Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas:
aproximando agendas e agentes
23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP)
A política educacional como política social: uma análise do PROUNI sob a
perspectiva da Teoria Crítica
Autores
Elaine Cristina Scarlatto
UNESP/Araraquara
João Augusto Gentilini
UNESP/Araraquara
Araraquara-SP
2013
INTRODUÇÃO
Esta reflexão constitui uma revisão bibliográfica acerca do Programa
Universidade Para Todos – ProUni –, no que ele representa em termos de
política social no campo da educação. Tal Programa fora criado por meio da
Medida Provisória nº 213, de 10 de setembro de 2004, e institucionalizado pela
Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005 (BRASIL: 2005).
Nesse sentido, nosso objetivo é verificar se o referido Programa de
inclusão no ensino superior, enquanto uma política social educacional contribui
para mitigar conflitos e tensões entre classes e segmentos sociais no que se
refere ao acesso ao ensino superior – tido historicamente como privilégio de
elites1 – ou se, por outro lado, favorece aos agentes contemplados o despertar
da consciência, em termos habermasianos2, isto é, à ‘defesa da esfera pública
enquanto espaço de todos os cidadãos’. Além de nos basearmos nos estudos
de Habermas sobre as políticas e a esfera públicas, recorreremos também às
concepções de Barbara Freitag, uma das primeiras estudiosas a introduzir o
pensamento frankfurtiano no Brasil.
Para Freitag (1989, p.50) toda política educacional tem potencialidade a
formar agentes autônomos, críticos, conscientes, logo defensores da esfera
pública:
1
2
Ver: FERREIRA JR; BITTAR. (2008), entre outros.
O movimento intelectual denominado Teoria Crítica ou Escola de Frankfurt é constituído por um grupo
de intelectuais, associados ao Instituto de Pesquisa Social vinculado à Universidade de Frankfurt. Este
movimento surgiu na década de 1920, na Alemanha, tendo publicado seu ensaio - manifesto por Max
Horkheimer (1937), intitulado Teoria Tradicional e Teoria Crítica. Todavia, em 1933, em função da
ascensão nazista que culminou na Segunda Guerra Mundial, o Instituto transferiu-se para Genebra e,
posteriormente para Nova York, retornando a Frankfurt somente em 1950. Tal Escola representa a
institucionalização das pesquisas de um grupo de intelectuais marxistas, cujo objetivo é enriquecer o
marxismo a partir de contribuições de distintos pensadores, tais como, Kant, Hegel, Shopenhauer e
Nietzsche. Ou seja, para desenvolver uma “teoria crítica da sociedade” os ‘frankfurtianos’ adotam
modelos teóricos de origem multidisciplinar e, muitas vezes, realizam trabalhos empíricos, tendo em
vista especialmente criticar a racionalidade moderna, refutando-a com as questões socioeconômicas
culturais. Destacam-se na primeira geração da Escola de Frankfurt Theodor Adorno (1903-1969), Max
Horkheimer (1895-1973), Herbert Marcuse (1898-1979), Walter Benjamin (1892-1940) e Erich Fromm
(1900-1980). Junger Habermas (1929- ), intelectual cujas ideias fundamentam este estudo, é expoente
da segunda geração e o filósofo e sociólogo alemão Axel Honneth (1949 - ) da terceira geração.
[...] a política educacional, como toda política social, preenche,
ao mesmo tempo, a função manifesta de mitigar conflitos e
evitar situações explosivas, e a função latente de estimular os
grupos e camadas por ela atingidas a tomarem consciência
desses conflitos e situações e contribuírem para uma solução
efetiva, independentemente das intenções explícitas dos
legisladores e administradores. Nisso consiste sua dialética:
uma política destinada a exorcizar os antagonismos através de
soluções superficiais, adotadas sem a participação dos
interessados, acaba criando condições para uma tomada de
consciência desses antagonismos, estimulando soluções
profundas que pressupõem a ação dos diretamente
interessados.
Estabelecidos estes pressupostos teóricos que, no decorrer do artigo,
serão melhor explicitados, apresentaremos como o trabalho está organizado de
modo geral.
Primeiramente,
apresentaremos
os
procedimentos
metodológicos
percorridos à realização deste estudo. Num segundo momento, a origem,
principais objetivos e características do Programa educacional em questão. E,
por último, fundamentando-nos em Jünger Habermas e sua receptividade no
Brasil, apresentaremos se há indícios de que o ProUni viabiliza a seus alunos,
de modo geral, conhecimentos que propiciem uma formação voltada à ‘defesa
da esfera pública enquanto espaço de todos os cidadãos’.
Em outros termos, nossa expectativa é que, levando em conta os
pressupostos acima, verificaremos se, nas pesquisas que analisaram o
ProUni, há indicações ou elementos que efetivamente, levem à formação de
agentes capazes de lutar pelo fortalecimento da democracia não apenas
política, mas, essencialmente, social e pela transformação da sociedade.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS – COLETA E ANÁLISE
Metodologicamente, trata-se de um estudo de caráter bibliográfico.
Primeiramente, efetuamos uma análise de documentos oficiais sobre o ProUni.
São considerados documentos “quaisquer materiais escritos
que possam ser usados como fonte de informação sobre o
comportamento humano” (Phillips, 1974, p. 187). Estes incluem
desde leis e regulamentos, normas, pareceres, cartas,
memorandos, diários pessoais, autobiografias, jornais, revistas,
discursos, roteiros de programas de rádio e televisão, até
livros, estatísticas e arquivos escolares. (LUDKE; ANDRÉ
(1986, p.38).
Neste caso, analisamos distintas fontes documentais – Decretos, Leis,
Portarias e outros documentos oficiais publicados pelo Ministério da Educação
(MEC), a fim de compreender detalhadamente a origem e quais são os
objetivos/metas da política educacional em questão.
Posteriormente, consultamos e analisamos teses e dissertações
defendidas em distintos Programas de Pós-Graduação em Educação, no
período compreendido entre 2007 a 2011, cujo objeto de estudo é
integralmente o ProUni.
Ressaltamos que não é nosso intuito realizar um estado da arte sobre o
conhecimento produzido acerca do ProUni. Restringimo-nos às pesquisas
produzidas em Programas de Pós-Graduação em Educação, uma vez que este
estudo
também
produz
o
campo
educacional
brasileiro.
Por
isso,
estabelecemos critérios de diferentes ordens para eleger as pesquisas
consultadas, e analisadas integralmente. Definimos, assim, o ano de 2007
como marco inicial deste levantamento, em função dos textos de Lambertucci
(2007) e Silva (2007) constituírem no campo educacional os primeiros estudos
a investigarem esta política.
Elegemos a Base Capes para o nosso levantamento, uma vez que
nosso interesse é exclusivamente a produção discente, logo teses e
dissertações. O descritor utilizado foi ‘Prouni’. Os trabalhos foram selecionados
primeiramente por meio da leitura dos títulos e dos resumos, uma vez que a
base de dados foi a Capes. Localizamos, assim, um total de 17 pesquisas de
nosso interesse, 5 teses e 12 dissertações. Via base CAPES e bibliotecas
digitais localizamos integralmente os 17 estudos.
Cabe sublinhar, porém, que no processo de levantamento bibliográfico,
isto é, ao ler os títulos e resumos das pesquisas disponíveis na base de dados
da CAPES deparamo-nos com sérios problemas de imprecisão e precariedade,
sobretudo, visto que alguns pesquisadores não explicitaram de modo objetivo e
claro se o ProUni constituiu, de fato, seu objeto de estudo. Ademais, há
pesquisadores que não informam no resumo se realizaram exclusivamente
uma pesquisa de caráter teórico ou se, também, coletaram dados empíricos.
Nesse sentido, Marin, Bueno e Sampaio (2005) apontam o mesmo problema
em seus estudos. Portanto, não é uma dificuldade enfrentada somente nesta
pesquisa.
Todavia, dois aspectos positivos devem ser salientados. As 17
pesquisas, fontes deste estudo, trazem dados (vozes de alunos e professores)
de IES privadas localizadas em diferentes Estados brasileiros, são eles: (01)
Rio Grande do Norte, (03) Minas Gerais, (06) São Paulo-SP, (01) Espírito
Santo, (01) Distrito Federal, (01) Goiás, (01) Rio de Janeiro, (02) Rio Grande do
Sul, (01) Santa Catarina.
Ademais, embora as pesquisas fontes tenham sido produzidas em
Programas de Pós Graduação em Educação, nelas há investigações acerca de
cursos das 3 grandes áreas do conhecimento – Humanas, Exatas e Biológicas.
São eles: Pedagogia, Ciências Sociais, Direito, Ciências Econômicas,
Economia, Psicologia, Teatro – Arte e Educação, Teatro, Geografia, Letras,
Comunicação e Artes do Corpo, Filosofia, História, Relações Internacionais e
Administração, Administração de Negócios, Serviço Social, Publicidade e
Propaganda,
Terapia
Fonoaudiologia,
Ocupacional,
Enfermagem,
Turismo,
Biologia,
Turismo
Farmácia,
e
Medicina,
Hotelaria,
Ciências
Contábeis, Tecnólogo em Marketing, Marketing, Matemática, Computação,
Engenharia, Física, Secretariado Executivo, Química, Sistema de Informação e
Agronomia.
Por último, tendo em vista a apresentação dos dados, levamos em conta
o alerta de Alves-Mazzotti (2002, p.29-30), segundo o qual a descrição
individual das pesquisas consultadas tende a ser para o leitor uma caminhada
longa e penosa. Por isso, optamos por não descrever cada pesquisa fonte, de
modo sucinto. Nelas procuramos concepções relacionadas à ‘defesa da esfera
pública enquanto espaço de todos os cidadãos’, ideia cerne nos estudos de
Habermas.
Logo, à realização de tal análise utilizamos a técnica Análise de
Conteúdo, segundo Bardin (2002), bem como os pressupostos filosóficos e
educacionais da Teoria Crítica, particularmente Jünger Habermas e sua
receptividade na avaliação de políticas educacionais no Brasil, sobretudo
concepções de Bárbara Freitag.
O PROUNI
Como exposto, em 2004, o governo federal criou o Programa
Universidade Para Todos, cujo objetivo primordial é democratizar o acesso ao
ensino superior, via concessão de bolsas de estudos em universidades
privadas.
A implementação do ProUni, somada à criação de 10
universidades federais e 49 novos campi, ampliará
significativamente o número de vagas na educação superior,
interiorizará a educação pública e gratuita e combaterá as
desigualdades regionais, segundo o governo federal.
(LAMBERTUCCI, 2007, p.44).
Portanto, o ProUni surge juntamente com outras políticas do governo
federal que, também, visam democratizar o acesso ao Ensino Superior.
Detendo-nos no ProUni, trata-se de uma política educacional por meio da qual
o governo federal em parceria com instituições privadas de ensino superior
(com ou sem fins lucrativos) concede bolsas de estudo integrais e/ou parciais
(50% ou 25%) a alunos de cursos de graduação ou cursos sequênciais de
formação específica. De modo mais detalhado, segundo a lei,
[...] a instituição privada de Ensino Superior, com fins lucrativos
ou sem fins lucrativos não beneficentes, poderão:
I - Aderir ao PROUNI mediante assinatura de termo de adesão,
cumprindo-lhe oferecer, no mínimo, 1 bolsa integral para cada
9 estudantes regularmente pagantes e devidamente
matriculados ao final do correspondente período letivo anterior,
conforme regulamento a ser estabelecido pelo Ministério da
Educação, excluído o número correspondente a bolsas
integrais concedidas pelo PROUNI ou pela própria instituição,
em cursos efetivamente nela instalados;
II - Alternativamente, em substituição ao requisito previsto no
inciso I deste parágrafo, oferecer 1 bolsa integral para cada 19
estudantes regularmente pagantes e devidamente matriculados
em cursos efetivamente nela instalados, conforme regulamento
a ser estabelecido pelo Ministério da Educação, desde que
ofereça, adicionalmente, quantidade de bolsas parciais de 50%
(cinqüenta por cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento) na
proporção necessária para que a soma dos benefícios
concedidos na forma desta lei atinja o equivalente a 10% (dez
por cento) da receita anual dos períodos letivos que já têm
bolsistas do PROUNI, efetivamente recebida, em cursos de
graduação ou seqüencial de formação específica. (BRASIL,
2005, art. 5º).
Ou seja, em contrapartida as universidades que aderirem a esta política
ficarão isentas de alguns tributos. Os critérios para que os agentes possam
participar do ProUni são os seguintes: 1) ter prestado o Exame Nacional do
Ensino Médio – ENEM – e acertado no mínimo 45% das questões desse
exame; 2) possuir renda familiar de até três salários mínimos por pessoa; 3) ter
cursado o ensino médio em escola pública ou ter cursado o ensino médio
completo em instituição privada na condição de bolsista integral; 4) ter cursado
o ensino médio parcialmente em escola pública e parcialmente em instituição
privada, contanto que, em relação a segunda instituição, prevaleça a condição
de bolsista integral; 5) ser portador de deficiência; 6) ser professor da rede
pública de ensino, no efetivo exercício do trabalho docente da educação básica
e integrar o quadro de pessoal permanente de instituição pública, entretanto
estes últimos podem concorrer somente a bolsas oferecidas em cursos de
licenciatura, especificamente, Normal Superior ou Pedagogia.
Ainda sobre os critérios, esta política educacional possui cotas de
bolsas de estudo a agentes autodeclarados negros e/ou indígenas, outorgadas
conforme a proporção dessas populações em cada estado:
As obrigações a serem cumpridas pela instituição de Ensino
Superior serão previstas no termo de adesão ao PROUNI, no
qual deverão constar as seguintes cláusulas necessárias:
I - Proporção de bolsas de estudo oferecidas por curso, turno e
unidade, respeitados os parâmetros estabelecidos no art. 5º
desta Lei;
II - Percentual de bolsas de estudo destinado à implementação
de políticas afirmativas de acesso ao Ensino Superior de
portadores de deficiência ou de autodeclarados indígenas e
negros.
§ 1o O percentual de que trata o inciso II do caput deste artigo
deverá ser, no mínimo, igual ao percentual de cidadãos
autodeclarados indígenas, pardos ou pretos, na respectiva
unidade da Federação, segundo o último censo da Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (BRASIL,
art. 7º).
Atualmente, o ProUni oferece bolsas de estudo em cerca de 1150
instituições particulares (IES) localizadas nas 27 unidades federativas. O
número de ofertas de bolsas ProUni ampliou significativamente desde sua
implantação em 2005 até 2011. Haja vista que em 2011 o aumento no número
de bolsas aumentou, precisamente, em 142.323 (BRASIL, 2010).
Não há consenso entre os pesquisadores acerca do significado do
ProUni – se traz, ou não, benefícios, de modo geral, para os jovens brasileiros
contemplados pelo mesmo. Por exemplo, segundo Leher; Brasilino e Alves
(2004),
O PROUNI é um mecanismo, uma modalidade de parceria
público-privada, que repassa recursos públicos às instituições
particulares. Essa aprovação do MP se dá num contexto em
que as universidades públicas e as escolas públicas de um
modo geral vivem um momento de muita dificuldade.
Por outro lado, de acordo com Boaventura de Sousa Santos (2005,
p.71), políticas tal qual o ProUni “representam um esforço meritório no sentido
de combater o tradicional elitismo social da universidade pública, em parte
responsável pela perda de legitimidade social desta, sendo, por isso, de
saudar”.
Interessa-nos averiguar, conforme as 17 pesquisas fontes consultadas e
analisadas, se o ProUni viabiliza aos alunos, em sua maioria, conhecimentos
que propiciem uma formação voltada à construção da ‘defesa da esfera pública
enquanto espaço de todos os cidadãos’, como orienta Habermas.
Pois, partimos do pressuposto segundo o qual, para além dos conteúdos
técnico-científicos, também é ofício da educação escolarizada, independente
do nível de ensino, formar o cidadão autônomo – consciente de seus direitos e
deveres, capaz de saber reivindicar o primeiro, bem como respeitar o segundo.
Assim sendo, em geral, alunos formados por IES que aderiram ao ProUni
sabem defender a esfera pública? Ou seja, alunos que estudam em instituições
privadas, precisamente a maioria dos beneficiados pelo ProUni, defendem a
esfera pública enquanto espaço de todo cidadão? Vejamos, agora, o que as
pesquisas revelam a este respeito.
PERSPECTIVAS DE ALUNOS CONTEMPLADOS PELO PROUNI
O filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas (2003b; 2003c) enfatiza
a esfera pública enquanto um “fenômeno social elementar”, bem como a
necessidade urgente dos cidadãos deliberarem a respeito de seus problemas,
leia-se de suas demandas sociais, à exigência da opinião pública direcionar o
poder administrativo, tendo em vista o atendimento de determinadas demandas
sociais. Nesse sentido, para ele, a democracia ao permitir o contraste de
opiniões proporciona a contestação e a identificação das necessidades
existentes, por conseguinte, a indicação de possíveis soluções para
determinados problemas sociais.
Aumentar o número de estudantes brasileiros no âmbito do Ensino
Superior é o exemplo de uma demanda social. Dentre as soluções para
superar este problema, o governo de Luis Inácio Lula da Silva institucionalizou
o ProUni, cujas características e objetivos já vislumbramos neste estudo. Cabe
destacar, neste momento, que tal política educacional é avaliada positivamente
pela maioria dos sujeitos de nossas pesquisas fontes.
No que se refere especialmente aos alunos beneficiados, eles
vislumbram a IES como um espaço privilegiado para o aumento de
conhecimentos, valorização pessoal e o caminho que os levará a obter sucesso
profissional e ascensão social. Nesse sentido, 76 % dos alunos bolsistas da
PUC-Rio, sujeitos da pesquisa de Faceira (2009), apontam que a inserção na
universidade ampliou seus conhecimentos, visões críticas, melhorou aspectos
da comunicação verbal e escrita.
A maioria dos bolsistas sujeitos das pesquisas de Sebim (2008),
Santana (2009), Estácia (2009), Almeida (2009), Costa (2008), Rizzo (2010) e
Krames (2010) afirmaram que, exceto pelo ProUni, jamais ingressariam no
ensino superior. Para professores e gestores-sujeitos da maioria das fontes,
tais como os que compuseram a amostra de Sebim (2008), o ProUni também é
uma excelente oportunidade de democratização de acesso ao ensino superior.
Faceira (2009) e Rizzo (2010), por exemplo, anunciam que por meio da
universidade a maioria dos bolsistas aumentaram a frequência em espaços
culturais. Rizzo (2010) mostra-nos que, antes de entrarem na faculdade, 2%
dos alunos frequentavam uma biblioteca, após ingressar no curso superior este
número aumentou para aproximadamente 25%. Aumentaram, assim, a
frequência a museus, teatros, cinema e a leitura de jornais e revistas.
Porém, Habermas advoga a necessidade da defesa e concretização
dos ‘direitos de comunicação’ e ‘direitos de participação política’ de todos os
cidadãos, tendo em vista:
[...] na medida em que os direitos de comunicação e de
participação política são constitutivos para um processo de
legislação eficiente do ponto de vista da legitimação, esses
direitos subjetivos não podem ser tidos como os de sujeitos
jurídicos privados e isolados: eles têm que ser apreendidos no
enfoque de participantes orientados pelo entendimento, que se
encontram numa prática intersubjetiva de entendimento.
(HABERMAS, 2003a, v.I, p.53).
Nesse sentido, o frankfurtiano propõe um modelo de Estado,
fundamentado na política deliberativa. Neste os agentes serão autônomos à
medida que puderem compreender que também são autores do direito, das leis
ao qual/às quais estão ‘submetidos’. Em outros termos, de acordo com as
concepções habermasianas, é possível que os agentes sociais articulem
mudanças no rumo da política. Logo, ele vislumbra um papel ativo dos sujeitos
no âmbito das sociedades democráticas.
Todavia, os sujeitos das pesquisas fontes, enfrentam problemas de
diferentes ordens após ingressarem no ensino superior via ProUni, mas
podemos inferir que não tem consciência do seu papel como sujeitos históricos
ativos. Asseveramos tal concepção por meio dos problemas e soluções
elencadas por tais sujeitos.
Silva (2007), Lambertucci (2007), Costa (2008), Alves (2008), Faceira
(2009), Almeida (2009), Estácia (2009), Krames (2010), Filho (2010) alertam
que o principal desafio enfrentado cotidianamente pela maioria dos alunos
bolsistas do ProUni diz respeito à limitações de ordem econômica. De acordo
com tais pesquisas, a maioria dos bolsistas não tem condições econômicas
para suprir necessidades materiais – despesas com transportes, alimentação,
material escolar, etc. Segundo Almeida (2009), tais dificuldades tem até mesmo
levado à evasão de bolsistas.
Estes dados nos levam a inferir que os alunos beneficiários do ProUni,
embora aprovem tal política, não estão completamente satisfeitos com a
mesma, uma vez que esta não garante a conclusão do ensino superior.
Há a Bolsa Permanência, entretanto esse benefício é concedido apenas
a estudantes com bolsa integral em utilização, matriculados em cursos
presenciais com no mínimo 6 semestres de duração e cuja carga horária média
seja superior ou igual a 6 horas diárias de aula, conforme dados cadastrados
pela IES no Sistema Integrado de Informações da Educação Superior –
SiedSup, mantido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira – INEP (BRASIL, 2008).
Por conseguinte, conforme Sebim (2008) e Faceira (2009), muitos
bolsistas trabalham e conciliar o tempo entre o trabalho e o estudo torna-se um
outro desafio enfrentado pelo bolsista Prouni. Os alunos que trabalham,
segundo Rizzo (2010) e Pinto (2010) acabam sendo prejudicados por não
poderem
participar
de
atividades
oferecidas
pelas
IES
em
horários
diversificados, bem como, em geral, chegam às aulas cansados e com pouca
motivação para aprender. O autor advoga que aproximadamente 72% dos
bolsistas não participam de atividades extracurriculares – monitoria, centro
acadêmico, grupo de estudo, eventos acadêmicos, etc. Trata-se, nesse caso,
de alunos do curso de Pedagogia de IES situada em São Caetano do Sul-SP.
Nesse sentido, os alunos-sujeitos de Almeida (2009) também não tem
condições objetivas suficientes para estudar, uma vez que exercem uma
extensa jornada de trabalho cotidianamente.
Ainda no tocante às bolsas, beneficiários participantes do estudo de
Santana (2009) fazem críticas às bolsas parciais, que obrigam estudantes a
pagarem 50% ou 25% da mensalidade. Para eles, tal bolsa pouco contribui
para incorporar estudantes das classes desfavorecidas ao ensino superior.
Lambertucci (2007), Alves (2008), Faceira (2009), Feldman (2010), Pinto
(2010) trazem outro elemento comum apresentado pelos sujeitos das fontes:
lacunas da formação básica. Bolsistas de Costa (2008) apresentam defasagem
de conteúdos do ensino médio público. Uma professora-sujeito de Pinto (2010)
menciona que muitos de seus alunos desconhecem os grandes escritores
brasileiros, tais como Jorge Amado. Essas lacunas, segundo os autores das
pesquisas fontes, tem sido supridas por um grande esforço pessoal por parte
dos alunos bolsistas. Em decorrência, Almeida (2009) e Estácia (2009) – esta
última autora se refere especificamente a alunos do curso de Filosofia –
sublinham a questão da dificuldade enfrentada por bolsistas em compreender a
linguagem dos docentes, a relação entre teoria e prática e as avaliações.
Outro problema/desafio diz respeito à discriminação sofrida por alunos
bolsistas do ProUni, inclusive por parte da universidade na qual estudam.
Lambertucci (2007) sublinha que estudantes perdem o semestre por falta de
informações do corpo administrativo. Costa (2008) também verificou ausência
de informação e diálogo entre a instituição investigada por ela e os alunos,
sobretudo em relação aos direitos dos bolsistas e aos critérios que podem leválos a perderem a bolsa.
Além disso, bolsistas do ProUni sofreram discriminações também por
parte de alguns colegas, pois eram chamados de ‘filhos do Lula’. Por isso,
muitos omitiam a condição de bolsistas ou deixavam de questionar seus
professores sobre as dúvidas acerca dos conteúdos. Almeida (2009) também
menciona que os alunos enfrentam dificuldades no relacionamento com os
colegas, professores e funcionários da IES, mas, para os sujeitos dessa
pesquisa tal questão é de ordem menor. Oliveria (2009) traz o relato de um
professor que presenciou um aluno bolsista portador de necessidades
especiais sofrendo hostilidade por parte de 2 alunos. Pois, estes 2 agressores
consideravam injusto o fato deles terem de pagar as mensalidades e o bolsista
estar isento de tal encargo por ser portador de necessidades especiais.
Outro desafio é que muitos estudantes bolsistas não realizam o curso
que gostariam de cursar. Estudantes dos cursos de Filosofia e Geografia do
estudo de Estácia (2009), da amostra de Faceira (2009), bolsistas da pesquisa
de Sebim (2008) e todos os alunos bolsistas entrevistados por Feldman (2010)
relataram como um grande problema do ProUni o fato de eles não terem
conseguido ingressar no curso que escolheram como primeira opção. Tais
pesquisas mostram que esses sujeitos tiveram de encontrar compatibilidade
entre a nota que obtiveram no Enem e os cursos oferecidos pelo ProUni. Tratase de um critério de escolha que não agrada a muitos jovens. Entretanto,
àquele momento era a única possibilidade objetiva de ingressarem no ensino
superior. Dessa forma, torna-se objetivamente necessário que o aluno se
adeque ao curso oferecido. Neste caso, um sujeito de Feldman (2010, p.107)
evidencia que a nota de corte foi a referência e o limite para a ‘escolha’ do
curso. Primeiramente, esse sujeito selecionou Teatro. A segunda opção foi
Educação Artística. E na terceira, quarta e quinta opções estavam o curso de
Pedagogia. No momento da pesquisa de Feldman ela cursava Pedagogia. Por
isso, segundo a autora:
Para os alunos, a educação superior é imprescindível para
conquistar
empregos
mais
valorizados
social
e
economicamente. No caso do aluno contemplado com uma
bolsa do Prouni, verifica-se que a meritocracia como reflexo na
consciência mediada pela possibilidade (alternativa) é
sintetizada como: melhorar sua condição por meio da conquista
de bons empregos. (FELDMAN, 2010, p.116, 119).
O foco intensamente explicitado pela grande maioria das fontes foi que
somente a obtenção da vaga em uma IES não resolve o problema estrutural da
educação superior.
Neste caso, vejamos as soluções apresentadas pelos mesmos. Rizzo
(2010, p.78), alerta-nos que bolsistas de algumas IES situadas em diferentes
regiões do país contam com ajuda de prefeituras, associações, etc. para arcar
com despesas com transportes. Contudo, o autor indaga: até quando esse
auxílio será mantido? Nesse sentido, segundo sujeitos da pesquisa de
Lambertucci (2007) o problema de natureza econômica poderia ser resolvido
com a criação de estágio remunerado no âmbito das próprias universidades.
Mais da metade dos bolsistas das pesquisas de Costa (2008) e Santana
(2009) tem outra sugestão, qual seja a ampliação do número de Bolsa
Permanência resolveria os problemas das despesas pessoais dos bolsistas.
Para 19% da amostra de Almeida (2009) é necessário haver bolsa-auxílio para
pagar os demais gastos que possuem para cursar a faculdade.
Fica evidente [...] a necessidade de programas e ações, que
tenham como objetivo a garantia da permanência dos alunos
bolsistas no ensino superior, principalmente, no que se refere
ao desenvolvimento de ações de apoio sócio-econômicos.
(FACEIRA, 2009, p. 205).
Segundo Krames (2010 p.103), “o governo federal vem elaborando
ações conjuntas de incentivo à permanência dos estudantes, como, por
exemplo, a bolsa-permanência, o convênio de estágio MEC/CAIXA e o FIES.
Essas ações, contudo, ainda não são suficientes.”
Ampliar o número de Bolsa Permanência e/ou Bolsa auxílio são
medidas que, segundo a maioria dos alunos beneficiários, resolveriam o
problema. Portanto, aqui, não vislumbramos na concepção destes sujeitos das
pesquisas fontes a defesa da esfera pública.
Enfatizamos que os demais sujeitos de Almeida (2009) elencaram
também as seguintes proposições: ter mais vagas nas IES (bolsistas
entrevistados por Maia (2009) Feldman (2010) e Filho (2010) também solicitam
mais bolsas para todos os cursos); aumentar/melhorar informações sobre o
ProUni para os alunos do ensino médio; levar em conta no processo de
seleção as notas do ensino médio; ter mais vagas nos cursos de saúde; ter
mais vagas nos cursos mais caros; dar oportunidade de continuar os estudos
nas pós; dar bolsa integral para alunos que não estão conseguindo pagar a
faculdade; fiscalizar e tirar a bolsa de quem pode pagar (estas duas últimas
proposições também aparecem nos relatos dos sujeitos de Krames (2010,
p.75); melhorar o processo de seleção; melhorar a imagem do ProUni para que
os empresários não sejam preconceituosos com os bolsistas.
Levando em conta a defasagem educacional de alguns bolsistas,
pesquisas como as de Silva (2007), Lambertucci (2007), Faceira (2009),
Oliveira (2009), Pinto (2010), Krames (2010) e Filho (2010) mostram que o
incentivo, a colaboração dos professores no enfrentamento das dificuldades
acadêmicas, a relação pessoal de proximidade, constituem um valioso
elemento para que os alunos superem as lacunas legadas do ensino básico e
permaneçam nas IES.
Nesse sentido, a forma como professores e gestores se organizam ao
produzir diferentes experiências para subsidiar a aprendizagem dos alunos –
tais como a promoção de encontros, oficinas, atividades de monitoria, tutoria –
podem trazer bons resultados, segundos alunos beneficiários. Isto, segundo os
autores, depende das concepções pedagógicas e intencionalidades políticas de
tais agentes. Interessa-nos que nossas fontes, em geral, apontam a relevância
da postura, sensibilidade dos professores e gestores enquanto mediadores da
relação entre os estudantes defasados e os saberes acadêmicos.
No que tange às proposições, vale reiterar que não há consenso entre
os sujeitos das distintas pesquisas-fontes. Contudo, por mais divergentes que
possam ser (por exemplo: criar estágio ou conceder Bolsa Permanência)
prevalecem soluções que aumentem o número de bolsas de distintas naturezas
nas IES.
Alguns alunos-sujeitos de Costa (2008), Almeida (2009), Santana (2009)
e Sena (2011) defendem que o governo deveria melhorar a qualidade das
escolas públicas, desde o Ensino Básico até o Ensino Médio, pois, dessa
forma, alunos das classes trabalhadoras poderiam conseguir uma vaga na
universidade pública. Mas estes constituem minoria.
Todavia, para Habermas, fazer parte de uma sociedade participativa
deliberativa requer conscientização. Conscientização a reivindicar, à criação de
canais de manifestações, à mobilização social. Dimensões que para este autor
Habermas significam necessidades do Estado Democrático de Direito. Não
vislumbramos esta concepção na maioria das pesquisas fontes.
Portanto, os resultados da pesquisa apontam que os alunos do ProUni
que demonstram preocupações em fortalecer a democracia e, no limite,
transformar a sociedade – no sentido de, sobretudo, fortalecer, valorizar a
Educação Básica pública de modo que ingressem em universidades públicas –
representam minoria. Logo, o Programa em questão, até o momento, dentro da
expectativa que apresentamos, ao vislumbrar as políticas públicas em termos
habermasianos, não parece se constituir um caminho eficaz para a desejada
transformação política e social em sentido amplo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em termos conclusivos foi possível observar que consultamos um
número expressivo de pesquisas, 17, cujo objeto de estudo é integralmente a
política do ProUni, defendidas no período entre 2007 - 2010. Levando em conta
o período e a quantidade de trabalhos nele realizados torna-se evidente o
interesse desta política no campo educacional brasileiro.
Diante dos dados extraídos de nossas fontes constatamos grandes
desafios com os quais alunos bolsistas do ProUni tem de lidar cotidianamente.
Vimos que os principais desafios enfrentados por eles são de natureza
econômica e lacunas de aprendizagens legadas do Ensino Básico. Porém, as
proposições levantadas para superá-las, em geral, não se referem à ampliação
de vagas nas universidades públicas, tampouco a melhoria da qualidade da
Educação Básica oferecida às camadas populares. Ou seja, as resoluções,
para eles, devem ser realizadas no contexto da própria instituição privada em
parceria com o governo federal.
Assim, com este trabalho buscamos contribuir para a compreensão da
formação que alunos bolsistas do ProUni vem recebendo, tendo em vista a
conscientização para a melhoria da Educação pública de modo geral. Visamos
desse modo, contribuir para a discussão do processo de democratização da
educação pública brasileira.
Pelo exposto constatamos que, apesar dos desafios, a maioria dos
sujeitos de nossas pesquisas-fontes, oriundos de IES localizadas em diferentes
regiões brasileiras, avaliam positivamente a implementação do ProUni. Para
eles o ProUni constitui efetivamente uma política de avanços rumo à
democratização do ensino superior.
Nesse sentido, as pesquisas fontes nos levam a inferir que o conceito de
democratização para os beneficiários do ProUni significa, sobretudo, adquirir
elementos necessários à ascensão social, ao invés de, na perspectiva
habermasiana, valorizar a esfera pública e adquirir consciência crítica para a
transformação da sociedade.
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ANEXOS
Fonte: Brasil/MEC (2011).
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