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Primeira transcrição
Por mais que eu ande
Nada em mim imagina
O que é que tal menina
Tão pequena está fazendo
Numa cidade tão grande
Paulo Leminski
EDUARDO
...A Primeira ilusão... A Primeira imagem.
GUSTAVO
Olha ali a ilusão, ali ó, do outro lado.
EDUARDO
Isso aí é ilusão.
GUSTAVO
Total. Mas tudo é uma ilusão, né? Cara!
EDUARDO
Viva la ilusión!
GUSTAVO
Viva la ilusión!
EDUARDO
Viva la ilusión!
GUSTAVO
La ilusión viaja en tranvía...
EDUARDO
Pois é, e esse cinema aqui. Cine Parador..
GUSTAVO
Esse é outro naipe, né, cara?
EDUARDO
Ai, ai, ai, ai...
GUSTAVO
Mas fala também, cara... Cê acha que tá certo? É um cinema, não é
um cinema?
EDUARDO
Eu acho que...
GUSTAVO
Não é um cinema? Mesmo passando vídeo, sendo pornô, sendo...
EDUARDO
Eu acho que o cinema, ele é cinema antes de ser cinema. Por
exemplo, Wally Salomão... A memória não é uma ilha de edição?
Você não pode montar as histórias na sua cabeça?
GUSTAVO
Sim, mas existe a questão do... Do movimento ilusório...
EDUARDO
... E da imagem...
GUSTAVO
... Do movimento... Do movimento que não é... que não é...
EDUARDO
Vamo falar claro, como se sustenta o cinema?
GUSTAVO
Cara, a gente tava falando isso ontem, lembra? Cinema é igual em
toda parte do mundo, menos em Hollywood.
EDUARDO
Então, o que você tá me propondo é que o que a gente tem é de
sedimentar... Um novo... Paradigma.
GUSTAVO
Não, você sempre gosta de... De se expressar em termos
revolucionários, cara...
GUSTAVO
Eu acho que é muito mais simples, cara. Eu acho que...(música
sobe)...Nessa... Nesse fazer, né cara? Olha que tesãozinho ali...
GUSTAVO
Porque eu vou fazer algo que seja somente meu, somente pra mim?
EDUARDO
Eu to falando justamente o contrário. Como que a gente faria uma
história que fosse entendida no Brasil, na França, no Irã e no
Japão?
GUSTAVO
Cara, com verdade, acho que em primeiro lugar. Com amor...
EDUARDO
Verdade ou sinceridade?
GUSTAVO
Tô falando da verdade que surge como, meu, a necessidade do
que... Do que deve ser dito, entendeu?
EDUARDO
E a nossa necessidade agora? As pessoas que convivem junto, né?,
no mesmo universo que a gente, poucas conhecem o cinema
brasileiro, o cinema latino-americano, vamos dizer assim... Tá?
GUSTAVO
Sim, sim, sim...
Não por culpa delas! (simultânea a fala de baixo)
EDUARDO
...Eu cresci vendo filme americano.
GUSTAVO
Eu acho que a gente tem que, em primeiro lugar, parar com
qualquer espécie de conceitualização, teorização, e sentar, e
ficar nã-nã-nã, trocando uma idéia, a discussão sobre o cinema,
sobre... Sobre as perspectivas da realização pós-contemporânea,
parar com isso, cara. Parar com isso, que na verdade é... É...
Eu acho que essa questão da estrutura, cara... Esse cara, bicudo
hem... Eu acho que essa questão da estrutura, cara, ela hoje não
é... Não é uma discussão mais pertinente, porque a estrutura tá
completamente incorporada ao meio, ao sistema.
EDUARDO
É justamente o momento que a gente tem o meio, a ferramenta pra
fazer e agora é a hora.
GUSTAVO
Eu fiz um vídeo, que é o L’amore, certo? Eu gastei com o L’amore,
na época, 10 reais numa fita mini-dv e depois mais 70 reais que
eu paguei o almoço, um chope pra galera, pra galera tomá uma,
né... Chamei os caras pra fazerem e falei: vamo aqui comer uma
paradinha, tomar uma e, porra!, é o mínimo que eu posso fazer...
Né?, por vocês terem topado a idéia e tal, isso e aquilo. Deu,
meu, deu 70 reais... Mais 10 reais da fita, vamo colocar 15, 85
reais. E quando o filme foi chamado pra... Pra participar do
Zoom... Vamo passar aqui na porta do... Do Marabá... O cara me
disse que eles tinham um cachê de 300 reais, cara...
EDUARDO
Hmm. Hmm.
GUSTAVO
Isso quer dizer, puta, eu fiz um lucro com o filme, entendeu?
GUSTAVO
Ó o Ipiranga, cara... Esse cinema, meu, é enorme, cara! É enorme!
Duas salas, uma no segundo andar, outra aqui embaixo, a entrada
dele é completamente suntuosa, cara, duas escadas laterais,
saguão com piso de mármore, umas poltronas de couro, uma
bonboniere meio, meio antiga, parece original. Os caras nunca
reformaram esse cinema, e aí agora a parada fechou e virou
esse... E virou esse nada, esse ponto pra qualquer coisa...
GUSTAVO
... Cara, eu vim assistir o CLUBE DA LUTA nesse cinema. Foi a
única vez que eu entrei nesse cinema, cara, naquela época em que
teve a treta com o cara no shopping. E aí pirei porque a sala é
uma escada e aí quando você chega lá em cima tem só um corredor e
as poltronas são todas num canto só... Então quem sentar na
última poltrona lá no cantão, não consegue sair pelo corredor,
tem que passar todas as fileiras e tal e sair. Eu tenho quase
certeza que o Carlão filmou uma cena do filme DEMÊNCIA aqui,
cara...
GUSTAVO
Olha o Dog, cara, que bonitinho, novinho...
GISTAVO
Cineasta hotel... Demais...
GUSTAVO
Cara, eu nunca tinha reparado nesse prédio, cara, esses
apartamentos devem ser enormes. Olha tem um playground ali em
cima.
GUSTAVO
Eu vi o SHIGOKU ai, são uns caras que se perdem numa viagem de
barco, num iate, vão parar numa ilha e ai de repente eles comem
uns cogumelos da ilha e começam a pirar e vão se transformando em
cogumelos também ... É alucinante...
GUSTAVO
Isso aqui também era um cinema, cara... Minha mãe que pira pra
caralho em bingo, cara, é uma... É um subterfúgio dos solitários.
EDUARDO
Cara, mas...
GUSTAVO
Pararam de ler e foram pra jogatina...
EDUARDO
... Cê acha que essa degradação do sistema de produção do cinema
brasileiro... Foi feita de propósito?
GUSAVO
Eu acho que sim, cara, eu assim, que os caras vão minando
qualquer tentativa do mercado ficar independente...
EDUARDO
Só que aqui no nosso caso, a gente tem que formular a lei dentro
do nosso próprio país pra passar os nossos filmes.
GUSTAVO
Tinha o cine Pathè aqui, assim. O cara colocou... Aqui era um
cinema incrível... Tinha, meu, um puta papel de parede, assim,
uma tela enorme, também, era aqueles que tinham dois andares,
saca?, tinha um... Tipo um camarote, né, mais suspensa aquela
parte de cima...
EDUARDO
É incrível que não tenha um plano de emergência, né, cara...
GUSTAVO
Não tem...
EDUARDO
Pra salvar...
GUSTAVO
Mas as pessoas tão pouco se fodendo em recuperar cinema, cara...
O único interesse que as pessoas poderiam ter...
EDUARDO
O negócio agora é home theater...
GUSTAVO
É, ou um multiplex, né, cara?, ou um lugar onde você pode fazer,
meu, onde as pessoas vão não só pra assistir um filme. Vão pra
comer um hambúrguer, vão pra comprar uma calça, um livro, um cd e
ver um filme.
EDUARDO
... Comprar pipoca...
GUSTAVO
É. É. Isso aí, comprar hambúrguer e tal... O lance é... Por
exemplo, imagina se o...
EDUARDO
Porra, cara, cê só me desmotiva... Fala alguma coisa animadora,
caralho!
EDUARDO
... Não sei, acho que o maior medo que eu tenho na hora de fazer
um filme é... De tá fazendo algo supérfluo.
GUSTAVO
Quando você me falou da história do... Desse multi-formato de
introduzir a linguagem, meu, desses... pixel estourado, essa
coisa de filmar com a câmera fotográfica... Entendeu?, no
cartãozinho de memória, pô, isso é, cara, isso é do caralho. Isso
é... Entendeu? Isso, isso, isso faz um puta sentido, cara...
Cachorro preto vira-lata acho o maior barato...
GUSTAVO
Esse aqui, cara, cine Cairo... Olha que, meu, que piração,
cara... Olha esse prédio...
GUSTAVO
Olha que louco, cara, esse sapato aqui...
EDUARDO
Quem tiver de sapato não sobra
GUSTAVO
Cara, olha, detonado.
EDUARDO
Quem tiver de sapato não sobra, brother, daí ó...
GUSTAVO
Que tesão esse... Esse sintético...
EDUARDO
Boa bola, hem? ...uh, abre o jogo! Jogou fácil, tem que jogar
fácil...
GUSTAVO
Tamo empurrando a parada aqui, meu!
EDUARDO
A gente não podia fazer um paralelo entre o futebol e o cinema?
GUSTAVO
Sim, não, sim, sem dúvida. Não, acho que a gente pode entre tudo,
cara...
EDUARDO
Quem que é o diretor no futebol? O diretor de cinema no futebol?
É o craque ou é o técnico? ... Tô falando sozinho...
GUSTAVO
...A gente pode ir falando, falando... Pessoal? Vamo lá... Vamo,
para
vamo, vamo...
René
EDUARDO
Que que foi falar com ele?
GUSTAVO
Porque eu entendo melhor a direção, cara, sou ator...
EDUARDO
Ah,é você que tá me conduzindo...
GUSTAVO
É, por ai...
EDUARDO
Entendi.
GUSTAVO
Pra mim, pra gente agora, existem duas dimensões... Da
realização. Uma é a gente montar o projeto e fazer o filme da
forma ideal, da forma como a gente acha que é ideal. Com uma
grana, né, com uma equipe que você possa pagar, até mesmo com uma
grana que você possa receber pra poder, meu, dedicar, sei lá,
três, quatro, cinco, seis meses da sua vida, um ano da sua vida
pra realização de um filme... Tô falando de um curta, né, no
caso, que é aonde a gente ainda tá, enfim, nadando... E existe a
outra, cara, que é... Fazer com o que, meu, com o que a gente tem
na nossa mão, cara.
EDUARDO
Então não precisa de grana.
...Porque a maioria das pessoas que se iludem com o cinema e
entram pra fazer cinema, se iludem com uma idéia muito subjetiva,
e muito escondida, muito implícita que é a idéia de relação de
poder...
GUSTAVO
Sem dúvida.
EDUARDO
De você ser diretor, e ta no set comandando, entendeu?, ser o
chefe, a SUA obra, entendeu?, a SUA visão...
GUSTAVO
Claro...
EDUARDO
Isso é completamente equivocado...
GUSTAVO
Mas... Esses são os medíocres, né, cara...
EDUARDO
... Porque, junto com você... Entendeu?, junto com o diretor, tem
outras pessoas que tão contribuindo...
GUSTAVO
Lógico...
EDUARDO
...saca? E não existe um filme de uma pessoa só, o apego ao seu
material é diretamente proporcional ao apego de você...
OS DOIS
A você mesmo!...
GUSTAVO
..ao seu ego!
Como é que os caras fecham um lugar como esse, cara? Um cinema
como esse, me diz?! Isso é um lugar pra ser, meu, tombado pelo
patrimônio histórico pra ser, meu, um centro de... Da memória do
audiovisual de São Paulo... Um não basta, só o MIS não basta,
cara, o MIS não basta, o MIS tá caindo aos pedaços, pelo amor de
Deus, olha isso aqui, cara, como um prédio assim, como um cinema
assim, dessa magnitude, dessa classe...
EDUARDO
Fechado! Fechado!
GUSTAVO
Entendeu? Fechado, cara! Fechado! Te jogando em... Te obrigando a
ir em shopping center, cara... Não existe formação, cara... De
...De público, cara... Não existe, não existe essa coisa no
Brasil. Não existe... Isso tá totalmente condicionado à
televisão...
GUSTAVO
Tem uma que é assim, cara: “Brincar com palavras pode ser cruel,
pois a palavra muito antes de dita já é vida escondida na boca do
poeta que sofre para parir a bendita ou maldizer a maldita. Não
importa, a palavra é sempre a mais forte e a mais bela.
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