XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 Uma análise das finanças públicas dos municípios do Rio de Janeiro, Brasil Paula Alexandra Canas de Paiva Nazareth Marcos Ferreira da Silva Introdução Apesar do forte impulso descentralizador observado nos últimos 25 anos no Brasil, que transferiu aos municípios a responsabilidade pela execução das políticas públicas, a possibilidade de atender o cidadão, especialmente nas áreas sociais e na gestão urbana, é muito desigual entre os mais de 5 mil e 500 municípios brasileiros. Essa realidade decorre tanto das expressivas diferenças nas capacidades locais de gasto e investimento, como na capacidade institucional de cada ente, necessária para planejar, executar e monitorar políticas públicas. Como reflexo da heterogeneidade geográfica, econômica e social entre os entes e regiões do país, já extensamente mapeada, registram-se profundas desigualdades nas bases tributárias municipais, nas respectivas capacidades de exploração dessas bases e nas estruturas administrativas e de gestão, que permitem a execução das ações de governo. O complexo sistema de transferências intergovernamentais de recursos da União e do Estado para os municípios (verticais) e entre estes (horizontais), pensado para redistribuir os recursos fiscais e dessa forma garantir a equalização efetiva da capacidade de gasto, tem-se revelado ineficiente e incapaz de reduzir as disparidades horizontais na federação. Este trabalho propõe uma reflexão sobre o perfil atual das finanças públicas dos municípios do Rio de Janeiro no contexto do processo de descentralização brasileiro, visando avaliar se as mudanças associadas a esse processo contribuíram para assegurar maior autonomia na execução das prioridades definidas localmente e para a redução das disparidades horizontais. A próxima seção apresenta algumas considerações acerca do processo de descentralização brasileiro e a relação com a autonomia municipal. Nas seções seguintes, utilizando dados fiscais referentes a 2011 dos 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro, foram analisadas as principais fontes de recursos e sua contribuição para os orçamentos. Para permitir uma análise do conjunto, os municípios foram agregados em faixas populacionais, de acordo com o tamanho das respectivas populações, e por região do estado, buscando-se identificar semelhanças e diferenças entre eles e, eventualmente, detalhando-se ao nível de municípios específicos. Com essa orientação, a segunda seção analisa as receitas próprias, de origem tributária, buscando avaliar, por meio do comportamento dos principais tributos, o potencial dos municípios para financiarem, de forma autônoma, as políticas públicas, destacando as informações relativas ao município da capital, em virtude do elevado peso no conjunto. Retomando linha de pesquisa acerca da operação do sistema de transferências intergovernamentais de receitas aos municípios do Rio de Janeiro, na terceira seção buscou-se desagregar os componentes das receitas para avaliar seus efeitos sobre a equalização das capacidades de gastos dos municípios. 1 XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 A conclusão que fecha o trabalho, já detectada em outros estados,por diversos autores, é de que, também no Rio de Janeiro, o sistema de partilha de recursos na federação é ineficaz para a redução das disparidades horizontais. Sua operação penaliza os municípios fluminenses mais populosos, onde se concentram mais demandas sociais e problemas associados à gestão urbana, vis-a-vis os pequenos municípios – realidade anteriormente observada e que permanece atual. O processo de descentralização e a autonomia municipal Após a promulgação da Constituição de 1988, ao longo dos últimos 25 anos, foram aprovadas leis e normas infraconstitucionais, com destaque para a lei de responsabilidade fiscal, que modificaram a estrutura, as formas de gestão e o funcionamento de diversos setores e atividades da economia brasileira. Esse novo arcabouço legal trouxe implicações sobre a organização política e federativa, e disciplinou a entrega de recursos aos municípios para a execução de políticas públicas as quais, embora definidas no nível central, tiveram sua execução crescentemente transferida para a esfera municipal, cuja responsabilidade no gasto público aumentou, principalmente nas áreas sociais.1 Os recursos transferidos para os municípios aumentaram consideravelmente no período, embora cada vez mais vinculados a finalidades específicas, introduzindo limitações à gestão e à autonomia dos governos locais. Ao mesmo tempo, enquanto a capacidade de gasto no nível municipal aumentou nos últimos vinte e cinco anos, as demandas da sociedade também foram se tornando mais complexas. O crescimento demográfico acelerado e o desordenado processo de urbanização, em um contexto de crise fiscal, sem capacidade de investimento e planejamento compatível, redundaram em agravamento dos problemas associados ao desenvolvimento desigual das diversas regiões do país, com conseqüente migração de pessoas de outros estados, em busca de oportunidades de trabalho. No Rio de Janeiro, a elevada concentração populacional, principalmente na capital e na região metropolitana, decorrente da histórica polarização espacial das atividades econômicas, a tendência de metropolização da pobreza e a desigualdade na distribuição de renda entre as regiões contribuem para aumentar ainda mais as demandas da população sobre os governos para a ampliação das políticas sociais. Tal realidade, conjugada com a falta de mecanismos institucionais de cooperação e coordenação dos esforços municipais, e com problemas associados a falhas na capacidade institucional, vem redundando em deterioração das condições de vida em muitos municípios, principalmente na região metropolitana e na região noroeste do estado. Nesse contexto, é fundamental o aperfeiçoamentoda capacidade das administrações municipais de planejarem e implementarem ações que aumentem a efetividade das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento urbano e para a redução da pobreza e das desigualdades sociais. Vale dizer, melhorar a capacidade dos governos locais para o planejamento, a gestão, o monitoramento e a avaliação das políticas públicas e dos programas e projetos governamentais. 1 Nazareth (2007) 2 XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 Para tanto, devem ser buscadas melhorias na estrutura administrativa, no quadro de pessoal, nas instâncias de planejamento e articulação com as demais esferas e atores sociais, no tratamento das informações e em sua disponibilização, assegurando a transparência necessária para o exercício de uma gestão democrática e para o aperfeiçoamento do controle social.2 É nesse contexto que se insere a presente discussão. Passados 25 anos da promulgação da “Constituição Cidadã”, que consagrou ganhos importantes em termos dos direitos do cidadão, na direção do fortalecimento das instituições políticas e democráticas e da descentralização política, fiscal e de competências, as mudanças verificadas na economia brasileira e mundial induziram alterações no texto constitucional. Desde então e até 2013, 73 emendas à Carta Magna foram aprovadas buscando adequá-la à nova realidade política, com implicações importantes sobre o desenho institucional da estrutura federativa e sobre o financiamento e execução das politicas públicas pelas três esferas de governo. Na visão de alguns autores, as alterações constitucionais aprovadas tiveram como consequência, a recentralização derecursos fiscais e do poder de ditar normas e formular políticas no nível do governo federal, reduzindo na prática a autonomia de estados e municípios. De acordo com Santos e Mattos (2006), em que pese o “direito de exercer a condição de ente federado”, adquirido “teoricamente” pelos municípios com a Constituição de 1988, “na prática, contudo, o exercício pleno desse direito não lhe foi garantido. O constituinte de 1988 parece ter imaginado que haveria uma adesão automática dos governantes aos seus propósitos descentralizadores, que, entretanto, não ocorreu”. As emendas aprovadas desde então trabalhariam na direção de retomar o “centralismo da União nas tomadas de decisões que afetam todos os entes”. 3 Para Arretche (2012), além das emendas, outras matérias federativas contidas na legislação ordinária aprovada no período, “caracterizaram-se pela imposição de perdas aos governos subnacionais”, afetando receitas e autonomia decisória, em termos fiscais, orçamentários e para a execução daspróprias políticas.4 Nesse quadro de avanços e retrocessos, indaga-se quais são as condições atuais de autonomia e financiamento dos municípios que possibilitem aos governos locais definir e executar as políticas públicas de acordo com as prioridades definidas de forma autônoma. Análise das Receitas Tributárias dos Municípios do Rio de Janeiro de 20115 Em 2011, os 92 municípios do Rio de Janeiro (RJ) arrecadaram R$ 38,9 bilhões. A Tabela 1 apresenta, de maneira resumida, as receitas dos municípios do Rio de Janeiro de 2011 em milhões de reais correntes, desagregando-as segundo a origem dos recursos mencionada, evidenciando a participação percentual desses grupos no total arrecadado (coluna da direita). 2 Nazareth (2008) Santos e Mattos (2006: 734;735). 4 Arretche (2012:19). 5 Os dados das receitas e despesas dos municípios fluminenses são do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (município da capital) e, subsidiariamente, da Secretaria do Tesouro Nacional – STN/MF, Relatórios FINBRA. Foram também utilizadas informações das seguintes fontes: IBGE (população); ANP e Siafem-RJ (receitas provenientes da exploração o petróleo e gás natural); Secretaria do Tesouro Nacional (transferências de recursos federais); e Ministério da Saúde (SIOPS, para os dados da saúde). 3 3 XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 [Tabela 1 - Receitas dos Municípios do Rio de Janeiro – 2011 (em milhões de reais correntes)] Como se pode observar na primeira linha, as receitas tributárias, principal grupo, somaram R$ 10,2 bilhões, correspondentes a 26% do total. As transferências da União e do Estado, juntas, foram responsáveis por 40% do total, valor que alcançou R$ 15,6 bilhões. A compensação financeira pela exploração do petróleo e gás natural, denominada genericamente por royalties (embora englobe os valores referentes ao total das participações governamentais devida pela exploração do petróleo e gás natural, recebidas pelos municípios)6alcançou R$ 4,2 bilhões, equivalentes a 11%. As demais receitas (patrimonial, de contribuições e de capital), reunidas, somaram R$ 9 bilhões, ou 23% do conjunto das receitas. Em virtude do objetivo deste trabalho – reunir elementos que possibilitem avaliar as atuais condições financeiras e orçamentárias que afetam a capacidade potencial dos municípios do RJ financiarem políticas públicas de acordo com as prioridades definidas localmente – a Tabela 2 detalha os valores das receitas tributárias de 2011. Para um melhor entendimento, tendo em vista o peso do município do Rio de Janeiro no conjunto, os dados da capital estão segregados dos dados dos 91 municípios do interior. [Tabela 2 - Receitas Tributárias dos Municípios do RJ, 2011(em milhões de reais correntes)] A análise detalhada da arrecadação tributária informa que os impostos constituem a maior fonte de recursos, equivalendo, como se pode constatar na última coluna da Tabela 2, a um quarto de tudo que foi arrecadado por todos os municípios em 2011. O ISS, sobre serviços, é o principal imposto municipal, tendo contribuído com mais da metade da receita tributária (55%), a maior parte arrecadada no município da capital (66%), como se pode verificar nas primeiras colunas da Tabela 2. Aí também é possível constatar que em 2011 a capital arrecadou R$ 6,7 bilhões dos R$ 10 bilhões arrecadados pelos 92 municípios, confirmando o peso elevado que possui no conjunto e justificando a segregação efetuada. Com o IPTU, sobre a propriedade predial e territorial urbana, os municípios receberam R$ 2,3 bilhões, valor também majoritariamente arrecadado na capital (com R$ 1,5 bilhão), e que, no conjunto, representou 6% da receita total arrecadada no ano (R$ 38,9 bilhões). O ITBI, sobre a transmissão de Bens Imóveis, e as taxas, renderam aos municípios uma arrecadação que somou cerca de R$ 1,7 bilhão, ou 4% da receita total, como demonstrado na última coluna. Apesar do esforço empreendido com a separação os dados da capital, os valores agregados do interior não dão conta das profundas disparidades encontradas entre os municípios do estado, refletidas na receita tributária arrecadada por habitante, decorrentes de diferenças nas respectivas bases tributárias e/ou no esforço fiscal empreendido pelas administrações municipais. 6 Inclui royalties até 5% e royalties excedentes, participações especiais, Fundo Especial do Petróleo e a cota-parte dos municípios dos royalties até 5% recebidos pelo estado do Rio, distribuída mediante os mesmos critérios vigentes de repartição do ICMS (art. 9 da Lei Federal nº 7.990/89). 4 XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 Com o intuito de demonstrar como variou a arrecadação dos principais impostos entre os municípios do RJ, o Gráfico 1 a seguir compara os valores médios, por habitante, do ISS e IPTU em 2011 nos municípios que integram as diferentes regiões do estado.7 [Gráfico 1 - Receitas médias per capitado ISS e IPTU em 2011, Municípios do RJ, por região (em R$ correntes por habitante)] O Gráfico 1 expõe a maior importância relativa do ISS em todas as regiões, e, de forma mais pronunciada, nos municípios das regiões norte e sul fluminenses, onde estão concentradas as atividades ligadas ao petróleo e gás, e na capital, a mais elevada, na qual cada residente pagou R$ 586 de ISS. Ilustrando o contraste encontrado entre as regiões do estado, as menores arrecadações desse imposto, por habitante, foram apuradas em Cambuci e Varre-Sai, na região noroeste: menos de R$ 13. De forma ainda mais contundente, apuraram-se valores médios de IPTU por habitante em 2011 que variaram muito entre aos municípios: de um mínimo de menos de R$ 5 por residente em Laje do Muriaé, Trajano de Morais e Varre-Sai, nas regiões noroeste e serrana, a um máximo de mais de R$ 350 em Niterói, na região metropolitana. Quando se compara o valor do IPTU apurado nesse que é um importante município litorâneo, com o valor do IPTU médio arrecadado em Japeri, situado no interior daquelamesma região, que somou apenas R$ 6por habitante, resta evidente a heterogeneidade também dentro dos municípios de cada região. Os resultados apurados para o ISS correspondem, de maneira geral, ao previsto: arrecadação mais relevante nos municípios que concentram mais atividades econômicas – mesmo comportamento esperado da parcela do ICMS que é proporcional ao valor adicionado. A receita do IPTU, por outro lado, que deveria acompanhar o maior desenvolvimento econômico, sófoi maior do que a do ISS em 8 municípios do estado. Com relação a este aspecto, cumpre destacar que, em 2004, quase metade dos municípios do RJ arrecadavam mais IPTU do que ISS, evidenciando significativa mudança desde então, que merece ser oportunamente estudada. Em princípio, quanto maior e mais populoso o município, maior a densidade econômica e, portanto, a base tributária para os dois principais impostos, o IPTU e o ISS. Entretanto, enquanto a arrecadação do primeiro envolve maior esforço da administração municipal na cobrança e fiscalização, exigindo a manutenção de cadastros atualizados, a receita do ISS, embora também seja a que mais depende da estrutura de fiscalização para garantir a eficiência da sua arrecadação, aumenta com o maior nível de atividade e serviços nos municípios, dependendo, em grande medida, do próprio contribuinte. As variações observadas entre as regiões podem ser explicadas pelas diferenças nas bases tributárias, com maior arrecadação nas que apresentam níveis mais elevados de desenvolvimento e renda – como a capital, metropolitana, norte e baixadas litorâneas –, em contraste com a menor arrecadação nas regiões mais pobres – no caso fluminense, as regiões noroeste, serrana e centro-sul.Os condicionantes do esforço fiscal, por outro lado, teriam maior poder explicativo para justificar as diferenças observadas nas arrecadações dos tributos entre municípios de uma mesma região, que possuiriam, em tese, capacidades tributárias semelhantes. 7 A divisão regional foi adotada pela Lei nº 1.227, de 1987, e apesar de ter sido alterada posteriormente (pelas Leis Complementares nº 64/90, 97/01 e 105/02), foi mantida neste trabalho, seguindo a Tabela de Regiões constante do Anexo II da Lei nº 2.664/96, para permitir comparações entre os valores relativos aos diferentes anos considerados. 5 XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 O trabalho de controle e auditoria realizado de forma sistemática nos sistemas de administração e fiscalização tributária do estado e dos municípios pelo TCE-RJ vem contribuindo para um maior conhecimento dessa realidade no RJ e para a identificação não apenas das mencionadas diferenças como também de problemas relacionados ao esforço fiscal que são comuns a diversos municípios fluminenses.8 A operação do sistema de transferências intergovernamentais de receitas aos Municípios do Rio de Janeiro em 2011 Os dados acima examinados evidenciaram as profundas desigualdades existentes entre as receitas tributárias arrecadadas pelos municípios do RJ, seja quando se comparam os valores entre as regiões do estado, seja mesmo entre municípios de uma mesma região geográfica. Como observado por Prado (2001), a presença de expressivas disparidades intra-regionais, do ponto de vista fiscal, na federação brasileira, refletida na arrecadação própria dos municípios (como visto em nossa análise), torna essencial conhecer e avaliar os mecanismos que operam a distribuição dos recursos fiscais entre os diferentes níveis de governo. O complexo sistema de transferências intergovernamentais de recursos da União e do Estado para os municípios (verticais) e entre estes (horizontais), pensado para redistribuir os recursos fiscais e dessa forma garantir a equalização efetiva da capacidade de gasto na federação, tem-se revelado ineficiente e incapaz de reduzir as disparidades horizontais entre os municípios fluminenses, como se procurará demonstrar. A análise apresentada a seguir retoma a linha de pesquisa inicialmente desenvolvida em Nazareth (2007), com base no modelo analítico proposto por Sérgio Prado (2001, 2003), razão pela qual serão repetidas, brevemente, as premissas e a metodologia adotadas. Visando separar as receitas por seus objetivos e componentes, o modelo analítico adotado segue, como já mencionado, o esquema formulado por Sérgio Prado com o objetivo de “identificar os componentes que podem ser considerados quase universais em sistemas fiscais federativos”.9 Para tanto, o ponto de partida é a receita própria diretamente arrecadada pelos entes, que deriva da atribuição de competências tributárias, à qual se vão agregando, sucessivamente, “formas básicas de transferências, que vão gerando outros perfis de distribuição da receita até chegar à receita final disponível que define a capacidade de gasto efetiva de cada jurisdição”. Assim, propõe separar os efeitos das duas funções básicas assumidas usualmente pelos governos de níveis superiores em sistemas federativos: a de arrecadador substituto e a de redistribuidor de recursos com fins de equalização do poder de gasto orçamentário e da provisão de bens públicos específicos.10 8 Desde 2004, o TCE-RJ vem desenvolvendo um trabalho pioneiro, em nível de governos subnacionais, no controle externo das receitas estadual e dos municípios jurisdicionados, contando com uma estrutura exclusivamente criada para esse fim. Nazareth (2007:238-240). 9 Prado (2001; 2003). 10 Para Prado (2003:46), a inadequação crescente, nos níveis subnacionais, entre encargos (que aumentam com a descentralização) e arrecadação própria de cada nível de governo (em face da concentração da arrecadação no nível central) tem raízes históricas no modelo do Estado Keynesiano, reforçadas com a complexidade dos sistemas trazida pela globalização. 6 XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 Com base no reconhecimento de que a tendência à concentração da arrecadação no nível central (superior) de governo, aliada à descentralização de encargos, torna necessária e fundamental a transferência de receitas para ajustar verticalmente a capacidade de gasto, o modelo classifica os fluxos das transferências intergovernamentais por sua finalidade (devolutiva/compensatória ou redistributiva, voltada para reduzir disparidades ou vinculada a objetivos setoriais) e separa esses fluxos em estruturais (legal ou constitucionalmente definidos) ou de curto prazo (discricionários). O esquema trabalha com três conceitos básicos de receita, que, como se observou acima, resultam da agregação dos diferentes tipos de recursos fiscais e que podem ser posteriormente desdobrados em outras formas de apropriação e perfis de distribuição da receita, pelas diferentes unidades que integram os sistemas fiscais federativos, até chegar à receita final disponível, que define a capacidade de gasto efetiva de cada jurisdição: 11 Arrecadação Própria: reflete a estrutura de competências tributárias e o esforço fiscal de cada nível de governo; Receita Própria: totalidade de recursos derivados da exploração das bases tributárias do território, independente de quem arrecada; e, Receita Disponível Permanente: totalidade de recursos recebidos de forma permanente, resultante da arrecadação própria e da operação do sistema de transferências. Esses conceitos são detalhados por Prado e desdobrados com a agregação abaixo resumida, que constitui o esquema analítico básico para sistemas de transferências intergovernamentais, o qual adaptamos para a análise do caso fluminense: 12 Apropriação inicial por competência tributária: 1. ARRECADAÇÃO ou Receita Própria Diretamente Arrecadada (+) Devolução Tributária (=) Apropriação legal derivada das bases tributárias: 2. RECEITA PRÓPRIA ou Receita Própria Líquida (+) Transferências redistributivas e por políticas seletivas permanentes, intra-estaduais (=) Apropriação por critérios redistributivos e de políticas seletivas permanentes (critério fiscal de longo prazo), nos limites do estado: 3. RECEITA DISPONÍVEL POR APROPRIAÇÃO ECONÔMICA (+) Transferências redistributivas e por políticas seletivas permanentes (setoriais) (=) Apropriação por critérios redistributivos e de políticas seletivas permanentes (critério fiscal de longo prazo): 4. RECEITA DISPONÍVEL PERMANENTE (+) Transferências da Compensação Financeira (Royalties) (=) Apropriação por critérios redistributivos e de políticas seletivas permanentes (critério fiscal de longo prazo), incluindo Royalties: 5. RECEITA DISPONÍVEL PERMANENTE COM ROYALTIES (+) Transferências discricionárias (=) Apropriação efetiva no ciclo orçamentário: 6. RECEITA FINAL OU RECEITA DISPONÍVEL EFETIVA 11 12 Prado (2003: 45). Prado (2003); Nazareth (2007). 7 XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 A principal adaptação feita ao modelo de Prado é a inclusão de categoria exclusiva para contemplar as receitas derivadas do petróleo e do gás natural (aqui chamadas Royalties), que não se enquadram em nenhuma das categorias anteriores e que, por sua natureza jurídica específica, relevância no período da análise, e por se assemelharem em seus impactos às transferências não-vinculadas, apesar de seu caráter de transitoriedade, justificam o tratamento separado. Prado não inclui no modelo as demais fontes de recursos (tais como patrimoniais, de contribuições, de capital, entre outras), que podem variar sensivelmente a cada ano (ou são exclusivas para os regimes próprios de previdência social dos servidores) não devendo ser consideradas, portanto, capacidade efetiva de gasto. Em 2011, estas receitas representaram, em termos agregados, pouco mais de 20% da receita arrecadada pelo conjunto de municípios do estado do Rio de Janeiro. Com base no esquema apresentado, o Quadro 1 apresenta as receitas médias de 2011, por habitante dos municípios do Rio de Janeiro, agregados em faixas, de acordo com o tamanho de suas populações13. Os componentes redistributivos do sistema de partilha dos recursos fiscais estão destacados no quadro, que separa os diferentes conceitos de receita e as transferências recebidas, de acordo com a natureza. Esta opção metodológica, como já explicado, tem por objetivo evidenciar a diferença entre as transferências de recursos que constituem mera devolução tributária – no sentido de que o próprio município poderia arrecadar as receitas transferidas, por serem resultantes da exploração das bases tributárias de sua jurisdição – e aquelas que possuem natureza redistributiva. As transferências são diferenciadas ainda segundo a vinculação: se são livres de condicionalidades; destinadas a finalidades específicas14 ou, ainda, recursos de transferências voluntárias, transferidos, em sua maioria, por convênios. Com esse intuito, o Quadro 1 apresenta inicialmente a receita tributária per capita à qual vão sendo agregadas progressivamente as transferências, por natureza, gerando dessa forma os diferentes conceitos de receita, até o conceito de receita final. Destaque-se que os valores médios de cada conceito e componente, para cada faixa populacional, foram calculados somando as receitas de todos os municípios que as integram, e dividindo esse montante pelo total da população residente na faixa. Resta evidenciado do exame do Quadro 1que, desde a receita tributária diretamente arrecadada pelos municípios, os valores que vão sendo incorporados aos orçamentos, classificados segundo as diferentes origens e naturezas das transferências fiscais, contribuem para inverter, de forma radical, a distribuição desigual da capacidade inicial de gasto, dada pela capacidade de arrecadação dos tributos municipais, que se analisou anteriormente. [Quadro 1 - Receitas per capita dos Municípios do RJ, por Categoria de Receitae Componentes, valores médios por Faixa Populacional– 2011 (em R$ por habitante)] 13 Os municípios foram agregados, de acordo com a faixa populacional, em pequenos (menos de 20 mil hab.); médios (de 20 mil e 1 a 100 mil hab.); grandes (de 100 mil e 1 a 300 mil hab.); muito grandes (entre 300 mil e 1 a 1,5 milhão de hab.); e a capital (único município do estado com mais de 1,5 milhão de hab.). 14 As transferências do Sistema Único de Saúde (SUS), do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), ambos considerados, nesse esquema, fundos redistributivos setoriais. 8 XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 De pronto, chama a atenção no quadro, a expressiva variação dos valores médios arrecadados diretamente pelos municípios, por habitante, agregados segundo a faixa populacional, indicados na primeira linha, resultado que deriva das desiguais bases tributárias sobre as quais incidem os impostos municipais, que correspondem às disparidades de renda e atividade econômica identificadas no território do estado do Rio de Janeiro.Este ponto já foi analisado na seção precedente. Ainda assim, a agregação por faixa permite identificar acentuada tendência de crescimento da receita com o aumento da população – com exceção do valor médio da faixa dos municípios muito grandes, a maior parte situada na região metropolitana. Com efeito, o valor da receita tributária paga por cada habitante da capital em 2011 (R$ 1.048), é mais de 5 vezes superior ao valor da receita média por habitante da faixa dos municípios de pequeno porte (R$192). A agregação à receita diretamente arrecadada, dos valores transferidos aos municípios pela União e pelo governo estadual a título de devolução tributária corresponde ao conceito de receita própria, que equivale, portanto, à apropriação legal derivada de suas bases tributárias. Para calculá-lo, foram agregadas à receita tributária, na presente análise, as transferências das cotas-partes de impostos e contribuições de competência federal – ITR, IOF, CIDE– e estadual – parcelas do ICMS proporcional ao valor adicionado fiscal (75% do total) e do IPVA – arrecadados nos territórios municipais. É possível constatar que, com a agregação dessa parcela, a situação observada inicialmente se modifica: a receita própria média apurada por habitante na faixa dos municípios pequenos, R$ 679,ultrapassa a dos municípios médios, R$ 468, e dos muito grandes, R$ 520. Cabe alertar, no entanto, que essa média elevada, apurada na faixa dos pequenos municípios, deve-se ao impacto da devolução da parcela do ICMS correspondente ao valor adicionado no município de Porto Real, que possui intensa atividade industrial – o que permite considerá-lo, nessa realidade, um “ponto fora da curva”, já que a grande maioria dos 26 municípios dessa faixa (mais de 60%) pertence às regiões noroeste e serrana, caracterizadas por um menor dinamismo econômico comparativamente à região do Médio Paraíba, onde está Porto Real. Excluindo este da faixa, apenas como exercício para fins da presente análise, a receita própria média dos pequenos cairia para R$ 308 por habitante, a mais baixa de todos os grupos, mantendo a tendência de aumento progressivo da receita própria com o aumento da população. A corroborar o argumento, observa-se que a receita própria per capita na faixa dos grandes municípios é mais elevada do que nos pequenos – mesmo com Porto Real –; na Capital é quase o dobro da apurada nos menores. A incorporação das transferências redistributivase por políticas seletivas permanentes, que operam nos limites de cada estado, permite chegar ao conceito de receita disponível por apropriação econômica. Para calculá-lo, primeiramente agregou-se à receita própria diretamente arrecadada e devolvida, um fluxo de transferências do governo estadual que tem por objetivo reduzir as disparidades e ampliar a capacidade geral de gasto dos orçamentos municipais, mas sem qualquer relação de proporcionalidade com as bases tributárias de cada jurisdição. 9 XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 Sob a denominação dada por Prado, de Sistema Cota-Parte, este fluxo inclui os 25% da cota-parte municipal do ICMS (não devolutivos)15 e as cotas-partes municipais do IPI-Exportação e do Seguro Receita – transferências compensatórias da União para os estados, decorrentes dos impactos negativos da desoneração de impostos incidentes sobre as exportações nas finanças estaduais. 16 Os valores médios das transferências do Sistema Cota-Parte relativos a 2011, para cada faixa populacional, constam do Quadro 1, onde se destacou, por sua preponderância, a parcela de 25% da cota-parte municipal do ICMS, distribuída segundo os critérios da lei estadual nº 2664/96. 17 Pelo exame dos dados, é possível constatar a importância dessa parcela (aqui chamada ICMS-Dif) para assegurar a redistribuição de recursos para os pequenos e médios municípios, para os quais, na média, ultrapassou em 2011 os valores do ICMS pago de acordo com o valor adicionado – o que, aliás, como apontado, era o objetivo. Pode-se constatar que os valores médios por habitante são inversamente proporcionais ao tamanho dos municípios, caindo de R$ 861 por residente nos pequenos a R$ 51 nos muito grandes, apurando-se, na capital, apenas R$ 0,5 per capita. O segundo fluxo que opera nos limites das fronteiras estaduais, realocando capacidade de gasto internamente, é o das transferências do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, FUNDEB. Essa transferência, setorialmente vinculada à educação,tem por objetivo garantir que todos os entes disponham do mesmo valor por aluno,concorrendo, dessa forma, para a ampliação do atendimento e a melhoria qualitativa do ensino oferecido,assegurando igual capacidade de provisão local na educação básica brasileira. Os recursos do Fundo são repassados aos estados e municípios obedecendo a coeficientes calculados com base no número de matrículas nas escolas públicas e conveniadas no âmbito de cada unidade federativa no ano anterior, informados pelo resultado do Censo Escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), bem como na diferenciação de valor por aluno/ano.18 Os valores per capita das transferências do FUNDEB recebidas pelos municípios em cada faixa populacional são relativamente homogêneos, em torno de R$ 300, exceto nos municípios muito grandes, cuja média foi de R$ 170. A agregação desses dois fluxos redistributivos, intra-estaduais, em lugar de promover a esperada equalização da capacidade de gasto, inverteu a situação observada inicialmente, fazendo com que a receita disponível por apropriação econômica média, por habitante dos municípios que integram a faixa dos pequenos, no valor de R$ 1.893, superasse a média apurada em todas as outras faixas, alcançando o dobro dessa mesma receita apurada para a faixa dos municípios muito grandes, R$ 750. 15 Prado (2003:58) observa que a parcela dos 25% do ICMS é a única transferência redistributiva “gerida e operada autonomamente pelos governos estaduais”. 16 O IPI-Exportação é constituído por 10% da receita do IPI distribuída aos estados proporcionalmente ao volume exportado, e o Seguro Receita é compensação pela desoneração do ICMS introduzida pela Lei Complementar nº 87/96. 17 O objetivo era compensar a situação dos municípios do interior, desfavorecidos na distribuição da parcela do ICMS proporcional ao valor adicionado, em virtude da concentração das atividades na capital e seu entorno.(Nazareth, 2007). 18 Além disso, está também prevista complementação de recursos do governo federal para os estados da Federação cujos respectivos fundos não alcancem o valor mínimo por matrícula escolar fixado nacionalmente, o que significa que é redistributivo a nível nacional. Em 2011, nem o estado nem os municípios do RJ receberam complementação federal.http://www.fnde.gov.br/financiamento/fundeb/fundeb-apresentacao 10 XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 Visando chegar ao conceito de receita disponível permanente, critério fiscal de longo prazo,devem ser agregadasas transferências do Sistema Único de Saúde (SUS), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Os três primeiros, relacionados a funções setoriais, não atuam diretamente sobre a capacidade geral de gasto do orçamento, mas interferem na alocação dos recursos públicos destinados à oferta de bens e prestação de serviços nas áreas da saúde, educação e assistência social, respectivamente. As transferências do FPM, formado por recursos dos impostos de renda e sobre produtos industrializados (federais), por outro lado, têm caráter geral, implicando capacidade livre de gasto.Assim como a distribuição dos recursos da cota-parte dos 25% do ICMS não proporcionais ao valor adicionado, estes recursos têm caráter eminentemente redistributivo. Em virtude dos critérios de rateio, no entanto, os valores transferidos aos municípios menos populosos em 2011foram quase dez vezes maiores que os valores repassados, por habitante, às cidades muito grandes, onde vive a maior parte da população fluminense. Com efeito, como se constata no Quadro 1, os valores médios recebidos, por habitante, são inversamente proporcionais ao tamanho das populações dos municípios do RJ, caindo sistematicamente de R$ 452 por residente nos pequenos, até chegar a R$ 53 nos muito grandes e apenas R$ 25 na capital. Terminam, dessa forma, por agravar sensivelmente as disparidades que procuravam reduzir, apesar de representarem apenas 4% das receitas totais dos municípios. Dentre as transferências vinculadas aos objetivos setoriais da saúde, educação e assistência social,o SUS, que repassa recursos federais para o financiamento de gastos em saúde, acompanhado de uma estratégia de progressiva descentralização da gestão, é o mais relevante,contribuindo com valores equivalentes a 7% da receita total, enquanto os demais representam apenas 2%. A distribuição dos recursos do SUS, de forma coerente com a lógica que o preside, dá-se de forma relativamente homogênea entre os municípios, o que permite inferir que respeita as necessidades locais. As transferências do FNDE e do FNAS, apesar de vinculadas a finalidade específicas e não redistributivas, tendem a favorecer também pequenos e médiosmunicípios, em detrimento dos muito grandes e da capital. Com a incorporação desses valores, chega-se a uma receita disponível permanente por habitante de R$ 1.566 para o conjunto dos municípios, mas que apresenta uma dispersão muito grande entre eles, significativamente maior na faixa dos municípios pequenos (R$ 2.611) do que em qualquer outra faixa, especialmente na dos municípios muito grandes (R$ 1.025). As receitas da compensação financeira proveniente do petróleo e gás natural, embora sejam distribuídas de acordo com critérios de confrontação geográfica com os campos e poços produtores, contribuem para agravar ainda mais as distorções apontadas e aprofundar as desigualdades horizontais na capacidade de gasto. Além de regionalmente concentrada, a distribuição desses recursos também favorece os pequenos e médios municípios, resultando em valores médios da receita disponível permanente com royalties, por habitante dos municípios que têm mais de 300 mil habitantes, de R$ 1.336, que são inferiores à metade dos recursos disponíveis nos pequenos municípios, R$ 3.124. Este valor médio é o mais elevado dentre todos os apurados nesse conceito de receita, corroborando o que já se observara. 11 XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 Por fim, as transferências voluntárias, em que pese sua pouca expressividade (1% do total), também variam no mesmo sentido e ritmo das demais, sendo bem maiores quando destinadas aos pequenos municípios (R$ 180 por habitante) relativamente aos demais. Do efeito conjugado desse padrão de distribuição das transferências, chega-se a um valor de receita final per capita da faixa dos pequenos municípios que é mais do dobro da receita dos maiores: de R$ 3.304nos primeiros contra R$ 1.364 nos últimos, evidenciando a disparidade na capacidade pública de atendimento das demandas nas grandes cidades fluminenses, onde se concentra a maior parte da população. Disparidades Horizontais no Rio de Janeiro: uma ilustração O Gráfico 2 pretende ilustrar a situação encontrada, por meio da apresentação dos dados extremos das receitas médias por habitante, de municípios de tamanhos distintos, localizados em diferentes regiões do estado com realidades muito desiguais. O Gráfico demonstra, inicialmente, como variaram os valores arrecadados diretamente pelas administrações locais em 2011, no conceito de arrecadação própria: de um mínimo de R$ 40 arrecadados por cada residente em Varre-Sai, pequeno município de 9 mil e 600 habitantes, localizado na região noroeste (a mais pobre do estado), a um máximo de R$ 2.051 pagos por cada um dos 212 mil residentes em Macaé, a chamada “capital do petróleo”, na região das baixadas litorâneas. Uma rápida olhada permite visualizar o aprofundamento da diferença entre as receitas dos municípios fluminenses, quando se agregam os componentes da devolução tributária, resultando em valores tão díspares quanto um mínimo de R$ 92 por habitante, registrados em Varre-Sai, a um máximo de R$7.600 em Porto Real, município localizado na região do médio Paraíba que registra um dos maiores PIB per capita do país, onde estão instaladas fábricas ligadas à indústria automobilística (vale dizer, uma diferença entre as médias de mais de 80 vezes entre a menor e a maior receita por habitante). A operação do sistema de transferências com viés redistributivo, que beneficia os pequenos municípios, em detrimento dos grandes e muito grandes, que concentram população e demandas, fica evidenciada no conceito de receita disponível permanente – ao qual, nesta análise, foram agregados os royalties. Em consequência, é possível encontrar municípios como São Gonçalo, com valores por residente que variam de R$ 595, o mais baixo do estado, a R$ 6.327 em Macaé e R$ 10.057, em Porto Real. Somadas as transferências voluntárias, chega-se ao conceito de receita final, e o quadro pouco se altera. [Gráfico2 - Arrecadação Própria, Receita Própria, Receita Disponível Permanente e Efetiva RJ, Municípios selecionados, 2011 (em R$ por habitante)] Merece destaque, por ser emblemática da situação descrita, e não afetada de modo significativo por royalties, a comparação entre a receita final do município de São Gonçalo, na região metropolitana, o mais populoso do estado, com mais de um milhão de habitantes, de R$ 638 por cada residente, e VarreSai, onde os 9.600 habitantes contam, cada um, com mais de R$ 2.800. Como se pode concluir, as transferências redistributivas, que deveriam operar para promover a redução das desigualdades observadas no estado do Rio de Janeiro, beneficiam desproporcionalmente os municípios de menor porte, onde vive uma pequena parcela de 2% da população, em detrimento daqueles mais populosos, onde vive, hoje, quase um terço da população fluminense. A conseqüência da desigualdade horizontal, agravada pelo sistema de partilha das receitas, é a penalização das cidades metropolitanas. 12 XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 De fato, seis dos sete municípios considerados muito grandes pertencem aessa região e o sétimo é Campos dos Goytacazes, na região norte, mas que recebe o maior volume de receitas do petróleo e gás natural dentre todos os municípios do estado, o que faz com que apresente situação privilegiada em relação aos demais da faixa (R$ 4.016 por habitante). Conclusão A análise realizada evidenciou, em 2011, a persistência de profundas desigualdades horizontais entre os municípios do RJ, refletidas na desigual capacidade final de gasto. Foi constatado que, enquanto os sete municípios fluminenses considerados muito grandes, nos quais vive 28% da população e onde se concentram as maiores demandas urbanas, registraram capacidade efetiva de gastos (receita disponível permanente) média de R$ 1.025 por habitante, os 27 pequenos municípios que concentram apenas 2% da população fluminense, contaram com um valor 2 vezes e meia superior: R$ 2.611 por habitante. A agregação das receitas provenientes do petróleo e das transferências discricionárias (voluntárias) contribuiu para aprofundar ainda mais o fosso existente entre as receitas finais disponíveis por habitante dos municípios dessas faixas. Conclui-se, portanto, que as transferências intergovernamentais, desenhadas para assegurar a equalização horizontal da capacidade de gasto, não cumprem, no Rio de Janeiro, com seu objetivo. Pelo contrário, favorecem de tal maneira os municípios menores em detrimento dos demais que, ao final da operação do sistema de partilha, a receita disponível permanente, por habitante dos municípios que integram a faixa dos pequenos, ultrapassa largamente a receita per capita dos municípios que possuem entre 300 mil e 1,5 milhão de habitantes – antes mesmo de computadas as receitas do petróleo, que, além de regionalmente concentradas, agravam o desequilíbrio. A situação retratada impõe reflexão e a discussão acerca da oportunidade para rever os critérios de distribuição dos recursos fiscais, uma vez que os impactos esperados sobre a gestão das grandes cidades são altamente negativos, em face da concentração das demandas nas áreas sociais e de infraestruturae gestão urbana. Referências bibliográfícas ARRETCHE, Marta, (2012) Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV; Editora Fiocruz, 2012. NAZARETH, Paula A., (2012) Uma simulação das perdas de receitas do estado e dos municípios do RJ com as mudanças em discussão, apresentação no Seminário Royalties do petróleo - para além da mera disputa por recursos; http://www.centrocelsofurtado.org.br/arquivos/file/OCF_Paula_Nazareth_seminario_roylaties2.pdf; 12-07-2013; _______________ (2008) Mecanismos de gestão pública: uma avaliação dos municípios fluminenses, In: “XIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública”, 4 a 7 novembro de 2008, Buenos Aires; CD-ROM - “XIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública”. Argentina: CLAD, 2008; _______________ (2007) Descentralização e Federalismo Fiscal: Um Estudo de Caso dos Municípios do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado) IE/UFRJ, ago. 2007; http://www.ie.ufrj.br/datacenterie/pdfs/pos/tesesdissertacoes/tese_de_doutorado_paula_alexandre .pdf; 12-07-2013 13 XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 PRADO, Sérgio. Transferências Fiscais e Financiamento Municipal no Brasil. Trabalho elaborado para o projeto Descentralização Fiscal e Cooperação Financeira Intergovernamental. São Paulo: EBAP/K. Adenauer, jul. 2001, http://www.cepam.sp.gov.br/arquivos/artigos/TransferenciasFiscais&FinancMunicipal.pdf; 1007-2013; ___________. Distribuição intergovernamental de recursos na Federação brasileira. In: REZENDE, F.; OLIVEIRA, F.A. (Orgs.). Descentralização e Federalismo Fiscal no Brasil: desafios da reforma tributária. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer Stiftung, 2003. SANTOS, Ângela M. S. P.; MATTOS, Liana P. Reformas Constitucionais e autonomia municipal no Brasil. Economía, Sociedad y Território. El Colegio Mexiquense, A. C., México, v. V, n. 20, p.731-752, jan./abr. 2006. Resenha biográfica Paula Alexandra Canas de Paiva Nazareth Doutora em economia pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IE/UFRJ; Diretora-Geral da Escola de Contas e Gestão (ECG) do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ); Mestre em Economia Industrial (IEI/UFRJ) e Bacharel em ciências econômicas (FEA/UFRJ); Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro Praça da República, 70/ 9º andar, Centro Código Postal: 20211-351 Cidade : Rio de Janeiro País: Brasil Tel: (5521) 3231-4180/ 3231-5690/ 2729-9547/2729-9548 Fax : (5521) 2729-9536 E-mail: [email protected] Marcos Ferreira da Silva Técnico de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ); Pós-graduado em Controle Externo (Fundação Getúlio Vargas - FGV/RJ); Bacharel em Estatística (Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE); Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro Praca da Republica, 70/ 2º andar Codigo Postal: 20211-351 Cidade : Rio de Janeiro Pais: Brasil Tel: (5521) 3231-4694/ 3231-5538 E-mail: [email protected] 14 XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 Tabelas Tabela 1 Receitas dos Municípios do Rio de Janeiro – 2011 (em milhões de reais correntes) Receitas 2011 Receita Tributária Transferências do Estado Transferências da União Royalties Demais receitas Receita Total 10.171 9.840 5.727 4.161 29.899 38.926 % no Total 26% 25% 15% 11% 23% 100% Fonte: TCE-RJ (SIGFIS), STN (FINBRA);e TCM-RJ Tabela 2 Receitas Tributárias dos Municípios do RJ, 2011 (em milhões de reais correntes) Receitas 2011 Municípi o do Rio Receita tributária 6.663 Impostos Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza- ISS Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana- IPTU Imposto sobre a Transmissão inter vivos, de Bens Imóveis - ITBI Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza, Incidente na Fonte (pago pelos próprios municípios) –IRRF Taxas Contribuição de melhoria % do total 66 % Município % do s do total interior 34% 3.508 Municípios % na do Rio de Receit a Total Janeiro 26% 10.171 3.723 66% 1.919 34% 5.641 1.527 67% 743 33% 2.270 593 70% 250 30% 843 25% 14% 6% 2% 2% 500 59% 350 41% 850 321 0 57% 240 0% 5 43% 100 % 561 5 Fonte: TCE-RJ (SIGFIS), STN (FINBRA);e TCM-RJ 15 1% 0% XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 Gráfico 1 Receitas médias per capita do ISS e IPTU em 2011, Municípios do RJ, por região (em R$ correntes por habitante) Quadro 1 Receitas per capita dos Municípios do RJ, por Categoria de Receita e Componentes, valores médios por Faixa Populacional– 2011 (em R$ por habitante) Categorias Arrecadação (Receita Tributária) Devolução Tributária ICMS-V.A. (75%) IPVA Receita Própria Muito Grandes de de De 20.001 até 20 mil 100.001 300.001 a a 100 mil hab. mil a 300 1.500.000 hab. mil hab. hab. Pequenos Médios Grandes 192 264 517 299 1.048 631 26% 487 456 25 679 204 174 26 468 386 345 38 903 222 191 29 520 286 224 61 1.335 283 238 43 915 12% 10% 2% 38% 16 Capital Receita (% Média no mais de total) per 1.500.001 capita hab. XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 Transferências Sistema 907 296 100 60 8 90 4% Cota-Parte ICMS-Dif. (25%) 861 281 85 51 1 79 3% FUNDEB 306 300 288 170 235 235 10% Receita Disponível por 1.893 1.064 1.291 750 1.577 1.240 51% apropriação econômica FPM 452 275 171 53 25 97 4% SUS 192 219 172 183 166 178 7% FNDE e FNAS 75 67 61 39 50 51 2% Receita Disponível 2.611 1.625 1.695 1.025 1.818 1.566 65% Permanente Royalties 514 566 452 311 28 258 11% Receita Disponível 3.124 2.191 2.147 1.336 1.846 1.824 76% Permanente com Royalties Transferências 179 73 56 28 2 31 1% Voluntárias(Discricionárias) Receita Final 3.304 2.263 2.203 1.364 1.848 1.856 77% Fonte: Elaboração própria com base nos dados do TCE-RJ (SIGFIS) e STN (FINBRA) e TCMRJ para os dados do município da capital OBS: Metodologia proposta por Prado (2003). As siglas representam: ICMS-V.A.: parcela de 75% da cota-parte municipal do ICMS distribuída segundo o valor adicionado pelo município; IPVA: cota-parte municipal correspondente a 50% do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (estadual), distribuída de acordo com os veículos licenciados em seus territórios; Sistema Cota-Parte: inclui as transferências redistributivas do governo estadual: ICMS-Dif., a cota-parte municipal do IPI-Exportação e do Seguro Receita (LC 87/96); ICMS-Dif.: parcela de 25% da cota-parte municipal do ICMS distribuída segundo critérios da lei estadual nº 2.664/96; FUNDEB: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação; FPM: Fundo de Participação dos Municípios; SUS: Sistema Único de Saúde; FNDE: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação; FNAS: Fundo Nacional de Assistência Social; Royalties: Inclui royalties até 5% e excedentes, participações especiais e a cota-parte de 25% da parcela de royalties até 5% recebida pelo estado, mas que pertence aos municípios. 17 XVIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Montevideo, Uruguay, 29 oct. - 1 nov. 2013 Gráfico2 - Arrecadação Própria, Receita Própria, Receita Disponível Permanente e Efetiva RJ, Municípios selecionados, 2011(em R$ por habitante) 18