Modernismo 1. Antecedentes: a Semana de Arte Moderna (1922) 1. Antecedentes: a Semana de Arte Moderna (1922) O Modernismo teve início com a Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo nos dias 13 a 18 de fevereiro de 1922. Idealizada por um grupo de artistas, a Semana pretendia colocar a cultura brasileira a par das corrente de vanguarda do pensamento europeu, ao mesmo tempo que pregava a tomada de consciência da realidade brasileira. Ocorreram, durante esse período, exposições de artes plásticas e saraus com conferências, leituras de poemas, dança e música. 1. Antecedentes: a Semana de Arte Moderna (1922) A Semana de Arte Moderna, vista isoladamente, não deveria merecer tanta atenção. Seus participantes não tinham sequer um projeto artístico comum; unia-os apenas o sentimento de liberdade de criação e o desejo de romper com a cultura tradicional. Foi, portanto, um acontecimento bastante restrito aos meios artísticos, principalmente de São Paulo. Apesar disso, a Semana foi aos poucos ganhando uma enorme importância histórica. 1. Antecedentes: a Semana de Arte Moderna (1922) Primeiramente, porque representou a confluência de várias tendências de renovação que, empenhadas em combater a arte tradicional, vinham ocorrendo na cultura brasileira antes de 1922. Em segundo lugar, conseguiu chamar a atenção dos meios artísticos de todo o país. A partir daí, formaram-se grupos de artistas e intelectuais que levaram adiante e aprofundaram o debate acerca da arte moderna. Os reflexos da Semana fizeram-se sentir em todo o decorrer dos anos 1920, atravessaram a década de 1930 e, de alguma forma, têm relação com a arte que se faz hoje. 1. Antecedentes: a Semana de Arte Moderna (1922) O Teatro Municipal de São Paulo serviu de palco para o evento que marcou o início do Modernismo no Brasil 2. Características gerais do Modernismo A busca de uma linguagem brasileira: desprezando o rigor das regras gramaticais,principalmente aquelas ditadas pela gramáica lusitana mas distante da realidade brasileira. Os modernistas aproximaram a linguagem literária da lígua falada pelo povo brasileiro. Nacionalismo crítico: interesse por temas brasileiros, buscando valorizar nossa tradição e cultura, bem como nosso passado histórico cultural. Ironia, humor, piada, paródia: os modernistas procuravam ser bem-humorados. Zombavam da arte tradicional e das figuras eminentes de nosso passado histórico 2. Características gerais do Modernismo Temas extraídos do cotidiano: os modernistas acreditavam na possibilidade de a arte ser extraída das coisas simples da vida e não apenas dos grandes temas universais. A produção modernista promove, assim, uma dessacralização da arte. 3. A primeira fase do Modernismo (1922-1930): a “fase heroica” AMARAL, Tarsila do. A feira. 1924. Óleo sobre tela, 46x55 cm 3.1 A primeira fase do Modernismo (1922-1930): a “fase heroica” Fase mais radical do movimento: necessidade de definições Abandono das perspectivas passadistas e liberdade formal Procura do original e do polêmico Visão nacionalista, porém crítica, da realidade Defesa da reconstrução da cultura brasileira sobre bases nacionais: eliminação definitiva do nosso complexo de colonizados, apegados a valores estrangeiros. 3.1 A primeira fase do Modernismo (1922-1930): a “fase heroica” Revisão crítica de nosso passado histórico e de nossas tradições culturais Aproximação entre fala e escrita na linguagem. Período rico em publicações de obras literárias, revistas e manifestos. Principais poetas: Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Manuel Bandeira. 3. 2. A antropofagia: a deglutição cultural Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Raul Bopp lançaram, em 1928, o mais radical de todos os movimentos do período: a Antropofagia. Partidários de um primitivismo crítico, os antropófagos propunham a devoração da cultura estrangeira. Abapuru (1928), de Tarsila do Amaral. 3. 2. A antropofagia: a deglutição cultural Contrariamente à xenofobia, os antropófagos não negavam a cultura estrangeira, mas também não copiavam nem imitavam. Assim como os índios canibais devoravam seus inimigos, acreditando que desse modo assimilariam suas qualidades, os artistas antropófagos propunham a “devoração simbólica” da cultura estrangeira, aproveitando suas inovações artísticas, porém sem a perda da nossa identidade cultural. 3. 2. A antropofagia: a deglutição cultural “ [...] Tupi, or not tupi that is the question. […] Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses. [...] Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João Ramalho fundador de São Paulo. A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte. Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.” OSWALD DE ANDRADE Em Piratininga Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha (Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.) 3. 2. A antropofagia: a deglutição cultural “ [...] Tupi, or not tupi that is the question. […] Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses. [...] Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João Ramalho fundador de São Paulo. A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte. Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.” OSWALD DE ANDRADE Em Piratininga Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha (Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.) 3. 3. Oswald de Andrade (1890-1954) A obra de Oswald de Andrade representa um dos cortes mais profundos do Modernismo brasileiro em relação à cultura do passado. Debochada, irônica e crítica, estava sempre pronta para satirizar os meios acadêmicos ou a própria burguesia. Seu conceito de nacionalismo era diferente daquele pregado pelos românticos. Oswald defendia a valorização de nossas origens, de nosso passado histórico e cultural, mas de forma crítica, isto é, recuperando, parodiando, ironizando e atualizando a nossa história da colonização Oswald de Andrade pintado por Tarsila do Amaral 3. 4. Mário de Andrade (1893-1945) A poesia de Mário de Andrade é marcada pela tentativa do poeta em romper com as estruturas artísticas do passado. Mário de Andrade lutou por uma língua brasileira, que estivesse mais próxima do falar do povo. Com Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, Mário de Andrade renova a linguagem do herói brasileiro. Fosse o índio ou o burguês bem comportado, o herói que aparece nos romances românticos tinha muito de irreal e quase nada de nacional. Macunaíma é uma personagem que se transforma a cada instante, assumindo as feições das diferentes etnias que deram origem ao povo brasileiro. Mário de Andrade pintado por Tarsila do Amaral 3. 5. Manuel Bandeira(1886-1968) Entre as inúmeras contribuições deixadas pela poesia de Manuel Bandeira, duas se destacam: o seu papel decisivo na solidificação da poesia de orientação modernista, com todas as suas implicações (verso livre, linguagem coloquial, irreverência, liberdade criadora, etc.), e o alargamento da lírica nacional pela sua capacidade de extrair poesia das coisas aparentemente banais do cotidiano. Manuel Bandeira pintado por Portinari (1931) 3. 5. Manuel Bandeira(1886-1968) Partindo de temas até então considerados “baixos” para a criação da “grande poesia”, Bandeira criou uma poesia rica em construção e significado, apesar de sua aparência quase prosaica. Outro legado é a simplicidade e o despojamento com que são trabalhados certos temas, como a reflexão existencial, a solidão, o amor, a vida e a natureza. Manuel Bandeira pintado por Portinari (1931) 4. A segunda fase do Modernismo (1930-1945) AMARAL, Tarsila do. Operários. 1933. Óleo sobre tela, 150x230 cm. 4. A segunda fase do Modernismo (1930-1945): Momento histórico 1929: A diminuição do consumo de café no mercado mundial, provocada pela crise desencadeada pela quebra da bolsa, fez despencar o preço do café brasileiro no mercado internacional. 1937: estava decretado o Estado Novo. Vargas passou a exercer o poder de modo autoritário e centralizador. 1939: início da Segunda Guerra Mundial. Ela nos obrigou a enfrentar a barbárie humana e a reconhecer que o preconceito e o desejo desmedido de poder podem levar à perda de milhões de vidas. 4. A segunda fase do Modernismo (1930-1945): Momento histórico 1945: lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. Foi a última fronteira da ética derrubada pela ciência: o ser humano havia descoberto uma forma eficiênte de exterminar a própria raça. Estava criado o contexto para que a arte assumisse uma perspectiva mais intimista e procurasse as respostas para as muitas dúvidas existenciais desencadeadas por todo esse cenário de horror e destruição. 4. A segunda fase do Modernismo (1930-1945): Poesia: misticismo e consciência social Em 1930, a vitória da primeira geração modernista na luta travada contra a cultura acadêmica já estava consolidada. Muitas de suas propostas, comoo verso livre, a afirmação de uma língua brasileira, a priorização da paisagem nacional e a abordagem de temas ligados ao cotidiano, estavam definitivamente consolidadas em nossa literatura. Enquanto a primeira geração modernista experimentou uma grande variedade de temas e técnicas, a segunda geração é caracterizada por uma produção com forte dimensão social. Assim, o contexto sociopolítico define um foco para a poesia desse momento 4. A segunda fase do Modernismo (1930-1945): Poesia: misticismo e consciência social Poesia de questionamento da existência humana. Inquietações sociais, religiosas, filosóficas e amorosas Amadurecimento das conquistas da primeira geração: versos livres e brancos convivem com outros rimados e de métrica fixa. Os poetas submetem à linguagem às suas necessidades, valendo-se de todos os recursos (formais ou não) à sua disposição. Estrutura sintática dos versos é mais elaborada: questionar a realidade exige uma elaboração sintática de complexidade equivalente. 4. A segunda fase do Modernismo (1930-1945): Poesia: misticismo e consciência social Mãos Dadas Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considere a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história. não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela. não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida. não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente. Carlos Drummond de Andrade 4.1. Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) Considerado o maior poeta brasileiro do século XX Se considerarmos sua carreira poética, podemos perceber que certas temáticas afloram de sua poesia, tais como o fazer poético, a função social do poeta, a dificuldade de compreender os sentimentos, a importância da família e da reflexão. 4.1.1 Carlos Drummond de Andrade (1902-1987): família e origens: a viagem na memória O tema da família se confunde com o das origens, representadas na poesia de Drummond pelas inúmeras referências à infância, à Itabira e às Minas Gerais. A recordação do passado permite que ele seja reavaliado e que sua importância seja reconhecida no presente. 4.1.2 Carlos Drummond de Andrade (1902-1987): “ o tempo é a minha matéria presente” Em inúmeros poemas, Drummond aborda a função social do poeta: denunciar a opressão e lutar para a construção de um mundo novo. O presente se torna o grande tema dessa fase A fase social da poesia de Drummond também se manifesta sob a forma de denúncia da alienação da elite. 4.1.3. Carlos Drummond de Andrade (1902-1987): o exercício incansável da reflexão Em sua poesia reflexiva, Drummond define-se por perseguir algumas questões fundamentais para o poeta: que “coisa” é o ser humano? O que significa fazer parte da humanidade? Como combater as injustiças do presente? 4.1.4. Carlos Drummond de Andrade (1902-1987): o fazer poético: ação e transformação O que se observa é que Drummond, mesmo nos textos em que declaradamente trata da criação poética, continua a desenvolver um tema maior: a poesia em busca de si mesma. Essa busca assume duas faces: a “material” (do verso, da escolha das palavras, da rima) e a do conteúdo, que a vincula aos outros eixos temáticos da obra do poeta. 4.1.5. Carlos Drummond de Andrade (1902-1987): A “concha vazia” do amor A obra de Drummond também aborda a necessidade de compreender o sentimento, que se manifesta tanto no nível pessoal quanto no social (o “estar no mundo”). Mais do que registrar emoções, o poeta de Itabira quer compreendê-los, e isso só é possível por meio da análise 4.2. Cecília Meireles (1901-1964): a vida efêmera e transitória Sua poesia, de modo geral, filia- se às tradições da lírica lusobrasileira. Além disso, as obras da poetisa evidenciam uma certa tendência neossimbolista. Do ponto de vista formal, a escritora foi uma das mais habilidosas em nossa poesia moderna, sendo cuidadosa sua seleção vocabular e forte a inclinação para a musicalidade, para o verso curto e para os paralelismos, a exemplo da poesia medieval portuguesa. 4.2.1. Cecília Meireles (1901-1964): o neossimbolismo A frequente presença de elementos como o vento, a água, o mar, o ar, o tempo, o espaço, a solidão e a música dá à poesia de Cecília Meireles um caráter fluido e etéreo, que confirma a inclinação neossimbolista da autora. O espiritualismo, a musicalidade e o orientalismo, tão prezados pelos simbolistas, também se fazem presentes na obra da poetisa. 4.2.1. Cecília Meireles (1901-1964): o neossimbolismo Raramente a poesia de Cecília Meireles foge à orientação intimista. Um desses momentos é representado por Romanceiro da Inconfidência (1953), que, pelo viés da História, abre importante espaço em sua obra para a reflexão sobre questões de natureza política e social, tais como a liberdade,a justiça, a miséria, a ganância, a traição, o idealismo. O Romanceiro da Inconfidência é uma “narrativa rimada”, segundo a autora, que reconstrói, fundindo história e lenda, os acontecimentos da Vila Rica à época da Inconfidência Mineira (1789) 4.2.2. Cecília Meireles (1901-1964): a efemeridade do tempo Cecília Meireles cultivou uma poesia reflexiva, de fundo filosófico, que aborda, entre outros, temas como a transitoriedade da vida, o tempo, o amor, o infinito, a natureza, a criação artística. Mas não se deve entender sua atitude reflexiva como uma postura intelectual, racional. Cecília foi antes de tudo uma escritora intuitiva, que sempre procurou questionar e compreender o mundo a partir de suas próprias experiências. Desses temas, os que mais se destacam são a fugacidade do tempo e a efemeridade das coisas. Tal preocupação filosófica dialoga com a tradição, especialmente com o Barroco. 4.2.2. Cecília Meireles (1901-1964): a efemeridade do tempo Ela mesma revelou os objetivos que buscava alcançar por meio da poesia: “Acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar. Mostrar-lhe a vida em profundidade. Sem pretensão filosófica ou de salvação – mas por uma contemplação poética afetuosa e participante.” 5. A segunda fase do Modernismo (1930-1945): Prosa PORTINARI, Cândido. Criança Morta. 1944.Óleo s/ tela, 176 x 190 cm. 5. A segunda fase do Modernismo (1930-1945): Prosa O projeto literário do romance da geração de 1930 foi claro: revelar como uma determinada realidade socioeconômica, no caso, o subdesenvolvimento brasileiro, influenciava a vida dos seres humanos. Para tratar das questões sociais regionais, os romances escritos a partir de 1930 retomaram dois momentos anteriores da prosa de fição: o regionalismo romântico e o Realismo do século XIX. Do regionalismo romântico, vem o interesse pela relação entre os seres humanos e os espaços que eles habitam, apresentando agora uma perspectiva mais determinista. 5. A segunda fase do Modernismo (1930-1945): Prosa Do Realismo, é recuperado o interesse em estudar as relações sociais O romance de 1930 inova ao abandonar a idealização romântica e a impessoalidade realista para apresentar uma visão crítica das relações sociais e do impacto do meio sobre o indivíduo. Essas raízes literárias fizeram com que os romances escritos nesse período fossem conhecidos como regionalistas ou neorrealistas. Os escritores pretendiam caracterizar a vida sacrificada e desumana do sertanejo e compreender a estrutura socioeconômica que alimentava a política do coronelismo nordestino. Para eles, apontar tais problemas significava ajudar a transformar essa realidade injusta. 5. A segunda fase do Modernismo (1930-1945): Prosa • De modo geral, o trabalho com a linguagem realizado pelos autores dessa geração busca trazer para as narratiavas a “cor local”, ou seja, as informações sobre espaços, comportamentos e costumes, que permitem ao leitor reconhecer os aspectos típicos característicos de uma região específica. 5. A segunda fase do Modernismo (1930-1945): Prosa Fragmento de Vidas Secas (…) -Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta. (…)E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra. Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando: - Você é um bicho, Fabiano. Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho. capaz de vencer dificuldades. (…) Graciliano Ramos 5.1. Graciliano Ramos (1892-1953): o mestre das palavras secas O cuidado com as palavras é um dos traços mais importantes da prosa de Graciliano Ramos. A economia no uso de adjetivos e advérbios, a escolha cuidadosa de substantivos, todos os aspectos da construção de seus romances colaboram para a criação do “realismo bruto” que define o olhar neorrealista do autor. 5.1. Graciliano Ramos (1892-1953): o mestre das palavras secas Como romancista, Graciliano Ramos alcançou raro equilíbrio ao reunir análise sociológica e psicológica. Como poucos, retratou o universo do sertanejo nordestino, tanto na figura do fazendeiro autoritário quanto do caboclo comum, o homem de inteligência limitada, vítima das condições do meio natural e social, sem iniciativa, sem consciência de classe, passivo diante dos poderosos. 5.1. Graciliano Ramos (1892-1953): o mestre das palavras secas Contudo, em Graciliano Ramos o regional não caminha na direção do específico, do particular ou do pitoresco; ao contrário, as especificidades do regional são um meio de alcançar o universal. Suas personagens, em vez de traduzir experiências isoladas, revelam uma condição coletiva: a do homem explorado socialmente ou brutalizado pelo meio. 5.1. Graciliano Ramos (1892-1953): o mestre das palavras secas O autor de Vidas Secas sobressai entre os demais de sua época, não só pelas qualidades universalistas que apresenta, mas sobretudo pela linguagem enxuta, rigorosa e conscientemente trabalhada, no que se mostra o legítimo continuador de Machado de Assis na trajetória do romance brasileiro. 5.2. Jorge Amado(1912-2001): retrato da diversidade econômica e cultural Um dos escritores brasileiros mais conhecidos e lidos de todos os tempos, Jorge Amado imprimiu um recorte particular ao projeto literário de sua geração: o estudo das relações humanas que levaram à constituição do perfil multirracial que caracteriza o povo brasileiro. 5.2. Jorge Amado(1912-2001): retrato da diversidade econômica e cultural A maior parte das obras do escritor, principalmente as primeiras que publicou, apresenta preocupação político-social, denunciando, num tom direto, lírico e participante, a miséria e a opressão do trabalhador rural e das classes populares. Conforme o autor foi amadurecendo, sua força poética voltou-se para os pobres, para a infância abandonada e delinquente, para a miséria do negro, para o cais e os pescadores da Bahia, para a seca, o cangaço, a exploração do trabalhador urbano e rural e para a denúncia do coronelismo latifundiário. 5.2. Jorge Amado(1912-2001): retrato da diversidade econômica e cultural Autor de obras de cunho regionalista e de denúncia social no início de sua carreira de escritor, Jorge Amado passou por diferentes fases até chegar a última delas, voltada para a crônica de costumes. A partir da publicação de Gabriela, cravo e canela (1958), a ficção de Jorge Amado afasta-se das questões sociais para concentrar-se na construção de tipos humanos, explorando cada vez mais o tema do amor. Essa nova tendência de suas obras garantiu ao autor a continuidade de seu imenso sucesso popular. 5. O Pós-Modernismo(1945-1960) GUTTUSO, Renato. Cruxificação. 1940-1941 5. OPós-Modernismo(1945-1960) : contexto histórico Fim da Segunda Guerra Mundial: A Europa começou o lento processo de reconstrução em meio aos destroços humanos e políticos Início da Guerra Fria: o Brasil aliou-se aos norte-americanos contra a expansão do comunismo. O Partido Comunista, abrigo de muitos intelectuais, entrou na ilegalidade Fim da ditadura Vargas e início da redemocratização. No governo JK, o crescimento industrial acelerado desencadeou um crescimento urbano equivalente. Massas humanas deslocaram-se do campo para a cidade à procura de oprtunidades, comprometendo a estrutura dos grandes centros. 1950: Assis Chateaubriand touxe para o Brasil a televisão, que se revelou uma máquina de fazer astros instantâneos e modificou de modo irreversível o perfil da produção cultural brasileira. 5. O Pós-Modernismo(1945-1960): a arte procura novos rumos Crise dos valores que vigoravam a partir do século XX. Os conceitos de classe social, de ideologia, de direita e de esquerda, de arte, do Estado de bem-estar começam a ruir, afetados pelas duas guerras mundiais. O Pós-Modernismo nasce da ruptura com algumas certezas e definições que sustentavam conceitos do campo social, político, econômico, estético, etc. O que importa, no mundo contemporâneo, é a individualidade extrema. A solidariedade e a busca do bem-estar social são postas em segundo plano. No centro da sociedade, o indivíduo reina absoluto. A experimentação torna-se o princípio norteador da estética pós-moderna 5. O Pós-Modernismo(1945-1960):Poesia Os poetas, que desejavam devolver aos poemas o rigor formal abandonado pelos primeiros modernistas, passam a privilegiar o trabalho com a materialidade do texto poético. Algumas formas fixas e modelos poéticos mais “clássicos” foram retomados. Com isso, os escritores esperavam definir de modo mais claro os limites que separavam o poético, fundamentado no trabalho com a forma, do não poético, associado ao mero registro do elemento prosaico do cotidiano. Valorização da técnica de composição • Ampliação do poder de significação da palavra e do texto • Busca da temas relacionados ao social, moral e político 5. O Pós-Modernismo(1945-1960):Poesia É importante que não se confunda a valorização da técnica de composição promovida pela poesia de 1945 com o rebuscamento formal que marcou a póetica dos parnasianos. Trata-se de um procedimento inverso. No Pós-Modernismo, o domínio da forma deve permitir que a combinação entre código e a mensagem aconteça de modo absoluto, para que o poder de significação da palavra seja ampliado e o texto também tenha sua significação ampliada por essa articulação. Os parnasianianos investiram no rebuscamento formal sem pretender, com isso, criar novos sentidos para o texto. A arte pela arte, a perfeição formal, a imparcialidade diante do objeto do poema eram seus objetivos. 5. O Pós-Modernismo(1945-1960): “Catar Feijão” 1. Catar feijão se limita com escrever: joga-se os grãos na água do alguidar e as palavras na folha de papel; e depois, joga-se fora o que boiar. Certo, toda palavra boiará no papel, água congelada, por chumbo seu verbo: pois para catar esse feijão, soprar nele, e jogar fora o leve e oco, palha e eco 2. Ora, nesse catar feijão entra um risco: o de que entre os grãos pesados entre um grão qualquer, pedra ou indigesto, um grão imastigável, de quebrar dente. Certo não, quando ao catar palavras: a pedra dá à frase seu grão mais vivo: obstrui a leitura fluviante, flutual, açula a atenção, isca-a como o risco João Cabral de Melo Neto 5.1 João Cabral de Melo Neto (1920-1999): a linguagem objeto João Cabral é um poeta cerebral. Isso significa que o planejamento do poema e a reflexão sobre o próprio processo de composição são as bases do seu fazer literário. Sua preocupação em buscar a significação máxima de cada palavra e a qualidade literária de seus poemas foram fatores que o projetaram como um dos maiores poetas de sua geração. 5.1 João Cabral de Melo Neto (1920-1999): a linguagem objeto A reflexão sobre o fazer poético é o principal tema do autor. São frequentes, em sua obra, os metapoemas, ou seja, os poemas que falam sobre a composição poética. Nesses textos, João Cabral recorre muitas vezes à aproximação entre a atividade de escrever e a outra atividade cotidiana, para oferecer ao leitor imagens que simbolizem o aspecto da composição sobre o qual deseja refletir. 5.1 João Cabral de Melo Neto (1920-1999): a linguagem objeto Seu universo poético é essencialmente nordestino, com muitas referências à zona da mata e ao sertão. Fiel às origens, o autor pernambucano trouxe para o poema a aridez dos espaços em que se criou. A linguagem que utiliza aparece despida de ornamentos, uma “faca só lâmina”, como ele mesmo definiu. Pela linguagem de seus versos, por não falar de sentimentos, não abordar estados de espírito, os críticos o reconhecem como um poeta não-lírico. 5.1 João Cabral de Melo Neto (1920-1999): a linguagem objeto Morte e vida severina é a obra mais conhecida de João Cabral. Trata-se de um auto de Natal, que, seguindo a tradição dos autos medievais, faz uso da redondilha, do ritmo e da musicalidade. Severino, o protagonista, é um nordestino que sai do interior do sertão em direção ao litoral, em busca de melhores condições. Na sua fala inicial, percebe-se o drama da personagem: incapaz de encontrar características pessoais ou sociais que o diferenciem de tantos outros retirantes, Severino torna-se um símbolo do drama vivido nas regiões assoladas pela seca. 5.1 João Cabral de Melo Neto (1920-1999): a linguagem objeto O retirante chega ao Recife com uma dúvida: será que vale a pena uma pessoa como ele permanecer viva, tendo que enfrentar tanta dificuldade? No momento em que faz essa pergunta a José, um carpinteiro com quem convers no cais do Capiberibe, é interrompido por uma mulher, que em avisar José do nascimento do filho. Severino testemunha, então, a solidariedade dos outros habitantes do manguezal, dispostos a dividir o pouco que têm com a criança recém-nascida. Naquele momento, compreende que a própria vida deu a resposta que procurava: mesmo sofrida, difícil, a vida merece ser vivida. 5.1 João Cabral de Melo Neto (1920-1999): a linguagem objeto A composição de poemas que articulam forma e conteúdo fez com que sua obra desencadeasse uma revolução formal na poesia brasileira, criando a base para novas propostas estéticas como o Concretismo, que surgiria alguns anos mais tarde. O Pós-Modernismo(1945-1960): Prosa PRADO, Evandro. Em casa de capitalista, Coca-cola é santa. 2005. 195x86x37 cm O Pós-Modernismo(1945-1960): Prosa: A reivenção da narrativa A literatura acompanha o processo de busca de novas possibilidades de organização desencadeado pelo PósModernismo. Dois autores já anunciavam, em momento anterior, o experimentalismo narrativo característico da prosa pós-moderna: James Joyce e Virginia Woolf. James Joyce: reiventa a linguagem e a sintaxe. O escritor irlandês explora processos de associação de imagens e todo o tipo de recurso verbal para criar o fluxo de consciência em Ulisses. O Pós-Modernismo(1945-1960): Prosa: A reivenção da narrativa O fluxo de consciência é uma técnica narrativa utilizada para expressar, por meio de um monólogo interior, os vários estados de espírito e as emoções que caracterizam uma personagem. Para isso, o narrador apresenta pensamentos sem se preocupar em garantir a articulação lógica entre as ideias: uma série de impressões (visuais, olfativas, auditivas, físicas, associativas) ganha forma no texto, recriando, em um universo ficcional, o funcionamento da mente humana. O Pós-Modernismo(1945-1960): Prosa: A reivenção da narrativa Fluxo de consciência é uma radicalização da instrospecção psicológica já praticada desde o Realismo. Introspecção psicológica: desvenda o universo mental da personagem de forma linear, com espaços determinados e marcadores temporais nítidos. O leitor tem pleno domínio da situação e distingue com facilidade um momento do passado (revivido pela personagem por meio da memória) de um momento presente ou de um devaneio. Fluxo de consciência: quebra dos limites espaçotemporais: presente e passado, realidade e desejo se misturam, sem qualquer preocupação lógica ou com a ordem narrativa. 5. O Pós-Modernismo(1945-1960): Prosa: A reivenção da narrativa Virginia Woolf também faz uso do fluxo da consciência para lidar com as angústias individuais de personagens atormentadas. O fio narrativo se fragmenta e se multiplica, tecendo uma rede complexa da qual surge, ao fim, a imagem multifacetada dos seres humanos. Interessados em tratar da experiência interior dos indivíduos (a noção de espaço e tempo, a ideia do eu e de sua relação com o outro), Joyce e Woolf abrem mão da organização tradicional do romance, atribuindo novos papéis para narrador e personagesns e propondo novas relações entre tempo e espaços narrativos. 5. O Pós-Modernismo(1945-1960): Prosa: A reivenção da narrativa No Brasil, João Guimarães Rosa e Clarice Lispector serão os principais responsáveis pela transformação da prosa de fiçcão. Na obra desses autores, observa-se a essência da literatura pós-moderna: encarar a palavra como um feixe de significados. Guimarães Rosa: se caracteriza pelo uso particular da linguagem e por, nesse mundo aparentemente regional, tratar de temas próprios a todos os seres humanos como o bem e o mal, a sanidade e a loucura, o certo e o errado, o amor e a morte, o acaso e o destino. O Pós-Modernismo(1945-1960): Prosa: A reivenção da narrativa Clarice Lispector: desenvolve um universo ficcional em que investiga os processos que tornam o ser humano único, que lhe dão identidade. Suas narrativas abandonam o interesse do enredo para submeter as personagens a um processo de individuação que permite a elas reconhecer a própria identidade. Esse reconhecimento as faz reavaliar o contexto em que se encontram e questionar às expectativas familiares e sociais. O Pós-Modernismo(1945-1960): Prosa: A reivenção da narrativa Clarice Lispector e Guimarães Rosa trazem assim a escrita para o primeiro plano, demonstrando a possibilidade de valorizar a elaboração do texto e o trabalho com a linguagem como espaços de construção de mundos específicos. As obras desses autores desafiam o leitor a entrar em um mundo próprio, a participar de maneira ativa da construção do sentido e a dialogar efetivamente com o texto. No momento em que o leitor aceita o jogo proposto por esses escritores e se deixa levar pela linguagem envolvente de sua ficção, mergulha em um fascinante universo narrativo e, ao acompanhar a vida e a trajetória das personagens, muitas vezes percebe-se refletindo sobre a sua própria vida Guimarães Rosa: o descobridor do sertão universal Caráter regionalista de Guimarães Rosa: as marcas regionais são evidentes nos termos utilizados, na recriação da fala de jagunços e de vaqueiros do interior de Minas. As questões tematizadas, porém, vão muito além de uma perspectiva regional. Guimarães Rosa: o descobridor do sertão universal Em suas narrativas, Rosa fala dos grandes dramas humanos: a dor, a morte, o ódio, o amor, o medo. Indagações filosóficas aparecem na boca de homens simples, incultos, deixando claro que os grandes fantasmas da existência podem ser identificados em qualquer lugar, desde um grande centro urbano até um minúsculo vilarejo nos sertões das Gerais. Dos contos e novelas de Guimarães Rosa, emerge um mundo sempre marcado pelo confronto de opostos: o arcaico e o moderno, o rural e o urbano, o oral e o escrito. Clarice Lispector Clarice Lispector: a busca incansável da identidade Em Clarice Lispector, a experimentação afeta principalmente a estrutura da narrativa. É o domínio da técnica do fluxo da consciência, porém, que se torna a marca registrada da autora. A literatura produzida por Clarice Lispector não se preocupa com a construção de um enredo tradicionalmente estruturado, com começo, meio e fim. Ela busca a compreensão da consciência individual, marcada sempre pela grande introspecção das personagens. Clarice Lispector: a busca incansável da identidade Suas narrativas tratam do momento preciso em que uma personagem toma consciência da própria individualidade. Esse momento pode ser desencadeado por situações corriqueiras, como a contemplação de rosas ou a visão de um cedo mascando chiclete. São situações narrativas complexas, em que as personagens passam por transformações capazes de abalar a estrutura prosaica de suas vidas. Clarice Lispector: a busca incansável da identidade Esse processo de descoberta individual por que passam as personagens de Clarice Lispector é chamado de epifania. O termo faz referência à apreensão intuitiva da realidade por algo geralmente simples e inesperado. Nesse sentido, é a percepção do significação essencial de alguma coisa. Epifania: na obra de Clarice Lispector, significa a descoberta da próprian identidade a partir de um estímulo externo. As personagens, nesse momento, descobrem a própria essência, aquilo que as distingue das demais e as transforma em indivíduos singulares. Clarice Lispector: a busca incansável da identidade As narrativas apresentam uma estrutura semelhante, que o crítico Affonso Romano de Sant’Anna definiu em quatro passos: 1. A personagem é disposta numa determinada situação cotidiana 2. Prepara-se um evento que é pressentido discretamente pela personagem (algo como uma inquietação) 3. Ocorre o evento que ilumina a vida (epifania) 4. Apresenta-se o desfecho, no qual a situação da vida da personagem, após a epifania, é reexaminada. Clarice Lispector: a busca incansável da identidade O trabalho com a linguagem é fundamental para que esse processo de autodescoberta adquira a dimensão intimista que permite, ao leitor, acompanhar os efeitos, na personagem, do momento de iluminação. A autora promove, na forma do texto, uma desconstrução equivalente àquela vivida pelas personagens, fazendo com que a própria linguagem assuma uma função libertária. Clarice Lispector trata da condição feminina, da dificuldade de relacionamento humano, da hipocrisia dos papéis socialmente definidos, da busca pelo “eu”. Clarice Lispector: a busca incansável da identidade Outra característica recorrente, na ficção de Clarice, é a presença de animais (cavalo, galinha, barata, aranha, búfulo, gato, etc.) que representam o “coração selvagem” da vida, que pulsa descontrolada, sem se submeter às regras e expectativas sociais. Essa é uma forma também revolucionária de simbolizar a busca incessante das personagens pela libertação das amarras sociais e o mergulho no irreversível processo de individuação. Referências bibliográficas Passagens integralmente retiradas de: ABAURRE, Maria Luiza; PONTARA, Marcela; CESILA, Juliana Sylvestre. O ensino de Literatura. São Paulo: Santillana, 2009. ABAURRE, Maria Luiza; PONTARA, Marcela. Literatura: tempos, leitores e leituras. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2010. CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Conecte: Literatura brasileira. São Paulo: Saraiva, 2011.