse distanciamento, que acentua a perda de legitimidade do setor público, se configura pela
baixa sintonia entre as demandas dos cidadãos e a capacidade do Estado de estabelecer e implementar
metas coletivas.2
Essa incapacidade é gerada pelo comportamento auto-referido da burocracia, que acredita ser possível
implementar escolhas públicas imunes às pressões dos interesses particulares. No entanto, a prática
indica que, à despeito dessa visão de que o Estado pode sobrepor-se às pressões, tem prevalecido
interesses particulares - das elites da burocracia ou dos grandes interesses organizados, em detrimento
2
Diniz (1996, p.14) no que se refere à necessidade de recuperar a noção de interesse público diz que “a ação estatal, ao ser
dissociada de alguma noção de bem comum e da garantia da preservação de algum grau de responsabilidade pública na
tomada de decisões, perde legitimidade”.
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daqueles mais dispersos e menos organizados. Esse enfoque provoca, por um lado, uma expressão
desigual dos diversos interesses e, por outro, diminui a capacidade do Estado de gerar adesão e garantir
sustentabilidade às suas decisões.
Dessa maneira, o que está em questão é a necessidade de reformulação do padrão de articulação entre
Estado e sociedade, assegurando maior responsabilização (accountability) daquele.
É necessário, em primeiro lugar, tornar o Estado mais legítimo e democrático, através do
aperfeiçoamento da democracia representativa e da consolidação do controle social, a partir de
mecanismos de participação direta. No que se refere ao controle social, trata-se de adotar práticas de
gestão pública que envolvam a participação conjunta de governos e de atores sociais relevantes. Tais
práticas devem compreender a transparência total da maneira de atuar da administração e o
estabelecimento de programas e canais de participação da sociedade civil, de forma a resgatar a esfera
pública como instrumento de expressão da cidadania e fórum de aprendizado social. No entanto, é
necessário compreender que essa nova relação entre Estado e sociedade tem natureza dual, exigindo
esforços das duas partes.
Em segundo lugar, é essencial estabelecer uma estratégia deliberada de ação para atingir uma melhor
capacidade de intermediação dos interesses, a partir do aperfeiçoamento dos meios de interlocução
entre governo e sociedade e da criação de novos espaços públicos onde desenvolver esse processo de
interlocução e decisão.
Servidores Públicos no Contexto da Reforma do Estado
Primeiramente, é importante definir os agentes públicos na Administração Pública brasileira. São
pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal. O
cargo ou função pertence ao Estado e não ao agente que o exerce, razão pela qual o Estado pode
suprimir ou alterar cargos e funções. Os cargos são os lugares criados no órgão para serem providos por
agentes, que exercerão suas funções na forma legal. O cargo integra o órgão, enquanto o agente, como
pessoa física, unicamente titulariza o cargo para servir ao órgão. Órgão, função e cargo são criações
abstratas da lei, são instituições encarnadas pelo agente, que é pessoa física. A função é o encargo
atribuído aos órgãos, cargos e agentes. Na organização do funcionalismo, a administração cria cargos e
funções, institui classes e carreiras, faz provimentos e lotações, estabelece vencimentos e vantagens, e
delimita deveres e direitos. Portanto, cargo público é o lugar instituído na organização do
funcionalismo, com denominação específica, atribuições também específicas e salário correspondente,
para ser provido e exercido por um titular. Quanto à função administrativa, é a atribuição ou o conjunto
de atribuições que a administração atribui a cada categoria profissional, ou comete individualmente a
determinados servidores para a execução de serviços.
Maria Di Pietro classifica os agentes públicos em agentes políticos, servidores públicos e particulares
em colaboração com o Poder Público.
Agentes Políticos são os formadores da vontade superior do Estado (encontram-se em todas as cúpulas
dos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e do Ministério Público). Ocupam cargos na alta
estrutura da Administração Pública (são os que comandam). Exercem funções governamentais,
judiciais, quase judiciais; elaborando normas legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e
atuando com independência nos assuntos da sua competência. São autoridades supremas do Governo
ou Administração.
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Di Pietro divide os servidores públicos em estatutários, empregados públicos e servidores temporários.
Quanto aos particulares em colaboração com o Poder Público, Di Pietro os divide em: gestores de
negócios (pessoas físicas que por vontade própria assumem determinada função pública em momento
de emergência - incêndio, enchente, epidemia, etc.); agentes por requisição, nomeação ou designação
(mesário, jurado, etc.); e agentes por delegação do Poder Público (agem por delegação e sob a
fiscalização do Poder Público, mas a sua remuneração não é paga pelos cofres públicos concessionários e permissionários de obras e serviços públicos, serventuários de ofícios ou cartórios
não estatizados, leiloeiros, tradutores e intérpretes públicos, etc.).
Este artigo priorizará a análise a respeito do papel desempenhado pelos servidores públicos. Várias
medidas foram adotadas com o propósito de mudar o perfil dos quadros de pessoal da administração
pública brasileira. A prioridade passou a ser o recrutamento de novos servidores e a melhoria da
remuneração, para um conjunto de cargos e carreiras de alta qualificação, qualificados como “carreiras
de Estado”. Estas carreiras eram responsáveis pelas funções de competência exclusiva do Estado, tais
como formulação de políticas, regulação, fiscalização e controle. A sua valorização atendia à diretriz de
recuperar a capacidade de formulação de políticas, de coordenação e de controle no núcleo estratégico
do Estado.
Segundo a reforma implantada de forma quase hegemônica no Brasil, as funções do Estado e os
modelos institucionais são os seguintes:
Setor do Estado
Funções
Modelo Institucional
Proposto
Núcleo estratégico
Formulação de políticas, Secretarias de política
normatização e controle
Serviços exclusivos
Segurança,
defesa, Agências executivas
arrecadação,
fiscalização, Agências reguladoras
regulação e previdência
social básica
Serviços não-exclusivos
Educação, saúde, assistência Organizações sociais
social, cultura, pesquisa
científica e tecnológica
Produção e serviços para o Energia,
transportes, Empresas privadas
mercado
comunicações,
insumos
industriais
As atividades típicas de Estado, que permaneceriam no âmbito da administração pública, foram
reorganizadas com autonomia administrativa ampliada e controle de resultados. A forma institucional
adotada foi a da organização dessas atividades como agências executivas ou agências regulatórias. As
agências executivas deveriam ser entidades operadoras de serviços, como a arrecadação tributária, a
segurança pública e a previdência social básica. As agências reguladoras seriam entidades responsáveis
pelo controle sobre os mercados monopolistas, que estão sendo criados ou ampliados com a
privatização dos serviços públicos. Compreendem atividades como as de distribuição de energia
elétrica, serviços de telecomunicação e produção de petróleo e derivados. As agências, em tese,
desfrutariam de uma maior autonomia na sua gestão orçamentária e financeira, de pessoal e de compras
e contratações. Em contrapartida, seriam submetidas a contrato de gestão com o respectivo ministério
supervisor. A negociação e a celebração de um contrato de gestão pressupõe um complexo trabalho
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preparatório, especialmente nas áreas de planejamento interno de objetivos e metas e de melhoria da
gestão. No caso das agências reguladoras, deveria ser ainda assegurado um saudável distanciamento e
independência em relação aos governos, por meio da garantia de mandatos para os seus diretores. Uma
visão que não contempla a variável política, por óbvio e tampouco a necessidade de uma sociedade
civil mais organizada e, portanto, mais apta ao controle social.
As atividades que não pressupõem o uso de prerrogativas exclusivas de Estado deveriam ser
descentralizadas para a sociedade. O modelo propugnado entendia que estas atividades poderiam ser
geridas com mais eficiência e submetidas ao controle direto pela sociedade, desde que organizadas
como entidades públicas não-estatais, denominadas de organizações sociais. Este tipo de organização é
uma invenção completamente nova que deveria permitir a gestão destas entidades nos mesmos moldes
de uma empresa privada, mas submetida ao controle social por meio do seu conselho de direção e ao
controle pelo Estado, por meio de um contrato de gestão. Além disso, as organizações sociais não têm
finalidade lucrativa e seu patrimônio pode ser revertido ao Estado no caso de sua extinção. A intenção
era possibilitar que as entidades estatais prestadoras de serviços não-exclusivos de Estado ficassem
livres do conjunto de leis, normas, controles formais e mesmo da cultura burocrática que asfixiava os
órgãos estatais. A solução proposta era bastante ousada: retirá-las do Estado. Este novo modelo
institucional exigiria uma desestatização dos serviços nas áreas de educação, saúde, meio-ambiente e
pesquisa científica e tecnológica. Esta desestatização, contudo, não resultaria na privatização destes
serviços, mas na sua transferência para o setor público não-estatal.
Dessa forma, o Estado estaria se afastando da gestão destas atividades, ao promover a extinção dos
órgãos responsáveis pela sua realização, mas mantendo as suas responsabilidades com o financiamento
destas atividades, sob novas bases, que asseguram melhores condições administrativas e institucionais
para o efetivo atendimento às necessidades dos cidadãos. As organizações sociais seriam criadas fora
do Estado, mas em conexão com a extinção de órgãos da administração pública, cujas atividades
seriam absorvidas pelas organizações sociais, sem descontinuidade. Isso nunca se deu, por sorte.
O recrutamento de servidores foi retomado de forma sistemática, mas foi adotado uma estratégia de
seletividade que priorizava o preenchimento de cargos de alta qualificação técnica alocados nos
ministérios e órgãos centrais do governo federal, onde se verificava uma acentuada carência de pessoal
para as atividades de formulação de políticas e de gerência. O recrutamento de pessoal para cargos de
menor qualificação (com nível de escolaridade médio e inferior) foi severamente restringido.
Entretanto, não se chegou à formulação de uma política de recursos humanos mais abrangente e que
pudesse gerar impactos sobre o conjunto dos servidores. Em particular, não foram enfrentados de forma
mais decidida as questões relacionadas com a reorganização dos quadros da administração pública
brasileira, implantação de um sistema de incentivos e de avaliação de desempenho e um sistema de
treinamento. Dentre as razões para esta omissão está o desenho estratégico da reforma, que
pressupunha um profunda reorganização dos quadros da administração federal como resultado da
disseminação das organizações sociais. Todo o conjunto de instituições nas atividades não-exclusivas
de Estado estaria fadado a ser deslocado para o setor público não-estatal, no qual o preechimento de
novos cargos dar-se-ia pelo recrutamento de empregados regidos pelas mesmas regras do setor privado.
Ou seja, a médio e longo prazo o quadro de servidores federais tenderia a encolher em todo o conjunto
de autarquias e fundações.
2. O Partido dos Trabalhadores (PT) e a Reforma do Estado
O tema da Reforma do Estado é relativamente recente na pauta de temas relevantes para as
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administrações petistas, sejam elas municipais ou estaduais. Esse tema, tradicionalmente, ocupava uma
posição menor em nossos programas de governo e nas nossas ações governamentais. Essa posição
secundária ao tema conflitava claramente com a nossa posição histórica de defesa do papel do Estado
para os cidadãos. Enfim, fragilizava e ainda fragiliza nossa defesa de um Estado capaz de cumprir sua
função à sociedade, visto que é amplamente majoritária, a opinião de que o Estado não funciona e que
não há como fazê-lo funcionar. Além disso, parte das forças conservadoras do país tem ocupado todo o
espaço de discussão sobre o novo papel do Estado na conjuntura atual, tanto no nível do discurso
quanto no da ação concreta.
Se o PT e suas administrações pretendem seguir na defesa do papel do Estado é necessário aliar a ação
concreta ao discurso ideológico, de forma a demonstrar claramente que, se organizado de outra forma,
o Estado tem papel fundamental para a sociedade.
É necessário sair da defensiva da defesa ideológica do papel do Estado para uma ação concreta que
reconheça os limites da ação do Estado e que aponte na direção de seu fortalecimento como base para o
desenvolvimento do país e para a redução da brutal da desigualdade social que enfrentamos.
É fato, porém, que as administrações petistas vêem progressivamente incorporando o tema da Reforma
do Estado às suas ações concretas, ainda que com amplitudes e ênfases muito diferenciadas. Os
precursores desse movimento mais consistente foram as administrações municipais do período 19962000 e as atuais administrações estaduais (Acre, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul).
3. A Experiência do Governo Petista do Rio Grande do Sul – Uma Síntese Preliminar
O Contexto da Reforma do Estado em Nível Estadual
As administrações públicas estaduais brasileiras são centrais no processo de Reforma do Estado em
função do papel central que têm nas políticas de desenvolvimento e sociais e no ataque às
desigualdades, com uma intensidade equivalente ou maior que a da própria ação do governo federal.
Isto porque a grande maioria dos municípios depende do auxílio das máquinas públicas estaduais para
realizar suas tarefas a contento.
A experiência dos governos estaduais petistas, no que se refere à Reforma do Estado, se desenvolve
num contexto de enorme interferência do governo federal, que tinha como centro o ajuste fiscal a
qualquer preço. Além disso, constatado o elevado gasto com pessoal, “o governo federal incentivou os
estados a fazer programas de demissão voluntária (PDVs), inclusive financiando-os [...] Há dois
grandes problemas nos PDVs realizados pelos estados [...] saem bons funcionários com salário
razoável, ficam a massa de servidores com baixíssimos rendimentos e as categorias com alta
remuneração. Descobre-se assim porque os PDVs tiveram papel irrisório tanto na diminuição do
número de servidores como, principalmente, na redução dos gastos com folha de pagamento [...] Isso
ocorreu em virtude do predomínio do ângulo financeiro sem se pensar em reconstruir as instituições
estaduais. Ou seja, é preciso uma boa burocracia estadual [...] para fazer as reformas do aparelho
estatal” (ABRUCIO, 1999, p.188).
A Lógica Geral das Ações Desenvolvidas pelo Governo Estadual Petista do Rio Grande do Sul
As ações relativas à Reforma do Estado desenvolvidas no Estado do Rio Grande do Sul é claramente
marcada pela novidade de administrar um governo de estado, pela cultura política local e pela falta de
acúmulo do modo petista de governar em relação a esse tema. Isso resultou num conjunto de ações que
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refletia aquelas condições e que levou a ênfases diferenciadas.
O governo do Rio Grande do Sul centrou suas ações em três eixos. O primeiro deles refere-se à
democratização do Estado, com ênfase no estabelecimento de uma gestão participativa e democrática que garanta a participação do cidadão na definição “do gasto público, na fiscalização das ações de
governo e como beneficiário de uma ação ou serviço” (Governo do Estado do Rio Grande do Sul,
2001, p. 5-6), cujo instrumento principal é o Orçamento Participativo Estadual. Uma segunda
centralidade é a relação com os servidores, visto seu papel estrutural na busca de um novo modelo de
gestão estatal. Por fim, investiu-se na melhoria da capacidade de gestão através da reorganização e
recomposição da máquina administrativa e da introdução de novas técnicas e ferramentas de gestão. A
concepção gaúcha também explicita o elemento da participação cidadã, mas com o peso que sempre
caracterizou a busca da radicalização da democracia nas várias gestões petistas na Prefeitura de Porto
Alegre. Cabe ressaltar, que tal concepção incorpora – assim como no Acre, a importância dos
servidores públicos, porém explicitando seu papel relevante na reconstrução da máquina pública. Por
fim, ampliando o leque em relação à concepção acreana, essa concepção aponta explicitamente a
necessidade de melhoria da capacidade gerencial do Estado, ao defender a utilização de novos
instrumentos de gestão. A ausência de menção específica à questão da corrupção reflete a menor
relevância desse tema na agenda política desse estado.
O Governo Estadual do PT no RS e a Superação da Crise Fiscal
No Rio Grande do Sul somente em 1996 os servidores ativos tornaram a contribuir para aposentadoria,
após 22 anos, com uma alíquota de 2%, cabendo ao governo do estado cobrir 98% do total de
aposentadorias. A contribuição para pensão é de 5,4% e desde 1990 há um déficit sistemático nessa
conta, em função de critérios bastante elásticos para sua concessão. Em 1994 esse déficit somava R$ 33
milhões e em 1999 saltou para R$ 148 milhões. O governo criou uma Comissão Especial, composta por
representantes do Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas, para
elaborar estudo técnico sobre o tema.
O Governo Estadual do PT no RS e a Reforma da Administração Pública
O governo do Rio Grande do Sul estruturou sua ação a partir de 6 (seis) linhas básicas: recomposição
da máquina administrativa, desconcentração da ação governamental, política de recursos humanos,
monitoramento da qualidade do serviço público, gestão matricial de programas governamentais e
sistemas de informação e apoio à decisão.
A recomposição da capacidade do Estado em prestar serviços em setores essenciais foi estruturada a
partir de cerca de trinta mil contratações nas áreas de educação, saúde e segurança pública e na
reestruturação e criação de órgãos como os de Meio Ambiente, Habitação, Reforma Agrária, etc.
O Programa de Regionalização Administrativa do Estado (PRAE) foi desenvolvido a partir da
necessidade de regionalização da ação dos diferentes órgãos, com o objetivo central de otimização de
todos os recursos (materiais, financeiros, funcionais e políticos) e a racionalização na prestação dos
serviços. A regionalização estabelecida no Orçamento Participativo Estadual é a base a partir da qual se
dá a estruturação do PRAE.
A despeito das dificuldades de caixa, mas considerando o papel estrutural dos servidores na busca de
um novo modelo de gestão estatal, as ações se concentraram na recomposição dos salários de carreiras
estratégicas (educação e segurança pública, por exemplo) e de menor remuneração.
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002
No que se refere à qualidade dos serviços prestados investiu-se na melhoria dos processos de trabalho
visando sua racionalização. Se destacam nessa área a Rede RS, que facilita o acesso dos cidadãos a
informações e serviços públicos on line; e a Central de Serviços ao Cidadão – Tudo Fácil, que garante
atendimento de qualidade e descentralizado. Outro grande desafio enfrentado nesse campo foi a
instituição do Código Estadual de Qualidade do Serviço Público, para o qual já foram desenvolvidos
critérios para avaliação dos serviços das áreas de Justiça e Segurança, Saúde, Educação e Meio
Ambiente.
O governo gaúcho apostou ainda em ações que alcançassem maior unidade e qualidade da ação
governamental: criou-se a Coordenação do Governo, direção coletiva que atua como instância
executiva do Secretariado; constituíram-se instâncias de articulação matricial, que asseguram mais
unidade à ação política e qualidade na elaboração dos projetos e sua estratégia de implementação como,
por exemplo, o Fórum das Políticas de Desenvolvimento, Fórum das Políticas Sociais, Fórum de
Gestão etc.
Por fim, investiu-se na introdução de novas técnicas e ferramentas de gestão. O destaque nesse âmbito
é a adoção do planejamento estratégico participativo aliado ao desenvolvimento de sistemas de
informação e apoio à decisão, especialmente àqueles relacionados ao monitoramento da ação
governamental, seja dos projetos estratégicos, seja do desempenho da administração indireta.
O Governo Estadual do PT no RS e a Reformulação da Relação entre Estado e Sociedade
Se há uma política coincidente de Reforma do Estado entre os três governos estaduais petistas é
exatamente a de introdução de mecanismos de controle social sobre a ação do Estado; seja através do
Orçamento Participativo, da abertura de canais de participação para definição das políticas públicas e
da prática consolidada de interlocução permanente com os diferentes atores sociais.
É certo que, no que se refere ao Orçamento Participativo, a experiência gaúcha é com certeza a mais
consolidada – a despeito do choque com as estruturas administrativas burocratizadas e desaparelhadas,
pois bebe do acúmulo obtido nas várias gestões da capital riograndense. No entanto, os outros dois
traços têm peso semelhante nos três governos.
É importante destacar também outros processos complexos de participação organizada, como a
experiência de Constituinte Escolar realizada no Rio Grande do Sul.
Aqui, cabe ainda ressaltar a importância das ações que garantem a transparência da ação
governamental. Nessa caso, talvez o exemplo com maior potencial de garantir a prestação de contas
sejam os sites governamentais na Internet, onde é possível explicitar o andamento das ações de
governo, em especial as demandas do Orçamento Participativo; bem como, os relatórios gerenciais
relativos à execução orçamentária e os indicadores de avaliação dos serviços públicos, a exemplo do
Código Estadual de Qualidade do Serviço Público do Rio Grande do Sul.
4. O Papel do Servidor Público num Estado Democrático e Participativo
Em palestra proferida por Bernardo Kliksberg, em 1990, na Câmara dos Deputados , o mesmo disse
que "um dos pontos de partida é o da especificidade do setor público. Não acreditamos em que formar
um gerente público seja pegar um bom programa de business administration de algumas universidades
desenvolvidas, mas formar um gerente público é formá-lo em ciências do governo, em políticas
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002
públicas, em problemas próprios do setor público. Isso tem um amplo desenvolvimento a nível
internacional, e é muito importante tratarmos de trabalhar sobre um perfil de funcionário público para o
setor público. Em segundo lugar, consideramos que formar um gerente público significa formá-lo nos
problemas do país, e que um gerente público deve ter uma alta porcentagem de formação sobre o
contexto; que significa conhecer a fundo os problemas da sociedade nacional, com todos os detalhes,
em todas as suas implicações, porque ele não será um gerente público no vácuo, mas será um gerente
público perante um elenco de problemas, onde seu real conhecimento da situação social, da situação
econômica, das implicações de todo tipo no país, é decisivo para a formação. Em terceiro lugar (...)
consideramos que deve ser um gerente público formado para uma organização pública do tipo que
estávamos mencionando, ou seja, uma organização flexível, aberta para a participação, ao invés de ser
formado para reproduzir o modelo “weberiano”, o velho modelo de uma organização rígida,
autocrática, vertical, autoritária, etc. E, em quarto lugar, consideramos que um gerente público deve ter
um credo ético; que não deve ser formado à margem de valores, ou seja, não acreditamos em um
gerente público neutro, mas em um gerente público comprometido. Comprometido com os grandes
problemas nacionais. Interessado seriamente, envolvido com os grandes problemas nacionais".
Nesse sentido, a constatação de que construir projetos e ações de governo é um processo complexo,
dinâmico e criativo já justificaria a atenção especial com a formação e qualificação dos profissionais
envolvidos na gestão pública para que aumente a capacidade de se governar. Entretanto
No tempo presente, a formação de profissionais em gestão pública faz parte do desafio da reconstrução
democrática do Estado brasileiro – um Novo Estado - considerando que nesta reconstrução está
envolvido o amplo conjunto dos atores sociais que participam na formulação e implementação de
políticas públicas.
Ademais, os cursos de formação profissional no Brasil, em sua maioria, não têm desenvolvido uma
formação específica para o exercício das funções públicas, tornando-se assim a questão da capacitação
ainda mais importante para a construção do Novo Estado democrático. E mais: como a Reforma do
Estado desafia os governos que se opõem à proposta neoliberal de construção de um “estado mínimo”,
a constituição de instrumentos para formação e capacitação dos profissionais da gestão pública torna-se
um desafio incontornável e decisivo.
Interessa reconstruir os processos de gestão em função de exigências de maior participação popular, da
inclusão das parcelas excluídas do atendimento de serviços públicos qualificados, de qualificar as
relações entre os atores que produzem políticas e serviços públicos, da busca de uma gestão eficaz e
eficiente, de instaurar uma gestão pública participativa.
É preciso ter clareza quanto à direção da política desejada, que pode ser entendida sob duas
perspectivas:
a. Uma, que se propõe, segundo uma concepção elitista de democracia, a selecionar e formar as elites
dirigentes; e
b. Outra, que se propõe a incorporar um princípio de democracia, que prevê a inclusão tanto de
servidores efetivos quanto dos agentes políticos, potencializando, assim, re-significação das atitudes e
práticas de trabalho.
A primeira opção aponta para uma política de investimentos nas funções de gerência estratégica e
intermediária, partindo do pressuposto de que a aplicação do princípio da “unidade de comando”, em
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002
que uns pensam e outros executam, é suficiente para dar conta do complexo jogo de variáveis e
influências que interferem na gestão da coisa pública. Esta, infelizmente, vem sendo a prática adotada
por todos aqueles que defendem a Nova Gestão Pública ou o Gerencialismo.
Já o segundo caminho aponta para uma concepção de gestão pública em que o servidor público e o
agente de políticas públicas devem ser vistos como atores capazes de conceber e viabilizar novas
práticas de trabalho articuladas com os princípios definidos anteriormente. A formação assim
concebida passa a ser um instrumento de qualificação da gestão pública, que significa dotar a
administração pública de capacidade para dar respostas às demandas sociais, definidas através de
processos participativos. O Estado do Rio Grande do Sul pode ser visto como uma referência deste
segundo caminho, pois crê que o agente público, especialmente o servidor público, é fundamental na
relação existente entre o Estado e o cidadão.
A Gestão Pública é um conceito que deve ser pensado, compreendido e operacionalizado na sua
historicidade, o que implica na necessidade de se ter clareza das transformações pelas quais as
sociedades estão passando, e em particular, as transformações que envolvem a Administração Pública,
que não pode ser concebida como uma “ilha”, nem muito menos como uma realidade excluída ou
marginalizada dos projetos das sociedades, consideradas em seus aspectos mais gerais, como também
em questões regionais ou locais.
As transformações nas relações entre o Estado e a Sociedade determinam formas de conceber a Gestão
Pública, a sua inserção nas sociedades locais, bem como o seu fazer, como elemento integrante das
mesmas. Sendo assim, é mais adequado pensar em “Gestões Públicas”, demandando uma ação
coordenada de instâncias e níveis político e organizativo-administrativos.
Em nossos dias, a expressão gestão pública vem sendo freqüentemente empregada em substituição à
Administração Pública, que se referia a um momento passado do conjunto das instituições estatais nas
sociedades capitalistas. O termo indicaria a maior incorporação de valores e técnicas de gestão oriundas
da iniciativa empresarial privada e uma nova concepção de governança, em substituição à noção de
governo.
Em nossa proposta a expressão não assume esta visão limitada, mas reconhece que houve uma
transformação na administração pública e que há uma área de política pública que pode ser chamada
de gestão pública, sem ser estreita e equivocada, isto é, uma simples incorporação da gestão
empresarial privada no “setor” público. A ação governamental e o serviço público seguem lógicas
diferentes da empresa capitalista e a gestão pública é uma área (meio) de política pública, na qual
diferentes visões estão disputando politicamente suas posições.
A Gestão Pública Participativa que pretendemos engloba um conjunto de conhecimentos, processos e
técnicas que vão desde os processos de “escolhas públicas” e da formação de políticas públicas aos
métodos e técnicas que facilitam sua transformação e o seu acompanhamento e avaliação. Relacionase, portanto com questões do seguinte tipo:
∗ que escolhas públicas devem ser feitas e como devem ser feitas ?
∗ que processos devem ser desenvolvidos, não só para a tomada de decisão democrática, mas para que
haja eficácia e eficiência das instituições ou projetos decorrentes das escolhas públicas ?
13
VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002
∗ que instrumentos de gestão devem ser utilizados e/ou, possivelmente, criados ?
∗ de que forma estas escolhas públicas, processos e instrumentos de gestão afetam a vida das
comunidades locais e os indivíduos?
∗ qual o grau de poder efetivo as comunidades locais e os indivíduos têm sobre as escolhas públicas, os
processos de transformação social e os instrumentos de gestão?
Programa Escola de Governo
Pensando em responder a essas questões, mesmo que de forma, mesmo que de forma ainda
experimental, foi criado o Programa Escola de Governo, coordenado pela Fundação para o
Desenvolvimento de Recursos Humanos, instituição responsável pela capacitação dos servidores
públicos do estado do Rio Grande do Sul.
O programa Escola de Governo é um plano de formação, cujos objetivos principais são a possibilidade
de revisão e o aprofundamento dos processos de compreensão e intervenção no serviço público e o
estímulo ao desenvolvimento de uma cultura de educação continuada dirigida aos servidores públicos
estaduais e não apenas aos gestores principais ou aos gerentes.
É destinado a todos os servidores do estado do Rio Grande do Sul, sendo financiado com recursos
próprios do Orçamento estadual, não havendo repasse de custo nem para os órgãos e nem para os
servidores.
O programa Escola de Governo se compõe de três frentes de atuação:
a) Formação em Gestão Pública.
b) Competências Básicas para o Serviço Público.
c) Assessoria para Elaboração de Planos de Capacitação dos Órgãos da Administração Pública
Estadual.
Tratarei neste artigo especificamente do Programa de Formação em Gestão Pública. A estrutura do
mesmo é dividida em três níveis:
- Curso de Iniciação à Gestão Pública (52 h/a, com o objetivo de sensibilizar o participante no que diz
respeito a conceitos e princípios que regulam a administração pública, em um Estado voltado para a
cidadania – não tem exigência de escolaridade);
- Curso de Aperfeiçoamento em Gestão Pública (120h/a, com o objetivo de facilitar o aperfeiçoamento
das capacidades técnicas para formular e gerenciar programas e estratégias que visem o fortalecimento
da relação entre as demandas sociais e a eficiência na prestação do serviço público – exige-se que o
servidor tenha o Ensino Médio concluído);
- Curso de Especialização em Gestão Pública Participativa (405 h/a).
O Curso de Especialização em Gestão Pública Participativa, realizado em convênio com a
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Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), possui uma carga horária de 405 horas aula,
sendo 360 em disciplinas e 45 na Monografia de Final de curso (vide Quadro 1). O curso tem uma
duração de mínima de 24 semanas (6 meses) e máxima de 12 (doze) meses, incluindo a elaboração e
apresentação da Monografia de Final de Curso. As vagas serão preenchidas por portadores de diploma
de nível superior selecionados pela avaliação de propostas de “problema de pesquisa” que conduza a
elaboração da Monografia Final. O Curso de Especialização em Gestão Pública Participativa é
oferecido em parceria com a Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos do Governo do
Estado do Rio Grande do Sul.
No caso específico da Especialização em Gestão Pública Participativa o perfil de aluno buscado é mais
abrangente e está voltado para:
a.
servidores dos Poderes Executivos Municipais e do Poder Executivo Estadual (em atuação
na Capital e no interior do estado);
b.
servidores dos Poderes Legislativos Municipais e do Poder Legislativo Estadual (inclusive
assessores parlamentares/legislativos); e
c.
sociais.
agentes de políticas públicas atuando em entidades não-governamentais e movimentos
O projeto pedagógico da Formação em Gestão Pública busca formar agentes públicos capazes de:
a.
ter uma compreensão critica da formação do Estado brasileiro e em particular do Rio Grande
do Sul, de forma a atuar na construção de um Novo Estado, fundado nos princípios da participação
popular e da cidadania plena;
b.
identificar e solucionar os problemas decorrentes de sua prática profissional através da
pesquisa aplicada e da elaboração de projetos de gestão pública participativa;
c.
construir uma nova organização estatal capaz de atender às necessidades dos diversos
segmentos da sociedade e ao protagonismo que os movimentos sociais devem adquirir na relação com
o Novo Estado;
d.
conhecer criticamente os instrumentos, regras e normas legais que regem hoje a relação do
Estado com a sociedade;
e.
desenvolver os processos de trabalho que sejam necessários e viáveis para uma gestão pública
participativa, isto é, efetivamente democrática, baseada em canais permanentes de participação popular;
f.
entender a gestão pública participativa no sentido de uma crescente e radical democratização
da ação governamental.
Os grandes objetivos do Programa de Formação em Gestão Pública são:
a.
criar condições para o exercício da capacidade crítica e reflexiva dos servidores e dos agentes
de políticas publicas, a fim de que possam compreender melhor e repensar o seu trabalho;
b.
criar condições para que a Gestão Pública possa ser pensada pelos servidores e pelos agentes de
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002
políticas publicas sob a ótica do pleno exercício da Cidadania.
Resta claro, por fim, que o papel do servidor público num Estado Democrático e Participativo é
bastante distinto do modelo proposto pela Nova Gestão Pública. Mesmo que ainda estejamos longe de
atingir um padrão ideal de prestação de serviços públicos à cidadania, é inegável que o investimento
feito nos servidores públicos, valorizando o papel desempenhado pelos mesmos no processo de
democratização do Estado, pela via da participação, é o único caminho para a eficácia das organizações
públicas, numa concepção de Estado orientado para o atendimento qualificado da sociedade.
Conclusões
No Brasil, desde a aprovação da Emenda Constitucional da “Reforma Administrativa” (EC nº 19, de
4/6/1998), muito se tem ouvido falar em “Nova Administração Pública”, “Administração Gerencial” ou
“Nova Gestão Pública”.
A escola ou movimento da Nova Administração Pública apresentou-se como um sistema de
pensamento ideológico que pretendia transpor idéias geradas no setor privado para dentro da
Administração Pública. A Teoria Administrativa, tradicionalmente aplicada às organizações privadas, e
embasada numa racionalidade econômica e de mercado, desenvolveu-se sobremaneira nos grandes
centros do capitalismo. Tal pensamento agora, na esteira do discurso da “crise do Estado”, que
permeou o debate político e acadêmico nos anos 90, voltou-se mais recentemente para as organizações
públicas, propondo uma reestruturação do setor público com base em conceitos, paradigmas, valores e
idéias tradicionalmente aplicadas ao mercado. O economicismo de cunho neoliberal, pensamento único
imperante nestes tempos de “globalização”, investe agora, de forma quase profética, contra o setor
público, com a pretensão de modernizá-lo, resgatá-lo de atraso histórico e torná-lo mais eficiente. Em
termos jurídicos, pretende-se, ao que parece, substituir-se o direito público pelo direito privado na
condução dos negócios públicos.
Enfim, ninguém, em sã consciência, pode ser contra o aperfeiçoamento da Administração Pública, em
todos os seus níveis federativos. É a inexorável dinâmica da vida e das instituições. De tal
aperfeiçoamento depende, em última análise, a realização dos fins imediatos do Estado e a prestação
eficiente de serviços públicos à sociedade, no plano municipal, estadual, regional e federal.
A Constituição Federal de 1988 ocupou-se sobremaneira com o setor público, tradicionalmente
marcado por vícios antigos e persistentes, tais como o patrimonialismo, o autoritarismo, o clientelismo,
o nepotismo, a corrupção generalizada, a impermeabilidade à democracia e à participação popular, a
falta de transparência e ineficiência dos mecanismos de controle público, tanto estatais quanto nãoestatais. Na ânsia de estabelecer em toda a federação uma Administração Pública compatível com os
postulados do Estado Democrático de Direito, o Texto Constitucional originário, de 1988, hoje
irreconhecível, disciplinou vários aspectos do chamado setor público, tanto do ponto de vista de sua
organização e funcionamento, quanto da conduta de seus agentes. Neste sentido fixou princípios
rígidos para toda a Administração direta e indireta, disciplinou de forma rigorosa a investidura em
cargos, empregos e funções públicas, bem como o preenchimento de cargos em comissão, estabeleceu
regras para o funcionalismo público, seu regime jurídico, sua remuneração, bem como para questões
importantes, tais como as licitações e os contratos públicos, além de outros aspectos. Embora tal
modelo não fosse perfeito, sendo, sob este aspecto, passível de aperfeiçoamento, as novas diretrizes
acima referidas, aliadas a outras espalhadas pelo Texto Constitucional, contribuíram sobremaneira, nos
últimos 12 anos, para elevação dos níveis de legalidade, legitimidade, moralidade, transparência e
democracia na Administração Pública brasileira, não lhe comprometendo, como querem alguns, a
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002
eficiência e o desempenho. A ineficiência atribuída à Administração Pública pátria, como de resto a
outros setores do Estado brasileiro, deve ser tributada a outros fatores, principalmente de natureza
política e mesmo cultural, e não exclusivamente ao modelo jurídico-administrativo positivado no Texto
Constitucional.
O novo capítulo da Administração Pública, tal como plasmado na Constituição pela Emenda nº 19/98,
iniciou-se sob o signo do “princípio da eficiência” (art. 37, caput), agora arrolado ao lado dos
princípios tradicionais (legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidades).
O novo modelo, plasmado pela Emenda 19/98, acenou para uma maior flexibilização do sistema
positivado pelo Constituinte de 1988. Diversos são os indícios desta orientação, facilmente detectáveis
entre nós. Citem-se alguns: adoção de uma programa de privatização em larga escala; terceirização de
diversos serviços públicos importantes; adoção de valores gerenciais e de mercado na Administração
Pública direta e indireta; mentalidade voltada para o mercado e orientação para o cliente; redução
progressiva dos gastos sociais; administração hierarquizada; ênfase na mudança pelas “cúpulas”, e não
pelas “bases”, relegadas ao descaso; separação entre um pequeno núcleo estratégico e uma grande
periferia operacional; ênfase no papel do gerente (daí a expressão “Administração Gerencial”), do
técnico, com aumento da tecnocracia e do “deficit democrático” das novas instituições (agências
executivas e agências reguladoras); adoção em larga escala do regime celetista em substituição ao
estatutário, com possibilidade de dispensa nos moldes privados; quebra da estabilidade; freqüentes
cortes orçamentários e aviltamento da situação dos servidores públicos; ênfase nos “resultados”, nas
“metas”, e menosprezo aos “procedimentos”, com a conseqüente “flexibilização” (entenda-se descaso)
do princípio da legalidade em matérias vitais, tais como licitações, contratações de bens e serviços,
nomeação/contratação/dispensa de servidores públicos.
A Administração Pública é, assim, tratada como se fosse uma grande empresa, uma grande companhia,
conduzida por uma nova tecnocracia de gestores, a quem incumbem atingir metas e resultados, sob
pena se serem exonerados, à semelhança do que ocorre com grandes executivos no setor privado. Esta
nova classe de “gestores” apresenta-se como dotada de grande autonomia, supostamente alheia aos
interesses políticos e econômicos. Como toda tecnocracia, grande é também sua “autonomia” (pra não
dizer impermeabilidade) em relação aos apelos coletivos, aos chamados “controles sociais”, inerentes à
cidadania e ao Estado Democrático de Direito.
Não resta dúvida que a complexa Administração Pública brasileira, tem-se revelado historicamente, e
por influência de fatores diversos, patrimonialista, clientelista, burocrática, centralizadora, esbanjadora,
ineficiente e com baixo nível de desempenho. Agregue-se a isso a ineficiência persistente dos
mecanismos institucionais de controle externo (legislativo e tribunais de contas) e interno (controle
administrativo), a impunidade histórica dos maus gestores (governadores e prefeitos, principalmente).
Agregue-se, também, que, se estamos longe de ser um Estado de Direito, longe também estamos da
fórmula do Estado Democrático. Incipientes ainda são os chamados controles sociais. Muitas vezes, em
meio a uma lógica burocrática e perversa, desvinculada de políticas públicas, a Administração Pública
parece esquecer sua vocação primeira, qual seja, o serviço da sociedade, serviço este que deve ser
prestado de forma eficiente. Não se pode, contudo, pretender atacar tais males transformando-se a
Administração Pública numa grande empresa. Para atender às cambiantes exigências coletivas, numa
sociedade cada vez mais complexa, a Administração Pública deve estar em permanente processo de
aperfeiçoamento e modernização, sempre ocupada com a “eficiência” dos serviços que presta à
sociedade, às empresas e aos cidadãos. A prestação de serviços públicos é a razão de ser e condição de
legitimidade de qualquer organização administrativa.
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002
Entretanto, por sorte, o avanço do neoliberalismo no Mundo e o conseqüente avanço da Nova Gestão
Pública ainda encontram resistências, como é o exemplo do Rio Grande do Sul, no Brasil, onde um
governo do Partido dos Trabalhadores vem demonstrando que é possível criar alternativas a um modelo
de administração pública privatista. A dimensão política da Reforma do Estado tem sido viabilizada
com brilho pelas administrações petistas, especialmente através do Orçamento Participativo. No que se
refere ao controle social, nossos governos têm estado na vanguarda, ao implantar mecanismos os mais
diversos para garantir a participação direta dos cidadãos; mas ainda é necessário um investimento
efetivo na melhoria da capacidade de intermediação de interesses por parte dos gestores públicos. A
dimensão econômica da crise fiscal tem sido enfrentada em função da necessidade de garantir recursos
para promover o desenvolvimento econômico e social, mas a atenção à qualidade do gasto público nem
sempre tem sido privilegiada como necessário. A dimensão administrativa tem sido, comparativamente,
a que menos avançou; e, é nesse campo, que está o maior desafio ao modo petista de governar. Os
elementos de eficácia e eficiência, assim como o de incorporação de novas tecnologias de gestão, ainda
não freqüentam com regularidade nosso discurso e nossa prática. O processo de empowerment da
burocracia estatal também carece de ações mais consistentes, visto que a maior parte de nossas ações
concentra-se na sua profissionalização. Enfim, como diz o velho, mas nunca esquecido, ditado, “um
outro Mundo é possível”.
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__________. Democracia y representación. Revista Reforma y Democracia, Caracas, nº10, p.7-44,
1998.
__________.Sobre o desenho do Estado: uma perspectiva agente x principal. In: BRESSER PEREIRA,
Luiz Carlos e SPINK, Peter (Orgs.). Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. Rio
de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998, cap. 2, p. 39-73.
SANTOS, Luiz Alberto dos. Reforma admnistrativa no contexto da democracia: a PEC nº173/95 e sua
adequação ao Estado brasileiro. Brasília: DIAP, 1997.
SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada (Vol.1). São Paulo: Editora Ática, 1994.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL. Site na Internet. 2002
(www.uergs.rs.gov.br)
Resenha Biográfica
Aragon Érico Dasso Júnior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais (PUCRS) e em Letras
(UFRGS); especialista em Ciência Política (PUCRS), Estudos da Linguagem (UFRGS) e Políticas de
Integración (UNLP); mestre em Ciência Política (UFRGS) e em Integración Latinoamericana
(UNLP); e doutorando em Direito (UFSC) e em Derecho (UNLP). É Técnico Científico e docente da
Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH), atualmente exercendo a função de
Assessor Técnico da Secretaria da Coordenação e Planejamento do Estado do Rio Grande do Sul.
Também exerce a docência na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e na Secretaria
Municipal de Educação de Porto Alegre (RS).
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VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002
Secretaria da Coordenação e Planejamento do Estado do Rio Grande do Sul
Avenida Borges de Medeiros 1501, 5º andar – CEP 90119-900 - Centro
Porto Alegre – Rio Grande do Sul – Brasil
Telefone: 55 51 3288-1429
Fax: 55 51 3226-9722
E-mail: [email protected] ou [email protected]
Quadro 1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL - UERGS
Área de Gestão Pública
Programa de Pós-Graduação Lato Sensu
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA PARTICIPATIVA
(De acordo com as normas do Conselho Nacional de Educação,
Resolução CES nº 1, de 3 de abril de 2001).
Módulos Temáticos (disciplinas) e Carga Horária do 1º Curso
Módulo 1: Oficina de Pesquisa I - 15h
Troca de experiências e de soluções de problemas com base nos pré-projetos apresentados para
ingresso no curso com o objetivo de identificar questões de gestão pública que deverão orientar cada
aluno na busca de sua Linha de Pesquisa para a realização da Monografia Final. Introdução à pesquisa.
Módulo 2: Introdução à Construção do Novo Conhecimento - 30h
Os principais paradigmas filosóficos e epistemológicos da contemporaneidade. A relação constitutiva
entre processos vitais e processos de conhecimento. Tipos de saberes. Causalidade e complexidade.
Módulo 3: Formação do Estado brasileiro - 45h
Herança patrimonial e estamento burocrático. O público e o privado. A reforma neoliberal do Estado e
da administração pública no Brasil (EC # 19/1998). Centralização e descentralização. Município e
poder local. Formação histórica e política do Rio Grande do Sul.
Módulo 4: Política e Cidadania - 30h
Atores e instituições políticas no Brasil contemporâneo. A construção histórica dos direitos (civis,
políticos e sociais): a cidadania. Instrumentos legais de controle social. Movimentos sociais: gênero e
raça. Exclusão e inclusão social. Hegemonia e contra-hegemonia. Democracia e democracia
participativa. Experiências inovadoras em gestão pública.
Módulo 5: Agenda Contemporânea – 30h
Globalização, erosão do Estado-Nação, crises de identidade (nacional e regional). Agenda pública vs.
agenda da mídia. Relações internacionais. A formação de blocos regionais.
Módulo 6: Desenvolvimento, Tecnologia e Trabalho – 30h
Desenvolvimento autônomo e sustentável: as questões ambiental e urbana. Mercado e desenvolvimento
regional. Novas tecnologias e as transformações no mundo do trabalho. Tendências e alternativas.
Módulo 7: Comunicação Pública – 30h
Comunicações e contemporaneidade. Formação e pesquisa da opinião pública. Comunicações no
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Brasil: história, características e legislação básica. Instrumentos: assessorias de imprensa, Relações
Públicas e Publicidade.
Módulo 8: Direito e Finanças Públicas – 45h
Principais normas jurídicas que regem a relação Estado e sociedade no Brasil contemporâneo:
licitações, contratos administrativos, terceirização de serviços, agências reguladoras, Estatuto do
Servidor Público, Lei de Responsabilidade Fiscal. Orçamento e dívida pública.
Módulo 9: Oficina de Formação e Avaliação de Políticas Públicas – 45h
Processo de formação e implementação das políticas públicas. Elaboração de programas e projetos
sociais: fontes de financiamento e captação de recursos. Análise de políticas sociais. Gestão da
informação. Monitoramento e Avaliação. Indicadores, índices e parâmetros.
Módulo 10: Oficina de Planejamento Estratégico Participativo (PEP) – 45h
Introdução ao PEP de Carlos Matus. Diferenças entre as visões de planejamento. Participação dos
atores sociais: a questão do conflito. Os momentos explicativo e normativo; estratégico e operacional
do PEP.
Módulo 11: Oficina de Pesquisa II – 15h
Troca de experiências no sentido de articular a construção dos projetos e identificação das Linhas de
Pesquisa para desenvolvimento da Monografia Final de cada aluno, aproveitados os conteúdos dos
módulos do Curso. Elaboração de monografias.
Monografia Final
Cada aluno escolherá e será acompanhado por um professor-orientador do Curso de Especialização em
Gestão Pública Participativa.
As Monografias Finais (relatos, projetos, estudos de caso) deverão contribuir com a pesquisa e a
análise crítica de temas e questões pertinentes ao esforço de construção de um Novo Estado e de
consolidação de uma gestão pública participativa no Rio Grande do Sul, stricto sensu ou aplicada às
áreas de atuação prioritária da UERGS, isto é, Saúde, Educação, Desenvolvimento de Sistemas
Agrícolas, Desenvolvimento de Produção Industrial e Meio Ambiente.
Estrutura Acadêmica do Curso
O Curso de Especialização em Gestão Pública Participativa está estruturado em 11 (onze) módulos
(disciplinas) e uma Monografia Final sendo que:
a.
sete são módulos temáticos (disciplinas), num total de 240h:
Introdução à Construção do Conhecimento
Formação do Estado Brasileiro
Política e Cidadania
Agenda Contemporânea
Desenvolvimento, Tecnologia e Trabalho
Comunicação Público
Direito e Finanças Públicas
b.
quatro são oficinas de práticas de gestão pública participativa, num total de 120h:
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Oficina de Pesquisa I
Oficina de Formação e Avaliação de Políticas Públicas
Oficina de Planejamento Estratégico Participativo (PEP)
Oficina de Pesquisa II
c.
a Monografia Final prevê um total de 15h de orientação por parte de um professororientador.
Integração entre ensino, pesquisa e desenvolvimento
O aluno será estimulado desde o processo seletivo a identificar questões relevantes de sua prática
profissional de gestor/agente de políticas públicas. Na primeira disciplina – Oficina de Pesquisa I – este
processo será aprofundado e o aluno terá a oportunidade de, a partir de sua experiência concreta e
simultaneamente ao curso, ir construindo o objeto e identificando a Linha de Pesquisa que o levará ao
desenvolvimento da Monografia Final. O projeto da Monografia deverá ser definitivamente articulado
no último módulo de conteúdo do curso (Oficina de Pesquisa II).
A integração entre ensino/pesquisa/desenvolvimento será buscada permanentemente em articulação
com os objetivos e com o perfil do egresso que orientaram toda a concepção do curso em sintonia com
a proposta da UERGS.
22
Download

O papel do servidor público num Estado democrático e participativo