Vidas secas Graciliano Ramos Regionalismo de 30 Características gerais Caráter documental – registro da realidade social; denúncia da realidade brasileira – país atrasado, vítima da colonização, fundamentado no latifúndio; diferença dos centros urbanos – consciência de classe, organização das massas assalariadas; influências do romance realista russo e do marxismo; Regionalismo de 30 Características gerais relações entre literatura e realidade – função literária ≅ função social; personagens devem estar próximas dos homens concretos; expor a realidade – compromisso de transformála; tipos – coletivização das personagens a fim de apresentar um amplo painel humano; problemas individuais tornam-se problemas coletivos. Graciliano Ramos Características do autor Principal romancista da geração de 1930; engajamento político de esquerda, comunista; ultrapassa tendências regionalistas – atinge o universal; PARTICULAR UNIVERSAL; atinge dimensão universal a partir de um exemplo individual. Retirantes (1944), Cândido Portinari Características do romance Primeiro livro do autor em terceira pessoa – maior objetividade; capítulos relativamente independentes – cada um apresenta um ritmo próprio; o romance surge a partir de um conto que se transformaria no capítulo “Baleia”; característica circular e sem fim da “odisséia” dos retirantes – começa em “Mudança” e termina em “Fuga”. “Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos.” “Mudança” Espaço físico O espaço é indeterminado – caráter universal da experiência da seca no sertão; simbiose entre paisagem hostil e vida humana miserável; determinismo (Neonaturalismo) influência do meio sobre o homem que o habita; espaço hostil = homem animalizado. Tempo Indeterminado – confere caráter universal à narrativa; história em ciclo, espiral – inicia-se com a fuga de uma seca e termina com a fuga de outra; caráter incessante dos tormentos da seca sobre a vida do sertanejo, como se ela (a seca) fosse eterna; o tempo predominante não é cronológico, os fatos não ocorrem na ordem em que são narrados; tempo psicológico – os fatos se desenrolam a partir da memória e da interioridade das personagens. Linguagem Linguagem enxuta e seca, como a realidade retratada; vocabulário pobre e mirrado como a realidade morta do sertão; economia de linguagem, dizer o mínimo necessário – dificuldade de comunicação das próprias personagens. Capacidade comunicativa Personagens carentes de linguagem, quase mudos – aproximam-se dos bichos; desprovidos de linguagem e pensamento – deixam de ser seres racionais; busca pela linguagem – meio de compreender a realidade que os cerca (a natureza hostil e a autoridade injusta); conflitos de linguagem das personagens – busca do próprio escritor por uma via de expressão dessa realidade; seres de linguagem – tão poderosos como a seca; a exploração e a dominação são exercidas por aqueles que detêm o poder da comunicação. Personagens Duplamente vitimados – pela seca e pela exploração econômica; ignorância, incapacidade verbal e falta de autoconsciência – animalização; carência total – não têm direito nem à terra nem à linguagem; desumanização – tornam-se seres brutos, coisificados, reificados (do latim res, coisa); perambulam por um mundo incompreensível, em busca unicamente da sobrevivência; suas trajetórias oscilam do nada ao nada – ao invés de do nada ao ser; indivíduos fechados, semimudos, presos à ignorância e ao analfabetismo. “— Você é um bicho, Fabiano. Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades. Chegara naquela situação medonha — e ali estava, forte, até gordo, fumando o seu cigarro de palha. — Um bicho, Fabiano. Era. Apossara-se da casa porque não tinha onde cair morto, passara uns dias mastigando raiz de imbu e sementes de mucunã. Viera a trovoada.” “Fabiano” Fabiano Significado do nome – indivíduo qualquer, desconhecido, sem importância; tipo – representa o sertanejo ignorante, sofredor e explorado; identifica-se com os animais – bicho; coisa, escravo – não possui terra e é obrigado a trabalhar para os outros; sente-se mal perante outras pessoas – vive isolado do mundo, acostumado à incomunicabilidade dos animais (choque de civilizações); interage com o mundo por meio da experiência sensitiva; incapaz de se comunicar verbalmente – utiliza uma linguagem gestual e onomatopéica. “Não possuíam nada: se se retirassem, levariam a roupa, a espingarda, o baú de folha e troços miúdos. Mas iam vivendo, na graça de Deus, o patrão confia neles — e eram quase felizes. Só faltava uma cama. Era o que aperreava Sinhá Vitória.” “Sinha Vitória” Sinha Vitória Ironia do nome – “vitória” aponta para uma existência feliz; Sinha Vitória – vencida pelo meio natural e pelo meio humano; ambições pequenas e limites estreitos – sua aspiração maior era ter uma cama; apega-se a sonhos mesquinhos como válvula de escape para sua realidade miserável. Criança morta (1944), Cândido Portinari Os meninos Os meninos não têm nome – são chamados apenas de “menino mais velho” e “menino mais novo”; desumanização total – são coisas, não precisam de nomes; por serem meninos, ainda não “produzem”; por não produzirem, nada significam. Baleia Função de guia, companheira e responsável pela sobrevivência do grupo ao caçar; seu nome é o contrário de si mesma – franzina e habitante de um local árido e seco; mais capaz de se comunicar que os seres humanos; apresenta sentimentos e pensamento; animal humanizado – seres humanos animalizados (zoomorfismo). “Olhou-se de novo, aflita. Que lhe estaria acontecendo? O nevoeiro engrossava e aproximava-se. Sentiu o cheiro bom dos preás que desciam do morro, mas o cheiro vinha fraco e havia nele partículas de outros viventes. Parecia que o morro se tinha distanciado muito.” “Baleia” Discurso indireto livre Narrador revela o interior das personagens; meio-termo – objetividade do narrador em terceira pessoa e subjetividade do narrador em primeira pessoa; atmosfera de imobilidade – pouca ação, predomínio da análise psicológica; revelação do universo mental fragmentado das personagens. Discurso indireto livre Fabiano também não sabia falar. Às vezes largava nomes arrevesados, por embromação. Via perfeitamente que tudo era besteira. Não podia arrumar o que tinha no interior. Se pudesse... Ah! Se pudesse, atacaria os soldados amarelos que espancam as criaturas inofensivas. Bateu na cabeça, apertou-a. Que faziam aqueles sujeitos acocorados em torno do fogo? Que dizia aquele bêbado que se esgoelava como um doido, gastando fôlego à toa? Sentiu vontade de gritar, de anunciar muito alto que eles não prestavam para nada. Ouviu uma voz fina. Alguém no xadrez das mulheres chorava e arrenegava as pulgas. Rapariga da vida, certamente, de porta aberta. Essa também não prestava para nada. Fabiano queria berrar para a cidade inteira, afirmar ao doutor juiz de direito, ao delegado, a seu vigário e aos cobradores da prefeitura que ali dentro ninguém prestava para nada. Ele, os homens acocorados, o bêbado, a mulher das pulgas, tudo era uma lástima, só servia para agüentar facão. Era o que ele queria dizer. Considerações finais Em Vidas secas, Graciliano denuncia não só os problemas brasileiros, mas de todos os homens explorados pelo sistema capitalista excludente; no âmbito brasileiro, há a denúncia do sistema de concentração de terras nas mãos de poucos, lançando milhares na indigência; há também a denúncia do atraso do Nordeste e da miséria dessa região, em contraposição ao progresso do Sul.