A busca do conhecimento ao longo dos tempos Silvana Arend1 Flávia Brocchetto Ramos2 Talvez a única característica de cada ser humano que está presente em cada um de nós até hoje e, desde que o homem é homem, é a necessidade de buscar o conhecimento. O fato de saber para que serve a água e a necessidade que temos de ingeri-la, bem como os alimentos dos quais precisamos, por exemplo, foram os primeiros conhecimentos necessários à sobrevivência e, por mais distantes que pareçam hoje de nosso conceito de conhecimento, certamente levantaram dúvidas e questionamentos no homem ancestral e o fizeram buscar respostas. Estas respostas foram buscadas na observação da natureza e do próprio corpo, suportes existentes. Observação, conclusão e comunicação. Esta parece ser uma seqüência lógica na busca pelo conhecimento. O homem observa a natureza e o próprio corpo, chega a conclusões sobre o por quê das coisas e surge a necessidade de comunicar isto para a garantia da sobrevivência da espécie humana. Temos, então, linguagem. Desenhos rupestres, grunhidos, gestos e o estabelecimento de um código oral comum, a língua. É a evolução do homem que traz em si a inerente característica de buscar o conhecimento. Para sobreviver diante da natureza ou do mercado de trabalho, é esta busca que faz o mundo evoluir. O mundo evolui, o homem modifica-se e também a linguagem oral passa a ter uma representação gráfica que garante o armazenamento do conhecimento para além da mente humana. A escrita é o meio que garantirá longevidade às informações através de diferentes suportes físicos. Com a possibilidade de armazenar e acessar novamente estas informações, é natural que surgissem os primeiros espaços públicos destinados a este “armazenamento do conhecimento”. A Biblioteca de Alexandria é considerada a primeira biblioteca do mundo por ser o primeiro projeto de uma biblioteca universal. Fundada por Alexandre, o Grande, na cidade de Alexandria entre 331 e 330 a.C., é descrita como o “grande templo da sabedoria”. Antes de ser incendiada, possuía um acervo de 700 mil textos escritos em rolos 1 Mestranda em Letras da UNISC. Artigo produzido para a disciplina “História da Leitura”, ministrada pela professora Drª Flávia Ramos. Outubro de 2005. E-mail para contato: [email protected] 2 Professora do Mestrado em Letras da UNISC. de papiro, sem parágrafos, sem vírgulas e sem pontuação alguma. Este número de textos é bastante expressivo considerando outras tentativas de reunir conhecimento na mesma época. “Os volumes tinham de ser colecionados em grande número, pois o objetivo grandioso da Biblioteca de Alexandria era abrigar a totalidade do conhecimento” (MANGUEL, 1997: 217). Esta afirmação do historiador da leitura Alberto Manguel é bastante exemplificadora da inerente busca do conhecimento pela humanidade. Também são exemplificadores os fatos de que, mostrando grande preocupação em aumentar o acervo de Alexandria, Ptolomeu, o Benfeitor, tenha ordenado a apreensão de qualquer texto trazido do estrangeiro que chegasse àquele porto para que fosse levado aos escribas para copiar, bem como o fato de Ptolomeu ter enviado uma carta a todos os governantes e soberanos do mundo pedindo que lhe enviassem todo tipo de obras. Ao lermos descrições sobre a Biblioteca de Alexandria encontramos também informações sobre a forma física dos textos ali reunidos. Rolos de papiro descritos como o acervo de Alexandria, começaram a ser utilizados pelos egípcios em 2.300 a.C. para fixar a escrita e no Século II a.C. houve o desenvolvimento de mais uma forma de fixação da escrita, o pergaminho, assim chamado numa alusão à cidade de Pérgamo, novo centro cultural da época. Em 105 a.C, na China, é inventado o papel, mas até os Séculos II e III d.C. há registros do uso do papiro no mundo da leitura que, nestes séculos, passou a ser substituído pelo pergaminho. Em lugar de rolos de papiro, o pergaminho traz como novidade o formato do códex – bem próximo ao que conhecemos hoje por livro, inclusive com páginas. Não era mais necessário importar o papiro produzido somente no Egito e seu custo também era menor, por ser possível escrever nos dois lados do suporte. O códex representa um grande avanço em termos de praticidade de fabricação, manuseio e de custo, e, enquanto no mundo oriental o papel já havia sido institucionalizado há muito tempo, somente em 1270 houve, na Itália, a construção do primeiro moinho de fabricação de papel. Do início do uso do papel na Europa, passando pelo trabalho dos monges copistas encarregados da reprodução manual da obras no ambiente das primeiras universidades européias e, chegando à criação da prensa por Gutenberg, passaram-se apenas 200 anos, período curto para a época. Isto mostra a velocidade com que tudo acontecia na Idade Média e nos dá uma idéia de que a vida intelectual das pessoas dava mostras de uma verdadeira “sede” de conhecimento. A Produção de livros em escala industrial e a criação das universidades são apenas alguns dos reflexos desta época de buscas e que se preparava para descobrir o mundo e descobrir o homem mais tarde no Renascimento. Da expansão da indústria tipográfica à expansão da imprensa e, depois, de vários gêneros e suportes textuais como temos hoje, há um grande passo em termos de tempo e de tecnologia que marca a história da distribuição do conhecimento. Livros passaram a dividir espaço com jornais, folhetins, revistas, rádio e televisão, e, mais recentemente, mas não finalmente, com computadores ligados à Internet e suas modalidades: bate-papos, fóruns de discussão, correio eletrônico, e-learning, e outras mais. A quantidade de informações – não necessariamente conhecimentos, disponível através da Internet é absolutamente gigantesca. “Em 1998 estimava-se mais de 300 milhões de páginas na Internet e crescendo um milhão de páginas por dia” (WERTHEIM, 2001: 76). Passaram-se sete anos desde o ano referenciado, então se pode imaginar o universo de informações disponíveis nos dias atuais. Todorov faz uma analogia à rede mundial de computadores que não deixa de ser uma “teia de conhecimentos” e alerta para o ficar preso dentre tantas informações. Há vários outros pensadores contemporâneos dedicando-se a entender este processo de “inundação” de informações e tentando descobrir como será a distribuição do conhecimento nestes web tempos. Rubens Queiroz de Almeida comenta em artigo as mudanças pelas quais a comunicação está passando. “Tem de ser breve, objetiva e começar pelo fim ou conclusão. Só assim, talvez, você capture a atenção do leitor. Quais serão as conseqüências? Quem sabe um embrutecimento dos sentidos, da apreciação do texto, visto que quaisquer fugas da objetividade, que, em certos caso, é o que traz beleza à leitura, condenam à mensagem a um ‘delete’ ou a uma passada para o próximo da lista. Será que nascemos para ter milhões de informações nos bombardeando?” (SILVA, 2003:32). Como se percebe, a inerente busca do ser humano pelo conhecimento chegou a um extremo. A super exposição às informações é uma realidade e um problema. Ao acessar a Internet dezenas de pop ups surgem na nossa frente querendo nos vender um produto ou uma idéia, ao abrirmos a caixa do correio eletrônico mensagens spam chegam sem serem solicitadas, ao entrarmos num site de busca e colocarmos a palavra “literatura”, por exemplo, muitíssimas páginas surgirão sem terem relação alguma com o que se procura realmente. Todo o problema desta sobrecarga de informações é a incapacidade humana de assimilar tanto material. Como estamos superexpostos, acabamos bloqueando boa parte destas informações em uma tentativa de proteção. O “delete” acabou se tornando uma das ferramentas mais importantes do computador. Acabamos nos doutrinando para sermos “leitores superficiais” de tanto conhecimento e é perigoso adotar esta sistemática a todo tipo de obra ou gênero textual que nos caia às mãos. “Em estudo conduzido por Jakob Nielsen, intitulado How users read on the web, descobriu-se que 79% dos leitores olham rapidamente o conteúdo da página e que apenas 16% desse total fazem a leitura do texto palavra por palavra” (SILVA, 2003:97). Se alguns sofrem com esta superexposição à informação, há também uma grande maioria de pessoas que têm uma espécie de “tecnofobia”, ou seja, rejeitam sua aproximação com as novas tecnologias da informação. Enquanto as crianças e adolescentes de certo nível social são “especialistas” em web sites, usos e desusos de um computador, temos escolas de periferia que não têm sequer um computador. Esta realidade gerou até mesmo um termo específico para esta parcela, grande, da população mundial: “analfabetos digitais”. Umberto também reflete sobre o acesso à Internet: “... francamente não acredito que a humanidade toda vá usar a Internet. A rede vai acabar criando novas formas de divisão de classes. As classes não serão mais baseadas em dinheiro, mas sim em quem tem acesso à informação. Teremos aqueles que vão acessar, manipular e interagir, aqueles que usarão a rede apenas passivamente e aqueles que serão excluídos, os proletários” (ECO apud SILVA, 2003: 85). No Brasil sabe-se que, em torno de apenas 5% da população total tem acesso à Internet. É pouco, mas, se compararmos ao total aproximado de 1% da população que consegue graduar-se em um curso superior, temos um universo de pessoas bem considerável e que precisa ser preparado para serem usuários eficazes de todas estas possibilidades. A inclusão digital é extremamente importante, mas depende de ações governamentais para democratizar o acesso a computadores, e, tão importante quanto esta ação é a educação digital que ensina o que fazer com todas estas informações disponíveis. Cavallo e Chartier pensam assim o poder do texto eletrônico: “... com o texto eletrônico acontece algo diferente. Não somente o leitor pode submeter os textos a múltiplas operações (ele pode indexá-los, anotá-los, copiá-los, deslocá-los, recompô-los, etc), como pode, ainda mais, tornar-se o co-autor... O leitor da era eletrônica pode construir a seu modo conjuntos textuais originais cuja existência, organização e aparência somente dependem dele. Mas, além disso, ele pode a qualquer momento intervir nos textos, modificá-los, reescrevê-los, torná-los sua propriedade” (CAVALLO e CHARTIER, 1999: 31). É claro que, para o leitor eletrônico usufruir todas estas possibilidades de interação, este deve estar preparado para trabalhar com um grande volume de informações, fontes nem sempre confiáveis, autorias duvidáveis e ler em inglês, o idioma de 80% das informações veiculadas. Desafio difícil de ser alcançado? Assim como no século XVIII tivemos a “era de ouro” do livro, onde a alfabetização em massa, o acesso mais amplo aos livros e bibliotecas, e até mesmo a temática dos livros produzidos se voltou para uma democratização da leitura, podemos imaginar uma democratização digital se acreditarmos na vontade do poder público. E enquanto a democratização digital não chega a todos, cabe à escola trabalhar as habilidades de leitura destes novos gêneros digitais e mostrar o “caminho das pedras” de transformar informações em conhecimento para aqueles que já têm acesso à rede mundial. Que a era digital é um caminho sem volta, ninguém duvida, mas como tirar o melhor proveito deste turbilhão de informações e recursos é uma pergunta que todo educador deve fazer em nossos dias. Se são poucos os alunos com computadores em casa, há possibilidades de uso em espaços públicos que devem ser disponibilizados a todos. Cabe à escola promover a aproximação destes sujeitos a esta ferramenta que pode excluí-los, mas também pode incluí-los no mercado de trabalho, no acesso à cultura e no manejo de diferentes gêneros e suportes de escrita e leitura. Esther Dyson, empresária da alta tecnologia, comenta: nossa missão comum é fazer com a Internet um trabalho melhor do que aquele que fizemos até agora no mundo físico... pois haverá tanta informação, tanta multimídia, tantas opções on-line que as pessoas vão aprender a dar mais valor à conexão humana, e vão procurar por ela na net “(DYSON apud WERTHEIM, 2001: 106). Estará, então, a forma física do livro condenada à substituição pelas novas tecnologias? “A maior parte dos livros disponíveis no formato digital é de obras cujo direito autoral está expirado, diversos autores e editoras estão vislumbrando uma forma inovadora de aumento de seu faturamento no formato digital. A iniciativa mais notável nessa área é da editora Baen Books, especializada em livros de ficção científica. Essa editora constatou que as vendas de seus livros impressos aumentaram consideravelmente após serem publicados gratuitamente, em formato digital, em seu web site. Obras cuja vida comercial havia se encerrado, obtiveram um novo alento depois de publicadas digitalmente. No Brasil as obras do escritor Paulo Coelho estão disponíveis na Internet” (SILVA, 2003: 37). A partir destas informações surge a pergunta: como pode o escritor que mais vende livros no Brasil e um dos que mais vende livros no mundo disponibilizar suas obras gratuitamente na web? Simplesmente porque ler na tela do computador não é nem de perto tão prazeroso quanto manusear o livro físico, então não há concorrência entre o livro físico e o virtual. A editora americana Baen Books comprovou em números que, apesar da disponibilização gratuita na web, suas obras não deixaram de ser adquiridas, pelo contrário, a versão on-line impulsionou a venda da versão impressa. Enquanto a versão on-line obriga o leitor a manter-se sentado em frente à tela, numa quase referência à antiga forma de se ler nas bibliotecas do passado – em pé, sem nenhum conforto pela falta de praticidade do suporte pesado e grande que era o livro antigo, o livro impresso que conhecemos hoje é levado para qualquer lugar que queiramos e, na posição que desejarmos, ele pode ser lido. Regina Zilberman considera que modificações ocorrerão no livro físico de hoje para que este se mantenha competitivo frente a tantas alternativas de divulgação de informações. A autora traça comparações com o surgimento do cinema que, teoricamente, teria sido uma ameaça de extinção ao teatro; com a televisão ameaçadora do cinema e assim por diante, fatos que nunca se confirmaram, ressaltando sempre que: “mudanças determinam não apenas rupturas, mas também continuidades, desde que adaptações ocorram” (ZILBERMAN, 2000: 117). Mesmo defendendo a idéia de adaptações e mudanças, Regina reitera a opinião de que o livro não está ameaçado de extinção, opinião por nós defendida. Enquanto sentirmos prazer em folhear páginas, entrarmos em êxtase ao estr numa livraria ou biblioteca de qualidade e continuarmos levando livros para a cama, numa total analogia ao prazer que estes nos proporcionam, o livro terá espaço garantido como ferramenta de busca de conhecimento, informação ou prazer. “Ler para fazer perguntas” Kafka, ou “ler para viver” Flaubert, mas vida longa ao livro! Referências Bibliográficas CAVALLO, Guglielmo & CHARTIER, Roger (Org.). História da leitura no mundo ocidental. Trad. de Cláudia Cavalcanti, Fulvia M. L. Moretto, Guacira Marcondes Machado e José Antônio de Macedo Soares. São Paulo: Ática, 1999, 2v. MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. Tradução Pedro Maia Soares. São Paulo. Companhia das Letras, 1997. SILVA, Ezequiel Theodoro da (Org.). A leitura nos oceanos da Internet. São Paulo: Cortez, 2003. WERTHEIM, Margaret. Uma história do espaço de Dante à Internet. Trad. Maria Luiza X. de Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. ZILBERMAN, Regina. Estética da Recepção e História da Literatura. São Paulo: Ática, 1989.