Cyro dos Anjos (1906 - 1994) • Principais obras: O amanuense Belmiro (1937); Abdias (1945) • Romancista mais sutil e lírico da geração de 30. • O amanuense Belmiro = A solidão e a perda de um burocrata lírico, descendente falido da oligarquia mineira. O Amanuense Belmiro • Belmiro = procede de família interiorana e patriarcal decadente. • É um protagonista inadequado ao mundo urbano. • A escrita é a sua saída para fugir da melancólica vida. • Nos amigos encontra valores positivos e humanos que ultrapassam os limites de suas ideologias mesquinhas. O Amanuense Belmiro • Belmiro é um liberal ao mesmo tempo cético, ingênuo e impotente para a ação. • Mistura perspicácia e banalidade. • Vê a vida passar sem realizar alguma coisa importante. • Volta-se para a criação de mitos (suas musas = Carmélia, Arabela, Jandira, Camila), que lhe permitem suportar a existência, ainda que não acredite verdadeiramente neles. O Amanuense Belmiro • • • • • Há no texto uma tensão: Belmiro lírico sentimental. X Belmiro analista e irônico. Logo: o lirismo contínuo é dissolvido pela ironia, também contínua, do amanuense. (amanuense: antigo burocrata = funcionário público de condição modesta). O Amanuense Belmiro • Final do romance = remete para um grande vazio. • Romance de tendência analítica e introspectiva (na forma de diário), com comentários líricos e reflexivos sobre a mediocridade da vida pessoal do amanuense. ERICO VERISSIMO (1905 - 1975) • Principais obras: • Primeira fase: Clarissa (1933); Caminhos cruzados (1935); Música ao longe (1935); Um lugar ao sol (1936); Olhai os lírios do campo (1938); Saga (1940); O resto é silêncio (1943); ERICO VERISSIMO • Principais obras: • Segunda Fase: O tempo e o vento (O continente - O retrato - O arquipélago) 1949-1962; Noite (1954); O senhor embaixador (1965); O prisioneiro (1967); Incidente em Antares (1971); Solo de clarineta (memórias) 1973. ERICO VERISSIMO • PRIMEIRA FASE: Clarissa + Um lugar ao sol + Caminhos cruzados + O resto é silêncio = Narrativas urbanas centradas nos dramas das classes médias; Personagens que aparecem em vários relatos: Clarissa, Vasco, Noel, Fernanda; Uso da técnica do contraponto. Características da primeira fase • Narrativas que localizam-se no espaço urbano, quase todas em Porto Alegre (são exceções “Música ao longe” e a primeira parte de “Um lugar ao sol” = Jacarecanga = nome fictício de uma cidade no interior gaúcho). Características da primeira fase • O registro da existência – valores e costumes – de uma pequena burguesia (classe média), que se tornava, pouco a pouco,o setor social mais representativo de Porto Alegre. • Pequena burguesia = mostrada com tintas favoráveis. Características da primeira fase • Conflitos dramáticos, centrados na ordenação familiar e na luta pela ascensão social. • No âmbito familiar, refletem-se os valores conflitantes do universo social. • O território da família é, ao mesmo tempo, o inferno e o espaço ideal de uma verdadeira comunidade humana. Características da primeira fase • Núcleo do drama interior de muitos personagens = ascender economicamente sem trair princípios éticos. • Família = possibilidade de construção de um reduto de confiança, respeito e amor. Características da primeira fase • Visão de mundo = liberal-humanista: • A burguesia é questionada por seu desprezo pelos pobres e deserdados. • O patriciado rural é decadente e não tem mais nada a oferecer. Características da primeira fase • Erico parecia não crer nas ideologias em voga em sua época (comunismo e fascismo), pois defendia a conscientização individual como saída. Ou seja, apenas pela generosidade os indivíduos poderiam enfrentar o egoísmo do mundo moderno. Características da primeira fase • Narrativas que repetem casais de personagens. Ex: A dupla Clarissa & Vasco está presente em “Música ao longe”, Um lugar ao sol” e “Saga”. Já a dupla Noel & Fernanda surge em “Caminhos cruzados”, Um lugar ao sol” e “Saga”, estabelecendo amizade com o futuro casal Clarissa & Vasco. Características da primeira fase • Habilidade técnica = jogos temporais e a técnica do contraponto (desenvolvida pelo inglês Aldous Huxley) = consiste em justapor uma série de personagens e situações. Sem que haja no texto um centro narrativo, uma síntese para onde tudo convirja. Os “caminhos se cruzam”, mas não tomam a mesma direção, ao contrário do romance convencional. (Ex. “Caminhos cruzados” e “O resto é silêncio”) ERICO VERISSIMO • SEGUNDA FASE: O tempo e o vento (O continente - O retrato - O arquipélago) • Gigantesco painel, em termos de ficção, da formação histórica do Rio Grande do Sul, abrangendo 200 anos. • Foco narrativo centrado em duas famílias: TERRA & CAMBARÁ O tempo e o vento • Recriação ficcional e histórica da formação do Rio Grande do Sul pastoril por meio da trajetória de sucessivas gerações da família Terra-Cambará. O tempo e o vento • Os indivíduos que compõem a família, além de seus dramas pessoais específicos, vivem de maneira privilegiada os acontecimentos que definem a sociedade sul-rio-grandense. O tempo e o vento • Ex: • Ana Terra = participa da sangrenta e árdua conquista do território; • Capitão Rodrigo = liga-se à Revolução Farroupilha; • Licurgo = tem atuação destacada na Guerra Civil de 1893; • Dr. Rodrigo Cambará = é um dos líderes da Revolução de 30 O tempo e o vento • Tema específico da trilogia: • A ascensão e a queda política da classe de estancieiros gaúchos, mostradas tanto em seus aspectos épicos quanto em sua dimensão de violência e brutalidade. Os acontecimentos retratados, que oscilam entre a saga e a visão crítica, abrangem um período de 200 anos. O tempo e o vento • Tempo da narrativa = Inicia em 1745 (Missões) e se estende até 1945 com a queda de Getúlio Vargas (representando o fim do poder dos fazendeiros sulistas). • Espaço = cidade imaginária de Santa Fé = cidade-síntese da conquista do pampa e da civilização pastoril que aí se formou. O tempo e o vento • Foco narrativo = o romance é narrado em terceira pessoa, mas cartas e diários permitem a presença eventual da primeira pessoa. • Linguagem = segue a norma culta da língua, evitando expressões regionais – usadas apenas esporadicamente, na fala de personagens, normalmente, de condição social inferior. O tempo e o vento • Técnica e estrutura narrativa = Erico quebra a linearidade cronológica por meio de contrapontos temporais (Ex. “O Sobrado” = 7 episódios que perpassam “O Continente”). O tempo e o vento • Presença de passagens intermediárias (intermezzos) = quadros rápidos (em linguagem poética = poemas em prosa) e narrados no tempo verbal do presente. Cumprem a função de preencher vazios, tanto na construção de personagens secundários quanto na revelação de aspectos históricos não abordados diretamente na narrativa. O tempo e o vento • Presença de passagens intermediárias (intermezzos) = Eventualmente servem para mostrar os Caré, família-símbolo dos desvalidos da campanha. Os homens dessa família servem de “bucha-de-canhão” nas guerras locais, e as mulheres, de amantes baratas para os estancieiros. O CONTINENTE • Mostra a formação da sociedade sul-riograndense, sob o controle de uma elite audaciosa e guerreira (e também machista e sanguinária) – forjada em lutas fronteiriças e revoluções fratricidas -, a partir da segunda metade do século XVIII até o final do século XIX. O CONTINENTE • As ações se desenrolam ao longo de 150 anos, iniciando com um episódio nas Missões Jesuítas, em 1745, passando pela conquista do pampa e pela fundação de Santa Fé e terminando com o fim ao cerco ao sobrado dos Cambará, em junho de 1895. O CONTINENTE • • • • • • • • Episódios: A fonte. Ana Terra. Um certo capitão Rodrigo. A teiniaguá. A guerra. Ismália Caré. O Sobrado I, II, III, IV, V, VI e VII. A fonte • Substrato histórico: os últimos anos das Missões Jesuíticas (Sete Povos). • A confluência da cultura mística católica e a consciência mágica dos índios na figura de Pedro Missioneiro (protegido do padre Alonso), explicando a sua tendência a visões e premonições. A fonte • A criação de uma origem mitológica para o estabelecimento da sociedade riograndense, na medida em que Pedro, mais tarde, fecundará Ana Terra, dando início - em termos simbólicos - a um tipo local, o gaúcho. Ana Terra • Substrato histórico: a conquista do território por famílias paulistas e a fundação dos primeiros povoados. • Ana Terra é o capítulo definitivo de O tempo e o vento. Além da representatividade histórica da personagem (símbolo da mulher rio-grandense), devemos atentar para: • a) Seu erotismo, ampliado pela solidão e pela sensação de infelicidade de viver naquele mundo perdido que é a fazenda do pai. Daí a sua entrega corpórea a Pedro Missioneiro. Ana Terra • b) A consciência natural (e quase a-histórica) do tempo. Este é determinado primitivamente pelo ritmo das estações, assim como os dias o são pelo nascer e pelo desaparecer do sol. • c) A sua garra, obstinação e capacidade de resistência. A forma que sobrevive interiormente à violência do estupro dos bandidos castelhanos indica não apenas resignação ao destino, mas estupenda força subjetiva e crença na vida. No limite mais dramático e profundo, estes serão os valores de todas as mulheres no romance. Ana Terra • d) A profissão de parteira que Ana adota como uma metáfora da vida, enquanto a seu redor guerras e revoluções campeiam com todo um tributo à destruição e à morte. Decorre daí também o seu ardente pacifismo e seu entranhado ódio à violência em que os homens parecem se comprazer. Ana Terra • e) A relação que Ana estabelece entre o vento e as coisas importantes de sua vida, a associação entre as "noites de vento, noite dos mortos" e, por fim, a própria ligação do vento com a memória feminina. Esta memória – açulada pela natureza - é ao mesmo tempo o tormento, o consolo e a arma de defesa das mulheres contra a falta de sentido da existência. Um certo capitão Rodrigo • O que observar: • a) O fato do personagem central ter se transformado - mesmo que não fosse a intenção de E. V. - no símbolo do gaúcho, com seu misto de bravura, fanfarronice, generosidade e pensamento libertário. Talvez os gaudérios da época não tivessem o mesmo carisma. Documentos da época pintam esses homens "sem rei nem lei" quase como párias. No caso de Rodrigo, contudo, "a mentira histórica vira verdade artística". Um certo capitão Rodrigo • b) A paixão instintiva (próxima do mundo animal) que o Capitão experimenta pela vida e seus prazeres,especialmente os da cama e da mesa. Apesar disso, há em sua conduta um substrato ético que o leva, por exemplo, a se posicionar contra os tiranos e a respeitar sua mulher, Bibiana. Um certo capitão Rodrigo • c) O forte sopro épico que percorre todo o episódio. A exemplo de Aquiles e de outros heróis das epopéias gregas,Rodrigo Cambará acredita que só a ação guerreira dá sentido à vida dos homens. A domesticidade e o cotidiano são os maiores inimigos desses personagens, que só se sentem felizes no fragor das batalhas e das conquistas. Um certo capitão Rodrigo • d) A criação de um modelo de Cambará: o macho audacioso, mulherengo e sempre metido em revoluções. O Dr. Rodrigo Cambará, em O retrato e em O arquipélago, será a reduplicação quase que perfeita do bisavô, apesar de já ser um caudilho ilustrado. Porém, mesmo Bolívar e Licurgo, filho e neto respectivamente, apresentarão traços do Capitão Rodrigo. De certa forma, os valores caudilhescos e machistas desse personagem cristalizam o ideal de hombridade vigente na província até meados do século XX. Um certo capitão Rodrigo • e) A cena espetacular da extrema-unção que o padre Lara oferece a Rodrigo moribundo, exigindo antes que o seu amigo se arrependesse de todos os pecados. Reunindo suas últimas forças, o Capitão Cambará faz uma figa ao sacerdote que sai dali horrorizado. Um certo capitão Rodrigo • f) Igualmente importante é a cena do duelo entre Rodrigo e Bento Amaral, e a marca incompleta que o Capitão deixa no rosto do último. Um certo capitão Rodrigo • g) A paixão de Bibiana pelo gaudério é a melhor realizada entre todos os casos amorosos que povoam O tempo e o vento. Independentemente dos adultérios de que é vítima, do abandono e do desprezo do marido pela vida doméstica, ela continua amando-o como no primeiro dia em que o viu. "Queria vê-lo mais uma vez, só uma vez"pensa ela durante a Revolução e um pouco antes do último encontro amoroso, numa sublime confissão de desejo e afeto. Um certo capitão Rodrigo • h) O fato de Bibiana reproduzir sua avó, Ana, tanto na obstinação, nos silêncios, no ódio à guerra e às revoluções,na profissão de parteira e na lembrança dos mortos, dando seqüência ao arquétipo feminino do romance. ÁRVORE GENEALÓGICA (PARCIAL) DE “O CONTINENTE” O RETRATO • Apesar de ter seu início no retorno do Dr. Rodrigo Cambará a Santa Fé, em 1945, os episódios de “O retrato” concentram-se entre 1909 e 1915. Aos grandes blocos históricos e à estrutura de painéis, que dominam “O continente”, o autor prefere aqui o relato miniaturista. O RETRATO • O retrato é o do Dr. Rodrigo Cambará, jovem médico, belo e audacioso. Ele representa a modernização vivida pelas elites gaúchas, o fazendeiro-doutor que traz inovações para o campo, que já sonha com o capitalismo, que sofistica hábitos e costumes. O RETRATO • A mescla entre intelectualismo e herança caudilhesca (advinda dos Cambará) transforma-o em inconteste líder político da região. Rodrigo é, em síntese, o caudilho ilustrado, calcado nos modelos de Julio de Castilhos, Assis Brasil, Getúlio Vargas, etc. O ARQUIPÉLAGO • A ação de “O arquipélago”, último livro da trilogia, desenrola-se sob o signo da desintegração familiar dos Cambará. O pano de fundo histórico corresponde ao período de tempo que medeia entre o ponto de máximo poder político dos fazendeiros – o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) – e o início de seu rápido e inexorável crepúsculo. O ARQUIPÉLAGO • Dois personagens polarizam o romance: o Dr. Rodrigo e seu filho Floriano Cambará. O ARQUIPÉLAGO • Se o Dr. Rodrigo, em “O retrato”, era um jovem dilacerado entre o egoísmo e a generosidade humana e social, agora em “O arquipélago”, ele se torna um homem cínico e corrompe-se moralmente, ao participar da ditadura do Estado Novo sem tormentos ou conflitos íntimos de qualquer espécie. O ARQUIPÉLAGO • Já seu filho Floriano Cambará possui uma sensibilidade especial, que lhe permite compreender “a fragmentação do continente em um arquipélago de ilhas”. Isto é, ele entende o esfacelamento da unidade familiar como uma decorrência simultânea do fracasso ético do pai e do crepúsculo de sua classe. O ARQUIPÉLAGO • Então, passa a refletir sobre a história da própria família, desde suas remotas origens até sua desarticulação no presente, com o objetivo de resgatá-la das brumas do passado e avaliar o significado de uma trajetória de dois séculos. Também romancista, como o próprio Erico, de quem é porta-voz, cabe a Floriano recompor um mundo condenado ao perecimento e questioná-lo permanentemente. O tempo e o vento e o sentido histórico • Louvação e crítica ao passado. • Construção de uma origem mítica para a elite pastoril sul-riograndense. • Louvação e crítica à oligarquia sulista coexistem dialeticamente = resultado final = o crepúsculo da velha ordem dos senhores rurais. O tempo e o vento e o sentido da existência • Tempo = passagem, corrosão, destruição, morte = HOMENS = corrosão da existência. • Vento = repetição, continuidade, permanência = MULHERES = o visceral instinto da vida = a resistência e o enfrentamento da falta de sentido do tempo e o grande vazio do nada. ERICO VERISSIMO • SEGUNDA FASE: O senhor embaixador = Reflexão sobre a historicidade política e social da América Latina - A função política dos intelectuais. • O prisioneiro = Análise política e moral sobre o sentido da guerra e da tortura, tendo como pano de fundo um país do Sudeste Asiático. ERICO VERISSIMO • Incidente em Antares = Relato político com sentido alegórico. Os coveiros em greve recusam-se a enterrar os mortos (sete) que acabam voltando à cidade de Antares, encontrando a traição e o esquecimento - O texto se propõe como uma “leitura” dos acontecimentos de 1964 (o golpe militar). Dyonélio Machado (1895 - 1985) • Principais obras: Um pobre homem (1927); Os ratos (1934); O louco do Cati (1942) • Os ratos = 24 horas na vida de um modesto funcionário público, oprimido pela necessidade de pagar a conta do leiteiro = o homem reificado Jorge Amado (1912 - 2001) • Primeira Fase: O país do carnaval (1931); Cacau (1933); Suor (1934); Jubiabá (1935); Mar morto (1936); Capitães de areia (1937); Terras do sem fim (1943); São Jorge dos Ilhéus (1944); Seara vermelha (1946); Os subterrâneos da liberdade (1954); JORGE AMADO • Segunda Fase: Gabriela, cravo e canela (1958); Os velhos marinheiros (1961); Os pastores da noite (1964); Dona Flor e seus dois maridos (1966); Tenda dos milagres (1969); Tereza Batista, cansada de guerra (1972); Tieta do Agreste (1977); Farda, fardão, camisola de dormir (1979); Tocaia Grande (1984) e outros... JORGE AMADO • PRIMEIRA FASE = O país do carnaval - Cacau - Suor - Jubiabá – Mar morto Capitães de areia = • O universo das classes populares urbanas e rurais + Romances “proletários”, fortemente políticos + Mistura de elementos naturalistas e românticos. 1ª FASE • País do carnaval (1931) = romance medíocre, em que tentava retratar os impasses ideológicos e existenciais de um grupo de jovens intelectualizados e inadaptados à realidade brasileira na época da Revolução de 30.Por ter o caráter de depoimento de uma geração sem rumo, o romance obteve repercussão e seu nome se tornou conhecido nos círculos letrados do país. 1ª FASE • Cacau (1933) = “Romance pequeno e violento” que trazia duas grandes novidades: • A incorporação da região cacaueira do sul da Bahia ao romance realista de 1930. • O anúncio da radicalização política: “Tentei contar neste livro com um mínimo de literatura para o máximo de honestidade a vida do trabalhador das fazendas de cacau do sul da Bahia. Será um romance proletário?” 1ª FASE • O romance proletário: • Adesão ao marxismo; • Romances transformados em propaganda revolucionária; • Adere, antecipadamente, o que Stálin exigiria dos escritores (“engenheiros de almas”) = a criação de heróis positivos que lutassem pela utopia socialista. 1ª FASE • Modelo e estrutura do “romance proletário”: • A) O protagonista, oriundo das camadas populares, encontra-se, no início do relato, em estado de alienação de sua própria miséria, desconhecendo-lhe as causas. 1ª FASE • B) No transcorrer da ação, o herói adquire consciência da opressão que o vitima. Os opressores são, genericamente, o latifundiário, o burguês e algum agente do imperialismo ianque. Com isso o autor estabelece uma esquematização psicológica caricatural: os trabalhadores são necessariamente generosos e justos, ao passo que os ricos são sempre pérfidos e exploradores. 1ª FASE • C) A partir da conscientização das origens dos males sociais que o afligem, o protagonista parte para a ação política e, no caso de São Jorge dos Ilhéus e Seara vermelha, para uma explícita ação ideológica-partidária, conforme os preceitos do Partido Comunista. 1ª FASE • Fórmula que molda quase todos os romances da 1ª fase = • ALIENAÇÃO • CONSCIENTIZAÇÃO • AÇÃO POLÍTICA. 1ª FASE • O romantismo revolucionário: • Ao propor a criação de um romance proletário, Jorge Amado esbarrou em um problema fundamental: nas fazendas de cacau havia o trabalhador rural clássico, explorado pelo coronel latifundiário. 1ª FASE • Contudo, na cidade (Salvador) o proletário, no sentido marxista, o trabalhador de fábrica (indústria), não existia. Sem operários de fato, Jorge Amado os substitui por marginais ou semimarginais. Assim, seus romances urbanos são povoados por vagabundos, malandros, jogadores, prostitutas, meninos de rua, marinheiros, gente sem ocupação definida. 1ª FASE • Essa idealização da vida popular traduz-se na superioridade ética dos marginais, transformados em heróis exemplares da nova sociedade que estaria prestes a nascer. Por causa desse “romantismo revolucionário e populista”, Jorge Amado tem dificuldades para traduzir em ações realistas e análise psicológica convincente a consciência política de seus personagens. 1ª FASE • Apela então para o melodrama, criando situações de um sentimentalismo inverossímil e patético, ou utiliza um estilo poético, em que dominam imagens referidas ao mar, à lua, à noite, à tempestade e ao vento. Troca a inconsistência psicossocial dos personagens “por um redemoinho de imagens”. JORGE AMADO • 1ª FASE: • Terras do sem fim (1943)= A luta dos “coronéis” pela posse da terra boa para o cacau. • São Jorge dos Ilhéus (1944)= A crise da sociedade cacaueira e o domínio econômico da burguesia exportadora (conteúdo mais utópico). JORGE AMADO • 1ª FASE: • Seara vermelha (1946) = Abandono da zona do cacau e da cidade de Salvador para retratar o sertão baiano = tragédias de uma família de sertanejos vítima da seca e do latifúndio = sequência de fome e angústia, sofrimento e esperança, morte e instinto de sobrevivência. Terras do sem fim (1943) • Um dos pontos culminantes da ficção de Amado. • O “romance proletário” é substituído por uma narrativa histórica centrada na luta dos coronéis do cacau pela posse das terras ainda devolutas (desocupadas) do sul da Bahia. Terras do sem fim (1943) • A ação do romance começa em um navio que se aproxima de Ilhéus trazendo trabalhadores, coronéis, prostitutas e aventureiros, todos obcecados pelas possibilidades de riqueza abertas na região. Quatro palavras – repetidas durante todo o livro – marcam o mundo no qual esse grupo de ambiciosos passa a viver (e a morrer): TERRAS, DINHEIRO, CACAU, MORTE. Terras do sem fim (1943) • O escritor mergulha em suas próprias raízes para registrar o mundo cacaueiro. • Descreve a violência, os desatinos e mesmo a poesia rude daquela conquista, ocorrida nas primeiras décadas do século XX. • Narrativa de vigor documental que revela dramas humanos autênticos. • Expressão poética bem convincente. Terras do sem fim (1943) • Mostra as condições dramáticas da vida dos trabalhadores, mas concentra o foco narrativo nos coronéis, que são vistos como brutos, cruéis quando preciso, mas também como seres dotados de forte coragem pessoal e audácia ilimitada. Com muita frequência um sopro épico anima suas ações. Terras do sem fim (1943) • Personagens: • Sinhô Badaró (coronel) = interpretações bizarras da Bíblia e relativa oposição à violência. • Horácio Silveira (coronel) = Obstinação que impressiona = tropeiro que ascendeu, a ferro e fogo, representa o capitalismo primitivo que se estabeleceu na região do cacau. Terras do sem fim (1943) • Ester (esposa do coronel Horácio) = moça educada para os requintes da civilização e obrigada a viver num mundo bárbaro depois de seu casamento. Seu romantismo insatisfeito, seus terrores noturnos e sua fragilidade justificam o adultério com o advogado Virgílio. Terras do sem fim (1943) • O negro Damião (jagunço do coronel Badaró) = mata a soldo, sem qualquer tipo de culpa ou remorso. É um assassino ingênuo, pois não chega a compreender a extensão de seus crimes. Além disso, adora as crianças da fazenda, divertindo-as com suas brincadeiras. Acaba enlouquecendo por conta de uma “crise de consciência” ao tentar matar Firmo, a mando do coronel. Outras características da 1ª fase • Imaginação criadora. • A generosidade humana do autor que se coloca ao lado dos setores marginais, em especial os negros repudiados pelas elites brasileiras. • O conhecimento aparentemente inesgotável das formas de vida das camadas populares. • Registro dos costumes, dos ofícios, dos modos de ser e agir, da religiosidade e das estratégias de sobrevivência do povo baiano. Outras características da 1ª fase • O incontestável valor documental, presente na elaboração de grandes painéis da sociedade cacaueira quanto na fixação da cultura afro-brasileira. • A magnífica capacidade de criar tipos humanos primitivos que vivem de acordo com os seus instintos e emoções. • A saudável obscenidade na linguagem e nos atos dos personagens. Outras características da 1ª fase • Estilo cru (linguagem) carregado de palavrões e desabusada (atrevida) descrição dos desejos sexuais = protesto libertário contra os falsos pudores e o falso decoro das classes privilegiadas. • Personagens que (oriundos do povo) expressam prazer de viver no que diz respeito às relações sexuais = animalidade à flor da pele = quebra com a rigidez do romance proletário. JORGE AMADO • SEGUNDA FASE: Gabriela, cravo e canela - Os velhos marinheiros Teresa Batista, cansada de guerra, Dona Flor e seus dois maridos, Tieta do agreste, etc... Visão anarquista - debochada + Linguagem popular. 2ª FASE • As terríveis revelações do XX Congresso do Partido Comunista, em 1956, sobre os crimes de Stálin, levaram Jorge Amado a afastarse da esquerda ortodoxa e a procurar uma nova expressão estética. Como consequência, em 1958 veio à luz um de seus mais famosos romances: Gabriela, cravo e canela. Gabriela, cravo e canela (1958) • Decadência do poder despótico dos coronéis do cacau = progresso X atraso. • Jorge Amado atenua o maniqueísmo anterior. Sua compreensão mais profunda do tecido social e da existência pessoal leva-o a humanizar coronéis e burgueses e a desconfiar da vocação revolucionária das massas. Gabriela, cravo e canela (1958) • Jorge Amado impregna seu relato de humor próximo do deboche, da farsa com traços de obscenidade. • A personagem Gabriela, em sua rebeldia instintiva contra o moralismo de fundo patriarcal-religioso, antecipa alguns dos novos valores comportamentais que começavam a ser concebidos no país, ao final dos anos 50. Gabriela, cravo e canela (1958) • O escritor faz o elogio da modernização econômica e da democracia política, que permitiam a ascensão ao poder de homens comprometidos com mudanças. Por isso, o herói positivo do romance é o exportador Mundinho Falcão. Seu triunfo é também o triunfo do arrojo empresarial e da visão capitalista contra o universo semifeudal dos coronéis. Gabriela, cravo e canela (1958) – É impossível esquecer que o romance foi escrito durante o governo de JK (1956-1960), que gerou grandes esperanças no país (depois esmagadas pela Ditadura Militar de 64). Gabriela, cravo e canela é, portanto, a principal expressão estética da visão otimista daquele período. Características da 2ª fase • Personagens de origem popular, mas que não são mais vistos como “os promotores da ordem socialista”, e sim os representantes da única classe capaz de enfrentar as agruras da vida com fibra, alegria, autenticidade e solidariedade.São “depositários da liberdade humana” = celebração quase anarquista do individualismo das camadas populares. Características da 2ª fase • A luta dos indivíduos é contra os valores morais arcaicos, os preconceitos sociais e raciais, a hipocrisia sexual, o fanatismo e a presunção, sobretudo da pequena burguesia. • Esforço pela liberação dos instintos e pelo triunfo do amor livre e espontâneo Características da 2ª fase • Predomina a visão humorística da realidade = o riso é mostrado como uma forma de resistência popular. • Utilização de elementos do folclore e da tradição religiosa negra (valorização da mitologia dos candomblés). FICÇÃO CONTEMPORÂNEA Guimarães Rosa & Clarice Lispector A GERAÇÃO DE 45 (1945 - 1970) João Guimarães Rosa (1908 - 1967) João Guimarães Rosa (1908 - 1967) • A obra de Rosa representa o ponto máximo da ficção brasileira do século XX. Em um processo criativo assombroso, marcado pela invenção estilística, pelo uso de todos os recursos modernos da técnica narrativa e pela demonstração de um inesgotável conhecimento empírico (q. se guia pela experiência), tanto do sertão mineiro quanto dos dramas da condição humana, o autor pode ser considerado “o único ficcionista completo da América Latina”. João Guimarães Rosa Obras: • Romance : Grande sertão: veredas (1956) - Contos: Saragana (1946); Primeiras estórias (1962); Tumatéia (1967); Estas estórias (1969) Novelas: Corpo de baile (Manuelzão e Miguilim, No Urubuquaquá, No Pinhém, Noites do sertão) 1956. A obra de Rosa • Características básicas: A primeira grande inovação do autor = linguagem = linguajar do sertanejo (mineiro) + recriação estilística = linguagem revolucionária = processo de transfiguração estilística = invenção de um novo léxico. O mundo de Rosa • Mundo retratado = sertão mineiro = imobilizado no tempo = principal traço: a consciência mítica dos personagens (realismo mágico = eventos inverossímeis de um ponto de vista racionalista= o Demônio) A revelação do sertão mineiro • A) O sertão como espaço físico:Minas Gerais = caracterizado por boas pastagens para a criação de gado, com chapadões e várzeas, descrito minuciosamente em sua flora e fauna, em suas “veredas misteriosas” (vereda = caminho estreito) A revelação do sertão mineiro • B) O sertão simbólico: O “labiríntico” onde o homem joga seu destino = “O sertão está fora e está dentro de cada personagem de Guimarães Rosa” (Antonio Candido). A revelação do sertão mineiro • C) O sertão como estrutura histórico-cultural: • Realidades diferentes = civilização sertaneja (rústica - base cultural = colonização ibérica – consciência mítico-sacral) X civilização “litorânea” (moderna, urbana e evoluída). A problematização da existência • Além de fixar, de forma “realista”, o sertão arcaico de MG no exato momento em que ele começava a desaparecer, engolfado pela expansão da sociedade urbana e a consequente homogeneização cultural do país, Guimarães Rosa transforma muitos de seus personagens em sujeitos que interrogam o mundo e a si próprios em busca dos fundamentos da existência. As travessias • A tentativa de captar a essência das coisas no tumulto da vida cotidiana, faz o homem mergulhar em incertezas, verdades provisórias e dúvidas metódicas... Interroga, então, o mundo e a si mesmo em busca de uma razão para a existência = a travessia metafísica (interior). Grande sertão:veredas (1956) Grande sertão:veredas (1956) • Romance estruturado no jogo dialético do presente e do passado: • Plano presente= O ex-jagunço e hoje fazendeiro Riobaldo narra a história de sua vida a um doutor, ao mesmo tempo em que formula uma série de interrogações sobre o sentido da existência (luta: bem x mal) a presença do demônio, etc. Grande sertão:veredas (1956) • Plano do passado= Focaliza as experiências do jagunço Riobaldo pelo sertão mineiro. Ocorre tanto uma travessia exterior, por um sertão real, como uma travessia interior, que leva o protagonista ao autoconhecimento. A percepção de si mesmo surge do contato com outros homens, em especial com Diadorim = o amor + Hermógenes = o ódio Grande sertão:veredas (1956) • Do ponto de vista narrativo, todas as experiências do passado são discutidas no presente, por Riobaldo, mediante um conjunto de angustiadas interrogações sobre o destino individual e a condição humana, sobre Deus e o diabo, sobre o amor e o ódio, sobre a passagem do tempo e a morte, etc. Dessa forma, passado e presente, em permanente contraposição, formam a totalidade da obra. Grande sertão:veredas (1956) • As inquietações de Riobaldo: • A existência ou não do demônio; • A natureza nebulosa das relações entre o bem e o mal; • O significado do sentimento que experimentou por Diadorin; • O sentido de sua vida de jagunço; • A busca de uma explicação para a condição humana. Grande sertão:veredas (1956) • As travessias de Riobaldo: • A) Travessia exterior = como jagunço em um sertão real, na qual ele conhece a natureza e os limites extremos da condição humana, cristalizada na selvageria e nos gestos épicos dos companheiros de jagunçagem. Grande sertão:veredas (1956) • B) A travessia interior: • O autoconhecimento = A profunda percepção de si mesmo e a própria formação de sua subjetividade surgem do contato com dois outros indivíduos que sintetizam as noções difusas de bem e mal. Um abre para Riobaldo as portas do medo, do ódio e da ambição: Hermógenes. O outro, mulher camuflada de homem, desencadeia a explosão do amor: Diadorin. Grande sertão:veredas (1956) • C) A travessia da passagem de um tipo de consciência mítico-sacral (Riobaldo-jagunço) para outra de estrutura lógico-racional (Riobaldo-fazendeiro):a primeira é comum às sociedades indígenas e mestiças dos sertões brasileiros e latino-americanos: explica o mundo pelo mito e pelo sagrado; a segunda é própria da civilização racionalista moderna: vê o mundo de um ponto de vista científico. Grande sertão:veredas (1956) • Conclusão: À medida que a racionalidade das sociedades modernas avança, o pensamento mítico-sacral, ou mágico, tende a dissolver. Assim, em Grande sertão:veredas, o diabo é um personagem fundamental, no plano do passado, dentro do universo sacral em que se movem os jagunços. Já no plano presente, quando conta sua vida ao doutor, Riobaldo tende a negar a existência do demônio. CLARICE LISPECTOR (1920 - 1977) CLARICE LISPECTOR (1920 - 1977) • Romances: Perto do coração selvagem (1944); O lustre (1946); A cidade sitiada (1949); A maça no escuro (1961); A paixão segundo G. H. (1964); Uma aprendizagem ou o Livro dos prazeres (1969); Água viva (1973); A hora da estrela (1977) - Contos: Laços de família (1960); A legião estrangeira (1964); Felicidade clandestina (1971); etc... CLARICE LISPECTOR Elementos temáticos e procedimentos narrativos: A existência subjetiva • Interesse em desvelar a existência subjetiva dos personagens, relegando a história propriamente dita a um plano secundário. Mais do que a intriga, predominam as inusitadas experiências psíquicas e as impressões fugidias dos personagens despertadas pela realidade. O monólogo interior • Utilização constante do monólogo interior, isto é, de um monólogo não pronunciado, que se desenrola apenas na mente dos personagens. O monólogo interior, em sua acepção plena, expõe labirínticos fluxos de consciência dos personagens, permitindo ao ficcionista o registro dos conteúdos mais sutis e profundos da alma humana. A epifania • O termo epifania significa o relato de uma experiência que mostra toda a força de inusitada revelação. É a percepção de uma realidade atordoante quando os objetos mais simples, os gestos mais banais e as situações mais cotidianas comportam súbita iluminação na consciência dos figurantes. Ao dar-se a epifania, a consciência do indivíduo se abre para outra realidade. Personagens dilacerados: o universo ficcional de sua obra • Geralmente é composto por mulheres, imersas em estado de absoluta interiorização, esmagadas pelo peso da subjetividade e para quem a realidade externa é nebulosa e ameaçadora. Personagens dilacerados: o universo ficcional de sua obra • Enclausuradas em dolorosa solidão, essas personagens buscam incessantemente a própria identidade. A investigação do “quem sou?” torna-se, invariavelmente, o núcleo psicológico de todos os enredos. Personagens dilacerados: o universo ficcional de sua obra • São personagens em situação de dilaceramento, oscilando entre o desconforto da contínua interrogação íntima e o desejo de ruptura com a introspecção e de estabelecimento de vínculos com o mundo objetivo. Personagens dilacerados: o universo ficcional de sua obra • Perpétua sensação de náusea dos personagens diante da experiência do vazio, do absurdo da vida e da liberdade ilimitada. O “contato com o outro” talvez seja a resposta a essa “náusea”, mas as personagens de Clarice raramente encontram uma saída e, quando a conseguem, deparam-se apenas com a morte, único elemento de comunhão com o outro. A náusea • Trata-se da náusea existencialista, à maneira de Sartre: mais do que uma sensação física de enjoo, é uma situação de absoluta liberdade de quem a vivencia. Liberdade no sentido da destruição de todos os valores tradicionais e da morte de todas as crenças. A náusea • O ser, despojado de suas antigas certezas, vaga em um universo de destroços, mas, ao mesmo tempo em que o tédio e o desespero o ameaçam, ele pode encontrar uma nova alternativa para a existência.