Of. nº 025/04-GP/JCZ Erechim, 12 de agosto de 2004. Excelentíssimo Senhor Ministro: Ao cumprimentá-lo cordialmente, vimos pelo presente, em nome do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas – COMUNG, encaminhar um estudo dos pontos relevantes do projeto da Reforma Universitária, no intuito de contribuir com o estudo que vem sendo feito pelo Ministério da Educação. Sendo o que tínhamos para o momento, renovamos nossa estima e crença no reconhecimento do Sistema Comunitário Gaúcho. Atenciosamente Mara Regina Rösler Presidente do COMUNG Exmo. Sr. Tarso Genro DD. Ministro de Estado da Educação BRASÍLIA - DF REFORMA UNIVERSITÁRIA: O MODELO COMUNITÁRIO E A DEMOCRATIZAÇÃO DA UNIVERSIDADE A educação de nível superior no Brasil insere-se no quadro histórico de inexistência de democracia social, de desigualdades sociais agudas e de privação da maioria da população dos bens básicos da sociedade. Até hoje, a universidade é um espaço limitado a um pequeno contingente dos cidadãos, aspecto que entrava o desenvolvimento do país. Por isso, a reforma da universidade brasileira deve ter como objetivo maior o desenvolvimento do país e a superação das desigualdades sociais e regionais, proporcionando o acesso crescente da população a uma educação de qualidade. Esse objetivo exige um amplo debate democrático, envolvendo os diversos segmentos da comunidade universitária e a sociedade civil. 1 A questão do modelo de universidade no Brasil Um dos itens fundamentais a serem discutidos na reforma universitária é o do modelo de universidade. Embora a Constituição reconheça três modelos de ensino – público, privado e comunitário – a grande maioria dos debates se dá em torno da dicotomia público x privado. É preciso evitar essa armadilha e reconhecer a importância do modelo comunitário de universidade – ou modelo público não-estatal – que se expressa bem na experiência das universidades gaúchas e catarinenses. Essas universidades são regionais, profundamente articuladas com a região, promotoras de desenvolvimento econômico, político e social. Mas, mais do que isso, são instituições que primam por uma educação de qualidade, tanto no ensino quanto na pesquisa e extensão. O modelo comunitário é claramente distinto do modelo privado de ensino superior. Nos aspectos essenciais, suas características são as da esfera pública: as universidades comunitárias não têm dono, portanto, não visam o lucro do(s) proprietário(s), têm democracia interna e controle público, através da participação da sociedade nas mantenedoras. É, portanto um modelo público, embora não vinculados diretamente ao Estado. Diferentemente das estatais, financiadas pelo governo, as comunitárias são financiadas pelas mensalidades dos alunos e por escassos programas de financiamento de órgãos estatais. No Rio Grande do Sul, as instituições comunitárias estão organizadas no Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas – COMUNG. Abrangem mais de 40 campi universitários e possuem atualmente em torno de 120 mil alunos matriculados na graduação e na pós-graduação. Em Santa Catarina, as instituições se organizaram e congregam a Associação Catarinense de Fundações Educacionais – ACAFE. Atualmente, possuem em torno de 140 mil alunos, distribuídos em cursos de graduação e de pós-graduação. A presença das universidades comunitárias nos estados do Sul tem um significado social muito forte, permitindo um maior número de estudantes universitários e contribuindo para o desenvolvimento humano e social. Como mostram as estatísticas do INEP, enquanto no Brasil 9% dos jovens de 18 a 24 anos estão no ensino superior, nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina esse índice sobe para 12,8% e 14,2%, respectivamente, sendo os estados com índice mais alto no país. Estudos do IBGE apontam também o elevado índice de desenvolvimento humano nos dois estados, superior ao conjunto do país. Vale citar ainda que uma das metas previstas pelo PNE – Plano Nacional de Educação, é de ter matriculada, até o ano de 2010, 30% da população com idade entre 18 e 24 anos no ensino superior. Os estados do Sul são, atualmente, os que encontram-se mais perto de alcançar esse índice. 1.2 Democratização pela via das universidades públicas não-estatais Se o objetivo é democratizar o acesso ao ensino superior, com aumento das vagas, é inevitável discutir os custos da universidade. As evidências indicam que os governos – federal e estaduais – não têm condições de aumentar significativamente os gastos com a educação superior, pelo menos não o suficiente para dobrar o número de estudantes, o que seria um patamar mais razoável em comparação com outros países da América Latina. Ora, sem aumentar substancialmente os gastos dos governos, não é possível pensar em dobrar o número de estudantes através das universidades publicas estatais. É preciso avaliar outros caminhos. Boa parte das universidades federais está em processo de sucateamento ao longo das últimas décadas. Os recursos destinados pelo governo federal são escassos para as necessidades deste modelo e muitas delas apresentam baixa qualidade. O modelo estatal, portanto, tem se revelado muito dispendioso para os recursos que os governos têm disponibilizado. Há ainda outro problema: a constatação de que o ensino gratuito é usufruído em grande parte por jovens da classe média e exclui os jovens oriundos de famílias de baixa renda recoloca insistentemente a questão da justiça social no acesso ao ensino superior. Na medida em que o modelo público estatal mostra-se dispendioso para os recursos governamentais investidos e o governo sinaliza a dificuldade de ampliar esses recursos, a democratização do acesso dos jovens ao ensino superior exige a consideração de outras alternativas e modelos de universidade compatíveis com a democracia. O modelo público não-estatal deve ser analisado como uma dessas alternativas. Do ponto de vista do custo/aluno, as universidades comunitárias tem um custo bem menor que as universidades estatais. Tomando por base a experiência gaúcha, a comparação entre orçamentos e número de alunos, com atividades similares em ensino-pesquisa-extensão, o custo de um aluno em universidade estatal é 4 a 5 vezes maior do que o de uma universidade comunitária. Num exame apurado, o caráter público e democrático do ensino superior deve contemplar o modelo estatal e o modelo não-estatal de universidade. Além do ensino gratuito das instituições federais/estaduais, são legítimos outros mecanismos, como o crédito educativo, as bolsas e o financiamento a projetos de pesquisa e extensão em instituições democráticas, de qualidade e comprometidas com a sua região. 1.3 Comunitárias e de qualidade As universidades comunitárias não devem ser reconhecidas e valorizadas apenas porque são democráticas e reinvestem seus ganhos na educação. Delas se exige hoje o equivalente a qualquer outra instituição, em termos de qualidade dos cursos de graduação e pós-graduação. E assim deve continuar sendo: comunitário não impede a qualidade, pelo contrário, estimula a qualificação do ensino, da pesquisa e da extensão. Do ponto de vista da pesquisa, as comunitárias estão em patamar semelhante – e em muitas áreas, superior – ao de boa parte das universidades públicas de porte médio do país. Em condições semelhantes de investimento, a pesquisa nas universidades públicas não-estatais será avaliada como produtiva, igualando-se às estatais. Na extensão, as instituições comunitárias estão entre as melhores do país, com profunda inserção nas comunidades locais e forte participação nas iniciativas voltadas ao desenvolvimento. São incontáveis os programas e as formas de inserção social. Em síntese, o modelo de universidade compatível com a democratização da educação universitária no Brasil é aquele que associa a contribuição para o desenvolvimento do país com mecanismos de justiça social, de transparência administrativa, de eficiência, de eficácia e de democracia. O COMUNG reivindica que as Instituições Comunitárias de Ensino Superior sejam oficialmente reconhecidas pelos órgãos governamentais como públicas não-estatais. Assim sendo, requer que essas Instituições tenham acesso a uma parcela dos recursos da União destinados anualmente ao ensino- 18% da receita resultante de impostos, conforme art. 212 da Constituição Federal. Em contrapartida, concorda que essas instituições sejam sujeitas às mesmas exigências relativas à qualidade, bem como aos mecanismos de inclusão social e ao compromisso com o aumento da oferta de vagas no que se referir a esses recursos. 1.4 Um sistema universitário plural O país precisa de um verdadeiro sistema universitário, que integre os vários modelos de universidades e as faculdades. Partindo do pressuposto de que qualquer universidade precisa desenvolver ensino, pesquisa e extensão, cabe definir as responsabilidades de cada modelo e as formas de apoio do poder público. Sugerimos a seguinte estruturação do sistema universitário: 1.Universidades públicas estatais – mantidas pelo governo federal e governos estaduais, continuam representando a alternativa do ensino gratuito. A garantia da qualidade do seu ensino é fundamental para o desenvolvimento nacional. A criação de cotas é importante para assegurar o acesso a jovens de baixa renda e pertencentes a etnias com baixa presença hoje na população estudantil universitária (negros e indígenas). 2.Universidades públicas não-estatais (comunitárias) – caracterizadas pelo caráter regional e boa qualidade no ensino, pesquisa e extensão, receberiam apoio governamental através de crédito educativo, bolsas e financiamento de projetos de interesse científico e social. Para serem consideradas públicas não-estatais, devem cumprir exigências da democracia (com eleições em todos os níveis) e transparência administrativa, não tendo donos e não possuindo fins lucrativos. 3.Universidades privadas – com boa qualidade em ensino, pesquisa e extensão, receberiam apoio governamental de acordo com as responsabilidades sociais assumidas. 4.Faculdades – voltadas ao ensino, teriam de atender rigorosas exigências de qualidade para oferecerem cursos de ensino superior. Os Centros Universitários deixam de existir, sendo os atuais alçados ao nível de universidade ou voltando ao de faculdade. 2 Programa Universidade para Todos 2.1 Cotas nas bolsas para negros e indígenas A proposição do MEC de que as universidades sem fins lucrativos reservem um percentual de bolsas a negros e indígenas proporcional ao percentual dessa população no estado, para acesso de autodeclarados negros e indígenas, é condizente com os ideais de inclusão social que animam a universidade comunitária. O COMUNG apóia a proposição das cotas nas bolsas para negros e indígenas. 3 Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, que passa a vigorar neste ano de 2004, introduz mudanças significativas nos processos avaliativos até então praticados pelo Ministério da Educação. Propõe uma política nacional de avaliação que integra diversos instrumentos, valoriza o regime de colaboração entre as instituições de ensino superior e combina aspectos relativos à identidade e às diversidades institucionais. A avaliação institucional passa a ser o foco do novo Sistema que combina dados da auto-avaliação e da avaliação externa, articulando instrumentos em função de uma concepção global. Nesse sentido apresentamos as considerações abaixo. A avaliação interna constituiu-se historicamente no Brasil como um instrumento de afirmação da autonomia das instituições. Nesse sentido, a gênese de respeito à identidade institucional que fundamenta o SINAES deve multiplicar-se em todos os seus desdobramentos. O Sistema não deve, portanto, apresentar-se como um regulador dos processos avaliativos internos das instituições, mas como fundamentador de elementos de sustentação para a regulação do sistema de educação superior do país. É importante destacar que seja respeitada a autonomia das instituições na consolidação de seus programas internos de avaliação e que estas não submetam seus indicadores internos apenas aos indicadores externos. A nova proposta de avaliação apresentada pelo Ministério da Educação sugere o respeito à pluralidade das instituições de Ensino como outro fator fundamental. Nesse sentido, espera-se que a conduta adotada, tanto nos procedimentos para a avaliação interna quanto para a avaliação externa, seja no sentido de reforçar essa prerrogativa. Deve, portanto, haver um entendimento comum entre os órgãos reguladores e o sistema educacional sobre as concepções que regem o funcionamento das diferentes categorias de instituições de ensino (públicas, privadas, comunitárias, confessionais, entre outras) existentes no país. Assim como a UNE e outras categorias têm defendido, a avaliação institucional não deve ser tida como um instrumento para o ranqueamento de resultados entre as instituições. Mas, deve reforçar o compromisso da educação superior com a responsabilidade social e com a formação ampla dos sujeitos. Como já citado por alguns membros da CONAES (Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior) a avaliação institucional deve guiar-se por dois parâmetros: ser qualitativa e subjetiva; e quantitativa e objetiva. Pela sua complexidade, a avaliação deve considerar, portanto, a previsão de diferentes instrumentos, diferentes momentos e diferentes agentes que dêem conta de um diagnóstico quali-quantitativo.