XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
Interesse público e interesse do Estado: definição da agenda política
Juan Mozzicafredo
INTRODUÇÃO
A reflexão que aqui se pretende apresentar tem por objectivo pensar a reforma da
administração, enquanto inserida no contexto do debate da delimitação das funções do Estado e
segundo o que se entender por interesse público. Isto quer dizer que, para além dos programas de
reforma e de eficiência que estão em andamento – em consequência de outros programas anteriormente
iniciados, mais ou menos eficazes –, importa pensar como modernizar, e democratizar, o próprio
Estado de direito numa sociedade democrática. A discussão do interesse público parece-nos essencial
ao processo de debate sobre a reforma da administração pública. Deve, porém, ficar claro que este
debate e reflexão não é substitutivo dos necessários programas de melhoria da eficiência e da
organização da administração pública.
Ora bem, pensemos, por um lado, como analisar o interesse público, e, por outro, quais as suas
consequência sobre a gestão pública, num processo de reforma que torne mais equilibrado o binómio
da necessária eficiência com a necessária equidade. Digamos, a título de metáfora, que o interesse
público é como o amor, que muda segundo o tempo, o espaço e as circunstâncias. As alterações, quer
do interesse público, quer do amor, resultam do sentir e das expectativas dos indivíduos, numa dada
época e das necessidades e possibilidades, divergentes e dinâmicas, que os mesmos experimentam e
para o qual, financeira e emotivamente, contribuem.
É neste contexto de gestão pública - de construção da agenda pública e da tomada das decisões que se nos afigura de utilidade analítica colocar a questão da coincidência ou descoincidência entre o
interesse público, o interesse do Estado e o interesse dos indivíduos. É esta conflitualidade que, por um
lado, questiona as formas da gestão pública, do tipo de administração pública e das funções do Estado
e, por outro, organiza a mudança das sociedades e das formas de governação (Lane, 2009).
INTERESSE PÚBLICO E GESTÃO PÚBLICA
Interessa abordar a problemática do interesse público nas suas várias implicações. A noção de
interesse público não pode ser visto como uma entidade ou conceito dado e estabelecido de uma vez ou
como um processo de formação já realizado e, portanto, imutável. Na nossa perspectiva, a delimitação
do interesse público, enquanto noção modelar, depende do tempo, do espaço e da circunstância. A ideia
de interesse público é fluida, vaga e ambígua e, ao mesmo tempo, é um padrão de concepção de uma
sociedade, central para o governo e para o Estado democrático.
De forma a podermos captar mais especificamente a concepção de interesse público como
padrão modelar da acção política e justificação da organização da sociedade, em diferentes momentos,
interessa decompor as várias dimensões que o compõem (Bozeman, 2007). Pensamos que pode ser de
utilidade analítica, no quadro da relação entre reforma da administração e funções do Estado,
apresentar duas formas de abordar a questão do interesse público: (1) a dimensão sistémica; (2) a
dimensão programática e gestionária do interesse público ou a gestão pública dos recursos colectivos
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DIMENSÃO ORGANIZACIONAL DO INTERESSE PÚBLICO
Entendemos por dimensão organizacional do interesse público a delimitação e reformulação
efeito complexo da interacção dos actores e das estruturas sociais – do modelo de organização da
sociedade ou de equilíbrio entre os seus subsistemas de acção. Trata-se da ideia de que o interesse
público, como padrão ético, valorativo e organizacional sobre o que é uma boa sociedade ou sobre o
bem comum (Cochran, 1974), é circunstancial à evolução da sociedade e da sua complexidade e,
igualmente, ao desenvolvimento da lógica da cidadania. A ideia de interesse público é paralela à
concepção de serviço público e de Estado de direito e tem variado segundo o tempo e o espaço. Sem ir
mais longe, no tempo das democracias liberais do século XIX, a concepção de serviço público ou de
regulação pública do Estado, limitava-se as funções essências de soberania, segurança e ordem pública,
infra-estruturas de comunicações, energia, escolas básicas e poço mais. As restantes actividades, de
ordem económica e social, eram deixadas ao livre jogo do mercado (muito embora a não regulação era
igualmente uma forma de intervenção) ou negligenciadas, como era o caso da integração social.
O que era considerado interesse público era o padrão organizativo resultante da confrontação
dos interesses particulares, por contraposição à ideia de o interesse público ser assumido como a
multiplicação das actividades de regulação, por parte do poder político e, assim, foi definido como
tendo uma posição de exterioridades face aos interesses particulares da sociedade (Chevallier, 1999).
Todavia, no contexto do problema da delimitação do interesse público que nos ocupa actualmente, é a
partir do Estado que a sociedade se torna inteligível e decifrável: a esfera privada e a esfera pública são
o quadro de referência no qual, num momento dado, o interesse público vai sendo definido e alterado,
configurando o papel do Estado na sociedade.
Foi este processo que, a partir do final do século XIX, a ideia do que era ou devia ser o interesse
público, nas sociedades europeias, vai tomando forma. Quando se diz que é a partir do Estado que a
sociedade se torna inteligível, isto significa que o Estado materializa, num momento dado, o que se
reconhece, na formulação de Esping-Andersen (2002), como a good society, enquanto filosofia política
de organização da sociedade. A estrutura institucional, as políticas públicas, as formas de regulação
social e económica e a distribuição de poder na sociedade constituem a materialização – em carta
constitucional - da forma como se organiza a sociedade. Este entendimento, porém, é conflitual e
resulta da reflexão que a sociedade estabelece num dado tempo. A agenda do que se entende,
actualmente, por interesse público tem vindo a deslocar-se para outros rumos.
Nesse sentido, e de maneira diferente do que se entendia anteriormente como boa sociedade, o
interesse público diz hoje respeito a forma de como podemos ou devemos afectar os recursos
colectivos. Parece-nos que o centro da questão está no equilíbrio entre os princípios de equidade e de
justiça social (caminho feito pela ideia de solidariedade, estrutural à good society do Estadoprovidência) e o do desenvolvimento económico da sociedade. A coincidência entre o bem-estar
individual e o colectivo pode ser visto, hoje, como o critério que define, ainda a este nível abstracto da
dimensão sistémica, o que é a boa sociedade.
A preocupação com o investimento em tecnologias e em novas formas de produção e de
mercado, a preocupação com os sistemas de protecção social e o investimento em qualificação técnica
e profissional na população activa e qualificação geral, parecem ser as áreas dominantes da afectação
dos recursos colectivos. As políticas familiares de apoio à inserção no mercado de trabalho, e as
políticas de inclusão social em parte desligadas da esfera do trabalho (as políticas de cidadania), podem
serem vistas como um investimento social que acrescenta, ou que devem acrescentar, como diria Rawls
(1978), produtividade ao sistema, para benefício de todos.
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O drama da sociedade democrática actual é o papel central do jogo dos actores e dos conflitos
de interesses – a tensão entre os direitos dos cidadãos – numa estrutura de valores partilhados
(Gardener, 1991 e Mozzicafreddo, 2000). No nosso sistema, o bem comum, o que entendemos por boa
sociedade, é a sustentabilidade da organização social, no contexto da legitimidade, como sugere
Gardener, na qual todos os indivíduos prosseguem as suas visões e desenvolvem formas de interacção
que torne o sistema suportável e aproveitável. Todavia, esta reorganização permanente da sociedade
não é sem conflitos nem é sem reformulação do que é a good society. Acontece, porém, que construir
uma colectividade de valores, noção partilhada de interesse público e de materialização em propostas
programáticas e mecanismos operacionais, não é nem linear nem sempre pacífico.
O modelo clássico de Estado-providência, onde o interesse público assenta na partilha de
valores de regulação e redução das incertezas sociais e económicas presentes na sociedade, tem vindo,
na nossa sociedade, a apresentar disfuncionalidade que, não pondo em causa a totalidade do modelo,
são suficientemente importantes para não serem negligenciadas no debate sobre as funções do Estado e
na delimitação do que é hoje o interesse público. A este respeito, sublinhe-se, por um lado, o efeito de
dualidade produzido pelas políticas públicas de integração social, na área social e educativa, que,
apesar dos mecanismos de transferências monetárias e de programas operacionais, a melhoria
significativa de uma grande parte da população, coexiste com a persistência estrutural de exclusão
social de um segmento significativo da mesma população. Por outro lado, os novos desafios da
competitividade e da economia do conhecimento, não poderão continuar a serem enfrentados com mais
impostos, mais despesas públicas, com homogeneidade de benéficos sociais sem reciprocidade
contributiva ou produtiva e, ainda, com o mesmo tecido produtivo, baseado na baixa qualificação e,
portanto, nos baixos rendimentos. Também neste domínio a reformulação das funções do Estado e da
administração, estrutura de concretização das políticas públicas, exige um largo debate e acordos
consensuais sobre o que é, na actual evolução complexa da sociedade, o interesse público.
Assinale-se, por último, um outro factor de disfuncionalidade que, entre outras razões, limita o
alcance, equitativo e competitivo, da regulação política da sociedade. Trata-se de se confrontar com a
acomodação dos interesses, inscritos nos direitos e benefícios, sistemicamente consagrados, que, de
maneira diferenciada, é regulado pela prática institucional. Encontra-se, assim, a regulação dos
interesses de grupos socioprofissionais nas instituições sociais (segurança social, acção social,
diferenciação de benefícios de reforma – idade e critérios - e de acumulação de benefícios, etc.), bem
como a regulação de sectores económicos (empresas sem capacidade inovadora e competitiva,
subsistindo com base nos baixos salários e incentivos e persistentes mecanismos de apoios financeiros
e negligência nas obrigações fiscais, etc.). Para além disso, estas formas de regulação encontram-se
igualmente na regulamentação laboral, nomeadamente na persistência de dualidade de tratamento: por
um lado, numa significativa protecção dos integrados no sistema laboral e negligência para os
excluídos (trabalho precário, desemprego de longa duração, etc.), relativamente ao emprego no sector
privado e, por outro, diferencias, entre o emprego público e o privado, no que se refere, entre outros, às
garantias de trabalho, de promoção e de benefícios remuneratórios. Estes elementos de
disfuncionalidade limitam a legitimação alargada do interesse público consagrado numa determinada
época.
Digamos, em síntese, que, relativamente à perspectiva sobre o interesse público, existem, em
termos latos, três quadros de interpretação: (i) o interesse público em consonância com a definição
legal e constitucional, assente numa ideia mais tradicional, mas que, no entanto, não pode ser
negligenciada; (ii) o interesse público como a representação da agregação dos interesses particulares
legítimos, ou seja, como optimização das escolhas individuas, na sua racionalidade contingente da
aplicação do auto-interesse, como clientes, assente sobretudo na teoria do public choise e, em parte, na
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new public management aplicada à Administração pública; (iii) o interesse público como resultado do
contrato social da escolha pública dos cidadãos e da delimitação pelo Estado na complexidade de
compatibilização de lógicas contraditórias. Neste último caso, a escolha pública pelos cidadãos não
pode deixar de estar inserida num contexto de deliberação pública acerca da dinâmica dos valores
partilhados, sem que esta dinâmica deliberativa esteja demais próxima da expressão factual dos
interesses.
1.
Conflitualidade entre o interesse público e o interesse do Estado
Importa, neste debate sobre o que se entende por interesse público, equacionar os parâmetros
possíveis, em jeito de balanço, da correspondência ou não do interesse público com o interesse que o
Estado integra. Isto especialmente no que se refere aos efeitos das políticas públicas que se repercutem
mais favoravelmente nos grupos sociais com maiores capacidades de mobilização, de proximidade
institucional e de influência política (nomeadamente, ordem profissionais, organismos públicos,
confederações socioprofissionais e económicas, C.E.S., agentes políticos e institucionais, sector
empresarial público), do qual resulta uma relativa cativação ou apropriação do interesse público por
parte dos interesses particulares inscritos na constelação do Estado. No seguimento deste raciocínio de
conflitualidade - descoincidência - pensamos que há, pelo menos, quatro grandes motivos para a
mudança ou reconfiguração, na concepção do interesse público na actual sociedade:

A simultaneidade entre os indicadores de melhoria das condições gerais de bem-estar dos
cidadãos e a persistência estrutural de assimetrias sociais, laborais e educativas;

Malgrado a regularidade de crescimento económico, pelo menos de duas décadas seguidas
(independentemente da actual crise financeira), a sustentabilidade e a competitividade do sector
económico encontra-se significativamente esgotada como modelo de desenvolvimento;

A tensão entre os direitos dos cidadãos – traduzida na conflitualidade da diversidade de papéis
desempenhados pelo indivíduo, ao mesmo tempo, contribuinte, beneficiário e eleitor – cresce
regularmente, por um lado, numa época de diferenciação, de mobilidade social e de exclusão social e,
por outro, face aos gastos públicos e aos constrangimentos financeiros que se apresentam aos
indivíduos e às empresas;

A situação paradoxal entre o aumento das funções públicas – em razão da complexidade
crescente da sociedade, da necessidade em reorientar o desenvolvimento e do que se entende como
interesse público – e o imperativo em limitar as despesas face aos constrangimentos financeiros,
orçamentais e fiscais.
Acresce a estas situações de disfuncionalidade do modelo um outro elemento que interfere
significativamente com a definição, elaboração e concretização do interesse público e da afectação dos
recursos colectivos. Na nossa perspectiva a cativação do Estado pelos interesses particulares ou
associativos, prende-se com o debate da descoincidência entre a legitimidade processual e a
legitimidade funcional. Sem aprofundar demais aqui esta questão, importa, porém, assinalar que aquilo
que é o resultado da escolha individual democrática pode – e frequentemente é – vir a ser limitado,
senão alterado, em sede de negociação institucional. A legitimidade processual democrática, base das
orientações sistémica e programática do interesse público, pode, assim, ser descaracterizada no decurso
dos mecanismos da legitimidade funcional, onde, por vezes, o particularismo institucional é a base do
consenso entre parceiros.
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Entende-se o particularismo institucional como as práticas, os acordos implícitos ou mesmo
institucionalmente consagrados (Conselho Económico e Social, obrigação sistemática de consulta aos
corpos socioprofissionais acerca de inúmeras situações normativas, etc.) que, ao nível da esfera pública
e institucional, promovem ou encorajam práticas de acordos, negociações, compensações de arranjos
específicos entre grupos socioprofissionais e os corpos do Estado (Ferrera, Hemerijk e Rhodes, 2000),
ou seja, as práticas que encorajam o corporativismo e as relações clientelares, onde não é raro observar
a mistura de agentes privados e públicos nas instituições públicas (Ferraz, 2008), limitam a eficácia do
controlo, da fiscalização e da observância das normas (Mozzicafreddo, 2006). Neste contexto, as
acções administrativas, consistentes no normal prosseguimento dos dossiês, no andamento dos
inquéritos e avaliações, tornam-se, com excepção de algumas exemplares acções fiscalizadoras com
forte impacto mediático, casuísticas e instrumentais. Por outro lado, as acções políticas, nomeadamente
de concertação e negociação entre interesses dos grupos profissionais e o interesse do Estado e dos
corpos políticos do momento, introduzem alguma distorção no princípio da escolha pública e da
afectação produtiva dos recursos colectivos. Observe-se, contudo, que o particularismo institucional,
sendo uma realidade política inerente aos regimes democráticos, onde a pluralidade de interesses, as
necessidades de alianças políticas que apoiam a estabilidade dos governos, fazem parte das estratégias
dos executivos, não pode limitar os objectivos e a legitimidade democrática nem, o que é por mais
evidente, apresentar-se como uma das características mais salientes no lugar de um modelo de ética
política e de isenção publica.
Resulta, assim, desta perspectiva analítica que o padrão modelar do interesse público, que tem
efeitos sobre as funções do Estado e a reforma da administração, tenderá a incorporar no modelo
vigente, alguma alteração na delimitação do que deve ser a boa sociedade e a partilha de valores
susceptível de renovar o contrato social da organização das sociedades. A dificuldade é que a alteração,
nestas circunstâncias, de alguns dos parâmetros que definem o interesse público, não implica
necessariamente o abandono das concepções de interesse público, forjadas na evolução democrática
das sociedades, e que hoje apresentam disfuncionalidades. Será, portanto, necessário repensar a
importância, a modulação e o significado de alguns dos aspectos da padrão modelar de interesse
público que até agora tem orientado as políticas públicas e a forma de organizar a sociedade.
2. Elementos de reformulação sistémica do interesse público
A redefinição do padrão de interesse público parece impor-se devido a sobreposição de
perspectivas diferentes e contraditórios do que é o interesse público, nomeadamente uma economia
sustentado e abrangente a todos os sectores sociais e laborais. Por outro lado, esta situação de políticas
casuísticas e compensatórias descaracterizam, de alguma maneira, o modelo de organização social
resultante das escolhas públicas individuais nas actuais sociedades democráticas
Em primeiro lugar, a questão da reorientação da actividade económica, na senda da economia
do conhecimento e da inovação tecnológica, implica apostar nos sectores mais produtivo e inovadores
capazes de obter ganho de competitividade, de forma a obter um crescimento da economia e do
emprego sustentável. Ora, a situação actual tem efeitos, tanto nas condições actuais de diminuição da
capacidade competitiva do tecido empresarial e, criação de empregos, como na diminuição das receitas
colectivas, nomeadamente as contribuições fiscais e da segurança social. As actuais funções
económicas do serviço público do Estado, tais como programas industriais, estímulos, incentivos e
isenções às actividades das empresas – e, particularmente à acomodação, quer ao binómio estabilidade
do emprego e moderação salarial, quer à absorção do desemprego pelo aumento do emprego público
desqualificado – retardam a necessidade de reorientação do modelo de desenvolvimento.
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Ora, esta situação de acomodação relativamente à manutenção de interesses de grupos
económicos e socioprofissionais e organismos que orbitam na configuração política do Estadoprovidência, é sobretudo injusta e improdutiva para os sectores e indivíduos que apostam na inovação e
na competitividade e suportam, fiscalmente, a carga dos sectores mais ineficientes e sem atitude de
renovação das suas práticas profissionais (no trabalho e no capital). Será, portanto, necessário, pensar
de maneira diferente o papel selectivo da escolha pública nas políticas de reorientação do
desenvolvimento económico e de regulação das oportunidades de competitividade.
Em segundo lugar, uma economia do conhecimento, baseado no uso intensivo da qualificação e
dos avanços tecnológicos irá criar novas desigualdades que, mesmo o processo normal de formação e
de educação alargado, enfrentará dificuldade em se adaptar ao mercado e evitar novas formas de
exclusão social. Nesse sentido, se a comunidade não estiver disposta aceitar, como assinala EspingAndersen (2002), a existência de uma economia de serviços pouco qualificados e de segmentos
laborais com rendimentos moderados, será difícil evitar o desemprego. Neste contexto de
competitividade e de reajustamento da actividade económica e laboral, os rendimentos de baixos
salários, os empregos menos qualificados e o trabalho precário dificilmente poderão ser evitados. Ora,
nessa situação, como compensar e diminuir os efeitos, tanto sobre a exclusão social, como sobre a
protecção social e o crescimento das despesas. Será portanto necessário repensar o conceito de direitos
sociais e a sua tradicional aplicação universalista para situações diferentes.
Assim, a reformulação do interesse público e, portanto, neste contexto, das funções do Estado e
da administração, implicam repensar a noção de igualdade. De forma a ter em conta as situações
diferentes, a selectividade das políticas sociais e de protecção social implicam definir uma desigualdade
de oportunidades a partida de forma a propiciar uma igualdade de oportunidade à chegada. Na
formulação de Rawls (1978), as “desigualdades” só podem ser aceitáveis desde que permitam
maximizar as possibilidades de melhores oportunidades para todos: qualquer ganho de eficiência (e de
competitividade) deve trazer mais vantagem aos mais desfavorecidos e sempre que tal ganho seja
benéfico para a sociedade no seu todo1. A situação não é simples de equacionar, nem é calma a sua
resolução. Apenas uma concepção que, ao mesmo tempo, alie as mudanças na esfera da economia e do
emprego, com fortes sistemas de protecção e de inclusão social, de forma a aumentar as possibilidade e
oportunidades de limitar a desqualificação e a exclusão estrutural, poderá ter reconhecimento e
legitimidade enquanto acção do poder político.
Chegado a este ponto, interessa agora referir, enquanto orientações gerais, os temas que se
apresentam, nesta perspectiva, como os mais pertinentes na reformulação do interesse público.
Redefinir o interesse público numa perspectiva que integre e transforme o nosso padrão de valores
partilhados, no que se refere a configuração política que organiza a sociedade, de forma a ultrapassar as
disfuncionalidades e dualidades das práticas institucionais e políticas. De maneira sintética, afigura-senos que, os seguintes elementos representam as reflexões, as expectativas e as possibilidades
perspectivadas nas actuais sociedades europeias sobre o que parece ser mais premente na reformulação
do interesse público:
1 Qualquer ganho de eficiência deve trazer mais vantagem para os mais excluídos: a flexibilidade labor, por exemplo, só
será uma estratégia em que todos ganham se da combinação de criação de mais postos de trabalho e os seus
correspondentes efeitos salariais, resultar um ganho relativo para os mais desfavorecidos (desempregados, empregos
precários ou excluídos e sempre que tal ganho seja benéfico para todos. cf. Esping-Andersen (2002).
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As políticas de coesão social e de equidade pública na afectação democrática e produtiva dos
recursos públicos, assegurando um equilíbrio complexo da interacção dos diferentes sectores da
sociedade, afiguram-se mais central no interesse público, do que a reprodução de uma sociedade,
baseada numa normatividade igualitária, mas dualista (insiders / outsiders);

A responsabilidade e a transparência e a imparcialidade dos actos públicos e privados,
enquanto práticas e valores éticos e profissionais da sociedade e das instituições;

A reorientação das funções públicas e do investimento privado no desenvolvimento
tecnológico, na investigação e qualificação favoráveis ao processo de inovação e de abertura de
mercados competitivos;

A procura de equilíbrio entre diferenciação económica e laboral e a protecção social dos
segmentos excluídos e inscritos na estrutura de reprodução das desigualdades de base: a combinação
entre flexibilidade laboral e económica e a protecção social selectiva;

A relação entre as competências decisórias na definição do interesse público e as capacidades
abrangente - parcerias público-privada - de execução das políticas de desenvolvimento económico e
social. Podemos dizer, parafraseando Weber, que o Estado – enquanto materialização da escolha
pública – tem o monopólio da definição do interesse público, mas não tem necessariamente o
monopólio das modalidades do serviço público.

DIMENSÃO PROGRAMÁTICA E GESTIONÁRIA DO INTERESSE PÚBLICO
Entendem-se por dimensão programática e gestionária a materialização, em programas
estratégicos de orientação prática e institucional, do modelo de interesse público partilhado. Considerase que a dimensão programática e gestionária do interesse público é a justificação dos governos
existirem: resulta basicamente da interacção entre a escolha pública dos cidadãos e os procedimentos
organizacionais.
Diferentemente do mercado, que se actualiza com as iniciativas dos indivíduos e com as suas
interacções, a materialização do interesse público, em programas de acção, exigem objectivos
colectivos e esforço colectivo na procura de equilíbrio entre as lógicas legítimas mas contraditórias. A
dimensão programática – ou a sua tradução prática em programas de acção, mecanismos e instituições
que concretizam o interesse público – inscreve-se na lógica das políticas de regulação (Majone, 1996)
das orientações práticas, tanto na coesão social e equidade pública, na inovação e competitividade,
como nas políticas de responsabilidade, isenção e de igualdade de oportunidades. Políticas de
regulação que têm – e tiveram – por objectivo limitar ou ultrapassar as disfuncionalidades do mercado,
praticar a pluralidade de interesses e equilibrar a tensão entre os direitos dos cidadãos e os
constrangimentos financeiros da sociedade.
1. Elementos de operacionalização da dimensão gestionária do interesse público
Na perspectiva da dimensão programática e gestionária do interesse público colocam-se
algumas questões de operacionalização destas políticas de regulação. Apresentam-se algum dos
factores a ter em conta.

Em primeiro lugar, quando se fala de pluralidade de interesses, como orientação da dimensão
gestionária do interesse público, trata-se de distinguir o interesse público dos interesses particulares.
Como acima assinalámos, entende-se o interesse público como resultante, circunstancial, da
deliberação e dos compromissos das escolhas públicas dos cidadãos. A compilação ou concertação de
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interesses particulares, ou seja, o somatório dos diferentes interesses particulares não é equivalente ao
interesse público. Da acção dos grupos de interesses, da justificação e acumulação de escolhas
individuais ou particulares, da reivindicação de estatuto, posição ou situação social específica, não
resulta necessariamente a definição do interesse público. Os efeitos directos e indirectos, as
consequências a curto ou médio prazo das políticas de regulação, podem não estar em consonância com
as necessidades expressas pelos diferentes grupos de influência, sejam eles económicos, sociais ou
regionais.
Interessa, neste contexto, destacar a importância da articulação entre o interesse público e os
interesses privados, na medida em que tem efeitos na reformulação do interesse público e na dimensão
gestionária. Trata-se de focar o problema da captação ou cativação do Estado – e, portanto, do interesse
público – pelos interesses privados em estreita proximidade com o próprio Estado. Nas situações de
particularismo institucional – clientelismo e insuficiente isenção – o interesse público encontra-se em
contradição com o exercício de poder dos interesses do Estado ou de segmentos que controlam parte
dos mecanismos de poder do Estado. Este procura manter a proximidade da relação assistencial e
clientelar, com a aceitação dos interesses particulares, que, dessa maneira, lhe confere estabilidade
política, consenso institucional e apoio de grupos ou corporações. A administração pública, mesmo que
relativamente alheia a esta captação, ressente-se desse facto na sua orgânica e nas suas práticas de
limitada autonomia profissional. Daí que a reforma da administração, àquela que é a mais significativa,
ou seja, as suas funções, resulte, principalmente, da reformulação da articulação entre o interesse
público e os interesses privados.
Portanto, a delimitação do interesse público e a sua consequência na tradução de programa e
formas de gestão do mesmo, obedecem ou deveriam obedecer aos critérios sistémicos modelares da
acção política e não as formas casuísticas ou assistenciais relativamente aos interesses particulares.
Todavia, a importância dos grupos de interesses na reformulação do interesse público e no resultado
final das políticas públicas, não pode ser negligenciada.
Por um lado, a distribuição social do poder e de influência dos grupos de pressão, quaisquer que
eles sejam, pode certamente influir nas políticas, como é matéria visível no universo institucional
Português, mas, mesmo assim, existe espaço para uma diversidade de resultados em conformidade com
as legitimidades da acção política e o papel de regulador e árbitro das decisões vinculante. Por outro
lado, equacionar o poder do Estado enquanto capacidade de criação de mecanismos de poder e de
orientação do desenvolvimento (o C.E.S., os programas específicos ou, ainda, as instituições como as
CCR’s o IEFP ou o IAPMEI, por exemplo2) é um elemento necessário à compreensão da autonomia de
acção política do Estado face aos grupos de pressão. Neste sentido, pensar o Estado como uma
estrutura de distribuição ou de dispersão de poder, como actor político de acção racional, apoiado na
definição do interesse público, com competência próprias nas escolhas públicas e na selectividade das
decisões, é diferente de pensá-lo como uma arena onde os interesses particulares dos grupos de pressão
e influência interactuam.
A revalorização das instituições políticas e do próprio sistema político, estão na base desta
capacidade de acção política autónoma face aos interesses particulares (Mozzicafreddo, 1998). O
debate desenvolvido nos últimos anos, sobre as implicações do interesse público e sobre as formas de
operacionalizar a sua dimensão programática, evidenciam a revalorização das instâncias políticas.
2 C.E.S.: Conselho Económico e Social; CCR´s: Comissão Coordenadora Regionais; IEFP: Instituto de Emprego e
Formação Profissional; IAPMEI: Instituto de Apoio as Pequena e Médias Empresas Industriais
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Acresce, ainda, que determinadas competências do sistema político, tais como a existência de
um pessoal especializado, a centralização administrativa sobre um dado território, a captação dos
recursos financeiros e o monopólio da capacidade de definição, em termos de regras de direito e de
legitimidade, o capacitam para implementar objectivos políticos definidos na instância política central
(Evans, Rueschemeyer e Skocpol, 1985).

Em segundo lugar, interessa pensar a distinção e a especificidade de duas formas de gestão
pública: a dimensão instrumental dos actos e dos procedimentos e a dimensão estratégica racional ou
de razão prática, como diria Habermas (1997), dos actos públicos e do interesse público. Sem deixar
de ter em conta a legitimidade de ambas as dimensões, importa reflectir sobre a sua articulação e
complementaridade. O poder administrativo, porque instrumental e sistémico, assenta na legalidade
(uniformização de procedimentos) e na eficiência (custo-benefício do acto financeiro) como fonte de
justificação. A dimensão estratégica racional, ou razão prática, assenta sobretudo, na avaliação
complexa do acto (analise do resultado directo e indirecto; à curto ou a médio prazo; ganhos de
produtividade diferida, função social a realizar) relativamente à matéria ou ao sujeito em causa e, ainda,
no processo deliberativo e integrativo das diferentes dimensões do interesse público (Kelly, 2004).
Todavia, desde que o Estado penetra cada vez mais na vida quotidiana dos indivíduos e dos
sectores sociais e, por outro, dado que a administração é cada vez mais a administração da sociedade,
seja de forma directa ou, preferentemente, indirecta, a razão instrumental não é suficiente ou aceitável
como única justificação da acção das políticas públicas. Sendo esta justificação pertinente no interior
do funcionamento do sistema, carece de maior abrangência no mundo da vida, na medida em que a
justificação não-instrumental da acção assenta na legitimidade e reconhecimento da equidade das
políticas públicas. Dito de outra maneira, cada sistema de acção tem o seu código próprio: o código do
custo ou da rentabilidade económica do acto, no sistema de acção financeiro, não é simplesmente
compatível ou transponível para um outro código de um outro sistema, tal como a função social, a
prevenção dos riscos de saúde, a estratégia de longo prazo da inovação e desenvolvimento tecnológico
ou a trajectória de preparação e qualificação para a vida profissional.
Acontece que na política do dia-a-dia, o funcionamento assente principalmente na racionalidade
instrumental, isola o Estado da esfera pública, dificultando a legitimidade, por parte dos cidadãos, das
políticas públicas. O processo da accoutability, caso fosse efectivo, poderia introduzir alguma
avaliação substantiva, e não apenas instrumental na avaliação complementar da eficiência e da
equidade dos actos públicos (Wolf, 2000). Como refere Kelly (2004), a ideia de democracia parecer ser
nada menos que a execução da vontade política na mais eficiente forma possível.
2. Reformulação da dimensão gestionária do interesse público
Chegado a este ponto importa abordar uma outra dimensão da operacionalidade do padrão
modelar do interesse público, também na sua dimensão gestionária. Na reformulação dos princípios do
padrão do interesse público, fizemos menção à necessidade, por razões do encargo financeiro e da
omnipresença da administração directa da sociedade, da abertura para a esfera privada, parcerias ou
delegações, do papel que o Estado detém na regulação da sociedade.
Ora, a concepção basilar do serviço público é que o Estado detém a competência vinculante na
definição e do que é o serviço público (Caupers, 2000) e das suas características que o definem:
acessibilidade, suporte financeiro, normas e procedimentos de aplicação, regularidade e qualidade dos
mesmos.
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Mas essa competência do Estado na definição do que é um serviço público e de quais são as
suas características, não indica que a execução ou a gestão dos serviços considerados públicos,
sobretudo aqueles que não são essenciais a preservação do núcleo duro do interesse público não sejam
reformulados nas suas diferentes modalidades de execução ou produção, isto é, de gestão delegada ou
contratualizada, sendo que os critérios de acessibilidade, regularidade, qualidade e financiamento
complementar permaneçam regulados pelas instâncias públicas (Trosa, 1999). Pelo contrário, os
sistemas considerados, neste espaço e tempo contingente, essenciais à preservação do núcleo duro do
interesse público, tais como o sistema de educação considerado obrigatório (até o 12º ano), o da saúde
pública, da coesão social e equidade das políticas públicas ou, ainda, o das condições de inovação e
investigação tecnológica para o desenvolvimento económico, importa que a orientação e, nalgum dos
casos, a execução, seja mesmo directa ou indirectamente responsabilidade pública.
Todavia, previamente a essa competência vinculante e de formulação do serviço público está,
por um lado, a reformulação de quais são as funções que devem ser serviço público e, por outro, em
que modalidade que é praticado. Naturalmente que um conjunto de funções que tem vindo a serem
praticadas pelo Estado, tanto no financiamento, como na produção, podem, hoje, não ser
necessariamente as mesmas. Muitas delas já foram alteradas: nomeadamente a privatização de
empresas públicas já fez o seu caminho, a abertura à concorrência, caso das telecomunicações, sem
prejuízo para os contribuintes (mesmo aconteceu o contrário, em termos de preço, qualidade e de
diminuição com os encargos que implicam os organismos públicos) estão hoje reconhecidas pelos
contribuintes e cidadãos, ou, ainda, a instituição de novas funções dos serviços públicos,
particularmente os chamados centros de excelência.
Acrescente-se, ao título de exemplo, que a extinção ou fusão de organismos redundantes na
administração e nos organismos públicos, como aliás foi o Programa de Reestruturação da
Administração Central do Estado, em Portugal (PRACE), iniciada em 2005, bem como a
reorganização dos serviços públicos, no sentido de os dotar de economia de escala (em 2007 foi
estabelecida a GERAP, Gestão Partilhada de Recursos da Administração Pública, em Portugal), de
simplificar os circuitos e os procedimentos formais e, ainda, de agilizar os tempos de resposta, pode ter
efeitos positivos no funcionamento e nos custos. Importa, neste contexto, fazer uma breve referência a
vários exemplos positivos de reorganização de funções, directa ou indirecta, da administração –
nomeadamente os baseados nas novas tecnologias, a utilização da Internet para o pagamento do IRS, o
Centro de consulta de processos de licenciamento de obras (nalgumas das câmaras), o Portal do
Cidadão, o Centro de arbitragem de conflitos de automóveis ou ainda outros exemplos de serviços de
excelência, tais como o Centro de formalidade de constituição de empresas, a Loja do cidadão de 1ª e
2ª geração, etc. – na medida em que demonstra a possibilidade de modernizar o serviço público sem
que, nalguns dos casos, se descaracterize o valor do público.
Interessa, todavia, no contexto da perspectiva de separação entre a definição do serviço público
e das suas características distintivas e a sua modalidade de produção ou execução, introduzir, ainda, um
outro elemento. A operacionalização dos critérios do interesse público, nomeadamente os da coesão
social, o da definição de serviços que promovam a selectividade (diferenciação e heterogeneidade de
benefícios) e políticas propiciadoras de igualdade de oportunidades, bem como o desenvolvimento de
estratégias de inovação e competitividade, implicam uma reformulação das funções que o Estado
detém.
Assim por um lado, não parece adequado, do ponto de vista da utilização de recursos públicos,
contribuições dos cidadãos, que serviços públicos ou sector empresarial público, que prestem serviço a
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um custo de mercado semelhante às empresas privadas3, e que, nalguns dos casos, acumulam
sucessivamente défice público de gestão (Tribunal de Contas, 2004) estejam, em forma de monopólio,
nas mãos do Estado. Por outro lado, também não parece pertinente, na distinção entre interesse do
Estado e interesse público, que outras actividades, sem função social ou sem necessidade de incentivo à
inovação – tais como instituições financeiras, estacionamento municipal, empresas intervencionadas,
empresas municipais, limpeza de ruas e estradas, jardinagem dos espaços públicos, manutenção de
equipamentos e instalações, sector público empresarial, etc. – ou, ainda, com menor qualidade e tempo
de resposta e, ainda com encargos resultantes da administração pública – gastos correntes e de capital e
instalações – não sejam delegadas, subcontratadas ou simplesmente privatizadas.
Em todos os exemplos referidos está presente a distinção entre o que é interesse do Estado e o
que é, no contexto do padrão ético e modelar, o interesse público. O particularismo institucional
(clientelismo) com os clientes do Estado, sejam organizações socioprofissionais, sindicais, empresarias
ou empregados públicos, entidades públicas de gestão autónoma, gestores públicos, etc., impede
distinguir claramente o que é o interesse do Estado ou dos seus segmentos de poder e o que é o
interesse público, nomeadamente na gestão equitativa dos recursos públicos. Esta opção programática
constituiria uma forma de o Estado recuperar, tanto a credibilidade na racionalização da gestão pública
e dos recursos colectivos não essências a manutenção do padrão ético e modelar do interesse público,
como recuperar recursos para novas funções bem mais necessárias e equitativas para assegurar a
democratização do sistema político e administrativo.
Em síntese, afigura-se que apenas a preocupação com a equidade nas políticas públicas e
benefícios sociais, com a eficiência económica e produtiva e com a igualdade de oportunidade baseada
na diferenciação das situações – entendida esta não indiscriminadamente como a homogeneidade de
sistemas de protecção ou benefícios – devem orientar, com base na reformulação do interesse público,
a afectação de recursos colectivos para o desempenho de serviços públicos.
Conclusão
Tendo equacionado a problemática da reforma da administração no contexto do interesse
público e das funções do Estado, em razão da necessidade de reformular as funções que o Estado
desempenha, interessa, por último, reforçar a ideia do papel da administração na reforma da própria
administração.
O facto de ser necessário equacionar a reforma da administração no contexto da articulação com
a reformulação das funções do Estado não indica que existe uma relação de causa e efeito: apenas
significa que a reforma da administração, naquilo que é significativo na definição do papel do Estado,
necessita ser pensada com alguma articulação. Se bem é certo que a evolução da complexidade da
sociedade exige novas funções de coordenação e de regulação, e, portanto de novas funções públicas,
também a própria complexidade impões novas formas de relacionamento entre o Estado e a sociedade.
Algumas dessas actividades, passam pela abertura à sociedade e ao mercado de funções até agora
detidas pelo Estado, seja porque não essências à realização do interesse público, seja porque o próprio
interesse público – flexibilidade de decisão, estimulo à iniciativa privada, abertura à competitividade e
inovação, menor custo fiscal, concorrência – se beneficia da abertura das actividades à esfera privada.
3 No caso Português, poderia se exemplificar com os casos da EPUL (Empresa pública de urbanização de Lisboa), do
transporte metropolitano, da TAP (Transportado portuguesa), da EDP (Empresa de electricidade de Portugal),
telecomunicações, e outras entidades do sector empresarial do Estado.
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A redefinição das funções do Estado e da administração pode ser de utilidade pública, não
apenas pela melhoria, mas também porque a libertação de encargos não essências à prossecução do
interesse público e do serviço público, permite dispor de recursos para novas áreas de serviço público
de interesse para o desenvolvimento da democracia e da estratégia de crescimento económico da
sociedade. As preocupações que tentamos desenvolver tiveram por orientação as questões que
colocamos no início, ou seja, quais as formas de reorganização de Estado que potenciam o
desenvolvimento do interesse público, como pode o governo utilizar mecanismos de mercado para
aumentar a escolha e o benefício dos cidadãos e contribuintes? e, ainda, como se pode definir, eficaz e
equitativamente, a separação entre as funções de prestador de serviços e de produtor de serviços?
Em matéria de reforma da administração importa ter claro que a lógica da democracia e do
governo não é necessariamente a mesma que a lógica da administração: esta deve ser eficiente e eficaz
e, por isso, não se deve negligenciar as lições dos princípios da gestão, alguns deles muito desprezados
ou criticados, tais como a economia de escala, a organização e a disciplina de procedimentos, a
descentralização de funções e de recursos e a centralização de actos onde os procedimentos possam ser
mais céleres e mais controláveis do ponto de vista da utilização de recursos financeiros. A lógica da
democracia e do Governo, sem deixar naturalmente de ser também eficiente e controlável, assenta
sobretudo na prática e nos valores da liberdade, da iniciativa e da equidade nas políticas públicas e na
da preservação do Estado de direito. Como assinala Denhardt, os governos não devem ser conduzidos
como empresas, devem ser geridos como uma democracia. A administração pública, em contrapartida,
deve caracterizar-se pela eficiência, a neutralidade e a autonomia do sistema de administração,
nomeadamente face aos ciclos políticos e partidários e face aos interesses particulares, sejam sociais,
económicos ou culturais. A eficiência é um valor e como tal deve competir com outros valores, tais
como a democracia, a responsabilidade individual da função e a equidade da aplicação das políticas e
dos procedimentos: a questão básica é que, em matéria do serviço público, a aplicação da eficiência não
pode estar alheada das questões de equidade e da observância dos procedimentos democráticos.
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Resenha Biográfica
Juan Mozzicafreddo, Professor Catedrático, ISCTE-IUL – Instituto Universitário de Lisboa, Portugal
(e-mail: [email protected]); Telefone: (00 351) 21 790 30 46/47; (00 351) 21 790 3000; FAX: 21 790
3964; www.iscte-iul.pt;
Habilitações literárias: Doctorat d’État en Sciences Politiques, 1985, Montpellier I, França, Master of
Art in Political Sciences, Université de Louvain, Bélgica, 1973; Licenciado en Ciencia Política,
Universidad del Salvador, Buenos Aires, 1968 e Agregado em Sociologia Política, pelo ISCTE, em
1998
Cargos actuais: Vice-Presidente do ISCE-IUL – Instituto Universitário de Lisboa; Coordenador
Científico do doutoramento em Sociologia; do mestrado em Administração Pública, do mestrado em
Políticas Públicas e do doutoramento em Políticas Públicas e investigador do Centro de Investigação e
Estudos de Sociologia (CIES)
Actividade Pedagógica: Responsável pelas disciplinas de: Estado, administração e políticas públicas,
(11ª edição de Lisboa – ISCTE-IUL- 1999-2009 e 1ª edição de Brasília, ISCTE-IUL / EBAP-FGV,
2008-09); Seminário: Áreas de aplicação de modelos de gestão Pública e seminário de Elaboração da
dissertação/trabalho de projecto, no mestrado em Administração Pública, ISCTE-IUL e ISCTE-IUL /
EBAP-FGV e Teorias do Estado, no mestrado em Políticas Públicas, ISCTE-IUL, 2009
Algumas publicações: Ética e Administração – Como modernizar os serviços públicos? Oeiras, Celta
Editora, 2005; Administração e Políticas – A reforma da administração pública na Europa e nos
Estados Unidos, Oeiras, Celta Editora, 2001; Estado Providência e cidadania em Portugal, Oeiras, Celta
Editora, 2002 (1ª edição 1997); Policies on Labour Relation and Social Dialogue on European
Countries – The Portuguese and German Cases; Badem-Badem, Nomos Verlagsgesellschaft, 1997
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