ESPECIAL 2 CMYK ‘‘Muitas vezes desejava que um dia ele me batesse tanto até eu morrer’’ Desde que nasci, morei com uma avó de criação em Campinas. Com 9 anos, decidi vir para o Sul ficar com a minha mãe. Quem sustentava a casa era o primeiro companheiro dela. Eu ia para o colégio, brincava com a minha irmã, tinha amigos, gostava de soltar pipa, jogar bolita (bola de gude), montar casinha de boneca. Quando eu tinha 12 anos, minha mãe conheceu outro cara e tudo começou a dar errado. Ele espancou e expulsou o outro de casa. Não sei a data certa em que ele começou a fazer coisas comigo. Chegou carinhoso, dizendo que era um segredo nosso, de amigo, de pai. Só dava abraço. Contei para minha mãe, mas ela não acreditou. Um dia eu disse ‘não’, ele me bateu e continuou fazendo em mim. Ele me deixava de castigo no banheiro em cima de tampinhas de metal. Eu estava dormindo e ele vinha. Só queria que terminasse logo. Quando ele foi morar lá em casa eu já não estudava. Tinha rodado um ano. Com ele, tudo piorou. Tinha que cuidar da casa, cozinhar, lavar roupa. Depois de um tempo, ele decidiu colocar todos os podres na mesa. Essa é outra parte complicada. Minha mãe me culpou, disse que eu estava seduzindo ele. Aí começou, como eu vou dizer, uma orgia. Ela participou, chegou a tocar em mim. No primeiro dia da orgia, ele me bateu e trancou a casa toda. Era de noite, não tinha o que fazer. Hoje, acho que foi uma maneira de ela me punir. Fiquei doente, com pedra nos rins e convulsão, internada uma semana no hospital. Quando voltei ele disse que ia parar. Mas continuou. Ele era meu dono, mas eu nunca quis ele. Só não tinha para onde fugir. E, me matar, não tinha coragem. Muitas vezes desejava que um dia ele me batesse tanto até eu morrer. Teve uma época que ele queria me colocar numa casa de prostituição. Os vizinhos sabiam, mas tinham medo dele. Minha mãe contou para o pastor, que não fez nada. Até que um dia uma senhora, amiga da minha mãe, disse que estava precisando de uma menina para trabalhar com ela por um mês. Como era pouco tempo, o cara deixou. Eu contei tudo para ela. Antes de me levar no conselho tutelar, de onde fui para duas casas de passagem, passei em casa. O cara tinha saído e minha mãe me ajudou a arrumar as malas. Eu estava com 16 anos. O pessoal da casa tentou achar meus parentes, um irmão, meu pai que não conheço, o pastor da igreja. Mas ninguém quis ficar comigo. Até que a assistente social, que hoje chamo de madrinha, me que ma agressão au é l a xu se abuso ltural m a estrutura cu olência esconde um vi a m ivente co chista e con se contexto, a crianes doméstica. N priedade dos pais. ro p a m u o cesso m ça é vista co um ser humano em pro ta n Não represe descoberta. e os. De dono de formação possui os filh inda mais ta en st su Quem passo. ‘‘A alguor, basta um para abusad o quando a criança tem sos, ad ca d s fácil de ser ental. Nesse to, o a física ou m tornar ‘‘boma deficiênci a r a v ít im a c o m o o b je do, dinha para se adinha’’. n ra rg a ci ci xe an n d u e n n e ra e d d baix a lé m de ser ci rto de que, se sicóloga Sílo e dá uma a s pequenos ce lh e e g jo a o r n o d o ã p sa e do ca a abu ta a m a curiosidad ditará’’, expli ra do Centro de re m ac co s coreograém so gu fu o n in n Co ores vêem na Quando ordenad d co isa r, u en lle ab M o s K e o a s o, o Menin via Helen crianças. pelo corp lógicos sobre o Rio e desejo das tram Estudos Psico Universidade Federal d a um sinal d não é suficiente, encon fi a a iv d a at . u ic so R if u e st d ab ju nas ara o essa l (UFRGS). os esexplicação p conGrande do Su ação da pesquisadora, eno demônio a tre mãe e filha também ga n en en sc lo rd s le o o có o it si co fl ad .Ap am Sob a Os con lência sexual endonça, GS encontrar as. Na maior o R vi F a U a a d ar s p te M s de a as ru tudan tribuem ife Vasconcelo ções m de casa par aria Cristina Casa de Passagem de Rec tes que fugira s, eles presenciaram rela uM as a ab d s, so e s ra so ca o s ca iad parte dos coordenado foram assed aior parte do famílias m a, r a o ci n p n s fâ e, o u in id q a m n ta e sexuais a vêm d ou depri (PE), con em s alcoólatras olênrocuram ajud eninas que p ve em busca de um hom a. sados por pai prego. Para manter a vi m a m vi ir em co ãe ce es m m n d a a o ta s n d n fi ai co u sa e q s u d ca nas ressore qüilida n ag a s e tr o u , r q o a e d d ed e s gr o cia em se capaz de lh convencid heia. os vizinhos, conivência d or não se meter na vida al s de h so é sempre mel ltural facilitador dos ca aliOutro fator cu ção exacerbada da sexu ram loriza abuso é a va s infantis há muito deixa ça an d s A dade. convidou pra ficar com ela. Já estou há cinco anos lá. Consegui voltar a estudar e jogar futebol. Refiz meus documentos, que o cara tinha queimado, estou no 3º ano e quero fazer Educação Física. Já cheguei a ter uns namorados, mas nada sério. Tenho medo de me decepcionar. Não quero contar o que aconteceu para ninguém. Que diferença vai fazer na vida das pessoas? A única coisa que tenho hoje são os pesadelos. Nunca vai passar. Não sei se quero ter filhos. Queria ser uma super-mãe. Não cometer os mesmos erros que ela cometeu comigo. Faz um tempo que não vejo minha mãe. A última vez foi em 1999, em um shopping. Ela continuou a não acreditar em mim. Às vezes, admite e diz que ele estava com diabo no corpo quando fazia as coisas. Fala que não está mais com ele, mas está. Vi os dois em uma festa. Até pouco tempo, eu me sentia culpada por tudo. Até hoje, de certa forma, me sinto. Quando o vejo, sinto ódio. Uma vez estava saindo do conselho tutelar e dei de cara com ele. Aí eu me segurei na minha madrinha, tremendo de medo, e disse: olha ali o cara. Ele veio daquela maneira dele, impondo: ‘Tu não vai falar com a tua mãe’. Eu disse ‘não, não vou’. FERNANDA, 22 ANOS, MORA EM PORTO ALEGRE. A MÃE PERDEU NA JUSTIÇA A GUARDA DA FILHA. O PROCESSO CONTRA O PADRASTO ESTÁ PARADO O fa n ti li za d a s, m u lh e re s in u ld a d e d e o sã s e ã m s d if ic ‘‘E ss a a ss a d o, co m putam o papel p o n s a d sa abu e dis bre sexo e qu scente’’, descreve le conversar so o ad a m sa co gia da de musa da ca autora do livro Pedago Fia, ee Maria Cristin ações de Poder entre Mã lesel o R s ad a 0 , 0 a 1 ci e n d lê Vio de cerca en at sica, ga ú lo m có nas de lha. A psi pam de ofici os ci ti am ar p “D e . u m q centes e Passage d a as C a a n p ra dança e teatro o emocional necessário rç r.” la a elas o refo violência no efendam da que elas se d SEXUALIDADE NATURAL o tem uma o ser human entre o , to en im sc a Desde o n diferença gia sexual. A tural carga de ener e no desenvolvimento na so u rg desejo que su mento que reflete um ab orta p m ca co ti o rá ra p a a p o das fases ou artir é a antecipaçã um comportamento. A p lg a a m e u d n a a iv entr excess ade, a criança mo ‘‘genital’’. id e d os n a 3 dos lise co a a na psicaná fase conhecid ino ou menina começam en m o o É quand e a querer o próprio sexo brincar com alidade dos outros.‘‘As xu , são descobrir a se xuais, desde que naturais se s os brincadeira ção sexual d s, para a forma importantes ’’, explica Angélica Tavare os e lt d u a d d a li s a sexu futuro ecializada em psicóloga esp humana. VRAS SINAIS EM PALA E GESTOS tima de fato de ser ví desao e d n co es Criança não ela conta. Quando se vê a ício, -se. Às vezes, abuso. No in lorizada, cala rpo. Ela pasva es d u o a creditad ais do co tada com sin e reclusa história é rela a cama, fica muito triste fala n a sa a fazer xixi a outra. Outras vezes, el sáar p ra sp os re on de uma ho as palavras. A te, acreditar. as d to m co mesmo, cipalmen tender e, prin veis, cabe en riança abuso se a c as: Suspeite de vários destes sintom r ta n e apres de ansiedade s níveis • altoxa stima ai • b rbauiotod-ee sono • distú rbios na alimentação • distúna cama • xixi rbios no aprendizado ático • distúportamento muito agressivo ou ap • com imento profundo to • abat portamento sexualmente exbprilíncica deiras a, m • co turbação visível e contínu • mas s agressivas ialmente os sexuai ultos, espec nfiança em ad co es d • próximos colares, mais atividades es e d ão aç p ci ti • não puar igos ter po cos am volta para casa ncia em • relutâ suicídio as éi • id s ddee ca sa fuga rganizado • des,o Mitos e Realidaciados) uso Sexual — so (Fonte: Livro Abitora Autores&Agentes&As pela Abrapia; Ed ANOS DRASTO AOS 12 PA LO PE DA TA LEN FERNANDA: VIO 2 Brasília,sábado,17 de maio de 2003 ESPECIAL 2 CMYK