ESTUDO DAS VARIÁVEIS DA INTELIGÊNCIA (Q.I. e FACTOR ‘G’) E SUA RELAÇÃO COM PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM – COMPORTAMENTO: ESTUDO TOMANDO A PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES Luís M. Peixoto Universidade do Minho Qual a relação entre inteligência e problemas de aprendizagem – comportamento, em sala de aula? Esta era apenas uma das questões de um estudo alargado, que decorreu durante a década de 90 com 560 alunos do ensino básico obrigatório, analisados em Serviço de Psicologia e Orientação. Os instrumentos de avaliação da inteligência foram o Wechsler Intelligence Scale for Children (Q.I.) e as Progressive Matrices (Factor ‘g’), usando-se uma grelha informativa, com doze indicadores de aprendizagem-comportamento, dirigida aos professores para obtenção de dados sobre a sua percepção de aspectos da aprendizagem e do comportamento dos alunos, em sala de aula. Para a análise estatística dos dados obtidos, recorremos ao programa SPSS (versão 11.0 para Windows) e cuja síntese dos resultados se apresenta de seguida: (i) as diferenças nas médias das variáveis cognitivas (Q.I. e Factor ‘g’) entre alunos, referidos pelos seus professores, como “sem problemas” e “com problemas” são favoráveis aos alunos “sem problemas” em todos os indicadores (com excepção da ‘indisciplina’ e da ‘autoconfiança’e apenas no que se refere ao Q.I. e ao PMC, respectivamente); (ii) as diferenças nas médias das variáveis cognitivas (Q.I. e Factor ‘g’) são mais elevadas nos indicadores relativos à aprendizagem (nomeadamente, nos aspectos mais ligados à cognição), sendo mais baixas nos indicadores relativos ao comportamento (nomeadamente, nos aspectos mais ligados ao comportamento disruptivo). Introdução Embora não pareça haver ainda um consenso geral sobre o que seja a inteligência ou de quais as habilidades que devem ser medidas para uma avaliação o mais eficaz possível, aceita-se como uma medida razoável de inteligência a obtida pelos instrumentos por nós utilizados: Wechsler Intelligence Scale for Children e Progressive Matrices. Através dos tempos as teorias sobre a inteligência foram evoluindo, mas é no Séc. XX que se dá um intenso debate sobre a problemática da inteligência, a partir do trabalho de Spearman, de 1904 e do trabalho de Binet e Simon, publicado em 1905. Tanto a teoria de Spearman, como o teste de Binet e Simon influenciaram fortemente a pesquisa sobre a inteligência durante grande parte do sec. XX. Spearman sugere uma habilidade geral mais as habilidades específicas; enquanto Thurstone aponta sete habilidades mentais (compreensão verbal, fluência verbal, número, espaço, velocidade perceptual, memória e raciocínio indutivo). Carroll concebe a inteligência como composta de três estratos ou níveis de habilidades, com a inteligência geral (factor ‘g’) no nível superior; enquanto Cattell sugere que a inteligência compreende três habilidades: a habilidade geral, no topo da hierarquia seguida pelas habilidades fluida e cristalizada no nível seguinte. Mais recentemente, Gardner propõe nove inteligências múltiplas (verbal-linguística, lógicomatemática, espacial, espiritual, musical, corporal-cinestésica, naturalística, interpessoal e intrapessoal), sem especificar uma habilidade geral ou factor ‘g’ unificando-as; enquanto 1949 Sternberg refere que a inteligência poderia ser melhor entendida em termos das habilidades analítica, criativa e prática, que seriam relativamente independentes (Silva, 2003). Tendo em conta os instrumentos por nós utilizados para “medir” a inteligência, apontaremos a definição de Wechsler (1958:7) quando refere a inteligência como “um agregado ou capacidade global do indivíduo para actuar finalizadamente, pensar racionalmente e proceder com eficiência em relação ao ambiente” e diga-se que as Progressive Matrices apresentam uma correlação bastante significativa com duas das medidas de inteligência mais conhecidas: “a correlação entre o PMS e as escalas de Binet e Wechsler varia entre 0.54 e 0.86” (Raven, 1981:60). Das três perspectivas históricas mais conhecidas, no estudo da inteligência, diremos que “as três correntes poderiam ser tomadas como passos sucessivos para um conhecimento científico do que é a inteligência. Enquanto a perspectiva psicométrica se ficou, tradicionalmente, pela mera constatação dos fenómenos, verificamos um maior esforço no sentido da compreensão e da explicação desses fenómenos por parte das abordagens desenvolvimentalistas e cognitivistas, respectivamente” (Almeida, 1986:17). Podemos, portanto, dizer que estas três perspectivas no estudo da inteligência têm cada qual a sua preocupação básica – constatar, compreender e explicar. Reconhece-se, hoje, que o uso de metodologias diversificadas no estudo da inteligência poderão proporcionar uma maior ajuda aos sujeitos, contribuindo cada perspectiva de análise com dados específicos. Enquanto que, para a “predição do êxito escolar e profissional”, se pode aconselhar o uso da metodologia psicométrica; para a “adequação dos currículos às características dos alunos”, deve ser considerada a abordagem desenvolvimentalista; no que se refere ao “planeamento de exercícios de treinamento ou aquisição de competências” o benefício parece ser evidente através do uso de uma abordagem cognitivista. A metodologia por nós utilizada na avaliação da inteligência foi, como é óbvio, a abordagem psicométrica, sendo nosso objectivo apreciar em que medida a inteligência, assim medida, se relaciona com problemas de aprendizagem-comportamento, referidos pelos professores? Método Problema Pretendemos com este estudo responder à seguinte questão: Qual a relação entre inteligência e problemas de aprendizagem-comportamento, em sala de aula? É fácil perceber a ligação entre inteligência e aprendizagem, também não custa aceitar uma ligação entre o insucesso escolar e problemas de comportamento, pois “não é desprezível o potencial perturbador dos alunos com problemas de realização escolar, até porque existe uma considerável associação entre problemas 1950 de realização e problemas de comportamento escolar” (Lopes, 2000:35). Mas, já não é tão óbvia a relação entre inteligência e comportamento em sala de aula. Amostra Recorremos a casos analisados em Serviço de Psicologia e Orientação, durante a década de 90. Assim, a nossa amostra é constituída por 560 alunos da escolaridade obrigatória, que durante a década de 90 recorreram aos nossos serviços para diagnóstico psicopedagógico (Quadro I). Quadro 1 – Alunos submetidos a avaliação psicológica em Serviço de Psicologia e Orientação SEXO CLASSE SOCIAL N Masculino Feminino Alta Média Alta Média Baixa Baixa Alta Média Alta Média Baixa Baixa 14 73 135 167 6 31 50 84 IDADE MIN. MÁX. 7 6 6 6 8 6 6 6 17 17 16 17 10 17 15 16 X D.P. 9,9 10,1 9,4 9,4 9,2 10,5 8,9 9,8 2,46 2,78 2,46 2,33 0,98 3,20 2,02 2,55 Da observação do Quadro 1 verificamos que a maioria dos alunos da nossa amostra: são do sexo masculino (389 = 69,5%); pertencem à classe baixa (251= 44,8%) e média baixa (185= 33,0%); frequentam o 1º ciclo (226= 63,6%); sendo os anos de maior incidência o 2º ano (132= 23,6%) e o 5º ano de escolaridade (94= 16,8%). Instrumentos e procedimento Os instrumentos de avaliação do Q.I. e do Factor ‘g’ foram a WISC (Wechsler Intelligence Scale for Children) e as PM (Progressive Matrices), respectivamente. O teste PMC (Coloured Progressive Matrices) foi usado com os alunos até aos 11 anos inclusive, conforme indicações expressas no respectivo manual de aplicação. Para idades superiores a 11 anos foi usado o teste PMS (Standard Progressive Matrices – SPM) e de acordo com o normativo do respectivo manual. A Escala de Inteligência de Wechsler para Crianças (WISC) foi aplicada a todos os alunos, cujas idades se situavam entre os limites previstos no manual. Assim, submeteram-se à WISC: 560 alunos; ao PMC: 123 alunos; ao PMS: 437 alunos. Para recolha de dados relativamente à aprendizagem e ao comportamento, em sala de aula, foi usada uma grelha informativa, dirigida aos professores dos alunos que tinham sido sujeitos às duas medidas de inteligência referidas. Esta grelha destinava-se a obter informação sobre o rendimento escolar do aluno e uma apreciação global sobre o seu comportamento, em sala de 1951 aula, considerando-se aspectos relativos à cognição e aprendizagem (1- Raciocínio; 2- Atenção; 3- Memória; 4- Cálculo; 5- Leitura-Escrita; 6- Motivação) e aspectos do comportamento, disruptivo e não disruptivo, do aluno (7- Hiperactividade; 8- Indisciplina; 9- Oposição; 10Autoconfiança; 11- Inibição; 12- Apatia). Para a análise estatística dos dados obtidos, recorremos ao programa SPSS (versão 11.0 para Windows). Resultados No quadro II apresentamos os resultados nas variáveis cognitivas (QI e factor ‘g’), segundo os problemas de aprendizagem e de comportamento e de acordo com a percepção dos professores relativamente a doze aspectos assim distribuídos: (i) aspectos mais ligados à cognição (raciocínio, atenção, memória); (ii) aspectos mais ligados à aprendizagem (cálculo, leituraescrita, motivação); (iii) aspectos mais ligados ao comportamento perturbador em sala de aula (hiperactividade, indisciplina, oposição) e, (iv) aspectos mais ligados ao comportamento não perturbador em sala de aula (autoconfiança, inibição, apatia). Assim, verificamos que a diferença nas médias das variáveis cognitivas entre os grupos de alunos, referidos pelos professores como sem problemas ou com problemas em doze indicadores de aprendizagemcomportamento, são sempre favoráveis aos alunos sem problemas (com excepção da indisciplina e da autoconfiança e no que se refere ao QI e ao PMC, respectivamente). Em síntese e após análise dos resultados obtidos podemos destacar o seguinte: (i) a percepção dos professores sobre vários aspectos da aprendizagem e do comportamento dos alunos, em sala de aula, é consistente com os resultados médios obtidos nas variáveis cognitivas; (ii) essa consistência manifesta-se no facto dos alunos percepcionados pelos professores como sem problemas obterem, na generalidade, resultados mais favoráveis nas variáveis cognitivas analisadas; (iii) há, também, uma maior consistência dos indicadores relativos à aprendizagem do que dos indicadores relativos ao comportamento, com as variáveis cognitivas; (iv) no que se refere aos indicadores relativos à aprendizagem, essa consistência é maior nos aspectos mais ligados à cognição (raciocínio, atenção e memória) do que nos aspectos mais ligados à aprendizagem propriamente dita (cálculo, leitura- escrita e motivação); e (v) no que diz respeito aos indicadores relativos ao comportamento, essa consistência é maior nos aspectos mais ligados ao comportamento não perturbador em sala de aula (autoconfiança, inibição e apatia) 1952 do que nos aspectos mais ligados ao comportamento perturbador em sala de aula (hiperactividade, indisciplina e oposição). Conclusão A diferença nas médias das variáveis cognitivas (QI e factor ‘g’) entre alunos “sem problemas” e “com problemas” são favoráveis aos alunos “sem problemas” (com excepção da “indisciplina” e da “autoconfiança”e apenas no que se refere ao QI e ao PMC, respectivamente): (i) Os alunos referidos pelos seus professores como sem problemas, em doze indicadores de aprendizagemcomportamento, tendem a obter melhores resultados nas variáveis cognitivas avaliadas; (ii) A diferença nas médias é maior nos indicadores relativos à aprendizagem, sendo mais elevada no conjunto dos indicadores relativos à cognição (raciocínio, atenção, memória), do que no conjunto dos indicadores relativos à aprendizagem propriamente dita (leitura-escrita, cálculo, motivação); (iii) A diferença nas médias é menor nos indicadores relativos ao comportamento, sendo mais elevada no conjunto dos indicadores mais ligados ao comportamento não disruptivo em sala de aula (autoconfiança, inibição, apatia), do que no conjunto dos indicadores mais ligados ao comportamento disruptivo em sala de aula (hiperactividade, indisciplina, oposição); (iv) As maiores diferenças aparecem no cálculo, na memória e no raciocínio e as menores diferenças surgem na indisciplina, oposição e hiperactividade, considerando as medidas do QI e do Factor ‘g’ (PMC e PMS). Referências bibliográficas ALMEIDA, L. S. (1986). Inteligência: Evolução no seu estudo. Jornal de Psicologia, 3, 13-17. LOPES, J. A. (2002). Problemas de comportamento, problemas de aprendizagem e problemas de ‘ensinagem’. Coimbra: Quarteto SILVA, J. A. (2003). Inteligência humana – Abordagens biológicas e cognitivas. São Paulo: Lovise. RAVEN, J. (1981). Progressive Matrices: Manuel. Issy-les-Moulineaux: Editions Scientifique et Psychologiques. WECHSLER, D. (1958). The measurement and apraisal of adult intelligence. Baltimore: Williams & Wilkins. 1953 Quadro II – Resultados segundo problemas de aprendizagem e comportamento APRENDIZ./ COMPORT. PROBLEMAS M DP Não 110.9 12.20 Sim 97.5 14.13 Não 110.4 14.37 Raciocínio Atenção Sim 104.3 14.04 Não 110.0 12.79 Memória Cálculo Leitura/ Escrita Sim 96.0 13.61 Não 112.4 11.25 Sim 96.0 13.24 Não 112.6 13.50 Sim 103.6 14.00 Não 110.3 14.61 103.6 13.67 Não 106.6 14.48 Hiperactividade 4.76 . 000 15.61 6.94 1.05 Sim 105.2 14.24 Não 106.1 14.40 Sim 106.7 14.68 Não 106.2 14.37 Oposição .312 .203 Sim 105.8 14.91 Não 110.2 14.97 Autoconfiança Inibição .000 5.56 Sim 5.026 Sim 104.0 13.62 Não 108.8 13.62 Sim 101.1 14.61 Não 107.0 14.51 Apatia 6.18 3.062 Sim 102.1 13.31 Prob. 11.81 11.29 Motivação Indisciplina t M DP 25.0 7.03 21.2 7.07 25.0 7.61 23.0 7.04 24.8 6.94 .000 .000 .000 21.0 7.22 25.5 6.65 20.5 7.18 25.3 7.19 23.0 7.22 24.3 7.22 7.28 24.0 7.15 .296 2.75 .006 7.55 2.85 1.58 22.8 7.52 23.7 7.22 23.4 7.72 23.7 7.28 .839 .265 .554 23.1 7.28 23.6 7.68 .000 .000 .000 1.58 23.2 .141 23.7 7.07 23.8 7.11 23.3 7.64 24.1 7.32 .002 .559 2.643 21.8 6.78 Prob. 5.49 5.82 .000 .755 t M DP 36.6 8.11 30.4 10.30 37.5 8.29 33.2 9.45 36.4 8.29 29.4 10.21 37.4 8.31 30.3 9.13 37.7 8.35 32.8 9.34 35.8 9.02 34.2 9.36 35.2 9.03 32.3 10.12 35.0 8.96 32.9 11.22 35.1 9.00 31.5 10.99 37.4 8.27 32.6 9.48 36.0 7.86 33.0 10.64 35.5 8.76 27.6 10.88 .000 .000 .005 .115 .116 .791 .580 .888 .576 .009 t Prob 3.46 .001 2.37 .020 3.61 .000 4.21 .000 2.80 .006 0.91 .363 1.28 .204 .807 .421 1.283 .202 2.714 .008 1.711 .090 2.794 .006 1954