XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013
Uma análise das finanças públicas dos municípios do Rio de Janeiro, Brasil
Paula Alexandra Canas de Paiva Nazareth
Marcos Ferreira da Silva
Introdução
Apesar do forte impulso descentralizador observado nos últimos 25 anos no Brasil, que transferiu aos
municípios a responsabilidade pela execução das políticas públicas, a possibilidade de atender o
cidadão, especialmente nas áreas sociais e na gestão urbana, é muito desigual entre os mais de 5 mil e
500 municípios brasileiros. Essa realidade decorre tanto das expressivas diferenças nas capacidades
locais de gasto e investimento, como na capacidade institucional de cada ente, necessária para planejar,
executar e monitorar políticas públicas.
Como reflexo da heterogeneidade geográfica, econômica e social entre os entes e regiões do país, já
extensamente mapeada, registram-se profundas desigualdades nas bases tributárias municipais, nas
respectivas capacidades de exploração dessas bases e nas estruturas administrativas e de gestão, que
permitem a execução das ações de governo.
O complexo sistema de transferências intergovernamentais de recursos da União e do Estado para os
municípios (verticais) e entre estes (horizontais), pensado para redistribuir os recursos fiscais e dessa
forma garantir a equalização efetiva da capacidade de gasto, tem-se revelado ineficiente e incapaz de
reduzir as disparidades horizontais na federação.
Este trabalho propõe uma reflexão sobre o perfil atual das finanças públicas dos municípios do Rio de
Janeiro no contexto do processo de descentralização brasileiro, visando avaliar se as mudanças
associadas a esse processo contribuíram para assegurar maior autonomia na execução das prioridades
definidas localmente e para a redução das disparidades horizontais.
A próxima seção apresenta algumas considerações acerca do processo de descentralização brasileiro e a
relação com a autonomia municipal.
Nas seções seguintes, utilizando dados fiscais referentes a 2011 dos 92 municípios do Estado do Rio de
Janeiro, foram analisadas as principais fontes de recursos e sua contribuição para os orçamentos. Para
permitir uma análise do conjunto, os municípios foram agregados em faixas populacionais, de acordo
com o tamanho das respectivas populações, e por região do estado, buscando-se identificar
semelhanças e diferenças entre eles e, eventualmente, detalhando-se ao nível de municípios específicos.
Com essa orientação, a segunda seção analisa as receitas próprias, de origem tributária, buscando
avaliar, por meio do comportamento dos principais tributos, o potencial dos municípios para
financiarem, de forma autônoma, as políticas públicas, destacando as informações relativas ao
município da capital, em virtude do elevado peso no conjunto.
Retomando linha de pesquisa acerca da operação do sistema de transferências intergovernamentais de
receitas aos municípios do Rio de Janeiro, na terceira seção buscou-se desagregar os componentes das
receitas para avaliar seus efeitos sobre a equalização das capacidades de gastos dos municípios.
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A conclusão que fecha o trabalho, já detectada em outros estados,por diversos autores, é de que,
também no Rio de Janeiro, o sistema de partilha de recursos na federação é ineficaz para a redução das
disparidades horizontais. Sua operação penaliza os municípios fluminenses mais populosos, onde se
concentram mais demandas sociais e problemas associados à gestão urbana, vis-a-vis os pequenos
municípios – realidade anteriormente observada e que permanece atual.
O processo de descentralização e a autonomia municipal
Após a promulgação da Constituição de 1988, ao longo dos últimos 25 anos, foram aprovadas leis e
normas infraconstitucionais, com destaque para a lei de responsabilidade fiscal, que modificaram a
estrutura, as formas de gestão e o funcionamento de diversos setores e atividades da economia
brasileira.
Esse novo arcabouço legal trouxe implicações sobre a organização política e federativa, e disciplinou a
entrega de recursos aos municípios para a execução de políticas públicas as quais, embora definidas no
nível central, tiveram sua execução crescentemente transferida para a esfera municipal, cuja
responsabilidade no gasto público aumentou, principalmente nas áreas sociais.1
Os recursos transferidos para os municípios aumentaram consideravelmente no período, embora cada
vez mais vinculados a finalidades específicas, introduzindo limitações à gestão e à autonomia dos
governos locais.
Ao mesmo tempo, enquanto a capacidade de gasto no nível municipal aumentou nos últimos vinte e
cinco anos, as demandas da sociedade também foram se tornando mais complexas. O crescimento
demográfico acelerado e o desordenado processo de urbanização, em um contexto de crise fiscal, sem
capacidade de investimento e planejamento compatível, redundaram em agravamento dos problemas
associados ao desenvolvimento desigual das diversas regiões do país, com conseqüente migração de
pessoas de outros estados, em busca de oportunidades de trabalho.
No Rio de Janeiro, a elevada concentração populacional, principalmente na capital e na região
metropolitana, decorrente da histórica polarização espacial das atividades econômicas, a tendência de
metropolização da pobreza e a desigualdade na distribuição de renda entre as regiões contribuem para
aumentar ainda mais as demandas da população sobre os governos para a ampliação das políticas
sociais. Tal realidade, conjugada com a falta de mecanismos institucionais de cooperação e
coordenação dos esforços municipais, e com problemas associados a falhas na capacidade institucional,
vem redundando em deterioração das condições de vida em muitos municípios, principalmente na
região metropolitana e na região noroeste do estado.
Nesse contexto, é fundamental o aperfeiçoamentoda capacidade das administrações municipais de
planejarem e implementarem ações que aumentem a efetividade das políticas públicas voltadas para o
desenvolvimento urbano e para a redução da pobreza e das desigualdades sociais. Vale dizer, melhorar
a capacidade dos governos locais para o planejamento, a gestão, o monitoramento e a avaliação das
políticas públicas e dos programas e projetos governamentais.
1
Nazareth (2007)
2
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Para tanto, devem ser buscadas melhorias na estrutura administrativa, no quadro de pessoal, nas
instâncias de planejamento e articulação com as demais esferas e atores sociais, no tratamento das
informações e em sua disponibilização, assegurando a transparência necessária para o exercício de uma
gestão democrática e para o aperfeiçoamento do controle social.2
É nesse contexto que se insere a presente discussão.
Passados 25 anos da promulgação da “Constituição Cidadã”, que consagrou ganhos importantes em
termos dos direitos do cidadão, na direção do fortalecimento das instituições políticas e democráticas e
da descentralização política, fiscal e de competências, as mudanças verificadas na economia brasileira e
mundial induziram alterações no texto constitucional.
Desde então e até 2013, 73 emendas à Carta Magna foram aprovadas buscando adequá-la à nova
realidade política, com implicações importantes sobre o desenho institucional da estrutura federativa e
sobre o financiamento e execução das politicas públicas pelas três esferas de governo.
Na visão de alguns autores, as alterações constitucionais aprovadas tiveram como consequência, a
recentralização derecursos fiscais e do poder de ditar normas e formular políticas no nível do governo
federal, reduzindo na prática a autonomia de estados e municípios. De acordo com Santos e Mattos
(2006), em que pese o “direito de exercer a condição de ente federado”, adquirido “teoricamente” pelos
municípios com a Constituição de 1988, “na prática, contudo, o exercício pleno desse direito não lhe
foi garantido. O constituinte de 1988 parece ter imaginado que haveria uma adesão automática dos
governantes aos seus propósitos descentralizadores, que, entretanto, não ocorreu”. As emendas
aprovadas desde então trabalhariam na direção de retomar o “centralismo da União nas tomadas de
decisões que afetam todos os entes”. 3
Para Arretche (2012), além das emendas, outras matérias federativas contidas na legislação ordinária
aprovada no período, “caracterizaram-se pela imposição de perdas aos governos subnacionais”,
afetando receitas e autonomia decisória, em termos fiscais, orçamentários e para a execução
daspróprias políticas.4
Nesse quadro de avanços e retrocessos, indaga-se quais são as condições atuais de autonomia e
financiamento dos municípios que possibilitem aos governos locais definir e executar as políticas
públicas de acordo com as prioridades definidas de forma autônoma.
Análise das Receitas Tributárias dos Municípios do Rio de Janeiro de 20115
Em 2011, os 92 municípios do Rio de Janeiro (RJ) arrecadaram R$ 38,9 bilhões. A Tabela 1 apresenta,
de maneira resumida, as receitas dos municípios do Rio de Janeiro de 2011 em milhões de reais
correntes, desagregando-as segundo a origem dos recursos mencionada, evidenciando a participação
percentual desses grupos no total arrecadado (coluna da direita).
2
Nazareth (2008)
Santos e Mattos (2006: 734;735).
4
Arretche (2012:19).
5
Os dados das receitas e despesas dos municípios fluminenses são do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, do
Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (município da capital) e, subsidiariamente, da Secretaria do Tesouro
Nacional – STN/MF, Relatórios FINBRA. Foram também utilizadas informações das seguintes fontes: IBGE (população);
ANP e Siafem-RJ (receitas provenientes da exploração o petróleo e gás natural); Secretaria do Tesouro Nacional
(transferências de recursos federais); e Ministério da Saúde (SIOPS, para os dados da saúde).
3
3
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[Tabela 1 - Receitas dos Municípios do Rio de Janeiro – 2011 (em milhões de reais correntes)]
Como se pode observar na primeira linha, as receitas tributárias, principal grupo, somaram R$ 10,2
bilhões, correspondentes a 26% do total. As transferências da União e do Estado, juntas, foram
responsáveis por 40% do total, valor que alcançou R$ 15,6 bilhões.
A compensação financeira pela exploração do petróleo e gás natural, denominada genericamente por
royalties (embora englobe os valores referentes ao total das participações governamentais devida pela
exploração do petróleo e gás natural, recebidas pelos municípios)6alcançou R$ 4,2 bilhões,
equivalentes a 11%. As demais receitas (patrimonial, de contribuições e de capital), reunidas, somaram
R$ 9 bilhões, ou 23% do conjunto das receitas.
Em virtude do objetivo deste trabalho – reunir elementos que possibilitem avaliar as atuais condições
financeiras e orçamentárias que afetam a capacidade potencial dos municípios do RJ financiarem
políticas públicas de acordo com as prioridades definidas localmente – a Tabela 2 detalha os valores
das receitas tributárias de 2011. Para um melhor entendimento, tendo em vista o peso do município do
Rio de Janeiro no conjunto, os dados da capital estão segregados dos dados dos 91 municípios do
interior.
[Tabela 2 - Receitas Tributárias dos Municípios do RJ, 2011(em milhões de reais correntes)]
A análise detalhada da arrecadação tributária informa que os impostos constituem a maior fonte de
recursos, equivalendo, como se pode constatar na última coluna da Tabela 2, a um quarto de tudo que
foi arrecadado por todos os municípios em 2011.
O ISS, sobre serviços, é o principal imposto municipal, tendo contribuído com mais da metade da
receita tributária (55%), a maior parte arrecadada no município da capital (66%), como se pode
verificar nas primeiras colunas da Tabela 2. Aí também é possível constatar que em 2011 a capital
arrecadou R$ 6,7 bilhões dos R$ 10 bilhões arrecadados pelos 92 municípios, confirmando o peso
elevado que possui no conjunto e justificando a segregação efetuada.
Com o IPTU, sobre a propriedade predial e territorial urbana, os municípios receberam R$ 2,3 bilhões,
valor também majoritariamente arrecadado na capital (com R$ 1,5 bilhão), e que, no conjunto,
representou 6% da receita total arrecadada no ano (R$ 38,9 bilhões). O ITBI, sobre a transmissão de
Bens Imóveis, e as taxas, renderam aos municípios uma arrecadação que somou cerca de R$ 1,7 bilhão,
ou 4% da receita total, como demonstrado na última coluna.
Apesar do esforço empreendido com a separação os dados da capital, os valores agregados do interior
não dão conta das profundas disparidades encontradas entre os municípios do estado, refletidas na
receita tributária arrecadada por habitante, decorrentes de diferenças nas respectivas bases tributárias
e/ou no esforço fiscal empreendido pelas administrações municipais.
6
Inclui royalties até 5% e royalties excedentes, participações especiais, Fundo Especial do Petróleo e a cota-parte dos
municípios dos royalties até 5% recebidos pelo estado do Rio, distribuída mediante os mesmos critérios vigentes de
repartição do ICMS (art. 9 da Lei Federal nº 7.990/89).
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Com o intuito de demonstrar como variou a arrecadação dos principais impostos entre os municípios do
RJ, o Gráfico 1 a seguir compara os valores médios, por habitante, do ISS e IPTU em 2011 nos
municípios que integram as diferentes regiões do estado.7
[Gráfico 1 - Receitas médias per capitado ISS e IPTU em 2011, Municípios do RJ, por região (em
R$ correntes por habitante)]
O Gráfico 1 expõe a maior importância relativa do ISS em todas as regiões, e, de forma mais
pronunciada, nos municípios das regiões norte e sul fluminenses, onde estão concentradas as atividades
ligadas ao petróleo e gás, e na capital, a mais elevada, na qual cada residente pagou R$ 586 de ISS.
Ilustrando o contraste encontrado entre as regiões do estado, as menores arrecadações desse imposto,
por habitante, foram apuradas em Cambuci e Varre-Sai, na região noroeste: menos de R$ 13.
De forma ainda mais contundente, apuraram-se valores médios de IPTU por habitante em 2011 que
variaram muito entre aos municípios: de um mínimo de menos de R$ 5 por residente em Laje do
Muriaé, Trajano de Morais e Varre-Sai, nas regiões noroeste e serrana, a um máximo de mais de
R$ 350 em Niterói, na região metropolitana. Quando se compara o valor do IPTU apurado nesse que é
um importante município litorâneo, com o valor do IPTU médio arrecadado em Japeri, situado no
interior daquelamesma região, que somou apenas R$ 6por habitante, resta evidente a heterogeneidade
também dentro dos municípios de cada região.
Os resultados apurados para o ISS correspondem, de maneira geral, ao previsto: arrecadação mais
relevante nos municípios que concentram mais atividades econômicas – mesmo comportamento
esperado da parcela do ICMS que é proporcional ao valor adicionado. A receita do IPTU, por outro
lado, que deveria acompanhar o maior desenvolvimento econômico, sófoi maior do que a do ISS em 8
municípios do estado. Com relação a este aspecto, cumpre destacar que, em 2004, quase metade dos
municípios do RJ arrecadavam mais IPTU do que ISS, evidenciando significativa mudança desde
então, que merece ser oportunamente estudada.
Em princípio, quanto maior e mais populoso o município, maior a densidade econômica e, portanto, a
base tributária para os dois principais impostos, o IPTU e o ISS. Entretanto, enquanto a arrecadação do
primeiro envolve maior esforço da administração municipal na cobrança e fiscalização, exigindo a
manutenção de cadastros atualizados, a receita do ISS, embora também seja a que mais depende da
estrutura de fiscalização para garantir a eficiência da sua arrecadação, aumenta com o maior nível de
atividade e serviços nos municípios, dependendo, em grande medida, do próprio contribuinte.
As variações observadas entre as regiões podem ser explicadas pelas diferenças nas bases tributárias,
com maior arrecadação nas que apresentam níveis mais elevados de desenvolvimento e renda – como a
capital, metropolitana, norte e baixadas litorâneas –, em contraste com a menor arrecadação nas regiões
mais pobres – no caso fluminense, as regiões noroeste, serrana e centro-sul.Os condicionantes do
esforço fiscal, por outro lado, teriam maior poder explicativo para justificar as diferenças observadas
nas arrecadações dos tributos entre municípios de uma mesma região, que possuiriam, em tese,
capacidades tributárias semelhantes.
7
A divisão regional foi adotada pela Lei nº 1.227, de 1987, e apesar de ter sido alterada posteriormente (pelas Leis
Complementares nº 64/90, 97/01 e 105/02), foi mantida neste trabalho, seguindo a Tabela de Regiões constante do Anexo II
da Lei nº 2.664/96, para permitir comparações entre os valores relativos aos diferentes anos considerados.
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O trabalho de controle e auditoria realizado de forma sistemática nos sistemas de administração e
fiscalização tributária do estado e dos municípios pelo TCE-RJ vem contribuindo para um maior
conhecimento dessa realidade no RJ e para a identificação não apenas das mencionadas diferenças
como também de problemas relacionados ao esforço fiscal que são comuns a diversos municípios
fluminenses.8
A operação do sistema de transferências intergovernamentais de receitas aos Municípios do Rio
de Janeiro em 2011
Os dados acima examinados evidenciaram as profundas desigualdades existentes entre as receitas
tributárias arrecadadas pelos municípios do RJ, seja quando se comparam os valores entre as regiões do
estado, seja mesmo entre municípios de uma mesma região geográfica.
Como observado por Prado (2001), a presença de expressivas disparidades intra-regionais, do ponto de
vista fiscal, na federação brasileira, refletida na arrecadação própria dos municípios (como visto em
nossa análise), torna essencial conhecer e avaliar os mecanismos que operam a distribuição dos
recursos fiscais entre os diferentes níveis de governo.
O complexo sistema de transferências intergovernamentais de recursos da União e do Estado para os
municípios (verticais) e entre estes (horizontais), pensado para redistribuir os recursos fiscais e dessa
forma garantir a equalização efetiva da capacidade de gasto na federação, tem-se revelado ineficiente e
incapaz de reduzir as disparidades horizontais entre os municípios fluminenses, como se procurará
demonstrar.
A análise apresentada a seguir retoma a linha de pesquisa inicialmente desenvolvida em Nazareth
(2007), com base no modelo analítico proposto por Sérgio Prado (2001, 2003), razão pela qual serão
repetidas, brevemente, as premissas e a metodologia adotadas.
Visando separar as receitas por seus objetivos e componentes, o modelo analítico adotado segue, como
já mencionado, o esquema formulado por Sérgio Prado com o objetivo de “identificar os componentes
que podem ser considerados quase universais em sistemas fiscais federativos”.9
Para tanto, o ponto de partida é a receita própria diretamente arrecadada pelos entes, que deriva da
atribuição de competências tributárias, à qual se vão agregando, sucessivamente, “formas básicas de
transferências, que vão gerando outros perfis de distribuição da receita até chegar à receita final
disponível que define a capacidade de gasto efetiva de cada jurisdição”. Assim, propõe separar os
efeitos das duas funções básicas assumidas usualmente pelos governos de níveis superiores em
sistemas federativos: a de arrecadador substituto e a de redistribuidor de recursos com fins de
equalização do poder de gasto orçamentário e da provisão de bens públicos específicos.10
8
Desde 2004, o TCE-RJ vem desenvolvendo um trabalho pioneiro, em nível de governos subnacionais, no controle externo
das receitas estadual e dos municípios jurisdicionados, contando com uma estrutura exclusivamente criada para esse fim.
Nazareth (2007:238-240).
9
Prado (2001; 2003).
10
Para Prado (2003:46), a inadequação crescente, nos níveis subnacionais, entre encargos (que aumentam com a
descentralização) e arrecadação própria de cada nível de governo (em face da concentração da arrecadação no nível central)
tem raízes históricas no modelo do Estado Keynesiano, reforçadas com a complexidade dos sistemas trazida pela
globalização.
6
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Com base no reconhecimento de que a tendência à concentração da arrecadação no nível central
(superior) de governo, aliada à descentralização de encargos, torna necessária e fundamental a
transferência de receitas para ajustar verticalmente a capacidade de gasto, o modelo classifica os fluxos
das transferências intergovernamentais por sua finalidade (devolutiva/compensatória ou redistributiva,
voltada para reduzir disparidades ou vinculada a objetivos setoriais) e separa esses fluxos em
estruturais (legal ou constitucionalmente definidos) ou de curto prazo (discricionários).
O esquema trabalha com três conceitos básicos de receita, que, como se observou acima, resultam da
agregação dos diferentes tipos de recursos fiscais e que podem ser posteriormente desdobrados em
outras formas de apropriação e perfis de distribuição da receita, pelas diferentes unidades que integram
os sistemas fiscais federativos, até chegar à receita final disponível, que define a capacidade de gasto
efetiva de cada jurisdição: 11
 Arrecadação Própria: reflete a estrutura de competências tributárias e o esforço fiscal de cada
nível de governo;
 Receita Própria: totalidade de recursos derivados da exploração das bases tributárias do
território, independente de quem arrecada; e,
 Receita Disponível Permanente: totalidade de recursos recebidos de forma permanente,
resultante da arrecadação própria e da operação do sistema de transferências.
Esses conceitos são detalhados por Prado e desdobrados com a agregação abaixo resumida, que
constitui o esquema analítico básico para sistemas de transferências intergovernamentais, o qual
adaptamos para a análise do caso fluminense: 12
Apropriação inicial por competência tributária:
1. ARRECADAÇÃO ou Receita Própria Diretamente Arrecadada
(+) Devolução Tributária
(=) Apropriação legal derivada das bases tributárias:
2. RECEITA PRÓPRIA ou Receita Própria Líquida
(+) Transferências redistributivas e por políticas seletivas permanentes, intra-estaduais
(=) Apropriação por critérios redistributivos e de políticas seletivas permanentes
(critério fiscal de longo prazo), nos limites do estado:
3. RECEITA DISPONÍVEL POR APROPRIAÇÃO ECONÔMICA
(+) Transferências redistributivas e por políticas seletivas permanentes (setoriais)
(=) Apropriação por critérios redistributivos e de políticas seletivas permanentes
(critério fiscal de longo prazo):
4. RECEITA DISPONÍVEL PERMANENTE
(+) Transferências da Compensação Financeira (Royalties)
(=) Apropriação por critérios redistributivos e de políticas seletivas permanentes
(critério fiscal de longo prazo), incluindo Royalties:
5. RECEITA DISPONÍVEL PERMANENTE COM ROYALTIES
(+) Transferências discricionárias
(=) Apropriação efetiva no ciclo orçamentário:
6. RECEITA FINAL OU RECEITA DISPONÍVEL EFETIVA
11
12
Prado (2003: 45).
Prado (2003); Nazareth (2007).
7
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A principal adaptação feita ao modelo de Prado é a inclusão de categoria exclusiva para contemplar as
receitas derivadas do petróleo e do gás natural (aqui chamadas Royalties), que não se enquadram em
nenhuma das categorias anteriores e que, por sua natureza jurídica específica, relevância no período da
análise, e por se assemelharem em seus impactos às transferências não-vinculadas, apesar de seu
caráter de transitoriedade, justificam o tratamento separado.
Prado não inclui no modelo as demais fontes de recursos (tais como patrimoniais, de contribuições, de
capital, entre outras), que podem variar sensivelmente a cada ano (ou são exclusivas para os regimes
próprios de previdência social dos servidores) não devendo ser consideradas, portanto, capacidade
efetiva de gasto. Em 2011, estas receitas representaram, em termos agregados, pouco mais de 20% da
receita arrecadada pelo conjunto de municípios do estado do Rio de Janeiro.
Com base no esquema apresentado, o Quadro 1 apresenta as receitas médias de 2011, por habitante dos
municípios do Rio de Janeiro, agregados em faixas, de acordo com o tamanho de suas populações13. Os
componentes redistributivos do sistema de partilha dos recursos fiscais estão destacados no quadro, que
separa os diferentes conceitos de receita e as transferências recebidas, de acordo com a natureza.
Esta opção metodológica, como já explicado, tem por objetivo evidenciar a diferença entre as
transferências de recursos que constituem mera devolução tributária – no sentido de que o próprio
município poderia arrecadar as receitas transferidas, por serem resultantes da exploração das bases
tributárias de sua jurisdição – e aquelas que possuem natureza redistributiva. As transferências são
diferenciadas ainda segundo a vinculação: se são livres de condicionalidades; destinadas a finalidades
específicas14 ou, ainda, recursos de transferências voluntárias, transferidos, em sua maioria, por
convênios.
Com esse intuito, o Quadro 1 apresenta inicialmente a receita tributária per capita à qual vão sendo
agregadas progressivamente as transferências, por natureza, gerando dessa forma os diferentes
conceitos de receita, até o conceito de receita final. Destaque-se que os valores médios de cada conceito
e componente, para cada faixa populacional, foram calculados somando as receitas de todos os
municípios que as integram, e dividindo esse montante pelo total da população residente na faixa.
Resta evidenciado do exame do Quadro 1que, desde a receita tributária diretamente arrecadada pelos
municípios, os valores que vão sendo incorporados aos orçamentos, classificados segundo as diferentes
origens e naturezas das transferências fiscais, contribuem para inverter, de forma radical, a distribuição
desigual da capacidade inicial de gasto, dada pela capacidade de arrecadação dos tributos municipais,
que se analisou anteriormente.
[Quadro 1 - Receitas per capita dos Municípios do RJ, por Categoria de Receitae Componentes,
valores médios por Faixa Populacional– 2011 (em R$ por habitante)]
13
Os municípios foram agregados, de acordo com a faixa populacional, em pequenos (menos de 20 mil hab.); médios (de 20
mil e 1 a 100 mil hab.); grandes (de 100 mil e 1 a 300 mil hab.); muito grandes (entre 300 mil e 1 a 1,5 milhão de hab.); e a
capital (único município do estado com mais de 1,5 milhão de hab.).
14
As transferências do Sistema Único de Saúde (SUS), do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e do
Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), ambos considerados, nesse esquema, fundos redistributivos setoriais.
8
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De pronto, chama a atenção no quadro, a expressiva variação dos valores médios arrecadados
diretamente pelos municípios, por habitante, agregados segundo a faixa populacional, indicados na
primeira linha, resultado que deriva das desiguais bases tributárias sobre as quais incidem os impostos
municipais, que correspondem às disparidades de renda e atividade econômica identificadas no
território do estado do Rio de Janeiro.Este ponto já foi analisado na seção precedente.
Ainda assim, a agregação por faixa permite identificar acentuada tendência de crescimento da receita
com o aumento da população – com exceção do valor médio da faixa dos municípios muito grandes, a
maior parte situada na região metropolitana. Com efeito, o valor da receita tributária paga por cada
habitante da capital em 2011 (R$ 1.048), é mais de 5 vezes superior ao valor da receita média por
habitante da faixa dos municípios de pequeno porte (R$192).
A agregação à receita diretamente arrecadada, dos valores transferidos aos municípios pela União e
pelo governo estadual a título de devolução tributária corresponde ao conceito de receita própria, que
equivale, portanto, à apropriação legal derivada de suas bases tributárias. Para calculá-lo, foram
agregadas à receita tributária, na presente análise, as transferências das cotas-partes de impostos e
contribuições de competência federal – ITR, IOF, CIDE– e estadual – parcelas do ICMS proporcional
ao valor adicionado fiscal (75% do total) e do IPVA – arrecadados nos territórios municipais.
É possível constatar que, com a agregação dessa parcela, a situação observada inicialmente se
modifica: a receita própria média apurada por habitante na faixa dos municípios pequenos, R$
679,ultrapassa a dos municípios médios, R$ 468, e dos muito grandes, R$ 520.
Cabe alertar, no entanto, que essa média elevada, apurada na faixa dos pequenos municípios, deve-se
ao impacto da devolução da parcela do ICMS correspondente ao valor adicionado no município de
Porto Real, que possui intensa atividade industrial – o que permite considerá-lo, nessa realidade, um
“ponto fora da curva”, já que a grande maioria dos 26 municípios dessa faixa (mais de 60%) pertence
às regiões noroeste e serrana, caracterizadas por um menor dinamismo econômico comparativamente à
região do Médio Paraíba, onde está Porto Real. Excluindo este da faixa, apenas como exercício para
fins da presente análise, a receita própria média dos pequenos cairia para R$ 308 por habitante, a mais
baixa de todos os grupos, mantendo a tendência de aumento progressivo da receita própria com o
aumento da população. A corroborar o argumento, observa-se que a receita própria per capita na faixa
dos grandes municípios é mais elevada do que nos pequenos – mesmo com Porto Real –; na Capital é
quase o dobro da apurada nos menores.
A incorporação das transferências redistributivase por políticas seletivas permanentes, que operam nos
limites de cada estado, permite chegar ao conceito de receita disponível por apropriação econômica.
Para calculá-lo, primeiramente agregou-se à receita própria diretamente arrecadada e devolvida, um
fluxo de transferências do governo estadual que tem por objetivo reduzir as disparidades e ampliar a
capacidade geral de gasto dos orçamentos municipais, mas sem qualquer relação de proporcionalidade
com as bases tributárias de cada jurisdição.
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Sob a denominação dada por Prado, de Sistema Cota-Parte, este fluxo inclui os 25% da cota-parte
municipal do ICMS (não devolutivos)15 e as cotas-partes municipais do IPI-Exportação e do Seguro
Receita – transferências compensatórias da União para os estados, decorrentes dos impactos negativos
da desoneração de impostos incidentes sobre as exportações nas finanças estaduais. 16
Os valores médios das transferências do Sistema Cota-Parte relativos a 2011, para cada faixa
populacional, constam do Quadro 1, onde se destacou, por sua preponderância, a parcela de 25% da
cota-parte municipal do ICMS, distribuída segundo os critérios da lei estadual nº 2664/96. 17
Pelo exame dos dados, é possível constatar a importância dessa parcela (aqui chamada ICMS-Dif) para
assegurar a redistribuição de recursos para os pequenos e médios municípios, para os quais, na média,
ultrapassou em 2011 os valores do ICMS pago de acordo com o valor adicionado – o que, aliás, como
apontado, era o objetivo. Pode-se constatar que os valores médios por habitante são inversamente
proporcionais ao tamanho dos municípios, caindo de R$ 861 por residente nos pequenos a R$ 51 nos
muito grandes, apurando-se, na capital, apenas R$ 0,5 per capita.
O segundo fluxo que opera nos limites das fronteiras estaduais, realocando capacidade de gasto
internamente, é o das transferências do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da Educação, FUNDEB. Essa transferência, setorialmente vinculada
à educação,tem por objetivo garantir que todos os entes disponham do mesmo valor por
aluno,concorrendo, dessa forma, para a ampliação do atendimento e a melhoria qualitativa do ensino
oferecido,assegurando igual capacidade de provisão local na educação básica brasileira. Os recursos do
Fundo são repassados aos estados e municípios obedecendo a coeficientes calculados com base no
número de matrículas nas escolas públicas e conveniadas no âmbito de cada unidade federativa no ano
anterior, informados pelo resultado do Censo Escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (INEP), bem como na diferenciação de valor por aluno/ano.18
Os valores per capita das transferências do FUNDEB recebidas pelos municípios em cada faixa
populacional são relativamente homogêneos, em torno de R$ 300, exceto nos municípios muito
grandes, cuja média foi de R$ 170.
A agregação desses dois fluxos redistributivos, intra-estaduais, em lugar de promover a esperada
equalização da capacidade de gasto, inverteu a situação observada inicialmente, fazendo com que a
receita disponível por apropriação econômica média, por habitante dos municípios que integram a faixa
dos pequenos, no valor de R$ 1.893, superasse a média apurada em todas as outras faixas, alcançando o
dobro dessa mesma receita apurada para a faixa dos municípios muito grandes, R$ 750.
15
Prado (2003:58) observa que a parcela dos 25% do ICMS é a única transferência redistributiva “gerida e operada
autonomamente pelos governos estaduais”.
16
O IPI-Exportação é constituído por 10% da receita do IPI distribuída aos estados proporcionalmente ao volume
exportado, e o Seguro Receita é compensação pela desoneração do ICMS introduzida pela Lei Complementar nº 87/96.
17
O objetivo era compensar a situação dos municípios do interior, desfavorecidos na distribuição da parcela do ICMS
proporcional ao valor adicionado, em virtude da concentração das atividades na capital e seu entorno.(Nazareth, 2007).
18
Além disso, está também prevista complementação de recursos do governo federal para os estados da Federação cujos
respectivos fundos não alcancem o valor mínimo por matrícula escolar fixado nacionalmente, o que significa que é
redistributivo a nível nacional. Em 2011, nem o estado nem os municípios do RJ receberam complementação
federal.http://www.fnde.gov.br/financiamento/fundeb/fundeb-apresentacao
10
XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013
Visando chegar ao conceito de receita disponível permanente, critério fiscal de longo prazo,devem ser
agregadasas transferências do Sistema Único de Saúde (SUS), Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE), Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) e o Fundo de Participação dos
Municípios (FPM).
Os três primeiros, relacionados a funções setoriais, não atuam diretamente sobre a capacidade geral de
gasto do orçamento, mas interferem na alocação dos recursos públicos destinados à oferta de bens e
prestação de serviços nas áreas da saúde, educação e assistência social, respectivamente.
As transferências do FPM, formado por recursos dos impostos de renda e sobre produtos
industrializados (federais), por outro lado, têm caráter geral, implicando capacidade livre de
gasto.Assim como a distribuição dos recursos da cota-parte dos 25% do ICMS não proporcionais ao
valor adicionado, estes recursos têm caráter eminentemente redistributivo. Em virtude dos critérios de
rateio, no entanto, os valores transferidos aos municípios menos populosos em 2011foram quase dez
vezes maiores que os valores repassados, por habitante, às cidades muito grandes, onde vive a maior
parte da população fluminense. Com efeito, como se constata no Quadro 1, os valores médios
recebidos, por habitante, são inversamente proporcionais ao tamanho das populações dos municípios do
RJ, caindo sistematicamente de R$ 452 por residente nos pequenos, até chegar a R$ 53 nos muito
grandes e apenas R$ 25 na capital. Terminam, dessa forma, por agravar sensivelmente as disparidades
que procuravam reduzir, apesar de representarem apenas 4% das receitas totais dos municípios.
Dentre as transferências vinculadas aos objetivos setoriais da saúde, educação e assistência social,o
SUS, que repassa recursos federais para o financiamento de gastos em saúde, acompanhado de uma
estratégia de progressiva descentralização da gestão, é o mais relevante,contribuindo com valores
equivalentes a 7% da receita total, enquanto os demais representam apenas 2%. A distribuição dos
recursos do SUS, de forma coerente com a lógica que o preside, dá-se de forma relativamente
homogênea entre os municípios, o que permite inferir que respeita as necessidades locais. As
transferências do FNDE e do FNAS, apesar de vinculadas a finalidade específicas e não redistributivas,
tendem a favorecer também pequenos e médiosmunicípios, em detrimento dos muito grandes e da
capital.
Com a incorporação desses valores, chega-se a uma receita disponível permanente por habitante de
R$ 1.566 para o conjunto dos municípios, mas que apresenta uma dispersão muito grande entre eles,
significativamente maior na faixa dos municípios pequenos (R$ 2.611) do que em qualquer outra faixa,
especialmente na dos municípios muito grandes (R$ 1.025).
As receitas da compensação financeira proveniente do petróleo e gás natural, embora sejam distribuídas
de acordo com critérios de confrontação geográfica com os campos e poços produtores, contribuem
para agravar ainda mais as distorções apontadas e aprofundar as desigualdades horizontais na
capacidade de gasto. Além de regionalmente concentrada, a distribuição desses recursos também
favorece os pequenos e médios municípios, resultando em valores médios da receita disponível
permanente com royalties, por habitante dos municípios que têm mais de 300 mil habitantes, de
R$ 1.336, que são inferiores à metade dos recursos disponíveis nos pequenos municípios, R$ 3.124.
Este valor médio é o mais elevado dentre todos os apurados nesse conceito de receita, corroborando o
que já se observara.
11
XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013
Por fim, as transferências voluntárias, em que pese sua pouca expressividade (1% do total), também
variam no mesmo sentido e ritmo das demais, sendo bem maiores quando destinadas aos pequenos
municípios (R$ 180 por habitante) relativamente aos demais. Do efeito conjugado desse padrão de
distribuição das transferências, chega-se a um valor de receita final per capita da faixa dos pequenos
municípios que é mais do dobro da receita dos maiores: de R$ 3.304nos primeiros contra R$ 1.364 nos
últimos, evidenciando a disparidade na capacidade pública de atendimento das demandas nas grandes
cidades fluminenses, onde se concentra a maior parte da população.
Disparidades Horizontais no Rio de Janeiro: uma ilustração
O Gráfico 2 pretende ilustrar a situação encontrada, por meio da apresentação dos dados extremos das
receitas médias por habitante, de municípios de tamanhos distintos, localizados em diferentes regiões
do estado com realidades muito desiguais.
O Gráfico demonstra, inicialmente, como variaram os valores arrecadados diretamente pelas
administrações locais em 2011, no conceito de arrecadação própria: de um mínimo de R$ 40
arrecadados por cada residente em Varre-Sai, pequeno município de 9 mil e 600 habitantes, localizado
na região noroeste (a mais pobre do estado), a um máximo de R$ 2.051 pagos por cada um dos 212 mil
residentes em Macaé, a chamada “capital do petróleo”, na região das baixadas litorâneas.
Uma rápida olhada permite visualizar o aprofundamento da diferença entre as receitas dos municípios
fluminenses, quando se agregam os componentes da devolução tributária, resultando em valores tão
díspares quanto um mínimo de R$ 92 por habitante, registrados em Varre-Sai, a um máximo de
R$7.600 em Porto Real, município localizado na região do médio Paraíba que registra um dos maiores
PIB per capita do país, onde estão instaladas fábricas ligadas à indústria automobilística (vale dizer,
uma diferença entre as médias de mais de 80 vezes entre a menor e a maior receita por habitante).
A operação do sistema de transferências com viés redistributivo, que beneficia os pequenos municípios,
em detrimento dos grandes e muito grandes, que concentram população e demandas, fica evidenciada
no conceito de receita disponível permanente – ao qual, nesta análise, foram agregados os royalties. Em
consequência, é possível encontrar municípios como São Gonçalo, com valores por residente que
variam de R$ 595, o mais baixo do estado, a R$ 6.327 em Macaé e R$ 10.057, em Porto Real. Somadas
as transferências voluntárias, chega-se ao conceito de receita final, e o quadro pouco se altera.
[Gráfico2 - Arrecadação Própria, Receita Própria, Receita Disponível Permanente e Efetiva
RJ, Municípios selecionados, 2011 (em R$ por habitante)]
Merece destaque, por ser emblemática da situação descrita, e não afetada de modo significativo por
royalties, a comparação entre a receita final do município de São Gonçalo, na região metropolitana, o
mais populoso do estado, com mais de um milhão de habitantes, de R$ 638 por cada residente, e VarreSai, onde os 9.600 habitantes contam, cada um, com mais de R$ 2.800.
Como se pode concluir, as transferências redistributivas, que deveriam operar para promover a redução
das desigualdades observadas no estado do Rio de Janeiro, beneficiam desproporcionalmente os
municípios de menor porte, onde vive uma pequena parcela de 2% da população, em detrimento
daqueles mais populosos, onde vive, hoje, quase um terço da população fluminense. A conseqüência da
desigualdade horizontal, agravada pelo sistema de partilha das receitas, é a penalização das cidades
metropolitanas.
12
XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013
De fato, seis dos sete municípios considerados muito grandes pertencem aessa região e o sétimo é
Campos dos Goytacazes, na região norte, mas que recebe o maior volume de receitas do petróleo e gás
natural dentre todos os municípios do estado, o que faz com que apresente situação privilegiada em
relação aos demais da faixa (R$ 4.016 por habitante).
Conclusão
A análise realizada evidenciou, em 2011, a persistência de profundas desigualdades horizontais entre os
municípios do RJ, refletidas na desigual capacidade final de gasto. Foi constatado que, enquanto os sete
municípios fluminenses considerados muito grandes, nos quais vive 28% da população e onde se
concentram as maiores demandas urbanas, registraram capacidade efetiva de gastos (receita disponível
permanente) média de R$ 1.025 por habitante, os 27 pequenos municípios que concentram apenas 2%
da população fluminense, contaram com um valor 2 vezes e meia superior: R$ 2.611 por habitante.
A agregação das receitas provenientes do petróleo e das transferências discricionárias (voluntárias)
contribuiu para aprofundar ainda mais o fosso existente entre as receitas finais disponíveis por
habitante dos municípios dessas faixas.
Conclui-se, portanto, que as transferências intergovernamentais, desenhadas para assegurar a
equalização horizontal da capacidade de gasto, não cumprem, no Rio de Janeiro, com seu objetivo.
Pelo contrário, favorecem de tal maneira os municípios menores em detrimento dos demais que, ao
final da operação do sistema de partilha, a receita disponível permanente, por habitante dos municípios
que integram a faixa dos pequenos, ultrapassa largamente a receita per capita dos municípios que
possuem entre 300 mil e 1,5 milhão de habitantes – antes mesmo de computadas as receitas do
petróleo, que, além de regionalmente concentradas, agravam o desequilíbrio.
A situação retratada impõe reflexão e a discussão acerca da oportunidade para rever os critérios de
distribuição dos recursos fiscais, uma vez que os impactos esperados sobre a gestão das grandes
cidades são altamente negativos, em face da concentração das demandas nas áreas sociais e de
infraestruturae gestão urbana.
Referências bibliográfícas
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RJ com as mudanças em discussão, apresentação no Seminário Royalties do petróleo - para além
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.pdf; 12-07-2013
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PRADO, Sérgio. Transferências Fiscais e Financiamento Municipal no Brasil. Trabalho elaborado para
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Adenauer,
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http://www.cepam.sp.gov.br/arquivos/artigos/TransferenciasFiscais&FinancMunicipal.pdf; 1007-2013;
___________. Distribuição intergovernamental de recursos na Federação brasileira. In: REZENDE, F.;
OLIVEIRA, F.A. (Orgs.). Descentralização e Federalismo Fiscal no Brasil: desafios da reforma
tributária. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer Stiftung, 2003.
SANTOS, Ângela M. S. P.; MATTOS, Liana P. Reformas Constitucionais e autonomia municipal no
Brasil. Economía, Sociedad y Território. El Colegio Mexiquense, A. C., México, v. V, n. 20,
p.731-752, jan./abr. 2006.
Resenha biográfica
Paula Alexandra Canas de Paiva Nazareth
Doutora em economia pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – IE/UFRJ;
Diretora-Geral da Escola de Contas e Gestão (ECG) do Tribunal de Contas do Estado do
Rio de Janeiro (TCE-RJ);
Mestre em Economia Industrial (IEI/UFRJ) e Bacharel em ciências econômicas
(FEA/UFRJ);
Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro
Praça da República, 70/ 9º andar, Centro
Código Postal: 20211-351
Cidade : Rio de Janeiro
País: Brasil
Tel: (5521) 3231-4180/ 3231-5690/ 2729-9547/2729-9548
Fax : (5521) 2729-9536
E-mail: [email protected]
Marcos Ferreira da Silva
Técnico de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ);
Pós-graduado em Controle Externo (Fundação Getúlio Vargas - FGV/RJ);
Bacharel em Estatística (Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE);
Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro
Praca da Republica, 70/ 2º andar
Codigo Postal: 20211-351
Cidade : Rio de Janeiro
Pais: Brasil
Tel: (5521) 3231-4694/ 3231-5538
E-mail: [email protected]
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XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013
Tabelas
Tabela 1
Receitas dos Municípios do Rio de Janeiro – 2011
(em milhões de reais correntes)
Receitas
2011
Receita Tributária
Transferências do Estado
Transferências da União
Royalties
Demais receitas
Receita Total
10.171
9.840
5.727
4.161
29.899
38.926
% no
Total
26%
25%
15%
11%
23%
100%
Fonte: TCE-RJ (SIGFIS), STN (FINBRA);e TCM-RJ
Tabela 2
Receitas Tributárias dos Municípios do RJ, 2011
(em milhões de reais correntes)
Receitas 2011
Municípi
o do Rio
Receita tributária
6.663
Impostos
Imposto Sobre Serviços de
Qualquer Natureza- ISS
Imposto sobre a Propriedade
Predial e Territorial Urbana- IPTU
Imposto sobre a Transmissão inter
vivos, de Bens Imóveis - ITBI
Imposto de Renda e Proventos de
Qualquer Natureza, Incidente na
Fonte (pago pelos próprios
municípios) –IRRF
Taxas
Contribuição de melhoria
%
do
total
66
%
Município
% do
s
do
total
interior
34%
3.508
Municípios % na
do Rio de Receit
a Total
Janeiro
26%
10.171
3.723
66% 1.919
34%
5.641
1.527
67% 743
33%
2.270
593
70% 250
30%
843
25%
14%
6%
2%
2%
500
59% 350
41%
850
321
0
57% 240
0%
5
43%
100
%
561
5
Fonte: TCE-RJ (SIGFIS), STN (FINBRA);e TCM-RJ
15
1%
0%
XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013
Gráfico 1
Receitas médias per capita do ISS e IPTU em 2011, Municípios do RJ, por região
(em R$ correntes por habitante)
Quadro 1
Receitas per capita dos Municípios do RJ, por Categoria de Receita
e Componentes, valores médios por Faixa Populacional– 2011
(em R$ por habitante)
Categorias
Arrecadação
(Receita
Tributária)
Devolução Tributária
ICMS-V.A. (75%)
IPVA
Receita Própria
Muito
Grandes
de
de
De 20.001
até 20 mil
100.001
300.001 a
a 100 mil
hab.
mil a 300 1.500.000
hab.
mil hab. hab.
Pequenos Médios
Grandes
192
264
517
299
1.048
631
26%
487
456
25
679
204
174
26
468
386
345
38
903
222
191
29
520
286
224
61
1.335
283
238
43
915
12%
10%
2%
38%
16
Capital
Receita (%
Média no
mais de
total)
per
1.500.001
capita
hab.
XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013
Transferências
Sistema
907
296
100
60
8
90
4%
Cota-Parte
ICMS-Dif. (25%)
861
281
85
51
1
79
3%
FUNDEB
306
300
288
170
235
235
10%
Receita Disponível por
1.893
1.064
1.291
750
1.577
1.240 51%
apropriação econômica
FPM
452
275
171
53
25
97
4%
SUS
192
219
172
183
166
178
7%
FNDE e FNAS
75
67
61
39
50
51
2%
Receita
Disponível
2.611
1.625
1.695
1.025
1.818
1.566 65%
Permanente
Royalties
514
566
452
311
28
258
11%
Receita
Disponível
3.124
2.191
2.147
1.336
1.846
1.824 76%
Permanente com Royalties
Transferências
179
73
56
28
2
31
1%
Voluntárias(Discricionárias)
Receita Final
3.304
2.263
2.203
1.364
1.848
1.856 77%
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do TCE-RJ (SIGFIS) e STN (FINBRA) e TCMRJ para os dados do município da capital
OBS:
Metodologia proposta por Prado (2003).
As siglas representam:
ICMS-V.A.: parcela de 75% da cota-parte municipal do ICMS distribuída segundo o valor
adicionado pelo município;
IPVA: cota-parte municipal correspondente a 50% do Imposto sobre a Propriedade de Veículos
Automotores (estadual), distribuída de acordo com os veículos licenciados em seus
territórios;
Sistema Cota-Parte: inclui as transferências redistributivas do governo estadual: ICMS-Dif., a
cota-parte municipal do IPI-Exportação e do Seguro Receita (LC 87/96);
ICMS-Dif.: parcela de 25% da cota-parte municipal do ICMS distribuída segundo critérios da lei
estadual nº 2.664/96;
FUNDEB: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação;
FPM: Fundo de Participação dos Municípios;
SUS: Sistema Único de Saúde;
FNDE: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação;
FNAS: Fundo Nacional de Assistência Social;
Royalties: Inclui royalties até 5% e excedentes, participações especiais e a cota-parte de 25% da
parcela de royalties até 5% recebida pelo estado, mas que pertence aos municípios.
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XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013
Gráfico2 - Arrecadação Própria, Receita Própria, Receita Disponível Permanente e Efetiva
RJ, Municípios selecionados, 2011(em R$ por habitante)
18
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