O ProUni EM QUESTÃO: UMA ANÁLISE DE SUA TRAJETÓRIA Edna Imaculada Inácio de Oliveira – UNISINOS, Bolsista Fundação Ford [email protected] Rosane Kreusburg Molina – UNISINOS [email protected] Resumo: O estudo apresenta reflexões preliminares de uma dissertação de Mestrado em andamento que objetiva analisar o ProUni (Programa Universidade para Todos) como forma de acesso à educação superior. Pretendemos analisar qual é sua efetividade social, no processo de acesso, permanência e sucesso de estudantes negros/negras no Ensino Superior. Iniciamos a análise buscando compreender o ProUni na dimensão da sua trajetória: do Projeto de Lei, passando pela Medida Provisória nº 213/04 até a Lei que o sancionou, Lei 11.096/2005, ressaltando a política afirmativa expressa em seu texto legal. Palavras-chave: ProUni; política afirmativa ; ensino superior. INTRODUÇÃO A reivindicação pelo acesso ao ensino superior para a população negra, indígena constitui uma mobilização política com grande visibilidade nas últimas décadas. O passado escravista, associado à manutenção de um sistema político e educacional pouco democrático, são as bases históricas para se entender as intensas desigualdades educacionais observadas na educação brasileira contemporânea. Assim, em decorrência de processos históricos e contemporâneos, as universidades públicas e privadas de maior prestígio são espaços relativamente segregados do ponto de vista racial e econômico (Guimarães, 2000). Segundo Escott (2005), a lei do ProUni parece ser o primeiro passo para a reparação das perdas historicamente acumuladas pelos grupos em desigualdade social visto que, a expansão do Ensino Superior que foi na época do milagre econômico, legitimada pela lei nº. 5540/68, em nada contribuiu para as possibilidades de acesso e permanência da classe média brasileira ao ensino superior, dificultando, afastando ainda mais os descendentes dos negros e índios, fadados à pobreza. Até que ponto o ProUni pode ser considerado uma medida que favoreça a inclusão social? Para responder essa questão é necessário analisar sua efetividade social e verificar as condições de acesso e sua importância para o público a que se destina, bem como questionar o programa como política pública respaldada pela sociedade civil principalmente no que diz respeito à luta do movimento negro em busca do diploma de graduação e ao mesmo tempo encobre a pressão das associações representativas do segmento privado, justificada pelo alto grau de vagas ociosas. Antes de adentrar na questão das políticas afirmativas faz-se necessário analisar o ProUni no contexto de sua trajetória, traçando as alterações sofridas a partir das pressões do segmento privado. DO PROJETO DE LEI A LEI 11.096/2005 Programa Universidade para Todos, é um programa de bolsas de estudos para os estudantes que desejam ingressar na universidade. Como as vagas no sistema público são restritas, o programa dá apoio para o preenchimento da vagas nas IES privadas. O ProUni faz parte do pacote de ações que compõem a Reforma da Educação Superior, prevista pelo MEC. Estas ações tiveram início no governo o presidente Luis Inácio Lula da Silva e são tentativas do governo federal de cumprir as exigências da Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI, realizada em 9 de outubro de 1998, em Paris. O Ministério da Educação (MEC) pretendia instituí-lo por meio de Medida Provisória. Porém, a decisão do governo foi encaminhar Projeto de Lei (PL) ao Congresso em maio de 2004 e em setembro deste mesmo ano foi criado pela Medida Provisória nº. 213 e institucionalizado pela Lei nº. 11.096 de janeiro de 2005. Desde o anúncio de que o Projeto de Lei seria encaminhado ao Parlamento (13.05.2004) até a aprovação da versão definitiva da Lei nº. 11.096 (13.01.2005), o ProUni sofreu diversas alterações, influenciadas pelas instituições de ensino superior (IES) particulares e beneficentes. Tendo como fonte Lopreato & Carvalho (2005, p9699), passo a traçar aqui um paralelo destas alterações entre o Projeto de Lei , Medida Provisória e da Lei. Inicialmente, o Projeto de Lei previa que somente seriam concedidas bolsas integrais para alunos cuja renda per capita não ultrapassasse um salário mínimo. Já na Medida Provisória o aumento no limite de renda passou para um salário mínimo e meio incorporando a concessão, também, de bolsas parciais de 50% para alunos cuja renda familiar per capita não ultrapassasse três salários mínimos. Na Lei foram estabelecidas ainda bolsas de estudos parciais de 25% para os bolsistas com as mesmas condições sociais daqueles com direito à metade de gratuidade. Houve ainda várias alterações com relação à destinação da bolsa de estudos, no Projeto de Lei foi destinada aos estudantes que cursaram o ensino médio completo em escola da rede pública e a professores da rede pública de educação básica, na Medida Provisória abrange também egressos das instituições privadas na condição de bolsista integral e estudantes portadores de necessidades especiais. Quanto aos professores de rede pública o texto é mais específico, pois se destina aos cursos de licenciatura e pedagogia, e independe da condição social. Já na Lei acresce para professores da rede pública, que teriam direito à bolsa, o Curso Normal Superior Na seleção dos candidatos o Projeto de Lei considera o desempenho e perfil socioeconômico de Exame Nacional do Ensino Médio- ENEM, já na Medida Provisória os critérios seriam determinados pela instituição de ensino superior. O resultado do ENEM torna-se apenas uma pré seleção e quanto a Lei não houve alteração em relação a Medida Provisória. E com relação a Proporção bolsa integral/aluno no Projeto de Lei seria concedida uma bolsa integral para cada nove alunos regularmente matriculados, independente de a instituição ter ou não finalidade lucrativa. Para as entidades beneficentes de assistência social é fixada a proporção de uma bolsa integral para cada quatro alunos pagantes. Na Medida provisória existe a alternativa para as instituições sem fins lucrativos e não filantrópicas: a proporção de uma bolsa para cada dezenove pagantes e, adicionalmente, bolsas parciais de 50%, até o equivalente a 10% de receita anual efetivamente recebida. Para as beneficentes, determinou que a proporção será de um bolsista integral para cada nove pagantes e até, no mínimo, o equivalente a 20% de sua receita bruta composta por bolsas parciais de 50% e programas de assistência social. Já na Lei para as instituições com ou sem fins lucrativos e não filantrópicas, a concessão de uma bolsa integral para cada 10,7 alunos pagantes ou, de forma alternativa, uma bolsa integral para cada 22 pagantes, com quantidades adicionais de bolsas parciais (50% e 25%) até atingir 8,5% da receita bruta. O Projeto de Lei recebeu 292 propostas de emenda, a maioria beneficiando as mantenedoras, abrindo a possibilidade de bolsas parciais o que permite aos estabelecimentos particulares uma maior flexibilidade para compor a receita comprometida com o programa, além de conferir-lhes autonomia para selecionar seus estudantes e diminuindo o percentual de bolsas integrais. Diante disso, é bastante razoável admitir que as modificações realizadas no texto original transformaram-no numa versão muito mais próxima da que defendem os empresários da educação, sobretudo quando permite a transferência de patrimônio acumulado com investimento estatal para o setor privado. O ProUni E A POLÍTICA AFIRMATIVA Desde a sua primeira proposta até a Lei sancionada em janeiro/ 2005, o ProUni se destacou no âmbito da política afirmativa por destinar um percentual de bolsas de estudos ao atendimento de negros e indígenas conforme prevê o art. 7º inciso II: percentual de bolsas de estudo destinado à implementação de políticas afirmativas de acesso ao ensino superior de autodeclarados negros e indígenas. (BRASIL. MEC, 2004, Art. 7º, inciso II). Com relação a Políticas Afirmativas, adotamos o conceito do Ministério da Justiça (1996, GTI População Negra) que significam: Medidas especiais e temporárias, tomadas pelo Estado e/ou pela iniciativa privada, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidade e tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, por motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros”. Conforme Rosemberg (2006), no atual cenário brasileiro, as experiências de Ação Afirmativa voltadas para o acesso de egressos do ensino médio público, negros e indígenas ao ensino superior são de quatro tipos: a) aulas ou cursos preparatórios para acesso ao ensino superior e de reforço (melhoria do desempenho acadêmico); b) financiamento dos custos para acesso (inclusive no pagamento a taxas para o vestibular) e permanência no ensino superior; c) mudanças no sistema de ingresso nas instituições de ensino superior via metas, cotas, pontuação complementar etc; d) criação de cursos específicos para estes segmentos raciais, tais como a licenciatura para professores indígenas da Universidade Federal de Roraima. Na perspectiva do acesso ao ensino superior, o Programa (ProUni) está trazendo uma possibilidade, antes inexistente, para os alunos negros/negras e os de classe social economicamente baixa, de poder cursar uma universidade. O ProUni procura favorecer a possibilidade de um maior contingente de jovens, de chegar às portas das universidades. As críticas vêm de encontro da questão do acesso tendo em vista que chegar a universidade não é o mais difícil, mas o principal é que eles negros/negras das classes populares não têm condições de acompanhar o ensino, pela defasagem na aprendizagem do ensino médio. Alguns pesquisadores afirmam também que os cursos superiores terão de modificar seus currículos para que estes alunos tenham possibilidade de sucesso. O movimento negro assim constituiu, em sua trajetória, uma luta histórica, principalmente a partir dos anos 70 e 80, demandando políticas raciais, enfatizando a identidade negra e denunciando a democracia racial como mito. Graças a esse movimento a questão racial está hoje inscrita na agenda nacional, considerado passo fundamental para a implementação de políticas públicas adequadas. Escott (2005), afirma que os movimentos sociais vem pressionando a sociedade e o estado a implementar políticas afirmativas que garantam um movimento de reparação, e ao mesmo tempo assegurem a conquista da cidadania de negros e negras, pardos e índios no Brasil. Porém, a efetividade social do ProUni é questionada por muitos pesquisadores. È uma ação que garante o acesso, contudo conforme indica Carvalho (2006), é importante lembrar que a questão do acesso à educação superior permanece em aberto. É necessário destacar que depois do ingresso, a permanência continua como grande desafio e que o ingresso e permanecia não significam, em si chances reais ascensão social, para poucos que estudaram no seleto grupo de instituições privadas de qualidade. Muito menos, para a maioria, cuja porta de entrada encontra-se em estabelecimentos lucrativos e com pouca tradição no setor educacional, o programa pode ser apenas uma ilusão e/ou uma promessa não cumprida. Diante de todas criticas e preocupações apresentadas é necessário considerar que conforme afirma Carvalho (2005) temos que abrir as portas para os índios e os negros para que possam entrar em todo o sistema de ensino superior, seja privado, público, público estatal, não estatal e comunitário, cada qual segundo suas possibilidades e respeitando seu modo próprio de realizar a inclusão. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES Considerando o estimulo à expansão das Instituições de Ensino Superior (IES) privadas, bem como a relação complexa e dinâmica da política pública para o ensino superior no atual governo no que tange ao Programa Universidade para Todos (ProUni) e sua articulação com a política fiscal, e importante lembrar que vivemos um momento ímpar da agenda das políticas educacionais pela introdução de um novo tema: políticas de Ação Afirmativa na educação. Dessa forma há questões que precisamos discutir: Como enfrentar o racismo no cotidiano em instituições fundamentais para a socialização dos indivíduos, como a escola? Como as escolas têm enfrentado a questão da defasagem de conhecimento? O mito do mérito pessoal? A política de ação afirmativa garante o acesso. O que podem ou fazem essas instituições tendo em vista a permanência e o êxito? Como legitimar o movimento que assegura oportunidades específicas para os negros? Que concepção de qualidade na educação perpassa os discursos das instituições de ensino superior? A busca de respostas para tais questionamentos é um desafio na medida em que permite investigar a práxis, em nível acadêmico, e, ao mesmo tempo abre possibilidade para pensar uma política específica não só do ingresso, mas concomitantemente a permanência e o êxito na trajetória do negro/negra na universidade. E como indica Munanga (2000) “É preciso, pois, incrementar estratégias e políticas públicas de combate à discriminação nos campos onde ela se manifesta concretamente, ou seja, nos domínios da educação, cultura, esportes, leis, saúde, mercado de trabalho, meios de comunicação”. Caso se queira fortalecer um compromisso político com a igualdade social e étnico-racial é necessário que se invista, sim, no acesso à universidade de qualidade com urgência, um caminho, viável se complementado com ações educacionais que fortaleçam o acesso ao conhecimento. Rosemberg (2006), nos alerta que a perspectiva da Ação Afirmativa na educação não é apenas ampliar o acesso de negros, indígenas e egressos da escola pública aos níveis educacionais, mas também sua permanência e sucesso. Para tanto, são necessárias ações complementares. Tais ações envolvem um projeto político-educacional e recursos materiais e humanos. Esta é uma questão séria que devemos enfrentar. Por ser um trabalho inicial de pesquisa buscamos apresentar aqui reflexões que na que na continuidade do estudo serão aprofundadas, principalmente no que diz respeito às críticas que o ProUni vem enfrentando dos defensores do ensino gratuito oferecido pelo estado e dessa forma inferir no que significa de fato esse slogan “ Universidade para todos”. REFERÊNCIAS BRASIL. MEC. Projeto de Lei nº. 3.582 – 28 mar. 2004. Dispõe sobre a instituição do Programa Universidade para Todos – ProUni, e dá outras providências. Brasília: MEC, 2004. Disponível em: www.camara.gov.br/sileg/integras/219649.htm. Acesso em 3 julho. 2007. BRASIL. PODER EXECUTIVO. Medida Provisória nº 213 – 10 set. 2004. Institui o Programa Universidade para Todos – ProUni regula a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 13 out. 2004. Disponível em: www.presidencia.gov.br/ccivil/_ato2004-2006/2004/ mpv/213.htm. 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