0 Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso VIOLÊNCIA E ABUSO SEXUAL: INFÂNCIA ENCERRADA SITUAÇÃO CRÍTICA NO DISTRITO FEDERAL Autor: Carlos André dos Santos Pereira Orientadora: Profª. Simone F. F. Pires Batana Brasília - DF 2010 CARLOS ANDRÉ DOS SANTOS PEREIRA VIOLÊNCIA E ABUSO SEXUAL: INFÂNCIA ENCERRADA SITUAÇÃO CRÍTICA NO DISTRITO FEDERAL Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof.ª Simone Ferreira de Ferreira Batana Brasília 2010 Monografia de autoria de Carlos André dos Santos Pereira, intitulada “VIOLÊNCIA E ABUSO SEXUAL: INFÂNCIA ENCERRADA - SITUAÇÃO CRÍTICA NO DISTRITO FEDERAL”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em 16 de junho de 2010, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: _________________________________________________________ Profª. Simone Ferreira de Ferreira Pires Batana Orientadora Direito – UCB _________________________________________________________ Profª. Roberta Batista Queiroz Direito – UCB _________________________________________________________ Prof. Pe. José Avelarque Direito – UCB Brasília 2010 Este Trabalho é dedicado à memória do Sr. José Inácio Pereira Filho, meu saudoso Pai, conhecido como seu Zé, infelizmente falecido, amante incontestável da Esposa, dos Filhos e dos Netos. Ora disciplinador, outras vezes amigo. Algumas vezes zangado, noutras tantas alegre, com gargalhadas memoráveis, de contagiosa emoção, quase sempre um chorão. Também! Torcedor fanático do Botafogo/RJ ―AJA CORAÇÃO...‖ time de muitas glórias, triunfos e vitórias inesquecíveis, vitória assim como esta que alcanço e supero agora, iniciada quando ouvi do meu admirável pai um sim, sim para seguir os meus sonhos, sim para desejar uma vida melhor, sim para conquistar, enfim, um grandioso e eterno sim para lavar a alma, para enxergar como águia e realizar, com muita dificuldade, o sonho de cursar Universidade. Onde estiver meu Pai, muito obrigado. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por me permitir a realização de mais um sonho. A Universidade Católica de Brasília pela transformação que fez em minha vida por meio do ensino superior. Agradeço a professora Simone Pires, minha orientadora, pelo tempo despendido na orientação para confecção desta pesquisa, fazendo com que suas sugestões manifestassem no em mim a inspiração necessária para o desenvolvimento de uma consciência jurídica e crítica. Agradeço também a todos os meus familiares, a minhas irmãs e irmãos, principalmente aqueles que participaram ativamente para a conquista desse objetivo. Por fim, agradeço aos meus filhos: Andrew, Geovanna e Enzo pela força e compreensão de me virem ausente enquanto dedicava a este precioso estudo. "Não há escuridão maior e mais assustadora para uma criança e para humanidade do que a falta de respeito pelos seus direitos‖. Marta Serrat RESUMO PEREIRA, Carlos André dos Santos. VIOLÊNCIA E ABUSO SEXUAL: INFÂNCIA ENCERRADA - SITUAÇÃO CRÍTICA NO DISTRITO FEDERAL. 97 fls. Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Direito. Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010. A proposta da pesquisa: Violência e Abuso Sexual - Infância Encerrada, Situação Crítica do Distrito Federal vem levantar as várias facetas e as dificuldades de conceituação de abuso sexual na literatura especializada e da compreensão da sociedade com relação ao problema vivenciado e noticiado cada vez mais na mídia em geral. Outro ponto focal é a situação do Distrito Federal no enfrentamento ao abuso e na aplicação de políticas públicas que subsidiem o combate a este tipo de ação. Para contextualizar o tema foi abordado o desenvolvimento histórico dos direitos das crianças e dos adolescentes e o que elas representavam para sociedade antes da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, identificando e mostrando o direito e a proteção que tem hoje. Por isso a necessidade de diagnosticar o problema, levantar dados e provocar os responsáveis legais para realidade dos acontecimentos. Palavras-chave: Abuso Sexual. Criança e Adolescente. Estatuto da Criança e do Adolescente. Crimes. Distrito Federal. ABSTRACT PEREIRA, Carlos Andre dos Santos. VIOLENCE AND SEXUAL ABUSE: CLOSED CHILDHOOD - CRITICAL SITUATION IN THE FEDERAL DISTRICT. 97 fls. Completion of course work degree in law. Catholic University of Brasilia, Brasilia, 2010. A research proposal: Violence and Sexual Abuse - Childhood Closed, Situation Critical Federal District comes up the various facets and the difficulties in conceptualisation of sexual abuse in the literature and understanding in society about the problem experienced and reported increasingly in media in general. Another focal point is the situation of the Federal District in dealing with abuse and implement public policies that support the fight against this kind of action. To contextualize the topic was addressed the historical development of the rights of children and adolescents and that they posed to society before the Federal Constitution and the Statute of Children and Adolescents, identifying and showing the right and the protection they have today. Hence the need to diagnose the problem, surveying and legal guardians to trigger the reality of events. Keywords: Violence and Sexual Assault. Child and Adolescent. Statute of Children and Adolescents. Crimes. Distrito Federal. LISTA DE SIGLAS AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros CF – Constituição Federal CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas CMDCA - Conselho Municipal dos Direitos da Criança CP - Código Penal CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito FEBEM – Fundação Estadual Bem Estar do Menor FUNABEM - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor GDF – Governo do Distrito Federal LOA – Lei Orçamentária Anual OCA - Orçamento da Criança e do Adolescente OMS - Organização Mundial de Saúde ONU - Organização das Nações Unidas PEC - Proposta de Emenda à Constituição PMDB – Partido Movimento Democrático Brasileiro PNAD - Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios PPA – Plano Pluri-Anual SAM - Serviço de Assistência Social ao Menor SEDEST – Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda STJ - Superior Tribunal de Justiça UNICEF- Fundo das Nações Unidas para a Infância SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12 1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA - A PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 14 1.1. EVOLUÇÃO DO DIREITO DA CRIANÇA NO CAMPO INTERNACIONAL ............ 14 1.2. HISTÓRIA DA PROTEÇÃO DA CRIANÇA NO BRASIL ............................................ 16 1.2.1. Código de Menores de 1927 ........................................................................................... 19 1.2.2. Serviço de Assistência Social ao Menor - SAM............................................................. 19 1.2.3. Criação da FUNABEM .................................................................................................. 20 1.2.4. Código de Menores de 1979 ........................................................................................... 20 1.2.5. Constituição Federal de 1988 ......................................................................................... 21 1.2.6. Estatuto da Criança e do Adolescente ............................................................................ 22 1.3. NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ......... 23 1.4. PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO INFANTO JUVENIL .................................... 24 1.3.1. Princípio da Prioridade Absoluta .................................................................................... 25 1.3.2. Princípio do Melhor Interesse ........................................................................................ 26 1.3.3. Princípio da Municipalização ......................................................................................... 26 2. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – DISPOSITIVOS LEGAIS ........ 27 2.1. A PROTEÇÃO À LUZ DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ....... 28 2.1.1. CONCEITO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE ......................................................... 30 2.1.2. DIREITOS FUNDAMENTAIS DISPOSTOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE ...................................................................................................... 31 2.1.2.1. Direito à Vida e a Saúde .............................................................................................. 31 2.1.2.2. Direito à Liberdade, Respeito e Dignidade ................................................................. 33 2.1.2.3. Direito de Convivência Familiar e Comunitária.......................................................... 35 2.1.2.4. Direito à profissionalização e à proteção no trabalho ................................................. 37 3. DO ABUSO, VIOLÊNCIA E CRIMES SEXUAIS INFANTO-JUVENIS ................... 38 3.1. CONCEITO DE ABUSO E VIOLÊNCIA SEXUAL ....................................................... 40 3.1.1. Abuso Sexual com Consentimento da Vítima: Uma Análise Jurisprudencial - STJ ...... 46 3.2. CRIMES SEXUAIS PREVISTAS PELO E.C.A. ............................................................. 51 3.2.1. Produção de Material Pornográfico Vs. Crianças e Adolescentes ................................. 52 3.2.2. Da Venda de Pornografia com Participação Infantil ...................................................... 54 3.2.3. Publicidade de Fotos e Cenas Sexuais de Criança e Adolescente .................................. 54 3.2.4. Posse de Pornografia Infantil .......................................................................................... 56 3.2.5. Simulação de Pornografia Infantil .................................................................................. 56 3.2.6. Aliciar Menor de Idade a Prática de ato Libidinoso ....................................................... 56 3.2.7. Submissão de Crianças e Adolescentes à Exploração Sexual ........................................ 57 3.3. CRIMES SEXUAIS TIPIFICADOS NO CÓDIGO PENAL ............................................ 58 3.3.1. Estupro de Vulnerável .................................................................................................... 59 3.3.2. Mediação de Vulnerável para Servir Lascívia de Outrem .............................................. 60 3.3.3. Satisfação de Lascívia Mediante Presença de Criança e Adolescente ........................... 61 3.3.4. Favorecimento da Prostituição ou de Exploração sexual de Vulnerável........................ 61 4. ASPECTOS GERAIS DA VIOLÊNCIA E DO ABUSO SEXUAL INFANTOJUVENIL E A SITUAÇÃO CRIÍTICA DO DISTRITO FEDERAL ............................... 63 4.1. O ABUSO E A VIOLÊNCIA SEXUAL NO DISTRITO FEDERAL .............................. 69 4.2. REDE DE ATENDIMENTO – O DISTRITO FEDERAL NO ENFRENTAMENTO DO FENÔMENO DA VIOLÊNCIA E DO ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES .................................................................................................... 74 4.2.1. Do Conselho Tutelar....................................................................................................... 77 4.2.2. Do Judiciário .................................................................................................................. 78 4.2.3. Do Ministério Público .................................................................................................... 79 4.2.4. Defensoria Pública e o Advogado .................................................................................. 79 4.2.5. O Papel das Organizações Não Governamentais no Combate a Violência e ao Abuso 79 4.3. PLANO DISTRITAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES............................................................................ 81 4.4. ATUALIDADES NO COMBATE A VIOLÊNCIA SEXUAL NA INFÂNCIA ............. 83 4.4.1. Discutindo a Violência Sexual Contra Crianças e jovens .............................................. 83 4.4.2. CPI da Pedofilia .............................................................................................................. 84 4.4.3. Castração Química .......................................................................................................... 85 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 88 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 92 12 INTRODUÇÃO O abuso sexual é um dos assuntos mais atuais e perturbadores no que tange à violência contra crianças e adolescentes. Trata-se de situações marcadas pelo ―pacto de silêncio‖ que se faz na maioria dos casos que envolvem abuso sexual. Outro aspecto é o fato da violência e do abuso sexual implicar questões culturais e familiares, principalmente quando se revela que os agressores são pessoas as quais sempre estiveram acima de qualquer suspeita. Assim sendo, esta pesquisa além de procurar sensibilizar a sociedade para a situação do abuso sexual é propor a esta que reconheça o problema e se mobilize no sentido de pensar, apresentar e cobrar soluções imediatas para o fim de reverter o quadro de violência e abuso sexual desferidos contra a população infanto-juvenil. O objetivo geral desta pesquisa é situação do problema enfrentado pela sociedade em relação à violência e o abuso sexual investido contra criança e adolescente, atuando no enfrentamento à violência, tendo como foco a violência sexual, por meio de sensibilizações e mobilização da sociedade, do estado e principalmente da família, contribuindo para a garantia da proteção integral do público infanto-juvenil no que tange a uma sexualidade saudável. Como Objetivo específico busca-se descrever e fornecer informações atualizadas acerca do problema do abuso e da violência sexual no Distrito Federal para as diversas categorias profissionais que estão envolvidas na realidade deste fenômeno, a fim de colaborar com o combate e a conscientização acerca do abuso, violência e exploração sexual, provocando as instituições para o debate e para que cumpram a responsabilidade proposta a estes pela lei. A metodologia utilizada é a dialética, tendo em vista que pesquisa visa o dialogar com sociedade acerca da conscientização e da problematização ao enfrentamento ao abuso, violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes. Outra metodologia utilizada foi a dedutiva hipotética, visto que a discussão se propõe a despertar uma discussão crítica sobre os fatos revelados no decorrer da pesquisa. Com o método proposto vislumbra-se demonstrar o panorama de atendimento as crianças e 13 adolescentes vítimas de abuso sexual no Distrito Federal e as políticas de atendimento exaradas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O tema escolhido tem como razão a apresentação de dados e informações que revelem a realidade do Distrito Federal no que tange a prática de qualquer tipo de abuso ou violência sexual efetuada contra criança e adolescente. Para tanto, o estudo proposto será escrito em quatro capítulos, iniciando-se com uma abordagem histórica, identificando à situação da criança e do adolescente no contexto evolutivo por meio dos grandes marcos culturais, do progresso de direitos até a legislação atual, com o objetivo de elucidar a interpretação da norma, bem como o entendimento dos fatos. No segundo capítulo serão apresentadas as definições de crianças e adolescentes segundo disciplina a legislação penal e estatutária. Outro assunto pontual na presente pesquisa será a busca de definições acerca do abuso sexual, da violência sexual, da exploração da criança no mercado sexual e outras derivações que possam auxiliar a população na identificação do problema. Estes conceitos estão elencados do capítulo terceiro, onde serão descritas todas as facetas da violência sexual, com suas variações terminológicas. Compondo o quarto e último capítulo, apresentar-se-ão, por meio de dados, a situação geral da prática do abuso sexual e suas variações, a situação do Distrito Federal e a atuação distrital no enfrentamento do fenômeno, principalmente, no que diz respeito à efetivação de políticas públicas que garantam a proteção integral assegurada pela Lei. Ainda, será objeto da pesquisa temas atuais e relevantes no combate ao fenômeno. Nas disposições elencadas em todos os capítulos deste trabalho não figura a pretensão de esgotar o assunto, mas a vontade de contribuir para uma reflexão critica de um tema tão relevante e atual. 14 1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA - A PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O menor de idade no contexto histórico sofreu várias transformações do ponto de vista conceitual, familiar, social e jurídico. Ao longo do tempo, os menores foram tratados como adultos, eram vistos como objetos de compra, venda ou troca, como se fossem escravos ou propriedades. A evolução social e humana por meio de debates trouxe a estes seres, até então, sem direito algum, a garantia de desenvolvimento físico, mental e moral, culminando mais adiante em garantia constitucional que, em seguida deu origem a legislação específica, com o escopo transformá-las em sujeitos de direito. Nessa monta, para compreensão acerca da evolução dos direitos da infância e da juventude, doravante com a nomenclatura de criança e adolescente, realiza-se uma abordagem histórica, procurando demonstrar a linha de evolução com os principais marcos, internacional e nacional, imprescindíveis para o alcance dos direitos existentes na proteção da criança e do adolescente nos dias de hoje1. 1.1. EVOLUÇÃO DO DIREITO DA CRIANÇA NO CAMPO INTERNACIONAL Quando se trata da análise internacional acerca dos direitos dos menores, verifica-se que este avanço foi objeto de preocupação da Liga das Nações, que demonstrou, em 1924, por meio da Declaração dos Direitos da Criança de Genebra, preocupação no sentido de garantir proteção especial às crianças. Corrobora Silva e Cury2 prescrevendo que a Declaração de Genebra de 1924 determinava a necessidade em proporcionar proteção especial à criança. Da mesma maneira a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas em 1948 recorreu ao direito a cuidados e assistência especial. Também a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, conhecido como Pacto de São José em 1969 que determinava no art. 19 que toda criança tem direito às medidas de proteção que na sua condição de menor requer, por parte da família, da sociedade e do Estado. 1 A primeira parte do item 01 será melhor explicitada no desenvolvimento do tema. Comentários Jurídicos e Sociais. In: CURY, Munir; SILVA, Antônio Fernando do Amaral e; MENDEZ, Emílio García (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente: comentado: comentários jurídicos e sociais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 12. 2 15 A declaração universal dos direitos da criança, em Genebra, 1924, somente efetivada em 1979, foi a primeira manifestação internacional em prol dos direitos dos menores de idade e representou um avanço significativo para o estabelecimento dos direitos infanto-juvenis, por considerar que a criança é um ser em formação e imatura física, emocional e mental e portanto, salientando que a criança precisa de proteção e cuidados especiais, dada a sua estrutura emocional física e mental ainda em formação3. No entanto, ensina Maciel4 que o início do reconhecimento dos direitos que viriam alcançar as crianças e os adolescentes se deu a partir de 1959, com a edição da Declaração Universal dos Direitos da Criança, proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU), com a preocupação do reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeito de direitos, com necessidades de proteção e cuidados especiais. A Declaração Universal dos Direitos da Criança constituiu vários princípios, tais quais: proteção especial para o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual, educação gratuita e compulsória, prioridade em proteção e socorro; proteção contra negligência, crueldade e exploração, proteção contra atos de discriminação. A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos que, ressaltou a importância dos direitos humanos fundamentais, da dignidade e do valor do ser humano5, houve a Convenção dos Direitos da Criança, passo importante para a defesa dos direitos infantis no âmbito internacional. Essa nova concepção é a base de sustentação da teoria que se construiu ao longo desses anos, consolidada na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, que foi adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 19906. A evolução desses direitos prima pelo interesse superior da criança, nesta época conceituada como menor, por ser menor de 18 anos, trazendo um pouco mais de visibilidade 3 WESTPHAL, Marcia Faria. Violência e Criança/Maria Faria Westphal, (organizadora). - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002, p. 47. 4 MACIEL, Kátia Regina Ferreira lobo Andrade (Coord). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p.13. 5 Declaração Universal dos Direitos da Criança, Preâmbulo. 6 VITAS, Coordenação de Simão. Desenvolvida pela Universidade Católica, 1995. apresenta textos sobre Criança e Adolescente. Disponível em:< http://www.prt17.mpt.gov.br/n_aprendiz.htm> Acesso em: 14 de set. 2009. 16 ao infante, como ser humano suscetível de direito, cujos interesses, podem ser contrapostos aos interesses dos pais ou do núcleo familiar. 1.2. HISTÓRIA DA PROTEÇÃO DA CRIANÇA NO BRASIL No Brasil, nos séculos XII e XIII, aconteceu a descoberta da infância por meio da arte, e evoluiu ainda mais nos séculos XV e XVI, neste momento a Igreja passa a condenar o aborto, abandono de filho e infanticídio. Até a metade do século XVII, as crianças não eram reconhecidas como sujeito de direitos, de modo que, como ensina Carlos Cabral Cabrera7, estas crianças eram retratadas com as mesmas vestimentas utilizadas pelos adultos, inclusive realizando tarefas correlatas. No decorrer do século surge o ―retrato da família‖ de modo que a criança toma suas características infantis e passa a ser incorporada no mundo dos adultos como criança, entretanto, como sujeito incapaz. A partir do século XVIII, aumenta a preocupação do Estado com órfãos e expostos, uma vez que a prática do abandono vinha em ascensão. As ações voltadas para a criação se deram no âmbito familiar e, principalmente da Igreja por meio das Santas Casas de Misericórdia, sem qualquer atuação do Estado. Na primeira metade do século XIX, como afirma Irene Rizzine8, essa preocupação limitava-se aos casos de crianças órfãos e enjeitados que seriam recolhidas a Rodas dos Expostos. O referido sistema consistia na garantia ao anonimato de pessoas que abandonavam os filhos não desejados para Casas de Caridade, geralmente, controladas pela Igreja, onde receberiam os primeiros cuidados e ficavam até os sete anos de idade, quando não requeridos por pessoas interessadas em assumir sua criação. Para melhor ilustrar o que foi a Roda dos Expostos, traz-se a descrição feita por Marcílio9, no livro: História Social da Criança abandonada, onde narra: ―De forma cilíndrica e 7 Cabrera, Carlos Cabral; Wagner, Luiz Guilherme da Costa Wagner e Junior, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, Do Adolescente e do Idoso: Doutrina e Legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. 8 RIZZINI, Irene. A Criança e a Lei no Brasil: Revisando a História (1822-2000). Rio de Janeiro: Ed.: Universitária Santa Úrsula, 2000. p. 9. 17 com uma divisória no meio, esse dispositivo era fixado no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior da parte externa, o expositor colocava a criança que enjeitava, girava a Roda e puxava um cordão com uma sineta para avisar à vigilante – ou Rodeira – que um bebê acabara de ser abandonado, retirando-se furtivamente do local, sem ser reconhecido‖. A partir do conceito apresentado, visualiza-se que a cultura da época busca manter oculta a identidade do abandonando, no sentido de protegê-lo do julgamento da sociedade que não aceitavam, por exemplo, mãe solteira, filhos com algum tipo de deficiência, ou outros casos que denegrisse a imagem da pessoa adulta. Portanto, ainda neste momento o direito do adulto sobrepõe aos interesses das crianças. Ainda no século XIX10, com o advento do primeiro código criminal do Império, em 1830, houve um grande avanço na legislação de proteção à criança, pois as medidas punitivas aplicadas a estes indivíduos consideradas graves foram abolidas, uma vez que qualquer criança que cometiam algum tipo de delito antes da edição da Lei era apenada na mesma proporção das penas sobrepostas aos adultos delinquentes. Nesse sentido, a lei penal de 1830, inova com a criação do Tribunal de Menores, que passa a estabelecer a responsabilidade penal para os menores de 14 anos de idade, que recolhidos a estabelecimentos disciplinares por um período determinado pelo juiz do menor, no quando de cometimento de crime. Assim, ficava a cargo do juiz do menor a decisão de punir a criança que comete crime, recolhendo-os a estabelecimentos disciplinares com o intuito de recuperação do menor. A responsabilidade do penal menor, no conjunto apresentado, era visto como solução para a ameaça que era a criança com algum tipo de desvio de conduta ou desfavorecimento familiar. Entretanto, não surtiu o efeito esperado e evoluiu no sentido inverso, pois trouxe para o contexto a diferenciação discriminatória entre criança e menor, embargando o que poderia ser a evolução da proteção da criança e do adolescente. 9 MARCÍLIO, Maria Luiza. História social da criança abandonada. São Paulo: Hucitec, 1998. RIZZINI, p. 11 10 18 Nessa época o termo criança era entendido como11 população infanto-juvenil incorporada na sociedade convencional, enquanto menor equiparava-se a população de crianças em situação de vulnerabilidade social. Não obstante, o lado positivo da evolução legislativa desse período foi a importância dedicada às crianças que até então não tinham nenhuma visibilidade da sua condição de pessoa em formação. Os estabelecimentos correcionais sofreram regulamentação, cuja proposta ainda era a punição de cunho correcional, mas divididos de maneira a separar os delinquentes, mendigos e vadios; e outra para os demais presos. A lógica dos acontecimentos desenvolvia-se por meio da preocupação com crianças e jovens abandonados, e isto motivou uma nova característica na criação de leis: a da preocupação da educação com a regulamentação do ensino e o da inserção do menor à escola, que sai da esfera privado e vai para a pública. Salienta-se que as leis que favoreceram a educação das crianças não abarcaram a educação dos escravos, mesmo com a edição da ―lei do ventre livre12‖ que estabelecia que os filhos de escravos nascessem livres, mas condicionadas a vontade do Senhor, caso criasse o menor até os oito anos de idade, fato que lhe daria direito de explorar do seu trabalho até 21 anos. Ainda de acordo com Rizzine13, no final do século XIX, foi produzida uma gama de leis na tentativa de regular a situação da infância, seja referente à sua assistência incondicional, ou na proteção da sociedade contra a criança que se torna ameaça a ordem pública. Nesse sentido, a Autora salienta a dimensão política que adquire a problematização envolvendo a criança, pois havia para o Estado, urgência em intervir na educação dos menores no sentido de transformá-los em cidadãos produtivos, assegurando a organização moral da sociedade. 11 Cabrera, Carlos Cabral; Wagner, Luiz Guilherme da Costa Wagner e Junior, 2006. p. 4. ABOLICIONISMO NO BRASIL. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2009. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Abolicionismo_no_Brasil&oldid=16915288>. Acesso em: 21 set. 2009. 13 RIZZINI, p. 19 12 19 1.2.1. Código de Menores de 1927 Em 12 de outubro de 1927, momento da promulgação do primeiro Código de Menores no Brasil (Decreto-lei 17.947/97), o país passava por urbanização européia, tendo a França como modelo, os menores pobres e excluídos socialmente, precisavam de atendimento no sentido de regularizar a situação em que viviam, talvez porque retratavam a pobreza da cidade e isso era desagradável para a elite, portanto, pendendo de solução imediata. As medidas propostas visavam, sobretudo, um maior controle sobre a população nas ruas por meio de intervenção do Estado acerca da proteção da criança e da sociedade, de maneira a deter àqueles que ameaçavam a ordem pública. O modelo de doutrina adotado a época estava calcado na doutrina da situação irregular14, que tinha como essência questões referente ao abandono, destituição de pátrio poder, adoção, assistência e delinquência, esta regularizada por meio de caráter punitivo. Nesse sentido, a partir da intervenção do Estado, iniciaram-se a formulação de modelos de atendimento as crianças pobres, sem que este desempenho efetivasse a redução da pobreza ou dos efeitos que esta proporciona. Do contrário, desvirtuou talvez, o que os especialistas da época viam como solução, tendo em vista a criminalização da pobreza e do termo menor, este, perdeu seu caráter jurídico e foi incorporado na linguagem comum como sinônimo de delinquencia, abandono e outros, portanto, ressalvado a evolução diante das leis anteriores, não foi possível modificar as condições sofridas pela criança. 1.2.2. Serviço de Assistência Social ao Menor - SAM Getúlio Vargas, presidente do Brasil em 1942, teve grande importância na evolução do direito da criança, pois em seu governo criou o Serviço de Assistência Social ao Menor 15, órgão ligado ao Ministério da Justiça cuja função precípua era, nos moldes do sistema prisional comum, manter o menor delinqüente fora do contexto social, entretanto, num estabelecimento específico para menores. 14 PARO, Carmen Regina. O Silêncio do Sagrado: Meninas Abusadas Sexualmente Pela Figura Paterna em Goiânia. Goiânia, 2003. 150 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião) – Universidade Católica de Goiás, Goiás, 2003, p.88-89. 15 Cabrera, Carlos Cabral; Wagner, Luiz Guilherme da Costa Wagner e Junior, 2006. p. 5 20 1.2.3. Criação da FUNABEM Em 196416, foi editada a Lei 4.513/64 que versava acerca da criação da Política Nacional do Bem-Estar do Menor, que tinha como escopo a atuação assistencialista à situação da criança. Nesse período foi criada a entidade nacional, denominada Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), casa assistencialista na recuperação de menores infratores. A ―FUNABEM e as FEBENS‖17 (derivação estadual do órgão) desbancaram, depois de muita luta o fim do SAM, uma vez que este tinha características apenas repressivas enquanto aquele primava pelo sistema de assistencialismo. 1.2.4. Código de Menores de 1979 Seguindo a evolução, em 1979 foi instituída a segunda versão do Código de Menores (Lei 6.697/79), elaborado por um grupo de juristas selecionados pelo governo. Esta nova lei não propõe mudanças substanciais para a solução do problema, mas apresentam características que colocam as crianças e os jovens pobres como elementos de ameaça à ordem vigente, atuando no sentido de reprimir, corrigir para reintegrá-los a sociedade, valendo-se dos velhos modelos correcionais. Portanto, todos os jovens contidos numa linha de perigo ou considerados perigosos, tais como, na situação de abandono, carência, infração, conduta anti-social, deficiente, etc., eram passíveis de recolhimento às instituições de disciplina. Esta foi a maneira encontrada pelo Estado, no que diz respeito a sua responsabilização pelo atendimento às necessidades da criança, ou seja, uma política de internação que culmina no isolamento das relações familiares e da comunidade, por meio de decisão do Juiz de Menor que sempre se baseava na doutrina da situação irregular. Todavia, a repressão e o confinamento nas instituições foram ineficazes, tanto pelas perversidades de suas práticas como pela ineficiência de seus resultados, que incorrem na indignação em vários seguimentos da sociedade que se preocupadas com direitos humanos 16 Cabrera, Carlos Cabral; Wagner, Luiz Guilherme da Costa Wagner e Junior, 2006. ibidem Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor e Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor foram instituições criadas para atender crianças abandonadas e infratoras. 17 21 A partir da criação da lei, iniciou-se a abertura de debates sobre políticas públicas, mesmo que lenta, no sentido de defender efetivamente os direitos da criança18. Por exemplo, a década de 80, como demonstra Cabrera e outros19, surge no Brasil uma grande movimentação por parte de Instituições de defesa do direito da criança, tais como: Frente Nacional de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes; pela Pastoral do Menor, pelo Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua; pela Comissão Nacional Criança e Constituinte, em prol de uma concepção diferente de infância e juventude, no sentido de desenvolvimento de uma nova consciência e postura da opinião pública em favor da população infanto-juvenil. Esta evolução de discussões, por meio de fóruns e debates, gerou o fortalecimento da luta das entidades sociais organizadas, tendo como ápice, a instalação da Assembléia Nacional Constituinte e a criação do Fórum de Defesa dos Direitos da Criança e do adolescente, cuja proposta assegurou na Constituição Federal de 1988, um artigo específico que extinguiria o termo ―MENOR‖ e iniciaria a nova era em favor da criança e adolescente. 1.2.5. Constituição Federal de 1988 Reafirma-se por meio dos ensinamentos de Rizzini20 que nos meses que antecederam a promulgação da Constituição de 1988, vários grupos se organizaram na luta da defesa de variadas causas de cunho social, Isto é fato e foi explicitado no item anterior, entretanto vale salientar o destaque do movimento ―A Criança e Constituinte‖, cuja articulação garantiu a inclusão do artigo 227 na nova Carta Constitucional, este, baseado nos postulados da Declaração Universal dos Direitos da Criança foi o propulsor do processo que insurgiu na elaboração do Estatuto da Criança e Adolescente. Importante ressaltar que a Declaração Universal dos Direitos da Criança foi adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 1989, entretanto, o texto já era conhecido no Brasil quanto da elaboração da Constituição Federal. A Carta Magna Nacional oferece absoluta prioridade na questão de políticas públicas de proteção à criança e adolescentes, principalmente na previsão de direitos e situações 18 PARO, p. 90 Cabrera, Carlos Cabral; Wagner, Luiz Guilherme da Costa Wagner e Junior, 2006. ibidem. 20 RIZZINI, p. 77 19 22 específicas no campo educacional, de segurança e da saúde, esta garantida pelo Estado por meio de programas de assistência integral, além de atendimentos especializados de portadores de deficiência física, mental ou sensorial e no combate ao abuso, à violência, e a exploração sexual21. Nesse diapasão, o referido artigo constitucional prescreve22: "É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar a criança e o adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a consciência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência e opressão". (CF/88) Então, a partir da nova concepção dado a criança e ao adolescente pela CF/88, iniciouse uma articulação em prol de uma lei que colaborasse decisivamente para exigibilidade dos direitos constitucionais aos direitos infanto-juvenis, resultando no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90, que revogou o Código de Menores. 1.2.6. Estatuto da Criança e do Adolescente A Lei N.º 8069 de 1990, promulgada pelo então Presidente da República Fernando Afonso Collor de Mello, vem regulamentar o artigo 227 da carta constitucional, introduzindo no plano normativo um valor intrínseco à criança e ao jovem como ser humano. A interpretação da lei traz a tona a necessidade especial do respeito a criança e ao adolescente e a sua condição de pessoa ainda em desenvolvimento e, principalmente, o reconhecimento como sujeitos de direitos, e a prioridade no tema da política pública23. O E.C.A. inovou ao adotar a doutrina da proteção integral, introduziu uma série de mudanças ao tratamento dado à questão da criança e do adolescente, principalmente no que diz respeito à concepção deste enquanto sujeitos de direitos, se contrapondo a ideologia anterior onde as vítimas se encontravam amparados pela doutrina da situação irregular. 21 IOSSI, Marta Angélica. O Envolvimento dos Profissionais da Saúde do Município de Guarulhos nas Crianças vítimas de Violência Doméstica: Um Caminhar Necessário. Ribeirão Preto-SP, 2004. 143 f. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Universidade São Paulo, Ribeirão Preto, 2004, p.47 22 Constituição da República Federativa do Brasil de 1998 – art. 227 23 IOSSI, 2004, p. 48 23 A doutrina da proteção integral consiste, conforme ensinamentos de Ishida24, em uma nova forma de pensar, com o escopo de efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Com o basta da situação irregular, o termo menor deixou de ser usado, sendo substituído para criança e adolescente. Essa transformação social, o respeito jurídico para o novo termo retoma o sentido a infância e a juventude como jamais se via, dando ênfase à conversão de menor para cidadão. Essa nova concepção de criança e adolescente tem como sustentação o princípio da proteção integral que a partir da lei se tornaram sujeitos de direitos, deixando para trás o tratamento até então dispensado, com a preocupação de política pública avançando no campo social infantil, com ações que visam garantir os direitos fundamentais já garantidos aos adultos, além da garantia de desenvolvimento físico, intelectual, afetivo, social, cultural, e etc. De acordo com o Estatuto, a família passa a ter um papel ainda mais importante, dividindo a responsabilidade de zelar e fazer cumprir os direitos adquiridos pelas crianças e adolescentes com o Estado e sociedade, portanto, a novidade é a participação da sociedade civil como parte ativa no dever de garantir o melhor convívio social do menor. O caráter radical e inovador do E.C.A. concretiza, mesmo que de forma coercitiva, a atenção à saúde; à educação; o desrespeito à liberdade, à dignidade e à convivência familiar e comunitária; o descaso pela educação, pela cultura, pela profissionalização, pelo esporte e pelo lazer da criança, que recebe do Estatuto a proteção contra qualquer tipo de violência e a assistência necessária para seu exercício de cidadania. 1.3. NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Na visão de Ishida25 no que diz respeito à Natureza Jurídica do direito da criança e do adolescente, este instituto pertence ao ramo do direito público. Explica, utilizando - se dos ensinamentos de Munir Cury, quando a criança ainda era denomina por menor. 24 Ishida, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência.11ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 2. 25 Ishida, ibidem. 24 Dessa forma o Direito do Menor é ius cogens, onde o Estado surge para fazer sua vontade, diante de sua função potencial e ordenadora. Informa ainda que segundo a distinção romana ius dispositivum26 e ius cogens27, o direito do menor está situado na esfera do direito público, em razão do interesse do Estado na proteção e na reeducação dos futuros cidadãos que se encontram em situação irregular. Para Cabrera28 a Natureza Jurídica do direito da infância e da juventude, relaciona-se diretamente aos princípios norteadores do direito como instrumentalização da criação de normas. Ao analisar tal instituto, informa que as normas estão dispostas de forma hierárquica, de maneira que as regras constitucionais, por força do princípio da supremacia constitucional, encontram-se no ápice da pirâmide normativa, no mesmo patamar da cadeia normativa, os princípios. Estas duas espécies normativas, lado a lado, orientam a atuação de outras normas. Portanto, para o autor, todo e qualquer princípio não pode ser visto como uma mera norma programática, destituída de imperatividade e aplicabilidade, uma vez que os princípios são normas jurídicas primárias e de eficácia imediata. 1.4. PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO INFANTO JUVENIL Os princípios são, de acordo com Canotilho citado por Maciel29, ―normas jurídicas impositivas de uma “optmização”, compatíveis com vários graus de concretização, consoante aos condicionalismos ‖fácticos‖ 30 e jurídicos‖. Portanto, princípios são espécies de normas que dão sentido a elaboração de leis e na aplicação e interpretação do direito. Segundo Nader31, ao disciplinar a ordem de interesse social, a autoridade marcha no sentido de elaborar um planejamento para criar um ato legislativo, deve ter definição prévia de propósitos, levar em conta principalmente à seleção dos valores e princípios que serão consagrados, que se almeja lançar no ordenamento jurídico. 26 Admite a autonomia de vontade das partes. Regra cuja aplicação não depende da vontade das partes interessadas. 28 Cabrera, Carlos Cabral; Wagner, Luiz Guilherme da Costa Wagner e Junior, 2006. 29 J.J. GOMES CANOTILHO apud MACIEL, p. 21. 30 Suporte fático ou conduta é o conjunto de elementos de fato previstos abstratamente na norma. 31 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 25 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 200. 27 25 Pode-se entender, a partir dos ensinamentos de Canotilho e de Nader que os princípios são normas que darão sentido a elaboração de leis, levando em conta o método dedutivo de valores que orientarão a criação de normas. Criação de normas é o precedente deixado pela carta constitucional que consagra três princípios essenciais para o estabelecimento de regras acerca da disciplina das relações intrafamiliares e sua composição diante do estado e da sociedade, são: prioridade absoluta, melhor interesse e o da municipalização. 1.3.1. Princípio da Prioridade Absoluta O princípio da prioridade absoluta é uma garantia constitucional e que também está disposto no artigo 4º do Estatuto, que dispõe em seu texto o dever da família, da comunidade, e do poder público assegurar com ―absoluta prioridade‖ a efetivação dos direitos da população infanto-juvenil no que tange a vida, saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária. Salienta MACIEL32, a primazia em favor das crianças e adolescentes em todas as esferas de interesse, seja no campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar o interesse do menor deve preponderar. Nesse sentido, cita a situação de no caso do administrador necessitar decidir acerca, por exemplo, de construir uma creche ou um abrigo para idosos, imperativo se faz optar pela creche face ao caráter constitucional da prioridade absoluta da criança sobrepor o interesse do idoso, tendo em vista a legislação de este último ser matéria infraconstitucional. Se analisarmos de perto, inicialmente parecerá injusto favorecer a criança em razão do idoso, uma vez conhecida à necessidade de ambos, no entanto, ponderar interesses da criança significa pensar num Brasil melhor no futuro, e talvez esta tenha sido a intenção do legislador constituinte. Por fim, a absoluta prioridade tem o escopo de garantir a proteção integral, assegurando a preferência que promoverá a materialização dos direitos fundamentais enumerados no documento constitucional. 32 MACIEL, p. 23-23. 26 1.3.2. Princípio do Melhor Interesse Assevera MACIEL33 que o melhor interesse trata-se princípio orientador do legislador e dos responsáveis pela sua aplicação, determinando a primazia das necessidades das crianças e dos adolescentes como critério de interpretação da lei, solução de conflitos, ou elaboração de futuras regras. Ainda de acordo com Maciel, o princípio do melhor interesse é o norte orientador daqueles que defrontam com as exigências naturais da infância e juventude, pois materializar esses direitos é dever de todos. 1.3.3. Princípio da Municipalização A Constituição Federal adotou o moderno padrão de gestão fundado na descentralização político-administrativo, cabendo ao Estado e Município a coordenação e a execução dos respectivos programas assistenciais, bem como as entidades beneficentes e de assistência social. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), seguindo o preceito constitucional, indica no artigo 88, I, as diretrizes da política de atendimento e sua municipalização, criação de conselhos e a manutenção de atendimento, observado a descentralização políticoadministrativo. A municipalização, seja na forma de políticas locais, por meio do Conselho Municipal dos Direitos da Criança (CMDCA), ou por outros meios buscam alcançar eficiência na prática da doutrina da proteção integral. 33 MACIEL, p. 31 27 2. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – DISPOSITIVOS LEGAIS A Constituição Federal de 1988 representou à época de sua promulgação um marco essencial para proteção das crianças que até então eram consideradas um encargo para a sociedade. Nenhuma norma anterior abordou o tema de maneira tão profunda, o que acarretou na sensibilização da sociedade em geral no que tange a atenção especial que deve ser dada aos direitos dos infantes. No contexto Constitucional34, a criança e o adolescente surgiram como prioridade incondicional de política pública, inovando a carta magna, no sentido de responsabilizar a família, a sociedade e o Estado a assegurar o direito à vida; à saúde; à alimentação; à educação; ao lazer; à profissionalização, à cultura; à dignidade, ao respeito; à liberdade e a convivência familiar e comunitária, Além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. A tutela das crianças e dos adolescentes é dever constitucional, e como bem preceitua o Ilustre doutrinador Alexandre de Moraes35. ―O Estado, no cumprimento da sua obrigação constitucional, promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo aos seguintes preceitos: aplicação de percentual de recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação de acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos‖. Ainda, de acordo com Moraes36, a Constituição Federal prevê mais duas formas de proteção às crianças e aos adolescentes, pois, primeiro, prevê punição severa para aqueles que praticarem abuso, a violência e a exploração sexual (CF, art. 227,§ 40), e segundo, sujeita os menores de 18 anos a legislação especial, considerando estes inimputáveis a esta idade (CF, art. 228). Consoante a proteção, a Carta Magna tornou realidade a atenção diferenciada as crianças e aos adolescentes, com ênfase na igualdade, verificou ação indispensável no sentido 34 CF, art. 227, caput. MORAES, Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 2002. p. 684. 36 MORAES, ibidem, p.685. 35 28 promover a população infantil vitimizada, no que diz respeito a realidade social, passassem a receber de lei especial tratamento de sujeitos de direitos embrionários à condição de pessoa humana, pois, a partir da nova condição dada a criança pela CF, estes deixaram de ser meros objetos de intervenção do estado. Para Bulos37, a doutrina da proteção integral ―preconiza a tutela jurídica de todas as necessidades do ser humano, de modo a propiciar-lhe o pleno desenvolvimento da personalidade‖. Assim sendo, a doutrina da proteção integral consagrou direitos específicos universalmente reconhecidos e que devem a todo custo ser respeitado, sob pena de fazer morta a letra da lei. Nesse diapasão, corrobora Seda38, pois segundo ele: ―a mera previsão em texto constitucional não se completa em direito. Este só existirá com o atendimento de duas condições. A primeira é a criação de normas para fazer valer o que ali está escrito. A segunda, é que sejam criados no mundo dos fatos (realidade social) os mecanismos que tornam eficaz aquele poder de exigibilidade dos direitos e dos deveres inscritos na norma constitucional‖. Por fim, a partir da Constituição Federal de 1988, com previsão de proteção integral da criança e do adolescente, posteriormente regulamentado por lei específica dá início a um novo campo de pesquisa, a do direito da criança e do adolescente, agora objeto de estudos científicos. 2.1. A PROTEÇÃO À LUZ DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990) regulamenta o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, estabelece um marco extraordinário na evolução do direito de pessoas ainda em desenvolvimento de personalidade, as Crianças e Adolescentes. 37 38 BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de Direito Constitucional, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2000. p. 1338. SEDA, Edson. O Novo Direito da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Gráficos Bloch, 1991. p. 32. 29 O Estado Brasileiro, desde então, passa a aspirar uma sociedade progressivamente melhor, mais justa, preocupada com o desenvolvimento da criança que já não deve mais ser vista como cidadão do futuro, mas do presente. O E.C.A. surgiu com o objetivo de regular a relação da família, da Sociedade e do Estado no que diz respeito à proteção dos direitos da criança e adolescente, para isso dispõe no artigo 1º que a proteção deverá ser promovida integralmente ao sujeito a proteção integral. Destarte, a doutrina adotada para disciplinar esta relação é chamada de ―Doutrina da Proteção Integral‖ que consiste, segundo Smanio39, citado por Moraes, na proteção ―que abrange todas as necessidades do ser humano para o pleno desenvolvimento de sua personalidade‖. Deste modo, existe acentuada e merecida proteção a criança e ao adolescente, iniciando por meio da doutrina da proteção integral disposta no estatuto, e para garantir a efetividade da proteção dos menores de idade, afirma Maciel40, que a lei estipulou um conjugado de ações da administração pública, no que tange a atuação da União, do Estado e do Município, por meio de políticas sociais fundamentais, assistência social, atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, abuso e proteção jurídico-social por entidades da sociedade civil. A descentralização político-administrativa dos entes federativos no que concerne a responsabilidade do trato da criança e do adolescente materializa-se no campo municipal ou distrital, no caso do Distrito Federal, com a participação direta da família, mas não única e somente, pois a responsabilidade com a causa da infância e adolescência ultrapassa a esfera do poder familiar, uma vez admitido o interesse maior da população infanto-juvenil, que tem agora maior amparo poder público que garante de efetividade de seus direitos, mesmo que no sentido utópico41. 39 SMANIO, 2000, p.13 apud MORAES, p.685. MACIEL, Ibden, p.17. 41 Refere-se, neste trabalho, acerca do sentido filosófico da palavra utopia, que significa, segundo HERKENHOFF, ―a utopia, no seu sentido filosófico e político, não é um sonho, uma quimera, conforme o sentido que às vezes é atribuído a esta palavra. O termo ―utopia‖, em grego, significa ―que não existe em nenhum lugar‖, ou tentando explicar com outros vocábulos o conceito que a velha Grécia nos legou. A utopia é a representação daquilo que não existe ainda, mas que poderá existir se lutarmos por sua concretização‖. 40 30 Importante salientar, como ensina MACIEL42, que a função do Juiz permanece como lhe competia, deste modo, a função ―ex officio”43 do Juiz não se restringe às regras estipuladas nos artigos 148 e 149 da legislação estatutária. Entretanto, cabe ao Conselho Tutelar, representante da Sociedade atuar diretamente na proteção da criança e do adolescente, devendo encaminhar ao poder judiciário aquilo que competir e ao Ministério Público a notícia de fatos que constituam infrações penais ou meramente administrativas que afetem os direitos dos provisionandos de personalidade. 2.1.1. CONCEITO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE A Criança e o Adolescente sofreram com a interpretação dado pela sociedade do termo ―menor‖, pois tal nomenclatura acabou identificando negativamente aqueles que necessitam de um acompanhamento especial de seu desenvolvimento como cidadão. Dessa forma, o menor esta sempre associado a situação irregular como: a delinquência, abandono, carência familiar, discriminação social, dentre outras situações de risco que vivenciavam a população infantil. Corrobora Liberati citado por Ishida44 ensinando que o motivo da alteração visa evitar a rotulação da palavra menor como aquele em situação irregular, como foi dito acima, e dessa forma não permitir a marginalização ou o estigma da palavra. O Legislador, sabiamente, modificou a maneira de se referenciar a criança, e a conceitua, como sendo a pessoa de até 12 anos incompletos, da mesma forma faz aos adolescentes, sendo estes, pessoas entre 12 e 18 anos de idade, como podemos verificar no artigo 2º, caput, do ECA45 disposto abaixo: ―Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.‖ 42 MACIEL, op. cit.,17. Significa medida adotada por um juiz sem que haja solicitação das partes. 44 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência, São Paulo: Atlas, 2006. p. 2. 45 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF, 13 jul. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069compilado.htm. 43 31 De acordo com ISHIDA46, o E.C.A. distingue a criança (menor de 12 anos) do adolescente (entre 12 e 18), prevendo para aquelas medidas de proteção e para os adolescentes, além da proteção, garantias processuais. Portanto, verifica-se que a diferenças nos conceitos apresentados são estipuladas em razão da idade e na garantia processual. A Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança de 1989, dispõe em seu artigo 1º que crianças são todos os seres humanos com idade menor de dezoito anos, salvo, quando a legislação aplicável à criança estipular a maioridade antes. ―Art. 1: Para efeitos da presente convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada 47 antes‖ No caso do Brasil, a Lei estabelece o significado de criança e adolescente, e nesta circunstância, o brasileiro adulto, no papel de família, Estado ou sociedade, deve respeitar a peculiar condição da pessoa em desenvolvimento, a fim de dar a devida aplicabilidade ao Estatuto e promover a justiça de forma plena e indelegável a população infantil. 2.1.2. DIREITOS FUNDAMENTAIS DISPOSTOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE No Título II da Carta Magna Nacional de 1988 contém uma cadeia de direitos e garantias basilares aos seus súditos. As crianças e adolescentes estão devidamente amparados pelo artigo 5º da CF, também estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, oriundo do artigo 227 da própria Constituição que garante a estes sujeitos direitos fundamentais, dispondo de prioridade absoluta no trato desses direitos. 2.1.2.1. Direito à Vida e a Saúde A vida constitui fonte primária de todos os bens jurídicos, portanto, não poderia as crianças ter suas vidas decididas por ação do estado e da família. 46 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência, São Paulo: Atlas, 2006. p. 2. 47 ONU - CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA - Adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989. http://www.onubrasil.org.br/documentos_convencoes.php 32 José Afonso da Silva48 ensina que ―de nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais do homem, como a igualdade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direitos fundamentais‖ Leciona Alexandre de Moraes49 a respeito do direito à vida como sendo o mais fundamental de todos os direitos, uma vez constituir pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos. Quaisquer acepções que se buscar a respeito do direito a vida terão resposta próxima da confecciona pelos renomados doutrinadores citados acima, e não poderia ser diferente, nem para o adulto, nem para criança, pois como o indivíduo poderia exercer os demais direitos se não tiver a vida garantida. Completa Moraes50 dizendo que a Constituição proclama o direito a vida no sentido de garantir o direito de permanecer vivo e o da subsistência da vida com dignidade. Vale salientar a presença do ECA na disposição de fazer garantir a criança e ao adolescente o direito a vida. De acordo com o artigo 7º do estatuto ―a criança e o adolescente tem a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência‖. E completa o artigo 8º do mesmo diploma dizendo que ―incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem.‖ Nesse sentido, o presente Estatuto reforça o direito á vida pelas crianças e adolescente já previstos no documento constitucional. Os preceitos propostos pelo E.C.A. determina que a responsabilidade com a saúde da criança e adolescente é da família, da comunidade e do poder público, devendo com prioridade assegurar esse direito fundamental estritamente vinculado ao direito a vida. Na opinião de Maciel51 ―cabem aos pais, como dever inerente ao poder familiar, cuidar do bem estar físico e mental dos filhos, levando-os regularmente ao médico, 48 SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 429. 49 MORAES, 2002, p.63. 50 MORAES, op. cit.,64. 51 MACIEL, 2006, p.37. 33 principalmente na primeira infância, fase em que a saúde é mais frágil e inspira maiores cuidados, manterem a vacinação em dia e, principalmente, se manterem atentos aos filhos‖. Entretanto, a garantia de saúde pleiteada não envolve somente o atendimento médico, mas a observação de situações que não vá agravar de alguma forma a saúde física ou mental, como exemplo, cita-se a falta de alimentação adequada para subsistência da criança ou o destrato psicológico que causarão grandes feridas na personalidade da criança. 2.1.2.2. Direito à Liberdade, Respeito e Dignidade A liberdade indicada no artigo 16 do Estatuto compreende a liberdade de ir, vir e estar em espaços públicos e comunitários, de expressão, opinião, crença e culto religioso, liberdade para brincar e divertir-se, permitindo ainda mais abrangência a interpretação do direito a liberdade proposta pela Constituição Federal de 1988, informa Maciel52. Pode ser entendido a partir destas denominações de direitos que as crianças e adolescentes não estão livres por si só para exercê-los, devendo a família, a comunidade e o poder público fiscalizar seu exercício. Logo é dada a criança a possibilidade de exercer estas garantias com a guarda dos responsáveis intitulados pelo Estatuto. Nessa ordem, compete ao poder público instituir condições necessárias para que a criança e o adolescente convivam em um meio familiar democrático e livre de qualquer tipo de violência ou opressão. O direito ao respeito está previsto no artigo 17 do E.C.A., o legislador adverte que este título se baseia na inviolabilidade a integridade física, moral e psíquica da criança e do adolescente. Logo, preservando a estes indivíduos qualquer ofensa a sua personalidade. Conforme assevera Monaco citado por Maciel53 ―o desenvolvimento das características infantis e juvenis dos menores de 18 anos deve ser garantido de forma prospectiva, tendo-se sempre em vista a especial condição de seres em desenvolvimento que devem ser dotados de condições necessárias e suficientes para a plena compreensão do papel que devem desempenhar na comunidade‖. 52 53 MACIEL, 2006, p.47. MACIEL, 2006, p.51. 34 No mais, respeitabilidade, de acordo com Plácido e Silva 54 , significa ―conjunto de qualidades que se atribuem à pessoa, as quais é merecedora de um trato atencioso à própria consideração que se deve manter nas relações com as pessoas respeitáveis‖. Leciona Walter Moraes55 ―para que uma pessoa possa subsistir como sujeito de direito e desenvolver regularmente sua vida jurídica, torna-se necessário que esteja de posse de certos bens. De tais valores, os bens da personalidade, não pode de fato prescindir, porque, privado deles, ou a personalidade jurídica não existe, ou mesmo sobrevivendo, tolhe-se a ponto de perder as condições de desempenhar seu potencial‖. Por fim, o respeito entre criança, adolescente e adulto deve ser recíprocos, entretanto, observados o caráter especial de desenvolvimento da personalidade dos menores. Sem desejar ser repetitivo, ao falar dos princípios da dignidade, faz-se mister voltar a falar do artigo 227 da CF, não citando-o novamente, mas dizendo que o princípio está elencado nesta letra constitucional, e que a regra constante no artigo 18 da norma estatutária o tema foi reiterado. O legislador preocupado com o estado de dignidade da criança e do adolescente, tendo em vista a lacuna deixada pela lei, insere no texto legal a proteção dos menores a qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Vale a pena ressaltar o dever de todos cultivarem pela preservação da dignidade da criança e do adolescente, assim sendo, qualquer pessoa que tenha conhecimento da existência de abuso ou desrespeito a dignidade desses protegidos tem o dever de informar aos órgãos de defesa do direito dos menores. A letra constitucional atinente a proteção da dignidade da criança representa notável avanço no desenvolvimento da personalidade daqueles que a pouco tempo não tinham direito algum. Daí a necessidade da conscientização de todos os envolvidos em fazer a utopia filosófica da norma em realidade concreta. 54 DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2007. MORAES, Walter. Direitos da Personalidade, Estado da Matéria no Brasil. In CHAVES, Antônio. Estudos de Direito Civil. São Paulo: PT, 1979. p. 125-126. 55 35 2.1.2.3. Direito de Convivência Familiar e Comunitária É assegurada à criança e ao adolescente pelo Estatuto a vida e a educação no seio familiar natural e de forma excepcional, na substituta. Assevera Alves56 que a convivência familiar e comunitária é um direito fundamental, onde crianças e adolescentes não devem ser separados dos pais biológicos conforme dispõe o artigo 23 do ECA. Ensina AMIN57 que a família, no conceito clássico, era constituída por pai, mãe e prole, mas o Estatuto adota este termo familiar de forma mais abrangente, estabelecendo como o espaço natural e fundamental para o desenvolvimento integral da criança e do adolescente, garantindo a convivência comunitária e ressalvando a necessidade do menor estar livre de companhia nociva, como a convivência com dependentes de entorpecentes. Com relação aos filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos, proibidas quaisquer discriminações relativas à filiação (arts. 227, § 6°, da CF, art. 20, do ECA e 1.596 do CC). O artigo 28 do ECA dispõe que aquelas crianças e adolescentes em que não for possível a convivência com a família natural, a lei admite a inserção em família substituta, podendo ser feita por meio da guarda, a tutela e a adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente. A colocação da criança ou do adolescente em família substituta é para garantir suficiente proteção em um ambiente familiar adequado em prol do melhor desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social das crianças e dos adolescentes. 2.1.2.4. Direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer A Constituição Federal de 1988 dá especial tratamento à educação em seu art. 205 a 208, e pelo ECA no artigo 53, estabelecendo que é direito de todos e dever do Estado e da família, destacando a colaboração que a sociedade deve ter, visando o pleno desenvolvimento 56 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 17. AMIN, Andréa Rodrigues. Dos Direitos Fundamentais. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos teóricos e práticos, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. p. 51. 57 36 da criança e do adolescente, preparando-o para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. A educação é direito fundamental garantido a todos, sem distinção nenhuma, cabendo aos pais matricular os filhos na rede de ensino e, ao Estado manter a escola gratuita. A sociedade cabe fiscalizar os casos de evasão escolar ou o não ingresso do aluno na escola através do Conselho Tutelar e dos profissionais da educação58. Inserido o aluno no sistema educacional, este tem direito a: ―a) igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; b) ser respeitado por seus educadores; c) contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; d) participar de entidades estudantis ou organizá-las. Os pais ou responsáveis podem ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais, e por outro lado tem a obrigação de matricular os filhos na escola e de mantê-los freqüentes (arts. 53 e 54 do ECA)59. O esporte está relacionado ao desenvolvimento das habilidades motoras, socializando a criança e o adolescente, além de estar aliada a saúde, estimulando o bom colesterol, uma melhora na capacidade cardiorrespiratória, diminuindo a obesidade, se estiver aliada a uma alimentação racional. O lazer envolve o entretenimento, a diversão, as brincadeiras, onde a criança tem o seu momento de descontração, descansam a mente e se inter-relacionam. A criança e o adolescente no seu desenvolvimento necessitam de estímulos emocionais, culturais, educacionais, sociais que são fundamentais para sua formação e para a efetivação desses direitos fundamentais, o Poder Público e a família tem o papel de assegurar o acesso à cultura, esporte e lazer, devendo a sociedade exigir o respeito e a efetivação desses direitos fundamentais preconizados no ECA e na Constituição Federal de 1988. 58 59 ALVES, 2005, p. 28. AMIN, 2006, p. 64. 37 2.1.2.4. Direito à profissionalização e à proteção no trabalho A profissionalização está relacionada ao processo de formação do adolescente e, por isso, lhe é assegurado esse direito, pois sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento exige um regime especial de trabalho, contendo direitos e restrições60. EC n° 20, de 15/12/98, alterou o inciso XXXIII do art. 7º restringindo o trabalho adolescente a partir dos 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 (quatorze) anos. O texto anterior adimitia o inicio da atividade laborativa a partir dos 14 anos de idade. O Estatuto assegura ao adolescente aprendiz, conforme o artigo 65, todos os direitos trabalhistas e previdenciários. Na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a proteção da criança com a proibição do trabalho e faculdade de exercer atividades o adolescente estão previstos nos arts. 424 a 440. 60 AMIN, 2006, p. 64. 38 3. DO ABUSO, VIOLÊNCIA E CRIMES SEXUAIS INFANTO-JUVENIS Antes de adentrar na discussão acerca da conceituação de pratica sexual contra a população infanto-juvenil, vale salientar a contextualização histórica da violência e do abuso sexual na sociedade brasileira. Nesse sentido, Faleiros61 ensina que as crianças desde os tempos do Brasil colônia não são consideradas como sujeitos de direito. Nesta época tinha como pressuposto de regras o autoritarismo do pátrio poder, com concepções baseadas na educação moral por meio do castigo físico. A violência desferida em desfavor da criança sempre esteve ligada ao processo educativo, estabelecendo-se um problema sócio-cultural advindo desde períodos remotos. Nas civilizações antigas, como afirma Martins62, os maus-tratos com a criança já existiam por meio da prática do infanticídio, com o objetivo de eliminar crianças que apresentassem no nascimento defeitos físicos, por motivos religiosos, equilíbrio em razão do gênero sexual ou por causa da situação econômica. Martins63 descreve em seu texto que no decorrer dos séculos, o conceito de criança concebeu novos significados, de tal forma que no século XV, a figura da criança passou a representar a esperança de uma vida melhor através da ingenuidade, da inocência e do bem. Em contrapartida a essa evolução, no século XVI, ainda de acordo com a autora, surgiram os colégios destinados aos estudantes pobres e sem família, no ensejo, indesejados pela sociedade, caracterizando uma época de agressões e violências contra a criança. As famílias, berço da formação da personalidade da criança, trás ao longo do tempo inúmeras situações de abuso sexual praticada na infância, a casa, asilo inviolável, acaba sendo o lugar perfeito para o acontecimento do exercício da violência. 61 FALEIROS, Eva T. Silveira. Repensando os Conceitos de Violência, abuso e exploração Sexual de Criança e Adolescentes. Brasília: Thesaurus, 2000. p.17. 62 MARTINS, Christine Baccarat de Godoy. Violência contra menores de 15 anos no Município de londrina, Paraná: Análise Epidemológica de suas Notificações. São Paulo-SP, 2008. 226 f. Tese (Doutorado em Saúde Pública) – Universidade de São Paulo, 2008, p.06. 63 MARTINS, ibdem. 39 É fato que a criança ao nascer necessita de cuidados especiais, e o caráter de proteção que dispõe a criança sempre foi objeto de interesse do Estado e da família, que desde antiguidade já decidiam acerca do rumo que a vida da criança. Segundo LIMA64, o pátrio poder representava o direito de propriedade dos pais sobre os filhos, pois dava-lhes o poder de decidir o castigo, mandar flagelar, de condenar a prisão, de banir da família. A Igreja Católica teve importante participação no que tange a influência acerca do poder que detinha os pais na vida dos filhos, uma vez que tal poder passou a sofrer restrições de hierarquia frente ao poder divino. Portanto, a família perde o direito de dispor sobre o direito a vida do filho com o argumento da Igreja de não poder o homem destruir o que foi criado por Deus. Todavia, é a partir do século XX que a criança passa efetivamente a ser aceita como sujeito suscetível de direito, transferindo parte da responsabilidade com o desenvolvimento saudável da criança que é do Estado e da família para sociedade. Ainda de acordo com Lima65, a descoberta da criança como vítima da família e da sociedade, tornou-se foco da proteção pública e privada. Para a Autora o Estado entrou na vida familiar com o intuito de controlar o exercício do poder paternal, implicando no estabelecimento de deveres para os pais. A importância do tema violência sexual contra criança e adolescente é atual, ganhando visibilidade a partir dos anos 80, quando o estado passou a criminalizar o abuso sexual e deu ênfase no que hoje chamamos de ―fenômeno da violência sexual‖. Mas, foi a partir deste século que as crianças se tornaram protagonistas na evolução do homem, guardando essencial importância no contexto social. No ensejo, o Estatuto da Criança e do Adolescente veio para afirmar o interesse maior da criança, incentivando sua valorização mediante políticas públicas, da participação da sociedade no combate a violência e de estudos que contribuam para identificação das 64 LIMA, Clinaura Maria. Infância Ferida: os Vínculos da Criança Abusada Sexualmente em seus Diferentes Espaços Sociais. Brasília-DF, 2007. 117 f. Tese (Mestrado em Psicologia) – Universidade de Brasília, 2007, p.10. 65 LIMA, ibidem, p. 14 40 circunstâncias, causas e consequências que contribuem para a ocorrência de abusos, bem como de soluções para diminuição ou quem sabe eliminação do fenômeno da violência e abuso sexual praticada contra crianças e adolescentes. Por fim, cita-se o seguinte trecho, a fim de visualizar a situação da violência sexual contra criança e adolescente: ―A violência contra criança e adolescente acompanha a trajetória da humanidade desde os tempos antigos até o presente. É portanto, uma forma secular de relacionamento das sociedades, variando em expressões e explicações. Sua superação se faz pela construção histórica que ―desnaturaliza‖ a cultura adultocêntrica, dominadora e patriarcal da sociedade brasileira. Esse tipo de violência pode ser definido como: atos ou omissões dos pais, parentes, responsáveis, instituições e, em última instância, da sociedade em geral, que redundem em dano físico, emocional, sexual e moral às vítimas, seres em desenvolvimento‖66. Por conseguinte, inicia-se o tópico seguinte com a intenção de restringir os conceitos de abuso sexual, violência sexual, exploração sexual, incesto, para finalmente revelar as discussões e contextualizá-las como prática criminosa. 3.1. CONCEITO DE ABUSO E VIOLÊNCIA SEXUAL Afere-se da pesquisa realizada uma ampla indecisão terminológica no sentido de conceituar a questão do abuso sexual, que se apresenta com várias concepções e em diversos contextos e abordagens. A carência terminológica faz com que acontecimentos peculiares entre a violência e o abuso sexual sejam designados sob os mais diferenciados termos, como exemplo: prostituição infantil, incesto, maus-tratos, sevícia sexual, agressão sexual, injúria sexual e outros, que dificultam o entendimento do fenômeno da violência infantil pela sociedade em geral e seu conceito por estudiosos dos direitos da infância. 66 LIMA, Cláudia Araújo de (Coord. et al..). Violência faz mal à saúde – Brasília: Ministério da Saúde, 2006. < http://dtr2001.saude.gov.br/editora/produtos/livros/zip/06_0315_M.zip>Acessado em 05.2010. 41 Portanto é salutar as informações prestadas por Eva Faleiros67, grande estudiosa do tema prescreve a dificuldade em asseverar o conceito absoluto de abuso sexual, idealizando a necessidade de harmonizar o conceito existente. Assim sendo, apresenta-se os conceitos no sentido etimológico, de forma que violência é, de acordo com o disposto na Revista dos Tribunais, ―ação ou efeito de violentar, de empregar força física (contra alguém ou algo) ou intimidação moral contra (alguém)‖. Já o abuso é, conforme Silveira Bueno68, ―uso errado, excessivo ou injusto; exorbitante de atribuições; ultraje ao pudor; canalhice; aborrecimento‖. Na literatura encontra-se, pela sensibilidade de alguns autores, a diferenciação entre violência sexual e abuso sexual, isto ocorre pelo fato de o sentido destes fenômenos parecem o mesmo. O autor Stanislaw Tomkiewicics69 apresenta a diferenciação entre violência e abuso, sendo que para execução do primeiro implica-se o uso de força física (estupro, sevícias) ou psicológica (ameaças ou abuso de autoridades), ao passo que o segundo sugere a ausência da utilização de força, nesta situação a satisfação sexual é obtida pela sedução. O abuso e a violência sexual classificam-se em extrafamiliar e intrafamiliar. Tal classificação faz jus devido aos acontecimentos da situação de violência ocorrer fora ou dentro do ambiente familiar. O Ministério Público do Distrito Federal publicou, com autoria de Flávia de Araújo Cordeiro70, cartilha com orientações para prevenção e combate ao abuso sexual, ensinando que o abuso sexual (violência sexual) extrafamiliar como sendo aquele ocorrido fora do meio familiar, sendo praticada por alguém desconhecido. Já o Intrafamiliar refere-se aquele ocorrido dentro do ambiente familiar, no contexto doméstico, geralmente envolvendo pessoas do convívio e da confiança da vítima. 67 FALEIROS, Ibidem. BUENO, Silveira. Dicionário. São Paulo: Ed. Didática Paulista, p. 9. 69 GABEL, Marceline (org) Crianças Vítima de Abuso Sexual – São Paulo: Summus, 1997. 70 CORDEIRO, Flávia de Araújo. Aprendendo a Prevenir: orientações para o combate ao abuso sexual contra crianças e adolescentes – Brasília: Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude, 2006. 68 42 Outro aspecto bastante comentado na doutrina e muito importante para análise do fenômeno sexual infantil corresponde a orientação acerca da existência de duas idéias complementares que sustentam a afirmação de dois processos no sentido de estabelecer para população infanto-juvenil a condição de vítima ou vitimizado. Trazer esta problemática mostra efetivamente a vulnerabilidade da criança e do adolescente que são vítimas, como afirma Paro71, no âmbito dos problemas gerados ou enfrentados pela sociedade e na falta de políticas públicas que combatam os crimes sexuais. Por outro lado, as crianças e adolescentes são consideradas vitimizadas no momento em que convivem com o abuso ou violência sexual cometido pelo adulto que busca satisfazer sua vontade sexual submetendo a criança sob seu poder, a fim de coagi-lo a realizar suas lascívias. A expressão abuso sexual é o termo mais utilizado na linguagem popular, talvez por isso, empregado pela maioria dos especialistas para designar umas das vertentes da violência praticada contra população infantil. Nesse sentido, abuso sexual significa na opinião de Lima ―forçar ou incitar uma criança ou jovem a tomar parte em atividades sexuais, que podem envolver contato físico, com atos penetrantes ou não penetrantes‖ 72. Completa a autora no sentido de demonstrar a dificuldade de conceituar o abuso sexual, salientando o complemento de Padilha e Gomide (2004), que assevera três aspectos presentes nas definições e concepções acerca do abuso: a impossibilidade da criança de decidir sua participação na situação abusiva; uso da criança por parte do adulto para a própria satisfação; abuso de poder exercido pelo adulto, não sendo seu comportamento coercitivo identificado por falta de provas físicas. Pode-se entender que o abuso sexual dar-se-á a partir do excesso de poder ou o mau uso do domínio exercido pelo abusador na relação com a criança, o que a deixa numa condição de não sujeito, quem sabe de objeto, de maneira a continuar correto o raciocínio demonstrado acima se for substituído por excesso de uso, uma vez tal expressão significar na 71 72 PARO, p. 107. LIMA, op. cit. p. 17. 43 essência o fato de que a experiência sexual sofrida pelos meninos e meninas estarem carentes de preparo para viver tal situação. Diante do disposto, abuso sexual pode ser definido como a conjuntura de atos com caráter excessivo do poder e dos limites de direitos e costumes; da quebra intransigente do poder familiar em razão do nível de desenvolvimento do vitimizado que não tem maturidade para defender-se da situação de abuso até porque para esta vai além do que pode compreender. Na definição de abuso sexual leva-se em conta os limites a serem extrapolados para que a relação possa ser considerada abusiva, Eva T. Faleiros73 ensina que, em síntese, o abuso sexual deve ser entendido como uma situação de ultrapassagens de limites e de direitos e do nível de desenvolvimento da vítima, do que essa sabe e compreende, do que o abusado pode consentir, fazer e viver, de regras sociais e tabus. Como visto o uso do poder está presente no abuso praticada contra a criança e adolescente, o poder autoritário refletido na relação da criança com o adulto está intimamente ligado a desigualdade de maturidade, autoridade, persuasão, enfim, utilização do recurso poder de maneira imoderada. Nesse sentido, pode-se dizer que poder é ―... dispor de força ou autoridade; conseguir; possuir força física ou moral; ter influência...‖74, ou seja um excesso de força violenta exercida por alguém sem autorização do menor visando obter desígnios previamente definidos. Nesse contexto surge a violência sexual entendida como sendo todo ato ou jogo sexual, relação heterosexual ou homossexual na qual o agressor está em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou adolescente, com o objetivo de estimulá-la sexualmente ou utilizá-la como meio para alcançar satisfação sexual‖ 75. Neste ponto vale salientar a diferença entre abuso sexual e violência sexual, o primeiro marcado pelo uso do poder em excesso, com ou sem consentimento do vitimizado, ao passo 73 FALEIROS. p. 84. BUENO, Silveira, ibidem. p. 493. 75 SOUZA, Algeri S. L. M. Violência contra Crianças e Adolescentes: Um Desafio no Cotidiano da Equipe de Enfermagem. São Paulo: 2006, disponível em www.eerp.usp.br/riae. Acessado em 17/06/2009. 74 44 que a violência propriamente dita exige que o poder seja utilizado com o sentido de obrigar física ou moralmente a participação sexual de criança. Dessa forma podemos dizer que é o poder na sua essência que medirá a intensidade e a existência da violência sexual, de caráter íntimo e intrafamiliar. Logo, este tipo de agressão praticada em desfavor dos menores em desenvolvimento, adquire peculiaridades que a tornam intensamente complexas e, portanto, destruidora de estruturas psíquicas e sociais. Mais uma importante vertente dos abusos praticados contra criança é a exploração sexual que permite uma análise do aproveitamento da criança e do adolescente como objeto de exploração da sexualidade para fins comerciais. Este acontecimento, mesmo sem percepção por parte das vítimas, sujeitos indefesos, causa a alteração do processo de desenvolvimento psicossocial, situação que trará a criança e ao adolescente inúmeros transtornos para formação de personalidade. Não é difícil encontrar o conceito do termo exploração sexual, tamanho é o consenso da sociedade no que diz respeito a este acontecimento, sendo, portanto atividade através da qual pessoas tiram proveito da sexualidade de crianças e jovens adolescentes no comércio e na indústria pornográfica. No comércio e na indústria sexual e pornográfica são variadas as formas de exploração. A utilização da mão-de-obra infanto-juvenil dá-se por meio da prostituição em bordéis, casas de shows, fotografias de crianças nuas e insinuantes, filmes, programas encomendados, entre outros. Estes serviços, impróprios e ilegais, diga-se de passagem, produzem riqueza, geram lucros, detém de impunidade e perpetram o crescimento desse tipo absurdo de mercado. Inserido ainda no contexto da violência contra crianças e jovens adolescentes, temos a prática do Incesto que para Viviane Guerra76, a palavra deriva do latim ―incestus” que significa impuro, manchado, etc., acontece geralmente no âmbito familiar, o que torna o 76 AZEVEDO, M. A.; Guerra, Viviane N. De A. (org.). Infância e Violência Doméstica: Fronteiras do Conhecimento. São Paulo: Cortês, 1993. p. 196. 45 espaço familiar, devido sua especificidade afetiva e oculta, espaço ideal para o acontecimento do abuso. Aliás, incesto é uma extensão, um braço ou uma segunda denominação do sexual, entretanto praticado por pessoa da família. Afirmações disponíveis na literatura especializada apontam o ―incesto como a forma mais extrema de abuso sexual‖. Ensina Azevedo e Guerra77 que o incesto enquanto modalidade privilegiada de violência doméstica contra criança é uma ação exercida por um adulto a ela ligada por laços de parentesco, afinidade ou responsabilidade, com o intuito de levá-la a participar de práticas eróticas. Na visão de Claudio Cohen78, incesto pode ser definido como abuso sexual intrafamiliar, com ou sem violência explicita, caracterizado pela estimulação intencional por parte de alguns membros do grupo que possui um vínculo parental pela qual lhe é proibido o patrimônio. Portanto as principais características do incesto são o abuso sexual e o vínculo familiar. Paro79, descreve incesto como sendo toda atividade de caráter sexual, implicando uma criança ou adolescente e um adulto que tenha com ela uma relação de consanguinidade, afinidade ou mera responsabilidade. Outra derivação do abuso sexual bastante popular no momento é a pratica da pedofilia, modalidade de crime sexual muito utilizada pelos jornais, revistas e outros meios de comunicação, principalmente televisiva. Utilizando o texto de Landini80, esta informa que não há vinculação legal entre o termo pedofilia, contudo é vista como um grande problema que vincula-se a violação abusiva da sexualidade da criança e do adolescente. A pedofilia consiste em manifestações e práticas de desejo sexual que alguns adultos desenvolvem em relação a crianças de ambos os sexos na pré-puberdade. 77 AZEVEDO, M. A.; Guerra, Viviane N. De A. (org.). ibidem. AZEVEDO, M. A.; Guerra, Viviane N. De A. (org.). ibidem. 79 PARO, p. 108 80 UNESCO. Inocência em Perigo: abuso sexual de crianças, pornografia infantil e pedofilia na internet – Rio de Janeiro: Garamond, 1999. p. 9. 78 46 De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a pedofilia é a ocorrência de práticas sexuais entre um indivíduo maior (16 anos ou mais), principalmente do sexo masculino, com uma criança na pré-puberdade (13 anos ou menos). Sanderson81, ao estudar o comportamento dos pedófilos ensina que estes escolhem suas vítimas por intuição, selecionando as crianças vulneráveis, de algum modo negligenciado física ou psicologicamente. Acrescenta que como atrativo para as crianças tem em sua posse sempre algo que desperte a curiosidade desta, tipo foto, decorações e outros objetos infantis. Pedófilos buscam retratar seu comportamento como normal tendo fortes distorções cognitivas no qual afirmará que qualquer abuso é uma ocorrência isolada. 3.1.1. Abuso Sexual com Consentimento da Vítima: Uma Análise Jurisprudencial - STJ A análise do abuso sexual não se basta com a conceituação de suas derivações e vertentes, outra situação explicitada pelos estudiosos é o acontecimento do ato abusivo por meio de consentimento dos jovens, que por isto desvirtuam a relação forçada, compelida e violenta, pois dão ao abusador a sensação de impunidade pelas ações criminosas que comete. Mesmo assim, consideradas como ações criminosas, a questão do consentimento ou não da vítima abusada sexualmente se fundamenta no sentimento preconceituoso, muitas vezes motivada pela cultura machista e antiquada de parte da sociedade que tende a culpabilizar as vítimas por considerá-las provocadoras dos atos incestuosos e informadas o suficiente para se opor estas práticas, no entanto escusando o abusador. Salienta-se que tais argumentos estão assentados nas condições individuais das vítimas por já ter sido corrompida anteriormente, pela sua capacidade de sedução, maturidade e nível de informação que detém o vitimizado, quando na verdade deveria trazer a tona a natureza da relação de violência pela qual estão submetidas. A questão do consentimento da criança ou do adolescente e o seu corrompimento são uns dos temas mais discutidos e controvertidos na literatura, pois está sujeita a preconceitos, 81 SANDERSON, Cristiane. Abuso Sexual em Crianças. São Paulo: Mbooks, 2005. p. 79. 47 inclusive do ponto de vista cultural, legal e jurídico, afirma Faleiros82. Aliás, um argumento muito utilizado, inclusive juridicamente, na defesa das pessoas que abusam sexualmente de crianças é o fato do nível de amadurecimento e informações suficientes que detém a vítima para se oporem aos abusos. Nesta circunstância o menor quando colocado em situação de dominação ou agressão tem raras chances de defesa, tendo em vista encontrar-se sobre a autoridade do abusador. Entretanto, não é assim que pensaram os ministros do E. Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma vez que ao julgarem um caso de abuso decidiram pela absolvição dos acusados, como pode ser verificado no Recurso Especial n.º 820.018 – MS (2006/0028401-0), in verbis:. PENAL. EXPLORAÇÃO SEXUAL. ART. 244-A DO ECA. RÉUS QUE SE APROVEITAM DOS SERVIÇOS PRESTADOS. VÍTIMAS JÁ INICIADAS NA PROSTITUIÇÃO. NÃO-ENQUADRAMENTO NO TIPO PENAL. EXPLORAÇÃO POR PARTE DOS AGENTES NÃOCONFIGURADA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1.O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento no sentido de que o crime previsto no art. 244-A do ECA não abrange a figura do cliente ocasional, diante da ausência de exploração sexual nos termos da definição legal. Exigese a submissão do infante à prostituição ou à exploração sexual, o que não ocorreu no presente feito. Resp 884.333/SC, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ 29/6/07.2. Recurso especial improvido" (fl. 1.869). As razões do recurso alegam a repercussão geral, e dizem violado o artigo 227, § 4º, da Constituição Federal (fl. 1.898/1.913). Contrarrazões (fl. 1.922/1.925). A controvérsia foi examinada à base de fundamento exclusivamente infraconstitucional; nessa linha, a alegada ofensa à Constituição Federal, se existente, seria reflexa. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, "não se admite recurso extraordinário que teria por objeto alegação de ofensa que, irradiando-se de má interpretação, aplicação, ou, até, inobservância de normas infraconstitucionais, seria apenas indireta à Constituição da República" (AI-AgR nº 208.260, PA, Relator Ministro Cezar Peluso, DJ de 1º.02.2008). Ante o exposto, não admito o recurso extraordinário. 83Documento: 9222959 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJ: 12/04/2010 Intimem-se. Brasília, 06 de abril de 2010. MINISTRO ARI PARGENDLER A decisão do Ministro Ari Pargendler fundamentou sua decisão com o entendimento de que o sentido do crime previsto no art. 244-A do ECA não abrange a figura do cliente ocasional, diante da ausência de exploração sexual nos termos da definição legal. Para ele exige-se a submissão do infante à prostituição ou à exploração sexual, não tendo havido a submissão do menor pelo adulto, também não há que se falar em crime de exploração ou prostituição infantil. 82 FALEIROS, Eva T. Silveira. p. 28 e 29. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1104802. 5ª Turma. Relator: Ministro Ari Pargendler. Julgado em 12/04/2010, DJe, 12 de abril de 2010. 83 48 A decisão do E. STJ causou muita polêmica e teve forte repercussão junto à opinião pública. A notícia da decião intitulada pela mídia de ―cliente ocasional não viola o artigo 244A do Estatuto da Criança‖ obrigou ao Superior Tribunal de Justiça a públicar uma Nota de Esclarecimento justificando a decisão. Na Nota informa que ―para que não pairem dúvidas quanto ao firme posicionamento do Tribunal na proteção dos direitos e garantias das crianças e dos adolescentes. O STJ mantém o entendimento, firmado em diversos precedentes e na doutrina especializada, de que é crime pagar por sexo com menores que se prostituem, ao contrário de interpretações apressadas em torno de recente julgamento da Corte sobre o tema. O Tribunal da Cidadania tem-se destacado não só na defesa dos direitos dos menores, como também no das mulheres, das minorias e de todos aqueles segmentos sociais vítimas das várias formas de violência e preconceitos‖. Para se dirimir da culpa consciente em absolver um criminoso que viola o mais digno direito da criança e do adolescente se justificam dizendo: o chamado cliente eventual pode, sim, ser punido, mas com base em outros dispositivos da legislação penal, e não no artigo 244-A do ECA. Este foi o entendimento do STJ84. Em nenhuma hipótese se pode concluir, a partir disso, que o Tribunal não considera criminosa a prática de sexo com menores que se prostituem. Como dito, a decisão causou polêmica, e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), criticou a decisão do Superir Tribunal de Justiça que inocenta acusados de exploração sexual contra adolescente. De acordo com a AMB85, representado pelo juiz Francisco Oliveira Neto, vicepresidente de assuntos da Infância e da Juventude, a sentença proferida pelo STJ desconsidera as regras de proteção à criança e adolescente. ―O fato de as adolescentes já terem se iniciado 84 Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=92714&tmp.area_anterior=44 &tmp.argumento_pesquisa=#> Acessado em 05/05/2010. 85 Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1487624/amb-critica-decisao-do-stj-que-inocenta-acusados-deexploracao-sexual-contra-adolescentes> Acessado em 05/05/2010. 49 na prostituição não deveria influenciar na condenação daqueles que as submetem à prática de serviços sexuais‖. Essa decisão não leva em conta as circunstâncias que levaram essas meninas à prostituição, nem ajuda a tirá-las dessa situação. Pesquisado um pouco mais a fundo a decisão do STJ, verificou-se que o réu no processo de exploração sexual é um ex-atleta, campeão mundial em 1987 na corrida de 800 metros rasos e seu assessor, acusados de terem feito sexo com três meninas de 13, 14 e 15 anos. Daí pergunta-se, a decisão do Tribunal Superior foi influenciada pelo fato da pessoa pública que é Zequinha Barbosa ou qualquer transgressor à lei nas circunstâncias entendidas pelo Ministro estarão impunes? A Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Mato Grosso do sul entende que não e recorreu ao Supremo Tribunal Federal, portanto em breve teremos mais notícias a respeito do caso. Entretanto, este não é o único caso, outras decisões no âmbito do Superior Tribunal e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal já decidiram questões acerca do tema, mas desta vez, o aliciador não passou impune, como verão adiante. Nas decisões abaixo a essência da fundamentação se calca na presunção de violência e no consentimento da vítima, mas para desfavorecer o agressor, pois neste caso há que se verificar a violência ficta. HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VÍTIMA MENOR. ATIPICIDADE. CONSENTIMENTO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. PRISÃO CAUTELAR. REQUISITOS LEGAIS ATENDIDOS. RÉU FORAGIDO. Nos crimes de abusos sexuais praticados contra menores de quatorze anos, a discussão acerca da atipicidade por consentimento da vítima não subtrai a presunção da violência e tampouco torna a persecutio criminis injusta. Afigura-se justificada, na linha do que preceitua a norma do art. 312 do CPP, a prisão preventiva quando o crime retirou o sossego da comunidade e o agente, logo após a ciência pública do cometimento, tomou rumo ignorado. Ordem denegada. HC 33222/ BA-HABEAS CORPUS 2004/0007547-5 QUINTA TURMA86 86 STJ, ibidem 50 A decisão abaixo, proferida pela sexta turma do STJ87 corrobora nas letra apresentada acima, confirmam do a violência presumida, mesmo tendo havido anuência da menor na atividade sexual. PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. DECISÃO CONDENATÓRIA. DESCONSTITUIÇÃO. EXAME DE PROVAS. IMPROPRIEDADE DO WRIT. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. VIOLÊNCIA PRESUMIDA.- O habeas-corpus, ação constitucional destinada a assegurar o direito de locomoção em face de ilegalidade ou abuso de poder, não se presta para desconstituir decisão condenatória fundada em judicioso exame de provas, pois o estudo do fato não se compadece com o rito especial do remédio heróico. - A norma inserida no art. 224, I, do Código Penal, é expressa no sentido de que sendo a vítima menor de 14 anos, a violência é presumida, pouco importando as suas condições individuais. - A circunstância de ter havido a anuência da menor na prática das relações sexuais não afasta a presunção de violência para a caracterização do crime de atentado violento ao pudor. - Habeas-corpus denegado. HC 16205 / GO HABEAS CORPUS 2001/0029465-0 T6 - SEXTA TURMA No Distrito Federal, a Câmara Criminal local enfrenta mais um julgamento de abuso sexual, mais uma vez uma criança tem sua sexualidade explorada, entretanto o agressor não passou impune. Consta da decisão que entre os anos de 2005 a 2006, o denunciado, por diversas vezes, constrangeu uma adolescente de 13 anos à pratica de diversos atos libidinosos e a conjunção carnal, resultando na gravidez da menor. O crime aconteceu na casa de sua avó de quem o denunciado era companheiro. Incurso nas penas do art. 213 c/c art. 224, a e art. 226, II c/c art. 71 do CP (estupro com violência presumida por ser a vítima menor de catorze anos, com causa de aumento por ter o agente autoridade sobre a vítima, em continuidade delitiva) foi condenado a reclusão de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de reclusão em regime inicial fechado. Vale salientar que a condenação correu antes da modificação do código penal, por isso, ainda falou-se em crime de estupro qualificado pelo fato de a vítima ser menor. Caso o abuso tivesse acontecido depois do mêes de agosto de 2009, o tipo previsto para a pratica do abuso seria o estupro de vulnerável. O Denunciado apelou, entretanto não obteve êxito, pois a Egrégia 1ª Turma Criminal (Relatora: Des. Gislene Pinheiro, Revisor: Des. Edson Smaniotto, Vogal: Des. Mário Machado) negou provimento ao recurso, por maioria. 87 STJ, ibdem 51 Eis a ementa do julgado: ―PENAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA FICTA COMPROVADA. CONDENAÇÃO. APELAÇÃO DA DEFESA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE QUANTO A IDADE DA VÍTIMA A EPOCA DOS FATOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. PALAVRA VÍTIMA CONFIRMADA PELO RESTANTE DA PROVA. 1. A palavra da vítima assume robusto valor probante nos delitos sexuais, especialmente, quando vem apoiada em outros elementos de prova. 2. Se as provas são incontroversas no sentido de que o assédio sexual do réu iniciou quando a ofendida ainda tinha 13 (treze) anos de idade, mediante constrangimento e ameaça de expulsão de casa, não há dúvida da incidência da violência ficta, nos termos do art. 224, "a", do CP. 3. Recurso conhecido e improvido88.‖ Com efeito, o réu apresentou embargos infringentes, e o tribunal decidiu por maioria de votos que a prática de tais crimes por aquelas pessoas elencados no art. 226, inc. II do CP, as quais, em princípio, deveriam zelar pelo bem da vítima, ofende mais a moral, pois o agente aproveita-se de uma relação de confiança e das facilidades de aproximação da vítima para cometer um ilícito penal, pouco importando se a iniciativa para ato sexual tenha partido da vítima. O réu aproveitando-se da relação doméstica e de autoridade que tinha sobre a vítima, como companheiro de sua avó (chamado de padrinho), manteve relações sexuais diversas vezes coma vítima. Argumenta Eva Faleiros89 que o consentimento não é o definidor do abuso, mas a natureza da relação abusiva. Explica: ―o abusador possui muito poder, o consentimento não pode ser pensado apenas sob o ângulo da criança, pois existe um processo de dominação‖. O consentimento na situação do abuso deve estar relacionado com o forçado, até porque nem todas as vítimas percebem ou tem condições de perceber a situação que estão sofrendo. 3.2. CRIMES SEXUAIS PREVISTAS PELO E.C.A. Aconteceu no Brasil em 2008, o Terceiro Congresso Mundial no Enfrentamento a Exploração Sexual de Criança e Adolescentes, o Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei 11.829/2008, que trouxe novos tipos de crimes para combate à pornografia infantil e ao abuso sexual de crianças e adolescentes. 88 89 STJ, ibidem. Faleiros, Eva T. Silveira. p. 85. 52 O ECA possui espaço específico (art. 225 ECA) no que concerne a disposição de crimes e infrações perpetradas em desfavor dos menores de idade, e estabelece várias formas de punição aos autores de abuso sexual, contemplando com mais vigor a lei estatutária. No artigo 226 do ECA estipula que aos crimes definido em tal legislação serão aplicadas as normas da parte geral do código penal e quanto a processo, as relacionas ao código de processo penal. Definindo na sequência (art. 227) que os crimes praticados contra criança e adolescente são de ação pública incondicionada. Isto que dizer que os crimes cometidos contra a população infanto-juvenil serão processados conforme a lei processual penal comum, tendo ainda como base subsidiaria a parte geral do código penal. Em fim, as inovações trazidas pelo ECA dizem respeito aos crimes de produção de pornografia infantil, venda de pornografia infantil, divulgação de pornografia infantil, posse de pornografia infantil, produção simulada de pornografia infantil e aliciamento de criança, com o intuito de abarcar o maior numero de situações protetivas possíveis. 3.2.1. Produção de Material Pornográfico Vs. Crianças e Adolescentes O Estatuto da Criança e Adolescente prescreve como crime no artigo 240, o ato de produzir ou dirigir representação de teatro, televisão ou cinema, atividade fotográfica ou ainda qualquer outro meio visual, caso seja utilizada criança ou adolescente em cenas pornográficas, de sexo explícito ou vexatório. Segundo Maciel90 ―os verbos produzir, dirigir ou contracenar vêm acompanhados de uma enormidade de elementos de natureza normativa, assim entendidos aqueles cuja compreensão não se faz por uma atividade meramente cognitiva, mas sim valorativa, seja de cunho jurídico ou extrajurídico, por pressuporem uma avaliação de conteúdo técnico, social, cultural, histórico, religioso, político, etc. Aqui estão representados pelas expressões ‗representação teatral‘, ‗televisiva‘, ‗cinematográfica‘, ‗fotográfica‘, ou qualquer outro ‗meio visual‘, findando com as expressões ‗cena pornográfica‘, ‗sexo explícito‘ ou ‗vexatória‘‖. O ECA, no artigo 241-E, define a expressão ―cena de sexo explícito ou pornográfica‖ como sendo ―qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais 90 Maciel, ibidem, p. 891. 53 explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.‖ Com o conceito de cena de sexo e cena pornográfica, fecha o legislador às abordagens realizadas nos artigos 241 a 241-E, uma vez a quantidade de vezes que este termo aparece em seus textos. A punição para quem cometer este delito será de reclusão de 4 a 8 anos, adicionado de multa. Acrescenta no parágrafo primeiro que incorre na mesma pena aquela que, nas condições proferidas no artigo citado, agencia, facilita, recruta, coage, intermedia ou contracena com os menores de idade. Outrossim, o parágrafo segundo aumenta em 1/3, se o agente criminoso exercita a ação em razão de cargo e função, prevalece de relação domésticas, de coabitação ou hospitalares, ou prevalecendo o autor de relação de parentesco com ou sem consentimento do menor. A intenção do legislador com o objetivo jurídico é a tutela da integridade moral das crianças e adolescentes. Portanto a objetividade jurídica do tipo penal é evitar que se produza ou dirija representação teatral, televisiva, de película cinematográfica e incluir criança ou adolescente em cenas de sexo explicito ou pornográfica. Segundo Ishida91 ―a reprodução com sexo explícito é a que inclua cenas de conjunção carnal, mesmo que simuladas, e pornográfica é a que inclua sena de conjunção carnal reais. Cenas vexatórias é aquela que humilhação, constrangimento‖. Qualquer pessoa maior de 18 anos poderá ser o sujeito ativo, sendo passivas as crianças ou adolescentes envolvidas em cenas de sexo explícito e ou pornográfica. O crime em tela se consuma com a efetiva produção ou direção das cenas ilegais, não havendo necessidade de terceiros assistam aos vídeos. Também não há necessidade da utilização para obtenção de lucro, ou seja, o simples fato da produção das cenas incorrerá em crime o sujeito. Existe a possibilidade de tentativa. 91 Ishida, ibidem, p. 409. 54 O elemento subjetivo consiste no dolo, ou seja, na vontade livre ou consciente de participar como produtor, diretor, ou contracenar em ações de sexo e pornografia com criança e adolescente. Enfim, a participação de criança e adolescente em espetáculos ou ensaios dependerá, como preceitua Maciel92, de autorização judicial. Nesse sentido o produtor ou diretor para produzir cenas sem recair nas infração descritas no artigo em comento deve requerer alvará judicial, demonstrando a inexistência dos elementos constitutivos do crime. 3.2.2. Da Venda de Pornografia com Participação Infantil O crime do artigo 241 do ECA, expõe como objeto jurídico a venda de pornografia infantil, esta se configura como sendo a ação de vender ou expor à venda, por qualquer tipo de veículo, fotos ou vídeo de pornografia ou sexo explícito envolvendo criança ou adolescente. O sujeito ativo neste tipo criminoso pode ser qualquer pessoa maior de 18 anos que venda ou exponha a venda objeto proibido no artigo 241. Como sujeito passivo estão as crianças e adolescentes. A pena para este delito é de reclusão de 4 a 8 anos. No mais, estão recebem a mesma pena os sujeitos que, de acordo com o parágrafo segundo e seus incisos, agencia, autoriza, facilita, intermedia, assegura os meios ou serviços para o armazenamento de fotografia, ou ainda assegure o acesso a imagens ou vídeos nos termos deste artigo. Para que cometer o crime prevalecendo de cargo ou função ou para obter vantagem a pena é de 3 a 6 anos de reclusão. O tipo indicado veio para coibir a indústria e comércio de pornografia infantil que, sem dúvida, movimenta muito dinheiro no Brasil e no exterior. 3.2.3. Publicidade de Fotos e Cenas Sexuais de Criança e Adolescente O artigo 241-A do diploma estatutário informa que configura crime: ―oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente‖. Para este tipo, a pena é de reclusão por 3 a 6 anos, e multa. 92 Maciel, ibidem, p. 890. 55 Neste artigo, assim como o tipo abordado no item anterior, dado a similitude dos fatos tratados em ambos, o estatuto procura nos ditames propostos pela Carta Magna Nacional garantir a população infantil os direitos à dignidade, ao respeito, à liberdade, à privacidade e à imagem da criança e do adolescente, dessa forma a proteção deste preceitos constitucionais e estatutários configuram o objeto jurídico do tipo penal. Quanto aos sujeitos, podem ser ativos ou passivos, sendo os primeiros quaisquer pessoa envolvida neste trabalho: o fotógrafo, o editor, o proprietário da revista ou jornal; ainda o agenciador e os provedores de internet que permitem a exposição do menor. Já o passivo são todas as crianças e adolescentes. Também comete crime quem assegura os meios de armazenamento das fotos ou vídeos de pornografia infantil, ou seja, o provedor de internet que mantém na rede a pornografia infantil para que a pessoa divulgue ou que promova o acesso à internet para que estas divulguem ou recebam pornografia infantil. Portanto, crime de divulgação de pornografia infantil é a publicação, troca ou divulgação, por qualquer meio, inclusive por internet, de fotos ou vídeos de pornografia ou sexo explícito envolvendo criança ou adolescente. Outro ponto importante a ser abordado é a questão da prática desse crime na internet, pois com a evolução da tecnologia principalmente no campo da informática e o acesso cada vez maior pela sociedade, tem causado grandes danos as vítimas de abuso com o risco da publicação das imagens de sexo explícito ou pornográfico em meios eletrônicos, devido a dificuldade de apurar a autoria do vídeo ou da fotografia publicada, que deve ser feita por meio de prova pericial. Nesse sentido, o parágrafo segundo do mesmo artigo prescreve que os responsáveis pelo acesso à internet somente podem ser considerados culpados pelo crime, caso não desabilite o acesso ao conteúdo ilícito, após notificado oficialmente. Deste modo qualquer do povo que tome conhecimento desse tipo de delito deve, nos termos da doutrina da proteção integral, denunciar ao Ministério Público , à autoridade Policial ou ao Conselho Tutelar do Município, para que tomem ciência e providência acerca da notificação sobre pornografia infantil. 56 3.2.4. Posse de Pornografia Infantil O crime de posse de pornografia infantil está previsto no artigo 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, e consiste em manter sob seu poder, seja armazenado em computadores, mídias de CD`s ou DVD`s, pen-drives, folhetos guardados em casa, etc., fotos, vídeos ou qualquer meio de registro contendo pornografia ou sexo explícito envolvendo a população infanto-juvenil. A pena é de 1 a 4 anos, mais multa, contudo pode ser diminuída de 1 a 2/3 terços se a quantidade que se refere o caput do artigo é insignificante. Destarte, não configura crime se o material armazenado tem finalidade de informar as autoridades competentes da ocorrência da conduta criminosa e se estas estão mantidas sob sigilo pelo agente público nos exercícios da suas funções, membro de entidade legalmente constituído para o fim de apurar tais denúncias e, representantes legais de provedores de acesso a rede de computadores. 3.2.5. Simulação de Pornografia Infantil Na continuidade de tipos criminais que buscam minimizar a questão da pornografia infantil, o artigo 241-C preceitua que configura crime de produção simulada de pornografia a adulteração ou modificação de foto, vídeo ou outra forma de representação visual que demonstre a participação da Criança e do Adolescente. Portanto a montagem de imagens de fotos e vídeos que insinuam a participação de criança incide em crime com reclusão de 1 a 3 anos, e multa. 3.2.6. Aliciar Menor de Idade a Prática de ato Libidinoso O crime previsto no artigo 241-D condiz ao ato de aliciar, assediar, instigar ou constranger a criança, por qualquer meio de comunicação a praticar atos libidinosos. No tipo indicado o ato, muito comum Na intente, de convidar criança, e aqui temos que entender esta sendo de até 12 anos de idade, a participar de relação libidinosa, tais como: sexo, beijos, carícias, etc., incide em crime e pode ser condenado em pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa. 57 Incorrem nas mesmas penas quem facilita ou induz o acesso à criança de material pornográfico com o fim da prática libidinosa ou induz a criança a criança a se exibir de forma pornográfica ou sexual. É muito comum esse tipo de assédio pela internet, através de salas de bate-papo (chats) ou programas de relacionamento (MSN, ORKUT, MySpace, etc.) (artigo 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente – pena de 1 a 3 anos). Também pratica este crime quem (artigo 241-D, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente): facilita ou induz a criança a ter acesso a pornografia para estimulá-la a praticar ato libidinosos (sexo), ou seja, mostra pornografia à criança para criar o interesse sexual e depois praticar o ato libidinoso; ou estimula, pede ou constrange a criança a se exibir de forma pornográfica. O caso mais comum é o do criminoso pedófilo que pede a criança para se mostrar nua, semi-nua ou em poses eróticas diante de uma webcam (câmera de internet), ou mesmo pessoalmente. 3.2.7. Submissão de Crianças e Adolescentes à Exploração Sexual A Lei 9.975 de 2000 acrescentou ao ECA o artigo 244 A, que prevê como crime a submissão de criança ou adolescente à prostituição ou exploração sexual e apresenta como objetividade jurídica a integridade moral da criança ou adolescente. O termo submeter é o verbo jurídico a ser abordado no presente artigo. O legislador utiliza esta palavra com o significado de dominar, subjulgar, obrigar um menor de idade a fazer algo indevido, contra própria vontade, contrário a lei, e que tenha como consequência a exploração sexual. Ishida93 define prostituição como ―comércio habitual do próprio corpo, para satisfação sexual de indiscriminado número de pessoas.‖ Já a Exploração Sexual, como assevera Ishida, é qualquer outra forma de submissão sexual de criança ou adolescente sem o fim precípuo do comércio carnal, que ocorre na prostituição. A pena cominada para este tipo de crime são de 4 a 10 anos, aumentado de multa, incorrendo na mesma pena o proprietário, gerente ou responsável pelo local onde se verificar a submissão desses menores à pratica do delito previsto. Salienta-se que no caso de 93 Ishida, p. 417. 58 condenação do responsável pelo lugar da ocorrência do fato será obrigatória a cassação de funcionamento do estabelecimento. O tipo subjetivo é o dolo, que se consuma com a submissão da criança ou de adolescente à prostituição ou exploração sexual. 3.3. CRIMES SEXUAIS TIPIFICADOS NO CÓDIGO PENAL Novidade no cenário nacional, a Lei 12.015/2009, alterou o Título VI do Código Penal, denominando para os crimes sexuais, inclusive os relacionados a crianças e adolescentes o título ―Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual‖. As novas denominações de crimes sexuais praticados contra criança e adolescente é tão atual que há uma dificuldade imensa de encontrar publicações que diagnostiquem estes delitos. O conceituado escritor Guilherme Nucci94 na introdução que apresentou aos estudos dos crimes sexuais em comento, analisa a reforma do código penal no que diz respeito a estes delitos e informa que qualquer reforma a lei possui erros e acertos, aqueles carregam muitos equívocos e por isso prejudicam os trabalhos forenses, o que não é o caso da lei 12.015/2009, que pelo menos na teoria trás muitas expectativas satisfatórias de dar certo. Já Rogério Greco95, outro importantíssimo doutrinador de direito penal, comenta que a expressão crimes contra os costumes já não traduzia a realidade dos bens juridicamente protegidos pelos tipos penais que se encontravam no Título VI do Código Penal, uma vez que a essência da proteção não era mais o comportamento sexual das pessoas perante a sociedade moderna, mas a tutela da dignidade sexual de cada um. Para ele o Código Penal tem o condão de influenciar na análise de cada figura típica nele contida, pois, através de uma interpretação sistêmica ou mesmo de uma interpretação teleológica, onde se busca a finalidade da proteção legal, pode-se concluir a respeito do bem 94 Nucci, Guilherme de Souza. Crimes Contra a Dignidade Sexual: Comentários a Lei 12015/2009. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. 95 Greco, Rogério. Adendo: Dos Crimes Contra A Dignidade Sexual -Lei n.º 12.015/2009. Niterói- RJ, 2009. 59 que se quer proteger, conduzindo, assim, o intérprete, que não poderá fugir às orientações nele contidas. Sabe-se, no entanto, que a proteção conferida as crianças e adolescentes até 14 anos pela lei penal, chamados agora de vulneráveis, não finaliza o debate acerca do abuso e da violência sexual sofrida por eles, até porque a lei age nas situações de risco que ocorrem na atualidade e se idealização na previsão do acontecimento futuro. Portanto, a possibilidade de participar do inicio das discussões jurídicas acerca da aplicação efetiva das normas em tela é muito interessante. A partir da análise da nova forma de enfrentar os abusos a sexualidade daqueles com pouca maturidade para entender o que acontece com seu corpo, poderá surgir novos conceitos que darão a situação de abuso à visibilidade e entendimento que merece, além de trazer a tona a punibilidade daqueles que até então tinham na ineficiência legislativa a fórmula de se manterem livres do peso da justiça. 3.3.1. Estupro de Vulnerável Previsto pelo artigo 217-A do Código Penal, o crime de estupro de vulnerável consiste na ação de ter, com o sentido de conseguir a conjunção carnal ou qualquer outra ação afim de obter prazer sexual como pessoa menor de 14 anos de idade. De acordo com Nucci96, a tutela no campo sexual estende-se as pessoas incapazes de externar seu consentimento racional e seguro de forma plena para pratica sexual. No entanto, a grande sacada da nova apresentação do tipo em comento é fato de diferenciar-se do estupro comum, pois não está em jogo somente a questão da conjunção carnal ou pratica de ato libidinoso, mas a coação física ou psicológica da criança e do adolescente dado o estado natural de impossibilidade de compreensão do ato realizado. O estudo do parágrafo anterior se justifica pelo fato de substituir o estupro e o atentado violento ao pudor previsto no CP antes da alteração, feita do combinado do art. 214 com o art. 224, onde a relação sexual do agente com menor de 14 anos considerava-se presumida, foi criado um novo tipo penal, o 217-A, que trás figura própria, o vulnerável. 96 Nucci, Guilherme de Souza. Ibidem. 60 A criação do atual tipo penal mudou também o valor da pena, elevando esta a reclusãoc de oito a quinze anos, oferecendo ao estupro de vulnerável pena autônoma e maior que aquela prevista para o estupro comum. O crime pode ser cometido por qualquer pessoa, tendo como sujeitos passivo os menores de 14 anos, os enfermos e deficientes mentais, sem discernimento para pratica do ato. O objeto jurídico é a proteção à liberdade sexual, já o objeto material é o vulnerável. No mais, o crime é de natureza comum, admitindo-se a tentativa. Por fim, o crime é qualificado pelo resultado lesão grave, tendo sua pena ampliada para 10 a 20 anos e, de 12 a 30 anos, se o resultado for morte. 3.3.2. Mediação de Vulnerável para Servir Lascívia de Outrem O crime previsto no art. 218 incide na ação de alguém em induzir menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem. O bem juridicamente protegido pelo artigo citado é a proteção da dignidade sexual do menor de 14 (quatorze) anos, bem como o direito a um desenvolvimento sexual condizente com a sua idade. Ensina Greco97 que qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito de corrupção de menores, não havendo nenhuma qualidade ou condição especial exigida pelo tipo, sendo, portanto, um delito de natureza comum. Embora o núcleo induzir nos dê a impressão de que a consumação ocorreria no momento em que a vítima, menor de 14 (catorze) anos, fosse convencida pelo agente a satisfazer a lascívia de outrem, somos partidários da corrente que entende ser necessária a realização, por parte da vítima, de pelo menos algum ato tendente à satisfação da lascívia de outrem, cuidando-se, pois, de delito de natureza material. A conduta do agente, portanto, deve ser dirigida a induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a praticar qualquer ato que tenha uma conotação sexual, capaz de satisfazer a lascívia de outrem. A conduta do agente, portanto, deve ser dirigida a induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a praticar qualquer ato que tenha uma conotação sexual, capaz de satisfazer a lascívia de outrem. 97 Greco, Rogério. p. 96. 61 3.3.3. Satisfação de Lascívia Mediante Presença de Criança e Adolescente No art. 218-A, que não vincula sua ação ao artigo 218, pois aqui o crime se caracteriza no ato de praticar conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso na presença de menor de 14 anos para satisfazer lascívia própria ou de outrem. A pena para este tipo de crime é reclusão de 2 a 4 anos. Muito importante na análise deste tipo é o fato de na ocasião da pratica sexual não existir a participação do menor, de nenhuma forma, sem contato físico ou alguma conduta sexual atrativa, uma vez que o acontecimento dessas situações implicaria na incidência da figura normativa do estupro de vulnerável. O autor do delito previsto neste artigo pode ser qualquer pessoa, enquanto o sujeito passivo somente a pessoa menor de 14 anos. O objeto jurídico é a proteção à liberdade sexual e, o objeto material o fato do menor de 14 anos, assistir ou presenciar a satisfação da lascívia de outrem. Neste tipo de crime é admissível a tentativa, tendo em vista que a consumação se dá com a visualização pelo menor da pratica sexual. Por fim, a conduta do agente pode consistir em praticar o ato sexual na presença do menor ou simplesmente induzi-lo a presenciar ato de terceiro. 3.3.4. Favorecimento da Prostituição ou de Exploração sexual de Vulnerável A prática sexual de qualquer pessoa com vulnerável menor de 14 anos é defeso pelo artigo da lei penal, entretanto, só é proibida a atividade sexual para os maiores de 14 e menores de 18 se da prática sexual resultar prostituição ou exploração sexual. Nesse diapasão, o artigo 218-B prescreve como autor do tipo aquele que utilizar dos verbos submeter, induzir ou atrair menor de 18 anos ou com enfermidade ou doença mental que figure a falta de discernimento para pratica sexual afim de favorecer a prostituição ou exploração sexual de vulnerável. Também comete crime disposto no presente artigo que pratica conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com o fim de favorecer a prostituição ou explorar sexualmente no mercado do sexo. Ainda, incorre na mesma pena o responsável, gerente ou proprietário do estabelecimento onde ocorre a prática descrita no caput do artigo. 62 A pena para quem comete este tipo de delito é de 4 a 10 anos de reclusão, somado de multa se houver o fim de obtenção de vantagem econômica. Assim temos como sujeito ativo qualquer pessoa e passivo o menor de 18 e maior de 14 anos, pessoa enferma ou doente mental. O objeto jurídico é a proteção à liberdade sexual. O crime é comum e consuma-se com a prática da prostituição ou outra forma de exploração, portanto a tentativa é admissível nas formas impedir e dificultar. Imperioso salientar que a prostituição não é crime, logo se busca a punibilidade para aquele que, de acordo com art. 218-B, insere, facilita permanência, impede ou dificulta a saída do menor de 18 e maior de 14 anos de idade no mercado do sexo, inclusive os que fornecem ambiente para a existência da prostituição e exploração sexual. 63 4. ASPECTOS GERAIS DA VIOLÊNCIA E DO ABUSO SEXUAL INFANTOJUVENIL E A SITUAÇÃO CRIÍTICA DO DISTRITO FEDERAL Como demonstrado durante o desenvolvimento do trabalho, conceituar o fenômeno da violência sexual não foi tarefa fácil, da mesma forma, numerar com exatidão a quantidade de acontecimentos da violência ou abuso sexual contra crianças e adolescente é muito difícil, isto porque tais crimes ocorrem geralmente dentro do ambiente familiar e são perpetrados na muitas vezes por parentes ou pessoas próximas a família. Para melhor entendimento da gravidade do problema da violência, demonstra-se por meio de dados a situação de violência e abuso vivenciada pelas crianças e adolescentes no Brasil e posteriormente no Distrito Federal. No Brasil, as crianças e adolescentes compõem juntas quase 60 milhões da população brasileira, conforme dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios – PNAD. Gráfico 01: Distribuição da População no Brasil Fonte: IBGE/Pnad 2006 De acordo com o demonstrado no gráfico 01, na primeira infância, população correspondente as crianças de até 6 (seis) anos é de aproximadamente 21 milhões, equivalendo a 11% da população brasileira em 2006, já a população de crianças e adolescentes de até 17 anos correspondem a 31,5%. Nesse sentido, fica evidenciado a necessidade do cumprimento da doutrina da proteção integral pela sociedade em geral, uma vez que depois da edição do Estatuto da Criança e Adolescente, a família, a sociedade e o estado estão incumbidos em igualdade de responsabilidades a garantir e preservar os direitos da criança e do adolescente. Com isso, 64 cresce a preocupação com o fenômeno da transgressão da integridade física, psicológica e sexual da criança. Para medir a extensão do problema da violência sexual contra a população infantojuvenil, vários órgãos governamentais e não-governamentais, estudiosos do ramo do direito infantil e cientistas de variados campos de pesquisas se uniram no sentido de analisar o fenômeno em busca de sua melhor compreensão e possíveis soluções para seu enfrentamento. Os dados da violência sexual no País ainda não são concretos, portanto, não mostram a realidade dos acontecimentos deste tipo de violência que, embora não pareça, mostra índices alarmantes. Explicitando melhor, o que acontece no Brasil é que a quantidade de denúncias realizadas, embora alarmantes, não representam a real situação de crimes sexuais cometidos contra a população infanto-juvenil. Isto porque, como frisado inúmeras vezes, o crime sexual ocorre dentro do ambiente familiar, longe do alcance do estado e da sociedade. Além do mais, a criança ou adolescente sofrem ameaças que impedem a denuncia pela violência sofrida. Na tentativa de quantificar os crimes relacionados à sexualidade de crianças e adolescentes, serão utilizados os dados fornecidos pelo Disque Denúncia Nacional (DDN 100)98, cedido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos - Subsecretaria de Promoções dos Direitos da Criança e Adolescente (SEDH). Nesse sentido, de acordo com o DDN 100, no Brasil de maio de 2003 a março de 2010 foram recebidas mais de 2 (dois) milhões de atendimentos, sendo encaminhadas mais de 120 mil denúncias de todos os tipos de violência praticadas contra crianças e adolescentes. A evolução dos atendimentos anuais está representado na planilha abaixo (gráfico 02). 98 Disque Denuncia Nacional – DDN 100 é um serviço de discagem direta e gratuita disponível para todos os Estados brasileiros com a finalidade de estabelecer um canal de comunicação entre a população e o Governo Federal, para recepção, encaminhamento e monitoramento de das denuncias de violência contra crianças e adolescentes, buscando interromper a situação revelada e subsidiar a formulação de políticas públicas voltadas a proteção de crianças e adolescentes. 65 Disque Denúncia Nacional - 100 Total de Denúncias Brasil por ano 140.000 121.396 120.000 100.000 80.000 60.000 40.000 24.942 20.000 32.589 29.756 13.830 4.494 3.774 5.138 2003 2004 2005 6.873 0 2006 2007 2008 2009 2010 (até março) Total geral Gráfico 02- Total de Denúncias Recebidas pelo DDN Anualmente Fonte: DDN 100/SEDH/Presidência da República Visualizando os dados do gráfico apresentado acima (gráfico 02), tivemos em 2009 um total de 29.756 denúncias, média de 82 denúncias/dia. Enquanto nos primeiros três meses de 2010, foram alcançados uma média de 76 denúncias por dia. Proporcionalmente, com relação ao aumento de denuncias no ano de 2010 podemos analisar sob os seguintes focos: crescimento da conscientização da população referente ao fenômeno do abuso sexual ou aumento demasiado da quantidade de abusos, o que influencia negativamente no que diz respeito ao enfrentamento do abuso sexual contra criança e adolescente. No gráfico seguinte (gráfico 03) é apresentado o total absoluto das denúncias por região brasileira considerando o período de maio de 2003 a março de 2010, onde a região nordeste foi a que mais ofereceu denúncias ao DDN-100, seguida da região sudeste, sul, norte e centro oeste. 66 DDN - 100 Denúncia Recebidas por Região Período: maio de 2003 a março de 2010 11.865 15.592 42.283 38.643 Norte 11.865 denúncias Nordeste 42.283 denúncias Centro-Oeste 11.880 denúncias Sudeste 38.643 denúncias Sul 15.592 denúncias 11.880 Gráfico 03 - Total de Denúncias Recebidas pelo DDN Anualmente e Distribuídas por Região. Fonte: DDN – 100/SEDH/Presidência da República Entretanto, o nordeste perde a ponta do ranking quando os dados avaliados se referem a distribuição de denúncias por grupo de habitantes. A liderança neste quesito é tomada pela região Centro-Oeste, sendo a que mais oferece denúncia: 90 denúncias para cada grupo de 100 mil habitantes, seguida pelas regiões norte e nordeste ocupando a 2º e 3º posição, praticamente juntas, pela região sul e, por último, a região sudeste como pode ser verificado na planilha abaixo. (considerando grupos de 100 mil habitantes na região - IBGE 2007). DDN - 100 Denúncias Recebidas por Região por grupo de 100 mil hab. Período: maio de 2003 a março de 2010 1º lugar 5º lugar 4º lugar Sudeste 49,62 den Sul 58,32 den Nordeste 82,05 den Norte 81,14 den 3º lugar Gráfico 04 - Denúncias por Grupo de Habitantes Fonte: DDN – 100/SEDH/Presidência da República Centro-Oeste 89,84 den 2º lugar 67 No gráfico 05 (cinco) é apresentada a divisão de denúncias por sexo das vítimas e por tipo de violência ocorrida confirmando que a criança e o adolescente do gênero feminino sofrem mais abusos que os meninos. Os dados são o seguinte: das mais de 183 mil denúncias registradas pelo DDN-100, pode-se verificar 62% são do sexo feminino e 38% são do sexo masculino, confirmando a preferência da criança do gênero feminino para prática do abuso e da violência sexual. Gráfico 05 - Sexo das Vítimas em Porcentagem por Tipo de Violência Fonte: DDN – 100/SEDH/Presidência da República Disque Denúncia 100 - maio de 2003 a março de 2010 Sexo das Vítimas em Porcetagem, por Tipo de Violência % vítimas do sexo masc. % vítimas do sexo fem. 100 90 38 80 44 45 56 55 70 60 50 40 62 30 20 10 0 Violência Sexual Negligência Violência Física e Violência Psicológica No gráfico 06 (seis) é apresentado, página 69, a distribuição das denúncias por tipo de vítimas em porcentagem, por sexo e por tipo específico de violência ocorrida, dentro dos registros de violência sexual. 68 Disque Denúncia 100 - maio de 2003 a março de 2010 Sexo das Vítimas em Porcetagem, por Tipo de Violência Sexual % masc. % fem. 100% 90% 18 19 21 30 80% 70% 60% 50% 40% 82 81 79 70 30% 20% 10% 0% Exploração Sexual Tráfico de Crianças e Adolescentes Abuso Sexual Pornografia Gráfico 06 - Sexo das Vítimas em Porcentagem por Tipo de Violência Sexual Fonte: DDN – 100/SEDH/Presidência da República Na situação apresentada, verifica-se que em todas as modalidades de violência sexual apresentadas, as vítimas de sexo feminino continuam como grande maioria na pretensão do abusador, chegando a 82% nas situações de exploração sexual. Já a quantidade de vítimas do sexo masculino representa 21% nas situações de abuso sexual, chegando a 30% nos casos de pornografia. Volta-se a falar dos registros de violência no período de maio de 2003 a março de 2010 para deflagrar as denúncias recebidas neste período categorizadas por tipo de violência, lembrando que uma denúncia pode corresponder a mais de um tipo de violência, considerada para o fim desse estudo as três macro categorias de violência: negligência, violência física e psicológica, e violência sexual, vide gráfico 07 (sete). Porcentagem de Registros por Macro Categorias de Violência nas Denúncias Categorizadas DDN 100 - maio de 2003 a março de 2010 34% 32% 34% Negligência Violência Física e Psicológica Violência Sexual Gráfico 07 - Tipo de Violência Registrada Fonte: DDN – 100/SEDH/Presidência da República 69 Ulterior subdivisão realizada pelos pesquisadores do DDN-100 está representada no gráfico 08 com a mesma categorização da violência sexual, também no entre maio de 2003 a março de 2010, em exploração sexual, tráfico de criança e/ou adolescentes para fins de exploração sexual, pornografia e abuso sexual, este último segue na ponta com 59,66 denúncias. Porcentagem de Registros dos Tipos de Violência Sexual registrada nas denúncias categorizadas DDN 100 - maio de 2003 a março de 2010 70,00 59,66 60,00 50,00 38,18 40,00 30,00 20,00 10,00 0,63 1,52 Tráfico de Crianças e Adolescentes Pornografia 0,00 Exploração Sexual Abuso Sexual Gráfico 08 - Subdivisão da Violência Sexual em Categorias Fonte: DDN – 100/SEDH/Presidência da República 4.1. O ABUSO E A VIOLÊNCIA SEXUAL NO DISTRITO FEDERAL Para o Distrito Federal (DF) a situação não é muito diferente da realidade nacional no que tange a prática de violência e abuso sexual desferida contra criança e adolescente, como será demonstrado a seguir com a apresentação de dados estatísticos. Tais informações existem para que possa ser visualizada a situação crítica do DF e principalmente das vítimas do abuso e da violência sexual pela sociedade civil brasiliense, pelos poderes públicos da cidade, agentes responsáveis pela garantia do bem estar das crianças e adolescentes no cumprimento da doutrina da proteção integral para uma atuação conjunta, como rede de prevenção e enfrentamento do fenômeno da violência e do abuso sexual. 70 O DF apresentou de maio de 2003 a março de 2010, o maior número de denúncias para cada grupo de 100 mil habitantes no período, ocupando o 1º lugar no ranking de denúncias no Brasil, segundo dados do DDN 100. Ranking das Denúncias por UF (por grupo de 100 mil habitantes) maio de 2003 a março de 2010 140,00 120,00 100,00 80,00 60,00 40,00 20,00 0,00 DF MS MA RN BA PA AM CE RO ES PE GO MT TO AC RJ RS PI AL PB SC PR MG RR SE SP AP Gráfico 09 - Ranking das Denúncias divididas por Unidade da Federação Fonte: DDN – 100/SEDH/Presidência da República Como visto no gráfico 09 (nove) a informação de liderança do ranking causa uma imagem negativa à Capital do País, portanto, passa-se a observar a situação das denúncias na cidade sob um conjunto de ações implementadas para atender a população infantil e de jovens até 18 anos que tenham sua sexualidade violada. De modo geral, na Capital, de maio de 2003 a setembro de 2009 foram realizadas 891 denúncias, sendo 618 de abuso sexual, 253 de exploração sexual e 20 de denúncias de pornografia. No entanto, somente no ano de 2009, de janeiro a setembro, foram realizadas 123 denúncias de abuso sexual, 51 de exploração sexual e 04 denúncias de pornografia infantil. Dentre as cidades satélites do Distrito Federal, Ceilândia apresentou o maior número de denúncias relacionadas à violência sexual, são 44 (quarenta e quatro) denúncias registradas pelo DDN 100, das quais foram constatadas 33 (trinta e três) denúncias de abuso sexual e 11(onze) referente à exploração sexual, neste período não foram computadas denúncias ligadas a pornografia infantil nesta cidade. Taguatinga, Samambaia e Planaltina registraram respectivamente, no mesmo período, 17 (dezessete), 16 (dezesseis) e 15 (quinze) denúncias de abuso sexual e, na mesma lógica, 4 71 (quatro), 0 (zero), 8 (oito) denúncias de exploração sexual. De acordo com os dados pesquisados não houve registros de pornografia infantil nestas regiões. Se a cidade de Ceilândia revela o fato de ser a representante das satélites com menor renda per capta no contexto da violência sexual, esta situação não parece significante diante dos dados da violência sexual na região administrativa de Brasília, pois nesta, foram registrados 07 (sete) casos de exploração sexual, 08 (oito) de abuso sexual e 02 (dois) casos de pornografia infantil no período de janeiro a setembro de 2009. Os dados e registros de violência e abuso em Brasília no ano de 2008, também foram graves, naquele ano a cidade anotou 15 (quinze) ocorrências de abuso sexual, 17 (dezessete) de exploração sexual e 04 (quatro) casos de pornografia infantil. Salienta-se que os dados mostrados em relação a satélite de Brasília convergem crianças e adolescentes de todas as cidades satélites, tal que se posiciona como centro de atividades de ocorrência de abuso e de exploração sexual. No entanto, imperioso esclarecer que a trágica realidade do Distrito Federal no que concerne aos dados de violência sexual, embora representados pelos dados indicados no decorrer deste tópico, não revela a situação atual do problema, pois, como é sabido os casos de violência acontecem em sua maioria dentro do ambiente familiar, situação que provoca o silêncio das vítimas. Corrobora a Seção de Atendimento à Situação de Risco da Vara da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (VIJ/TJDFT) com dados referentes à proteção integral da criança e do adolescente em situação de sexual, cuja informação se dará com base em VIJ, sendo trinta de natureza extrafamiliar e noventa de intrafamiliar. (fator n= 120)99. 99 Cento e vinte casos coletados pela Seção de Atendimento à Situação de Risco da Vara da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. 72 Gráfico 10 - Classificação da Natureza da Violência Sexual Fonte: Vara da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal O acontecimento do abuso sexual segue um padrão no diz respeito à quantidade de acontecimentos, de maneira que 13% das ocorrências de abuso sexuais são eventuais, enquanto 30% acontecem em episódio único e 45% dos acontecimentos são frequentes. Vide Gráfico 11 (onze) abaixo. Gráfico 11 - Padrão do Abuso Fonte: Vara da Infância e Juventude do TJDFT No gráfico seguinte (gráfico 12 – p. 73) os dados informam que 79% das crianças, vítimas de violência sexual, é do sexo feminino, enquanto 21% do sexo masculino. Nesse sentido, pode-se afirmar que há uma predominância no acontecimento da violência em relação às meninas, concluindo-se, portanto, a preferência do abusador pelo gênero feminino para cometimento do ato, assim como no âmbito nacional. 73 Gráfico 12 - Classificação por Gênero Fonte: Vara da Infância e Juventude do TJDFT No momento da avaliação como informa o Gráfico 13 (treze), 35% dos abusados tem entre 12 e 15 anos, 20% são de 6 a 8 anos, 19% de 9 a 11 anos, 13% de 16 a 18 anos, 12% de 3 a 5 anos, por fim, 1% das vítimas de violência sexual são crianças de 0 a 2 anos são vítimas. Gráfico 13 - Classificação por Idade das Vítimas Fonte: Vara da Infância e Juventude do TJDFT A importância da análise de dados referente ao órgão responsável pela entrada da denúncia é o fato de se conhecer as medidas de proteção tomadas em relação à criança e ao adolescente por estas instituições ou por aquelas a que encaminhem a denúncia. 74 Dos casos apresentados pela VIJ, foram propostos processos criminais na proporção de 37,1% para 56,7%, ou seja, para vários acontecimentos da violência sexual não existe processo criminal. Isto se dá pelo fato do encaminhamento a justiça apenas dos casos considerados mais graves. Gráfico 14 - Porta de Entrada da Denúncia Fonte: Vara da Infância e Juventude do TJDFT Diante dos dados apresentados pelos órgãos citados neste capítulo, constata-se uma realidade sombria da quantidade de violações sexuais que sofrem crianças e adolescentes. A quantidade de denúncias não corresponde à realidade dos acontecimentos, embora sejam preocupantes para os órgãos de denúncia que no Distrito Federal se compõem de vários organismos estratégicos de entrada de informações de violência e abuso. 4.2. REDE DE ATENDIMENTO – O DISTRITO FEDERAL NO ENFRENTAMENTO DO FENÔMENO DA VIOLÊNCIA E DO ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES De acordo com Lima100 a rede de proteção não é um novo serviço, mas uma concepção de trabalho que dá ênfase à atuação integrada de todas as instituições que desenvolvem atividades com crianças e adolescentes e suas famílias. 100 Lima, Cláudia Araújo de. p.144. 75 A recente concepção de rede permite que novos parceiros se agreguem, ampliando qualitativamente o sistema de proteção e criando alternativas de intervenção com a parceria entre instituições governamentais e não-governamentais. Configura-se importantíssima e absoluta a manifestação positivista do sistema de garantia previsto pelo ECA, que envolve todos os entes federativos e seus municípios. A primordial tarefa dos órgãos especificados pela lei é fazer com que as previsões legais instituídas pelo ECA se constituam em instrumentos materializados, seja no campo jurídico quanto administrativo, de modo a obrigar o Estado a cumprir seu papel indelegável de promoção social e de proteção especial às crianças e adolescentes. Está previsto no parágrafo único, do art. 259 do Estatuto da Criança e do Adolescente que ―Compete aos Estados e Municípios promoverem a adaptação de seus órgãos e programas às diretrizes e princípios estabelecidos [...]‖. O Distrito Federal, neste contexto, atua com a competência de Estado. O Distrito Federal tem na sua estrutura de Secretarias de Governo a Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (SEDEST) 101 que ocupa papel importante na assistência à criança, ao adolescente e a sua família. Cabe a esta secretaria a promoção social e a garantia do exercício da cidadania pelos sujeitos infantis e juvenis. Além disso, objetiva, principalmente, a redução da vulnerabilidade pessoal e social, a promoção do desenvolvimento humano, a integralidade de políticas públicas e incentivo da participação da sociedade civil e organismos não governamentais na valoração da justiça igualitária, respeito ao ser humano, integração das redes de proteção. A SEDEST tem como missão a execução de programas elaborados, mantidos e por ela supervisionados por esta, a fim de fazer cumprir as exigências do Estatuto da Criança e do Adolescente, no que tange à proteção e as condições mínimas para sobrevivência e desenvolvimento da pessoa em situação de risco. 101 GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Dados gerais sobre a SEDEST. Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda, Brasília, 2009. Disponível em: < http://www.sedest.df.gov.br/>. Acesso em: 10 jan. 2010. 76 Neste contexto, é importe salientar a importância da capitação de recursos que para execução da atividade fim da SEDEST e de outros órgãos de proteção a criança e adolescente, materializando, desta forma, a participação de todos os agentes responsáveis pelo enfrentamento ao abuso e violência sexual. O orçamento do Distrito Federal pertinente aos recursos destinados à programas específicos para o público infanto-juvenil é apresentado pelo ―Relatório Orçamento Criança e Adolescente‖102. Diante das informações constantes dos referidos documentos: PPA103, LOA104, Relatório OCA105, pode-se verificar que o Governo do Distrito Federal, formalmente, prevê recursos e investimentos que visam atender as exigências do Estatuto, com vistas aos programas e políticas de atendimento. Entretanto, demonstrativos apresentados pela Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios apontam que dos valores autorizados para as despesas, efetivamente, apenas uma pequena parte é empenhada106, acumulando um saldo disponível elevado, provocando questionamentos de o porquê não são aplicados na totalidade. Nesse sentido, as crianças e adolescentes, garantidas da proteção especial, sofrem ainda hoje com a falta de políticas adequadas ao seu desenvolvimento. Estes sujeitos têm em lei própria a garantia de direitos fundamentais que promovem a lisura no desenvolvimento de sua personalidade e caráter. Na Audiência Pública que discutiu o Plano Distrital de Enfrentamento a Exploração Sexual da Criança e do Adolescente107 o Ilustríssimo Advogado do Centro de Defesa dos 102 GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda. Relatório Orçamento Criança e Adolescente, Brasília, 2010. Disponível em: < http://www.sedest.df.gov.br/>. Acesso em: 10 jan. 2010. 103 GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda. Plano Plurianual, Brasília, 2010. Disponível em: < http://www.sedest.df.gov.br/>. Acesso em: 10 jan. 2010. 104 GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda. Lei Orçamentária Anual, Brasília, 2009. Disponível em: < http://www.sedest.df.gov.br/>. Acesso em: 10 jan. 2010. 105 GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda. Relatório Orçamento Criança e Adolescente, Brasília, 2010. Disponível em: < http://www.sedest.df.gov.br/>. Acesso em: 10 jan. 2010. 106 Refere-se ao ato administrativo que vincula recurso orçamentário ao pagamento de uma despesa específica. 107 Notas Taquigráficas da Audiência Pública que discutiu o Plano Distrital de Enfrentamento a Exploração Sexual da Criança e do Adolescente em 20/05/2010. Disponibilizado pelo Gabinete da Deputada Érica Kokay. 77 Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal (CEDECA-DF), bem confirma a situação precária de orçamento destinado a execução de políticas públicas efetivas. Para Ele o orçamento continua sendo o grande entrave, uma vez a ausência de recursos para financiar a políticas públicas sob a perspectiva da proteção e de responsabilização dos agressores. Completa afirmando a necessidade do Distrito Federal em criar um programa orçamentário de enfrentamento da violência sexual contra a criança e o adolescente, com ações distribuídas por suas secretarias de Saúde, Educação, Assistência, Segurança Pública e outras afins. No âmbito do DF, mostra-se em seguida a composição dos órgãos responsáveis pela proteção, com exceção das secretarias de governo que neste trabalho está representada pela SEDEST e que foi objeto de análise no presente tópico. Portanto, acrescenta-se para compor da rede de proteção do Distrito Federal, os Conselhos Tutelares, Judiciário, Ministério Público, a Defensoria Pública e o Advogado, além das Organizações Não Governamentais. 4.2.1. Do Conselho Tutelar O Conselho Tutelar (CT), previsto pelo ECA, especificamente nos artigos 131 e 136, é um órgão não jurisdicional, permanente a autônomo, atribuído pela sociedade e pela lei de velar pelo cumprimento dos direitos da crianças e adolescentes. No Distrito Federal até dezembro de 2009 os Conselhos Tutelares eram regidos pela Lei Distrital n.º 2.640/2000, organizados em 10 (dez) conselhos e distribuídos em dez cidades satélites da capital, sendo: Brasília, Brazlândia, Ceilândia, Gama, Paranoá, Planaltina, Samambaia, Santa Maria e Taguatinga. Constata-se que o atendimento do conselho tutelar no Distrito Federal nesta época era insuficiente, tendo em vista que temos na capital 29 (vinte e nove) regiões administrativas para uma população de mais de dois milhões e meio de habitantes (IBGE -2008). Destarte, o CONANDA se manifestou por meio da Resolução 75, onde recomenda um CT para cada 200 mil habitantes. 78 A partir da edição da Lei nº 4.451 de 23 de dezembro de 2009, a Capital Federal passou a compor-se de trinta e três conselhos tutelares, distribuídos entre suas regiões administrativas, atendendo ao disposto na resolução 75 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). A atuação do Conselho Tutelar, por exemplo, se restringe ao disposto nos incisos I a VII do art. 101 do ECA, ao estabelecer que ―Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos e VII acolhimento institucional. As dificuldades dos conselhos tutelares no que diz respeito à estrutura de funcionamento esbarra-se na inexistência e ineficácia da ação governamental, sendo muitas vezes inócuas no que se referem às medidas de proteção que deveriam ser aplicadas, tendo em vista a falta de recursos e de estrutura dos Conselhos Tutelares. 4.2.2. Do Judiciário A principal função do judiciário é sem dúvidas prestar a tutela jurisdicional no sentido de fazer garantida por suas decisões a transformação positiva da realidade social. Sabe-se da necessidade de provocação do judiciário para que este tome, dentro de sua competência, as medidas necessárias para fazer valer a lei. A competência legal para atuar nos processos cujo tema infringe o livre exercício dos direitos das crianças e adolescentes são dos juízes da infância e juventude. Portanto, incumbe ao poder judiciário, integrante a estrutura organizacional do Estado, a defesa dos interesses e direitos relacionados à infância e juventude, no sentido de garantir a 79 efetivação das normas estabelecidas em favor da população infanto-juvenil, como legítimos defensores dos interesses da sociedade. 4.2.3. Do Ministério Público Outro protagonista na proteção da criança, o Ministério Público que com o advento da Constituição Federal recebeu várias atribuições, dentre elas a proteção da criança, configurase um das instituições mais importantes e atuantes na proteção dos direitos da criança, inclusive com área específica para este fim, chamada Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude. O Estatuto disciplinou as atribuições do órgão nos arts. 200 a 205, passando a possuir legitimidade para anteceder em favor dos interesses individuais, coletivos e difusos da criança e do adolescente108, devendo propor a ação a fim de garantir a proteção ou atuando como fiscal da lei. 4.2.4. Defensoria Pública e o Advogado A tutela jurisdicional das crianças e adolescente é prestada pelo Advogado e Defensoria Pública, esta última constitui-se importante no processo de democratização das oportunidades de êxito quanto a prestação jurisdicional, podendo propor ações civis fundadas em interesses coletivos e difusos da criança e adolescente, assim como o ministério Público. No que tange a atuação do advogado, está previsto no artigo 206 do ECA que tem como função proporcionar o acesso a justiça ao menor e ao responsável legal como procurador regularmente constituído. 4.2.5. O Papel das Organizações Não Governamentais no Combate a Violência e ao Abuso As Organizações Não Governamentais (ONGs) são coordenações da sociedade civil, sem fins lucrativos, que surgiram na intenção de prestar um papel alternativo ao estatal, a fim de garantir os direitos populares. Os Governos quanto ao atendimento dos direitos da criança pauta-se no princípio explicitado no artigo 86 do ECA, onde prescreve que a política de atendimento far-se-á por 108 ISHIDA, p. 140. 80 um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais da União, dos Estados e Municípios. Nesse sentido, surge a parceria entre ONGs e governo, apresentando-se as ONGs como um novo modelo de participação da sociedade civil. As ONGs que atuam no combate à exploração, abuso sexual e maus tratos, têm constituído nos últimos anos um espaço de mobilização social, permitindo a criação de uma nova concepção sobre este fenômeno, através de uma articulação em nível nacional e internacional para ampliar e fortalecer o espaço de lutas para o enfrentamento do fenômeno, afirma Maria Lúcia Pinto Leal109. Afirma à autora110, citando Faleiros 1996, a garantia de direitos sociais só pode ser feita pelo estado de direito, através das políticas voltadas para necessidades básicas de saúde, educação, lazer, cultura, meio ambiente, rendas mínimas, com medidas ―desmercadorizadoras‖, pois o mercado provoca deterioração das condições de vida acentuando a desigualdade e reduzindo a equidade. Como estratégia ao combate ao fenômeno da violência e do abuso sexual as ONGs manifestam-se com as seguintes dimensões de combate: Política de atendimento; Educação; Informação e parceria público-privada. Com a constituição das redes fundadas nas ações de combate a violência e o abuso sexual, propõem-se o fim do fenômeno por meio de parceria de organismos governamentais e não governamentais a partir de informações e denúncias, criando laços de solidariedade, de projetos políticos e culturais, compartilhados em identidades e valores coletivos. 109 CECRIA. Leal, Maria Lúcia Pinto. As ONGs no Enfrentamento da Exploração, Abuso Sexual e Maus Tratos de Crianças e adolescentes – Pós 1993. 110 Leal, Maria Lúcia Pinto, ibidem. 81 4.3. PLANO DISTRITAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES A primeira versão do Plano Distrital de enfrentamento do Distrito Federal ao fenômeno Exploração Sexual de Crianças foi instituído em dezembro de 2002. No entanto, em 2005, verificada a insuficiência das ações do plano, o governo do Distrito Federal, interveio no sentido de elaborar a atualização do Plano Distrital. Foi criada em 22 de maio de 2007, a Comissão de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (CEVESCA), instituída pelo Decreto nº. 27.968, com o objetivo de implementar ações conjuntas, por meio das Secretarias de Estado. Mais um momento importante na discussão do enfrentamento a violência sexual contra criança e adolescente foi o seminário ocorrido nos dia 24 e 25 de setembro de 2008 no Campus II da Universidade Católica de Brasília, tendo como objetivo principal a revisão e atualização do Plano Distrital de atuação do Distrito Federal. O Plano Distrital de Enfrentamento à Violência Sexual contra Criança e Adolescente é um instrumento de garantia de defesa de direitos de criança e adolescentes que tem por objetivo a criação e o fortalecimento de um conjunto de ações e metas fundamentais para assegurar a proteção integral à criança e ao adolescente em situação de risco111. Esse Plano consiste, portanto, na sistematização e organização das reflexões acerca das dificuldades identificadas pela rede de proteção à criança e ao adolescente quanto ao tratamento à violência sexual no Distrito Federal, mobilizando a sociedade civil, justiça e promotoria pública e demais atores estratégicos para o engajamento contínuo nas ações da rede de proteção à criança e ao adolescente no Distrito Federal. Também os diversos setores da sociedade assumem no Plano a responsabilidade na execução integrada e contínua das ações nos eixos de análise da situação, mobilização e articulação, defesa e responsabilização, atendimento, prevenção e protagonismo infantojuvenil. 111 Plano Distrital de Enfrentamento a violência Sexual Contra Criança e Adolescente cedido pela SEDEST 82 As propostas do Plano Distrital foram divididas em eixos estratégicos de enfrentamento a problemática da violência sexual contra crianças e adolescentes no Distrito Federal. Tem como primeiro eixo a análise da situação do fenômeno da violência sexual, as condições e garantias de financiamento e a divulgação de dados e informações à sociedade civil. O segundo eixo está fundado na mobilização e articulação do Estado e da sociedade civil para o fortalecimento de articulações nacionais, regionais e locais de combate à violência sexual, tendo como foco principal o tráfico e a pornografia para fins sexuais. No terceiro eixo, denominado defesa e responsabilização tem o sentido de contribuir para a atualização da legislação sobre crimes sexuais e combate à impunidade. Para isso, propõe a capacitação de profissionais, implantar conselhos tutelares e o SIPIA, além de contribuir para a criação de Varas Especializadas para o julgamento de crimes cometidos contra crianças e adolescentes, bem como, promover a descentralização de órgãos de defesa e responsabilização. O Atendimento Especializado por profissionais capacitados é o quarto eixo do plano que tem como principal tarefa efetuar e garantir o atendimento especializado e em rede às crianças e aos adolescentes em situação de violência sexual familiar. O seguinte é o eixo quinto, neste, busca-se assegurar ações preventivas no combate a violência sexual, dando possibilidades de autodefesa às crianças e adolescentes e colaborar para o desenvolvimento da legislação direcionada a prática de crimes ocorridos no ambiente virtual. O último eixo é o do protagonismo infanto-juvenil que tem como função precípua a promoção da participação destes no monitoramento, na execução do plano e na defesa de seus direitos. Para complementar a discussão, acrescenta-se que no último dia 20 de maio de 2010, aconteceu no Plenário da Câmara Legislativa do Distrito Federal Audiência Pública, presidida pela Ilustríssima Deputada Distrital Erika Kokay (PT) e Entidades Públicas e Privadas, além 83 da participação de um representante da população infanto-juvenil, em que foi debatido o Plano Distrital de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Este evento fez parte da programação do Dia Nacional de Luta contra o Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, o dia 18 de maio, Tendo como principal foco o debate entre os eixos dispostos no plano, a sua aplicabilidade e o orçamento destinado ao atendimento das crianças e adolescentes e atuação da rede de atendimento. Por fim, as diferentes ações de enfrentamento devem ocorrer simultaneamente pelas diferentes ações e serviços efetivamente disponibilizados e que todos os atores constituam uma rede eficiente de proteção, desempenhando cada um o seu papel preponderante no enfrentamento a violência e abuso. 4.4. ATUALIDADES NO COMBATE A VIOLÊNCIA SEXUAL NA INFÂNCIA Para demonstrar a importância da atuação dos agentes responsáveis pela conscientização e combate ao fenômeno da violência e do abuso sexual serão elencados alguns assuntos que estão mexendo atualmente com o brio da população brasileira e mundial, tendo em vista sua indignação com fatos que envolvem a sexualidade da criança e do adolescente. Dessa forma, apresentam-se abaixo três marcos de atuação na busca de solução para o grave problema enfrentado pela população infanto-juvenil. 4.4.1. Discutindo a Violência Sexual Contra Crianças e jovens O III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes realizado no Brasil em novembro de 2008, cuja organização e realização foram coordenadas pelo Governo Federal em parceria com UNICEF, rede internacional de ONGs, a sociedade civil brasileira e as campanhas nacionais de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes por ocasião do dia 18 de Maio de 2008, quando o Estatuto da Criança e do Adolescente completou 18 anos de existência. Este evento foi muito importante, pois tornou público debates que anteriormente estavam no campo privado, tratados como foro íntimo sem ação efetiva do Estado, especialmente no que se refere às crianças e adolescentes vítimas de violência. 84 A violência sexual contra crianças e adolescentes são, seguramente, profunda violação de direitos destruídos pela dominação cultural machista que se constituem em fatores que expõem grande número de crianças, adolescentes e suas famílias a situações adversas, de isolamento e risco social. O debate e o aprofundamento deste tema é um importante instrumento que possibilita construir posicionamento e consolidar políticas públicas e serviços que assegurem e expressem o direito e o acesso à proteção social de crianças e adolescentes e famílias vítimas de violência/abuso e exploração sexual, bem como os tratados e convenções nacionais e internacionais que refletem e criam visões convergentes sobre o enfrentamento do fenômeno. Em que pese à persistência de muitos desafios para superação das violações de direitos de crianças e adolescentes, Ana Lídia Gomes112, escreve que deve ser considerado que é preciso intensificar ações específicas e continuadas de enfrentamento à exploração sexual e ao trabalho infantil por meio de mobilização e sensibilização cada vez maiores dos diversos setores da sociedade, de visibilidade, de ações preventivas, de identificação e notificação dessas situações para se viabilizar o acesso à rede de promoção e proteção social. Torna-se imprescindível a defesa de um modelo de sociedade baseado no respeito à vida e os direitos humanos e sociais como forma de investimento na prevenção e na superação das diversas manifestações de violência contra crianças e adolescentes. 4.4.2. CPI da Pedofilia A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofili113a é uma das mais longas comissões parlamentares de inquérito, até o momento detectou aproximadamente 200 vítimas, entre crianças e adolescentes, foram ouvidas nas 61 reuniões ordinárias e 18 diligências realizadas pelo país. O presidente da CPI, Senador Magno Malta (PR-ES), estima que cerca de mil pessoas devem ser indiciadas no relatório final, tendo em vista que a Comissão recebeu mais de 900 112 Gomes, Ana Lígia. Reflexão sobre o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. http://www.mds.gov.br/noticias/artigo-reflexao-sobre-o-enfrentamento-da-violencia-sexual-contra-criancas-eadolescentes-ana-ligia-gomes. Acessado em 12/05/2010. 113 TODOS CONTRA PEDOFILIA. Disponível em <http://www.magnomalta.com/site/index.php?option=com_content&task=category§ionid=1&id=20&Itemid =39>. Acessado em 12/05/2010. 85 denúncias, tendo a Polícia Federal prendido sete pessoas acusadas de manterem algum vínculo de violência e abuso com criança e adolescentes. Para o Presidente da CPI o maior mérito da comissão tem sido chamar a atenção do país para o problema, pois em quase dois anos de funcionamento foi criado 11 projetos de lei que visam coibir a exploração sexual, entre estes está o projeto que prevê detenção de 30 anos para quem abusar sexualmente de menores e, de dez anos para quem molestar essas crianças. O Senador aguarda aprovação dos projetos até o fim da CPI e conta com o apoio dos Presidentes da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP), para acelerar a tramitação dos projetos enviados pelas CPI. Outro ponto importante proposta para o presidente da CPI é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera o Código Penal (CP) para instituir a prisão perpétua para a pedofilia, fundamentando-se pelo disposto no parágrafo 4º do artigo 227 da CF, que prescreve a "lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente". Esta proposta ainda não foi votada e não há previsão para que seja, tendo em vista o direito a liberdade de locomoção como direito fundamental do indivíduo e a vedação para que seja aplicada a prisão perpétua no Brasil. Finaliza o Senador dizendo que os pedófilos são "psicopatas irrecuperáveis" citando o caso do criminoso de Luziânia (GO)114, afirma que se houvesse prisão perpétua, o criminoso não teria saído da cadeia e seis famílias estariam felizes agora". 4.4.3. Castração Química Atualmente ganhou força uma discussão mundial acerca da aplicação da pena de castração química contra aqueles que cometerem crimes contra a liberdade sexual de crianças e adolescentes. 114 Refere-se ao caso dos seis jovens assassinados pelo pedreiro Ademar Jesus da Silva no município em Luziânia - GO. 86 No entanto quando se ouve falar em castração, a primeira lembrança que vem a cabeça são os castigos cruéis e dolorosos que existiu no passado. O crime sexual contra criança é tão grave que a população recebe esta informação como sendo os mais adequados aqueles que abusam de crianças. Na verdade a castração química está sim relacionada a crimes contra a liberdade sexual de menores de idade, principalmente quando o tema é pedofilia, pois este acontecimento ganhou proporções gigantescas, com escândalos causados pela participação de membros da igreja em casos de pedofilia. Além disso, a Internet utilizada negativamente para a difusão de filmes e fotos contendo material que registra condutas que são tidas como atentatórias às crianças. Mesmo com o desconhecimento do que seja a castração química, em Brasília o Deputado Wigberto Tartuce (PPB-DF) apresentou o Projeto de Lei nº 7.021 de 2002 propondo a modificação dos arts. 213 e 214 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal Brasileiro, fixando a pena de castração com recursos químicos para os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, in verbis: Art. 213. Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena – castração, através da utilização de recursos químicos." Art. 214 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Pena – castração, através da utilização de recursos químicos." Com as modificações apresentadas acima, o legislador busca a substituição da pena privativa de liberdade nesse tipo de crime pelo de castração através de recursos químicos, tendo em vista ser o abuso sexual, principalmente contra crianças e adolescentes, ter atingido proporções alarmantes, preocupando as autoridades no Brasil e no mundo. Aplicar a pena de castração química, como afirma Heide115, se justifica para os especialistas da área da psiquiatria no sentido de que os impulsos sexuais anormais são 115 HEIDE, Márcio Pecego. Castração química para autores de crimes sexuais e o caso brasileiro . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1400, 2 maio 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9823>. Acesso em: 12 maio 2010. 87 devidos a problemas na formação de caráter do ofensor, traumas de infância, formas de criação etc. Outros defendem ser devido a doenças mentais ou psicopatias, chamadas de parafilias. Portanto, as teses na tentativa de explicar o motivo da pratica de abuso por parte do agressor são múltiplas, cada uma apresentando suas particularidades. Os principais indicadores da prática da pedofilia são fatores culturais, educacionais e psicológicos, esses têm grande responsabilidade no cometimento de crimes. Além da prática do ato com o livre arbítrio do abusador. Castração química está longe de ser a pena cruel que existiu em outros tempos, como por exemplo, a castração com a remoção dos órgãos sexuais do indivíduo ou mutilação que já houvera no passado. Ao contrário, o método consiste em aplicação de uma substância química que destrói as válvulas que controlam a entrada e saída do sangue nos corpos cavernosos do pênis, impedindo sua ereção. Corrobora Aguiar116 com a seguinte definição: castração química consiste na aplicação de hormônios femininos (o mais usado é o acetato de medroxiprogesterona) que diminuem drasticamente o nível de testosterona. O grande questionamento que fica é se a castração química pode impedir que os agressores tenham por interrompido seus impulsos anormais de forma compulsiva, evitando que volte a realizar as praticas sexuais ou libidinosas. Para o Senador Magno Malta não, pois apesar de defender mais rigor contra quem comete abuso sexual, é contrário à aprovação do PL 552/2007, do Senador Gerson Camata (PMDB-ES), que prevê a castração química para o abusador sexual por acreditar que a lei pode favorecer o pedófilo. Para ele a pedofilia não está nos órgãos genitais, está na cabeça, está na lascívia dos pedófilos, portanto molestaria de outra forma e dificilmente tomaria o remédio quando estiver fora da carceragem, voltando a ter apetite sexual e ainda mais intenso. 116 AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. O "direito" do condenado à castração química . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1593, 11 nov. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10613>. Acesso em: 12 maio 2010. 88 CONCLUSÃO A Criança e o Adolescente em tempos idos eram tratados com descaso e indiferença pela sociedade. A população infanto-juvenil eram vistas neste período como miniatura do adulto e não gozavam de direitos específicos a sua necessidade, pelo contrário tinha nos costumes dos mais velhos a obrigação de se comportar como se assim fossem. No transcorrer desta pesquisa podemos averiguar a evolução dos direitos menores ao longo do período, tendo como principais marcos os tratados e documentos internacionais, os códigos de menores, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Contudo, a evolução do direito da infância se efetivou devido o novo contexto proporcionado pelo ECA, que significou um aparato de normas específicas consideradas como salvaguarda das crianças e dos adolescentes, acarretando em transformações relevantes e positivas ao seus direitos. A literatura pesquisada trata a evolução dos direitos da criança, daí pensados como idéia efetiva de direitos, numa divisão entre dois momentos, o primeiro apregoado pela doutrina da situação irregular do menor que vigorou até a promulgação da Constituição Cidadã, e o seguinte, pela doutrina da proteção integral garantida no texto constitucional Além do mais, entre os avanços permitidos pelo Estatuto, enfatizo a nova visão lançada sobre a criança e adolescente, que deixaram de ser menores e meros objetos de direito e se transformaram em sujeitos de direitos, com proteção integral garantida pelo Estado, família e sociedade com a absoluta prioridade nos atendimentos ao direito à vida, saúde, liberdade, convivência familiar, dignidade, respeito, educação, cultura, lazer e proteção ao trabalho. O ponto focal da presente pesquisa se dá por meio da situação crítica que vivência o Distrito Federal no que tange ao fenômeno do abuso e da violência sexual praticada contra crianças e adolescentes. Nesse sentido, para se chegar a realidade do DF, foi realizado um embasamento a nível Brasil, em busca da definição dos conceitos de abuso e violência sexual e outras derivações do processo de realização sexual do adulto com criança e adolescentes. Como evidenciado no estudo, existe uma grande dificuldade de definir as vertentes da violência sexual, isto porque existe uma carência terminológica que faz com que 89 acontecimentos de violência e abuso sexual sejam designados sob os mesmos aspectos. Portanto, para dirimir qualquer dúvida que alimenta esta indefinição, foram apresentados os conceitos das vertentes da violência e do abuso sexual mais comentados nos tempos atuais. O abuso sexual, a violência sexual e as variações de modalidades de agressão a sexualidade são as principais causadoras de seqüelas físicas, psíquicas e sociais às crianças e adolescente, para ambos são violações que jamais serão esquecidas e, portanto, dificilmente superadas. Na sequência, trouxemos a lei nº. 11.829/2008, que tem como intuito aperfeiçoar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição, a posse e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet. Também, foi objeto de análise a lei nº. 12.015/2009, que criaram novos tipos penais, no que se refere aos crimes contra a liberdade sexual, introduzindo alterações no Código Penal Brasileiro, as quais passaram a prever causas de aumento de pena e o acréscimo de qualificadoras, todas elas no sentido de punir com mais rigor a exploração da sexualidade infanto-juvenil. Nesse diapasão, não obstante as alterações acarretadas pelas leis em comento, estas somente não são hábeis a garantir a proteção as crianças e adolescentes vítimas de abuso e violência sexual, uma vez a necessidade do aparelhamento estatal e da sociedade civil no combate ao fenômeno sexual infanto-juvenil. Importante relatar o posicionamento dos Tribunais acerca da prestação jurisdicional nos casos que envolvem o combate ao abuso e violência sexual, aplicando os dispositivos da legislação no sentido de resguardar os princípios constitucionais que garantem a dignidade, a integridade física e mental das crianças e adolescentes. O principal objeto da pesquisa foi trazer a tona à história, a evolução dos direitos da criança, e principalmente a situação critica das crianças e adolescente agredidas por meio de abuso e violência sexual praticadas no ambiente familiar ou fora dele, por pessoas próximas e que geralmente deveriam ser as responsáveis pela proteção das vítimas. Portanto, no sentido de desenhar a situação do DF, e produzir uma discussão sobre a atuação do Governo do Distrito Federal e dos demais órgãos que se dedicam ao enfrentamento do fenômeno do abuso do abuso e da violência sexual, de um modo geral, 90 apresentam-se os dados dos acontecimentos das agressões sofridas pela população infantojuvenil no âmbito da Capital da República. Os dados, desesperadores por sinal, são a bem da verdade o ponto inicial para entendimento e adoção de medidas no que concerne a eficiência dos serviços públicos e da sociedade civil no combate ao fenômeno. Foi constatado que em o Distrito Federal é o ente público com maior demanda de denúncias de violência e abuso contra a sexualidade de crianças e adolescentes, no que tange a análise por grupo de habitantes (100 mil). Internamente a situação é crítica, pois a falta de atuação em rede no combate ao fenômeno, a falta de orçamento para aplicação efetiva da proteção unidos a falta de informação da população do que seja o problema, justifica o fato da Capital liderar uma lista negativa de Entidades Públicas acerca da quantidade de crimes sexuais praticados contra as crianças e adolescentes. O Distrito Federal já tem seu plano de enfrentamento a violência sexual contra criança e adolescentes. A atuação da Capital no combate ao fenômeno se dá sob a forma de eixos estratégicos. As quais são implementados da seguinte forma: análise da situação do fenômeno da violência sexual; mobilização e articulação do Estado e da sociedade civil; defesa e responsabilização; atendimento especializado; prevenção no combate a violência sexual e protagonismo infanto-juvenil. De um modo geral as entidades públicas e privadas do Distrito Federal atuam com relativa eficácia na implantação dos meios necessários para atingir os objetivos das políticas de atendimento às crianças e aos adolescentes. No entanto, deixa a desejar no que se refere à eficiente aplicação dos meios existentes, tendo em vista a falta de orçamento para execução das ações. Nesse ínterim podemos afirmar que para um desempenho da rede de atendimento do Distrito Federal que tem como principal obstáculo no combate ao abuso e violência sexual a ocultação e o silêncio, pois este ocorre principalmente no ambiente familiar e doméstico, fazse necessária a aplicação efetiva de recursos financeiros por parte do poder público, a organização em rede e, o esclarecimento do que seja o fenômeno para a sociedade para que 91 esta possa se municiar e atuar na fiscalização dos acontecimentos de violência e abuso sexuais. Diante dessas perspectivas, enquanto não houver uma ação eficaz do Poder Público, com atitude repressiva sim, mas principalmente pedagógica, firmando o objetivo de garantir direitos por meio de uma estrutura de combate adequada, a situação atual do abuso e violência sexual não terão diminuição representativa dos indicadores. É dever do Distrito Federal cumprir a legislação voltada para proteção infantil, portanto não pode deixar de verificar a prioridade absoluta da criança e do adolescente, deve ao contrário, ser mais participativa, aplicar políticas públicas que possam combater efetivamente a situação do abuso e da violência sexual. Por sua vez, a Criança e o adolescente que precisa de cuidados específicos e constantes para que seu desenvolvimento seja o mais harmônico possível, devem ser inseridos no contexto da discussão do problema como sujeitos de protagonismo individual. Desta forma, interagindo e aprendendo a se defender terão maior chance de alcançar um desenvolvimento integral, tornando-se ciente de suas potencialidades. Por fim, mostrou-se no desenvolvimento da pesquisa que a evolução do direito da criança e do adolescente, a população infantil não está desamparada, pelo contrário, as leis específicas resguardam e determinam a atuação da rede de proteção para uma prevenção efetiva de combate ao abuso e violência sexual. Com efeito, devemos todos buscar soluções para o fenômeno, cobrar das autoridades políticas e dos responsáveis legais pelas crianças e adolescente, tanto família quanto a sociedade e Estado, que sejam atuantes no enfrentamento ao fenômeno responsável pela destruição desenvolvimento natural da criança e do adolescente no que se refere a sua sexualidade. 92 REFERÊNCIAS Aguiar, Alexandre Magno Fernandes Moreira. O "Direito" do Condenado à Castração Química. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1593, 11 nov. 2007. 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