PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DEMANDAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS
LINHA DE PESQUISA: CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO
Neiva Cristina de Araujo
INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR COMUNITÁRIAS A (DES)
NECESSIDADE DA CONSTRUÇÃO DO MARCO LEGAL DAS: O EMBASAMENTO
CONSTITUCIONAL E LEGAL DO SETOR PÚBLICO NÃO ESTATAL NO BRASIL
Santa Cruz do Sul, novembro de 2010
2
Neiva Cristina de Araujo
INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR COMUNITÁRIAS A (DES)
NECESSIDADE DA CONSTRUÇÃO DO MARCO LEGAL DAS: O EMBASAMENTO
CONSTITUCIONAL E LEGAL DO SETOR PÚBLICO NÃO ESTATAL NO BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Direito – Mestrado, Área de Concentração em Demandas
Sociais e Políticas Públicas, Linha de Pesquisa:
Constitucionalismo Contemporâneo, Universidade de Santa
Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Pós-Dr. Jorge Renato dos Reis
Santa Cruz do Sul, novembro de 2010
3
folha das assinaturas
4
À luz de minha vida. Minha fonte de força e de
perseverança, Júlia.
5
AGRADECIMENTOS
À válvula de escape do turbilhão de leituras, um alguém tão especial que me levava ao
mundo das princesas e da imaginação, companheira de desenhos, brincadeiras e programações
especiais, minha parceira para a vida toda e que tão bem me faz. Filha, te amo.
Cacius, muito obrigada por tudo. Como diz a música, “estranho seria se eu não me
apaixonasse por você”.
Ao professor, orientador e amigo, Jorge Renato dos Reis, obrigada por colaborar na
realização deste trabalho. Aos professores João Pedro Schmidt e Luiz Egon Richter, grandes
cooperadores deste trabalho; agradeço pela amizade, pelo apoio, pelas inúmeras colaborações
e empréstimos de materiais.
Àqueles que mais do que professores, tornaram-se excelentes amigos e conselheiros,
Clóvis Gorczevski e André Custódio. À amiga Eliana Weber e ao professor João Telmo
Vieira (presente no coração de muitos, ainda que não mais esteja no plano material), um
obrigada pelos incentivos e palavras, sempre pertinentes e tocantes.
Duas pessoas merecem destaque aqui, pois no decorrer do mestrado, mudaram o rumo
de minha vida. À colega e amiga Tânia Reckziegel, que já havia cruzado meu caminho,
desapercebidamente (lá em Canela!), mais do que um agradecimento pelos ensinamentos de
vida, minha eterna gratidão, por razões que você bem sabe quais são. Ao colega e amigo,
Iumar Junior Baldo, que acreditou em mim e fez um convite, para ingressar no mundo da
docência, obrigada pelas palavras e auxílios.
Ao trio de mulheres do Constitucionalismo Contemporâneo. Nara, Rosana e Camila.
Nara, contigo aprendi que a vida vai além daquilo que nossos olhos enxergam; que os amigos
de verdade, permanecem; e, que é preciso ter força para seguir o caminho e, como diz a
música: não preciso nem dizer, tudo isso que eu lhe digo, mas é muito bom saber que você é
minha amiga. Rosana você mostrou que o namoro traz tranquilidade às pessoas. Risos.
Camila, sempre calma, revelou-se uma baita parceira lá em Fortaleza. Meninas, não sei o que
seria de mim sem vocês no último trimestre!
À Unisc, pela bolsa BIPPS que proporcionada no último ano de mestrado e aqui um
agradecimento especial aos funcionários Eloísa Warken, Ana Karin Nunes, Chistian Rohr e
Caroline Della Giustina, a esta pelos ensinamentos no envio de projetos e aos demais pela
colaboração que deram em meus estudos acerca das instituições de ensino superior
comunitárias.
6
Àqueles que, de um ou outro modo colaboraram. À força superior que pode ser
chamada de Deus ou do que preferirem chamar e àqueles que não foram nominalmente
citados, mas que têm lugar especial em meu coração: obrigada.
7
Nesta problemática de conhecimentos da vida, tem
responsabilidade também a categoria dos juristas
empenhados em dissertações impecáveis formalmente,
mas pouco úteis para conhecer a realidade e para
resolver seus complexos problemas.
Pietro Perlingieri
8
RESUMO
As instituições de ensino superior comunitárias regionais, com raízes no Rio Grande do Sul e
em Santa Catarina, têm origem na segunda metade do século passado. Na virada do século,
estas instituições enfrentam algumas crises e hoje buscam um marco regulatório capaz de
atender às suas peculiaridades. Em meados de 2010, as entidades representativas das
instituições de ensino superior comunitárias encaminharam ao Congresso Nacional a proposta
de um Projeto de Lei que dispõe sobre definição, as prerrogativas, as finalidades e a
qualificação das Instituições de Ensino Superior Comunitárias, no sentido do reconhecimento
dessas instituições como públicas não estatais. A partir daí, cabe questionar, qual é o amparo
constitucional e legal no Brasil para a construção do marco legal destas instituições, o qual
pretende o seu reconhecimento como públicas não estatais? Para responder este
questionamento, o trabalho enfrenta diversas questões, a exemplo da ideia dicotômica de
Direito Público e Direito Privado, bastante forte no Estado Liberal, mas que aos poucos vai
perdendo espaço. A concepção do vocábulo comunidade também é analisada, bem como os
instrumentos jurídicos que hoje estão em vigor, mas que não atendem plenamente às
necessidades das instituições de ensino superior comunitárias. A possibilidade da
interpretação constitucional também é enfrentada, contudo, percebe-se que ela não se mostra
suficiente, razão pela qual o marco regulatório próprio se faz necessário para melhor
viabilizar as atividades das Instituições de Ensino Superior Comunitárias. Na mesma linha, é
realizada uma análise constitucional dos vocábulos comunitário e comunidade no texto
constitucional e feitas algumas comparações com a experiência das rádios comunitárias no
Brasil. A temática aqui abordada está conectada à linha de pesquisa do Constitucionalismo
Contemporâneo, pois busca entender o fenômeno constitucional no que se refere à
materialização jurídica das garantias asseguradas a uma sociedade extremamente complexa,
em decorrência da sua pluralidade normativa. O presente trabalho será norteado pelo método
dedutivo, pois tem como ponto de partida a pesquisa bibliográfica, para então, realizar uma
avaliação crítica. A técnica utilizada será a da pesquisa bibliográfica.
Palavras-chave: Dicotomia público versus privado. Instituições de Ensino Superior
Comunitárias. Público não Estatal.
9
ABSTRACT
Institutions of higher education regional community, with roots in Rio Grande do Sul and
Santa Catarina, have their origin in the second half of last century. At the turn of the century,
these institutions face some crises and now seek a regulatory framework capable of
supporting its own peculiarities. In mid 2010, the representative bodies of HEIs Community
forwarded to Congress a proposed Bill which provides for defining the powers, purposes and
qualification of Institutions of Higher Learning Community, towards the recognition of these
institutions as public non-state actors. From there, one must question, what is the legal and
constitutional protection in Brazil to build the legal framework of these institutions, which
aims at being recognized as a public non-state? To answer this question, the work confronts
many issues, such as the dichotomous idea of Public Law and Private Law, very strong in the
Liberal State, but that is slowly losing ground. The design of the word community is also
explored, as well as legal instruments that are now in force but did not fully meet the needs of
institutions of higher education community. The possibility of constitutional interpretation is
also faced, however, realizes that she does not show sufficient reason why the proper
regulatory framework is needed to better facilitate the activities of Institutions of Higher
Learning Community. In the same vein, is an analysis of the constitutional words community
and community in the constitutional text and made some comparisons with the experience of
community radios in Brazil. The issue addressed here is connected to the research line of
Contemporary Constitutionalism therefore seeks to understand the phenomenon constitutional
with regard to the materialisation of the legal guarantees provided to an extremely complex
society, due to their normative plurality. This work will be guided by the deductive method,
because it has as its starting point the literature, then, to make a critical assessment. The
technique used will be the literature search.
Keywords: public versus private dichotomy. Institutions of Higher Learning Community.
State public does not.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................13
1 A (IN) EXISTÊNCIA DA DICOTOMIA ENTRE DIREITO PÚBLICO E DIREITO
PRIVADO................................................................................................................................17
1.1 Do Estado Liberal ao Estado Democrático de Direito: uma análise histórica acerca da
distinção entre o Público e o Privado enquanto dicotomia.......................................................18
1.2 Desvendando as atuais inter-relações existentes entre o Direito Público e o Direito Privado
e compreendendo o papel da interpretação constitucional........................................................28
1.3 As novas inter-relações entre Estado e sociedade civil: da crise à incorporação de um novo
papel..........................................................................................................................................42
2 O COMUNITÁRIO E O PÚBLICO NÃO ESTATAL NA CONSTITUIÇÃO E NA
LEGISLAÇÃO........................................................................................................................54
2.1 Desvendando as diversas possibilidades do comunitário...................................................56
2.1.1 O comunitário na Constituição Federal de 1988..............................................................62
2.1.2 O comunitário na legislação.............................................................................................68
2.2 O público e o público não estatal na Constituição Federal de 1988 e na legislação:
desvendando o Terceiro Setor no Brasil...................................................................................72
2.2.1 Breves notas acerca das Organizações não Governamentais – ONGs, no
Brasil.........................................................................................................................................80
2.2.2 Organizações Sociais - OS...............................................................................................84
2.2.3 Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs...................................90
3
MARCO
LEGAL
DAS
INSTITUIÇÕES
DE
ENSINO
SUPERIOR
COMUNITÁRIAS: PERSPECTIVAS DE MUDANÇAS...................................................95
3.1 Das complexidades do comunitário na legislação brasileira: a experiência
pda
regulamentação
das
rádios
comunitárias...................................................................................96
3.2 O nascedouro das Instituições de Ensino Superior Comunitárias no Brasil.....................104
3.3 O tratamento jurídico hoje dispensado às instituições de ensino superior comunitárias e as
dificuldades decorrentes............................................................ .............................................116
11
3.4 Análise da (des) necessidade de um marco legal às instituições de educação superior
comunitárias: perspectivas de mudanças ...............................................................................129
3.4.1
Uma
proposta
hermenêutica
às
instituições
de
ensino
superior
comunitárias............................................................................................................................130
3.4.2
Análise
do
Projeto
de
Lei
nº.
7.639/2010,
da
Câmara
dos
Deputados................................................................................................................................135
CONCLUSÃO.......................................................................................................................145
REFERÊNCIAS....................................................................................................................149
12
LISTA DE ABREVIATURAS
ABERT – Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão
ABESC - Associação Brasileira das Escolas Superiores Católicas
ABIEE - Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas
ABONG – Associação Brasileira das Organizações não Governamentais
ABRAÇO – Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária
ABRUC – Associação Brasileira das Universidades Comunitárias
ACAFE - Associação Catarinense das Fundações Educacionais
AEC - Associação de Educação Católica
ANDES - Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior
ANEC – Associação Nacional de Educação Católica do Brasil
CGT - Central Geral dos Trabalhadores
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
COMUNG - Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas
CPB - Confederação dos Professores do Brasil,
CUT - Central Única dos Trabalhadores
ENADE - Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
IFETs – Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
LDB - Lei de Diretrizes e Bases
MEC – Ministério da Educação
OCBs – Organizações de Base Comunitária
ONGs – Organizações não Governamentais
OS – Organizações Sociais
OSCIPS - Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
PL – Projeto de Lei
PNE – Plano Nacional da Educação
SESC – Serviço Social do Comércio
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SESI – Serviço Social da Indústria
UNE - União Nacional de Estudantes
13
INTRODUÇÃO
O Estado, ao longo dos tempos, tem alternado seu papel. Algumas vezes atua de modo
liberal, outras vezes desempenha uma função mais social. Todavia, em pleno século XXI,
questiona-se sobre o novo papel adotado pela sociedade civil perante o Estado, vez que a
sociedade abandona a conduta passiva e assume uma postura mais ativa. Assim, a postura
adotada pela sociedade merece não apenas ser questionada, mas avaliada perante o contexto
das alterações, evoluções e retrocessos do Estado, até mesmo porque o papel desempenhado
pela sociedade civil também tem sofrido alterações.
A relevância do presente estudo está diretamente relacionada ao marco regulatório às
instituições de ensino superior comunitárias, a ser definido pelo sistema jurídico brasileiro
infra-constitucional fundamentado nas disposições constitucionais acerca do tema. Com o
fortalecimento do público não estatal, nasce um novo paradigma, vez que esta figura ganha
destaque, concretizando-se no ordenamento jurídico através da lei que regulamenta as OS –
Organizações Sociais, (Lei nº. 9.637/1998) e a lei que trata das OSCIPs, Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público (Lei nº. 9.760/1999), mas que notadamente no âmbito
das instituições de ensino superior comunitárias carece de um marco regulatório próprio.
Atualmente,
as
instituições
de
ensino
superior
comunitárias
buscam
uma
regulamentação jurídica a fim de estruturar suas atividades e viabilizar as atividades de
ensino, pesquisa, bem como aquelas voltadas à comunidade. Assim, a temática das
instituições de ensino superior comunitárias possui importância no campo do Direito, eis que
se trata de um fenômeno contemporâneo, que traz ao debate a discussão acerca da intersecção
entre Direito Público e Direito Privado; quebrando a lógica dicotômica, até pouco tão presente
em razão de uma cultura extremamente codicista, que por muito tempo se fez presente. A
temática ganha relevância eis que associa dois temas que têm ganho força e atenção: o sentido
do termo ‘comunidade’ e a (in) existência da dicotomia existente entre Direito Público e
Direito Privado.
O trabalho em tela tem como tema a análise acerca da (des) necessidade da construção
do marco legal das instituições de ensino superior comunitárias, a partir do embasamento,
constitucional e legal, do setor público não estatal, existente atualmente no Brasil. A ideia de
desenvolver esta temática surgiu tanto em decorrência das mutações que o Direito hoje vem
14
sofrendo, bem como pela pouca discussão que há acerca do papel das instituições de ensino
superior comunitárias. Trata-se de uma questão sempre posta de lado. O tema igualmente
possui relevância, haja vista que além das instituições de ensino superior comunitárias
estarem passando por um momento único que impulsiona a força do movimento por um
marco regulatório, proposto pelas entidades representativas e pela própria sociedade civil,
percebe-se, também uma mutação do Direito no momento atual, classificado como pósmoderno1. Assim premissas antes tidas como certas, acabadas e imutáveis, devem ser
repensadas a partir de uma leitura da Constituição Federal de 1988.
Muito embora o MEC – Ministério da Educação, informe que hoje há cerca de 437
(quatrocentos e trinta e sete) instituições de ensino superior comunitárias espalhadas pelo
Brasil, a verdade é que as instituições originalmente comunitárias estão concentradas na
região sul do País, especificadamente no Rio Grande do Sul e Santa Catarina.2 Este modelo
surge nos anos 50, num momento onde existiam apenas 7 (sete) universidades no País, com o
intuito de levar o acesso ao ensino superior ao interior, adquirindo importância no seio de suas
comunidades.
As instituições de ensino superior comunitárias apresentam uma série de peculiaridades,
destacando-se a gestão democrática e o fato de seus bens não pertencerem a um ou outro
sujeito, mas a uma comunidade. Hoje, estas instituições representam o surgimento de um
novo espaço: o público não estatal, elas são um dos símbolos da inter-relação da esfera
pública e da privada. Contudo, o marco regulatório ao setor público não estatal está adstrito às
Organizações Sociais e às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, categorias
estas que não são capazes de atender as demandas das instituições de ensino superior
comunitárias, fator que as leva em busca de um marco regulatório próprio.
1
Muito embora haja divergência acerca do atual momento histórico, ou seja, se a sociedade vive a Modernidade
ou a pós-Modernidade, compreende-se que assiste razão ao segundo grupo. Pois, como a promessa da
Modernidade não restou concretizada, hoje se fala em crise da Modernidade, assim, estar-se-ia vivendo um
momento pós-Moderno, onde a estética e a aparência levam larga vantagem em relação ao conteúdo. Muito
embora as projeções da pós-Modernidade ainda sejam um tanto controversas em relação ao Direito, o fato é que
este sofre algumas influências, eis que se mostra “refratário à abstração conceitual e à axiomatização” e
“desponta a aversão às construções e valores jurídicos universais”. O paradigma da pós-Modernidade mostra-se
relativo em relação às coisas do mundo, ou seja, não há mais uma certeza universal; as tradições locais são
destacadas e valorizadas. Há o entendimento de que a excessiva regulação normativa se mostra prejudicial à
harmonia social. Neste novo momento, há uma tênue separação entre Estado e sociedade civil. In: SARMENTO,
Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 40-41.
2
Dados do Censo da Educação 2008. Disponível em: <www.inep.gov.br>. Acesso em: 28 nov.2010.
15
Sob o viés da contemporaneidade, a presente pesquisa conecta-se perfeitamente à linha
de pesquisa “Constitucionalismo Contemporâneo”, à medida que busca entender o fenômeno
constitucional no que se refere à materialização jurídica das garantias asseguradas a uma
sociedade extremamente complexa, em decorrência da sua pluralidade normativa.
Necessário desvendar este novo espaço que surge num ponto de conexão entre o Direito
Público e o Direito Privado, que é o público não estatal, que se traduz na questão central do
presente trabalho. Assim, compete analisar as implicações do Projeto de Lei nº. 7.639/2010,
da Câmara dos Deputados, projeto encaminhado pelas entidades representativas das
instituições de ensino superior comunitárias brasileiras ao Congresso Nacional. Este projeto
dispõe acerca da definição, das prerrogativas, das finalidades e da qualificação das
instituições comunitárias de educação superior, no sentido do reconhecimento dessas
instituições como públicas não estatais.
Imprescindível contemplar qual o amparo constitucional e legal no Brasil para a
construção do marco legal das instituições de ensino superior comunitárias, o que pretende o
seu reconhecimento enquanto públicas não estatais? Forçoso, então, perceber se a
Constituição Federal de 1988 e a legislação infraconstitucional contêm ou não princípios
adequados para a construção do marco legal das instituições de ensino superior comunitárias,
no intuito de reconhecê-las/enquadrá-las como públicas não estatais.
Para construir este caminho, será necessário analisar o embasamento constitucional e
legal de um marco legal das instituições de ensino superior comunitárias. Na construção deste
caminho, indispensável a avaliação acerca da dicotomia entre Direito Público e Direito
Privado à luz das transformações sociais e das inovações jurídicas em curso. Necessário,
também, um olhar atento à Constituição Federal de 1988 e à legislação infraconstitucional,
notadamente às leis que regulamentam as Organizações Sociais e as Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público. Imperativa a averiguação do tratamento jurídico
atualmente dispensado às instituições de ensino superior comunitárias e das modificações a
serem trazidas pelo marco legal, caso aprovado.
16
Para realizar a presente pesquisa será eleito o método de abordagem dedutivo3, “que,
partindo das teorias e leis, na maioria das vezes prediz a ocorrência dos fenômenos
particulares (conexão descendente)”. O método de procedimento serão o histórico e o
monográfico. Já a técnica empregada será a da documentação indireta, o que abrange a
pesquisa documental e a pesquisa bibliográfica, através de consultas a livros, revistas,
legislação e demais materiais sobre o tema.4
Assim, no primeiro capítulo, a fim de verificar a (in) existência da dicotomia entre
Direito Público e Direito Privado, será realizada uma análise histórica acerca da dita
dicotomia, exame que tem início no Estado Liberal e que se encerra com a chegada do Estado
Democrático de Direito. Além de abordar as atuais inter-relações entre Direito Público e
Direito Privado, necessário também compreender a importância da interpretação
constitucional, no contexto da pós-modernidade. Imprescindível, também, compreender as
novas intersecções entre Estado e sociedade civil, relações estas que iniciam com a crise do
Estado e culminam com o desempenho de um novo papel da sociedade civil, bem como do
próprio Estado.
O segundo capítulo terá por missão esclarecer algumas notas acerca do comunitário e do
público não estatal na Constituição Federal de 1988 e na legislação infra-constitucional,
estabelecendo as diferenças entre ambos. Em que pense a maleabilidade do termo
comunitário, necessárias algumas análises sobre este vocábulo. A partir de então, são traçadas
algumas ponderações sobre o terceiro setor no Brasil, sendo abordados alguns elementos
sobre as Organizações não Governamentais, sobre as Organizações Sociais e acerca das
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público.
No terceiro e último capítulo é feita uma análise acerca da necessidade de um marco
legal às instituições de ensino superior comunitárias. Assim, a análise perpassa pela
abordagem de importantes componentes do processo histórico destas instituições.
Posteriormente, perpassa pelo exame do tratamento jurídico hoje dispensado às instituições de
3
O método dedutivo é aquele utilizado “explicar o conteúdo das premissas. Por intermédio de uma cadeia de
raciocínio em ordem descendente, de análise do geral para o particular, chega a uma conclusão. Usa o silogismo,
construção lógica para, a partir de duas premissas, retirar uma terceira logicamente decorrente das duas
primeiras, denominada de conclusão”. In: GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São
Paulo: Atlas, 1999, p. 30.
4
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do trabalho científico. 4. ed. revista e
ampliada. São Paulo: Atlas, 1995, p. 106-107.
17
ensino superior comunitárias e das dificuldades daí decorrentes, a partir de então, as
perspectivas de mudanças são analisadas, através de uma proposta hermenêutica e da
possibilidade de um marco regulatório próprio, ideia que ganha força com o Projeto de Lei nº.
7.639/2010, da Câmara dos Deputados. Por fim, são tecidas considerações acerca da
legislação que envolve o comunitário no Brasil, qual seja, a Lei nº. 9.612/1998, que
regulamenta o funcionamento das rádios comunitárias.
18
1 A (IN) EXISTÊNCIA DA DICOTOMIA ENTRE DIREITO PÚBLICO E DIREITO
PRIVADO
As certezas tão presentes no século passado já não mais parecem fazer parte do
cotidiano. A atual onda de globalização não apenas alterou o eixo norteador da vida, mas fez
com que estes eixos quase desaparecessem. Milton Santos5 elabora muito bem esta ideia
quando refere que a humanidade vivenciou na segunda metade do século passado coisas que
não foram possíveis de serem vividas ao longo de toda a história da humanidade.
Em tempos onde se busca conciliar a heterogeneidade e a especificidade de culturas, as
diversidades de mundos dentro de um mesmo mundo; num momento onde as pessoas estão
longe e perto, ao mesmo tempo, graças aos avanços que a tecnologia proporcionou, criando
mecanismos para sua aproximação, paradoxalmente, estas têm se afastado. A atual época é a
época das incertezas e das mudanças e o Direito precisa estar apto a enfrentar esta realidade.
Assim, muitas questões antes inimagináveis dentro do contexto social, passam a ocupar
espaço significativo no campo de preocupação e, consequentemente, a atrair a atenção dos
estudiosos.
A dicotomia existente entre o campo público e o privado tem suas delimitações cada vez
mais tênues. 6 A lógica existente entre mercado e Estado7 também busca encontrar um novo
caminho para o que, Amitai Etzioni8 propõe chamar de terceira via. Dentro desta proposta,
possível inserir as instituições de educação superior comunitárias (e as instituições
5
“Nos últimos cinqüenta anos criaram-se mais coisas do que nos cinqüenta mil precedentes. Nosso mundo é
complexo e confuso ao mesmo tempo, graças à força com a qual a ideologia penetra objetos e ações. Por isso
mesmo, a era da globalização, mais do que qualquer outra antes dela, é exigente de uma interpretação sistêmica
cuidadosa, de modo a permitir que cada coisa, natural ou artificial, seja redefinida em relação com o todo
planetário. Essa totalidade-mundo se manifesta pela unidade das técnicas e das ações”. In: SANTOS, Milton.
Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 9. ed. Rio de Janeiro; São Paulo:
Record, 2002, p. 171.
6
Expressão utilizada por Norberto Bobbio. O autor refere, ainda, que a distinção é mais marcante na teoria do
direito, notamente quando da distinção entre direito privado e direito público. In: BOBBIO, Norberto. Da
Estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. Barueri:
Manole, 2007, p. 137 e seguintes.
7
Cabe destacar que “Estado e mercado podem lutar entre si ocasionalmente, mas a relação normal e comum
entre eles, num sistema capitalista, tem sido de simbiose [...] A cooperação entre Estado e mercado no
capitalismo é a regra; o conflito entre eles, quando acontece, é a exceção. Em geral, as políticas do Estado
capitalista, “ditatorial” ou “democrático”, são construídas e conduzidas no interesse e não contra o interesse dos
mercados; seu efeito principal (e intencional, embora não abertamente declarado é avalizar/permitir/garantir a
segurança e longevidade do domínio do mercado“. In: BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo parasitário – e outros
temas contemporâneos.Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 30-31.
8
ETZIONI, Amitai. La Tercera Vía - hacia una buena sociedad. Tradução de José A. Ruiz San Román. Madrid:
Editorial Trotta, 2001.
19
comunitárias, em geral), onde se busca um ponto de equilíbrio que fuja do binômio Estado
versus mercado. Assim, necessária a análise de diversas questões que circundam as
instituições de educação superior comunitárias, a fim de que se possa construir um caminho
que leve à compreensão da (des) necessidade de um marco regulatório a estas instituições.
Para iniciar este caminho serão abordadas algumas mutações, no que pertine à referida
dicotomia, mutações estas que tem como ponto de partida o Estado Liberal e vão até o Estado
Democrático de Direito.
1.1 Do Estado Liberal ao Estado Democrático de Direito: uma análise histórica acerca
da distinção entre o Público e o Privado enquanto dicotomia.
A atual sociedade encontra-se em um momento, onde é necessário analisar a relação
existente entre o Direito e a pós-Modernidade, relação esta “que se descortina no início do
século XXI”. Hoje, vive-se uma fase onde a imagem está acima do conteúdo, onde o
“efêmero e o volátil parecem derrotar o permanente e o essencial”. Evidente que ante esta
enxurrada de mutações, não fica o constitucionalismo imune, à medida que vivencia “um
momento sem precedentes, de vertiginosa ascensão científica e política”.9
O século XXI surge trazendo como palavras de ordem a complexidade e a relativização,
de relações, de conceituações, de percepções. As certezas parecem ter ficado no século
passado. Hoje, a sociedade depara-se com várias transições dos paradigmas, evidenciando,
assim, um padrão “multifacetado e pluralista”, sofrendo diversas rotulações “(sociedade
globalizada, de risco, pós-moderna, pós-industrial, etc).”10 A globalização traz consigo o
conceito de desprendimento das localidades e a vivência em uma sociedade global, onde “o
crescente hiato entre os espaços vivos/vividos foram deixados para trás é comprovadamente o
mais seminal de todos os afastamentos sociais, culturais e políticos associados à passagem do
estado “sólido” para o estado “líquido” da modernidade”.11
[...] o aumento da complexidade do mundo contemporâneo, o inexorável avanço
tecnológico e dos meios informacionais, apoiado em um processo de globalização
econômica, política e cultural, está construindo uma sociedade transcendental ao
9
BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro. In:
_____ (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio
de Janeiro: Renovar, 2003, p. 02.
10
CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental. Rio
de Janeiro: Forense, 2008, p. 11.
11
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos. Tradução de Carlos Alberto
Medeiros. Rio de Janeiro, Zahar, 2003, p. 121.
20
capitalismo e ao socialismo, uma sociedade pós-moderna, ou seja, um padrão
societário que rompeu com os valores e sistemas característicos ao período da
modernidade, o que é visto por nós como uma posição teórica pouco consistente.12
Em uma sociedade de incertezas e transformações, a exemplo da sociedade em que se
vive (leia-se, na sociedade ocidental), resta evidente que os conceitos não se mostram mais
fechados, prontos e determinados, mas que eles cada vez mais ganham novos contornos. A
verdade é que estes conceitos se materializam de modo cada vez mais aberto, a fim de buscar
atender às rápidas mudanças que assolam a vida moderna. Nesta esteira, no campo do Direito,
questiona-se se ainda há espaço à dicotomia público versus privado, vez que dia após dia uma
esfera parece permear a outra. A fim de compreender esta questão, necessária se faz uma
análise histórica, na tentativa de buscar elementos que conduzam a uma resposta.13
A dicotomia preceituada por Norberto Bobbio é principal. Em outras palavras, ela acaba
por absorver ou anular/dissolver outras dicotomias, o que se dá até mesmo em relação à
dicotomia direito natural-direito positivo, que tende a ser englobada pela distinção entre
direito privado e direito público. Vislumbra-se uma grande dicotomia quando é possível,
[...] a) dividir um universo em duas esferas, conjuntamente exaustivas, no sentido de
que todos os entes daquele universo nelas tenham lugar, sem nenhuma exclusão, e
reciprocamente exclusivas, no sentido de que um entre compreendido na primeira
não pode ser compreendido contemporaneamente na segunda; b) estabelecer uma
divisão que é ao mesmo tempo total, enquanto todos os entes aos quais atualmente e
potencialmente a disciplina se refere devem nela ter lugar, e principal, enquanto
tende a fazer convergir em sua direção outras dicotomias que se tornam, em relação
a ela, secundárias.14
A partir desta premissa, cabe questionar se hoje, ainda há lugar a esta dicotomia? É este
o ponto que dá origem à discussão aqui proposta, que remonta à Revolução Francesa, vista
pelos historiadores como um marco histórico que aponta para a alteração do caminho seguido
pela humanidade, ao menos sob o ponto de vista simbólico.15 A análise aqui proposta tem
12
LOUREIRO, Carlos Frederico B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem
política. Rio de Janeiro; São Paulo: Quartet, 2006, p. 66.
13
A obra de Daniel Sarmento contextualiza com maestria as transformações sofridas pela sociedade e pelo
Estado, através de uma leitura de fácil compreensão, agradável e bastante elucidativa. Prefere o autor adotar a
expressão paradigma, a fim de expressar a ideia de que “as mudanças são muitas vezes graduais, e mesmo nas
raras ocasiões em que ocorrem verdadeiras revoluções científicas, subsistem intactos certos aspectos do
conhecimento acumulados no passado”. In: SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2.
ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 04.
14
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade – para uma teoria geral da política. 4. ed. Tradução de
Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001, p. 14.
15
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 14. ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Campus, 1992, p. 85.
21
origem com a Revolução Francesa, que dá início ao Estado Moderno16, “que se consolida ao
longo do século XIX, sob a forma de Estado de Direito17”18, eis que trouxe e ainda traz
diversos reflexos e contribuições à atual sociedade. Ademais, a “concepção jurídica instaurada
promoveu uma mudança estrutural tanto na ordem política como nas relações sociais. Não só
o sistema político foi transformado, mas toda a arquitetura social foi redesenhada”.19
Com a promessa de igualdade, liberdade e fraternidade, então, ganha força o movimento
que determina a Revolução Francesa e, assim, nasce o Estado Liberal, que traz em seu bojo as
ideias iluministas, as quais influenciaram a “consolidação e juridicização dos direitos do
homem”20, que foram materializadas.Na própria Revolução burguesa na fundação do Estado
norte-americano.21 No liberalismo, há ideia de que a Constituição é aplicada apenas em
relação ao Estado, ao passo que o Código Civil se limita a regular as relações entre
particulares, sob a justificativa da autonomia privada.22 A Revolução Francesa trouxe consigo
a proteção aos direitos individuais, que passa a ser o marco do Estado Liberal, que não apenas
marca o final da Idade Média, mas também o início da Idade Contemporânea (século XVIII e
XIX). Este movimento adveio com o fito de evitar a concentração de poderes e as
arbitrariedades tão presentes no Estado Absolutista23.
16
“O que caracteriza a sociedade moderna, permitindo o aparecimento do Estado moderno é por um lado a
divisão do trabalho, por outro a monopolização da tributação e da violência física. Inicialmente, o rei detinha
esses dois monopólios; de monopólio pessoais, monopólios privados, portanto, se tratava”. In: GRAU, Eros
Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 16.
17
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo – os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 40.
18
“O Estado de Direito surge desde logo como o Estado que, nas suas relações com os indivíduos, se submete a
um regime de direito quando, então, a atividade estatal apenas pode desenvolver-se utilizando um instrumental
regulado e autorizado pela ordem jurídica, assim como, os indivíduos – cidadãos – têm a seu dispor mecanismos
jurídicos aptos a salvaguardar-lhes de uma ação abusiva do Estado”. In: MORAIS, Jose Luiz Bolzan. Do Direito
Social aos Interesses transindividuais – o Estado e o Direito na ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1996, p. 66.
19
PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de Direito Fundamental nas
relações jurídicas entre particulares. In: BARROSO, Luis Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional:
ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 125.
20
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p.
09.
21
No Brasil, muito embora as Constituições de 1824 e de 1891 possuam traços liberais, elas não são chegam a
representar o dito liberalismo puro no país, vez que o liberalismo em seu casticismo não foi por aqui vivido.
22
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p.
09-12.
23
“En los orígenes del absolutismo monárquico la burguesia había sido la aliada de los reys contra el poder de
la nobreza. Sin ayuda de las ciudades no hubiese sido posible la victoria sobre aquélla. Este pacto histórico
constituye uma de las razones del respeto régio. La burguesia había inicia su gran despliege histórico”. In:
ESTERUELAS, Cruz Martínez. La agonia del estado – Um nuevo orden mundial? Madrid: Centro de Estúdios
políticos y constitucionales, 2000, p. 58-59.
22
Peter Häberle24 refere que o ano de 1789, embora represente apenas uma, das
infindáveis, etapas na concretização do Estado Constitucional, possui um significado
constitutivo à história, à atualidade e ao futuro do Estado Constitucional, pois concebe em
termos de dogmática constitucional, uma garantia cultural com determinados conteúdos
irrenunciáveis para o Estado constitucional. Trata-se de um momento determinante, à medida
que consolidou uma série de elementos estruturantes e funções estatais, a exemplo dos
direitos fundamentais de primeira dimensão do indivíduo como direitos inatos, da ideia de
codificação e positivação do Direito com a dialética, da soberania popular e da representação,
da separação de poderes, entre outros.
A Revolução Francesa traçou um novo panorama, a partir do qual, o Direito Privado
passou a ser o centro do sistema jurídico, sendo que com a proclamação da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, a proteção aos direitos individuais passou a ser o
marco do Estado Liberal. O liberalismo restou consagrado e consequentemente o homem
passou a ser visto como sujeito livre e igual para agir, sem intervenção estatal nas relações
privadas.25
O Estado era concebido como uma organização racional voltada para certos
objetivos e valores, organização dotada de estrutura vertical ou hierárquica, ou seja,
construída primordialmente sob relações de supra e subordinação. Tal racionalidade
se expressava, principalmente, através: a) de leis abstratas – sistematizadas em
códigos, na medida do possível -, b) da divisão de poderes como recurso racional
para a garantia da liberdade e para a diversificação e integração do trabalho estatal e
c) de uma organização burocrática da Administração Pública. Seus objetivos e
valores eram a garantia da liberdade, da segurança e da propriedade, da convivência
pacífica e da execução dos serviços públicos, fosse diretamente, fosse em regime de
concessão.26
No Estado Liberal, ainda foram concebidos os direitos fundamentais, no intuito de
limitar a atuação do Estado, na tentativa de assegurar a liberdade dos cidadãos.27 Neste
24
HÄBERLE, Peter. Libertad, igualdad, fraternidad - 1789 como historia, actualidad y futuro del Estado
Constitucional. Madrid: Minima Trotta, 1998.
25
RAMOS, Carmem Lúcia. A constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras. In: FACHIN,
Luiz Edson (Org.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar,
1998, p. 04-05.
26
GARCÍA-PELAYO, Manuel. As transformações do Estado contemporâneo. Tradução de Agassiz Almeida
Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 09-10.
27
“Acerca do Estado Liberal, verifica-se que “o instrumento que melhor pode ordenar os regramentos sobre
competências e atribuições, de uma maneira neutra e racional (sob a ótica liberal), é a lei, que, entretanto, para
poder vincular inclusive o Estado, precisa adquirir uma conformação que ultrapassa o mero âmbito legal
tradicional: a de lei constitucional. [...] A burguesia, na condição de detentora do poder econômico, assume o
poder político, fazendo da lei racional e da igualdade jurídica seus instrumentos de atuação no sentido de
consecução de seus interesses. Enquanto todos são iguais perante a lei, todos possuem igual capacidade para
contratar, o que amplia os limites do mercado, que, regido pelo princípio do laissez faire, laissez passer, lê
monde va lui mene, possibilita o acúmulo de capital e de propriedade daqueles que possuem maior e melhor
23
período, ficou nitidamente delimitado o campo de atuação do Estado e da sociedade civil,
evidenciando, assim, a clara distinção daquilo que é público e daquilo que é privado. Assim,
na dicotomia público/privado, a supremacia incidia sobre o privado, “o que decorria da
afirmação da superioridade do indivíduo sobre o grupo e sobre o Estado”. Consequentemente,
nesta fase, restou negligenciada a relação com os “laços sociais e os vínculos comunitários”.28
Com esta ideia os Códigos, que tinham por finalidade a proteção da burguesia à medida
que protegiam a propriedade e a liberdade contratual e que se afinava com as ideias proferidas
pelo Estado Liberal, ganham notável força e espaço. Assim, “o modelo de codificação
vinculava-se a uma estrita e rígida separação entre o Direito Público e o Privado. O Direito
Público era visto como reino do contigente, enquanto o Direito Privado pautava-se por regras
imutáveis porque derivadas da razão”29.
O Estado Liberal possuía como características a separação entre Estado e sociedade
civil, a qual tinha como mediadora o Direito. Os direitos individuais eram assegurados a fim
de possibilitarem uma intervenção na relação entre Estado e indivíduo. A democracia estava
atrelada à noção de soberania da Nação, fruto da Revolução Francesa. O Estado se
apresentava à sociedade como um Estado Mínimo, sob o argumento de proteger a liberdade
dos cidadãos.30
Muito embora o Estado Liberal tenha preconizado os direitos individuais, foi ele
também, baseado no direito individual da igualdade formal, responsável pela dominação do
mais forte sobre o mais fraco, o que fez com que entrasse em declínio este modelo de Estado.
Assim, o conceito liberalista de que a vontade dos indivíduos deve ser respeitada dá espaço a
uma nova fase no Constitucionalismo, a social, onde é firmada a concepção de que o aspecto
social deve prevalecer nas relações. Assim, “com a progressiva transformação do Estado
Liberal no Estado Social, esta hegemonia do Código na disciplina das relações privadas será
competência”. In: LEAL, Mônia Clarissa Henning. Jurisdição Constitucional Aberta - reflexões sobre a
lçegitimidade e os limites da jurisdição constitucional na ordem democrática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007,
p 15-18.
28
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p.
13.
29
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p.
13 e 70.
30
MORAIS, José Luiz Bolzan. Do Direito Social aos Interesses transindividuais – o Estado e o Direito na
ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 70-71.
24
ameaçada”31. A ideia liberalista de que a vontade dos indivíduos deve ser respeitada dá espaço
a uma nova fase no Constitucionalismo, firmando-se a percepção de que o aspecto social deve
prevalecer nas relações.
O Estado Social de Direito surge como promessa de efetivação dos direitos
formalmente assegurados na era liberal e incorpora à primeira dimensão de direitos (os
direitos civis e políticos), uma segunda dimensão de direitos (os direitos sociais, culturais, e
econômicos, bem como os direitos coletivos), trazendo em seu bojo a necessidade de se
realizar uma releitura dos primeiros direitos chamados fundamentais, adaptados à demanda
social.
O Estado Liberal tinha como missão garantir a propriedade privada, com a alteração
para o Estado Social houve uma alteração de paradigma, a partir do qual buscou-se uma
conduta ativa do Estado e o sujeito passou a ser o núcleo da proteção.32 O Estado, então, deixa
de ter uma conduta abstencionista, que adotava até então, e passa a assumir o papel de
interventor, pautando-se no princípio da igualdade material e não mais na mera igualdade
formal.
O Estado Social, na sua vertente democrática, não é outra coisa senão uma tentativa
de composição e conciliação entre as liberdades individuais e políticas e os direitos
sociais, possibilidade descartada tanto pelos teóricos do liberalismo ortodoxo como
pelos marxistas. Apesar de lamentáveis desvios em que incorreu o Estado Social,
com sua degenerescência para experiências totalitárias sobretudo na primeira metade
do século XX, o fato é que em boa parte do mundo desenvolvido, e durante um
razoável período de tempo no século XX, esta solução compromissória entre o
capitalismo e o socialismo foi possível e teve razoável sucesso. 33
Ao passo que o Estado Liberal tinha como missão garantir a propriedade privada, com a
alteração para o Estado Social houve uma alteração de paradigma, a partir do qual buscou-se
uma conduta ativa do Estado e o sujeito passou a ser o núcleo da proteção. A expressão
autonomia da vontade possui uma dupla concepção. A primeira diz respeito à autonomia de
realizar negócios, a liberdade de escolher o outro contratante. A segunda acepção diz respeito
31
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p.
71.
32
REIS, Jorge Renato dos. Os Direitos Fundamentais de tutela da pessoa humana nas relações entre particulares.
In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 7. REIS, Jorge Renato dos; LEAL,
Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2007, p. 2033-2064.
33
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p.
20.
25
à proteção da dignidade da pessoa humana numa visão democrática, onde a pessoa tem direito
a tomar suas decisões e decidir o modo como deseja viver.34
Finda a Primeira Guerra Mundial o Estado passa a adotar uma conduta intervencionista
e acaba rotulado como Estado Social. Cobra-se do Estado uma conduta capaz de enfrentar a
injustiça social e de prestar serviços públicos à população. “Como natural e previsível, o
Estado social rompeu o equilíbrio que o modelo liberal estabelecera entre público e
privado”.35 O término da Segunda Guerra Mundial também marca a consolidação do Estado
Social, que resta materializado e não apenas tem uma nova roupagem/concepção, mas
também tem a busca pela igualdade entre as pessoas, através de uma intervenção na ordem
econômica e social. Percebe-se uma “preocupação com o bem comum, com o interesse
público.
No período que compreende o Estado Social, tem início um processo de pulverização
do poder na sociedade, assim, pouco a pouco o poder deixa de ficar centrado nas mãos do
Estado, iniciando um processo de criação de mecanismos/instituições intermediárias entre a
figura do estado e do indivíduo. Acerca das distinções existentes entre o Estado Liberal do
século XIX e Estado Social do século XX, este buscará ajustar as relações que se dão de
modo mais amplo, eis que englobam as inúmeras inter-relações possíveis entre o Estado, a
sociedade e o indivíduo. 36
A tradicional dicotomia, de origem romana, Direito Público/Direito Privado, sofre
grande impacto, em razão da progressiva publicização do Direito Privado, e da sua
‘invasão’ pela normativa constitucional. [...] O primado do público sobre o privado
no Estado Social expressa-se pelo aumento da intervenção estatal e pela regulação
coativa dos comportamentos individuais.37
O chamado Welfare State, Estado de Bem-Estar ou, como preferem alguns, Estado
Protetor ou Assistencial, tem como característica primordial a interferência do Estado na
oferta de serviços sociais, os quais são realizados de modo gratuito, para que seja prestado um
mínimo de benefícios a todos. No modelo adotado pelo Welfare State, acabaram por se
34
REIS, Jorge Renato dos. Os Direitos Fundamentais de tutela da pessoa humana nas relações entre particulares.
In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 7. REIS, Jorge Renato dos; LEAL,
Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2007, p. 2033-2064.
35
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo – os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 65.
36
LEAL, Mônia Clarissa Henning. Jurisdição Constitucional Aberta - reflexões sobre a lçegitimidade e os
limites da jurisdição constitucional na ordem democrática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 30.
37
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p.
24.
26
agregar inúmeras funções ao Estado. O funcionamento da máquina pública perdeu-se em um
limbo de procedimentos burocráticos e repetitivos que apenas, produzindo serviços de baixa
qualidade, com morosidade e gastos excessivos, em decorrência do ambiente tecnoburocrático da administração pública.
Muito embora as referências aqui adotadas estejam centradas na Europa, nos Estados
Unidos, a materialização do Estado Social38 ocorre com a crise de 1929, com a tarefa de dar,
efetivamente, condições para que os sujeitos usufruíssem os direitos assegurados
formalmente. Tratava-se da busca pela garantia de “condições mínimas de existência para
cada ser humano”.39
No Estado Social, o sujeito que, no curso do Estado Liberal, não desejava a intervenção
estatal, passa a ordenar tal conduta, por parte do Estado. Visualiza-se, então, um
desenvolvimento “desmensurado do Estado, que passou a atuar em todos os setores da vida
social, com uma ação interventiva que coloca em risco a própria liberdade individual, afeta o
princípio da separação de Poderes e conduz à ineficiência na prestação dos serviços”.40
Porém, este modelo de Estado não consegue atender a tantas demandas, que são
desproporcionais ao que seu orçamento pode suportar, o resultado é o seu colapso.
O Estado-Providência está doente. O diagnóstico é simples: as despesas com a saúde
pública e com o setor social crescem muito mais depressa que as receitas. Daí um
lancinante problema de financiamento, que se apresenta nos últimos vinte anos, em
todos os países industrializados. [...] É a manutenção simultânea de uns e outros no
seu nível atual que não será mais suportável num contexto de crescimento muito
lento. Não se pode conter a progressão das cotizações sociais e dos impostos,
garantindo ao mesmo tempo qualidade imutável dos serviços públicos e sociais e a
manutenção das prestações que ele oferece. Ou, pelo menos, já não se poderá
garanti-lo a todos. Os problemas de financiamento do Estado-providência mudam de
natureza, precisamente nessa medida. [...] O verdadeiro desafio um novo contrato
social entrete indivíduos, grupos e classes. O principal bloqueio do Estadoprovidência é, finalmente, de ordem cultural e sociológica.41
38
“Na União Soviética e nas democracias populares, implantou-se o Estado Socialista, com tudo o que ele
significa de direção central da economia. Nas democracias ocidentais, está vigente a noção de Estado Social de
Direito, à qual é inerente a idéia de prestação de serviços pelo Estado, à população, em grandes proporções”. In:
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública – concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 27.
39
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p.
17-20.
40
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública – concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 29.
41
ROSANVALLON, Pierre. A Crise do Estado Providência. Tradução de Joel Pimentel de Ulhôa. Goiânia:
UFG; Brasília: Unb, 1997, p. 07-08.
27
A nova formatação do Estado, desenvolvida no final do século XX, tenta ser uma
resposta às enfermidades do Estado Contemporâneo. Trata-se de diminuir a burocracia, os
gastos e as responsabilidades pelos serviços mal prestados. O Estado transfere diversas formas
de prestação de serviços e passa a gerenciá-las. As soluções ao Estado-Providência têm
diversas frentes, dentre as quais, destaca-se o reconhecimento da sociedade civil enquanto
sujeitos de direito e produtores de um direito autônomo, que se encontra além daquele
produzido pelo Estado.42 Com a transferência de determinados serviços e bens públicos à
iniciativa privada, o Estado visa uma melhor prestação desses serviços. Isto, porque pode
cobrar pela prestação de qualidade. O Estado propõe a participação da sociedade civil,
transferindo boa parte das responsabilidades assumidas diretamente no período do Welfare
State.
Passada a era de ouro do Estado de Bem-Estar social (vivida no segundo pós-guerra até
a década de 1970), o Estado passa a manter uma nova relação com a economia. Mais próximo
ao final do século XX, inclusive no Brasil, o Estado passa a assumir um novo papel, de gestor
dos problemas públicos, delegando determinados serviços à iniciativa privada ou, ainda,
intervindo através de empresas públicas desburocratizadas. Assim, o Estado Social, busca, em
“su primera versión dice razón de justicia – conectada com el principio de igualdad -, el
Estado de la procura existencial – su segunda fase – apunta a la satisfacción sistemática de
las necesidades, sin renunciar por ello a la preocupación igualitária”.43
Com o colapso do Welfare State, emerge o Estado Democrático de Direito 44, onde se
verifica “um acréscimo do ideal participativo e democrático amplo do aspecto formal, que,
como o próprio nome indica, o faz, notadamente, por meio do direito”
45
e que terá por
características, “a) império da lei: lei como expressão da vontade geral; b) divisão dos poderes
[...]; c) legalidade da Administração, atuação segundo a lei e suficiente controle judicial; d)
direitos e liberdades fundamentais: garantia jurídico-formal e efetiva realização material”.46
42
ROSANVALLON, Pierre. A Crise do Estado Providência. Tradução de Joel Pimentel de Ulhôa. Goiânia:
UFG; Brasília: Unb, 1997, p. 89-92.
43
ESTERUELAS, Cruz Martínez. La agonia del estado – Um nuevo orden mundial? Madrid: Centro de
Estúdios políticos y constitucionales, 2000, p. 66.
44
Muito embora haja autores que entendem que o Welfare State e o Estado Democrático de Direito representam
o mesmo modelo.
45
LEAL, Mônia Clarissa Henning. ESTADO DE DIREITO. In: BARRETO, Vicente de Paulo. (Coord.).
Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: UNISINOS, 2006; Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 291.
46
DIAS, Elias. Estado de Derecho y Sociedad Democrática. Madrid: Editorial Cuadernos para el Dialogo, 1975,
p. 29 apud LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006, p. 30.
28
Tem-se que o Estado Constitucional Democrático de Direito é sempre um ponto de
partida, um início e nunca um fim, ou seja, um ponto de chegada. “Como ponto de partida,
constitui uma tecnologia jurídico-política razoável para estruturar uma ordem de segurança e
paz jurídicas. Mas os esquemas político-organizatórios, ou seja, as formas de organização
política, não chegaram ao ‘fim da história’” .47
O Estado Democrático de Direito tem como norte a transformação da realidade social,
ele irá além da tentativa de melhoria das condições de existência dos sujeitos, irradiando a
ideia de democracia por todos os pontos que compõem o Estado. “E mais, a idéia de
democracia contém e implica, necessariamente, a questão da solução do problema das
condições materiais de existência”. Este modelo de Estado será norteado pela supremacia da
Constituição, eis que o Estado estará a ela atrelado, as desigualdades sociais devem ser
dirimidas ou amenizadas através da justiça social, a igualdade deve ser buscada não apenas no
âmbito formal, mas também material; deve prevalecer a divisão dos poderes; a legalidade
deve ser norteadora tanto do sistema quanto da segurança jurídica.48
A idéia moderna de um Estado Democrático tem suas raízes no século XVIII,
implicando a afirmação de certos valores fundamentais da pessoa humana, bem
como a exigência de organização e funcionamento do Estado tendo em vista a
proteção daqueles valores. A fixação desse ponto de partida é um dado de
fundamental importância, pois as grandes transformações do Estado e os grandes
debates sobre eles, nos dois últimos séculos, têm sido determinados pela crença
naqueles postulados, podendo-se concluir que os sistemas políticos do século XIX e
da primeira metade do século XX não foram mais do que tentativas de realizar as
aspirações do século XVIII. A afirmação desse ponto de partida é indispensável para
a compreensão sobre os objetivos do Estado e a participação popular explicando
também, em boa medida, a extrema dificuldade que se tem encontrado para ajustar a
idéia de Estado Democrático às exigências da vida contemporânea. 49
Diferentemente do que ocorreu no século passado, onde havia a clara distinção entre
público e privado, hoje, tem se visualizado a necessidade de integração entre o primeiro, o
segundo e o terceiro setor50, para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A
mentalidade de que o Estado deve ter uma conduta paternalista e assistencialista tem perdido
47
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. São Paulo: Gradiva, 1999, p. 34-35.
MORAIS, Jose Luiz Bolzan. Do Direito Social aos Interesses Transindividuais – o Estado e o Direito na
ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 75.
49
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 145.
50
Em poucas palavras, o primeiro setor corresponde ao governo; segundo é representado pelas instituições
privadas, leia-se, mercado e, por fim, o terceiro formado por organizações sem fins lucrativos e não
governamentais, que têm como objetivo gerar serviços de caráter público.
48
29
força; em contrapartida, o ideal de desenvolvimento sustentável a partir da união de esforços
entre Estado e iniciativa privada vem cada vez mais ganhando adeptos.
Evidentes as alterações sofridas pelo Estado que influenciam tanto o comportamento da
sociedade e quanto do próprio Estado para com esta. Assim, uma vez analisada a evolução
dos modelos de Estado (Liberal, Social e Democrático de Direito), necessário compreender de
que modo se deram as inter-relações entre Direito Público e Direito Privado, a fim de
compreender o que é grande dicotomia preceituada por Norberto Bobbio e se ainda há a ela
nos dias atuais.
1.2 Desvendando as atuais inter-relações existentes entre o Direito Público e o Direito
Privado e compreendendo o papel da interpretação constitucional
Em relação à dita crise da distinção acerca do privado e do público, Pietro Perlingieri
explica que tal dificuldade existe desde os Romanos, sendo que em determinados períodos
prevalece o aspecto público, por vezes, o aspecto privado ao sujeito titular de interesses.
Nesse tocante, então, a exemplo do interesse coletivo, o interesse sindical ou até mesmo das
comunidades “as dificuldades de traçar linhas de fronteira entre direito público e direito
privado aumentam, também, por causa cada vez mais incisiva presença que assume a
elaboração dos interesses coletivos como categoria intermediária”.51
Assim sendo, “técnicas e institutos nascidos no campo do direito privado tradicional são
utilizados naquele do direito público e vice-versa, de maneira que a distinção, neste contexto
não é mais qualitativa, mas quantitativa”52, ou seja, ocorre a análise individual de cada
instituto a fim de verificar se nele há predominância do público ou do privado. É, então, com
base na ideia de intersecção entre o direito público e o direito privado que será analisada a
figura do público não estatal, notadamente no que se refere às instituições de ensino superior
comunitárias.
O reconhecimento de um espaço público não-estatal tornou-se particularmente
importante num momento em que a crise do Estado aprofundou a dicotomia Estadosetor privado, levando muitos a imaginar que a única alternativa à propriedade
estatal seria a propriedade privada. A privatização é uma alternativa adequada
quando a instituição pode gerar todas as receitas da venda de seus produtos e
51
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil – introdução ao Direito Civil Constitucional. 3. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2007, p. 53.
52
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil – introdução ao Direito Civil Constitucional. 3. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2007, p. 54.
30
serviços e o mercado tem condições de assumir para o público não-estatal. Por outro
lado, no memento em que a crise do Estado exige reexame das relações Estadosociedade, o espaço público não-estatal pode exercer um papel de intermediação ou
facilitar o aparecimento de novas formas de controle social direto e de parceria, que
abrem novas perspectivas para a democracia. 53
Em verdade, o Estado nada mais é que uma criação do homem, em especial daquele que
vive em sociedade.54 Na transição da Modernidade55 à Pós-Modernidade, iniciada no século
XXI e na relação desta com o Direito, percebe-se a existência de um momento único, onde a
imagem está acima do conteúdo, em um momento onde o “efêmero e o volátil parecem
derrotar o permanente e o essencial”. Seguindo esta tendência, o constitucionalismo “vive um
momento sem precedentes, de vertiginosa ascensão científica e política”.56
É neste momento de volatilidade e efemeridade que os princípios constitucionais
invadem novos espaços, eis que se mostram como novas âncoras da sociedade em constante
mutação, onde há “uma cultura consumista, que favorece o produto pronto para uso imediato,
o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados,
receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro”. 57 Ora, é nesta sociedade
que o Direito tem não apenas de servir de parâmetro para as condutas, mas, principalmente,
tem de se mostrar efetivo. O mundo pós-Moderno pode ser conceituado como qualquer coisa,
menos como imutável. A pós-Modernidade chegou para ficar e com ela vêm uma gama de
incertezas, pois “ela já não é vista como um mero inconveniente temporário, que com o
mundo pós-moderno está-se preparando para a vida sob uma condição de incerteza que é
permanente e irredutível”.58
53
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da administração pública burocrática à gerencial. In: BRESSER
PEREIRA, Luiz Carlos e SPINK, Peter (Org.). Reforma do Estado e administração pública gerencial. 2. ed. Rio
de Janeiro: FGV, 1998, p. 262.
54
PASOLD, César Luiz. Função social do Estado Contemporâneo. Florianópolis: Diploma Legal, 2001, p.45.
55
“A modernidade nasceu robusta de promessas. [...] A grande promessa foi desde sempre a emancipação
humana: social e política. O passado era a referência para que o presente fosse pensado como possibilidades de
futuro. Razão e vontade seriam capazes de construir o futuro, localizando o humano no centro e no objetivo do
turbilhão de mudanças”. In: FREITAS, Ananias José de. Política e Estetização: perplexidades e caminhos
contemporâneos. Caderno de Ciências Sociais, Minas Gerais, n. 09, p. 39, 1999.
56
BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro. In:
_____ (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio
de Janeiro: Renovar, 2003, p. 02.
57
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos. Tradução de Carlos Alberto
Medeiros. Rio de Janeiro, Zahar, 2003, p. 21-22.
58
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução de Mauro Gama e Cláudia Matinelli
Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 121 e 32.
31
Dentro de uma paisagem que se mostra, ao mesmo tempo, complexa e fragmentada,
discute-se o desequilíbrio das relações (fruto do poder político e econômico), bem como o
papel do Estado, o qual parece não mais cuidar das pequenezas, como os sonhos das pessoas,
este Estado também parece ter abandonado o discurso igualitário ou emancipatório. O papel
do Estado passa a ser questionado e ele busca soluções através de alterações políticas e das
reformas dos Estados, iniciada na década de 80 com Ronald Reagan e Margareth Thatcher.
Fato é que “quando a noite baixou, o espaço privado invadira o espaço público, o público
dissociara-se do estatal e a desestatização virara um dogma. O Estado passou a ser o guardião
do lucro e da competitividade”. No campo do Direito, a lei cai em desprestígio. A grande
verdade é que ingressa à pós-modernidade sem ter alcançar o liberalismo, tampouco a
modernidade, o País entra no terceiro milênio “atrasado e com pressa”.59
No que diz respeito à complexidade e unicidade do ordenamento jurídico e também o
pluralismo de fontes do direito a Constituição assume um papel de coesão, vez que une todo o
sistema jurídico, em um momento que há a fragmentação e superespecialização do saber
jurídico, a Constituição torna-se uma referência, um porto seguro. Assim, “o controle da
legitimidade da lei é, sobretudo controle da legitimidade constitucional relativo não somente
ao aspecto procedimental, mas também e principalmente relativo ao conteúdo da lei”.60
O pós-positivismo surge na Europa com o fracasso do nazismo e do fascismo61 na
tentativa de romper com o modelo positivista que sustentou estes regimes, atravessa o oceano
e algum tempo depois ganha força, no Brasil, com a Constituição Federal de 1988. Trata-se de
um sistema que tem suas bases calcadas em valores, em princípios e na supremacia dos
direitos fundamentais.62 Assim, o moderno constitucionalismo “promove, uma volta aos
valores, uma reaproximação entre ética e Direito [...] esses valores compartilhados por toda a
comunidade, em dado momento e lugar, materializam-se em princípios, que passam a estar
abrigados na Constituição”. Nesta esteira, o século XXI inicia tendo por base um aparato
59
BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro. In:
_____ (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio
de Janeiro: Renovar, 2003, p. 04-05.
60
PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo
(Coord.). Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 02-03.
61
Embora Ana Paula Barcellos e Luís Roberto Barroso defendam esta ideia, historicamente, o pós-positivismo
tem início na década de 70.
62
BARCELLOS, Ana Paula de e BARROSO, Luís Roberto. O começo da história. A nova interpretação
constitucional e o papel dos princípios no Direito brasileiro. In: BARROSO, Luis Roberto (Org.). A nova
interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar,
2003, p. 329.
32
jurídico calcado em um “sistema aberto de valores”. Assim, o pós-positivismo ganha destaque
e se baseia na normatividade dos princípios constitucionais.63
A fim de uma melhor compreensão, necessário traçar um paralelo entre positivismo e
pós-positivismo. Este tem por base um intérprete que se diz neutro e que se mostra atrelado ao
texto legal; o sistema jurídico é tido como completo, razão porque é fechado (unidisciplinar);
há uma evidente supremacia legal (normatividade das regras); a interpretação é realizada na
esfera da abstração, o processo hermenêutico dá-se através do chamado método
subsuntivo/silogístico – onde deve haver uma prevalência do valor segurança; e, por fim, o
juiz tem uma postura passiva, eis que age como mero reprodutor da lei.
Por sua vez, o pós-positivismo tem uma atitude diferenciada, haja vista que o intérprete
adota uma postura construtiva, dando sentido ao que está expresso na lei; o sistema jurídico
mostra-se aberto e complexo (interdisciplinar); a Constituição é o núcleo do ordenamento e
com ela os princípios constitucionais; a interpretação é realizada no caso concreto; a
hermenêutica adota o método ponderativo, onde deve haver uma prevalência da prudência e
do valor da justiça; por sua vez, o juiz, desempenha um papel ativo, atuando como produtor
do direito e, consequentemente, como transformador da realidade.
A Constituição Federal de 1988 é um divisor de águas no ordenamento jurídico, antes
dela, o Brasil era “um País que não dava certo”.64 Esta Constituição representa um “marco
zero de um recomeço”, que embora não seja uma promessa de final feliz é, evidentemente,
um documento que traz muitas esperanças e sobre a qual se desenvolve a ideia de nova
interpretação constitucional, interpretação esta que não busca romper com o clássico método
subsuntivo, mas sim fazer com que o clássico e o moderno encontrem uma harmonia. Em
verdade, é a Constituição Federal de 1988 que fará com que o Brasil comece a enxergar a
força do texto constitucional e, consequentemente, a alterar o centro do ordenamento jurídico,
ou seja, o ordenamento deixa de ter o Código Civil como eixo central e passa, pouco a pouco,
a ter a Constituição como grande norteadora de toda uma nova lógica.
63
BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro. In:
_____ (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio
de Janeiro: Renovar, 2003, p. 28 e 35.
64
BARCELLOS, Ana Paula e BARROSO, Luís Roberto. O começo da história. A nova interpretação
constitucional e o papel dos princípios no Direito brasileiro. In: BARROSO, Luis Roberto (Org.). A nova
interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar,
2003, p. 329.
33
A Constituição Federal de 1988 traz consigo força normativa suficiente para garantir os
subsistemas jurídicos. É ela também que insere no ordenamento jurídico brasileiro a ideia de
que todos os demais regramentos devem estar a ela submetidos e recepcionados, sob pena de
serem declarados inconstitucionais e é a partir desta Carta Política que a constitucionalização
do direito privado ganha respaldo no ordenamento jurídico brasileiro. Indubitavelmente, que a
mudança de paradigma advinda com o surgimento da Constituição Federal de 1988, trouxe
influências ao direito privado, mudando qualitativamente o sistema clássico de Direito Civil.65
A superioridade hierárquico-normativa do Direito Constitucional impede que o
Direito Civil seja tido como um ramo jurídico autônomo. Assim, a toda
interpretação constitucional, bem como a interpretação da legislação ordinária
conforme a Constituição, leva à concretização dos direitos fundamentais, admitindose sua eficácia nas relações interprivadas.66
As dificuldades de implantação de uma visão constitucional, embora tenham sido
amenizadas (no Brasil passou a ocorrer a partir da promulgação da Constituição Federal de
1988), ainda amargam com alguns resquícios da separação e isolamento dos dois institutos
(público e privado), uma, porque a legislação baseada em lastros constitucionais é recente;
duas, pelo poder que legislação civilista ainda desempenha no ordenamento jurídico
brasileiro. “O Estado Brasileiro, na sua condição de instrumento para a obtenção do Bem
Comum, tem de ser competente e capar de se organizar economicamente sob o império do
Patrimônio Social da Sociedade que, com sacrifícios, o mantém”.67
A teoria da interpretação jurídica implica numa necessidade de manter coesas a
interpretação das leis ordinárias e a interpretação das normas constitucionais. Assim, seja ou
não a norma clara, ela deve estar em “conformidade com os princípios e valores do
ordenamento e deve resultar de procedimento argumentativo não somente lógico”. Para tanto
são necessárias: a) uma unicidade e indivisibilidade entre fato e lei; b) o uso da Constituição
tem de ser, no caso concreto, coerente, adequada e razoável; c) não deve haver legitimação de
uma violação à legalidade constitucional68 em nome da “cultura oficial”; d) “a passagem da
65
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 11.
TUTIKIAN, Cristiano. Sistema e codificação: o código civil e as cláusulas gerais. In: ARONE, Ricardo.
(Org.). Estudos de direito civil – constitucional. vol. I. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 21.
67
PASOLD, César Luiz. Função social do Estado Contemporâneo. Florianópolis: Diploma Legal, 2001, p. 54.
68
Muito embora, hoje a Itália seja uma referência na chamada doutrina do direito civil na legalidade
constitucional, nem sempre foi assim, pois por tempos não houve um claro distanciamento entre o juiz comum e
a Corte Constitucional, bem como não houve uma imediata garantia dos valores constitucionais,
especificadamente entre 1956 e 1970. Todavia, no decorrer dos anos 70 esta ideia começa a ser dissolvida, vez
que se inicia um de “reconhecimento fundamental do princípio hermenêutico de unidade do ordenamento que
66
34
lei ao direito é um processo contínuo, constituído pelo impacto com a peculiaridade do fato”;
e) a solução do problema concreto deve ser buscado na totalidade do ordenamento jurídico,
devendo-se respeitar as peculiaridades dos fatos; f) deve haver a formação de juristas que se
mostrem aptos na construção de uma jurisprudência avaliativa.69
A interpretação jurídica70 consiste na busca de todo o conteúdo que está contido na
norma. “A norma jurídica possui uma dupla face: ao mesmo tempo que é um mandamento
impositivo é também uma afirmação de liberdade”. A unificação da Constituição com todo o
ordenamento jurídico ocorrerá através da aplicação da norma, esta expressará o que é justo e o
que é esperado dentro da lógica de proteção dos direitos e garantias constitucionais.71 A
Constituição Federal de 1988 representa a modificação substancial de diversos dogmas, a
exemplo da dignidade da pessoa humana que passa a ocupar papel central (ou seja, a
propriedade já não é a diretriz do sistema). “O princípio da dignidade exprime a primazia da
pessoa humana sobre o Estado”72, fazendo com que a dignidade da pessoa humana passa a
permear por todos os sistemas jurídicos. Os Direitos Fundamentais também ganham papel de
destaque, até mesmo pela sua posição dentro do texto constitucional. Consequência destas
alterações é que os direitos da personalidade passam a ser protegidos no Direito Privado.73
As normas constitucionais sofrem um processo de ascensão e dividem-se, em duas
categorias: princípios e regras. A distinção básica entre regras e princípios consiste no fato de
que as primeiras serão ou não obedecidas, ao passo que os últimos poderão ter sua satisfação
assegurada em diferentes níveis, ademais, aqui a satisfação depende tanto de possibilidade
tem os preceitos constitucionais no topo”. Nos anos 80 tem início uma nova fase, onde o juiz comum é chamado
ao enfrentamento das questões constitucionais, não devendo, então remetê-las à Corte. Por fim, a fase que
compreende os anos 90 até os dias atuais, dá sinais de superação de posicionamento divisórios, eis que a
aplicação da lei decorre de uma combinação da legislação infraconstitucional com a legislação constitucional.
PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo
(Coord.). Temas de Direito Civil. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 06-08.
69
PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo
(Coord.). Temas de Direito Civil. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 03-04.
70
Peter Häberle esclarecerá que “a teoria da interpretação constitucional tem colocado até aqui duas questões
essenciais: - a indagação sobre as tarefas e os objetivos da interpretação constitucional, e – a indagação sobre os
métodos (processo da interpretação constitucional e regras de interpretação)”. In: HÄBERLE, Peter.
Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição – contribuição para a
interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:
Fabris, 1997, p. 11.
71
DERANI, Cristiane. Direto ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 22-27.
72
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p.
87.
73
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p.
03-47.
35
fática quanto jurídica, tratam-se, em verdade, de mecanismos de otimização.74 Dentro desta
sistemática, a colisão de princípios não apenas é possível, como integra a lógica dialética do
sistema. A colisão é solucionada através da ponderação de valores, trata-se da técnica através
da qual se busca estabelecer o peso de cada princípio contraposto.
A constitucionalização do Direito Privado pode ser abordada sob duas diferentes óticas.
A primeira refere-se a muitos institutos que eram tratados somente pelo Direito Privado
passaram a fazer parte das constituições, ou seja, passa a ver uma relevância constitucional
nas relações privadas75. A segunda, diz respeito às consequências, no âmbito privado, de uma
gama de princípios constitucionais pelo que se chama constitucionalização do Direito Civil,
assim, a interpretação normativa deve sempre ocorrer em conformidade com a Constituição, a
fim de seja dada maior eficácia aos direitos fundamentais. Cabe frisar que o legislador
infraconstitucional também deve obedecer aos princípios constitucionais, sempre que for
editar uma norma.76
Hoje, o entrelaçamento das diferentes estruturas parece cada vez maior e mais evidente,
ao contrário do que pregava o projeto oitocentista, essencialmente dicotômico, onde “cosmos
e taxis, natureza e cultura, economia e política, sociedade civil e Estado”, apresentavam em
lados distintos, onde não se confundiam, eis que sequer se misturavam. Assim, necessário
frisar que “a divisão dicotômica apresentou-se como necessidade na construção do Estado
liberal oitocentista”.77
Acerca da interpretação constitucional, Peter Häberle78 propõe a adoção de uma
hermenêutica constitucional adequada à sociedade pluralista, também chamada de sociedade
74
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006, p. 90-92.
75
No Brasil, o conflito ocorre a partir da ótica de um Código Civil (CC 1916) que abrangia a completa
ordenação dos atos e fatos atinente à pessoa humana e, portanto, reputava-se ao mesmo a condição de eixo do
sistema. Inegável que mesmo com o advento da Constituição de 1988, esta ideia de auto-suficiência permanece
arraigada por um bom período, encontrando resistência por parte de alguns operadores do Direito. Fazendo uma
análise historicista, verifica-se que faz pouco que a interpretação constitucional começa a ganhar força e espaço.
In: LORENZETTI, Ricardo Luiz. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.
43.
76
FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado.
In: SARLET, Ivo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2003, p. 35-39.
77
MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e solidariedade social entre cosmos e taxis: a boa-fé nas relações de
consumo. In: ______. (Org.). A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 616623.
78
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição –
contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1997.
36
aberta. Assim, a ampliação do círculo de intérpretes é tão-somente uma consequência da
necessidade de integrar a realidade ao processo de interpretação. Nesta esteira, a interpretação
constitucional deve, em um primeiro momento, questionar qual será a sua tarefa e quais os
seus objetivos, e, após, perguntar qual método será utilizado para tanto, contudo, deve-se
considerar, que por muito tempo a norma foi interpretada por uma sociedade fechada, aqui a
interpretação era realizada, basicamente, pelo magistrado em procedimentos formais, ideia
que perdurou até pouco tempo mas que vem sendo transformada, embora não de modo pleno.
Portanto, aqueles que vivem a norma devem interpretá-la ou ao menos co-interpretá-la, sob a
égide da democracia, de modo consciente e intencional, para tanto é necessária a compreensão
da norma, para que depois ela possa ser explicitada, só a partir de então, é possível falar no
método utilizado para tanto.
Em verdade, a interpretação aberta, possibilita uma maior atuação do cidadão, bem
como produz a vinculação à interpretação constitucional. Logo, deve haver pluralidade tanto
no processo de formação quanto no desenvolvimento (a posteriori), o que acarreta uma
simbiose entre Estado e sociedade, possibilitando, assim, o fortalecimento da democracia.
Ademais, aqui os porquês devem ser suscitados justamente para que se fortaleça a teoria da
constituição. Após, deve haver a sistematização, que vai instigar um ciclo de novas
indagações. Todavia, esta sistematização necessita tanto do envolvimento daqueles que
desempenham as funções estatais (Executivo, Legislativo e Judiciário), como dos
participantes que não integram os órgãos do Estado (partes diretamente atingidas, auxiliares
como peritos e pareceristas, por exemplo), da sociedade como um todo (igrejas, teatro,
associações) e, ainda, da doutrina constitucional, que desempenha um importante papel.79
As normas constitucionais e os princípios, estes repletos de carga valorativa são
supremos e como tal, devem ser respeitados, até mesmo em decorrência do “princípio geral da
legalidade que assim exige”. Neste panorama, é evidente que as normas constitucionais não
podem assumir o simples papel de seres limites ou impedimentos à lei ordinária, também não
podem representar um simples suporte hermenêutico. Como “principais pressupostos teóricos
da doutrina do direito civil na legalidade constitucional”, Pietro Perlingieri 80 cita: a) a
79
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição –
contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1997.
80
PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo
(Coord.). Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 01- 02.
37
natureza normativa da Constituição; b) a complexidade e unicidade do ordenamento jurídico e
também o pluralismo de fontes do direito; c) teoria da interpretação constitucional.
A expressão ‘revisão dos institutos de Direito Civil à luz da Constituição’ ainda que
com certa dose de ambiguidade, visa destacar não só que o objeto da interpretação
com fins aplicativos seja o dispositivo infraconstitucional [...] mas também que o
objeto da interpretação são as disposições infraconstitucionais integradas às normas
constitucionais.81
Eugênio Facchini Neto82 refere que a publicização do direito privado e a privatização do
direito público são, em verdade, fenômenos decorrentes da tendência de convergência entre as
duas esferas, o público e o privado. Como principal indicativo deste movimento de
deslocamento do direito privado em direção ao público tem-se, então, a funcionalização de
diversos institutos típicos do direito privado (propriedade, empresa, contrato, família).
Decorre daí que a intervenção que reduz o campo da autonomia privada, o que, pela doutrina
é chamado de publicização do direito privado. Em outras palavras, há uma releitura do direito
civil à luz da Constituição, a fim de que haja a proteção da dignidade humana em face dos
valores patrimoniais, ou seja, o ser humano passa a ocupar o centro do ordenamento jurídico.
Em verdade, o fenômeno de descodificação tem inicio quando se percebe a insuficiência do
Código Civil para regular determinadas relações privadas.
O Direito mostra que seus conceitos científicos da neutralidade e da objetividade são
meras ficções. No campo do Direito “a moderna dogmática jurídica já superou a ideia de que
as leis possam ter, sempre e sempre, sentido unívoco, produzindo uma única solução
adequada para cada caso”. Assim, a dita objetividade do Direito, dentro de suas
possibilidades, encontra-se no conjunto de possibilidades interpretativas que podem surgir em
decorrência da análise da norma que o relato da norma oferece. Em verdade, a ideia de que o
Direito é uma invenção humana na tentativa de solucionar conflitos não passa de um mito. 83
Do mesmo modo que o Estado é fruto de um processo de avanços e retrocessos, a
sociedade civil encara um longo processo até chegar ao que hoje se conhece. A sociedade
civil pode ser vista, em um primeiro momento, tanto quanto uma oposição ao mercado quanto
81
PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo
(Coord.). Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Revonvar, 2005, p. 02.
82
FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado.
In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2003, p. 26-32.
83 BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro.
In: _____ (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 09.
38
ao Estado, (neste caso, por vezes, pode ser vista como uma aliada). Contudo, em um momento
seguinte, a sociedade civil passa a ser encarada como uma terceira dimensão da vida pública,
que se diferente do mercado e do governo, mas que não representada um campo de batalha
entre tais esferas, mas um local onde cresce a ideia de solidariedade.84 Muito embora não haja
uma definição clara do que seria a “sociedade solidária” é evidente que ela necessita de uma
superação de uma visão/conduta individualista, que muitas vezes esta dicotomia é
enfraquecida, fazendo com que os termos acabem se entrelaçando.85
Nesse cenário, compete ao juiz a aplicação (e interpretação) dos princípios e normas
constitucionais. As normas constitucionais e os princípios, estes repletos de carga valorativa
são supremos e como tal, devem ser respeitados, até mesmo em decorrência do “princípio
geral da legalidade que assim exige”. Neste panorama, é evidente que as normas
constitucionais não podem assumir o simples papel de seres limites ou impedimentos à lei
ordinária, também não podem representar um simples suporte hermenêutico. No que diz
respeito à complexidade e unicidade do ordenamento jurídico e também o pluralismo de
fontes do direito a Constituição assume um papel de coesão, vez que une todo o sistema
jurídico, em um momento que há a fragmentação e superespecialização do saber jurídico, a
Constituição torna-se uma referência, um porto seguro.86
O enfraquecimento da ideia de distinção entre os sistemas, público e privado, decorre
até mesmo do fato de a vida social ter sido assolada por uma complexidade sem fim, fazendo
com que as situações previstas no Código não fossem mais, sozinhas, capazes de atender às
demandas da população. E, nesta complexidade, as barreiras que diferenciam um sistema de
outro passam a ter limites muito tênues. Nesse sentido, Pietro Perlingieri ensina que:
[...] a supremacia do direito e da política sobre o mercado e sobre a economia
representa e epifania do direito civil. [...] A mesma contraposição de privado e
público se enfraquece que determina uma nova composição dos institutos e das
instituições reavivados pela igualdade e pela diferenciação, mas sobretudo pela
solidariedade como função primária de um Estado moderno. 87
84 VIEIRA, Liszt. Cidadania e controle social. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill
(Org). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 235
85
MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e solidariedade social entre cosmos e taxis: a boa-fé nas relações de
consumo. In: __________ (Org.). A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.
621.
86
PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo
(Coord.). Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 02-03.
87
PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo
(Coord.). Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 05-06.
39
Hoje, portanto, verifica-se uma análise do Direito através de um novo ângulo, de uma
nova ótica, a propriedade, por exemplo, passou a ser analisada a partir de sua função social.
Os contratos pactuados são analisados não apenas com base no direito civilista, mas com base
em uma série de elementos que o circundam, tendo, sempre, como ponto inicial a
Constituição Federal e as garantias ali asseguradas. Os direitos, portanto, não mais são vistos
de modo isolado, como se estivessem em um sistema paralelo há sim, uma unicidade do
Direito.
No âmbito jurídico, é revelada uma crise tanto no direito posto quanto na maneira como
ele tradicionalmente costuma ser interpretado e convida à realização de uma nova visão, a fim
de que haja uma revisão dos postulados clássicos que foram incorporados quando do
surgimento do Estado Liberal e também do Estado Social. Portanto, é com base neste
contexto de alteração Estatal e nesta nova concepção de papeis, onde não mais há uma
evidente distinção do público e do privado, o campo fértil ao surgimento de uma nova figura,
chamada público não estatal, “presumidamente poderá no século XXI constituir-se numa
dimensão-chave da vida social”.88
O processo de ampliação do setor público não-estatal ocorre a partir de duas origens:
de um lado, a partir da sociedade, que cria continuamente entidades dessa natureza;
de outro, a partir d Estado, que nos processos de reforma deste último quartel do
século vinte, se engaja em processos de publicização de seus serviços sociais e
científicos.89
Luiz Carlos Bresser Pereira90 trata da dualidade do Direito e do hábito de realizar
classificações, de um modo reducionista, em público – quando voltado ao interesse geral, ou
privada – quando atende aos interesses dos indivíduos e de suas famílias. Todavia, o público
não pode ficar limitado à concepção de estatal, vez que o público é bem mais abrangente que
o estatal, tampouco as fundações e associações sem fins lucrativos não podem ser
denominadas privadas. Daí a afirmação de que uma fundação91 muito embora regida pelas
normas do Código Civil e não pelas de Direito Administrativo, deve ser tida como instituição
pública, vez que atende aos interesses gerais.
88
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal.
In: ______. (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 16
89
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal.
In: ______. (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 28.
90
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal.
In: ______. (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 25-27.
91
Em princípio todas as organizações sem fins lucrativos são ou devem ser públicas não estatais. In: BRESSER
PEREIRA, Luiz C. A reforma do estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da
Administração Federal e Reforma do Estado, 1997, p. 26.
40
A criação de um espaço público não estatal rompe com a concepção de que a
propriedade, por exemplo, limita-se à possibilidade de ser pública ou privada, até porque ante
à crise do Estado que se apresenta aos olhos de todos, necessário se faz um reexame das
relações existentes entre Estado e sociedade, razão pela qual o público não estatal pode tomar
formas de um espaço que propicia a intermediação e que facilita o nascimento de modelos de
controle social direto e de parceria, elementos que possibilitam novas esperanças à
democracia.92
A introdução do público como uma terceira dimensão, que supera a visão
dicotômica que enfrenta de maneira absoluta o estatal com o privado, está
indiscutivelmente vinculada à necessidade de redefinir as relações entre Estado e
sociedade. O público, no Estado não é um dado definitivo, mas um processo de
construção, que por sua vez supõe a ativação da esfera pública social em sua tarefa
de influir sobre as decisões estatais.93
Sob a ótica do aperfeiçoamento da democracia representativa94, percebe-se a
importância do público não estatal em razão dos instrumentos de participação postos à
disposição dos cidadãos para a tomada de decisões dos ditos assuntos públicos. “Ao apoiar,
fortalecer e incluir as autênticas iniciativas da sociedade civil na lógica das políticas públicas,
o Estado fortalece o senso de cidadania e estimula o capital social no país, inibido pela
tradição autoritária da política brasileira”.95
O reconhecimento do chamado público não estatal ganha importância à medida que a
crise estatal aprofunda a dicotomia Estado versus setor privado, desta maneira, o público nãoestatal tanto pode ocorrer através da privatização – onde o mercado assume a coordenação das
92
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da Administração Pública Burocrática à Gerencial. Revista do Serviço
Público, ENAP, Brasília, n.1 jan/abr–1996. Disponível em: <www.enap.gov.br>. Acesso em 02 nov.2010.
93
CUNILL GRAU, Nuria. La Rearticulación de lás relaciones Estado-sociedad: em busqueda de nuevos
sentidos. In: Revista del Clad – Reforma y Democracia, n. 4, julho 1995, p. 31-32.
94
“Democracia é conceito histórico. Não sendo por si um valor-fim, mas meio e instrumento de realização de
valores essenciais de convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem,
compreende-se que a historicidade destes a envolva na mesma medida, enriquecendo-lhe o conteúdo a cada
etapa do evolver social, mantido sempre o princípio básico de que ela revela um regime político em que o poder
repousa na vontade do povo. Sob esse aspecto, a democracia não é um mero conceito político abstrato e estático,
mas é um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando
no correr da história”. In: SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. ed. São Paulo:
Melhoramentos, 2009, p.126
“Parceria, consenso e diálogo andam dialeticamente de mãos dadas com o enfrentamento, a dissensão e o
conflito. Democracia é saber trabalhar estas dimensões numa relação entre aparato estatal e sociedade civil em
que a identidade destes seja preservada e a autonomia da segunda estimulada diante de uma história opressora,
autocrática, paternalista e assistencialista do Estado brasileiro”. In: LOUREIRO, Carlos Frederico B. O
movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem política. Rio de Janeiro; São Paulo: Quartet,
2006, p. 142.
95
SCHMIDT, João Pedro. O caráter público não-estatal da universidade comunitária: aspectos conceituais e
jurídicos. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, v. 29, 2008, p. 50.
41
atividades ou através de uma nova relação entre Estado-sociedade, onde são estabelecidas
parcerias e intermediações, tanto num quanto em outro caso se vê a formação do espaço
público não estatal, que pode ser conceituado como um conjunto de “organizações ou formas
de controle ‘públicas’ porque voltadas ao interesse geral; são ‘não-estatais’ porque não fazem
parte do aparato do Estado, seja por não utilizarem servidores públicos, seja por não
coincidirem com os agentes políticos tradicionais”.96
Os conceitos tanto de sociedade civil quanto de setor público não estatal são amplos e
alcançam um grande número de organizações, que, todavia, não se confundem com o Estado,
com a economia ou com outros sistemas de funções sociais, vez que continuam atrelados às
estruturas privadas.97
A partir do Estado Social e do Estado Democrático de Direito não mais há uma nítida
distinção entre o público e o privado. Assim, próximo ao final do século XX, inclusive no
Brasil, o Estado passa a assumir um novo papel, de gestor dos problemas públicos, delegando
determinados serviços à iniciativa privada ou, ainda, intervindo através de empresas públicas
desburocratizadas. Vislumbra-se, então o enfraquecimento da ideia de que apenas o Estado
tem o dever de assegurar os direitos sociais, assim, o chamado terceiro setor98 passa a ocupar
alguns espaços deixados pelo Estado. A rígida distinção entre público e privado parece, então,
estar diante de um novo paradigma, em razão do debate acerca de uma nova espécie de pessoa
jurídica, intitulada pública não estatal.
Hoje, como se sabe, os dados da equação dicotômica foram alterados. Nas
democracias contemporâneas, o Estado não é instância alheia à sociedade, está
sujeito à dinâmica dos movimentos sociais, responsabilizando-se pelas condições da
vida coletiva. Mudada a compreensão do papel do Estado e a sua articulação com a
sociedade civil, a Constituição passou a ter, desde a segunda metade do século XX,
fundamentalmente modificado o seu modelo. De mero conjunto de normas de
organização da estrutura política do Estado, passa a receber, positivamente, as
declarações dos direitos humanos, acresce-lhes outros, direitos sociais e direitos
96
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal.
In: ______. (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 16-26.
97
DIAS, Maria Tereza Fonseca. Terceiro setor e Estado: legitimidade e regulação. Belo Horizonte: Fórum,
2008, p. 96.
98
Segundo Marlon Tomazette, o terceiro setor é formado por entidades privadas, que não possuem fins
lucrativos, ou seja, fins econômicos. O autor também refere que é neste setor que se encontram as instituições de
privadas de caráter público, que desempenham funções do primeiro setor, definido como “o Estado e seus vários
braços”, suprimindo a ineficácia deste. Cabe ainda, elencar o conceito trazido por José Eduardo Sabo Paes, que
caracteriza o terceiro setor como sendo “aquele que não é nem público nem privado, no sentido convencional
desses termos; porém guarda uma relação simbiótica com ambos, na medida em que deriva sua própria
identidade da conjugação entre a metodologia deste com a finalidade daquele”. TOMAZETTE, Marlon. A forma
jurídica das entidades do terceiro setor. In: CARVALHO, Marcelo; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Org.).
Aspectos jurídicos do terceiro setor. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 205.
42
difusos, renomeia-as sob o título de direitos fundamentais, soma-lhes garantias,
também ditas fundamentais, traz para o seu corpus matérias de direito privado e
arrola valores e objetivos e deveres, imputando a sua implementação tanto ao
Estado quanto à sociedade. Mais do que tudo, a Constituição passa a colimar fins de
ordem política, econômica, social, a implementar políticas, “normas-objetivo”, fins
que vinculam o Estado e a comunidade.99
Essas ações geram uma série de consequências, quais sejam: a pessoa humana e a sua
dignidade passam a ocupar um papel central no ordenamento jurídico, gerando, assim, uma
certa despatrimonialização do direito. “A supremacia do direito e da política sobre o mercado
e sobre a economia representa e epifania do direito civil”. À medida que resta enfraquecida a
contraposição entre público e privado, necessária uma composição diferenciada tanto dos
institutos quanto das instituições que são estimulados pela busca da igualdade e da
diferenciação, mas em especial da solidariedade enquanto função primordial do Estado
Moderno (em especial do dito Estado Democrático de Direito).100 Finalmente, compete ao
juiz a aplicação (e interpretação) dos princípios e normas constitucionais.
Portanto, ao passo que no Estado Social “o público avançara sobre o privado, agora
ocorre o fenômeno inverso, com a privatização do público. Público e privado cada vez mais se
confundem e interpenetram, tornando-se categorias de difícil apreensão neste cenário de
enorme complexidade”.101 As barreiras que separavam um do outro por tantos anos, dão
espaço a um terreno que entrelaça público e privado. Todos os elementos aqui suscitados
geram, no âmbito jurídico, uma crise tanto no direito posto quanto na maneira como ele
tradicionalmente costuma ser visualizado/interpretado, o que leva à realização de uma nova
interpretação, sob o viés constitucional, a fim de que haja uma revisão dos postulados
clássicos que foram incorporados quando do surgimento do Estado Liberal e também do
Estado Social.
As complexidades da atualidade, as mutações do formato adotado pelo Estado, a
proximidade cada vez mais visível entre Direito Público e Direito Privado, a necessidade de
uma interpretação constitucional que considere todos os elementos presentes na atualidade
(que são muitos ), não apenas darão espaços a novas figuras e possibilidades como também
99
MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e solidariedade social entre cosmos e taxis: a boa-fé nas relações de
consumo. In: ______. (Org.). A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 624.
100
PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo
(Coord.). Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 05.
101
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006,
p. 34.
43
abrirão caminho a discussões permeadas de novos subsídios, dando outras visões a questões
que pareciam sedimentadas, a exemplo da grande dicotomia preceituada por Norberto Bobbio.
1.3 As novas inter-relações entre Estado e sociedade civil: da crise à incorporação de um
novo papel
As relações humanas, de um ou de outro modo, sempre foram objeto de análise. Por
tempos, houve um nítido distanciamento da sociedade (sujeito) e do Estado. Contudo, a partir
do momento em que se vislumbra a impossibilidade de o Estado atender a tantas demandas
existentes, os movimentos da sociedade se iniciam, na tentativa de buscar soluções aos tantos
problemas enfrentados. Assim, a sociedade abandona a conduta passiva e passa a agir de
modo pró-ativo. “A redefinição das relações entre o Estado, a sociedade e o mercado projetase como um dos grandes desafios conceituais e políticos para a mudança do século”102, e esta
redefinição que é o foco a ser aqui analisado.103
A crise do Estado gerará uma nova relação entre Estado e sociedade, onde haverá não
apenas uma redefinição do papel desempenhado por ambos, mas também serão gerados
reflexos a eles. Contudo, para compreender esta nova relação faz-se necessário compreender o
papel da sociedade civil e o contexto em que se dá a crise que assola o Estado.
A reconstrução, ou a redescoberta, da sociedade civil diz respeito a um novo arranjo
societário a ser dado aos principais sistemas sociais – o Estado e o mercado – e
supõe que não possa mais subsumir o público ao estatal, como ocorreu no período
da modernidade e nos paradigmas do direito formal burguês (Estado Liberal) e do
direito materializado do Estado social (Estado de Bem-Estar Social).104
Hoje, a simples ideia de estatização e/ou privatização, não tem se mostrado suficiente
para resolver os problemas enfrentados pelo Estado, daí a necessidade de buscar alternativas.
Isso requer a redefinição de fronteiras entre o Estado e a sociedade, subjacente ao debate
102
VELÁSQUEZ, Fabio E. A Observadoria cidadã na Colômbia em busca de novas relações entre o Estado e a
sociedade civil. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org). O público não-estatal na
reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 257.
103
“Numa primeira aproximação pode-se dizer que a sociedade civil é o lugar onde surgem e se desenvolvem os
conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos, que as instituições estatais têm o dever de resolver ou
através da mediação ou através da repressão. [...] Nas mais recentes teorias sistêmicas da sociedade global, a
sociedade civil ocupa o espaço reservado à formação das demandas [...] que se dirigem ao sistema político e às
quais o sistema político tem o dever de responder [...]: o contraste entre sociedade civil e Estado põe-se então
como contraste entre quantidade e qualidade das demandas e capacidade das instituições de dar respostas
adequadas e tempestivas.”. In: BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade – para uma teoria geral da
política. 4. ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001, p. 37.
104
DIAS, Maria Tereza Fonseca. Terceiro setor e Estado: legitimidade e regulação. Belo Horizonte: Fórum,
2008, p. 95.
44
sobre o público não estatal. É fato que “indivíduo e Estado são indissociáveis; os fenômenos
de massificação social acompanham o movimento de atomização social. Não são
contraditórios, mas logicamente complementares. O laço social liga essas duas
extremidades”105. Dentro das mutações e complexidades enfrentadas, tem-se que atualmente
se busca uma inter-relação entre Estado, mercado e sociedade civil, na tentativa de “construir
juntos uma sociedade melhor”.106
Se o Estado de Direito tem suas raízes calcadas na limitação do poder do soberano na
relação com seus súditos, o Estado Democrático de Direito, a relação vai além da limitação de
poder, à medida que não busca apenas compreender o modo como a sociedade civil defendese do Estado, mas de como esta sociedade civil utiliza mecanismos de defesa em relação a
outras pessoas, a exemplo do que ocorre na relação entre minorias e maiorias, onde mesmo
em um campo de conflitos, há respeito às opiniões divergentes mesmo em campo de opiniões
dominantes. Assim sendo, “espera-se do sistema jurídico que imponha tratamento isonômico,
não discriminatório, e que regule as formas devoradoras de opressão, ou todas as foram de
opressão, as formas dissimuladas da guerra de todos contra todos”.107
A relação entre Estado e sociedade civil é vital à mantença da própria sociedade, tal
relação, ao longo da história, passa de uma fase de progressiva tolerância a uma fase onde se
exige a participação “de modo que, hoje, são poucos os que admitem um comportamento
omissivo do Estado frente ao encaminhamento e à solução dos grandes problemas sociais”.108
Nesse contexto historicista, percebe-se que o século XXI tende a ser caracterizado exatamente
em razão do entrelaçamento das esferas e não mais pelo distanciamento entre elas. A interrelação entre Estado e sociedade é necessária “porquanto se reconhece sua dependência
mútua, uma vez que nenhum ator detém todo o conhecimento e informação necessários para
105
ROSANVALLON, Pierre. A Crise do Estado Providência. Tradução de Joel Pimentel de Ulhôa. Goiânia:
UnB, 1997, p. 85-87.
106
BARROS NETO, João Machado de. Parcerias Público-Privadas: um enfoque gerencial. In: PAVANI, Sérgio
Augusto Zampol e ANDRADE, Rogério Emílio (Coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Editora MP,
2006, p. 111.
107
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. Saraiva: São Paulo, 2002, p. 90.
108
PASOLD, César Luiz. Função social do Estado Contemporâneo. Florianópolis: Diploma Legal, 2001, p. 4344.
45
resolver problemas complexos, dinâmicos e diversificados”.109 Hoje, “o setor público nãoestatal é o espaço da autonomia, da construção da sociedade civil e da cidadania”.110
A sociedade civil é, assim, um fenômeno histórico que resulta do processo de
diferenciação social. A emergência e a invenção da sociedade civil permitiriam que,
gradativamente, regimes autoritários passassem a ser substituídos por regimes
democráticos. [...] A sociedade civil, entendida como a sociedade que, fora do
Estado, é politicamente organizada, passa a ser ator fundamental que, nas
democracias contemporâneas, está, de uma forma ou de outra, promovendo as
reformas institucionais do Estado e do mercado.111
O espaço de deliberação entre os agentes sociais que procuram um maior
desenvolvimento da própria sociedade é o traço característico da sociedade civil, que, uma
vez posta ao lado do Estado, acaba por convergir para o desenvolvimento de pontos e setores
estratégicos da própria sociedade, tais como saúde e educação.
112
Este entrelaçamento
configura, “uma verdadeira relação, um vínculo profundo entre o Estado e a iniciativa
privada, muito diferente das privatizações, pois nestas o Estado se limitou, basicamente, à
regulação e à supervisão das atividades desenvolvidas pelo setor privado”.113
A força da sociedade civil está diretamente relacionada à força do Estado e é
considerado forte o Estado dotado de governança e de governabilidade político-
109
LEVY, Evelyn. Controle social e controle de resultados – um balanço dos argumentos e da experiência
recente. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma
do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 389.
110
BARRETO, Maria Inês. As organizações sócias na reforma do Estado brasileiro. In: BRESSER PEREIRA,
Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV,
1999, p. 145.
111
PIOVESAN, Flávia; BARBIERI, Carla Bertucci. Terceiro setor e direitos humanos. In: CARVALHO,
Marcelo; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Org.). Aspectos jurídicos do terceiro setor. São Paulo: IOB Thomson,
2005, p. 76.
112
“Nos Estados Unidos, contudo, essa evolução do provincianismo ao centro da economia mundial não se fez
contra a autoridade do Estado, mas, ao contrário, contou positivamente com ela, com sua força agregadora e
catalisadora e, justamente pelo fato de não haver antagonismo entre Estado e sociedade civil, estabeleceu-se um
relacionamento muito mais funcional entre a autoridade e os cidadãos, a partir de elementos que já estavam dados
desde a independência americana. [...] O caso brasileiro é ainda mais problemático, considerando-se que além dos
problemas próprios do modelo de autoridade centralizada, do lado da sociedade não se chegou a um patamar de
cidadania, o que faz com que, em termos de funcionalidade, se esteja num estágio comparável ao de certas nações
européias no fim do século XVIII [...]. A transposição do modelo federal dos Estados Unidos pra o Brasil na
Constituição republicana ou do modelo das agências, um século depois, padecem do mesmo problema, na medida
em que não se pode transpor a relação subjacente, entre autoridade e liberdade, entre governo e cidadania, entre
Estado e sociedade”. In: BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. Saraiva: São
Paulo, 2002, p. 85-87.
113
BARROS NETO, João Pinheiro de. Parcerias Público-Privadas: um enfoque gerencial. In. PAVANI, Sérgio
Augusto Zampol e ANDRADE, Rogério Emílio de. (Coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP
Editora, 2006, p. 111-112.
46
democrática114. Um não precisa ser fortalecido às custas do outro, o que se busca é uma
reconstrução do Estado a partir da sociedade civil, no intuito de fortalecer a democracia, pois
evidente que a sociedade civil propicia um amplo campo que se propõe ao debate tanto do
papel a ser desempenhado por um quanto pelo outro. “Família, sociedade civil e Estado são
manifestações, que não se anulam entre si, manifestações de uma mesma realidade, a
realidade do homem associando-se a outros homens”.115
[...] o primado do público significa o aumento da intervenção estatal na regulação
coativa dos comportamentos dos indivíduos e dos grupos infra-estatais, ou seja, o
caminho inverso ao da emancipação da sociedade civil em relação ao Estado, [...]
Com o declínio dos limites à ação do Estado, [...], o Estado foi pouco a pouco se
reapropriando do espaço conquistado pela sociedade civil burguesa até absorvê-lo
completamente [...]. Dessa reabsorção da sociedade civil pelo Estado, [...] representa
simultaneamente a tardia tomada de consciência e a inconsciente representação
antecipada [...] história em que são julgadas épocas de decadência [...] em que se
manifesta a supremacia do direito privado, tais como a idade imperial romana [...] e
a idade feudal [...]. Ao contrário, épocas de progresso são aquelas em que o direito
público impõe a revanche sobre o direito privado, tal qual como a idade moderna
[...].116
Não é possível confundir a sociedade civil com a sociedade política de partidos,
organizações políticas e afins. A primeira caracteriza-se por representar tão-somente uma das
esferas que compõe “o mundo sociológico de normas, práticas, papeis, relações competências
ou um ângulo particular de olhar este mundo de ponto de vista da construção de associações
conscientes vida associativa, auto–organização e comunicação organizada”. Todavia, esta
esfera possui extrema importância, haja vista que é a sociedade civil que representa e que
apesar de encontrar limitações, é parte que possui maior amplitude no campo “social” ou no
“mundo da vida”.117
A sociedade civil é uma impulsionadora de manifestações democráticas, um espaço de
discussões políticas e deliberação de ideias sobre as necessidades e as reivindicações da
sociedade perante o Estado. Tal espaço característico da sociedade civil permite a atuação de
determinados organismos sociais, que formados pela vontade de uma comunidade prestam um
serviço de caráter público, nas áreas da saúde, da educação e entre outros diversos meios
sociais. “Uma estratégia global de desenvolvimento deve ter por base dois elementos
114
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Sociedade civil: sua democratização para a reforma do estado. In:
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; WILHEIM, Jorge; SOLA, Lourdes (Org.). Sociedade e estado em
transformação. São Paulo: UNESP/ENAP, 1999. p. 91-92.
115
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.
21.
116
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade – para uma teoria geral da política. 4. ed. Tradução de
Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001, p. 25.
117
VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 7. ed. Record, São Paulo: 2004, p. 45-46.
47
fundamentais: a participação ativa dos cidadãos, voltada para a ação local, e uma parceria
entre Estado, mercado e sociedade civil”.118
Para além dos espaços entre Estado e mercado estão as associações da sociedade civil
que atuam como formadoras de opinião pública. A distinção destas associações dos “grupos
de interesse” reside no fato de estes restarem caracterizados pela lógica dos interesses
privados específicos, a exemplo do que ocorre com os sindicatos e com alguns órgãos de
representação empresarial. Falar em sociedade civil não significa falar em sociedade, tais
expressões não são sinônimas, pois aquela pressupõe uma maneira de pensar a sociedade,
segundo uma perspectiva de igualdade de direitos, de autonomia para participar, ou seja, a
idéia de sociedade civil está diretamente atrelada à ideia de “direitos civis, políticos e sociais
de cidadania”. 119
O modelo que representa uma menor centralização no Estado tem por foco, mecanismos
que representam uma cidadania menos centrada na força do Estado, trata-se de um espaço
representando por “família, comunidade e associações voluntárias, [...] mas essas fontes
informais de bem estar social têm importantes limitações, que precisam ser identificadas e
pesquisadas”.
120
As entidades de cunho “não-governamental, não-mercantil, não-corporativo
e não-partidário, podem assumir um papel estratégico quando se transformam em sujeitos
políticos autônomos e levantam a bandeira da ética, da cidadania, da democracia” 121 e de um
modelo de desenvolvimento capaz de gerar a inclusão social.
Desde a década de 60, percebe-se a capacidade de articulação e mobilização da
sociedade civil, até mesmo em razão da carência de políticas públicas capazes de atender as
demandas existentes, determinando um crescimento de associações civis, ONGs e atividades
de voluntariado, sendo elas focadas na proteção dos interesses coletivos, difusos e individuais
homogêneos, não atendidos pelo Estado. Estes elementos alteram de modo profundo o perfil
da sociedade e até mesmo da relação desta com o Estado, eis que são criadas mais vias de
118
VIEIRA, Liszt. Cidadania e controle social. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill
(Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 241.
119
VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 7. ed. Record, São Paulo: 2004, p. 61-63.
120
ROBERTS, Bryan R. A Dimensão Social da Cidadania. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n.
33, fev. 1997, p. 15.
121
VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 7. ed. Record, São Paulo: 2004, p. 66.
48
comunicação destinadas à definição de pautas de gestão não apreciadas pela política oficial.122
Contudo, as políticas sociais vigorantes no Brasil até os anos 80 excluíam a sociedade civil do
processo de formulação das ditas políticas, bem como da “implementação dos programas e do
controle da ação governamental. [...] é preciso ter em mente, no entanto, que havia, no padrão
estabelecido, mecanismos de articulação entre Estado e Sociedade”. 123
No panorama teórico e político, a ideia de sociedade civil ressurge nos anos 80124 e no
decorrer dos anos 90, as propostas de atuação estatal e da sociedade restam redefinidas e as
ideias de descentralização são ressaltadas, bem como o conceito de ação que é enfatizado,
assim como a busca por novas modalidades de interação entre a sociedade civil e o mercado,
o que pressupõe o envolvimento e a participação de ONGs, da comunidade e do setor privado
no fornecimento de serviços públicos. As novas configurações de gestão nas organizações
estatais buscam dar uma nova agilidade, eficiência e efetividade prestação dos serviços, a fim
de superar rigidez decorrente da burocratização de procedimentos e da excessiva hierarquia
dos processos decisórios.125
No Brasil, é a partir dos anos 90, com o retorno da democracia que a “sociedade civil
passou a vislumbrar novas formas de expressão política”126, a aproximação entre Estado e
sociedade civil é intensificada com a Constituição Federal de 1988. A democratização no País
deu-se como um longo procedimento que buscou compatibilizar o modo de operação das
instituições políticas e dos valores da sociedade dita democrática. Assim, busca-se equacionar
a relação entre estas duas distintas culturas políticas, a “semidemocrática e predominante no
nível do sistema e das instituições políticas; e outra democrática, predominante no nível do
mundo da vida e da sociedade civil”.127
122
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2006, p. 71.
123
FARAH, Marta F. S. Parcerias, novos arranjos institucionais e políticas públicas no Brasil. Cadernos Gestão
Pública e Cidadania, São Paulo, v. 18, 2000, p. 07-08.
124
VIEIRA, Liszt. Cidadania e controle social. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill
(Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 221.
125
FARAH, Marta F. S. Parcerias, novos arranjos institucionais e políticas públicas no Brasil. Cadernos Gestão
Pública e Cidadania, São Paulo, v. 18, 2000, p. 15.
126
SILVA, Carla Almeida. Os fóruns temáticos da sociedade civil: um estudo sobre o fórum nacional da reforma
urbana. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra,
2002, p. 143.
127
AVRITZER, Leonardo. Cultura política, atores sociais e democratização: uma crítica às teorias da transição
para a democracia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n. 28, jun/1995, p. 118-119.
49
As instituições sociais são fruto de uma formação artificial e não possuem a mesma
linearidade presente nos processos naturais, trata-se de uma “variação do sistema conceitual,
patentea-se uma nova relação entre Indivíduo/Sociedade Civil/Estado, que se alicerça numa
concepção de homem e de Estado”, assim sendo, não é apenas o homem que produz de
modo isolado as formas sociais de vivência, mas a sociedade que busca produzir as
organizações. As concepções contemporâneas apontam a uma convergência que leva à ideia
de que o Estado é uma má organização que deve ser controlada por organismos surgidos no
seio da sociedade civil; uma outra posição aponta os indivíduos, de modo isolado ou
analisados em grupo, como maus e como tais devem ser controlados pelo poder emanado do
Estado.128
É através de lutas nascidas em espaços ecumênicos, de movimentos sociais, de ONGs e
entidades de classe, que a sociedade civil demonstra a conexão de forças e a busca pela
“eficácia ou a realização de direitos ganha foros de compreensão da missão individual de cada
crente ou fiel”.129 Apesar de hoje muito se falar em globalização e em governos globais, a
verdade é que os problemas precisam ser enfrentados na esfera local, pois é neste espaço que
se multiplicam os pequenos eventos que levam à proliferação de ONGs, OCBs e de
organizações de outro tipo que tem como elemento fundador, a solidariedade, em diferentes
níveis. Todos estes movimentos representam basicamente uma resposta natural da sociedade
que busca uma auto-organização a fim de solucionar os problemas que não foram
solucionados pelo mercado ou pelo Estado, tais razões então levam ao surgimento do terceiro
setor.130
Da mesma forma que a sociedade altera sua postura, adotando uma conduta que busca
reequilibrar o papel que desenvolve. O Estado também adota uma maneira diferenciada de
agir, não se versa sobre um Estado Liberal, mas de um Estado que tem o compromisso de
buscar mecanismos capazes de regular a lógica planetária que se materializa juntamente com
o processo de globalização. O que se quer é menos Estado e mais setor público, mas também
se quer um setor privado que se mostre eficiente e funcional, mas tanto um quanto o outro
128
ROSSATTO, Noeli Dutra. A relação ciência e teoria do Estado na modernidade. Revista Sociais e Humanas,
Santa Maria, n. 2-3, maio/dez, 1994, p. 28-29.
129
BITTAR, Eduardo C. B. Direitos Humanos, pluralismo religioso e democracia: um estudo a partir da dialética
da secularização de Jürgen Habermas. In: TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; OLIVEIRA, Elton Somensi de
Oliveira (Orgs.). Correntes Contemporâneas do Pensamento Jurídico. São Paulo: Manole, 2010, p. 105.
130
DOWBOR, Ladislau. A Reprodução Social: Descentralização e Participação, as novas tendências. vol. III.
São Paulo, 2001, p. 18.
50
devem se submeter ao controle da sociedade civil, a fim de que a cidadania reste exercitada,
demonstrando o resgate das habilidades políticas dos cidadãos. A grande questão está
centrada na relação existente entre poder e sociedade civil.131
A chegada da pós-modernidade, marcada por vários paradigmas não deixa a sociedade
civil imune às mutações, eis que há uma ruptura de paradigma, vez que se passa
“gradualmente da pirâmide vertical e autoritária herdada do direito romano e retransmitida
pela estrutura da igreja tradicional, para o conceito de redes interativas de uma sociedade
muito mais horizontal”.132 Percebe-se hoje que a sociedade sofre um processo de reinvenção,
assim como as perspectivas que cercam sua compreensão, ocasionando, consequentemente,
um processo de mediação do conhecimento cotidiano na edificação das relações sociais.
Neste cenário, o “novo herói da vida é o homem comum, imerso no cotidiano, pois no
pequeno mundo de todos os dias, está também o tempo e o lugar e o lugar da eficácia das
vontades individuais, daquilo que faz a força da sociedade civil, dos movimentos sociais”.133
Hoje, a humanidade vive um momento de desenvolvimento, de disseminação de
informação e de possibilidade de acesso aos meios de comunicação e, consequentemente, de
acesso à democratizacão, que cresce no seio da sociedade. Neste contexto, surge um cidadão
“inteligente, conectado com sua comunidade real e virtual, bem informado, reflexivo, ativo
diante dos desafios que a vida lhe coloca, empreendedor e criativo, disposto a ou já exercendo
atividades cívicas, base da constituição de articulações, redes e associações” de quaisquer
tipos que levam a um processo que hoje é denominado de sociedade civil.134
É esse novo cidadão produzido pela contemporaneidade que está fazendo a
diferença, abrindo uma perspectiva de grandes inovações e mudanças na cultura
política e no padrão das relações sociais. É esse novo autor social, aparentemente
atomizado, frágil, desorganizado se analisado pela ótica da ciência política
convencional, que está na verdade sendo o novo agente propulsor das
transformações de toda ordem que ocorrem na vida em sociedade nas últimas
135
décadas.
131
DOWBOR, Ladislau. A Reprodução Social: Descentralização e Participação, as novas tendências. vol. III.
São Paulo, 2001, p. 10-12.
132
DOWBOR, Ladislau. A Reprodução Social: Descentralização e Participação, as novas tendências. vol. III.
São Paulo, 2001, p. 19.
133
LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006, p. 85.
134
FEIJÓ, Jandira; FRANCO, Augusto de. Olhares sobre a experiência da Governança Solidária Local de
Porto Alegre. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008, p. 14-15.
135
FEIJÓ, Jandira; FRANCO, Augusto de. Olhares sobre a experiência da Governança Solidária Local de
Porto Alegre. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008, p. 15.
51
O cidadão que exerce certas atividades públicas em sua comunidade, rompe com a idéia
dicotômica de Estado e mercado, busca parcerias no compromisso de assumir
responsabilidades que estejam preocupadas com o destino comum que une a humanidade. É o
cidadão que convoca todos, ou seja, “governos, empresas, universidades, meios de
comunicação, organizações sociais, cidadãos em geral para exercerem a sua responsabilidade
social, criarem ambientes participativos e solidários” 136, a fim de constituir redes sociais de
cooperação destinadas à melhora da vida e da convivência entre os sujeitos em suas
comunidades.
O equilíbrio entre Estado e sociedade civil é fruto de um processo democrático, que
tem como um de seus elementos o pluralismo (a pluralidade pode ser de equilíbrio ou de
desequilíbrio), que realça a busca pela conciliação, pelo equilíbrio entre as demandas e as
possibilidades de atendê-las, de modo que o interesse público não seja visto como algo
independente da sociedade civil.137 Na mesma linha, os valores da solidariedade e da
cooperação tendem a criar uma sociedade mais livre e aberta, assim, “a sociedade civil [...]
deve assumir o controle, através de sistemas de rede descentralizadas e livremente
articuladas, envolvendo universidades, organizações comunitárias, administrações locais,
representações profissionais”.138
[...] os fundamentos necessários para uma autodeterminação capaz de realizar o
projeto modernista de emancipação, embasado na razão e na ação comunicativas,
devem integrar a vida social cotidiana, e exigem, portanto, um engajamento da
sociedade civil, por meio de participação política, associações voluntárias,
movimentos sociais e desobediência civil, no processo de busca de entendimento
mútuo (Verständigung) em juízos de validade.139
Com a Constituição Federal de 1988, uma nova ordem jurídica instala-se no Brasil, eis
que se inicia um processo que estimula a democracia participativa, na mesma linha, a
legislação infraconstitucional busca energizar este processo, propiciando a maturidade crítica
da sociedade e a aproximação desta com o Estado, a ponto de haver uma identidade entre os
136
FEIJÓ, Jandira; FRANCO, Augusto de. Olhares sobre a experiência da Governança Solidária Local de
Porto Alegre. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008, p. 15-16.
137
GRAZIANO, Luigi. O Lobby e o interesse público. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n. 35,
out./1997, p. 136.
138
DOWBOR, Ladislau. A Reprodução Social: Descentralização e Participação, as novas tendências. vol. III.
São Paulo, 2001, p. 56.
139
OLIVEIRA JÚNIOR, Nythamar H. Fernandes de. Teoria discursiva do Direito e democracia deliberativa
segundo Jürgen Habermas. In: TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; OLIVEIRA, Elton Somensi de Oliveira
(Org.). Correntes Contemporâneas do Pensamento Jurídico. São Paulo: Manole, 2010, p. 68.
52
intentos da sociedade civil e as escolhas feitas pelo Estado, de modo a buscar a paz, o
progresso e a justiça.140
A renovação das esperanças, inovações decorrentes dos princípios e a nova concepção
de Estado, de sociedade civil e de democracia, também são frutos da Constituição Federal de
1988. Todos estes elementos levarão a um novo modelo de Administração Pública que vai se
modelar e se ampliar de modo a expandir os direitos fundamentais de participação e os demais
daí decorrentes.141 Nessa esteira, “[...] os atores da sociedade civil são transformados em
atores intermediadores de interesses políticos, destituídos de qualquer idiossincrasia
sociocultural”.142
As novas percepções trazidas pela Constituição Federal de 1988 provocam a
necessidade de reconhecer uma nova relação entre sociedade civil e Estado, a qual está
calcada na consideração efetiva dos direitos fundamentais de participação política, bem como
na concepção de mecanismos e de instrumentos capazes de viabilizar a dita participação, por
sua vez, o Estado perde o controle central do poder político, à medida que aderiu a um novo
pacto social.143
Por sua vez, a Administração Pública passa a atuar de um modo diferente, eis que
tem por base a cultura do diálogo, a fim de enxergar e compreender na as divergências
sociais existentes e, assim, não mais se contrapor à sociedade civil, mas favorecer o
trabalho desta. Há uma mudança nas relações entre Estado e sociedade civil, eis que
não mais há uma condição de tutela, haja vista que a Administração Pública está
atrelada às mediações sociais e à dinâmica dos atores sociais.144
140
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Participação Democrática: Audiências Públicas. In: GRAU, Eros
Roberto e Sérgio Sérvulo da Cunha. (Org.). Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Ed. Malheiros
Editores, 2003, p. 349-350.
141
LEAL, Rogério Gesta. Esfera Pública e Participação Social: Possíveis dimensões jurídico-políticas dos
direitos civis de participação social no âmbito da gestão dos interesses públicos no Brasil. In: A Administração
Pública Compartida no Brasil e na Itália: reflexões, preliminares. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 196.
142
COSTA, Sérgio. Movimentos sociais, democratização e a construção de esferas públicas sociais. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n. 35, out./1997, p. 132.
143
LEAL, Rogério Gesta. Esfera Pública e Participação Social: Possíveis dimensões jurídico-políticas dos
direitos civis de participação social no âmbito da gestão dos interesses públicos no Brasil. In: A Administração
Pública Compartida no Brasil e na Itália: reflexões, preliminares. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 200.
144
PEREZ, Marcos Augusto. A participação da sociedade na formulação, decisão e execução das políticas
públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São
Paulo: Saraiva, 2006, p. 166.
53
Hoje se verifica que “os grandes embates pela redenção do gênero humano de suas
limitações e misérias estão sendo readaptados a esse novo território da vida e do viver”. Há
uma reinvenção da sociedade, o que gera novas perspectivas de compreendê-la. É nesse
âmbito que ganha força a mediação do conhecimento do dia-a-dia na construção das relações
sociais. Em tal cenário, o novo herói da vida é o homem comum, imerso no cotidiano, pois,
no pequeno mundo de todos os dias está também o tempo e o lugar da eficácia das vontades
individuais, daquilo que faz a força da sociedade civil, dos movimentos sociais.”145
A proximidade entre Estado e sociedade civil altera a concepção dicotômica entre
Direito Público e Direito Privado, fazendo com que a linha limítrofe se mostre cada vez mais
tênue a ponto de não mais ser possível classificar de modo taxativo o que pertence ao Direito
Público ou ao Direito Privado, vez que se verifica a presença dos traços de ambos. Estas
alterações mostram-se em conformidade com as demais mudanças presentes na sociedade dita
globalizada e líquida, para utilizar a expressão de Zygmunt Bauman, mas esta sociedade
também busca no passado alguns elementos e valores, a exemplo da comunidade.
O comunitário valoriza certos ideais, busca emancipar a sociedade, por meio do cultivo
de uma nova cultura política e uma de nova qualidade de vida pessoal e coletiva. Iniciado o
processo de participação dos novos atores sociais, em razão da suavização da mencionada
dicotomia; aflora, então, uma nova concepção, calcada no trinômio Estado/mercado/sociedade
civil. Aos poucos, as organizações, fruto da sociedade civil, passam a integrar “o espaço
público, espaço esse que era antes considerado como esfera reservada ao Estado (confundindo
espaço público estatal com espaço público social) o qual não conseguiu efetivamente garantir
o interesse público, os direitos sociais e democratizar o acesso às políticas sociais”.146
A transferência de responsabilidades tende a criar um ambiente propício à participação
da sociedade civil em áreas pontuais da prestação estatal, geralmente em áreas ligadas à
questão social, como por exemplo, saúde e educação. É em meio à crise dos modelos estatais
tradicionais, estatistas e privatistas, que surgem novas propostas democráticas de
145
LEAL, Rogério Gesta. As potencialidades lesivas à democracia de uma jurisdição constitucional interventiva.
In: LEAL, Rogério Gesta. O Estado-Juiz na democracia contemporânea: uma perspectiva procedimentalista.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 150.
146
FERRAREZI, Elisabete. Estado e setor público não estatal: perspectivas para a gestão de novas políticas
sociais. Disponível em: <http://www.anesp.org.br/userfiles/file/estudos/estado_setor.pdf>. Acesso em: 03
mar.2010.
54
enfrentamento dos problemas sociais e é neste contexto que as instituições de ensino superior
comunitárias desenvolvem suas atividades, consoante restará aprofundado.
Ao propor uma terceira via em busca de uma boa sociedade, Amitai Etzione147 sugere
que esta sociedade “é aquela que equilibra três elementos aparentemente incompatíveis: o
Estado, o mercado e a comunidade”. Uma vez analisados aqui o papel, a mutação do Estado e
a importância da sociedade civil; cabe ponderar acerca do termo comunitário e, do público
não estatal, a fim de compreender função que as comunidades desempenham neste contexto
de mutações e de novas possibilidades que se apresenta nesta era pós-moderna e de que modo
ambos se apresentam no texto constitucional e infraconstitucional.
Para desvendar o papel das instituições de ensino superior comunitárias, antes, porém
necessário compreender relação deste modelo com as organizações não-governamentais,
paraestatais, serviços sociais autônomos, organizações sociais e com as organizações da
sociedade civil de interesse público, para que, em um momento posterior seja possível
perceber o porquê da (des) necessidade de um marco regulatório próprio às ditas instituições
de ensino superior comunitárias.
147
ETZIONI, Amitai. La Tercera Vía - hacia una buena sociedad. Propuestas desde el comunitariamo. Madri:
Minima Trotta, 2000, p. 17.
55
2 O COMUNITÁRIO E O PÚBLICO NÃO ESTATAL NA CONSTITUIÇÃO E NA
LEGISLAÇÃO
Antes de se adentrar na análise da presença do termo comunitário e do público não
estatal na legislação brasileira é necessário compreender o que cada expressão significa, o que
as diferencia, o que as aproxima, como elas surgiram. O comunitário é um termo com
tradição milenar, presente na Bíblia e ao longo do pensamento ocidental. Por sua vez, o
vocábulo público não estatal, no Brasil, passa a ser utilizado no Governo Fernando Henrique
Cardoso, a partir da Reforma do Estado, coordenada pelo então Ministro Luiz Carlos Bresser
Pereira, na metade dos anos 90.
Zygmunt Bauman dirá que a comunidade é fruto de preferências individuais, tratando-se
de um ente instituído e livremente escolhido, sendo assim, a sua experiência e as suas
escolhas, “sustentam essa existência, são irremediavelmente sobrecarregadas com as mesmas
ansiedades de correr riscos que todos os outros aspectos das vidas das pessoas completamente
individualizadas, que agem sob a condição de incerteza permanente”.148
Outra linha marcante no perfil de uma verdadeira comunidade é a presença e a força
de um interesse comum, uma causa agregadora, que gera a adesão e a coesão das
pessoas em torno de determinados valores ou normas, coesão, aliás, que será tanto
mais forte quanto maior for a atratividade dos objetos propostos. 149
Já o público não estatal150 mostra-se como uma figura mais contemporânea, que decorre
das mutações havidas na sociedade a partir da década de 70, quando “expressões como,
autonomia, autogestão, independência, participação, empowerment, direitos humanos e
cidadania passaram a ser associadas ao conceito de sociedade civil”.151
Isso acarreta um novo modo de pensar a sociedade. Consequência desta sociedade civil
é que público e privado já não mais significam, necessariamente, Estado e sociedade civil,
haja vista que nascem outros espaços denominados estatal-privado (empresas e corporações
estatais, que apesar de públicas têm comportamento semelhante ao das empresas e
148
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-Modernidade. Tradução de Mauro Gama e Cláudia Martinelli
Gama. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1998, p. 241.
149
VANUCCHI, Aldo. A universidade comunitária – o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2004, p. 20.
150
Aqui cabe fazer uma referência à principal obra de Luiz Carlos Bresser Pereira que trata desta temática:
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado.
Rio de Janeiro: FGV, 1999.
151
VIEIRA, Liszt. Cidadania e controle social. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill
(Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 236-237.
56
corporações privadas) e social-público (movimentos e instituições que mesmo sendo privados
buscam atender a objetivos sociais, construindo, o chamado espaço público não estatal152).153
O público não estatal está “associado às alterações das relações entre Estado e
sociedade, entre Estado e mercado, e mais amplamente à problemática geral das
transformações na própria natureza do político”.154 Necessário destacar que a ampliação da
“esfera pública não-estatal [...] não significa em absoluto a privatização de atividades do
Estado. Ao contrário, trata-se de ampliar o caráter democrático e participativo da esfera
pública, subordinada a um direito público renovado e ampliado”.155
A noção de público não-estatal contribui para assinalar a importância da sociedade
como fonte de poder político, atribuindo-lhe papel expresso – bem além do voto –
na conformação da vontade política e reivindicando asas funções de crítica e
controle do estado e, em geral, sua preocupação com a res publica. Mas o tema do
público não-estatal também implica atribuir à sociedade uma responsabilidade na
satisfação de necessidades coletivas, mostrando que também nesse campo o Estado e
o mercado não são as únicas opções válidas.156
Há princípios que sinalizam a caracterização das organizações sem fins lucrativos, quais
sejam “a solidariedade, o compromisso, a cooperação voluntária, o sentido do dever, a
responsabilidade, [...] e, em termos mais amplos, a “comunidade” enquanto mecanismo de
atribuição de valores”
157
. Esta comunidade diferencia-se do mercado, que tem por foco a
competição e do Estado, que tem sua origem baseada no poder coercitivo.
É sob a ótica do comunitário e do público não estatal, tanto sob um viés constitucional
quanto legal, que serão analisadas algumas figuras hoje presentes no cotidiano brasileiro e que
merecem destaque, a exemplo das rádios comunitárias, que desempenham um importante
papel e que, por vezes, são marginalizadas. Assim, para compreender o papel do terceiro setor
no Brasil e como ele se desenvolve serão avaliadas as figuras das ONGs, das Organizações
152
Necessário frisar que os partidos políticos não fazem parte deste grupo, pois fazem as vezes de Estado.
VIEIRA, Liszt. Cidadania e controle social. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org).
O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 237.
153
VIEIRA, Liszt. Cidadania e controle social. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill
(Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 236-237.
154
LANDER, Edgardo. Limites atuais do potencial democratizador da esfera pública não-estatal. In: BRESSER
PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de
Janeiro: FGV, 1999, p. 453.
155
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da administração pública burocrática à gerencial. In: BRESSER
PEREIRA, Luiz Carlos e SPINK, Peter (Org.). 2. Reforma do Estado e administração pública gerencial. ed. Rio
de Janeiro: FGV, 1998, p. 263.
156
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal.
In: ______. (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 30.
157
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal.
In: ______. (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 32.
57
Sociais e das OSCIPs, que não apenas inauguram uma nova fase no Estado brasileiro, mas
que também se destacam pelas suas atividades junto a muitas comunidades. Necessário,
porém, não esquecer qual o grande foco deste trabalho que são as instituições de ensino
superior comunitárias, que, na prática, representam o comunitário no País.
2.1 Desvendando as diversas possibilidades do comunitário
Em tempos de globalização em que se fala no fim da geografia158 e onde as pessoas
buscam cada vez mais ter acesso ao cosmopolitismo prometido, o interesse pelo estudo de
comunidades vem, gradativamente aumentando, pois é na comunidade que se verifica a
possibilidade tanto de fatores de proteção quanto de fatores de risco aos indivíduos que nela
vivem. Contudo, para que se chegue a uma conclusão do papel a ser exercido pela
comunidade e qual a sua função, é necessário, antes, compreender o seu significado, ou seja,
para saber se o comunitário é bom ou ruim, é preciso conhecê-lo, desvendá-lo.
A globalização altera a geografia, os costumes, o modo de vida, cria a ilusão de que os
espaços geográficos foram encolhidos e institui um modo de vida que até pouco não era
sequer imaginado pelas pessoas. E neste momento de grandes mudanças e de complexidades
que se discute o papel e a importância da comunidade, pois as mazelas do mundo que hoje se
apresenta estão, de um ou outro modo ligadas à ideia de globalização.159 “Seja o que for que
se conheça como “comunidade local”, foi algo que surgiu dessa oposição entre “aqui” e
“acolá”, “longe” e “perto””.160
Zygmunt Bauman ensina que as palavras possuem significados, que algumas delas,
todavia, despertam sensações. Comunidade é uma palavra que desperta o sentimento de
pertencer a algo, de sentir-se seguro e nos dias atuais, a comunidade seria uma espécie de
paraíso perdido. “Para começar, a comunidade é um lugar ‘cálido’, um lugar confortável e
158
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999, p.19.
159
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 9. ed. Rio de
Janeiro; São Paulo: Record, 2002, p. 20.
160
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999, p. 21.
58
aconchegante. É como um teto sob o qual nos abrigamos da chuva pesada, com uma lareira
diante da qual esquentamos as mãos num dia gelado”.161
A ideia de comunitário não fica adstrita ao sentimento que a palavra gera, vai além, pois
para existir a comunidade é necessário que haja algo em comum entre as pessoas que a
compõem, tal vocábulo parte do conceito de comum. Trata-se de um termo polissêmico.
Ademais, o “comunitário distingue-se do estatal e do privado: não pertence ao Estado, nem a
grupos particulares. Pelas suas finalidades e modus operandi é uma das formas do público,
abrangendo as instituições e organizações voltadas à coletividade”.162
[...] tem-se que: a) a comunidade é natural e espontânea, sendo a sociedade, de certa
maneira, artificial; b) a comunidade é uma maneira de ser (se é membro dela),
enquanto a sociedade é uma maneira de estar (se faz parte dela); c) na comunidade
existe integração e hierarquia, já na sociedade existe uma soma convencional de
elementos; d) na comunidade, têm primazia os valores (virtus), ao passo que, na
sociedade, predominam os valores divergentes (necessitas); e) na comunidade
predomina o ético e, na sociedade, o jurídico; f) a justiça comunitária possui
natureza distributiva, ao contrário da sociedade, onde a justiça é de natureza
comutativa.163
A verdade é que o termo comunidade é muito ambíguo, seja pela imprecisão ou até
mesmo pela diversidade conceitual. Tal termo pode ser utilizado tanto para dar uma noção
geográfica ou territorial, quanto para dar a ideia de relação para com uma rede social, onde há
qualidade nas relações humanas dentro deste circuito. Todavia, em ambos os casos são
gerados sentimentos de pertença. Amitai Etzioni164 defenderá que uma boa sociedade terá de
equilibrar três elementos, quais sejam: ao Estado, o mercado e a comunidade e indica que o
caminho para chegar a esta boa sociedade será a terceira via, ou seja, uma alternativa que não
seja o mercado ou o Estado. Assim sendo, as ditas comunidades
[...] proporcionam laços de afeto que transformam grupos de pessoas em entidades
sociais semelhantes a grandes famílias. Também transmitem uma cultura moral
compartida em conjunto de valores e significados sociais que consideram virtuosos.
Ademais, as comunidades podem ter uma base fundamentalmente residencial,
porém, contemporaneamente elas se desenvolvem entre membros de uma mesma
profissão, entre pessoas de uma mesma etnia, entre pessoas de uma mesma
161
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Tradução de Plínio Dentzien. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 07.
162
SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco
jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições
públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 19.
163
LEAL, Mônia Clarissa Henning. Jurisdição Constitucional Aberta: reflexões sobre a legitimidade e os limites
da jurisdição constitucional na ordem democrática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 56.
164
ETZIONI, Amitai. La Tercera Vía - hacia una buena sociedad. Propuestas desde el comunitariamo. Madri:
Minima Trotta, 2000, p. 17.
59
orientação sexual, ou compatíveis por uma mesma linha de pensamento político ou
cultural.165
Para que haja um processo comunitário é necessário haver uma interação comum na
busca de soluções a problemas enfrentados/sentidos por um grupo de pessoas, seja num
determinado espaço geográfico, seja em um espaço social formalizado. Ao mencionar
interesses comuns, tem-se, consequentemente, decisões que serão compartilhadas, vez que
todos do grupo serão atingidos pelas ditas decisões.
Se houver continuidade nas relações, está-se falando de algo mais profundo. A
comunidade integra e também delimita, por vezes o fato de ser de uma comunidade e de outra
pode gerar grandes choques. Mesmo em tempos de globalização, há traços que permanecem
entre as pessoas, que são mais sólidos do que a fluidez que a modernidade anuncia, “A fluidez
é a qualidade dos líquidos e gases, que os distingue dos sólidos”.166 Mas estas comunidades
existem em tempos globais?
A comunidade, outrora em casas e em aldeias, em cidades e em províncias, em
corporações e confrarias, foi a condição geral, o princípio que formou e afetou em
seu âmago a vida em sua totalidade. Hoje ela existe somente quase como algo
pessoal, como um feliz alvorecer da verdade entre os homens e persiste em formas
duradouras – em geral em estruturas decaídas ou decadentes – nas quais o Estado
contemporâneo não pode ou não quer tocar.167
Em uma boa sociedade deverá haver a combinação entre o respeito aos direitos
individuais e o atendimento de necessidades básicas do ser humano, assim, cada sujeito viverá
de acordo com suas responsabilidades para consigo, para com a família, os amigos e a
comunidade. Em outras palavras, ninguém será privado do acesso aos direitos básicos, ainda
que haja descumprimento das responsabilidades. “Quanto mais se avança na Terceira Via,
mais se deve buscar eliminar as fontes de exclusão social, [...] facilitar o acesso a
universidades de maior qualidade a todos é essencial para uma sociedade que pretenda
desenvolver-se com êxito na economia do conhecimento”.168
165
ETZIONI, Amitai. La Tercera Vía - hacia una buena sociedad. Propuestas desde el comunitariamo. Madri:
Minima Trotta, 2000, p. 24.
166
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
2001, p. 10.
167
BUBER, Martin. Sobre comunidade. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 51-52.
168
ETZIONI, Amitai. La Tercera Vía hacia una buena sociedad. Propuestas desde el comunitariamo. Madri:
Minima Trotta, 2000, p. 51-59.
60
Muito embora fique evidenciada a polissemia que cerca o vocábulo comunidade, parece
haver consenso de que para haver uma comunidade é necessária a presença de pelo menos três
características, quais sejam, o compartilhamento de um espaço, a existência de relações e de
laços comuns e, ainda, a ocorrência de uma interação social. Assim sendo, um grupo social
que possua características e interesses comuns ou que se diferencie dos aspectos gerais da
sociedade em que está contida, pode ser caracterizado como uma comunidade, pois, em
verdade, a comunidade não está adstrita a um local, mas sim a um processo interativo.
O termo comunidade tem sido amplamente empregado como um conceito de
incrível abrangência. É usado no sentido localista (esta comunidade mantém-se
firme na questão de...), na retórica da política mundial (a postura da comunidade
internacional contra o terrorismo), no sentido profissional (a comunidade científica),
na política do uso da franqueza em questões sexuais (padrões de decência da
comunidade) e no sentido nostálgico que remete a uma suposta era da harmonia
169
(precisamos resgatar o sentido de comunidade.
O comunitário está ligado a uma gama de ideias, que estão diretamente atreladas ao
conceito de comunidade, destacando-se o elevado grau de intimidade pessoal; a vivência de
relações sociais alicerçadas no afeto; a ocorrência de um compromisso moral; a existência de
uma coesão social e, ainda, uma continuação temporal. Entende-se, que é no seio da
comunidade que os membros desenvolvem a consciência e o sentimento de compartilhamento
de uma forma de vida, de referências em comum, de ideais a serem alcançados em prol do
coletivo.170
É na comunidade que os sujeitos criam não apenas o sentimento de pertença, mas
aguçam a sensação de ser integrantes de um contexto social onde há um intercâmbio entre as
pessoas do grupo, o que gera laços verdadeiros. Assim, de um lado ocorre a prestação de
apoio social e de outro, são disponibilizados recursos capazes de minimizar os efeitos
decorrentes do enfrentamento de situações de stress ao longo da vida pelos sujeitos. Zygmunt
Bauman refere que “o ‘comunitarismo’ ocorre mais naturalmente às pessoas que tiveram
negado o direito à assimilação. Tiveram negada a escolha – procurar abrigo na suposta
‘fraternidade’ do grupo nativo é sua única opção”.171
169
DOWNING, D. H. John. Mídia radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais. São Paulo: Senac,
2002, p. 73-74.
170
MARSHALL, Gordon. Oxford Concise Dictionary of Sociology. Oxford: Oxford University Press, 1994.
171
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Tradução de Plínio Dentzien. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 87.
61
Martin Buber traça diferenças entre comunidade e sociedade, referindo que a primeira
“é a expressão e o desenvolvimento da vontade original, naturalmente homogênea, portadora
de vínculo, representando a totalidade do homem. A sociedade é a expressão do desejo
diferenciado em tirar vantagens, gerado por pensamento isolado da totalidade” e afirma que a
sociedade dissolve a comunidade, contudo, ambas são “expressão e desenvolvimento de tipos
de vontade”. 172 Para o autor, até o início do capitalismo a ideia de comunidade estará atrelada
à localização geográfica. Hoje, não necessariamente se faz necessária a geografia.
Amitai Etzioni destaca que quem “vive em comunidade, vive mais tempo, com mais
saúde e mais satisfação, com menos problemas mentais, são menos agressivos e menos
propensos a juntar-se a grupos violentos, do que aquelas pessoas que vivem isoladas”.173
Assim, “o termo costuma ser associado a características como coesão, comunhão, laços
sociais fortes, integração, interesse público. Polissêmico e analiticamente impreciso, é muito
empregado na linguagem política e religiosa [...]”.174
Para atingir os objetivos que almeja, a comunidade deve enfatizar e estimular as
capacidades e Os predicados dos sujeitos que a compõem, além de buscar mecanismos
capazes de minimizar os efeitos dos déficits dos indivíduos ou até mesmo da própria
comunidade. Ao contrário do que se passa no mundo fora da comunidade, onde está presente
a voracidade da competitividade e a acentuação dos defeitos dos outros, a fim de que sujeitos
se sobressaiam em relação a outros, o que se tem na comunidade é a busca do
desenvolvimento pessoal, não de um ou outro membro, mas de todos eles. “Nossa vida
comunitária não é mais um “viver-um-no-outro” primitivo, mas um “viver-ao-lado-do-outro”
ajustado”.175
Amitai Etzioni trabalha com algumas das ideias de Martin Buber, em especial das
relações “Eu-Tu” (relação materializada pela comunidade) e “Eu-coisas” (relação consolidada
pelo mercado), a fim de demonstrar que uma boa sociedade é composta por diversos valores
nucleares, entre os quais são destacados: “a autonomia individual, o amor à paz, a
contemplação à cultura, os vínculos recíprocos com a família, os amigos e os membros da
172
BUBER, Martin. Sobre comunidade. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 50-52.
ETZIONI, Amitai. La Tercera Vía hacia una buena sociedad. Propuestas desde el comunitariamo. Madri:
Minima Trotta, 2000, p. 26.
174
SCHMIDT, João Pedro. O caráter público não-estatal da universidade comunitária: aspectos conceituais e
jurídicos. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, n. 29, jan./jun. 2008, p. 22-43.
175
BUBER, Martin. Sobre comunidade. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 53.
173
62
comunidade, a justiça social”. Em síntese, a boa sociedade será aquela capaz de encontrar um
ponto de equilíbrio entre o Estado, o mercado e a comunidade. 176 Portanto, enquanto Martin
Buber trabalha com a ideia Eu-Tu, Amitai Etzione explora as relações Eu-Nós.
Estado, mercado e comunidade em equilíbrio compõem a chamada boa sociedade,
sendo que cada um desempenha seu papel na construção do ser humano e é apenas com a
colaboração destes três membros e não através do confronto entre eles que a sociedade
evoluirá e considerará “o indivíduo como um todo, questão essencial para tratar as pessoas
como fins em si mesmas”. Necessário também esclarecer que “numa boa sociedade os níveis
sempre crescentes de bens materiais não são uma fonte confiável para o bem-estar e a
felicidade, ou mesmo, para uma sociedade sólida”.177
A comunidade em todas as suas formas deve ser enriquecida com nova realidade,
com a realidade das relações, puras e justas, entre os homens, de modo que, da união
de autênticas comunidades, surja um verdadeiro sistema comunitário que observa,
sorridente, como a engrenagem enferrujada se transforma, pedaço por pedaço, em
sucata.178
Em outras palavras, para materializar o comunitário é imprescindível que,
primeiramente, sejam asseguradas as garantias individuais, que são garantias que não apenas
protegem o todo, mas também são instrumentos capazes de gerar a simbiose necessária a um
equilíbrio e harmonia na comunidade. “Comunidade e comunitário são categorias com grande
relevância nos dias atuais. O discurso comunitário vem sendo constantemente retomado por
organizações sociais, instituições e agentes com diferentes orientações ideológicas”.179
A fim de que o projeto comunitário se concretize é necessário apelar às mesmas “(e
desimpedidas) escolhas individuais cuja possibilidade havia sido negada. Não se pode ser um
comunitário bona fide sem acender uma vela para o diabo: sem admitir numa ocasião a
liberdade da escolha individual que se nega em outra”.180 Viver em comunidade significa
estar disposto a compartilhar as coisas boas e ruins, trata-se de um espaço onde o outro é
incluído, onde os sujeitos devem atender a determinadas regras, é um ambiente onde há o
176
ETZIONI, Amitai. La Tercera Vía hacia una buena sociedad. Propuestas desde el comunitariamo. Madri:
Minima Trotta, 2000, p. 16-17.
177
ETZIONI, Amitai. La Tercera Vía hacia una buena sociedad. Propuestas desde el comunitariamo. Madri:
Minima Trotta, 2000, p. 75 e 103.
178
BUBER, Martin. Sobre comunidade. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 55.
179
SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação
Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010.
180
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade liquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001,
p. 195.
63
compartilhamento das vidas, seja por ideologia, tradição, ideologia ou trabalho. A
comunidade pode adquirir várias faces, eis que se trata de um termo maleável, “existem
comunidades de vida e de destino”.181 É com base nestas premissas que o comunitário passará
a ser analisado na Constituição Federal de 1988 e na legislação brasileira.
2.1.1 O comunitário na Constituição Federal de 1988
O século XXI inicia, trazendo mudanças ao centro do ordenamento jurídico, a exemplo
da Constituição que passa a ser o epicentro de uma nova lógica. Não se trata de uma
Constituição perfeita, mas ela “será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de
lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai
caminhar e abri-los. Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos, escuros e
ignorados da miséria”.182
Peter Häberle183 dá a exata dimensão da importância de uma constituição em um estado
constitucional, bem como do papel que a cultura desempenha neste contexto. Assim, a cultura
há de ser vista sob a perspectiva histórica, enquanto processo de aprendizagem, como
conjunto de costumes seculares, como modelo de organização da própria cultura, bem como
produto, como ideias ou como símbolos. Todavia, é a cultura a mediação do passado, presente
e futuro, em outras palavras, trata-se de uma tradição, inovação e pluralismo. Assim, o
resultado destas facetas resulta um conceito cultural igualmente aberto, que abarca tanto a
cultura educacional tradicional cidadã como a popular, quanto às culturas alternativas,
anticultura ou subcultura.
A Constituição, como delimitadora de práticas na sociedade, atua coordenando estas
ações ou, pelo menos, garantindo sua legitimidade. f: a norma, seja no seu processo
de elaboração, seja na sua aplicação, determinada histórica e socialmente. Assim,
quando trato do âmbito da norma (elementos e situações do mundo da vida sobre as
quais recai determinada norma), não me refiro a um tema metajurídico, porque
história, cultura, enfim, as características de uma sociedade, são os próprios
componentes da norma. A propalada característica de objetividade e generalidade do
direito aplica erroneamente o "absoluto" utilizado pelos parâmetros das ciências
naturais. Ademais, a norma não é uma obra acabada, que seria utilizável sem
maiores dificuldades. Muito mais, permanecem as concepções normativas
181
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005,
p. 17.
182
Discurso do Deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Constituinte, em 05 de outubro de 1988,
por ocasião da promulgação da Constituição Federal. Revista Direito GV, São Paulo, n. 8, p. 595-602, jul.-dez.
2008.
183
HÄBERLE, Peter. Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura. Traducción de Emilio Mikunda.
Madrid: Tecnos, 2002, p. 33-35.
64
orientadoras no espaço de um campo de problemas que abrange o âmbito da norma e
a estrutura do possível e dos casos concretos. Este é o motivo hermenêutico para a
caracterização da estrutura fática normativa como âmbito da norma, que não é
nenhum fato isolado, porém um quadro verbal que delimita o campo sobre o qual
184
permanece imprescindível a concretização prática.
Desse modo, o Direito passa a ser um mero instrumento, já que o homem não consegue
viver sem cultura e, assim, sendo, a Constituição é muito mais que um ordenamento jurídico,
ela assume o papel de fonte adutora ao cidadão, vez que ela não é apenas um conjunto de
textos jurídicos ou um compêndio de normas, mas sim a expressão de um desenvolvimento
cultural. As constituições, fruto dos intérpretes da sociedade aberta são, essencialmente, um
“instrumento mediador de cultura, marco reprodutivo e de recepções culturais, e depósito de
futuras configurações culturais, experiências e vivências, e saberes”185, sendo que, por vezes,
a constituição está até mesmo a frente de seu tempo. “A pessoa e o Estado Constitucional que
a “comunitariza” dependem de “fontes consensuais racionais” e “emocionais””.186
A Teoria da Constituição como ciência da cultura interfere de sobremaneira tanto nos
chamados processos culturais básicos (conteúdo) quanto na simbiose que se processa dentro
da federação. O texto constitucional é concebido a partir de uma série de elementos estruturais
individuais prévios, razão pela qual os textos jurídicos sejam apenas pontos de partida de
objetos educacionais (busca da verdade no Estado constitucional) e valores orientativos, estes,
por sua vez, servem especificamente como textos constitucionais em sentido amplo, por
serem elementos consensuais do Estado constitucional quando formam uma parte da
identidade cultural e das instituições públicas do Estado. Assim os preâmbulos as
constituições visam justamente estipular consensos básicos a todos os cidadãos, de modo
claro e acessível, os elementos contidos nos preâmbulos dão uma dimensão temporal, o que
pode acontecer até mesmo com a rejeição a um determinado passado histórico, podendo,
todavia, ter uma ligação com seu presente.187
A promulgação da Constituição Federal de 1988 significa a assunção de um novo pacto
sobre o modo como o País será guiado, trata-se de uma “nova estrutura normativa que
184
DERANI, Cristiane. Direto ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 20.
HÄBERLE, Peter. Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura. Traducción de Emilio Mikunda.
Madrid: Tecnos, 2002, p. 35.
186
HÄBERLE, Peter. Constituição e cultura - O direito ao feriado como elemento de identidade cultural do
Estado Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 26-27.
187
HÄBERLE, Peter. Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura. Traducción de Emilio Mikunda.
Madrid: Tecnos, 2002.
185
65
envolve um conjunto de valores [...] o objetivo primordial da constituição é a realização dos
valores que apontam para o existir da comunidade”.188 O texto constitucional estará
empenhado com a materialização da igualdade, bem como com a efetivação da dignidade da
pessoa humana e para que estes e outros ideais sejam alcançados, a comunidade é chamada a
opinar e a participar.
A Constituição Federal de 1998 tem cunho comunitário, pois além de buscar romper
com o positivismo e com a ideia privatista, a fim de construir uma sociedade mais justa e
igualitária, ela também assume o compromisso de desligar-se do passado com a ditadura
militar, em síntese, esta constituição simboliza o retorno do direito ao País. 189 Assim, esta
Constituição traz o vocábulo comunitário e comunidade em diversos artigos, sendo que em
cada momento tais expressões assumem diferentes nuances. Assim, a fim de vislumbrar a
amplitude que ditos vocábulos possuem, serão traçadas algumas linhas a fim de analisar o
texto constitucional, para tanto os artigos serão esmiuçados um a um.
O parágrafo único do artigo 4º.190 da Constituição Federal de 1988 faz menção ao
compromisso do Brasil em tentar uma integração social e cultural dos povos que se encontram
na América Latina, a fim de criar uma comunidade latino-americana de nações, menção
que é feita no topo do regramento constitucional. As Constituições anteriores a de 1988 não
trazem qualquer preceito similar a este, cujo objetivo está centrado na homogeneidade dos
povos da América Latina no que tange à economia, política, cultos, costumes e outros.191
“Trata-se de uma norma de caráter pragmático, [...] que tem como objetivo o pleno
desenvolvimento nacional em sua mais ampla expressão, através das relações entre os Estados
em referência”.192 Percebe-se que este artigo não apenas autoriza a integração da dita
comunidade latino-americana, mas também coloca a integração como objetivo, o que só
pode ser alcançado com a ação comum dos países que fazem parte da dita comunidade.193
188
CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva – elementos de filosofia constitucional
contemporânea. 4. ed. Rio de janeiro: Lúmen Júris, 2009, p. 16.
189
CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva – elementos de filosofia constitucional
contemporânea. 4. ed. Rio de janeiro: Lúmen Júris, 2009, p. 03-04.
190
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
[...] Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural
dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
191
BRASIL. Constituição Federal Anotada. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 101-102.
192
BRASIL. Constituição Federal de 1988 comparada e comentada. São Paulo: Price Waterhouse, 1989, p.154.
193
BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 2 ed., vol. 1. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 510.
66
O artigo 9º., § 1º.194 da Constituição Federal de 1988, discorre acerca do direito de
greve, e menciona o fato de que as necessidades inadiáveis da comunidade deverão ser objeto
de lei, assim como os serviços e atividades tidos como essenciais. Muito embora o termo
comunidade esteja presente neste artigo, o que se presa, em verdade, é a mantença de um
mínimo de serviços enquanto perdurar a greve, a fim de não prejudicar justamente a
comunidade195, por isso alguns trabalhadores devem permanecer em seus postos de trabalho.
A Emenda Constitucional nº. 45/2002 traz a chamada Reforma do Judiciário e a
alteração do status dos tratados internacionais, mas também traz mais uma vez o comunitário
para dentro do texto constitucional, no artigo 107, § 2º.196, pois ao falar dos Tribunais
Regionais Federais menciona que estes poderão, em sua jurisdição e a fim de criar a justiça
itinerante, utilizar equipamentos públicos e comunitários. Na mesma linha, dispõem os
artigos 115197 e 125198 da Constituição Federal de 1988, ao falar do funcionamento dos
Tribunais Regionais do Trabalho e da Justiça Estadual, respectivamente.
No que se refere aos serviços públicos de saúde, a Constituição Federal de 1988, entre
outras coisas, prevê a participação da comunidade na tomada de decisões, consoante
demonstra o artigo 198, inciso III199. A execução de serviços e a prática de ações atrelados ao
SUS (Sistema Único de Saúde) compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal, “com base
nos princípios da descentralização, atendimento integral e participação da comunidade, os
quais denotam um direito difuso da comunidade, de um lado, e o direito social do indivíduo,
tomado em si mesmo, do outro”.200 A assistência social segue por um caminho semelhante, à
194
Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercêlo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. § 1º - A lei definirá os serviços ou atividades
essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade [...].
195
BRASIL. Constituição Federal Anotada. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 473.
196
Art. 107. Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando
possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e
menos de sessenta e cinco anos, sendo: [...] § 2º Os Tribunais Regionais Federais instalarão a justiça itinerante,
com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva
jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários. [...].
197
Art. 115. Os Tribunais Regionais do Trabalho compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando
possível, na respectiva região, e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e
menos de sessenta e cinco anos, sendo: [...] § 1º Os Tribunais Regionais do Trabalho instalarão a justiça
itinerante, com a realização de audiências e demais funções de atividade jurisdicional, nos limites territoriais da
respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários. [...]
198
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. [...]
§ 7º O Tribunal de Justiça instalará a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da
atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e
comunitários.
199
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem
um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: [...] III - participação da comunidade. [...].
200
BRASIL. Constituição Federal Anotada. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1341.
67
medida que coloca como sendo um de seus objetivos (artigo 203201) a promoção da integração
dos portadores de deficiência junto à vida comunitária.
Quando se fala em educação das comunidades indígenas, a elas é assegurada a
possibilidade de utilizar as línguas maternas, em razão do disposto no artigo 210, § 2º 202, da
Constituição Federal de 1988; tal dispositivo busca proteger tanto o idioma pátrio quanto a
preservação das línguas nativas dos indígenas, a fim de conservar um dos pilares históricos e
culturais, que são referência do e no Brasil.
Os índios têm proteção constitucional, artigo 231, § 3º.203, da Constituição Federal de
1988, onde o termo comunidade resta expressado ao mencionar o caso de aproveitamento de
recursos hídricos, ocasião em que devem ser ouvidas as comunidades indígenas. Trata-se de
um “tema controvertidíssimo, porque interesses econômicos gravitam em torno dele. Mas está
dependendo de norma expressa para tornar-se plenamente aplicável”.204 O artigo 232205 da
Constituição Federal de 1988 refere que as comunidades indígenas têm legitimidade para
ingressar em juízo, a fim de defender seus direitos e interesses.
O artigo 213206 da Constituição Federal de 1988 tem aqui destaque, eis que ele que dará
margem à discussão de uma regulamentação específica às instituições de ensino superior
comunitárias, ao dispor sobre os critérios que devem ser atendidos para a obtenção de
recursos públicos, neste caso. Tal dispositivo trata da aplicação dos recursos públicos às
entidades não estatais, ou seja, às escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas. A
discussão acerca deste dispositivo constitucional restará aprofundada no terceiro capítulo.
201
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à
seguridade social, e tem por objetivos: [...] IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência
e a promoção de sua integração à vida comunitária; [...].
202
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação
básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. [...] § 2º - O ensino fundamental
regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas
línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
203
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os
direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens. [...] § 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais
energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com
autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos
resultados da lavra, na forma da lei. [...].
204
BRASIL. Constituição Federal Anotada. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1432.
205
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa
de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.
206
Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas
comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: [...] II - assegurem a destinação de seu
patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de
encerramento de suas atividades. [...].
68
Ao tratar do patrimônio cultural brasileiro, no artigo 216207, da Constituição Federal de
1988 há menção no § 1º. à colaboração da comunidade para a proteção e promoção do
mesmo. A família, ao receber proteção constitucional, no artigo 226, § 4º.208, da Constituição
Federal de 1988 (a partir daqui não mais há distinções entre a família e a entidade familiar) é
entendida como a comunidade formada por um ou dois genitores e pelos seus descentes.209
No artigo 227 da Constituição Federal de 1988,210, ao abordar os direitos das crianças e
adolescentes, há menção de que se trata de uma obrigação do Estado, da sociedade e da
família a proteção daqueles, o que inclui a proteção da convivência familiar e comunitária.
Na mesma linha, a proteção do idoso fica a cargo da família, da sociedade, do Estado e da
comunidade, de acordo com a disposição do artigo 230211 da Constituição Federal de 1988.
A Constituição Federal de 1988 aborda o compromisso da Imprensa Nacional e das
demais gráficas oficiais, no artigo 64 das disposições constitucionais transitórias212, de
promoverem a divulgação da Constituição através de edições populares, as quais deverão ser
distribuídas aos representantes da comunidade, escolas, cartórios, sindicatos, quarteis e
igrejas. A ideia trazida por este artigo é a de popularização da Constituição, todavia, é
necessário atentar ao linguajar do texto, o qual é bastante prolixo e robusto, o que leva a uma
dificuldade de compreensão por parte da população.
Outra conotação dada à comunidade diz respeito às comunidades quilombolas que têm
proteção especial em razão do artigo 68, também das disposições constitucionais
207
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: [...] § 1º - O Poder Público, com a colaboração da
comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
208
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 4º - Entende-se, também, como
entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
209
Apesar de o Direito de Família trazer na doutrina diversas espécies de família, não cabe aqui tal discussão.
210
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
211
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua
participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
212
Art. 64. A Imprensa Nacional e demais gráficas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, promoverão
edição popular do texto integral da Constituição, que será posta à disposição das escolas e dos cartórios, dos
sindicatos, dos quartéis, das igrejas e de outras instituições representativas da comunidade, gratuitamente, de
modo que cada cidadão brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituição do Brasil [...].
69
transitórias213. Aqui, necessárias duas ponderações, a primeira é de que o texto constitucional
se mostra rígido em relação à delimitação do princípio geral da inalienabilidade das terras
públicas; de outra banda, vislumbra-se que, apenas o Estado, pode emitir título de propriedade
aos remanescentes das comunidades quilombolas.214
Apesar de as expressões comunitário e comunidade estarem presentes em diferentes
momentos na Constituição Federal de 1988, tem-se que o ideal comunitário é refletido nesta
Constituição basicamente em três momentos: a) ao expressar valores constitucionais, direitos
fundamentais, possibilidade de participação da sociedade (democracia participativa),
remédios constitucionais que possibilitam a adoção de medidas por parte da comunidade; b) a
busca de uma operacionalidade à Constituição através do mandado de injunção e da ação de
inconstitucionalidade por omissão; c) O Supremo Tribunal Federal como órgão dotado de
caráter político que deve interpretar a Constituição e orientá-la em função dos valores nela
expressados.215
Ao analisar a Constituição Federal de 1988, percebe-se que a expressão comunitário(a)
ou comunidade é utilizada a fim de expressar e proteger diferentes situações, mas o fato de
estes vocábulos serem utilizados em diversos dispositivos demonstra a importância que o
comunitário/comunidade possuem para o texto constitucional e, consequentemente, à
sociedade brasileira. As variações que o termo sofre, eis que assume diferentes contornos ao
longo do texto constitucional, demonstra a plasticidade do mesmo. Logo, percebe-se que o
termo comunitário ou comunidade é utilizado em diferentes contextos, sem, contudo, perder a
sua identidade.
2.1.2 O comunitário na legislação
O comunitário vive hoje um momento de resgate, de retomada de valores que ao longo
do tempo ficaram perdidos e/ou esquecidos e isso acaba se expressando no modo de agir das
pessoas e, consequemente, reflete-se na legislação216. A legislação brasileira ainda tem
utilizado o vocábulo comunitário de modo tímido, todavia, percebe-se a presença da
expressão em diferentes contextos, o que então demonstra que o comunitário ganha diferentes
213
Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida
a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.
214
BRASIL. Constituição Federal Anotada. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1517.
215
CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva – elementos de filosofia constitucional
contemporânea. 4. ed. Rio de janeiro: Lúmen Júris, 2009, p. 43-61.
216
Necessário esclarecer que Zygmunt Bauman se mostra pessimista à experiência comunitária.
70
contornos, razão pela qual serão analisados alguns institutos que empregam o termo, devendose, desde já referir que o Código Civil217, o Código de Processo Civil218 e a Consolidação das
Leis Trabalhistas219 não fazem qualquer alusão à expressão.
O Código Penal220 faz menção à expressão comunidade ao abordar a aplicação das
penas, no artigo 46221, trata da prestação de serviços à comunidade. Na mesma linha, o
Código de Processo Penal222, por sua vez, traz a expressão em três oportunidades: a) no artigo
425, § 2º.223 ao discorrer acerca do alistamento de pessoas para compor o Tribunal do Júri; b)
no artigo 698, inciso II224, ao versar sobre a suspensão condicional da pena, traz a
possibilidade de prestação de serviços à comunidade; c) ao tratar do livramento
condicional, o artigo 725225 faz menção ao conselho de comunidade que atuará como
observador no cumprimento da pena, bem como orientando e protegendo o beneficiário. O
Código de Defesa do Consumidor226, ao tratar das penas privativas de liberdade e de multa,
faz alusão à prestação de serviços à comunidade, em seu artigo 78227.
217
BRASIL. Lei no. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010.
218
BRASIL. Lei no. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em:
<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010.
219
BRASIL. Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Lei no.
5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <www.planalto.gov.br.
Acesso em: 31 out.2010.
220
BRASIL. Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010.
221
Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores
a seis meses de privação da liberdade.
§ 1o A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao
condenado.
§ 2o A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e
outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.
222
BRASIL. Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:
<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010.
223
Art. 425. Anualmente, serão alistados pelo presidente do Tribunal do Júri de 800 (oitocentos) a 1.500 (um
mil e quinhentos) jurados nas comarcas de mais de 1.000.000 (um milhão) de habitantes, de 300 (trezentos) a
700 (setecentos) nas comarcas de mais de 100.000 (cem mil) habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos)
nas comarcas de menor população. [...] § 2o O juiz presidente requisitará às autoridades locais, associações de
classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos,
repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer
a função de jurado.
224
Art. 698. Concedida a suspensão, o juiz especificará as condições a que fica sujeito o condenado, pelo prazo
previsto, começando este a correr da audiência em que se der conhecimento da sentença ao beneficiário e lhe for
entregue documento similar ao descrito no art. 724. [...] II - prestar serviços em favor da comunidade. [...].
225
Art. 725. A observação cautelar e proteção realizadas por serviço social penitenciário, patronato, conselho de
comunidade ou entidades similares, terá a finalidade de: [...].
226
BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências. Disponível em:< www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010.
227
Art. 78. Além das penas privativas de liberdade e de multa, podem ser impostas, cumulativa ou
alternadamente, observado o disposto nos arts. 44 a 47, do Código Penal:
I - a interdição temporária de direitos;
71
A Lei nº. 8.472/1993228, que trata da organização da Assistência Social no Brasil,
menciona o comunitário tanto em seus objetivos, previstos no artigo 2º., inciso IV (a
assistência social tem por objetivos: [...] a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de
deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária), quanto ao discorrer acerca
de seus princípios, no artigo 4º., inciso III, onde é destacado o “respeito à dignidade do
cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à
convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de
necessidade”.
Merece destaque especial a Lei nº. 9.612/1998229, que regulamenta o funcionamento das
rádios comunitárias, trata-se de uma lei que vai, de modo muito claro, trazer ao ordenamento
jurídico brasileiro a ideia de comunidade, eis que diz respeito a um modelo de rádio que é
feito pela e para a comunidade. O artigo 1º. da lei conceitua “Serviço de Radiodifusão
Comunitária a radiodifusão sonora, em frequência modulada, operada em baixa potência e
cobertura restrita, outorgada a fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, com
sede na localidade de prestação do serviço”. Este modelo terá, então, a missão de trazer
diferentes pontos de vista acerca de temas polêmicos, justamente com o intento de vedar o
proselitismo. Talvez esta, hoje, seja a maior e melhor expressão do comunitário na legislação
brasileira. Necessário ainda destacar que boa parte da legislação que utiliza a expressão
comunitária diz respeito justamente à autorização para funcionamento das rádios
comunitárias.
Ao passo que aqui se fala de instituições de ensino superior comunitárias, necessário
mencionar a Lei no. 9.394/1996230, que tratará das diretrizes e bases da educação nacional e
que abordará o comunitário em dois momentos. No artigo 5º., ao dizer que o “acesso ao
ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos,
associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente
constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo”. A segunda
II - a publicação em órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às expensas do condenado, de
notícia sobre os fatos e a condenação;
III - a prestação de serviços à comunidade.
228
BRASIL. A Lei nº. 8.472/93, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e
dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010.
229
BRASIL. Lei 9.612/98, de 19 de fevereiro de 1998. Institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária e dá
outras providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010.
230
BRASIL. Lei no. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010.
72
alusão ao comunitário, diz respeito às categorias de instituições privadas de ensino, artigo
20, inciso II, dentre as quais estarão as comunitárias, “assim entendidas as que são instituídas
por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas
educacionais, sem fins lucrativos, que incluam na sua entidade mantenedora representantes da
comunidade”. Percebe-se que a classificação aqui realizada adotará a lógica dicotômica do
público versus privado. A Lei nº. 9.766/98231 tratará do salário educação, mencionando, então,
as escolas comunitárias.
Apesar de não haver legislação federal regulando a polícia comunitária (MG, RJ e SP
têm legislações estaduais regulamentando a matéria), necessário destacar que o Ministério da
Justiça232 trata do assunto, que ganhou destaque nos últimos tempos, por aliar a participação
da comunidade na identificação e resolução de problemas, bem como por atuar de modo
preventivo em relação ao crime. O Ministério da Justiça divulga e fomenta este modelo de
policiamento e oferece curso para líderes comunitários interessados em colaborar com as
instituições de segurança pública e defesa social.
Tal qual que ocorreu na análise da utilização do termo comunitário e comunidade ao
longo do texto constitucional, percebe-se também na legislação infraconstitucional uma
maleabilidade do termo, eis que é empregado tanto na área da educação, do policiamento, da
assistência social, da execução de penas, da radiodifusão. Estes elementos apontam à
maleabilidade do termo que se molda e se adapta às necessidades e expectativas da maior
interessada, qual seja: a comunidade.
Ao passo que o presente trabalho tem por fito trabalhar as instituições de ensino
superior comunitárias, necessário não apenas compreender o significado do comunitário, que
marca esta modalidade de instituição, mas também entender os elementos que compõem o
público não estatal, eis que as mencionadas instituições também têm traços que se
assemelham a este modelo.
231
A Lei nº. 9.766, de 18 de dezembro de 1998. Altera a legislação que rege o Salário-Educação, e dá outras
providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010.
232
MINISTÉRIO
DE
JUSTIÇA.
Disponível
em:
<http://portal.mj.gov.br/transparencia/data/Pages/MJE9CFF814ITEMID006F145729274CFB9C3800A0650511
07PTBRNN.htm>. Acesso em: 31 out.2010.
73
2.2 O público e o público não estatal na Constituição Federal de 1988 e na legislação:
desvendando o Terceiro Setor no Brasil
Antes de ingressar na esfera do público não estatal, é necessário compreender o
significado da palavra público, que pode ser definido233 como aquilo que “pertence ou
destinado ao povo, à coletividade [...]. Que é do uso de todos; comum”.234 Uma outra
definição de público diz respeito a “aquilo que todos podem participar, igualmente, podendo
portanto também ser expresso ou comunicado pela linguagem”.235
O público, entendido como o que é de todos e para todos, se opõe tanto ao privado,
que está voltado para o lucro ou para o consumo, como ao corporativo, que está
orientado para a defesa política de interesses setoriais ou grupais (sindicatos ou
associações de classe ou de região) ou para o consumo coletivo (clubes). Por sua
236
vez, dentro do público, pode-se distinguir entre estatal e não-estatal.
O público pode ser manifestado de duas maneiras: público estatal e público não estatal.
“O estatal, por definição, tem (deve ter) finalidades exclusivamente públicas. Todavia, o
público é mais abrangente que o estatal”.237 Ademais, “o entendimento de que público é
aquilo que pertence a todos, ao povo, está na raiz do postulado de que o comunitário é uma
das formas do público, do público não estatal”. 238
Ao público a propriedade é coletiva, seu usufruto é coletivo, enquanto no setor
privado a propriedade é individual, uma pessoa adquire um determinado bem, este
passa a ser sua posse. No público não-estatal assim como no privado, embora seus
defensores afirmem que seu fim é público este não se torna coletivo. O seu usufruto
depende das possibilidades econômicas do proprietário. 239
O público não estatal é um espaço que possibilita não apenas o aprofundamento da
cidadania, mas a construção de um paradigma diferente dos que até então se apresentavam,
233
Em idêntico sentido, DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.
1129.
234
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed.
totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 1664.
235
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1998, p. 813.
236
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal.
In: ______. (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 21.
237
SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco
jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições
públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 18.
238
SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação
Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010.
239
BORGES, L. F. P; NOGUEIRA. F. M. G. A efetivação da universalização do ensino fundamental e o
processo
de
democratização
no
Brasil.
Revista
HISTEDBR.
Disponível
em:
<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/rev16.html>. Acesso em: 19 jul.2009.
74
vez que além de estimular o aprofundamento da democracia e a construção de novos espaços,
possibilitam que ações baseadas na cidadania. Possibilitam também a criação de espaços
destinados à participação, espaços estes que têm lastros não em estruturas físicas, mas em
relações sociais que fogem à lógica público e/ou privado.
O espaço público é mais amplo do que o estatal, já que pode ser estatal ou nãoestatal. No plano do dever-ser o estatal é sempre público, mas na prática, não é: o
Estado pré-capitalista era, em última análise, privado, já que existia para atender às
necessidades do príncipe; no mundo contemporâneo o público foi conceitualmente
separado do privado, mas vemos todos os dias as tentativas de apropriação privada
do Estado. É público o espaço que é de todos e para todos. É estatal uma forma
específica de espaço ou de propriedade pública: aquela que faz parte do Estado. É
privada a propriedade que se volta para o lucro ou para o consumo dos indivíduos ou
dos grupos. Uma fundação, embora regida pelo Direito Civil e não pelo direito
administrativo, é uma instituição pública, na medida que está voltada para o
interesse geral. Em princípio todas as organizações sem fins lucrativos são ou devem
ser organizações públicas não-estatais. Poderíamos dizer que, afinal, continuamos
apenas com as duas formas clássicas de propriedade: a pública e a privada, mas com
duas importantes ressalvas: primeiro, a propriedade pública se subdivide em estatal e
não-estatal, ao invés de se confundir com a estatal; e segundo, as instituições de
Direito Privado voltadas para o interesse público e não para o consumo privado não
são privadas, mas sim públicas não-estatais.240
Necessário, também, traçar ponderações acerca dos entes administrativos que compõem
a Administração Pública, para compreender a sua estrutura e, ainda, firmar um pacto
semântico em relação às expressões e divisões que serão adotadas, para tanto, o referencial
utilizado será o de Diogo de Figueiredo Moreira Neto 241, em que pesem as diferentes
abordagens realizadas pelos administrativistas brasileiros.
Assim, a Administração Pública é cindida em três grandes blocos: Administração
Direta, Administração Indireta e Administração Associada. A Administração Direta é
composta pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal, conforme previsão
constitucional. A Administração Indireta será composta pelas autarquias e pelas
paraestatais242, o que engloba: empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações
públicas. Por sua vez, a Administração Associada é integrada pelas paraestatais, que abrange
240
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da Administração pública burocrática à gerencial. In: BRESSER
PEREIRA, Luiz Carlos; SPINK, Peter (Org.). Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. 2. ed. Rio
de Janeiro: FGV, 1999, p. 26.
241
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005.
242
Existe divergência na doutrina acerca das paraestatais. Para uma parcela, as paraestatais são as pessoas
jurídicas de direito privado criadas pelo Estado, como por exemplo: empresas públicas, sociedades de economia
mista, fundações públicas de direito privado. Defende este posicionamento: Hely Lopes Meirelles. Para outra
parcela, são paraestatais as entidades privadas não criadas pelo Estado, mas que se valem de prerrogativas deste
para se manter, a exemplo do que acontece com SESC, SENAI, SESI. Esta idéia é defendida por Diogo
Figueiredo Moreira Neto.
75
os Serviços Sociais Autônomos e os Conselhos Fiscais e pelas extraestatais, que, por sua vez,
são divididos em entes de parceria e entes de colaboração, estes abrangem as Organizações
Sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público.
Traçadas essas considerações acerca da Administração Pública, é possível ingressar na
seara do público não estatal. Ao passo que a rígida distinção entre público e privado é
superada, discute-se a regulamentação de uma nova espécie de pessoa jurídica, intitulada
pública não estatal. O vocábulo público não estatal não está materializado no texto da
Constituição Federal de 1988, muito embora o texto constitucional aponte à necessidade e à
importância de uma inter-relação entre Estado e sociedade civil. A legislação
infraconstitucional, então, é que trará a figura do público não estatal ao ordenamento jurídico
brasileiro, através das Leis nº. 9.637/1998 e 9.790/1999, firmando, assim, o marco regulatório
do terceiro setor no Brasil.
O terceiro setor contribui para assinalar a importância da sociedade como fonte de
poder político, atribuindo-lhe papel na vontade política e na reivindicação de suas
funções de crítica e controle do Estado. Também implica atribuir à sociedade uma
responsabilidade na satisfação de necessidades coletivas. E, à proporção que
redundam no desenvolvimento de capacidades e habilidades da sociedade civil na
solução de seus problemas, criam condições estáveis para a retirada do Estado como
produtor direto de bens e serviços.243
Com o colapso do Welfare State, enfraquece a ideia de que apenas o Estado tem o dever
de assegurar os direitos sociais. O chamado terceiro setor passa a ocupar alguns espaços
deixados pelo Estado. Compreender o dito terceiro setor significa fugir da dualidade mercado
e Estado. Falar de terceiro setor é falar de algo que não está atrelado ao governo nem à esfera
privada, mas ao chamado terceiro setor ou público não estatal, ou seja, trata-se de um setor
que busca atender às demandas públicas, mas que não está ligada ao Estado, é uma ideia mais
abrangente que dá à sociedade civil a possibilidade de resolução dos conflitos/dificuldades
por ela enfrentados, “o terceiro setor tem um papel mais complementar do que substitutivo
dos outros setores”.244
243
GONÇALVES, Vânia Mara Nascimento. Estado, sociedade civil e princípio da subsidiariedade na era da
globalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 168.
244
DOWBOR, Ladislau. A Reprodução Social: Descentralização e Participação, as novas tendências. Vol. III.
São Paulo, 2001, p. 61-62.
76
As discussões acerca do terceiro setor iniciam nos campos da antropologia, ciência
política e das ciências sociais, e, datam da metade da década de 90 245. Contudo, ganham
destaque apenas a partir do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado246 e dos estudos
daí decorrentes. Augusto de Franco247 denomina o terceiro setor, como sendo tudo aquilo que
não pertence ao primeiro ou segundo setor, ou seja, o que não engloba o Estado ou o
Mercado, e, arrebata referindo que tal conceituação pode parecer simplória, contudo, uma
classificação diversa seria incompatível com o termo. Muito embora, a classificação aqui
realizada seja bastante abrangente, há consenso acerca das características das aludidas
organizações, quais sejam:
(1) estão fora da estrutura formal do Estado (o que não impede que o Estado, em
alguns casos, regule o seu funcionamento, como ocorre em relação aos partidos
políticos); (2) não têm fins lucrativos (quer dizer, não distribuem eventuais lucros
auferidos com suas atividades entre os seus diretores ou associados); (3) são
construídos por grupos de cidadãos na Sociedade Civil como pessoas de direito
privado; (4) são de adesão não-compulsória; e, (5) produzem bens e/ou serviços de
248
uso (ou interesse) coletivo.
No Brasil, a expressão terceiro setor passa a ser utilizada após o Plano Diretor da
Reforma do Estado249, em 1995250, muito embora o crescimento tenha se dado nas últimas três
décadas, contudo, é a Lei no. 9.790/1999 que será apontada como marco legal do terceiro setor
no País.251 Trata-se de um fenômeno que ultrapassa as fronteiras do Brasil e da América
Latina e ganha o mundo, assim, crescem as entidades privadas, sem fins lucrativos, destinadas
245
“A década de 1990 assistiu a uma espécie de entronização da ideia de sociedade civil nos projetos de reforma
do Estado. Hoje, é quase unânime o argumento de que só pode haver reforma que produza um Estado ativo,
competente e democrático se ela trouxer consigo uma sociedade igualmente forte, ativa e democrática”. In:
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para a sociedade civil: temas éticos e políticos da gestão democrática.
2. ed. São Paulo: Nogueira, 2005, p. 58.
246
PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO. Disponível em:
http://www.bresserpereira.org.br/recipient3.asp?cat=153. Acesso em: 31 out.2010.
247
FRANCO, Augusto de. A Reforma do Estado e o Terceiro Setor. In: BRESSER PEREIRA, L. C.;
WILHEIM, Jorge e SOLA, Lourdes. Sociedade e Estado em Transformação. São Paulo: Unesp; Brasília: Enap,
1999, p. 283.
248
FRANCO, Augusto de. A Reforma do Estado e o Terceiro Setor. In: BRESSER PEREIRA, L. C.;
WILHEIM, Jorge e SOLA, Lourdes (Org.). Sociedade e Estado em Transformação. São Paulo: Unesp; Brasília:
Enap, 1999, p. 284.
249
“A reforma administrativa de 1995 teve como objetivo a substituição da administração pública burocrática
pela gerencial, abrindo-se cada vez mais para uma política de incentivo e financiamento de atividades executadas
pelos cidadãos na consecução de resultados, trabalhando com a perspectiva de redução do tamanho do Estado
promotor de bens e serviços. A nova proposta da administração pública de formação gerencial tem como ideia
norteadora apresentar como elementos a eficiência, a flexibilização, o controle finalístico, o contrato de gestão, a
qualidade e o cidadão-cliente. In: RICHTER, Luiz Egon; LEIDENS, Letícia Virgínia. O marco legal do terceiro
setor e sua (in)compatibilidade normativa com as instituições comunitárias. In: SCHMIDT, João Pedro (org.).
instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 42.
250
BRASIL. Presidência da República. Câmara da Reforma do Estado. Plano diretor da reforma do aparelho do
Estado. Brasília: MARE, 1995.
251
SCHMIDT, João Pedro. O caráter público não-estatal da universidade comunitária: aspectos conceituais e
jurídicos. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, n. 29, jan./jun. 2008, p. 22-43.
77
a atender as demandas no campo da assistência social, da saúde, da defesa do meio ambiente e
da proteção de direitos humanos, entre outras.252 Boaventura de Sousa Santos253 atrela o
surgimento do terceiro setor à crise do Estado Providência, vez que ele não surge num
processo de lutas, sejam elas sociais ou políticas, mas decorre, sim, de um processo
contornado por cooperação, solidariedade e participação, num momento em que os direitos de
terceira dimensão começam a ser implementados.
Em 1995, o Brasil inicia o processo de reforma administrativa, trata-se do primeiro País
em fase de desenvolvimento a adotar tal medida. Historicamente, é a segunda importante
reforma administrativa do Estado moderno, que mais dia menos dia deverá ocorrer em outros
países e “uma vez iniciada, não há alternativa senão prossegui-la”.254 A dita reforma tem por
fito colaborar na formação de um Estado que se mostre forte e também eficiente, para tanto é
necessário que três dimensões sejam enfrentadas:
a) uma dimensão institucional-legal, voltada à descentralização da estrutura
organizacional do aparelho do Estado através da criação de novos formatos
organizacionais, como as agências executivas, regulatórias, e as organizações
sociais; b) uma dimensão gestão, definida pela maior autonomia e a introdução de
três novas formas de responsabilização dos gestores – a administração por
resultados, a competição administrada por excelência, e o controle social – em
substituição parcial dos regulamentos rígidos, da supervisão e da auditoria, que
caracterizam a administração burocrática; e c) uma dimensão cultural, de mudança
de mentalidade, visando passar da desconfiança generalizada que caracteriza a
administração burocrática para uma confiança maior, ainda que limitada, própria da
administração gerencial.255
Falar em terceiro setor256, significa falar de uma pluralidade de possibilidades e “a
pluralidade normativa de regência das entidades do terceiro setor pode resultar – como parece
252
BARBOSA, Maria Nazaré Lins. A experiência dos termos de parceria entre Poder Público e as Organizações
da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). In: SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias Público-Privadas
(Coord.). São Paulo: Malheiros, 2005, p. 488-489.
253
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma reinvenção solidária e participativa do Estado. In: BRESSER
PEREIRA, L. C.; WILHEIM, Jorge e SOLA, Lourdes (Org.). Sociedade e Estado em Transformação. São Paulo:
Unesp; Brasília: Enap, 1999, p. 255.
254
PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/rgp.asp>. Acesso em: 31 out.2010.
255
PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/recipient3.asp?cat=153>. Acesso em: 31 out.2010.
256
Boaventura de Sousa Santos critica o uso generalizado da expressão. In: SANTOS, Boaventura de Sousa.
Para uma reinvenção solidária e participativa do Estado. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carkis; WILHEIM,
Jorge; SOLA, Lourdes (Org.). Sociedade e Estado em Transformação. São Paulo: UNESP; Brasília: ENAP,
1999, p. 250-258.
“Ao passo que são apresentadas “quatro justificativas para o agrupamento dos componentes do terceiro setor sob
uma mesma terminologia: o contraponto às ações do governo, pois destaca a idéia de que os bens e serviços
públicos resultam não apenas da atuação do Estado, mas também de outras alternativas; o contraponto às ações
do mercado; a unificação terminológica, que empresta um sentido maior aos elementos que o compõem
(caridade, filantropia, mecenato e cidadania); uma visão integradora da vida pública, enfatizando a
78
ocorrer na realidade – na inefetividade dos diversos modelos de qualificação jurídica e ainda
criar uma disputa interna entre as entidades que devem possuir interesses que são, em alguma
medida, semelhantes”.257
É através do controle social que o público não estatal resta fortalecido, eis que os
cidadãos têm a oportunidade de “exercer uma função crítica sobre o comportamento dos
agentes públicos, estatais e não-estatais. É, neste sentido, um instrumento de regulação que
pode ser exercido quer em função de interesses particulares, quer em função de interesses
gerais”.258 O terceiro setor, então, pode ser conceituado como um espaço que não integra nem
o Estado, nem o mercado, e, que busca trazer o cidadão para participar na tomada de decisões
e na busca de soluções a problemas que são identificados em distintas esferas da sociedade.
Assim, a sociedade civil não apenas é fortalecida, mas também se compõe como “uma esfera
de ação social, de demanda por cidadania e 'democracia, onde o próprio conceito de ONG é
entendido como parte constituinte deste”.259
O Terceiro Setor tem origem norte-americana e é fruto “de um recorte do social em
esferas: o Estado (“primeiro setor”), o mercado (“segundo setor”) e a “sociedade civil”
(“terceiro setor”). Carlos Montaño aponta quatro debilidades do chamado terceiro setor, a
saber: a) em relação a dificuldade de conceituação; b) quais entidades o integram; c) a
amplitude do conceito de terceiro setor, o que leva a uma abertura capaz de abrigar, sob o
mesmo manto, organizações formais e atividades informais, voluntárias e/ou individuais,
atividades de interesse político, ambiental, entre outros; d) características que não atendem à
generalidade das entidades do terceiro setor, a exemplo das expressões, não-governamental,
autogovernado e não-lucrativo.260
Não há no terceiro setor nem a lógica do Estado, ou seja, a ideia de um direito público;
tampouco a lógica lucrativa do mercado. O chamado Terceiro Setor “perturba estas lógicas.
complementaridade entre as ações públicas e privadas”. In: DIAS, Maria Tereza Fonseca. Terceiro setor e
Estado:legitimidade e regulação. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 99-100.
257
DIAS, Maria Tereza Fonseca. Terceiro setor e Estado: legitimidade e regulação. Belo Horizonte: Fórum,
2008, p. 202.
258
VELÁSQUEZ, Fabio E. A Observadoria cidadã na Colômbia em busca de novas relações entre o Estado e a
sociedade civil. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org). O público não-estatal na
reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 264.
259
LOUREIRO, Carlos Frederico B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem
política. Rio de Janeiro; São Paulo: Quartet, 2006, p. 124.
260
MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social – crítica ao padrão emergente de intervenção social. São
Paulo: Cortez, 2002, p. 53-57.
79
As suas iniciativas nascem do movimento espontâneo de um grupo de pessoas preocupadas
com um problema social que não encontra soluções aparentes nem no Estado nem na
empresa, e que se organizam para dar uma resposta.”261
O problema resultante diretamente deste conceito é que resulta numa despolitização
na pratica cidadã individual e coletiva em função da incapacidade de se entender
como estes setores só fazem sentido vistos em relações de constituição mútua. [...]
A base de sustentação do conceito de terceiro setor está nas categorias parceria e
cooperação entre os setores sociais e, conseqüentemente, em uma publicização que
deve ser vista como resultante de avanços nas relações sociais, uma vez que
expressa a instituição de organismos ou instâncias que congregam governo, empresas e entidades civis não-lucrativas, na resolução de problemas eminentemente
sociais. Tal perspectiva está concretizada, no Brasil, por meio da Lei das
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), de 23/4/99, e do
Decreto. n° 3.100, de 30161 99, que acentua a responsabilidade privada de cidadãos
associados, operando em áreas de interesse público (Bocayuva, 1999) por intermédio do conceito chave de parceria.262
Apesar de a Constituição Federal de 1988 não trazer as expressões público não estatal,
terceiro setor, organização não governamental, vislumbra-se que em diversos momentos há a
previsão de participação da sociedade civil263. Falar em terceiro setor significa falar em uma
“esfera da sociedade civil que se utiliza primordialmente da estratégia da parceria e da
cooperação como mecanismo de democratização e realização de serviços pela sociedade civil
organizada, com pouca ênfase na disputa por hegemonia e autonomia”.264 “O setor produtivo
público não estatal é também conhecido por ‘terceiro setor’, ‘setor não-governamental’ ou
261
DOWBOR, Ladislau. Democracia econômica: alternativas de gestão social. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 170171.
262
LOUREIRO, Carlos Frederico B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem
política. Rio de Janeiro; São Paulo: Quartet, 2006, p. 124-125.
263
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 05 out.2010.
Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e
com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. [...] § 2º - às
comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: [...] II - realizar audiências públicas com entidades da
sociedade civil; [...].
Art. 79. É instituído, para vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Fundo de
Combate e Erradicação da Pobreza, a ser regulado por lei complementar com o objetivo de viabilizar a todos os
brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de
nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social
voltados para melhoria da qualidade de vida. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000)
Parágrafo único. O Fundo previsto neste artigo terá Conselho Consultivo e de Acompanhamento que conte com
a participação de representantes da sociedade civil, nos termos da lei.
Art. 82. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem instituir Fundos de Combate á Pobreza, com os
recursos de que trata este artigo e outros que vierem a destinar, devendo os referidos Fundos ser geridos por
entidades que contem com a participação da sociedade civil.
264
LOUREIRO, Carlos Frederico B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem
política. Rio de Janeiro; São Paulo: Quartet, 2006, p. 124.
80
‘setor sem fins lucrativos’. [...] o público não-estatal é também o espaço da democracia
participativa ou direta, ou seja, é relativo à participação cidadã nos assuntos públicos”.265
Muito embora, “para muitos, as atividades da sociedade civil organizada simplesmente
desresponsabilizam o Estado das suas obrigações, para outros constituem um bandaid para os
desmandos corporativos”.266 Na prática, percebe-se que a situação apresentada é diferente,
notadamente, no que diz respeito às instituições de ensino superior comunitárias é necessário
destacar que, muito embora, elas possuam semelhanças, a exemplo da finalidade pública, do
caráter não governamental e da ausência de persecução pelo lucro, elas também possuem
traços diferenciadores, quais sejam:
a) envergadura organizacional: as instituições comunitárias têm, via de regra,
envergadura bem maior. Universidades, escolas, hospitais são grandes organizações,
com dezenas, centenas ou milhares de funcionários, que atendem a grandes
contingentes de usuários; por outro lado, boa parte das organizações do terceiro
setor tem poucos funcionários e atende a um número restrito de pessoas;
b) adesão voluntária x trabalho profissional: a adesão voluntária é uma característica
fundamental de boa parte das organizações do terceiro setor, de modo que o vínculo
do cidadão com a organização mantém-se com base nessa premissa, já as
instituições comunitárias são organizações profissionalizadas, com funcionários
contratados segundo as leis trabalhistas;
c) pluralidade e amplitude da participação da comunidade regional: boa parte das
organizações do terceiro setor é composta por um pequeno número de componentes;
as instituições comunitárias são formadas por vários segmentos sociais, donde
deriva seu caráter de pluralidade;
d) doações voluntárias x cobrança pelos serviços: enquanto boa parte das ações do
terceiro setor é viabilizada por doações de pessoas físicas e jurídicas, as
comunitárias sustentam-se através da cobrança dos serviços que prestam aos
usuários.267
Dada a ampla gama de possibilidades que envolve o terceiro setor, percebe-se que, aqui
foram traçadas apenas algumas pinceladas, no intuito de esclarecer alguns conceitos e ter
alguns aportes que possibilitem a continuidade da discussão proposta. Pois bem, nota-se que
há diferenças entre o terceiro setor e o chamado público não estatal, muito embora existam
também muitas afinidades. Ora, o terceiro setor abrange as entidades tidas como de caráter
público não estatal. Por outro lado, o terceiro setor abarca organizações com finalidades muito
distintas, consoante já referido. Assim, as chamadas instituições comunitárias não tendem a
ser consideradas integrantes do terceiro setor, em virtude da estrutura organizacional, do
trabalho profissional, da participação comunitária plural e em razão da cobrança dos serviços,
265
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal.
In: ______. (Org). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 16.
266
DOWBOR, Ladislau. Democracia econômica: alternativas de gestão social. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 173.
267
SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco
jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições
públicas não-estatais, p. 30.
81
contudo, é possível dizer que as instituições comunitárias, possuem o caráter público não
estatal.
2.2.1 Breves notas acerca das Organizações não Governamentais – ONGs, no Brasil
As ONGs268 têm início na década de 70, no Brasil, com os movimentos ambientalistas,
contudo, é a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 que elas ganham força,
visibilidade e certa proteção graças à abertura democrática que ocorre no País, muito embora,
“no início da década de oitenta, o termo ONG passou a ser amplamente utilizado, expressando
um segmento importante da vida coletiva para designar as relações na e com a sociedade civil
e com o governo”.269
É a partir da década de 90, então, que estas organizações começam a ter mais
destaque e mais adesão da sociedade civil, na esfera ambiental, o “boom da criação das
ONGs ambientalistas no Brasil deu-se a partir do início dos anos 80, com grande pico no
início da década de 90 (às vésperas da realização da Rio 92)”.270 . Portanto, as ONGs
colaboram para que haja a materialização da dita inter-relação entre Estado e sociedade
civil, fugindo à lógica do binômio Estado versus mercado.
O termo "organização não-governamental" (ONG), tradução do inglês nongovernamental organization (NGO), tem sua origem nas Nações Unidas, onde
foi utilizado pela primeira vez para designar organizações que atuavam em nível
internacional. A Resolução 288(x) de 1950 do Conselho Econômico e Social
(Ecosoc) definiu ONG no âmbito das Nações Unidas como sendo uma
organização internacional a qual não foi estabelecida por acordos
governamentais. Na literatura latino-americana, mais especificamente brasileira,
o termo ONG surge na metade dos anos 80 em estudos sobre o que Rubem
César Fernandes chamou na época de “microorganizações não-governamentais"
sem fins lucrativos. Em organizações que realizavam projetos junto aos
268
O termo “ONG” não é uma figura jurídica, e sim, uma expressão carregada de identidades e revestida de um
manto simbólico repleto de significados contraditórios, que foi ganhando sentidos a partir da década de 1980 por
meio das dinâmicas sociais e políticas da sociedade brasileira. Historicamente, as primeiras ONGs foram
constituídas nas décadas de 1970, 1980 e 1990, tendo como objetivo a defesa de direitos e a promoção do
desenvolvimento sustentável, em uma perspectiva de redução das desigualdades. Parte do universo associativo e
fundacional brasileiro, as ONGs de defesa de direitos e desenvolvimento construíram uma nova dimensão ou
segmento na vida associativa brasileira, com organizações pautadas pela luta por direitos e pela constituição de
novos direitos, especialmente os chamados direitos humanos, econômicos, políticos, sociais, culturais e
ambientais”. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS –
ABONG. Um novo marco legal para as ONGs no Brasil – fortalecendo a cidadania e a participação
democrática. Disponível em: <http://www.abong.org.br>. Acesso em: 01 nov.2010.
269
LOUREIRO, Carlos Frederico B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem
política. Rio de Janeiro; São Paulo: Quartet, 2006, p. 120.
270
FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo:
Annablume, 2009, p. 159.
82
movimentos populares, por exemplo, na área da promoção social. Na Alemanha,
por outro lado, o termo ONG surgiu dentro do governo. Ao ser criado, em 1962,
o Ministério da Cooperação Econômica e Desenvolvimento começou a repassar
subsídios para o que definiu como “unicht staatliche organisationen", ou seja,
organizações não estatais, como por exemplo, as igrejas católica e evangélica. 271
A história das ONGs está diretamente atrelada à história dos movimentos sociais,
assim, ao longo dos tempos, estas buscam “melhor organização, participação, articulação nas
suas demandas, reivindicações e lutas”.272 Hoje, percebe-se que “a dificuldade em medir o
número preciso de organizações no País está não apenas na falta de dados e instrumentos
confiáveis de medição, como também no debate sobre o que faz parte ou não do universo das
ONGs”.273
Conceituar as ONGs, hoje, significa fugir à lógica dicotômica público versus privado,
vez que surgiu uma nova possibilidade, intitulada “público-comunitário-não-estatal, vindo a
se constituir no “terceiro setor” economia, no plano informal”.274 “é fundamental a clareza de
que o conceito ONG é apenas político, ou seja, ele não existe formalmente e tem sido
comumente usado de forma generalista”.275 Falar em ONGs significa falar de organizações
não criadas pelo governo, que devem ter como características gerais o fato de que:
[...] são organizações formais, pois não constituem apenas um agrupamento de
pessoas, mas apresentam estrutura estabelecida com a finalidade explícita de
atingir certos objetivos; são organizações sem fins lucrativos; possuem uma
certa autonomia; realizam atividades, projetos e programas na chamada área de
"política de desenvolvimento", visando contribuir para a erradicação das
condições de vida desiguais e injustas no mundo. 276
As ONGs têm por finalidade atender necessidades da população, de modo direto em
comunidades específicas ou através de uma atuação em comunidades específicas ou, ainda,
agirem por meio de parcerias e de articulações com entidades, sejam elas privadas ou
governamentais. Ao contrário do que se dá com as organizações tradicionais, as ONGs não
271
FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo:
Annablume, 2009, p. 140.
272
MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social – crítica ao padrão emergente de intervenção social. São
Paulo: Cortez, 2002, p. 138.
273
TEIXEIRA, Ana Claudia Chaves. A atuação das organizações não-governamentais: entre o Estado e o
conjunto da sociedade. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo:
Paz e Terra, 2002, p. 105.
274
GOHN, Maria da Glória. Os sem-terra, ONGs e cidadania. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2003, p. 54.
275
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS – ABONG. Um novo
marco legal para as ONGs no Brasil – fortalecendo a cidadania e a participação democrática. Disponível em:
<http://www.abong.org.br>. Acesso em: 01 nov.2010.
276
FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo:
Annablume, 2009, p. 141.
83
falam de comunidades ou classes específicas, mas sim em prol de causas e de objetivos, o
que possibilita uma maior mobilização e articulação. O que diferencia as ONGs é justamente
a amplitude de sua atuação e busca por uma consciência cidadã, onde são refutados os
benefícios que não se mostrem capazes de gerar autonomia e independência.277
Após a aprovação da Lei n. 9.790, de 23 de março de 1999, pelo Congresso
Nacional, foi definido um marco legal para as ONGs, genericamente
mencionadas como "o terceiro setor", após ampla discussão pela sociedade civil
e setores de governo. Essa lei dispõe sobre as organizações da sociedade civil de
interesse público, sem fins lucrativos. A lei estabelece um parâmetro para as
organizações não-governamentais, uma vez que reconhece como organizações
de interesse público aquelas que têm por objeto: (a) promoção da assistência
social; (b) promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e
artístico; (c) promoção gratuita da educação; (d) promoção gratuita da saúde; (e)
promoção da segurança alimentar e nutricional; (f) defesa, preservação e
conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; (g)
promoção do voluntariado; (h) promoção do desenvolvimento econômico e
social e combate à pobreza; (i) experimentação, não-lucrativa, de novos modelos
socioprodutivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e
crédito; (j) promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e
assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; (k) promoção da ética, da
paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores
universais; (1) estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas,
produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos
mencionadas nos itens acima.278
A proliferação e fortalecimento das ONGs, corrobora a ideia de que o interesse
pelos assuntos públicos não é exclusividade do Estado. Ademais, as ONGs são tidas como
garantidoras de determinados bens coletivos, fazendo às vezes do Estado, que deveria
suprir a estas demandas da sociedade, mas que não o faz. “Segundo essa definição as
ONGs são consideradas como uma compensação para atender determinadas necessidades
da sociedade, considerando a deficiência do Estado e do mercado em supri-las”.279
O financiamento das ONGs brasileiras, até a década de 1990 era basicamente
realizado por governos europeus, as mudanças governamentais, porém, deixaram as ONGs
brasileiras órfãs, assim elas foram empurradas a realizar uma aproximação com o governo,
sob pena de não sobreviverem. As alterações havidas na cooperação internacional, que
financiava as organizações, implicaram na “necessidade de procurar novas formas de
sobrevivência, e a abertura de concursos para que as ONGs se inscrevessem e realizassem
277
LOUREIRO, Carlos Frederico B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem
política. Rio de Janeiro; São Paulo: Quartet, 2006, p. 120-123.
278
FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo:
Annablume, 2009, p. 144-145.
279
FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo:
Annablume, 2009, p. 141.
84
seus projetos parecia muito atrativa”.280
A relação entre Estado e ONGs será marcada basicamente por dois elementos, quais
sejam, pelo “projeto político que perpassa essa relação, o poder efetivo de cada uma das
partes no momento do encontro e o grau de empenho por parte das pessoas envolvidas”.281
Somem-se estes dois elementos às variáveis que são peculiares das ONGs e será possível
verificar o porquê da dificuldade de chegar a um único padrão de ONG,
consequentemente, será possível visualizar as dificuldades e ambiguidades que cercam
estas entidades.
Os contatos estabelecidos entre ONGs e órgãos governamentais geralmente são
precedidos de expectativas de ambas as partes. Algumas vezes, essas expectativas
são confirmadas, em outros casos, não. As maiores expectativas das ONGs em
relação aos órgãos de governo são de que eles sejam transparentes, abertos,
partilhem o poder de decisão sobre os rumos dos projetos, sejam capazes de
formular políticas públicas que incluam as perspectivas das organizações, sejam
ágeis e que tenham confiança ao repassarem recursos. Por parte do Estado, espera-se
das ONGs que elas sejam eficazes, com boa capacidade interna de organização, com
quadros profissionais bem qualificados, que estabeleçam uma relação de confiança
com o governo e estejam em sintonia com os objetivos do programa a ser
implementado.282
Segundo dados da Associação Brasileira das Organizações não Governamentais ABONG283 existem hoje no Brasil, 338 (trezentos e trinta e oito mil) organizações nãogovernamentais, que refletem a democracia no País. As organizações não-governamentais
podem ser divididas em cinco grandes grupos: a) as privadas; b) as que não distribuem
eventuais excedentes; c) as tidas como voluntárias; d) aquelas que têm capacidade de
autogestão; e, e) as institucionalizadas.
Sob um ponto de vista político, as ONGs hoje podem ser vistas de três modos
distintos. Primeiro, como um espaço privilegiado, tanto para possibilitar a participação
cidadã quanto para construir um espaço democrático. Segundo, a partir de uma visão
reducionista e conservadora, elas são taxadas como organizações que contrariam as
280
TEIXEIRA, Ana Claudia Chaves. A atuação das organizações não-governamentais: entre o Estado e o
conjunto da sociedade. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo:
Paz e Terra, 2002, p. 121.
281
TEIXEIRA, Ana Claudia Chaves. A atuação das organizações não-governamentais: entre o Estado e o
conjunto da sociedade. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo:
Paz e Terra, 2002, p. 121.
282
TEIXEIRA, Ana Claudia Chaves. A atuação das organizações não-governamentais: entre o Estado e o
conjunto da sociedade. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo:
Paz e Terra, 2002, p. 127.
283
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS – ABONG.
Disponível em: <http://www.abong.org.br/ongs.php>. Acesso em: 01 nov.2010.
85
tradicionais estruturas de poder, quebrando assim, com uma lógica que imperou por
muitos anos. O terceiro ponto de vista, entende que as ONGs têm o papel de assumir
maiores responsabilidades seja na prestação de serviços, seja na execução de políticas
públicas. Tudo isso influirá para que venha à tona o debate em prol de um marco
regulatório próprio às ONGs bem como na direção da sua relação com o Estado.
Tal qual ocorre hoje com as instituições de ensino superior comunitárias, as ONGs
buscam um marco regulatório específico, capaz de abranger as especificidades e a
variedade de formatos por elas apresentadas e objetivar a relação entre Estado e sociedade
civil, notadamente no que se refere ao financiamento das ações e ao rumo destas ações,
que devem se voltar à defesa e à promoção da cidadania. Nessa esteira, à medida que as
ONGs desempenham uma importante contribuição à democracia, necessário se faz que a
sociedade desperte para a importância destas entidades.284
[...] As ONGs são organizações que objetivam mudanças sociais globais através da
influência na adoção de políticas. As ONGs possem tanto uma função social como
uma função política. Alguns autores denominam as ONGs como “pressure groups”,
ou como “political nonprofit organization” (organizações políricas sem fins
lucrativos). Levando-se em consideração sua função política, como “think tanks”
(depósitos ou fontes de idéias) para inovações políticas, pois geralmente os governos
não estão em posição de desenvolver programas e políticas novas e viáveis. Ou seja,
as ONGs oferecem imaginação e criatividade ao processo político. 285
Evidente que as ONGs representam um ponto de equilíbrio entre mercado e Estado,
elas tentam suprir as lacunas deixadas por este sem, contudo, desenvolver atividades
semelhantes àquele. Pois bem, apesar de as ONGs avocarem funções públicas, atuarem de
modo inovador, e criarem uma nova esfera pública social, percebe-se que elas não seguem,
consoante referido, as mesmas diretrizes que as instituições de ensino superior
comunitárias. Têm em comum a busca por um marco regulatório adequado à sua realidade.
2.2.2 Organizações Sociais - OS
A crise financeira que assolou o Brasil nos anos 80 reflete também uma crise do Estado.
A ideia de que “Estado e sociedade formam, numa democracia, um todo indivisível”286 dará
284
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS – ABONG.
Disponível em: <http://www.abong.org.br/ongs.php>. Acesso em: 01 nov.2010.
285
FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo:
Annablume, 2009, p. 142.
286
PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/rgp.asp>. Acesso em: 31 out.2010.
86
origem às OS, frutos do processo de Reforma do Estado, ocorrido em 1995, este instituto traz
para o ordenamento jurídico brasileiro a ideia de publicização dos serviços sociais.
Inicialmente, elas são regulamentadas pela Medida Provisória nº. 1.591/97; posteriormente,
pela Lei nº. 9.637/1998.
As OS representam o público não estatal e têm por finalidade atender às ditas atividades
publicizáveis, através de uma qualificação específica. Estas entidades serão constituídas por
associações civis sem fins lucrativos, que não integram nem a propriedade de determinado
indivíduo ou grupo, estando, porém, pautada pelo atendimento do interesse público. Trata-se
de um modelo que representa a parceria entre o Estado e a sociedade, através do qual aquele
continua fomentando as atividades publicizadas e sobre elas exercendo controle estratégico,
ao passo que esta exercerá o controle social e atuará também na prestação de determinados
serviços, adotando, portanto, uma conduta ativa.287
Baseada no diagnóstico que considera a rigidez burocrática o problema central da
administração pública, essa iniciativa presume que esses serviços ganharão em
qualidade e eficiência se, mantidas as dotações orçamentárias e as subvenções
sociais transferidas pelo poder público, eles saírem do âmbito de atuação do Estado.
Através desse programa, o Estado abre espaço para a transformação de entidades
estatais em organizações públicas não-estatais. Estas últimas, ao serem qualificadas
como organizações sociais, são reconhecidas como de interesse coletivo e de
utilidade pública e ficam habilitadas a receber recursos financeiros do Estado e a
gerenciar bens, equipamentos e servidores cedidos pelo poder Executivo para a
288
execução de serviços públicos.
As OS e as OSCIPs, então, nascem dentro desta nova formatação de Estado e desta
nova divisão de funções, desempenhando, assim, um ponto de equilíbrio entre Estado e
mercado. “A inovação, portanto, não está na estrutura da pessoa jurídica, mas, sim, na nova
forma de parceria entre o ente privado e o Poder Público”.289
A Lei n°. 9.637/1998 regulamenta as OS, que são pessoas jurídicas de direito privado,
sem fins lucrativos, cujas atividades devem ser dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao
desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde,
desde que cumpridos os requisitos legais. O processo de criação das organizações sociais
287
ORGANIZAÇÕES SOCIAIS. Cadernos MARE. 5. ed. Brasília, 1998. Disponível em:
<www.bresserpereira.org.br>. Acesso em: 31 out.2010.
288
BARRETO, Maria Inês. As organizações sócias na reforma do Estado brasileiro. In: BRESSER PEREIRA,
Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV,
1999, p. 120.
289
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro setor. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2006, p. 98.
87
compreende basicamente sete passos: “a decisão do governo, a criação da entidade pública
não-estatal; a proposta de publicização, a aprovação legal; o inventário simplificado; a
implementação do contrato de gestão e a gestão das organizações sociais”.290
A implantação desse modelo inaugura nova forma de parceria entre a sociedade e o
Estado, baseada em resultados, que conjuga autonomia, flexibilidade,
responsabilidade na gestão: o Estado assume o financiamento total ou parcial, e as
organizações sociais qualificadas para tanto absorvem a prestação desses serviços,
ficando responsáveis pelos resultados pactuados através de contratos de gestão. Com
essa iniciativa, o Estado oferece aos dirigentes de órgãos e entidades públicas
estatais responsáveis pela prestação de serviços sociais a possibilidade de se
libertarem das disfunções operacionais do Estado e, portanto, de assumirem
291
plenamente a gestão estratégica de suas respectivas organizações.
Falar em organização social não significa falar em um novo ente administrativo, mas
sim de uma titulação outorgada pela Administração Pública a uma entidade privada, que não
tem fins lucrativos, para que esta possa receber certas benesses do Poder Público, dentre as
quais, podem ser destacadas dotações orçamentárias, isenções fiscais, entre outras, a fim de
desempenhar atividades interesse coletivo.292
De acordo com Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado293, as instituições
intituladas OS terão maior autonomia administrativa e seus dirigentes maiores
responsabilidades. De outra banda, as organizações sociais buscam não apenas uma parceria
com a sociedade, mas também um controle e o financiamento de uma parcela do custo dos
serviços oferecidos por parte desta.
A proposta do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado completa-se com a
admissão, ao lado da propriedade estatal e da propriedade privada, da denominada
propriedade pública não-estatal e da propriedade privada, da denominada
propriedade pública não-estatal de bens e serviços a ser titularizada pelas
organizações sem fins lucrativos. Ao setor de serviços não exclusivos de atuação do
Estado deve corresponder a propriedade pública não-estatal e, por essa razão, bens e
serviços de titularidade do Estado são transferidos a organizações sem fins
lucrativos e de direito privado por intermédio de um processo denominado de
“publicização”.294
290
BARRETO, Maria Inês. As organizações sócias na reforma do Estado brasileiro. In: BRESSER PEREIRA,
Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV,
1999, p. 123.
291
BARRETO, Maria Inês. As organizações sócias na reforma do Estado brasileiro. In: BRESSER PEREIRA,
Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV,
1999, p. 121.
292
MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2006, p.
382.
293
PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO. Disponível em:
<www.bresserpereira.org.br>. Acesso em: 31 out.2010.
294
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro setor. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2006, p. 100.
88
A fim de serem conceituadas como OS, as entidades precisam cumprir alguns
requisitos, quais sejam, aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação
como organização social e a comprovação do registro de seu ato constitutivo, onde deverá
constar: a natureza social de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação; finalidade
não-lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no
desenvolvimento das próprias atividades; previsão expressa de a entidade ter, como órgãos de
deliberação superior e de direção, um conselho de administração e uma diretoria definidos nos
termos do estatuto, asseguradas àquele composição e atribuições normativas e de controle
básicas previstas nesta Lei; previsão de participação, no órgão colegiado de deliberação
superior, de representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória
capacidade profissional e idoneidade moral; composição e atribuições da diretoria;
obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial da União, dos relatórios financeiros e
do relatório de execução do contrato de gestão; no caso de associação civil, a aceitação de
novos associados, na forma do estatuto; proibição de distribuição de bens ou de parcela do
patrimônio líquido em qualquer hipótese, inclusive em razão de desligamento, retirada ou
falecimento de associado ou membro da entidade; previsão de incorporação integral do
patrimônio, dos legados ou das doações que lhe foram destinados, bem como dos excedentes
financeiros decorrentes de suas atividades, em caso de extinção ou desqualificação, ao
patrimônio de outra organização social qualificada no âmbito da União, da mesma área de
atuação, ou ao patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, na
proporção dos recursos e bens por estes alocados.
Destaque-se que as OS não têm por fito apenas “absorver competências, patrimônio e
servidores de entes públicos extintos; elas podem, também, exercer atividades socialmente
relevantes, não de competência exclusiva do Poder Público, mas incentivada por ela mediante
o repasse” 295 de recursos expressos no contrato de gestão”. De acordo com o artigo 2º 296., I,
295
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro setor. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2006, p. 102.
Art. 2° São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à
qualificação como organização social:
I - comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre:
a) natureza social de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação;
b) finalidade não-lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no
desenvolvimento das próprias atividades;
c) previsão expressa de a entidade ter, como órgãos de deliberação superior e de direção, um conselho de
administração e uma diretoria definidos nos termos do estatuto, asseguradas àquele composição e atribuições
normativas e de controle básicas previstas nesta Lei;
d) previsão de participação, no órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder Público e de
membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral;
296
89
alínea d da Lei nº. 9.637/1998, as OS precisam ter um conselho de administração, no qual
deve haver a participação de representantes da comunidade e do poder público, os quais
deverão contar com notória capacidade profissional e idoneidade moral.
O projeto de organizações sociais prevê um mecanismo específico de controle
social: a participação de entidades representativas da sociedade civil na gestão e no
controle dessas instituições. Para que esse mecanismo contribua para a eficiência na
prestação dos serviços, são necessários três requisitos [...]. As entidades
representativas da sociedade civil têm que representar os interesses dos usuários; a
instituição deve contar com instrumentos de gestão adequados para lidar com o
aumento da incerteza e com a maior discricionariedade que essa participação
envolve; e cumpre fortalecer os canais de comunicação entre os políticos e os
usuários para que as informações relativas ao desempenho dos burocratas cheguem
aos primeiros.297
Será atribuição privativa do Conselho de Administração, a fixação do âmbito de atuação
da entidade, para consecução do seu objeto; a aprovação de proposta de contrato de gestão da
entidade; bem como a aprovação de proposta de orçamento da entidade e o programa de
investimentos; a designação e dispensa dos membros da diretoria; a fixação da remuneração
dos membros da diretoria; a aprovação e disposição acerca da alteração dos estatutos e a
extinção da entidade por maioria, no mínimo, de dois terços de seus membros; a aprovação do
regimento interno da entidade, que deve dispor, no mínimo, sobre a estrutura, forma de
gerenciamento, os cargos e respectivas competências; a aprovação por maioria, no mínimo, de
dois terços de seus membros, o regulamento próprio contendo os procedimentos que deve
adotar para a contratação de obras, serviços, compras e alienações e o plano de cargos,
salários e benefícios dos empregados da entidade; a aprovação e encaminhamento ao órgão
supervisor da execução do contrato de gestão, os relatórios gerenciais e de atividades da
entidade, elaborados pela diretoria; a fiscalização do cumprimento das diretrizes e metas
e) composição e atribuições da diretoria;
f) obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial da União, dos relatórios financeiros e do relatório de
execução do contrato de gestão;
g) no caso de associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto;
h) proibição de distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese, inclusive em
razão de desligamento, retirada ou falecimento de associado ou membro da entidade;
i) previsão de incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe foram destinados, bem
como dos excedentes financeiros decorrentes de suas atividades, em caso de extinção ou desqualificação, ao
patrimônio de outra organização social qualificada no âmbito da União, da mesma área de atuação, ou ao
patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, na proporção dos recursos e bens por
estes alocados;
II - haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do
Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e
do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado.
297
NASSUNO, Marianne. O controle social nas organizações no Brasil. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos;
GRAU, Nuria Cunill (Org). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 357.
90
definidas e aprovar os demonstrativos financeiros e contábeis e as contas anuais da entidade,
com o auxílio de auditoria externa.
As OS, “que têm bens públicos, orçamentos públicos e servidores públicos,
estranhamente não precisarão licitar seguindo as regras da Administração Pública, porém
devem ter regulamento próprio”298, todavia, deverão atender os princípios administrativos da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade, bem como especificar o
programa de trabalho proposto, estipular as metas a serem atingidas e os respectivos prazos de
execução, e prever de modo expresso os critérios objetivos de avaliação de desempenho a
serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade; deverão ainda ser
estipulados os limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer
natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais, no
exercício de suas funções.
O projeto das organizações sociais revelada, ao mesmo tempo, grandes
oportunidades e desafios. A oportunidade consiste em apresentar uma possibilidade
concreta de superação da atual situação de imobilidade e impotência administrativa
por que passa o setor público não-estatal, especialmente nas áreas sociais. Nesse
sentido, o modelo avança na medida em que concilia a finalidade social dos serviços
públicos com a eficiência do setor privado, abrindo espaço para a ampliação da
representação social. O desafio reside em contemplar as questões centrais apontadas
no diagnóstico, principalmente no que concerne à dimensão política: além de
enfrentar os problemas advindos da crise fiscal do estado, é necessário que o modelo
esteja orientado para a superação do atual descompasso Estado-sociedade.299
Uma vez verificado o descumprimento das disposições expressadas no contrato de
gestão, a entidade perderá a qualificação de OS, todavia, haverá processo administrativo onde
restará assegurada a ampla defesa. A desqualificação envolverá a reversão dos bens
permitidos e dos valores entregues à utilização da organização social, sem prejuízo de outras
sanções cabíveis.
Muito embora, as OS tenham trazido ao ordenamento jurídico brasileiro a expressão da
inter-relação entre Estado e sociedade, concretizando, na prática, tal interação, e, apesar de
elas, em tese, representarem um impulso às atividades nos campos do ensino, da pesquisa
científica, do desenvolvimento tecnológico, da proteção e preservação do meio ambiente, da
cultura e da saúde, percebe-se que a teoria trouxe melhores frutos que a prática, pois “essa
298
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 155
BARRETO, Maria Inês. As organizações sócias na reforma do Estado brasileiro. In: BRESSER PEREIRA,
Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV,
1999, p. 139.
299
91
forma jurídica é uma experiência que de um modo geral não vingou”300, até porque se na
teoria a ideia era publicizar, na prática isso se converteu em uma possibilidade de privatização
sem a ocorrência de licitação.
2.2.3 Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs
O Brasil desbrava o século XXI tendo uma indústria modernizada e diversificada,
apresentando, porém, uma estrutura social ainda atrasada, percebe-se que “a riqueza está
concentrada no arquipélago, e uma parcela importante da população busca a sobrevivência
nadando no oceano da informalidade”.301 Neste cenário de desigualdade, as OSCIPs surgem
como tentativa de universalizar à população os serviços sociais, cuja demanda não consegue
ser suprida pelo Estado.302
Assim como as OS, as OSCIPs são fruto do processo de Reforma do Estado, ocorrido
em 1995. Com a Lei n°. 9.790/1999, as OSCIPs
ingressam no ordenamento jurídico
brasileiro, elas são caracterizadas por na possuírem fins lucrativos, embora sejam pessoas
jurídicas de direito privado, e por ter pelo menos um dos seguintes objetivos sociais:
promoção da assistência social; promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio
histórico e artístico; promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de
participação das organizações de que trata a Lei nº. 9.790/1999; promoção gratuita da saúde,
observando-se a forma complementar de participação das organizações de acordo com a Lei
nº. 9.790/1999; promoção da segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e
conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; promoção do
voluntariado; promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;
experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos
de produção, comércio, emprego e crédito; promoção de direitos estabelecidos, construção de
300
SCHMIDT, João Pedro. O caráter público não-estatal da universidade comunitária: aspectos conceituais e
jurídicos. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, n. 29, jan./jun. 2008, p. 22-43.
301
SACHS, Ignacy. Inclusão social pelo trabalho decente: oportunidades, obstáculos, políticas públicas. In:
______. Desenvolvimento includente, sustentável sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008, p. 111-112.
302
Pelo fato de contribuir diretamente ao bem-estar da população, a universalização do acesso aos serviços
sociais afigura-se como uma componente essencial do tripé de desenvolvimento includente, sustentável e
sustentado. Em que pesem as investidas dos economistas neoliberais contra a hipertrofia do aparelho do Estado,
a demanda por serviços sociais está longe de ser saturada, inclusive nos países mais ricos do planeta. O escopo,
volume e qualidade destes serviços oferecem numerosas oportunidades de emprego e um campo de atuação para
organismos públicos, OSCIPs, e diferentes parcerias entre o público e o privado. In: SACHS, Ignacy. Inclusão
social pelo trabalho decente: oportunidades, obstáculos, políticas públicas. In: ______. Desenvolvimento
includente, sustentável sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008, p. 139.
92
novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; promoção da ética, da
paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais;
estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de
informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito a estas atividades.
[...] Tais entidades nada têm a ver com as organizações sociais. Se bem
implementadas, seriam, sem dúvida, ótimo mecanismo para auxílio das amplas e
necessárias atividades cometidas ao Estado pelo Constituinte de 1988. Infelizmente,
o que vemos é a criação de alguns entres, como as organizações sociais, para que
possa haver um afastamento das competências obrigatórias. 303
O artigo 1º. da Lei nº. 9.790/1999 especifica que “podem qualificar-se como OSCIPs as
pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos
sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei”.304 A lei, no
artigo 1º., § 1º., estabelece o que considera sem fins lucrativos, ou seja, é necessário que não
haja a distribuição, entre os sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou
doadores, de quaisquer valores percebidos em decorrência do exercício de suas atividades,
devendo estes valores serem aplicados de modo integral na consecução do respectivo objeto
social. Assim, para ser considerada uma OSCIP é necessário cumprir os requisitos ditados
pela Lei nº. 9.790/1999, necessário, também, destacar que os serviços por elas prestados
devem ser gratuitos.
As OS e as OSCIPs nascem em um mesmo ambiente, elas “têm uma perspectiva
diferenciada: não estão vinculadas exclusivamente ao intento da privatização dos serviços
públicos”305. As OSCIPs diferenciam-se das OS; uma por não estarem submetidas à
discricionariedade ao serem qualificadas pelo Poder Público como entidade destinada à
parceria; duas, por serem “abertas a todas as entidades que não estiverem impedidas, nos
termos do art. 2º. da Lei nº. 9.790/1999; devem necessariamente respeitar o princípio da
universalização dos serviços e ser vocacionadas às atividades descritas no art. 3º. da Lei
nº.9.790/1999”.306
303
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 160.
BRASIL. Lei no. 9.790, 23 de março de 1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito
privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o
Termo de Parceria, e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010.
305
SCHMIDT, João Pedro. O caráter público não-estatal da universidade comunitária: aspectos conceituais e
jurídicos. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, n. 29, jan./jun. 2008, p. 22-43.
306
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 160.
304
93
A Lei nº. 9.790/1999 elenca, em seu artigo 2º., quais as entidades que não poderão ser
consideradas OSCIPs, ainda que cumpram algum dos objetivos sociais supra referidos, são
elas: as sociedades comerciais; os sindicatos, as associações de classe ou de representação de
categoria profissional; as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos,
cultos, práticas e visões devocionais e
confessionais; as organizações partidárias e
assemelhadas, inclusive suas fundações; as entidades de benefício mútuo destinadas a
proporcionar bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios; as entidades e
empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados; as instituições hospitalares
privadas não gratuitas e suas mantenedoras; as escolas privadas dedicadas ao ensino formal
não gratuito e suas mantenedoras; as organizações sociais; as cooperativas; as fundações
públicas; as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão
público ou por fundações públicas; as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de
vinculação com o sistema financeiro nacional (artigo 192307 da Constituição Federal de 1988).
Estão as OSCIPs obrigadas a cumprir os princípios que norteiam a Administração
Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e economicidade), os
quais estão previstos no artigo 37308 da Constituição Federal de 1988. Devendo, ainda adotar
práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a coibir a obtenção, de forma
individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em decorrência da participação
no respectivo processo decisório; além de constituir um conselho fiscal ou órgão equivalente,
dotado de competência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, e
sobre as operações patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores
da entidade. Necessário destacar que servidores públicos poderão integrar este conselho,
sendo vedada a percepção de remuneração ou subsídio, a qualquer título.
Necessitam também, as OSCIPs preverem que, em caso de dissolução da entidade, o
respectivo patrimônio líquido será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos
da Lei nº. 9.790/1999, e que esta, preferencialmente, tenha o mesmo objeto social da extinta.
Na hipótese de a pessoa jurídica perder a qualificação instituída por esta Lei, o respectivo
307
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do
País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de
crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital
estrangeiro nas instituições que o integram
308
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte: [...].
94
acervo patrimonial disponível, adquirido com recursos públicos durante o período em que
perdurou aquela qualificação, será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos
desta Lei, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social.
Os estatutos devem abarcar a possibilidade de instituição de remuneração aos dirigentes
da entidade que atuem efetivamente na gestão executiva e àqueles que a ela prestam serviços
específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado, na região
correspondente a sua área de atuação.
No tocante à prestação de contas, as OSCIPs devem observar algumas regras mínimas:
a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas Brasileiras de
Contabilidade; que se dê publicidade por qualquer meio eficaz, no encerramento do exercício
fiscal, ao relatório de atividades e das demonstrações financeiras da entidade, incluindo-se as
certidões negativas de débitos junto ao INSS e ao FGTS, colocando-os à disposição para
exame de qualquer cidadão; a realização de auditoria, inclusive por auditores externos
independentes se for o caso, da aplicação dos eventuais recursos objeto do termo de parceria
conforme previsto em regulamento; a prestação de contas de todos os recursos e bens de
origem pública recebidos pelas OSCIPs será feita conforme determina o parágrafo único do
art. 70309 da Constituição Federal de 1988.
Qualquer pessoa pode requerer através da via administrativa ou judicial, sendo vedado o
anonimato e, desde que, com evidências de erro ou de fraude, a perda da qualidade de
OSCIPs. A perda ocorre quando houver pedido ou decisão proferida em processo, seja ele
administrativo ou judicial, de iniciativa popular ou do Ministério Público, devendo, contudo,
ser assegurados tanto a ampla defesa quanto o contraditório.
O termo de parceria deve ser precedido de consulta aos Conselhos de Políticas Públicas
das áreas correspondentes de atuação existentes, nos respectivos níveis de governo e consiste
no instrumento firmado entre poder público e OSCIPs, sendo nele estipuladas as atividades
desta, devendo a fiscalização ser realizada por aquele. É o termo de parceria que estipulará
309
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades
da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e
renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de
controle interno de cada Poder. Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a
União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.
95
direitos, responsabilidades e obrigações das partes signatárias.
As OS e as OSCIPs possuem tanto semelhanças quanto diferenças. A primeira consiste
no fato de as OS não terem a possibilidade de serem qualificadas como OSCIPs. A segunda
diferença se dá em razão de a qualificação, para fins de habilitação, das OSCIPs ocorrer ante
ao Ministério da Justiça e as OS o fazem perante à Administração Pública. Por fim, a terceira
diferença, incide no fato de que as OS substituem a Administração Pública ao passo que as
OSCIPs realizam parcerias.310
Organizações Sociais e OSCIPs são instrumentos jurídicos impróprios para uma
gama importante de instituições comunitárias, que prestam serviços de interesse
público para vastos segmentos da população em várias regiões. Todas as instituições
comunitárias que atuam na educação, na saúde e nas demais áreas, que necessitam
cobrar pelos serviços que prestam por não serem custeadas com recursos públicos,
estão excluídas. No atual quadro jurídico, qualquer entidade da sociedade civil,
mesmo quando criada pelas comunidades regionais para propiciar à população
serviços que o Estado historicamente não proporcionou, caso cobre dos usuários os
serviços prestados é impedida de concorrer à condição do público não-estatal nas
311
formas existentes.
A legislação que regula o funcionamento das OS não se aplica às instituições de ensino
superior comunitárias, em razão de estas entidades substituírem o “Estado na execução de
serviços sociais”, ao passo que as estas atuam em nome próprio desde a sua criação e aquelas
surgem para cooperar com o Estado e não para substituí-lo. A Lei das OSCIPs não se aplica
às instituições de ensino superior comunitárias; uma, pela vedação específica do artigo 2º.,
inciso VIII312; duas, por ser imperativa a gratuidade.313 E a legislação destina às ONGs
também não se aplica, em razão do objeto extremamente abrangente.
Uma vez traçadas as diferenças entre comunitário e público não estatal, analisada a
presença de ambos no texto constitucional e no texto infraconstitucional, traçadas
considerações acerca do terceiro setor no Brasil, possível ingressar na esfera das instituições
de ensino superior comunitárias propriamente ditas, a fim de compreender seu histórico, suas
310
RICHTER, Luiz Egon; LEIDENS, Letícia Virgínia. O marco legal do terceiro setor e sua (in) compatibilidade
normativa com as instituições comunitárias. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias:
instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 50.
311
SCHMIDT, João Pedro. O caráter público não-estatal da universidade comunitária: aspectos conceituais e
jurídicos. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, n. 29, jan./jun. 2008, p. 22-43.
312
Art. 2o Não são passíveis de qualificação como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, ainda
que se dediquem de qualquer forma às atividades descritas no art. 3 o desta Lei: [...] VIII - as escolas privadas
dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras; [...].
313
RICHTER, Luiz Egon; LEIDENS, Letícia Virgínia. O marco legal do terceiro setor e sua (in) compatibilidade
normativa com as instituições comunitárias. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias:
instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 52.
96
peculiaridades, suas lutas, qual o atual panorama, e as dificuldades por ela enfrentadas. Uma
vez construído este caminho, possível a análise da possibilidade de interpretação
constitucional a estas instituições e uma apreciação do Projeto de Lei nº. 7.639/2010. Antes,
porém, será feita uma breve reflexão acerca da Lei nº. 9.612/1998, que é, hoje, a expressão
legislativa do comunitário no Brasil.
97
3
MARCO
LEGAL
DAS
INSTITUIÇÕES
DE
ENSINO
SUPERIOR
COMUNITÁRIAS: PERSPECTIVAS DE MUDANÇAS
A ABRUC – Associação Brasileira das Universidades Comunitárias materializa a
preocupação de diversas instituições de ensino superior comunitárias com o rumo que as
mesmas tomarão, além da preocupação com a educação. Também é a ABRUC responsável
por buscar nortear alguns elementos comuns a esta modalidade de instituição de ensino
superior.
A partir de uma análise histórica, percebe-se que as instituições de ensino superior
comunitárias surgem em decorrência da falta de atuação social, vez que estas instituições não
são criação do Poder Público314 e atendem a uma demanda crescente de serviços públicos,
assim, no que colaboram no desenvolvimento social.
A partir da afirmação de que as organizações públicas não estatais propiciam serviços
sociais (saúde, educação e assistência social) e científicos, de qualidade e com eficiência315, e
em decorrência das características que as revestem, entende-se que compreendem também as
instituições de ensino superior comunitárias, fruto de uma sociedade que não fica esperando
por uma atuação estatal, mas que buscará a concretização de suas necessidades através dos
seus próprios meios.
Necessário se faz compreender as distinções entre as instituições de ensino superior
comunitárias, as públicas, as privadas e as filantrópicas. A principal distinção existente dá-se
entre as instituições públicas e as privadas, estando englobadas nestas últimas as comunitárias
e as confessionais, podendo tanto uma quanto outra receber classificação de filantrópica. O
Projeto de Lei nº. 7.639/2010 visa obter uma classificação tripartite, ou seja, públicas
(estatais), comunitárias (e confessionais) e particulares. Em outras palavras, o projeto de lei já
colabora para o enfraquecimento da ideia dicotômica (público e privado).
314
Em Santa Catarina, há uma proximidade entre as instituições de ensino superior comunitárias e o Poder
Público, notadamente o municipal. No Rio Grande do Sul a proximidade com o Poder Público não é tão
evidente, porém, em ambos os estados, o poder local e regional mantém relações continuadas com as instituições
de ensino superior comunitárias.
315
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Sociedade Civil: sua democratização para a Reforma do Estado. In:
BRESSER PEREIRA, L. C.; WILHEIM, Jorge e SOLA, Lourdes (Org.). Sociedade e Estado em
Transformação. São Paulo: Unesp; Brasília: Enap, 1999, p. 91-103.
98
Não é a simples cobrança pelos serviços que determina se uma instituição é pública ou
privada. As chamadas instituições de ensino superior comunitárias, muito embora cobrem
mensalidade pela prestação dos serviços que disponibilizam, têm um forte compromisso com
a realidade social de suas comunidades, até porque foi em decorrência destas que elas
surgiram. Ademais, as ditas comunidades são responsáveis pelo nascimento de um espaço
público, organizado juridicamente em decorrência da ineficiência do Estado e das lacunas por
este deixadas na área da educação superior. Sucintamente, a sociedade civil tem na
comunidade, uma possibilidade de fortalecer a democracia.
As instituições de ensino superior comunitárias têm características próprias, a exemplo
do patrimônio público não estatal. Em outras palavras, seu patrimônio não se constitui como
particular, pois é gerido pela instituição constituída pela própria sociedade, logo, é um
patrimônio público, mas que não pertence ao Estado. A comunidade, por sua vez, além de
colaborar na criação destes espaços, também atua como administradora. São estes elementos
que propiciam, então, a formação de um espaço que dará origem às instituições de ensino
superior comunitárias. Justamente em razão de suas particularidades que elas hoje postulam
por um marco regulatório próprio.
Assim, imperativo traçar considerações acerca do histórico das instituições de ensino
superior comunitárias, a fim de compreender as peculiaridades que cercam este modelo de
instituição, após, é necessário analisar o tratamento jurídico que possuem, para que, então seja
possível, dentro de uma proposta hermenêutica, analisar a (des) necessidade de um marco
legal a estas instituições. Ao final, necessário, então, uma análise do Projeto de Lei nº.
7.639/2010, que hoje se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados, bem como da Lei
nº. 9.612/1998, que regulamenta o funcionamento das rádios comunitárias no País, tema que,
embora não seja o foco central do presente trabalho, diz respeito à primeira grande
representação legislativa do comunitário no Brasil e como tal, não pode passar despercebida.
3.1 Das complexidades do comunitário na legislação brasileira: a experiência da
regulamentação das rádios comunitárias
Ao tratar do serviço de radiofusão, a Constituição Federal de 1988 menciona em seu
artigo 223, que “compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e
autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio
99
da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. Trata-se do único momento
do texto constitucional em que há uma diferenciação entre privado, público e estatal,
lembrando que o público é mais abrangente que o estatal. Assim, muito embora a
Constituição Federal de 1988 não utilize a expressão público não estatal, percebe-se que, de
fato, há uma distinção entre o que é público e o que é estatal.
Dentro dessa concepção que traça distinções entre a ideia de público e de estatal, há
entendimento de que o sistema público, mencionado pelo artigo 223 da Constituição Federal
de 1988, no que se refere à radiodifusão, abrangeria as rádios comunitárias e as rádios
universitárias. Assim, pertinente o recorte aqui realizado, acerca das rádios comunitárias.
Se hoje as instituições de ensino comunitárias buscam um marco regulatório, a fim de
viabilizar as suas atividades; as rádios comunitárias, por sua vez, passam por um processo de
amadurecimento, razão pela qual, necessário traçar um comparativo entre as duas instituições,
haja vista que ambas têm como nascedouro a ideia de comunitário e de comunidade. Assim, a
fim de facilitar a compreensão dos pontos que interligam estas duas instituições é preciso
compreender o que cada uma delas traz, tanto no seu processo de formação quanto no
desempenho de suas atividades, razão pela qual será traçado um paralelo entre as instituições
de ensino superior comunitárias e as rádios comunitárias.
As telecomunicações têm uma forte influência no comportamento dos seres humanos,
eis que atuam como formadores de opinião, através das informações que oferecem, porém,
antes da absorção de tais informações, deve-se tomar a devida cautela, visto que muitas destas
vêm maquiadas e manipuladas, distorcendo muitas vezes, a realidade dos fatos, a fim de
atender aos interesses de determinados grupos.
As rádios comunitárias316, além de propiciarem uma porta a notícia com o devido
comprometimento com a verdade, expressam a vivência do comunitário no Brasil, pois
316
“Rádio Comunitária é um tipo especial de emissora de rádio FM, de alcance limitado a, no máximo, 1 km a
partir de sua antena transmissora, criada para proporcionar informação, cultura, entretenimento e lazer a
pequenas comunidades. Trata-se de uma pequena estação de rádio, que dará condições à comunidade de ter um
canal de comunicação inteiramente dedicado a ela, abrindo oportunidade para divulgação de suas idéias,
manifestações culturais, tradições e hábitos sociais. A Rádio Comunitária deve divulgar a cultura, o convívio
social e eventos locais; noticiar os acontecimentos comunitários e de utilidade pública; promover atividades
educacionais e outras para a melhoria das condições de vida da população. Uma Rádio Comunitária não pode ter
fins lucrativos nem vínculos de qualquer tipo, tais como partidos políticos e instituições religiosas”.
MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Disponível em: <www.mc.gov.br>. Acesso em 28 nov.2010.
100
ganham força, buscam engajamento entre as comunidades e, acima tudo, lutam por uma
legislação protetiva, a fim de assegurar melhorias a este modelo de radiodifusão.
Milton Santos317 relata que os meios de comunicação delimitam o que transmitem, pois
fazem parte de um jogo de interesses sem fim, para benefícios apenas de uma minoria,
restando ao sujeito as mensagens postas, muitas delas irrelevantes e outras repetidas
continuamente para reforçar determinados contextos da realidade. Niklas Luhmann318, acerca
da realidade dos meios de comunicação, refere que fatos/noticiários/reportagens são
transmitidos, através do melhor entendimento “que para eles ou por meio deles aparece como
realidade para outros”. As rádios comunitárias surgem com o ideal de aproximar o cidadão
dos conflitos e discussões existentes, haja vista que estes farão parte do processo como atores
principais. Trata-se de um processo novo que tem vivido momentos de avanço e de
retrocesso.
O nascedouro das telecomunicações convencionais e comunitárias no Brasil é bastante
distinto. As primeiras obtiveram suas concessões a fim de atender interesses políticos e
econômicos de um distinto e reduzido grupo. O segundo grupo é fruto de movimentos sociais,
com o desígnio de propiciar a criação de mais um canal de participação social, de
fortalecimento de comunidades, de preservação da identidade e, principalmente, de ebulição
de ideias, elementos que contribuem à formação de um terreno fértil que dá espaço à
formação da cidadania.
Nos anos 80, as rádios comunitárias surgem na Inglaterra, como forma de represália ao
monopólio de rádios e televisões que até então estava centrado nas mãos do Estado.
Indignados com a programação imposta, estudantes decidiram instalar uma estação de rádio
em um barco em alto mar, com o intuito de driblar a legislação britânica. Estes estudantes
serviram de inspiração para que proliferassem diversas “rádios piratas” no interior de São
Paulo. A Constituição Federal de 1988 trouxe consigo a promessa e a esperança da dita
liberdade de expressão, tal fato impulsionou o movimento das rádios livres. Porém, em 1991,
tem início um processo de fechamento das rádios, levando o movimento a um novo rumo, vez
que nasce o dito efeito “cobra de vidro”, ou seja, cada rádio fechada dava origem a outras que
iniciavam suas atividades.
317
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 4. ed. – São Paulo: Nobel, 1998, p. 14-18.
LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. Tradução de Ciro Marcondes Filho. São Paulo:
Paulus, 2005, p. 20.
318
101
As rádios comunitárias trouxeram consigo aspectos inovadores, tanto na sua
programação quanto no seu processo de gestão. Em verdade, as rádios comunitárias são rádios
de baixa frequência, que costumam ser chamadas de comunitárias por seus simpatizantes, até
mesmo porque atendem ao caráter público; eram qualificadas como “clandestinas” ou
“piratas”. A ideia de clandestinidade proliferou graças à grande mídia. Hoje, a ABRAÇO –
Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária, lidera um movimento de proteção a estas
rádios. Em sentido contrário, ou seja, na luta contra estas rádios, está a ABERT – Associação
Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão.
No final dos anos 90, as rádios comunitárias conquistam um marco regulatório, a Lei nº.
9.612/1998. Porém a legislação não é auto-suficiente, porque não consegue estancar todos os
problemas enfrentados por esta modalidade de rádios. A realidade fática demonstra que o
movimento que originou as rádios comunitárias perdura mesmo com a conquista de uma
legislação própria, pois ainda existem muitos percalços a serem vencidos.
Como avaliação final do movimento, feita pelo Fórum da Democracia na
Comunicação, alguns pontos ficaram bastante claros: a) repressão é impotente diante
de um ideal; b) o movimento se enraizou e não tem retorno; c) as rádios livres e
comunitárias acabaram com o monopólio “classista-político” da radiodifusão, pois
onde elas atuam têm maior audiência que as emissoras comerciais; d) o que está por
trás da repressão é medo de que tais emissoras germinem a televisão comunitária; e)
a repressão tenta afastar o impacto demonstrativo atendendo aos interesses das
grandes redes, que se beneficiam ao status atual com mais de dois bilhões de dólares
319
ao ano.
Até a tramitação do Projeto de Lei nº. 1.521/1996, que deu origem à Lei nº. 9.612/1998,
o Brasil era o único País da América Latina que não tinha uma legislação para regulamentar o
funcionamento das rádios de baixa frequência. Quando da tramitação do mencionado projeto
de lei, outros também estavam em debate. Contudo, o projeto de lei que se transformou em lei
foi justamente aquele apoiado pela ABERT. As rádios convencionais têm receio de pulverizar
sua audiência, concorrendo com as rádios comunitárias e, assim, acabarem perdendo
anunciantes.
Falar em rádio comunitária significa falar de um fenômeno mundial, que possibilita
tanto a prática de atividades sociais quanto educativas, trata-se de um meio de comunicação
319
COELHO NETO, Armando. Rádio comunitária não é crime – o direito de antena: o espectro eletromagnético
como um bem difuso. São Paulo: Ícone, 2002, p. 67.
102
que realiza um rol de serviços que dificilmente seriam prestados por grandes emissoras.
Ademais, as rádios comunitárias buscam preencher lacunas deixadas pelas emissoras de
médio e grande porte, que geralmente se mostram apáticas em relação às necessidades e
demandas das pequenas comunidades. As rádios de médio e grande porte destinam-se a um
público amplo, que é bastante distinto daquele envolvido pelas rádios comunitárias.320
[...] é válido considerar que as rádios comunitárias correspondem a uma modalidade
de transmissão radiofônica diferente, própria de uma nova era, à qual o Direito
precisa se adaptar. Assim, não há como se confundir com as grandes emissoras, até
porque o seu público, diferenciado por si, a qualifica e dá ares próprios.321
As rádios comunitárias possuem características próprias, dentre as quais, o fato de:
“pertencer à comunidade, ser organizada, dirigida, pautada e operada pela comunidade. Quem
fala e quem ouve é a comunidade, sem os mediadores diplomados. [...] E saberá buscar no
mercado os profissionais, quando deles sentir necessidade”.322 Constata-se que é um modelo
que se distingue do modelo convencional em diversos aspectos, o que significa dizer, desde a
sua concepção/criação até o momento em que a programação é levada aos ouvintes.
Sem fins lucrativos, portanto, as rádios comunitárias têm os recursos coletados, que são
destinados a custear, manter e reinvestir nas atividades por elas desempenhadas. A principal
responsável pela programação é a comunidade, também é ela que organiza o conteúdo a ser
divulgado mediante órgãos deliberativos (por exemplo, conselhos e assembleias) responsáveis
pela gestão das informações, quadro este que permite visualizar uma verdadeira interação
entre comunicador e comunicando, devido à vinculação fidedigna da realidade vivenciada
pelos habitantes locais, de modo a incentivar a manifestação de sua cultura.
O compromisso assumido pelas rádios comunitárias com a educação e com a cidadania
reflete-se na programação, assim, mais do que informação são realizadas prestações positivas
que impulsionam e propiciam estes ideais. À medida que as rádios comunitárias têm a
possibilidade de treinar as pessoas originárias da própria comunidade para que estas
manuseiem equipamentos, auxiliem na programação e até mesmo sejam locutores, percebe-se
que há um processo de democratização da comunicação.
320
COELHO NETO, Armando. Rádio comunitária não é crime – o direito de antena: o espectro eletromagnético
como um bem difuso. São Paulo: Ícone, 2002, p. 67-68.
321
COELHO NETO, Armando. Rádio comunitária não é crime – o direito de antena: o espectro eletromagnético
como um bem difuso. São Paulo: Ícone, 2002, p. 68.
322
MANZANO, Nivaldo. Escandulo no Ar. Caros Amigos. São Paulo: Casa Amarela, maio de 1997, n. 2, p.12.
103
Necessário destacar que a programação das rádios comunitárias devem vedar a
expressão de qualquer tipo de preconceito, seja de ordem religiosa, racial, sexual ou outra
qualquer, também devem ser evitadas questões de cunho político-ideológico-partidário, a
condição social das relações comunitárias devem ser respeitadas e zeladas. A programação
criada pelas rádios comunitárias tem de ser acompanhada e fiscalizada por um Conselho
Comunitário, “composto por pelo menos 5 (cinco) pessoas, a fim de que seja verificado o
interesse da comunidade e a obediência à legislação em vigor, contudo, há muito a fazer tanto
em termos de qualidade participativa na programação quanto na gestão das rádios
comunitárias”.323
As rádios comunitárias enfrentam uma série de dificuldades, muito embora
desenvolvam um significativo papel nas comunidades em que atuam. Não se percebe a
existência de um consenso, na doutrina, acerca do papel da legislação aplicável às rádios
comunitárias, ou seja, se ela traz mais auxílios ou percalços.
A lei nº. 9.162 de 1988 e o Decreto correspondente nº. 2.165, mais a Norma
Operacional nº. 02/98 estabelecem as diretrizes sobre o funcionamento das rádios
comunitárias. O que poderia ser considerado uma abertura a um novo tipo de
comunicação, a denominada alternativa, acabou tendo uma legislação tão restritiva
que é preciso muita disposição e teimosia para abrir esse topo de veículo de
comunicação. As rádios comunitárias, por exemplo, não podem entrar em rede, fazer
publicidade, ultrapassar um quilômetro de distância. E ainda: não podem causar
interferência nas rádios comerciais, podendo ser punida, se o fizer; vale lembrar que
a recíproca não é verdadeira.324
Apesar das divergências que circundam a Lei nº. 9.612/1998, conformidade com tal lei,
a concessão das rádios comunitárias é permitida tão-somente a fundações e associações sem
fins lucrativos, que tenham sede na localidade onde ocorre a prestação do serviço. Deve,
também, haver um comprometimento com fins educativos, artísticos e culturais, a fim de
desenvolver e informar a comunidade. As rádios comunitárias devem promover o respeito aos
valores éticos e sociais tanto da pessoa quanto da família, no intuito de favorecer a integração
dos membros que compõem a comunidade abrangida.
O movimento liderado pelas rádios comunitárias tem caráter público, o que engloba um
viés político quanto um viés cultural, que demonstra as alterações existentes tanto na esfera
323
SCHIRMER, C.; ARAUJO, Neiva C. de. Direito na sociedade de informação: as telecomunicações sob a
ótica do comunitário. In: XIX Encontro Nacional do CONPEDI, Fortaleza, 2010.
324
GUARESCHI, Pedrinho A. e BIZ, Osvaldo. Mídia & Democracia. 2. ed. Porto Alegre: Evangraf Ltda, 2005,
p. 107-108.
104
das rádios quanto no sistema de televisão. Contudo, é preciso esclarecer que o objetivo das
rádios comunitárias não é competir com as emissoras convencionais, mas sim, possibilitar às
comunidades o acesso à cultura e à educação. Em outras palavras, as rádios comunitárias
buscam ser um espaço capaz de propiciar a cidadania, vez que possibilitam a participação da
população nas diversas etapas do processo de comunicação, leia-se, tanto no planejamento e
produção dos programas quanto da gestão.
As rádios comunitárias representam a prova do aumento de interesse pela radiodifusão
comunitária, pela mídia e pela programação local, elementos que fortalecem a identidade
cultural de populações locais, o que proporciona a expressão das diferenças oriundas no seio
de cada comunidade, ademais, o trabalho desenvolvido por estas rádios fortalece os
movimentos populares e a gera novos valores, tal qual ocorre com a participação popular, pois
de acordo com Zygmunt Bauman325, “nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar
pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem”. Contudo, estes
indicadores positivos não implicam na inexistência de problemas enfrentados pelas rádios
comunitárias, vez que de um ou outro modo, elas sofrem certas restrições.
As rádios comunitárias devem se mobilizar e fazer o processo de democratização
construir uma nova estética. É preciso desconstruir o mundo e fazer o novo. O povo
– e não a elite, como hoje – é que vai determinar o que é e o que não é belo. A
estética está relacionada com a política, com o social. [...] Rádio comunitária,
portanto, é o começo e não o fim. Ela deve se inserir no processo maior de educação
para uma sociedade mais justa e igualitária. Antes, porém, deve ser parte de um
processo de democratização dos meios de comunicação, abrindo as porteiras dos
monopólios, ocupando o espaço (latifúndio) eletromagnéticco para que o povo possa
falar e ser ouvido. Fazer a reforma agrária do ar. Ocupar, resistir, transmitir.326
Apesar de a democratização da comunicação ter “sido uma bandeira consensual,
percebe-se que uma das falácias dessa construção discursiva é aquela que aponta à
possibilidade de a grande mídia hegemônica, privada e comercial, seria passível de ser
democratizada”.327 Por outro lado, as rádios comunitárias não apenas se dispõem a cumprir o
papel da democratização da comunicação como também se mostram aptos a realizá-lo, o que
é facilmente comprovado pela análise de seus feitos.
O fator de identidade da radiodifusão comunitária é a titularidade, a gestão e o
controle da parte da sociedade civil, de forma independente do Estado; daí a
necessidade de, por exemplo, previsão estatutária de um Conselho Comunitário
325
BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Tradução de Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
LUZ, Dioclécio. Rádio para mudar o mundo. Sem Terra, jul/set 2002, p. 54.
327
LIMA, Venício. Novos rumos na luta pela democratização da comunicação? Disponível em:
<http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3161>. Acesso em: 08 fev.2010
326
105
composto por diversos representantes da comunidade local, independentemente de
entidades religiosas, familiares, governamentais e político-partidárias ou comerciais,
328
nos moldes das rádios comunitárias.
É através do fomento à criação de espaços democráticos que se viabiliza a discussão
sobre qual o melhor caminho a ser seguido, ou não, pela comunidade. São estes espaços que
possibilita que se incorporem as múltiplas e diferentes perspectivas que tendem a viabilizar
“condições materiais e sociais concretas que o façam possível”.329 Ora, as rádios comunitárias
têm possibilidades e meios de desempenhar atividades capazes de fomentar o fortalecimento e
a ampliação dos espaços democráticos referidos, haja vista que detém os instrumentos
necessários à realização da diminuição das diferenças, seja no campo do conhecimento, seja
no campo da educação, diferenças que dificilmente são consideradas pelas rádios
convencionais.
As dimensões territoriais do Brasil traduzem uma ampla gama de diversidades e
desigualdades, as quais tendem a ser ampliadas pelo processo de globalização, dando aos
sujeitos uma falsa ilusão de ter acesso a todo o mundo sem sair do lugar, sendo que, na
realidade, muitas vezes, estes mesmos sujeitos são “abandonados” por este mesmo mundo.
Embora seja extremamente contraditório, o comunitário ganha força e adeptos justamente
num momento em que o mundo tende a se tornar “um só, sem ser nenhum”. A ferocidade do
mundo globalizado e complexo dá espaço à comunidade, e, esta propicia a formação de um
espaço seguro e protetor, onde discussões, deliberações e execuções são realizadas pelos
cidadãos, na busca por uma maior inclusão das camadas menos abastadas da sociedade.
O espaço ocupado pelas rádios comunitárias é de grande valia, pois propicia o
fortalecimento do espaço e dos laços comunitários. Todavia, para que haja democracia é
necessário que existam condições igualitárias de participação nos processos de uma sociedade
mais justa, ética e solidária. Muito embora as rádios comunitárias sofram algumas restrições,
seja de cunho financeiro, estrutural e até mesmo legal, são elas que possibilitam o
fortalecimento das comunidades em que atuam. Esta assertiva também é aplicável às
instituições de ensino superior comunitárias.
328
SCORSIM, Ericson Meister. TV digital e comunicação social: aspectos regulatórios: TVs pública, estatal e
privada. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 303.
329
VITULLO, Gabriel E. O desafio da construção de um modelo democrático deliberativo. In: Sociologias,
Porto Alegre, ano 2, n. 3, jan/jun 2000, p. 228.
106
Constata-se que as rádios e instituições de ensino superior comunitárias têm como ponto
de conexão, a participação da comunidade, que viabiliza uma participação democrática
vencendo as barreiras financeiras, haja vista que as rádios estão proibidas de vender espaços
publicitários e as instituições de ensino superior comunitárias encontram dificuldades para
obter verbas públicas e têm de sobreviver às custas da cobrança de mensalidades. Na mesma
linha, os bens de ambas não são considerados privados, todavia, o ápice da diferenciação de
ambas, por ora, reside no fato de as rádios possuírem um marco regulatório próprio, ao passo
que as instituições de ensino superior comunitárias ainda buscam a aprovação de um marco
que atenda às suas necessidades.
As rádios comunitárias pertencem à comunidade, têm compromisso com conteúdo de
cunho político, desempenham uma função social e estão comprometidas tanto com as
problemáticas locais quanto à abertura para a concretização da participação popular (que se
constitui no grande diferencial deste modelo). A lei que hoje regulamenta as rádios
comunitárias é restritiva, à medida que impõe limite à potencia (que é igual em todo o País) e
à modalidade de antena, bem como pela determinação de apenas uma rádio por localidade
(enquanto as entidades reivindicam de duas a doze rádios por município), e, ainda,m pela
vedação de formação de “redes de cooperação” entre as rádios comunitárias. De outra banda,
o surgimento de uma legislação que diz respeito às rádios comunitárias diz respeito à proteção
legal dada.
Ao traçar um comparativo entre as instituições de ensino superior comunitárias e as
rádios comunitárias, percebe-se que há um sopro de esperança às primeiras, haja vista que
hoje são elas próprias que norteiam o rumo do Projeto de Lei nº. 7.639/2010, que busca um
marco regulatório a estas. Diferentemente do que ocorreu com as rádios comunitárias que
tiveram como “mentoras” da Lei n°. 9.612/1998 a ABERT. É uma possibilidade, mas não
uma certeza. Daí, a necessidade de um olhar atento ao futuro que se desenha e que se
aproxima.
3.2 O nascedouro das Instituições de Ensino Superior Comunitárias no Brasil
Antes de ingressar na esfera das instituições de ensino superior comunitárias, necessário
compreender os processos que cercam o ensino superior no Brasil. Em 1550, iniciaram no
País as atividades das escolas confessionais católicas, fato que marcou, por muito tempo, a
107
relação entre educação e igreja, haja vista que em 1580, beneditinos, carmelitas e franciscanos
também passam a educar. O modelo de educação pública, gratuita, apesar de não estatal está
atrelado à religião e perdura até a expulsão dos jesuítas, em 1759, muito embora o
rompimento do vínculo entre Igreja e Estado ocorra tão-somente em 1889, com a
Proclamação da República.330
A história da educação pode ser partida em quatro momentos distintos: a) que vai do
descobrimento até a Revolução de 1930; b) de 1930 a 1964, período que vai abarcar a reforma
de 1961331; c) de 1964, com o golpe militar até os anos 80, quando ocorrerá a Reforma
Universitária e em que surgirão as Fundações de Universidade, através da Lei nº. 5.540/1968;
d) a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 e com a publicação da Lei nº.
9.394/1996, LDB. É na penúltima fase que se concentra o surgimento das instituições de
ensino superior comunitárias.
A Universidade do Rio de Janeiro é considerada a primeira do País e tem sua criação no
ano de 1920. O Ministério da Educação e o Estatuto das Universidades Brasileiras são criados
em 1930, mesmo ano em que ocorre a primeira reforma na educação superior. Até 1945,
existiam apenas 5 (cinco) universidades no País, sendo 4 (quatro) na região Sudeste e uma na
região Sul.332 Apesar da separação entre Igreja e Estado, é necessário esclarecer que serão as
igrejas católica e luterana que estimularão o surgimento das instituições de ensino superior
comunitárias, até mesmo em razão da experiência das escolas comunitárias, presentes no
cotidiano dos imigrantes chegados ao Brasil.333
Por longos anos, as instituições de ensino superior seguiram a lógica dicotômica, sendo
classificadas como públicas ou privadas, estas eram aquelas que não se enquadravam na
categoria de públicas estatais334. Hoje, o panorama ainda reflete este quadro, contudo, vem,
paulatinamente, sendo alterado. Até o final dos anos 50, o estado de Santa Catarina não
330
SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação
Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010.
331
GADOTTI, Moacir. Educação brasileira contemporânea: desafios do ensino básico. Disponível em
<www.paulofreire.org>. Acesso em: 20 jul.009.
332
MACHADO, Ana Maria Netto et al. Universidade do Planalto Catarinense: pioneirismo na interiorização da
educação superior. In: SCHMIDT, João Pedro (Org). Instituições comunitárias: instituições públicas nãoestatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 351.
333
As escolas comunitárias foram incentivadas e, posteriormente, boicotadas pelo governo Getúlio, durante a
Segunda Guerra Mundial, seguindo a lógica da onda nacionalista que assolava o Brasil.
334
CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. Universidade comunitária: uma proposta para o Brasil. Revista Textual,
Porto Alegre, ago./2003, p. 22.
108
possuía nenhuma universidade, pois a UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina,
referência em educação, foi criada apenas em 1960335, tal fato serve para ilustrar a
importância que as instituições de educação superior comunitárias representaram e
representam ao passo que não apenas levaram o ensino superior ao interior do estado, mas
também possibilitaram à população o acesso à educação e a uma gama de outros serviços
decorrentes das atividades das ditas instituições.
O senso cívico aprendido em boa parte dessas escolas era em primeiro lugar o
compromisso com a comunidade do entorno. O comunitarismo dos imigrantes não
tinha a democracia como referência central, o que é compreensível ao se considerar
a cultura política vigente à época, de traços fortemente autoritários, tanto aqui
quanto nos países europeus. A consolidação dos regimes e culturas democráticos em
nível internacional ocorreu tão-somente após a Segunda Guerra Mundial, e aqui no
Brasil a partir do processo de redemocratização ocorrido da década de 1980. 336
As instituições de ensino superior comunitárias têm seu surgimento atrelado a
basicamente dois elementos: a ausência do Estado e a interiorização do ensino no País,
notadamente, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. É a força das comunidades que
impulsiona o surgimento destas instituições, à medida que não apenas estimula o crescimento
de um espaço democrático, mas também cria um espaço propício à participação da
comunidade na tomada de decisões que sanarão os problemas por ela enfrentados. Portanto, é
fomentado um espaço de comunicação e de debate que acaba por fortalecer a democracia.
“Sem fins lucrativos, com gestão democrática e participativa, são autênticas instituições
públicas não-estatais”.337
[...] O conceito de “universidade comunitária” carece de entendimento consensual.
A expressão é interpretada e utilizada com enfoques diferentes por grupos de
universidades ou, isoladamente, por algumas instituições universitárias, ainda que
elas reconheçam a convergência dos significados e das práticas comunitárias. Em
razão dessa ambigüidade, as interpretações tendem a se diferenciar conforme a
ênfase concedida ao caráter “público não-estatal”, à vinculação confessional, à
atividade de extensão como meio de inserção comunitária ou, ainda, ás formas
adotadas de gestão universitária.338
335
LIMA, Luiz Gonzaga de. Contribuições das instituições de educação superior da Associação Catarinense de
Fundações Educacionais a Santa Catarina e ao Brasil. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições
comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 93.
336
SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação
Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010.
337
LAZZARI, Ney José; KOEHNTOPP, Paulo Ivo; SCHMIDT, João Pedro. Apresentação. In: SCHMIDT, João
Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p.
12.
338
MARTINS, Geraldo Moisés. Universidade federativa, autônoma e comunitária. Brasília: Athalaia, 2008, p.
120-121
109
Muito embora o modelo de instituição de ensino superior comunitária tenha
predominância nos estados do Sul, em especial Rio Grande do Sul e Santa Catarina, é
necessário destacar que há experiências similares em outros estados do Brasil. A origem deste
tipo de instituição está atrelada “à capacidade das organizações da sociedade civil e do poder
público local de associar-se no esforço de suprir a lacuna de educação superior nas regiões
interioranas”.339
A Universidade Comunitária brasileira tem como uma de suas marcas e fonte de
tensões a sustentabilidade. A tensão decorre da sua dupla natureza: o caráter público
de serviço à comunidade, que tende a ser visto como oposto à sustentabilidade, e o
caráter heterônomo e cambiante de sua inegável inserção num mundo globalizado,
competitivo e em luta pela sobrevivência, que exige o empreendedorismo. 340
As instituições de educação superior comunitárias não apresentam um formato
institucional único, pois muito embora “[...] proclamem possuir uma identidade própria que as
diferencia dos demais setores do ensino superior, esta identidade é um processo em
construção, mais avançado em algumas, incipiente em outras”.341 Necessário destacar que,
embora o compromisso com a pesquisa e com a extensão tenha certa onerosidade, estes são
alguns dos elementos que caracterizam as instituições de educação superior comunitárias.
No Rio Grande do Sul, em 1931 inicia-se a criação da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul - PUCRS. Surgem na década de 40, a Universidade de Cruz Alta –
UNICRUZ e a Universidade de Caxias do Sul - UCS (que se iniciou com movimentos
isolados, em 1949, por exemplo, tem início a Escola Superior de Belas Artes). Porém, é nos
anos 50 que o ensino superior começa a tomar o interior do estado,342 nesse período surgem a
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, a
Universidade de Passo Fundo – UPF e a Universidade da Região da Campanha – URCAMP.
Nos anos 60 têm início as atividades da Universidade Católica de Pelotas – UCPEL, da
Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC e do Centro Universitário Univates –
UNIVATES. A Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI, tem
339
SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação
Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010.
340
MOROSINI, Marilia e FRANCO, Maria Estela Dal Pai. Universidades Comunitárias e sustentabilidade:
desafio em tempos de globalização. In: Educar, Curitiba: UFPR, n. 28, p. 61.
341
BITTAR, M. Universidade comunitária: uma identidade em construção. São Carlos, 1999. Tese (Doutorado
em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos., p. 226.
342
Todavia, necessário destacar que em 1931 inicia-se a criação da PUCRS. Surgem na década de 40, a Unicruz
– Universidade de Cruz Alta e a UCS – Universidade de Caxias do Sul (que se iniciou com movimentos
isolados, em 1949, por exemplo, tem início a Escola Superior de Belas Artes).
110
seu reconhecimento como tal no ano de 1992, muito embora já viesse desenvolvendo
atividades de integração e de trabalho comunitário.343
Em Santa Catarina, a pioneira no processo de interiorização do ensino superior é a
Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC, que iniciou suas atividades em 1959. Em
1962 é criada a Universidade do vale do Itajaí – UNIVALI. A Universidade Regional de
Blumenau – FURB é fundada em 1964, apesar de as tentativas terem iniciado já no ano de
1953. A Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí – UNIDAVI, é criada
em 1966, mesmo ano em que a Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, dá início
às suas atividades. Em 1967, nasce a Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. A
Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC é criada em 1968, assim como a
Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC. A Universidade do Contestado – UNC,
desenvolve as suas atividades a partir de 1970. Em 1972 é criada a Universidade Comunitária
Regional de Chapecó – UNOCHAPECÓ. O Centro Universitário de Jaraguá do Sul –
UNERJ, é instituído no ano de 1973, no mesmo ano também é instituído o Centro
Universitário de Brusque - UNIFEBE. No ano seguinte, 1974, é criado o Centro Universitário
Barriga Verde – UNIBAVE.344
[...] apesar do centralismo conservador, presente em boa parcela dos governantes e
das pessoas ligadas ao ensino, aos poucos as comunidades regionais e
microrregionais começam a se organizar, dando vida a um sistema fundacional de
educação superior totalmente diferenciado de qualquer outra experiência vivida nos
demais estados da federação brasileira.345
Esses elementos servem para demonstrar que as instituições de educação superior
comunitárias não apenas pulverizaram suas atividades pelo interior dos estados, mas levaram
consigo a possibilidade de acesso ao ensino superior de qualidade, coisa que antes era
viabilizada apenas àqueles que podiam alterar sua rotina e ingressar em uma universidade
pública localizada nas capitais. Ademais, esta experiência também demonstra a força da
sociedade civil, que, ao se mobilizar obtém resultados positivos, haja vista que é graças a ela
que estas instituições deixam de ser um ideal e passam a ser uma realidade.
343
In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do
Sul: Edunisc, 2009, p. 223-307.
344
SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do
Sul: Edunisc, 2009, p. 308-393.
345
LIMA, Luiz Gonzaga de. Contribuições das instituições de educação superior da Associação Catarinense de
Fundações Educacionais a Santa Catarina e ao Brasil. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições
comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 93.
111
Hoje, as instituições de ensino superior comunitárias constituem-se em instituições
isoladas que têm de conviver com problemas que, por vezes, afetam a todas elas, mas,
geralmente atuam isoladamente, salvo em determinadas situações, a exemplo do
COMUNG346 – Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas, criado em 1996, e da
ACAFE347 - Associação Catarinense das Fundações Educacionais, fundada em 1974; tratamse de entidades que levam a voz das instituições de ensino superior que representam para além
de seus muros, são associações que em determinadas situações agem de modo a solucionar
problemas que atingem mais de uma instituição e busca, alcançar melhores resultados pela
ação unificada.
As universidades constituem o segmento mais estruturado dentre as comunitárias do
país. No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina elas constituem os maiores
segmentos da educação superior. No Rio Grande do Sul, as instituições do
COMUNG abrangem cerca de 400 municípios e seus 120 mil estudantes
correspondem a mais de 50% do total dos estudantes do ensino superior. Em Santa
Catarina, as instituições da ACAFE reúnem mais de 130 mil estudantes, o que
representa 65% dos universitários do estado.348
O histórico das instituições de ensino superior comunitárias comprova que seu
surgimento foi diferente das demais instituições do gênero, eis que, além de serem fruto dos
esforços da comunidade, valorizam as peculiaridades das regiões em que atuam, deixam suas
marcas na comunidade, agem tanto como protagonistas do desenvolvimento social, quanto
econômico, cultural e até mesmo ambiental, à medida que não apenas compõem a
comunidade, mas também adicionam experiências e vivências, modificando a realidade,
procurando desenhar um espaço mais igualitário e justo.
O surgimento deste espaço democrático acaba por transferir as responsabilidades da
Administração Pública à população, o que alimenta a participação da sociedade civil em áreas
específicas que, a princípio deveriam ser atendidas pelo Estado. Cria-se, então, uma
redefinição dos espaços ocupados pelo Estado e pela sociedade civil. Necessário ponderar que
a sociedade civil poderia delegar as atividades a terceiros e atuar como mera fiscalizadora das
atividades, contudo, tal conduta não condiz com uma participação democrática, consequência
346
Hoje, o COMUNG conta com a participação de 13 instituições, quais sejam: FEEVALE, PUCRS, UCPEL,
UCS, UNICRUZ, UNIJUÍ, UNISC, UNISINOS, UNIVATES, UPF, URCAMP, URI e, mais recentemente, IPA.
347
Por sua vez, a ACAFE é composta por 16 instituições, são elas: FURB, UDESC, UNC, UNERJ, UNESC,
UNIBAVE, UNIDAVE, UNIFEBE, UNIPLAC, UNISUL, UNIVALI, UNOCHAPECÓ, UNOESC, USJ,
IELUSC e UNIARP.
348
LAZZARI, Ney José; KOEHNTOPP, Paulo Ivo; SCHMIDT, João Pedro. Apresentação. In: SCHMIDT, João
Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p.
13.
112
disso será uma administração realizada para e pela a comunidade, que terá como marca
principal a democracia.349
O comunitário tem como premissa básica o fato de ser mantida por organizações da
sociedade civil e por órgãos públicos da região e manifesta-se no conjunto de sua
vida institucional, vinculada estreitamente à dinâmica regional. O democrático
expressa-se na forma de escolha dos seus gestores e nas amplas oportunidades de
participação dos diversos segmentos da comunidade acadêmica no processo
decisório, associado à transparência dos atos administrativos. 350
No entanto, há que se destacar que algumas áreas, mesmo com o enxugamento da
máquina e com a estruturação de uma órbita gerencial, continuam deficitárias de uma atuação
do Estado. São prestações públicas que, mesmo sendo realizadas por entidades jurídicas
privadas, devem ser fiscalizadas e obedecer a diretrizes estatais. Este é um dos fatores que
ajudam a compreender o surgimento e conceito das instituições comunitárias. Observa-se que
a formação das instituições comunitárias se processa justamente onde o Estado encontra uma
maior dificuldade de se fazer presente, a exemplo da educação e da saúde, pontos centrais na
atuação do espaço público não estatal.
As instituições superiores de ensino superior comunitárias não seguem a lógica de
privatizações, vez que se trata de “um esforço pela construção de novos e ampliados espaços
públicos de educação”351, ademais, elas nasceram em um outro contexto. De um modo geral,
as instituições comunitárias são concebidas por comunidades que, ao necessitar de um
determinado serviço público, organizam-se e buscam meios de suprir tal necessidade, através
da formação de um espaço público devidamente organizado e juridicamente constituído, tratase de uma materialização da democracia no seio da sociedade civil organizada.
O motivo de as instituições de ensino superior comunitárias estarem centradas no Rio
Grande do Sul e Santa Catarina tem ligação com o processo de imigração, pois nestes estados,
percebe-se o nascimento das ditas instituições, basicamente nos locais de colonização alemã,
349
Aqui é necessário esclarecer que criação das CPAs – Comissão Própria de Avaliação Institucional, através da
Lei nº. 10.861/2004, determina no artigo 3º, VI e no artigo 11, I, a participação da comunidade nos processos de
avaliação. Contudo, esta participação é reduzida e limitada, se comparada aos processos que envolvem as
instituições de ensino superior comunitárias.
350
THOMÉ, Vilmar e NUNES, Ana Karin. Universidade de Santa Cruz do Sul: uma instituição comunitária de
caráter público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas
não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 267.
351
FRANTZ, Walter; SILVA, Enio Waldir da. As funções sociais da universidade – o papel da extensão e a
questão das comunitárias. Ijuí: Unijuí, p. 17.
113
italiana e polonesa352. A preocupação com a educação e com o futuro dos filhos levou estes
imigrantes a implementarem condições de ensino, que, mais tarde deram surgimento às
instituições aqui estudadas.
Entre os evangélicos e os católicos surgiram, posteriormente, escolas mantidas
diretamente pelas comunidades. A vinda para a região de missionários das igrejas
cristãs ajudou a impulsionar as escolas comunitárias. A maior parte da literatura
referente ao tema atribui-lhes o nome de escolas paroquiais. Como, via de regra,
eram mantidas sem o concurso do Estado e das igrejas – ainda que vinculadas às
respectivas igrejas -, o termo “comunitárias” lhe é muito mais apropriado353.
No período em que os imigrantes desembarcaram no Brasil, ainda havia uma forte
influência da igreja. É no ambiente comunitário da imigração que se originaram as
instituições comunitárias em geral. As necessidades e dificuldades encontradas pelos
imigrantes aproximaram a comunidade imigrante, até mesmo por haver uma identidade354
entre eles. Dentro da sistemática da Constituição Federal de 1988, percebe-se que “o princípio
de que a educação é dever do Estado, não implica no imobilismo da população e de cada
indivíduo: a educação é também dever de todos, pais, alunos, comunidade”.355
O espírito comunitário é parte integrante da própria história da colonização ocorrida
no Sul do Brasil. O tipo de povoamento adotado – o do habitat em fileira e a
formação de comunidades rurais nas linhas ou picadas –, juntamente com o
cristianismo social desenvolvido pela igreja da imigração, mais a experiência
associativa trazida pelos imigrantes da Europa, podem ser apontados como os
grandes responsáveis pelos vínculos sociais densos e a coesão social que se
estabeleceram nas comunidades. Portanto, foram fatores de natureza endógena,
mesclados com outros exógenos, que viabilizaram um intenso desenvolvimento
associativo e o acúmulo de capital social nas áreas coloniais alemãs. 356
A evolução das escolas comunitárias, que mais tarde darão origem às instituições de
ensino superior comunitárias em geral, tem um processo de ascensão em razão dos imigrantes.
Contudo, sofrerão um retrocesso no final dos anos 30, quando a onda nacionalista invade o
Brasil, durante o Governo Vargas. Este episódio deixa marcas na educação brasileira. A
primeira, pelo fato de os espaços ocupados pelo Estado deixarem a desejar, outra, em razão da
352
VOGT, Olgário Paulo. Capital social e instituições comunitárias no sul do Brasil. In: SCHMIDT, João Pedro
(Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 60.
353
VOGT, Olgário Paulo. Capital social e instituições comunitárias no sul do Brasil. In: SCHMIDT, João Pedro
(Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 59.
354
“A concepção de “identidade’ nasceu da crise do pertencimento e do esforço que esta desencadeou no sentido
de transpor a brecha entre o ‘deve’ o ‘é’ e erguer a realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela idéia –
recriar a realidade à semelhança da idéia”. BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Tradução de Carlos Alberto
Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
355
GADOTTI, Moacir. Educação brasileira contemporânea: desafios do ensino básico. Disponível em
<www.paulofreire.org>. Acesso em: 20 jul.2009.
356
VOGT, Olgário Paulo. Capital social e instituições comunitárias no sul do Brasil. In: SCHMIDT, João Pedro
(Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 69-70.
114
perda da identidade até então cultivada e a terceira porque estas escolas levam anos para se
reestruturarem fisicamente e financeiramente.
A partir de 1937, o Estado brasileiro promoveu o abrasileiramento forçado das
regiões coloniais do Sul do país onde viviam imigrantes e descendentes de
imigrantes. Especificamente no que tange à nacionalização do ensino, o Estado
atuou em duas frentes: de um lado, colocou escolas públicas em locais em que já
existiam as comunitárias; de outro lado, criou empecilhos legais para inibir a
continuidade dessas escolas. Em 1938 e 1939, leis e decretos de nacionalização, que
disciplinavam a licença de professor, o uso de material didático e que culminou na
interdição do uso de línguas estrangeiras no ensino, praticamente puseram fim ao
funcionamento das escolas comunitárias.357
Após a Segunda Guerra Mundial, Organizações Internacionais, a exemplo da ONU –
Organização das Nações Unidas, UNESCO - Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura, e OEA – Organização dos Estados Americanos, assumiram o
compromisso com um mundo livre de ideologias antidemocráticas. Assim, foram criados
programas que buscaram auxiliar os países pobres através do desenvolvimento da
comunidade. No Brasil, esta ideia foi incorporada na década de 40 e desenvolvida entre as
décadas de 50 e 80. O propósito daí decorrente é materializado em projetos que unem o
empenho da comunidade e as iniciativas governamentais. São projetos criados neste período,
a Campanha Nacional de Educação Rural, os Conselhos Comunitários, o Movimento de
Educação de Base - MEB, a Mobilização Nacional contra o Analfabetismo, o Projeto Rondon,
entre outros tantos mais.358
Com a ditadura militar no Brasil, houve certo enfraquecimento das práticas
comunitárias, que eram questionadas e tidas como subversivas. Mais uma vez a igreja, em
especial a católica, desempenha um papel de destaque, ao apoiar movimentos que ocorrem no
seio da comunidade. Outra decorrência deste período é a proliferação de diferentes linhas de
pensamento, fato que tem continuidade nos anos 70 e 80. Nos anos 70, o Ministério do
Interior, criou um órgão que tinha por objetivo coordenar os Programas de Desenvolvimento
da Comunidade. Durante o Governo Sarney é criada a Secretaria Especial de Ação
Comunitária – SEAC. As ditas políticas têm caráter integracionista e assistencialista. 359
357
VOGT, Olgário Paulo. Capital social e instituições comunitárias no sul do Brasil. In: SCHMIDT, João Pedro
(Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 67.
358
SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação
Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010.
359
SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação
Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010.
115
É na década de 80 que as instituições de ensino superior comunitárias consolidam-se,
quando se verifica uma expansão das mesmas e, logo, após, final dos anos 2000 sofrem um
período de crise360 decorrente do início da expansão do ensino superior pelo País. Em
verdade, as instituições de ensino superior comunitárias são frutos de alternados processos de
avanços e retrocessos, que ocorreram ao longo dos anos e que tende a sofrer mais uma
guinada em breve.
Nos anos 90, “o desenvolvimento de comunidade perdeu força nos meios
governamentais. Um fator importante nesse sentido foi a consolidação de um novo paradigma
de desenvolvimento”, expressado pelo Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, que leva
em conta três elementos: a longevidade, a educação e a renda per capta. 361 Ademais, a perda
da força da comunidade no meio governamental coincide com a crise enfrentada pelas
instituições de ensino superior comunitárias.362
As instituições de ensino superior comunitárias crescem em razão da ausência e da
distância da universidade estatal, da falta de estrutura das universidades confessionais para
disseminarem suas atividades no interior dos estados. Somados a estes elementos, há a
mobilização das comunidades do interior na busca pelo ensino de qualidade, o compromisso
com a formação do ser humano, com a comunidade e não com o lucro. A instituição de ensino
superior comunitária é vista como um “serviço público e não como negócio particular”.363
Falar em comunitário pressupõe falar de uma série de peculiaridades enraizadas na
comunidade regional. As instituições de ensino superior comunitárias possuem laços externos
e laços internos. Os primeiros são mais difíceis de visualizar, eis que dizem respeito às
relações mantidas com a comunidade. Já os outros estão diretamente atrelados ao tratamento
dispensado aos alunos, são aqueles laços que tendem a diminuir à medida que as instituições
crescem.
360
Necessário frisar que estas instituições cresceram até 2002, 2003, 2004 e, depois, passaram a enfrentar
algumas crises.
361
Este índice recebe críticas por limitar a análise dos países a uma equação simplória de três elementos.
Ademais, há entendimento de que este índice deveria levar em consideração, por exemplo, o respeito aos direitos
humanos.
362
SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação
Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010.
363
VANUCCHI, Aldo. A universidade comunitária – o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2004, p. 10.
116
Martin Buber364, em Sobre comunidade, questiona o que uma escola comunitária deve
ter para ser considerada como tal? Segundo ele, uma instituição atende a tal comando quando
propicia uma relação profunda entre pessoas, a exemplo da relação mantida entre professores
e alunos. O grande diferencial das instituições de ensino superior comunitárias reside no bom
atendimento realizado em setores específicos solicitados pela comunidade. No tocante à
relação entre as pessoas é necessário questionar até que ponto vai este vínculo comunitário?
Evidente que a instituição deve favorecer este tipo de aproximação, no intuito de fomentar a
ideia comunitária.
Como pode surgir uma comunidade?365 Ainda é Buber que responde, dizendo que é
necessário o senso de comunidade entre as pessoas para que haja a dita comunidade.
Indispensável a ocorrência de um relacionamento horizontal e democrático, sob pena de o
discurso comunitário, sem a devida prática, cair num vazio. Ademais, os diferentes níveis de
afeto acabarão por gerar diferentes níveis de convivência comunitária. O compromisso das
instituições de ensino superior comunitárias vai além do ensinar, eis que perpassa pelo
aprendizado promovido em razão das relações humanas aí existentes.
As instituições de ensino superior comunitárias possuem características366 que lhe são
peculiares, a exemplo do desenvolvimento de um patrimônio público não estatal, trata-se de
um patrimônio instituído de modo comunitário, que é gerido por uma instituição formada pela
própria comunidade, que tem o papel de criar e administrar este patrimônio. Muito embora,
este modelo de instituição seja englobado na classificação privada, é evidente que sua
proposta não se assemelha às particulares, pois se trata de uma inovação inteligente e
diferenciada que tem carga histórico-valorativa, bem como pelo fato de estas instituições
estarem estruturadas de modo que é possível visualizar muitas características próprias das
364
BUBER, Martin. Sobre comunidade. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 88-90.
BUBER, Martin. Sobre comunidade. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 91.
366
Entre estas características também merecem destaque o comunitário e ö aspecto democrático. “O comunitário
tem como premissa básica o fato de ser mantida por organizações da sociedade civil e por órgãos públicos da
região e manifesta-se no conjunto de sua vida institucional, vinculada estreitamente à dinâmica regional. O
democrático expressa-se na forma de escolha dos seus gestores e nas amplas oportunidades de participação dos
diversos segmentos da comunidade acadêmica no processo decisório, associado à transparência dos atos
administrativos”. In: THOMÉ, Vilmar e NUNES, Ana Karin. Universidade de Santa Cruz do Sul: uma
instituição comunitária de caráter público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições
Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 267.
365
117
figuras de Direito Público367, a exemplo da tendência à persecução dos princípios que
norteiam a Administração Pública.
Algumas instituições de educação superior possuem marcas que lhes são próprias,
pois, desde suas origens, vêm construindo um modo de ser institucional enraizado
em suas regiões, que se expressa no profundo compromisso social com a
preservação do nosso habitat e com o desenvolvimento humano, social, econômico,
científico, técnico, cultural das comunidades em que se inserem. Para entender
melhor essa realidade, é interessante examinar experiências de diferentes instituições
368
que aglutinam muitas características comuns.
A fluidez que se apresenta nos dias atuais, fruto da globalização e das alterações sociais,
já perpetuadas, trazem a necessidade de repensar o papel que as instituições de ensino
superior, em especial as comunitárias, têm com a educação, mas também o papel integrador
que as instituições de ensino superior realizam, ao fazer com que a comunidade resgate e/ou
mantenha as suas tradições e tenha uma identidade definida, pois indubitável é o fato de que
elas desempenham tão bem e por vezes até mesmo melhor o papel que competiria ao Estado.
Portanto, se faz necessário um marco legal capaz de impulsionar esta atuação positiva, que
demonstra os bons frutos oriundos deste modelo de instituição.
Dentro da perspectiva histórica é necessário atrelar o ideal trazido com as instituições de
ensino superior comunitárias ao conceito de público não estatal, que se mostra estratégico a
estas instituições por duas razões fundamentais e de extrema relevância, que são:
a) para evidenciar à sociedade que ensino pago não é sinônimo de “universidade
privada”. As instituições comunitárias, embora necessitem cobrar pelos serviços que
prestam, têm características fundamentais do que é público, ou seja, coletivo, de
todos: a democracia, a participação, a transparência, administrativa, a inserção na
comunidade regional. Trata-se de ajudar os cidadãos a entender a natureza do que é
público, evidenciando que tanto organizações estatais como não-estatais podem
cumprir finalidades públicas; b) no âmbito dos debates da política educacional, se o
comunitário não mantém seu vínculo com o público, acaba por ser empurrado para
as bandas do privado, como vem acontecendo historicamente. 369
A fim de não restarem inviabilizadas as atividades desempenhadas pelas instituições de
ensino superior comunitárias e, para que não fique este modelo condenado a permanecer na
esfera privada, fator que contraria a sistemática dos projetos por elas assumidos e
desempenhados, é que se busca um marco regulatório próprio, até mesmo para que as
367
SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco
jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições
públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 22.
368
LONGHI, Solange Maria e BOTH, Agostinho. Universidade de Passo Fundo: modos de ser universidade –
comunitárias, por que não?. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas
não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 289.
369
UNISC. A universidade de Santa Cruz do Sul e o modelo comunitário de universidade: aspectos conceituais
e jurídicos. Santa Cruz do Sul, 2009, p. 7.
118
comunitárias não acabem por perder a sua identidade ou até mesmo para que as mesmas não
fiquem fadadas ao desaparecimento.
Um conceito e uma prática ainda em construção, a partir de necessidades, interesses,
valores ou motivações e envolvem diferentes agentes sociais, como tal, o termo está
sendo empregado para designar iniciativas distintas, mesmo olhares distintos, em
termos de necessidades, interesses, motivações, valores e que, portanto, guardam
diferenças entre si, as quais podem ser consideradas importantes para uma
370
caracterização objetiva.
Apesar de ser um conceito em fase de construção, haja vista as peculiaridades existentes
dentro de cada uma das instituições de ensino superior comunitárias, trata-se de um conceito
que reclama por um tratamento adequado, versa-se de um conceito que precisa ser discutido,
desconstruído, repensado, questionado para que então possa haver um consenso e um norte na
busca de um marco regulatório e de uma conduta protetiva a estas instituições.
Ademais, a relação existente entre as instituições de ensino superior comunitárias e as
comunidades em que atuam, seja em decorrência da origem comunitária, seja em razão do
perfil institucional, das ações desenvolvidas, do compromisso firmado com a responsabilidade
social, dos princípios éticos tão fortemente arraigados a este modelo, do pacto para com a
região; além de todos estes traços diferenciadores, este modelo de instituição ainda busca
manter-se entre as instituições que têm comprometimento com a formação humanística e de
qualidade.371
3.3 O tratamento jurídico hoje dispensado às instituições de ensino superior
comunitárias e as dificuldades decorrentes
As instituições de ensino superior comunitárias têm sua história diretamente atrelada à
história do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Hoje, estas instituições buscam um marco
regulatório próprio, capaz de atender às suas necessidades. Ao passo que se fala de história e
de Direito, necessário destacar que “não é possível despir-se o direito de um País de sua
história e cultura - seja durante sua formação, seja na sua aplicação -, as quais atuam como
filtro, extraindo de cada fato genérico um fenômeno específico”.372
370
POLI, Odilon e JACOSKI, Cláudio. Universidade Comunitária Regional de Chapecó: a experiência do
público comunitário. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas nãoestatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 374.
371
CONFORTIN, Helena e BOEIRA, Cleusa Salete. Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa
Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 307.
372
DERANI, Cristiane. Direto ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 02.
119
A chamada civilização moderna tem sua trajetória marcada pela busca da ordem, da
organização, da confecção de normas e da institucionalização de regras que devem ser
obedecidas. O surgimento das normas jurídicas não está ligado à busca do desenvolvimento
do ser humano ou à felicidade coletiva e à justiça, mas à mantença da organização social. “O
direito não é uma parte, um estamento da sociedade, é uma prática social”, que se revela como
a materialização das expectativas da constituição da sociedade, através de um código de
regras próprio, é fruto da produção humana, assim sendo, o sistema jurídico passa a ser
estruturado como fruto do movimento social.373
Nessa linha de pensamento, necessário voltar os olhos ao sul do Brasil, notadamente
para o Rio Grande do Sul e para Santa Catarina, berço das instituições de ensino superior
comunitárias, local onde o espírito comunitário foi cultivado e fomentado. O sul do País é
também o nascedouro do movimento em prol de um marco regulatório próprio às instituições
de ensino superior comunitárias, através do COMUNG e da ACAFE, ou seja, nessa região do
País tem início o processo de busca de um direito que se mostre adequado a estas sociedades,
que têm em seu seio instituições de ensino diferenciadas.374
Muito embora a Constituição Federal de 1988 contenha pressupostos capazes de
quebrar com a lógica dicotômica375, percebe-se que, na prática muitos entraves são postos no
caminho das instituições de ensino superior comunitárias. A ideia de que a divisão das
instituições de ensino superior limita-se ao público e ao privado ainda é muito forte, tanto
junto à opinião pública quanto em meio às instituições oficiais que costumam jogar as
instituições de ensino superior comunitárias à vala comum. Contudo, esta visão não
corresponde ao atual quadro das instituições de ensino.
Por força da tradicional dicotomia público-privado, a opinião pública até agora não
conseguiu assimilar, de todo, a presença e a realidade do terceiro setor na sociedade
brasileira. A visão dual simplifica toda a realidade num dilema falso e fechado, que
tudo submete a essa inexorável visão bipartida das instituições, classificando-as, sem
mais, em públicas ou privadas. E nesse esquema é que se costuma também
376
enquadrar as universidades.
373
DERANI, Cristiane. Direto ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 03-17
PORTAL DAS INSTITUIÇÕES COMUNITÁRIAS DE ENSINO SUPERIOR. <www.comunitarias.org.br>.
Acesso em: 28 nov.2010.
375
LAZZARI, Ney José; KOEHNTOPP, Paulo Ivo; SCHMIDT, João Pedro. Apresentação. In: SCHMIDT, João
Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p.
12.
376
VANUCCHI, Aldo. A universidade comunitária – o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2004, p. 24.
374
120
Bem, antes de compreender qual o tratamento jurídico hoje dispensado às instituições
superiores de ensino comunitárias, necessário assimilar que a história jurídica destas
instituições passa por, basicamente, três momentos. O primeiro deles têm vinculação direta
com o processo de elaboração da Constituição Federal de 1988, onde o debate acerca do
comunitarismo se mostrou bastante forte. Na ocasião, muito se discutiu acerca da
possibilidade de transferir recursos377 e as instituições católicas tiveram um importante papel
no processo de reconhecimento das instituições comunitárias, tratava-se da busca de um traço
diferenciador, que ficou nítido na redação do artigo 213378 da Constituição Federal de 1988.379
A redação do artigo 213 da Constituição Federal acabou contemplando o intento das
entidades católicas, ao contemplar a categoria das escolas comunitárias no texto
constitucional e possibilitar a transferência de recursos públicos para escolas
comunitárias, confessionais ou filantrópicas que comprovem finalidade não
lucrativa, apliquem seus excedentes financeiros em educação e assegurem a
destinação de seu patrimônio a escola congênere em caso de encerramento de suas
atividades. Na educação fundamental e média, os recursos são para bolsas de estudo;
na educação superior, para atividades de pesquisa e extensão. 380
O artigo 213 da Constituição Federal, ao fazer menção às escolas comunitárias, refere
que, independentemente de elas serem confessionais ou filantrópicas, não podem ser
377
“Na Constituinte de 1986-1987 confrontaram-se duas posições acerca do tema da transferência ou não de
recursos públicos para estabelecimentos educacionais que não pertencessem à rede pública. Contra a
possibilidade da transferência de recursos foi apresentada uma emenda patrocinada pela Confederação dos
Professores do Brasil - CPB, da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior - ANDES, da União
Nacional de Estudantes - UNE, da Central Única dos Trabalhadores - CUT e da Central Geral dos Trabalhadores
- CGT, com 279.013 assinaturas. A favor da transferência de recursos públicos para instituições não estatais sem
fins lucrativos e que prestassem contas dos recursos recebidos, foi apresentada uma emenda pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, Associação de Educação Católica - AEC e Associação Brasileira das
Escolas Superiores Católicas - ABESC, com 750.077 assinaturas. Uma terceira proposta foi apresentada pelo
Movimento de Defesa dos Favelados, pela Comissão de Justiça e Paz (ambos da Bahia) e pelo Movimento
Negro de Brasília, com 23.042 assinaturas, que visava legitimar como públicas as escolas comunitárias voltadas
às comunidades carentes ou minoritárias”. In: SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não
estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-40772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19
nov.2010.
378
Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas
comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:
I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;
II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao
Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.
§ 1º - Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e
médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e
cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a
investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.
§ 2º - As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público.
379
SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação
Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010.
380
SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação
Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010.
121
lucrativas, devendo, portanto, aplicar os seus excedentes financeiros em educação e em seu
patrimônio; contudo, caso venham a encerrar suas atividades, elas poderão destinar seu
patrimônio a outra instituição congênere ou até mesmo ao poder público.
O segundo momento deste processo histórico-jurídico, diz respeito ao debate dos anos
90, que resultou numa tensão, eis que houve uma posição diferente daquela adotada quando
do processo de elaboração da Constituição Federal de 1988. Por ocasião da redação da Lei nº.
9.394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, verificou-se uma redação
prejudicial às instituições de ensino superior comunitárias, haja vista que as classificou como
privadas. O artigo 19381 da LDB segue a classificação dicotômica e divide as instituições de
ensino superior em públicas ou privadas. Seguindo esta linha de pensamento, o artigo 20 382 da
LDB divide as instituições privadas em particulares, comunitárias, confessionais e
filantrópicas e, muito embora trace distinções acerca destes modelos, percebe-se que não
estabelece grandes diferenças acerca das comunitárias, “as comunitárias, portanto, não
conseguiram fazer valer sua especificidade nesse importante documento legal da educação,
que constitui uma das fontes de confusão entre o comunitário e o privado”.383
A Lei no. 9.394/1996 e o Decreto no. 2.306/1997 determinam duas grandes divisões às
instituições de ensino superior comunitárias, uma em relação à natureza jurídica das
mantenedoras384, a outra aborda a organização acadêmica. A primeira classifica as instituições
em: a) públicas, ou seja, aquelas “criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo
Poder Público, consoante dispõe o artigo 19, inciso I da Lei nº. 9.394/1996; b) privadas, as
381
Art. 19. As instituições de ensino dos diferentes níveis classificam-se nas seguintes categorias
administrativas:
I - públicas, assim entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público;
II - privadas, assim entendidas as mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.
382
Art. 20. As instituições privadas de ensino se enquadrarão nas seguintes categorias:
I - particulares em sentido estrito, assim entendidas as que são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas
físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem as características dos incisos abaixo;
II - comunitárias, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais
pessoas jurídicas, inclusive cooperativas educacionais, sem fins lucrativos, que incluam na sua entidade
mantenedora representantes da comunidade;
III - confessionais, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais
pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior;
IV - filantrópicas, na forma da lei.
383
SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação
Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010.
384
Abordar os conceitos de mantida e de mantenedora significa tratar de conceitos complexos e confusos. Em
síntese, a mantida é a instituição de ensino e a mantenedora é a instituição de direito privado, sob a forma de
associações ou fundações, que respondem juridicamente pelos atos da mantida.
122
“mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado”, conforme
determina o artigo 19, inciso II, da mesma Lei.
É público o espaço que é de todos e para todos. É estatal uma forma específica de
espaço ou de propriedade pública: aquela que faz parte do Estado. É privada a
propriedade que se volta para o lucro ou para o consumo dos indivíduos ou dos
grupos. Uma fundação, embora regida pelo Direito Civil e não pelo direito
administrativo, é uma instituição pública, na medida que está voltada para o
interesse geral. Em princípio todas as organizações sem fins lucrativos são ou devem
ser organizações públicas não-estatais. Poderíamos dizer que, afinal, continuamos
apenas com as duas formas clássicas de propriedade: a pública e a privada, mas com
duas importantes ressalvas: primeiro, a propriedade pública se subdivide em estatal e
não-estatal, ao invés de se confundir com a estatal; e segundo, as instituições de
Direito Privado voltadas para o interesse público e não para o consumo privado não
são privadas, mas sim públicas não-estatais.385
A partir daí é feita uma subdivisão das instituições privadas, o que compreende as
instituições particulares, comunitárias, confessionais e filantrópicas. As particulares, em
sentido estrito, são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de
direito privado que não apresentem as características das comunitárias, confessionais ou
filantrópicas. Ademais, as instituições privadas têm como características básicas, a
propriedade e o processo decisório centrado nas mãos do proprietário.386 As instituições
privadas trazem consigo a expressão do individualismo e não do caráter público.
As universidades comunitárias em sentido estrito distinguem-se, pois, nitidamente
das instituições de ensino superior privadas em vários aspectos, como a inexistência
de fins lucrativos, a gestão democrática, a transparência administrativo-financeira, o
controle social, a prestação de contas à sociedade e ao poder público e a ênfase no
desenvolvimento regional.387
As instituições de ensino superior comunitárias são “instituídas por grupos de pessoas
físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas educacionais, sem fins
lucrativos, que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade”.388 As
confessionais são aquelas instituídas “por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais
pessoas jurídicas que atendam orientação confessional e ideologia específicas”, que incluam
na sua entidade mantenedora representantes da comunidade. Estas instituições têm como raiz,
como base, a ideia de ‘comum à comunidade’, às causas coletivas.
385
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal.
In: ______. (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 26.
386
SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco
jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições
públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 19.
387
SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco
jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições
públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 29.
388
BRASIL. Lei no. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010.
123
As instituições confessionais são aquelas que possuem cunho religioso ou filosófico.
Por fim, as instituições filantrópicas, apesar das divergências quanto à categoria, são aquelas
que têm ligação com ações humanitárias.
Filantrópico designa tradicionalmente as ações de humanitarismo e ajuda fraterna
desenvolvidas por organizações assistenciais, muitas delas com caráter religioso.
Nos tempos atuais, ao termo é utilizado para caracterizar ações finalidades sociais,
sem fins lucrativos. Uma organização sem fins lucrativos deve reinvestir o resultado
financeiro na atividade-fim. [...] Do ponto de vista jurídico a filantropia não é
sinônimo de comunitário ou de interesse coletivo.389
Em relação à organização acadêmica, o Decreto no. 5.773/2006, dispõe que as
instituições de educação superior sofrerão a seguinte divisão: faculdades, centros
universitários e universidades. As instituições são inicialmente credenciadas como faculdade.
Os centros universitários serão caracterizados pelo oferecimento de ensino de excelência; pela
atuação em uma ou mais áreas do conhecimento. As universidades terão como característica
fundamental o compromisso com o ensino, com a pesquisa e com a extensão; terão autonomia
didática, administrativa e financeira.
Seguindo os passos da LDB, o Plano Nacional da Educação390, Lei no. 10.172/2001,
pouco fala do modelo comunitário. Contudo, ao dispor sobre os objetivos e metas, o item de
número 27 menciona o oferecimento de apoio e incentivo governamental às “instituições
comunitárias sem fins lucrativos, preferencialmente aquelas situadas em localidades não
atendidas pelo Poder Público, levando em consideração a avaliação do custo e a qualidade do
ensino oferecido”391. Na prática, tal recomendação surtiu pouquíssimos efeitos.392
Também nos anos 90, houve muita discussão acerca do chamado público não estatal,
quando o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, promoveu uma série de
reformas, entre as quais são destacadas a Reforma do Aparelho do Estado e a Reforma
389
SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco
jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições
públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 19.
390
O Plano Nacional de Educação – PNE, é elaborado a cada 10 (dez) anos e tem validade por igual período.
Contudo, o PNE que deveria ter sido votado em julho de 2010 está com processo de elaboração atrasado, eis que
em até o mês de novembro ele ainda não foi votado. O PNE é um documento que serve para nortear as políticas
públicas voltadas ao ensino e o que entrou em vigor tem sua validade expirada em 31 de dezembro de 2010.
391
BRASIL. Lei nº. 10.172, de 09 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras
providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 27 nov.2010.
392
SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação
Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010.
124
Administrativa.393 Da dita reforma, surgiram os marcos regulatórios do público não estatal no
Brasil, a Lei das Organizações Sociais, Lei nº. 9.637/1998 e a Lei das Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público, Lei 9.790/1999, sendo que a discussão acerca das
instituições comunitárias não foi contemplada pelo debate. Nenhuma destas legislações é
aplicável às instituições de ensino superior comunitárias, em razão das peculiaridades
destas.394
O terceiro momento do processo histórico-jurídico ainda está em construção, diz
respeito aos primeiros anos do século XXI. Com o debate acerca da Reforma Universitária,
iniciado em 2004, houve uma postulação das instituições de ensino superior comunitárias
para que a ideia bipartida de público/privado fosse substituída por uma concepção tripartida, a
fim de contemplar as comunitárias, assim, haveria a formulação do trinômio,
público/privado/comunitário.
E obtiveram êxito parcial. O Projeto de Reforma Universitária enviado pelo governo
ao Congresso estabelece no art. 8º três categorias de instituições de ensino superior:
públicas, comunitárias e particulares. Embora se trate apenas de um projeto de lei,
que enquanto projeto não produz efeitos práticos, é uma sinalização de que o
governo começa a se posicionar em favor da superação da simplificação público x
privado, tomando o comunitário como um modelo diferenciado. Ainda na esfera das
iniciativas do governo e no mesmo sentido, vale mencionar o consistente estudo de
um grupo de juristas convidados pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão para apresentar uma proposta de nova estrutura orgânica para o
funcionamento da Administração Pública Federal e das suas relações com entes de
colaboração. O anteprojeto apresentado pelos juristas considerou "altamente
relevante" incluir no instrumento que trata da organização da administração publica
o tratamento a ser dado aos entes de colaboração, entidades que "embora instituídas
no âmbito não estatal - ainda que, em alguns casos, com impulso estatal desenvolvem atividades de interesse público, que as habilitam a atuar como
parceiras do Estado. Elas estão a meio caminho entre o estatal e o não estatal,
gerindo, muitas delas, verbas públicas". Os entes de colaboração indicados no
documento são as organizações não governamentais, mas a lógica dos juristas é
plenamente compatível com os pressupostos de um marco legal das comunitárias. 395
Em 2008, as instituições de ensino superior comunitárias, através de entidades
representativas, COMUNG e ACAFE, começaram a articular um processo de formulação de
um marco regulatório próprio, postulando junto ao Governo Federal e ao Congresso Nacional
393
Porém, na ocasião, o público não estatal foi sinônimo de um Estado mínimo, que seguia a tendência
neoliberal. Contudo, na atualidade, o governo FHC já começa a ser visto como um governo de terceira via e não
mais como um governo neoliberal.
394
SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação
Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010.
395
SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação
Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010.
125
um projeto de lei que abarcasse as suas necessidades e peculiaridades. Em 2009, a ABRUC –
Associação Brasileira das Universidades Comunitárias, abraçou a ideia e agregou força ao
movimento, somando forças com a ANEC – Associação Nacional de Educação Católica do
Brasil e com a Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas - ABIEE.396 A
partir de então, o movimento começou a ganhar corpo e hoje pede o apoio das comunidades,
através de assinaturas junto a uma lista de apoio, que conta com cerca de 3.600 (três mil e
seiscentas) assinaturas, sendo que diariamente mais pessoas aderem à causa.397 Cabe
esclarecer que a ABRUC abriga as instituições de ensino superior comunitárias do País e hoje
conta com a participação de 57 (cinquenta e sete) instituições. Em seu estatuto398, artigo 6º.399,
a ABRUC reproduz a definição da LDB às instituições de ensino superior comunitárias.
De acordo com a ABRUC, para uma instituição ser classificada como comunitária, a
fim de ingressar e permanecer na associação, é necessário que a mantenedora esteja
legitimamente constituída no Brasil, sob a forma de fundação de direito privado, de
associação ou de sociedade civil; que seu patrimônio pertença à comunidade, não tendo o
vínculo com interesses econômicos. As rendas e recursos de quaisquer espécies devem ser
aplicados na mantença do desenvolvimento dos objetivos institucionais. É vedada a
distribuição de quaisquer resultados financeiros, sob qualquer modo ou justificativa.
Integrantes, associados, membros, participantes, instituidores e filiados, não podem ser
privilegiados na prestação de serviços. A instância máxima deve ser uma Assembleia ou
Conselho que deve, por sua vez, contar com a participação da comunidade onde atua. A
administração da gestão financeira e seus recursos devem ser controlados com a participação
da comunidade e no caso das fundações, também deve haver a atuação do Ministério Público.
Havendo a dissolução ou extinção da instituição, o patrimônio remanescente deve ser
destinado a uma entidade pública com similares finalidades. A instituição deve ser
reconhecida como de utilidade pública. O objetivo social deve levar em conta a natureza e o
interesse público das atividades e o patrimônio deve estar vinculado ao interesse público de
396
SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação
Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010.
397
PORTAL DAS INSTITUIÇÕES COMUNITÁRIAS DE ENSINO SUPERIOR. <www.comunitarias.org.br>.
Acesso em: 28 nov.2010.
398
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS UNIVERSIDADES COMUNITÁRIAS. Disponível em:
<http://www.abruc.org.br/005/00502003.asp?ttCD_CHAVE=704>. Acesso em: 19 nov.2010.
399
Art. 6º - Consideram-se Instituições Comunitárias, para os efeitos deste Estatuto, as Universidades e Centros
Universitários instituídos por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive
cooperativas de professores e alunos que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade.
126
suas atividades.
O artigo 8º. do Estatuto da ABRUC estabelece que as instituições comunitárias devem
propiciar a participação da comunidade acadêmica nos órgãos colegiados institucionais; ter
comprometimento com a qualidade acadêmica, através de programas de capacitação e de
permanência de professores, manutenção de quadros e regimes de garantia de carreira docente
e de fomento à pesquisa e extensão, submetendo-se aos processos de avaliação institucional;
por fim, deve ser mantido um projeto educacional que possibilite o aperfeiçoamento da pessoa
humana, numa lógica ética de formação e construção da cidadania.
[...] tanto a LDB como o Estatuto da ABRUC põem o acento comunitário não na
universidade – a mantida -, mas no poder instituidor e mantenedor. Não enfocam
traços característicos e essenciais de uma comunidade, como a posse em comum, a
colegialidade participativa, o pertencimento, o vínculo orgânico, a coesão interna. 400
De acordo com o INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais,
existem hoje, 2.252 instituições de ensino superior (universidades, centros universitários,
faculdades e IFETs – Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia), no Brasil, sendo
que destas são classificadas como comunitárias 437, porém as ditas comunitárias regionais, o
que significa dizer instituições públicas de direito privado não confessionais, tem um reduzido
número, sendo no total 18 (dezoito), as quais estão divididas entre Rio Grande do Sul e Santa
Catarina.
O Censo realizado pelo INEP faz uma divisão em dois grandes blocos, ou seja,
instituições de ensino superior públicas, que englobam instituições federais, estaduais e
municipais, e, outro grande grupo que abrange as instituições privadas, estas incluindo as
particulares, comunitárias, confessionais e filantrópicas. Portanto, constata-se que o INEP ao
realizar o senso das instituições de ensino superior em 2008, segue a lógica dicotômica, pois
agrega três modalidades de instituição, as quais têm peculiaridades, em único bloco
(comunitárias, confessionais e filantrópicas).
[...] A imperiosidade e a urgência em estabelecer com clareza o conceito desse tipo
de instituição (comunitária) de educação superior estão associadas a dois fatores: 1)
ao risco de ‘extinção’ iminente em que se encontram atualmente; e 2) ao fato de que
elas costumam ser consideradas e enquadradas juntamente com as IES particulares
de fins lucrativos e as IES confessionais de grande porte. A distinção conceitual fazse necessária para dar visibilidade a algumas peculiaridades que poderão levar ao
reconhecimento da função social e histórica que esse conjunto de instituições
desempenhou na interiorização da educação superior e, mais recentemente, vem
400
VANUCCHI, Aldo. A universidade comunitária – o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2004, p. 24.
127
desempenhando na interiorização da pós-graduação stricto sensu, sobretudo na área
da Educação, desde a qual nos pronunciamos. 401
Muito embora as instituições de ensino superior comunitárias ainda possuam uma
caracterização bastante ambígua, elas, paulatinamente, ganham força na ideia de um marco
regulatório próprio, tanto junto ao Estado, mas também junto à sociedade civil que passa a
incorporar a concepção de público não estatal e a reconhecer as mencionadas instituições
como instituições dotadas de características próprias, que em muito se diferem das instituições
privadas.
Percebe-se que as instituições de ensino superior comunitárias são fruto do público não
estatal, muito embora, conste legislação em vigor, uma distinção acerca do público e do
privado, haja vista que as figuras jurídicas previstas no artigo 40 do Código Civil dispõem
que, “as pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado”.
Nessa esteira, o artigo 41 Código Civil refere que “são pessoas jurídicas de direito público
interno: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, os Municípios, as autarquias,
inclusive as associações públicas e as demais entidades de caráter público criadas por lei”. Ao
passo que são classificadas como pessoas jurídicas de direito privado, em consonância com o
artigo 44 e seus incisos “as associações, as sociedades, as fundações, as organizações
religiosas e os partidos políticos”.
Enquanto ainda não possuem um marco regulatório adequado, as instituições de ensino
superior comunitárias vão desenvolvendo suas atividades dentro de outra perspectiva. São
instituições que têm natureza jurídica de fundações de direito privado ou de associações, que
têm em seus órgãos deliberativos representantes acadêmicos e membros da comunidade. Por
sua vez, a reitoria é composta por docentes da universidade, através de eleição, cujos votantes
são, geralmente, acadêmicos, docentes, alunos e comunidade.402 Em verdade, a grande
diferença das instituições de ensino superior comunitárias em relação às demais instituições
de ensino superior é que aquelas contam com dois aspectos diferenciadores: o elemento
comunitário e o elemento democrático.
401
MACHADO, Ana Maria Netto. Universidades comunitárias: um modelo brasileiro para interiorizar educação
superior. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa
Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 74.
402
RICHTER, Luiz Egon; LEIDENS, Letícia Virgínia. O marco legal do terceiro setor e sua (in) compatibilidade
normativa com as instituições comunitárias. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias:
instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 52.
128
As instituições comunitárias são, via de regra, associações civis, sem fins lucrativos,
que atual nas áreas de educação, ensino, pesquisa, extensão e saúde, entre outras,
com a finalidade de contribuir para dignificar a vida em sociedade. Estão fora do
mercado, não têm objetivos mercantis, ou seja, não buscam lucro. Elas resultam do
esforço da sociedade civil que as organiza e as utiliza em prol dela mesma 403.
Embora seja uma aposta para o século XXI e, mesmo realizando um serviço de
qualidade e um papel social relevante, as instituições de ensino superior comunitárias iniciam
o século sem uma figura jurídica própria. Verifica-se, então, que a legislação brasileira
incorporou a figura do público não estatal de modo tímido, indicando, assim uma possível
existência da dicotomia público versus privado, tida como empobrecedora e inadequada à
realidade social do País. Ao passo que a legislação brasileira aplicável à educação evidencia
em seu texto, a dicotomia público versus privado, as instituições de ensino superior
comunitárias arcam com ônus de serem tratadas como privadas com traços peculiares.404
Um contingente de centenas de instituições comunitárias – compreendendo
universidades, escolas, hospitais e outras – presta relevantes serviços na área social.
Cabe insistir na idéia de que a utilização da capacidade das comunitárias não
significa disputar o espaço das estatais. O espaço das comunitárias é o espaço não
ocupado pelas estatais. As instituições estatais devem ser preservadas, fortalecidas e
qualificadas, de modo a bem cumprir as grandes tarefas que lhes estão confiadas. Há
que promover a expansão das estatais em regiões carentes de capital social. Já nas
regiões em que há um expressivo capital social, uma vida comunitária e associativa
consolidada, onde a sociedade civil conseguiu erguer estruturas capazes de suprir os
serviços públicos que o Estado não conseguiu, a estratégia política apropriada é
cooperar e compartilhar responsabilidades. 405
De modo geral, as instituições comunitárias brasileiras são fruto dos esforços da
sociedade civil, têm como características a essência do que é público e, assim, incorporam em
seu funcionamento os princípios aplicáveis à Administração Pública, a exemplo da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência. Ademais, estas
instituições não visam ao lucro, eis que reinvestem os valores arrecadados nas atividades da
instituição, têm patrimônio pertencente às entidades da sociedade civil ou órgãos do poder
público local ou regional, primam pela transparência administrativa, têm gestão democrática e
conexão com as realidades regionais das comunidades em que atuam.406
403
RICHTER, Luiz Egon; LEIDENS, Letícia Virgínia. O marco legal do terceiro setor e sua (in) compatibilidade
normativa com as instituições comunitárias. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias:
instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 51.
404
SCHMIDT, João Pedro. O caráter público não-estatal da universidade comunitária: aspectos conceituais e
jurídicos. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, v. 29, p. 54.
405
SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco
jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições
públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 25.
406
SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco
jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições
públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 28.
129
Ademais, as instituições de ensino superior comunitárias têm aspectos extremamente
importantes que devem ser considerados, até porque hoje muito se discute acerca da expansão
do ensino superior no País e como de fazer tal operação. Ora, estas instituições podem
colaborar na expansão dos serviços públicos, pois já têm uma estrutura física e organizacional
pronta, assim, podem colaborar com a expansão do ensino que se persegue, até mesmo porque
elas têm características que colaboram com este intento407, vez que têm:
a) agilidade: a oferta de serviços pode se dar em um prazo curto, pois as instituições
comunitárias já estão instaladas e podem fazer adequações e inovações com
celeridade; em contrapartida, instalar uma nova instituição estatal leva anos para a
estruturação e muitos anos mais para adquirir maturidade institucional;
b) padrão de qualidade: grande parte das instituições comunitárias é conhecida pela
boa qualidade dos serviços que prestam, segundo aferição de órgãos estatais, como
acontece com as Instituições de Ensino Superior, avaliadas pelo MEC; é saudável a
exigência contratual de avaliação da qualidade do serviço prestado;
c) sinergia com a comunidade regional: a inserção social é uma das virtudes
relevantes construídas pelas comunitárias ao longo de sua trajetória, fundamental
para o êxito do modelo comunitário, e que estará presente na oferta dos serviços
solicitados pelo Estado;
d) possibilidade de adequação dos serviços às necessidades cambiantes da
sociedade: a contratação de serviços às instituições comunitárias por parte do Estado
pode ser por tempo determinado, possibilitando novas ênfases e novos serviços após
um certo período, de acordo com as necessidades da sociedade regional.408
Observa-se que o modelo de instituição comunitária surge, justamente, de uma atividade
democrática exercida pela comunidade, a deliberação. Ao deliberar a criação de um
organismo, a sociedade poderia entregar a sua administração a terceiros, permanecendo
apenas como mera fiscalizadora. No entanto, esta não seria uma opção fortemente
democrática. Assim sendo, as instituições comunitárias, que surgem pela força deliberativa de
uma determinada comunidade e permanecem com este anseio durante a sua existência,
caracterizam-se também pela sua administração democrática, eis que a administração delas é
realizada através da participação social dos interessados e da comunidade.
407
Necessário, todavia, esclarecer que “[...] as políticas de federalização vêm ignorando a história construída por
este conjunto de Universidades Comunitárias nas suas regiões, muitas vezes instalando campus federais
próximos das comunitárias, sem estabelecer relação de parceria ou cooperação entre ambas. Por um lado, a
instalação de universidade gratuita é bem-vinda e importante nessas localidades. Por outro lado, seu perfil
elitizado, com vestibular exigente, atrai estudantes excedentes dos grandes centros urbanos, deixando pouca
chance para a população local ocupar tais vagas. Os níveis educacionais baixos do ensino fundamental e médio
tornam os candidatos dos pequenos municípios pouco competitivos para conseguir aprovação em vestibulares,
excluindo-os. Nesse contexto, a presença de uma universidade federal pode não significar que a população local
tenha acesso às vagas públicas, ou que o impacto de sua instalação gere desenvolvimento local”. In:
MACHADO, Ana Maria Netto. Universidades comunitárias: um modelo brasileiro para interiorizar educação
superior. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa
Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 90.
408
SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco
jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro. Instituições Comunitárias: instituições públicas nãoestatais. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2009, p. 33.
130
As instituições de ensino superior comunitárias não trabalham com a lógica do lucro
pecuniário, mas do ganho social, que é mais ampla que a primeira. Assim sendo, necessária
também a ruptura da dicotomia entre economia e social, onde está a economia atrelada à ideia
de riqueza e o social à percepção de pobreza. Ora, não mais há ambiente capaz de suportar um
modelo de produção que não é capaz de considerar os “impactos sociais da própria economia,
e que não integra os processos corretivos na sua própria área, como não há mais espaço para
políticas sociais que tentam ignorar os seus custos e implicações econômicas”. 409 O projeto
de sustentabilidade deve ser pautado pelas questões econômicas, mas também sociais.
Ao passo que as instituições de ensino superior comunitárias buscam um marco
regulatório capaz de viabilizar as suas atividades, que sofrem restrições de cunho econômico;
em razão do pouco incentivo que hoje recebem e, considerando que estas instituições operam
atividades que atentem ao desenvolvimento social das comunidades em que atuam, parece
adequada à reivindicação de suas postulações. Até porque, muito embora se fale em
interpretação constitucional, percebe-se que as brechas do comunitário, lançadas no texto
constitucional, em especial o artigo 213, que trata da educação, não são capazes de dar conta
da demanda deste modelo de instituição.
Um virtual desaparecimento ou enfraquecimento das Universidades Comunitárias
certamente deixaria muitas seqüelas. Uma delas deveria implicar a diminuição do
estoque de capital social existente nas regiões onde elas atuam. Sendo considerado
pela teoria social contemporânea como um dos ativos mais importantes de qualquer
comunidade, dilapidar capital social não parece ser uma opção interessante neste
início de terceiro milênio. Há um consenso sobre o fato de sua existência ser
intrinsecamente boa para o funcionamento da sociedade por capacitar seus membros
a atuar coletivamente para resolver problemas e trabalhar pelo bem comum.
Portanto, um bom patrimônio de capital social em uma sociedade reforça a
democracia política e os ganhos econômicos, ao incrementar a capacidade dos
indivíduos para cooperar em um empreendimento comum. 410
É em prol deste capital social, que pode ser conceituado como “conjunto de redes,
relações e normas que facilitam ações coordenadas na resolução de problemas coletivos e que
proporcionam recursos que habilitam os participantes a acessarem bens, serviços e outras
formas de capital”411, que deve haver um estímulo ao funcionamento e fortalecimento das
409
DOWBOR, Ladislau. A Reprodução Social: Descentralização e Participação, as novas tendências. vol III. São
Paulo, 2001, p. 58.
410
VOGT, Olgário Paulo. Capital social e instituições comunitárias no sul do Brasil. In: SCHMIDT, João Pedro
(Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 71.
411
SCHMIDT, João Pedro. Exclusão, inclusão e capital social: o capital social nas ações de inclusão. In: LEAL,
Rogério Gesta; REIS, Jorge Renato dos. (Org.) Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos.
Tomo 6. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006, p. 1760.
131
instituições de ensino superior comunitárias, seja através de um marco regulatório adequado,
seja através de uma lógica que nasce com a concepção de interpretação constitucional.
3.4 Análise da (des) necessidade de um marco legal às instituições de educação superior
comunitárias: perspectivas de mudanças
A busca por um marco regulatório para as instituições de ensino superior comunitárias
leva em conta as particularidades presentes neste modelo, as prestações positivas por elas
oferecidas às comunidades em que atuam, bem como as atuais dificuldades por elas
enfrentadas, haja vista que, hoje, o financiamento das atividades destas instituições é quase
que exclusivamente advindo dos valores das mensalidades cobradas.
Consoante já mencionado, a legislação hoje aplicável ao público não estatal no País, ou
seja, a Lei das Organizações Sociais, Lei nº. 9.637/1998 e a Lei destinada às Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público, Lei nº. 9.790/1999, não se aplicam às instituições de
ensino superior comunitárias. Ora, a primeira tem por fito substituir o Estado na execução dos
serviços sociais, o que não corresponde ao objeto exercido pelas instituições de ensino
superior comunitárias. Por sua vez, a segunda exclui a possibilidade, de modo expresso, no
artigo 2º, inciso VIII, bem como por ser vedada a cobrança de quaisquer valores, sendo que as
instituições de ensino superior comunitárias cobram mensalidade pelos serviços que prestam.
Ao fim, a legislação destinada às ONGs, devido à sua abrangência, também não é aplicável.
Ao passo que as instituições de ensino superior comunitárias não possuem hoje um
marco regulatório próprio, duas vertentes podem ser seguidas: a hermenêutica, que através de
uma leitura dos princípios constitucionais previstos na Constituição Federal de 1988, onde há
menção ao comunitário e até mesmo às instituições de ensino comunitárias (artigo 213 da
Constituição Federal de 1988) ou então através da busca de uma legislação específica a esta
figura jurídica. Assim, restará analisada a possibilidade hermenêutica, o projeto de lei que
trata das instituições de ensino superior comunitárias, PL nº. 7.639/2010, da Câmara dos
Deputados.
132
3.4.1 Uma proposta hermenêutica às instituições de ensino superior comunitárias
A Constituição Federal de 1988 representa mais do que uma carta política, trata-se de
um instrumento com uma série de outros aspectos, a exemplo, da participação social, trata-se
de um mecanismo que rompe com uma lógica positivista centrada no Código Civil e abre
possibilidade a uma interpretação diferente daquela até então praticada, ou seja, a aplicação
do método subsuntivo412 deixa de ser a única via possível e abre-se espaço a uma
interpretação que tem por norte os princípios constitucionais, trazendo uma alteração de
paradigmas.413
Acerca da chamada hermenêutica contemporânea, percebe-se que os métodos
hermenêuticos tradicionais não mais demonstram dar conta da realidade que se apresenta.
Neste sentido, parece já haver um senso comum, de que uma decisão envolvendo a mesma
matéria pode ter finais distintos, em razão do conteúdo argumentativo que cada caso traz
consigo. A concepção de que os princípios possuem lugar central no ordenamento jurídico
tem origem com o chamado pós-positivismo, movimento que ganhou força na Europa, com o
colapso dos regimes nazista e fascista, e, que se materializou no Brasil com a Constituição
Federal de 1988. Trata-se de um sistema que busca a integração entre a lei e uma gama de
diretrizes éticas e valorativas, a fim de que, a partir desta integração, haja efetividade e
justiça.414
A distinção básica entre regras e princípios consiste no fato de que as primeiras serão ou
não obedecidas, ao passo que os últimos poderão ter sua satisfação assegurada em diferentes
níveis. Ademais, aqui a satisfação depende tanto de possibilidade fática quanto jurídica,
tratam-se, em verdade, de mecanismos de otimização. No plano concreto, fica mais fácil
verificar a distinção entre regras e princípios. O conflito entre regras pode ser sanado através
de uma cláusula de exceção. Já no caso de haver colisão de princípios, um dos princípios
acabará por ceder, o que não acarreta na invalidade de um dos princípios ou na ocorrência de
uma cláusula de exceção. “O que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do
412
O método subsuntivo pode ser descrito como aquele onde o intérprete tem por função apenas identificar a
regra atinente à conduta do sujeito e aplicá-la.
413
REIS, Jorge Renato dos e FISCHER, Eduardo Ferreira. Hermenêutica para vinculação dos particulares a
direitos fundamentais. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 6. REIS, Jorge
Renato dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006, p. 1643-1675.
414
REIS, Jorge Renato dos e FISCHER, Eduardo Ferreira. Hermenêutica para vinculação dos particulares a
direitos fundamentais. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 6. REIS, Jorge
Renato dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006, p. 1643-1675.
133
outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser
resolvida de forma oposta”.415
No tocante à supremacia dos princípios sobre as regras, a mesma decorre da ausência de
soluções justas através da utilização do modelo subsuntivo. As diferenças entre regras (que
possuem a ideia de tudo ou nada) e os princípios (que podem assumir diferentes graus). No
que se refere aos conflitos entre regras e colisões entre princípios, aqueles são solucionados
com base numa cláusula de exceção ou com a declaração de invalidade de uma das normas;
ao passo que no caso de colisão deve haver uma ponderação e gradação dos direitos para se
chegar a uma solução.416
Regras e princípios possuem caráter prima facie distintos. Ao passo que estes “exigem
que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas
existentes”, aquelas, apenas solicitam à obediência ao comando, de modo a ficar adstrita à
determinação dos limites de seu conteúdo e das suas possibilidades fáticas e jurídicas.
Necessário que se mantenha o caráter diferenciado de ambas. “Em um ordenamento jurídico,
quanto mais peso se atribui aos princípios formais, tanto mais forte será o caráter prima facie
de suas regras”. 417
A teoria dos princípios está diretamente atrelada à proporcionalidade e desta decorrem
três máximas parciais, a saber: adequação, necessidade (mandamento do meio menos
gravoso) e proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente
dito) que decorre relativização em razão das possibilidades jurídicas. “A máxima da
proporcionalidade em sentido estrito decorre do fato de princípios serem mandamentos de
otimização em face das possibilidades jurídicas”. Por seu turno, a necessidade e a adequação
têm ligação com a natureza dos princípios enquanto mandamentos de otimização das ante às
probabilidades fáticas. 418
415
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006, p. 92.
416
REIS, Jorge Renato dos e FISCHER, Eduardo Ferreira. Hermenêutica para vinculação dos particulares a
direitos fundamentais. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 6. REIS, Jorge
Renato dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006, p. 1643-1675.
417
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006, p. 103-105.
418
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006, p. 118.
134
As regras constitucionais, que incorporam os direitos fundamentais têm por
característica uma abertura que possibilita um amoldamento de tais princípios à realidade a
eles apresentada.419 Isto é bastante benéfico, eis que o Direito nem sempre se mostra capaz de
acompanhar as evoluções da sociedade. Assim, a Constituição Federal de 1988 é pautada por
uma série de superprincípios que servirão de base à realização de uma interpretação
constitucional e de norte ao restante do ordenamento jurídico.
A Constituição Federal de 1988 é dotada de vigência e de vinculatividade, possuindo
uma estrutura principiológica que serve de base a todo o ordenamento jurídico do Brasil.
Deste modo, “a Constituição (em sua totalidade) deve ser o paradigma hermenêutico de
definição do que seja um texto normativo válido ou inválido, propiciando uma filtragem dos
dispositivos infraconstitucionais”.420 Consequentemente, a legislação infraconstitucional, ao
passar por este filtro pode continuar a ser classificada como vigente, contudo, perderá sua
validade em razão da supremacia do texto constitucional.
O Código Civil, assim como os demais instrumentos jurídicos que compõem o
ordenamento, necessitam de interpretação e esta interpretação deve ser feita em conformidade
com a Constituição Federal de 1988. Assim, estes elementos tornam a dicotomia público
versus privado, cada vez mais tênue, sendo que os responsáveis pela ruptura dicotômica são a
constitucionalização do direito privado e a força normativa da Constituição. Evidenciada a
vinculação dos particulares a direitos fundamentais, seja no plano contratual ou
extracontratual, bem como a influência do pós-Guerra para o enfraquecimento do positivismo
e ao reconhecimento dos direitos fundamentais e, consequentemente, para a ascensão dos
princípios dentro do ordenamento jurídico.421
A verdade é que boa parte do discurso ainda não se implementou, permanecendo no
plano retórico, haja vista que “o aumento dos canais de ligação da Constituição com o direito
privado não foi suficiente para relegar a ‘Constituição à posição de centro gravitacional do
419
REIS, Jorge Renato dos. Os Direitos Fundamentais de tutela da pessoa humana nas relações entre
particulares. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 7. REIS, Jorge Renato
dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2007, p. 2033-2064.
420
REIS, Jorge Renato dos; DURIGON, Diogo. Autonomia Privada e Direitos Fundamentais: uma proposta de
conciliação. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 8. REIS, Jorge Renato
dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 2577.
421
REIS, Jorge Renato dos e FISCHER, Eduardo Ferreira. Hermenêutica para vinculação dos particulares a
direitos fundamentais. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 6. REIS, Jorge
Renato dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006, p. 1643-1675.
135
Direito Privado’”.422 Consoante ensina Konrad Hesse, “a norma constitucional não tem
existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a
situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade”.423
Acerca da necessidade de realizar uma interpretação constitucional é necessário ter em
mente que, “diferentemente de outras disciplinas (ou ciências), o Direito possui uma
especificidade, que reside na relevante circunstância de que a interpretação de um texto
normativo depende de sua conformidade com um texto de validade superior”. 424 Ora,
considerando que a sociedade sofre mutações extremamente velozes e que o direito não
acompanha esta dinâmica de modo sistemático, necessário uma agilidade, que é proposta
através de leitura hermenêutica.
Deve a Constituição incidir sobre todo o ordenamento jurídico, eis que ela é “razão e
fonte dos direitos fundamentais”.425 Nunca é demais esclarecer que a Constituição Federal de
1988 traz consigo a prevalência do Direito Público sobre o Direito Privado, uma gama de
valores e de princípios constitucionais, que primarão pelo zelo à pessoa humana e à sua
dignidade, reconhecendo o ser humano em seu universo jurídico.426 A partir de então, os
demais elementos que compõem o ordenamento jurídico pátrio terão de ser lidos,
interpretados e aplicados a partir dos ditames constitucionais. “Foi com a Constituição Federal
de 1988 que se começou a enfatizar, no Brasil, princípios que valorizassem o social e a
dignidade da pessoa humana. Também, representou a transformação do Estado Liberal para o
Estado Social”. 427
422
REIS, Jorge Renato dos; DURIGON, Diogo. Autonomia Privada e Direitos Fundamentais: uma proposta de
conciliação. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 8. REIS, Jorge Renato
dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 2579
423
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 14-15.
424
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2002, p. 179.
425
REIS, Jorge Renato dos; DURIGON, Diogo. Autonomia Privada e Direitos Fundamentais: uma proposta de
conciliação. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 8. REIS, Jorge Renato
dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 2584.
426
CAGLIARI, Cláudia Taís Siqueira; REIS, Jorge Renato dos. A função social dos contratos como instrumento
de efetivação dos direitos fundamentais nas relações interprivadas. In: Direitos Fundamentais Sociais como
paradigmas de uma sociedade fraterna: constitucionalismo contemporâneo. GORCZEVSKI, Clovis. REIS,
Jorge Renato dos (Org.). Santa Cruz do Sul: IPR, 2008, p. 15.
427
CAGLIARI, Cláudia Taís Siqueira; REIS, Jorge Renato dos. A função social dos contratos como instrumento
de efetivação dos direitos fundamentais nas relações interprivadas. In: Direitos Fundamentais Sociais como
paradigmas de uma sociedade fraterna: constitucionalismo contemporâneo. GORCZEVSKI, Clovis. REIS,
Jorge Renato dos (Org.). Santa Cruz do Sul: IPR, 2008, p. 15.
136
Essas considerações são extremamente breves, se avaliadas a densidade e a amplitude
da temática. As breves notas apenas servem de pano de fundo para ilustrar que as instituições
de ensino superior comunitárias, muito embora detenham a possibilidade de uma
interpretação hermenêutica, através de uma leitura atenta tanto do artigo 213 da Constituição,
quanto dos artigos que mencionam o comunitário e a possibilidade de participação da
sociedade civil, encontram, na prática, diversos percalços, entre os quais é possível destacar a
regulamentação das instituições de ensino superior feitas pela LDB, onde há uma clara visão
dicotômica.
A verdade é que para muitos operadores do Direito, a ideia de que o Código Civil ainda
está no centro do ordenamento jurídico ainda se mostra muito presente, consequência disto é
uma visão que deixa a Constituição Federal de 1988 de lado, portanto, apesar de ser vigente, o
texto constitucional, por vezes não tem vinculatividade. Em razão disto, o Código Civil ao
realizar a classificação das pessoas jurídicas não dá margem à existência/prevalência das
instituições de ensino superior comuntárias.
Caso a Constituição Federal de 1988 tivesse desenvolvido a perspectiva de que o
público ultrapassa o estatal, a legislação teria sido redigida de outro modo, o que não se
percebe no artigo 19 e 20 da LDB, postulados que ratificam a idéia dicotômica. Os
instrumentos que tratam da regulamentação das instituições de ensino criam obstáculos às
instituições de ensino superior comunitárias, à medida que reproduzem o ultrapassado modelo
dicotômico, não atentando às especificidades destas instituições, conduta que acaba por se
reproduzir reiteradamente nas mais diferentes esferas, pois embora haja menção à ideia de
instituição comunitária, o cerne da questão aqui não é discutida428.
3.4.2 Análise do Projeto de Lei nº. 7.639/2010, da Câmara dos Deputados
Antes de mais nada, é necessário referir que o Projeto de Lei nº. 7.639/2010 foi
protocolado na Câmara dos Deputados, em 13 de julho de 2010. Trata-se de um projeto de lei
diferenciado, pois foi formulado e apresentado aos deputados pelas entidades que representam
as instituições de ensino superior comunitárias. Inicialmente, o projeto de lei foi formulado
428
MS 26143 MC-AgR / MG - Minas Gerais e RE 241757 AgR / MA – Maranhão, ambos do Supremo Tribunal
Federal.
137
pelo COMUNG e ACAFE. A partir de então, foi levado para um debate junto à ABRUC429 –
Associação Brasileira das Universidades Comunitárias, onde passou por ajustes e,
posteriormente, foi avalizado tanto pela ABRUC, quanto pela ANEC430 - Associação
Nacional de Educação Católica do Brasil e pela ABIEE431 - Associação Brasileira de
Instituições Educacionais Evangélicas.
Abordar as questões que envolvem as instituições de ensino superior comunitárias
implica na análise de um fenômeno distinto, haja vista que estas instituições não se
enquadram no rol das instituições públicas, tampouco naquele que engloba as privadas, razão
pela qual se busca, hoje, uma terceira possibilidade, a via comunitária, a fim de realizar uma
classificação adequada à realidade apresentada. Suprindo, ademais, o espaço deixado tanto
pela Constituição Federal de 1988 quanto pela Lei de Diretrizes Básicas – LDB, que, apesar
de mencionarem as instituições comunitárias, não aprofundam o que elas são/representam,
possibilitando que obstáculos sejam impostas a estas instituições. O fato de este modelo ser
ambíguo não justifica o não enfrentamento das questões que aqui serão suscitadas.
Hoje, o Projeto de Lei que busca a criação de um marco regulatório próprio às
instituições de educação superior comunitárias encontra-se não apenas em debate, mas em
tramitação na Câmara dos Deputados. “A constituição de um novo marco jurídico do público
não-estatal, que inclua as comunitárias possibilitará ao Estado brasileiro aproveitar o grande
potencial destas instituições em favor da inclusão social e do desenvolvimento do País”.432
429
A ABRUC foi fundada em janeiro de 1995, tem sua sede em Brasília. Atualmente, reúne 54 instituições de
ensino superior que não possuem fins lucrativos e que tem ações prioritárias às ações educacionais de caráter
social. Disponível em: www.abruc.org.br. Acesso em: 28 nov.2010.
430
“A Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC) – anteriormente denominada Associação de
Educação Católica do Brasil (AEC/BR) – foi criada decorrente da incorporação da Associação Brasileira de
Escolas Superiores Católicas (ABESC) e Associação Nacional de Mantenedoras de Escolas Católicas do Brasil
(ANAMEC). A ANEC é uma associação de direito privado, constituída por pessoas jurídicas, sem fins lucrativos
e econômicos, de caráter educacional, cultural, beneficente, filantrópico e de assistência social, ligada à
Educação Católica no Brasil e reunida em comunhão de princípios com a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB)”. Disponível em: www.anec.org.br. Acesso em: 28 nov.2010.
431
“ABIEE - Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas, pessoa jurídica de direito privado,
com fins não-econômicos constituída por tempo indeterminado, fundada em três de abril de dois mil e um,
congrega entidades representativas de instituições de ensino, com fins não-econômicos, vinculadas às
denominações evangélicas e mantenedoras de instituições de ensino reconhecidamente evangélicas, com fins
não-econômicos, de natureza confessional, que tenham por objetivos a promoção da educação, da pesquisa, do
ensino, da cultura e de conhecimentos que contribuam para a melhoria das condições sociais do povo,
empregando seus recursos em atividades e projetos desenvolvidos exclusivamente no território brasileiro”.
Disponível em: www.abiee.org.br. Acesso em: 28 nov.2010.
432
LAZZARI, Ney José; KOEHNTOPP, Paulo Ivo; SCHMIDT, João Pedro. Apresentação. In: SCHMIDT, João
Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p.
12.
138
[...] para que o País possa conquistar posição de destaque entre as nações e afirmar
efetivamente a sua soberania, são necessárias ações concretas que: 1) protejam o
interesse do Estado na educação superior, reafirmando a noção de que educação é,
antes de tudo, um bem público e não uma mercadoria, e 2) permitam expandir
agressivamente a oferta de vagas nas instituições federais e estaduais. 433
O projeto de lei em análise busca mais do que a expansão de vagas no ensino superior e
do que a proteção do Estado na educação superior, eis que busca possibilitar às instituições de
ensino superior comunitárias a cooperação continuada entre Estado e comunidade. Assim,
mais do que promover uma educação superior de qualidade estas instituições, beneficiam as
comunidades em que atuam, propiciando, então, uma melhora na qualidade de vida destes
ambientes. Em outras palavras, as instituições de ensino superior comunitárias desenvolvem
condições para que o ganho social seja viabilizado/efetivado.
O Projeto de Lei nº. 7.639/2010434 possui 15 (quinze) artigos que têm por fito
regulamentar as instituições comunitárias de educação superior. Para serem classificadas
como tal é necessário que possuam, cumulativamente, as seguintes características: a) estarem
constituídas na forma de associação ou fundação, com personalidade jurídica de direito
privado, inclusive as instituídas pelo Poder Público; b) possuírem patrimônio pertencente a
entidades da sociedade civil e/ou Poder Público; c) não ter fins lucrativos, o que significa
dizer, não distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
aplicar os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais integralmente no País
e manter a escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades
capazes de assegurar sua exatidão; d) transparência administrativa; e) em caso de extinção, o
patrimônio deverá ser destinado a uma instituição pública ou congênere.
O ato que outorga a qualidade de instituição comunitária de educação superior está
vinculado ao atendimento dos requisitos mencionados. É possibilitada a estas instituições a
qualidade de entidade de interesse social e de utilidade pública, desde que, cumpridos os
requisitos mencionados em lei. Tais instituições terão a obrigação tanto de assegurar
programas de extensão permanentes e ação comunitária, destinados tanto à formação quanto
433
PACHECO, E. e RISTOFF, D. I. Educação Superior: democratizando o acesso. Série Documental. Textos
para Discussão. Brasília: Inep/MEC - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira,
2004, p. 09.
434
BRASIL. Projeto de Lei nº. 7.639 de 2010. Dispõe sobre a definição, qualificação, prerrogativas e finalidades
das Instituições Comunitárias de Educação Superior - ICES, disciplina o Termo de Parceria e dá outras
providências. Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso em: 01 nov.2010.
139
ao desenvolvimento de alunos e da sociedade. Faculta, ainda, a oferta à população de serviços
gratuitos, na proporção dos recursos recebidos do Poder Público, o que deverá ser previsto em
instrumento específico.
De acordo com o Projeto de Lei nº. 7.639/2010, as instituições comunitárias de
educação superior têm as seguintes prerrogativas: a) acesso aos editais de órgãos
governamentais de fomento direcionados às instituições públicas; b) recebimento de recursos
orçamentários do Poder Público para desenvolver atividades de interesse público; c)
possibilidade de apresentar proposta de prestação de serviço público quando o Estado
pretender ampliar ou oferecer novo serviço, a fim de que seja analisada a pertinência, em
termos de eficácia, eficiência e agilidade, do aproveitamento da capacidade instalada da
instituição pública comunitária interessada em comparação à criação de nova instituição
estatal; d) ser alternativa na oferta de serviços públicos nos casos em que não são
proporcionados diretamente por entidades públicas estatais; e, por fim, e) oferecer
conjuntamente com órgãos públicos estatais, mediante parceria, serviços de interesse público,
de modo a bem aproveitar recursos físicos e humanos existentes nas instituições comunitárias,
evitar a multiplicação de estruturas e assegurar o bom uso dos recursos públicos.
As instituições de educação superior comunitárias, classificadas como tal, devem ter em
seu estatuto normas que disponham sobre: a) a adoção de práticas de gestão administrativa,
necessárias e suficientes para coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de
privilégios, benefícios ou vantagens pessoais; b) a constituição de conselho fiscal ou órgão
equivalente, dotado de competência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro
e contábil, e sobre as operações patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os
organismos superiores da entidade; c) a possibilidade de participação de representantes dos
docentes, estudantes e técnicos administrativos em órgãos colegiados deliberativos da
instituição; d) normas de prestação de contas a serem atendidas pela entidade, que
determinarão, no mínimo: a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das
Normas Brasileiras de Contabilidade; a publicidade, por qualquer meio eficaz, no
encerramento do exercício fiscal, do relatório de atividades e das demonstrações financeiras
140
da entidade, bem como a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem
pública.435
Atendidas as disposições pertinentes à qualificação das instituições comunitárias de
educação superior, deverá ser formulado requerimento junto ao Ministério da Educação, o
qual deverá conter cópia dos seguintes documentos: estatuto registrado em cartório, balanço
patrimonial e demonstração do resultado do exercício anterior, declaração de Regular
Funcionamento, relatório de Responsabilidade Social relativo ao exercício do ano anterior e
inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas. Uma vez recebido pelo Ministério da
Educação terá este o prazo de 30 (trinta) dias para analisar o pedido e deferi-lo ou não.
Em caso de deferimento, haverá publicação da decisão no Diário Oficial da União, no
prazo de quinze dias. No mesmo prazo será emitido certificado de qualificação da requerente
como instituição comunitária de educação superior. Caso os requisitos legais não sejam
cumpridos ou no caso de a documentação apresentada mostrar-se incompleta, o pedido será
indeferido. Assim, havendo o indeferimento, será dada ciência da decisão através de
publicação no Diário Oficial da União, cabendo recurso no prazo de 30 (trinta) dias.
A instituição comunitária de educação superior poderá perder esta qualidade em razão
de pedido por ela formulado ou em decorrência procedimento provocado por iniciativa
popular, pelo Ministério da Educação e Cultura ou pelo Ministério Público e que tenha gerado
uma decisão judicial com trânsito em julgado. Percebe-se, portanto, que embora a instituição
adquira o status de comunitária terá de continuar seguindo uma série de ditames para
permanecer com esta qualidade, tal medida protege as instituições sérias e coíbe certas
“malandragens”.
O termo de parceria é o instrumento a ser firmado pelo Poder Público e pelas
instituições de educação superior qualificadas como comunitárias, com a finalidade de formar
o vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de
interesse público previstas nesta Lei. O termo de parceria discriminará os direitos, as
responsabilidades e as obrigações dos signatários. A celebração do termo de parceria deve ser
435
BRASIL. Projeto de Lei nº. 7.639 de 2010. Dispõe sobre a definição, qualificação, prerrogativas e finalidades
das Instituições Comunitárias de Educação Superior - ICES, disciplina o Termo de Parceria e dá outras
providências. Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso em: 01 nov.2010.
141
precedida de consulta aos Conselhos de Políticas Públicas da área educacional, nos
respectivos níveis de governo.
O termo de parceria deverá mencionar como cláusulas essenciais: o objeto, que conterá
a especificação do programa de trabalho proposto pela instituição comunitária de educação
superior; a estipulação das metas e dos resultados a serem atingidos e os respectivos prazos de
execução ou cronograma; a previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de
desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de resultado; a previsão de receitas e
despesas a serem realizadas em seu cumprimento, estipulando item por item as categorias
contábeis usadas pela organização e o detalhamento das remunerações e benefícios de pessoal
a serem pagos, com recursos oriundos ou vinculados ao Termo de Parceria, a seus diretores,
empregados e consultores. As obrigações da instituição de educação superior comunitária,
entre as quais a de apresentar ao Poder Público, ao término de cada exercício, relatório sobre a
execução do objeto do Termo de Parceria, contendo comparativo específico das metas
propostas com os resultados alcançados, acompanhado de prestação de contas dos gastos e
receitas efetivamente realizados. A publicação, na imprensa oficial do Município, do Estado
ou da União, conforme o alcance das atividades pactuadas entre o órgão parceiro e a
instituição de ensino superior comunitária, de extrato do Termo de Parceria e de
demonstrativo da sua execução física e financeira, conforme modelo simplificado.
A execução do objeto do termo de parceria deverá ser acompanhada e fiscalizado pelo
Conselho da Instituição Comunitária de Educação Superior, responsável pelas parcerias com
o Poder Público, com caráter deliberativo; pelo Órgão do Poder Público responsável pela
parceria com a instituição comunitária de educação e pelo Conselho de Política Pública
educacional da esfera governamental correspondente. Os resultados decorrentes da execução
do termo de parceria deverão ser analisados pela comissão de avaliação (composta de comum
acordo entre o órgão parceiro e a Instituição Comunitária de Educação Superior), que
encaminhará à autoridade competente relatório conclusivo da dita avaliação.
Os Termos de Parceria destinados ao fomento de atividades nas áreas de que trata esta
Lei estarão sujeitos aos mecanismos de controle social previstos na legislação. A instituição
comunitária de educação superior publicará, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a contar da
assinatura do Termo de Parceria, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará
142
para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos
provenientes do Poder Público.
Necessário destacar que o Termo de Parceria referido não substitui as outras
modalidades de ajuste, a exemplo de acordos e convênios previstos na legislação vigente. Às
instituições comunitárias de educação superior vinculadas aos sistemas estaduais de educação
é possibilitada a permanência nos mesmos. O Projeto de Lei em análise também proíbe que as
instituições de ensino superior comunitárias financiem campanhas político-partidárias ou
eleitorais.
O Projeto de Lei aqui comentado busca não apenas definir o que são as instituições de
ensino superior comunitárias, mas também qualificá-las, dispor acerca de suas prerrogativas e
finalidades. A justificativa do projeto de lei ressalta que, em diversos momentos, o texto
constitucional traz em seu bojo a ideia de cooperação entre o Estado e a sociedade civil,
destacando a área da saúde (artigo 197436), da assistência social (artigo 204437), da educação
(artigo 205438), bem como na preservação do meio ambiente (artigo 225439) e na comunicação
social, onde há previsão de complementaridade dos sistemas privado, público e estatal (artigo
223440).
Na esfera infraconstitucional também são postos à disposição uma série de mecanismos
que estimulam a participação da sociedade civil, no intuito de cumprir os dispositivos
constitucionais e perfectibilizar, na prática, a melhora dos serviços públicos, a exemplo das
436
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos
da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através
de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
437
Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento
da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes
diretrizes:
I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a
coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades
beneficentes e de assistência social;
II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no
controle das ações em todos os níveis. [...]
438
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
439
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...]
440
Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço
de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado,
público e estatal.
143
figuras jurídicas como: subvenção social, auxílio, contribuição, convênio, termo de parceria,
imunidade de impostos, imunidade de contribuições sociais, isenção, incentivo fiscal ao
doador e até mesmo voluntariado. Contudo, consoante já mencionado há questões que
precisam ser enfrentadas, como é o caso de um novo tratamento a ser dado tanto às ONGs
quanto às instituições de ensino superior comunitárias, a fim de que, de fato, haja o
rompimento com a ideia dicotômica público versus privado.
As regras contidas na legislação hoje destinadas ao terceiro setor no Brasil não atendem
às peculiaridades que envolvem as instituições de ensino superior comunitárias e, por isso,
não são a elas aplicáveis. Apesar de as instituições de ensino superior comunitárias terem
aspectos comuns com as instituições que integram o terceiro setor, a exemplo da finalidade
pública, o aspecto não governamental e a não persecução de fins lucrativos, não se confundem
com ele. Necessário destacar que também existem aspectos diferenciadores, como o fato de a
estrutura organizacional das instituições de ensino superior comunitárias serem mais robustas,
terem maior número de funcionários e de usuários. A profissionalização dos serviços também
se mostra um elemento diferenciador, pois geralmente as instituições que compõem o terceiro
setor contam com colaboradores voluntários. Ao passo que os serviços prestados pelas
instituições do terceiro setor tendem a ser gratuitas até mesmo em decorrência das doações
que lhe chegam, enquanto as instituições de ensino superior comunitárias realizam a cobrança
de mensalidades, a fim de viabilizar as atividades por elas desempenhadas. Todas estas
peculiaridades reclamam uma atenção que atente a tais diferenças, em outras palavras,
postulam por uma legislação própria.
Com uma história de compromissos regionais, com financiamento público escasso
(salvo raras exceções), dependendo basicamente das mensalidades dos alunos de
graduação, tendo que manter um quadro de docentes titulados e programas de pósgraduação produtivos gerando pesquisas, a situação das universidades comunitárias
é delicada no atual quadro da educação superior. A expansão das IES privadas
mercadológicas que tratam a educação como negócio e não como bem público foi
autorizada pelas políticas governamentais, liberando as do compromisso com a
pesquisa, e permitindo que operem como instituições de ensino apenas. Dessa
forma, muitas praticam concorrência que podemos considerar desleal, resultando no
esvaziamento das salas de aula das universidades comunitárias que vão fechando
gradativamente seus cursos, ficando os professores, em geral horistas, sem
trabalho.441
441
MACHADO, Ana Maria Netto. Universidades comunitárias: um modelo brasileiro para interiorizar educação
superior. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa
Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 87-88.
144
Por óbvio que a aprovação do projeto de lei em voga trará consequências. Uma delas
será resgatar a contribuição do Estado para com as instituições comunitárias, de modo geral,
conduta que contraria o tratamento vigente nas últimas décadas. Duas, a proteção legal não
apenas especificará e ampliará a previsão constitucional já existente, que tenta se impor
através de uma interpretação constitucional, mas que nem sempre logra êxito, mas também
facilitará a operacionalização do sistema educacional superior. Três, a proteção assegurará às
instituições de ensino superior comunitárias mais recursos para a mantença, melhoria e
aumento das atividades por elas desempenhadas, consequentemente, haverá uma contribuição
para com o desenvolvimento das regiões e do País. O projeto de lei em análise destaca, ainda,
outra consequência:
[...] nos casos em que o Estado decide por ampliar ou criar novo serviço público em
regiões nas quais existem instituições comunitárias capacitadas, proporcionar à
autoridade responsável duas alternativas a serem analisadas: a) criação de uma
instituição estatal; b) a contratação dos serviços da instituição comunitária. A
avaliação rigorosa da autoridade competente indicará o que é mais apropriado, em
termos de eficácia, eficiência e agilidade. Do ponto de vista dos custos, há estudos
bem fundamentados indicando que as instituições comunitárias operam com um
custo menor do que as instituições estatais. Nelson Cardoso Amaral, conhecido
estudioso do tema e defensor das instituições públicas, apresentou em 2006 um
cálculo do custo médio do aluno na educação superior, no qual o custo médio do
aluno das instituições comunitárias/confessionais/filantrópicas equivale a 62% do
custo médio do aluno nas instituições federais. No mesmo sentido, em Santa
Catarina, um estudo comparativo entre a maior universidade federal e a maior
universidade comunitária catarinense concluiu que o custo anual de um aluno da
graduação na instituição comunitária equivale a 60% do custo de um aluno na
instituição federal.442
O custo é outro elemento importante da equação, pois num momento de expansão do
ensino superior no País, necessário destacar o compromisso das instituições superiores de
ensino comunitárias não apenas com a educação, mas com a comunidade, com a eficácia e
eficiência, no fornecimento de seus serviços. Ora, este elemento deve ser pontuado até porque
a mantença e o futuro destas instituições têm relação com questões financeiras, isso é
inegável. Ademais, estas instituições de ensino superior têm de atender ao interesse público da
comunidade, devendo, ainda se pautarem pela participação democrática e pelo controle social.
Como as instituições, especialmente as universidades, possuem múltiplas funções, o
custo total é, obviamente, mais elevado do que o custo do ensino, propriamente dito.
A não ser que seja possível distinguir o custo do ensino do custo total, as
comparações entre as instituições se tornam distorcidas pois, quanto maior o número
de atividades que a universidade desenvolve (ensino, pesquisa, prestação de
serviços, extensão), maior o custo total, mesmo que o custo do ensino não seja muito
elevado.443
442
BRASIL. Projeto de Lei nº. 7.639 de 2010. Dispõe sobre a definição, qualificação, prerrogativas e finalidades
das Instituições Comunitárias de Educação Superior - ICES, disciplina o Termo de Parceria e dá outras
providências. Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso em: 01 nov.2010.
443
PEÑALOZA, V. Um Modelo de Análise de Custos do Ensino Superior. São Paulo: NUPES, 1999, p. 03.
145
Cabe, ainda, destacar o compromisso que as instituições de ensino superior
comunitárias têm com a extensão, que integra a ação comunitária e pode ser traduzida como
uma tentativa de superar as mazelas tão presentes no seio da sociedade. A concepção de
extensão reside na carência de recursos e na necessidade de serviços que a comunidade
possui, traduz-se na ideia de solidariedade, desenvolvimento social, compromisso com a
comunidade e com a dignidade da pessoa humana.
Uma universidade não pode ser definida como tal se reduzir ao puro ensino. Sem
pesquisa, extensão e desenvolvimento da cultura não há universidade. E essas são
atividades muito mais caras do que o ensino. A universidade precisa voltar-se para
fora e contribuir, hoje, decididamente, na reorganização do sistema econômico desse
país, como ontem, na década de 70, a universidade brasileira ganhou prestígio social
lutando pelo reordenamento político. E para isso é preciso que elas trabalhem
conjuntamente, intercambiando experiências. Um projeto institucional isolado não
tem condições de se implantar. Não pode haver desenvolvimento da qualidade do
444
ensino e da pesquisa isoladamente: o pesquisador isolado hoje é um anacronismo.
A partir daí, é fomentada a relação simbiótica entre as instituições de ensino e as
comunidades, haja vista que a comunidade aprende e é compensada com profissionais que
além de terem conhecimento em suas áreas têm compromisso com uma formação e atuação
humanística, provando que as atividades destas instituições vão para além das salas de aula.
Ao passo que o comprometimento com a extensão é uma das características marcantes das
instituições de ensino superior comunitárias, é fato que a promulgação do projeto de lei em
pauta, colaborará para o fomento destas atividades, beneficiando um maior número de
comunidades e de pessoas.
Ante as dificuldades hoje enfrentadas pelas instituições de ensino superior comunitárias,
as quais não são facilmente dribladas pela possibilidade da interpretação constitucional.
Percebe-se que a viabilização de um marco regulatório próprio tende a ser a saída mais
interessante, até mesmo a fim de regulamentar e estruturar a organização e o funcionamento
destas instituições. Hoje, consoante já pontuado, a referência legislativa da ideia comunitária,
no Brasil, diz respeito à regulamentação das rádios comunitárias. Esta legislação, portanto,
serve de referência à realização de algumas ponderações acerca da proteção ao comunitário.
444
GADOTTI, Moacir. Universidade estatal e universidade comunitária: dois perfis em construção da
universidade
brasileira.
Disponível
em:
<http://www.paulofreire.org/twiki/pub/Institucional/MoacirGadottiArtigosIt0020/Universidade_estatal_1995.pdf
>. Acesso em: 21 jul.2009.
146
CONCLUSÃO
Uma vez tecidas considerações acerca da (in) existência da dicotomia público versus
privado, da análise da mutação das relações havidas no seio da sociedade e até mesmo do
papel desempenhado pelo Estado e do contato mantido com aquela; percebe-se a necessidade
de novas válvulas de escape, capazes de suprir as crescentes demandas que a sociedade
apresenta, as quais, consoante percebeu-se, não conseguem ser supridas unicamente pelo ente
estatal, o que comprovado pelas as experiências e pela prática legal.
Dentro desse contexto, percebe-se que o público não estatal não apenas ganha força,
mas que ele se mostra capaz de realizar uma proposta diferenciada, de modo a quebrar com o
appartheid social hoje tão presente na sociedade brasileira e que deve ser quebrado não
apenas com uma distribuição justa e equilibrada da renda, mas, principalmente, com a
solidariedade, que deve ser .445 Aliás, esta sociedade tem mostrado ter fôlego e vontade de
alterar o contexto social, especialmente após ter ganho, com a Constituição Federal de 1988,
respaldo para tanto.
O século XXI iniciou trazendo consigo uma gama de novos paradigmas, os quais
precisam ser assimilados e incorporados pela sociedade. Dentre estes novos paradigmas, em
especial, dois, merecem destaque: a inter-relação entre Direito Público e Direito Privado e a
existência de uma sociedade complexa, que requer sejam apresentados mecanismos originais,
que se mostrem capazes de suprir as reivindicações crescentes. Ora esta saída, também é fruto
da intersecção do Público e do Privado, eis que, sob um olhar mais atento, percebe-se que não
mais há uma separação entre o que é Estado e o que é sociedade. Há, sim, uma conexão entre
ambos, conexão que foi legitimada, fortalecida e estimulada com a promulgação da
Constituição Federal de 1988.
Nesta mutação o Direito também repensa seus objetivos, à medida que abre seus olhos à
interpretação jurídica constitucional, a uma nova concepção acerca de seu próprio papel e,
que, passa a se pautar por elementos que até pouco eram deixados em um segundo plano.
Ademais, percebe-se que neste contexto, a efetivação dos direitos fundamentais têm enorme
relevância.
445
GADOTTI, Moacir. Educação brasileira contemporânea: desafios do ensino básico. Disponível em
<www.paulofreire.org>. Acesso em 20 jul.2009.
147
Necessário, mais uma vez, destacar a importância que as instituições de ensino superior
comunitárias possuem nas comunidades em que atuam; do compromisso que elas possuem
para com a educação de qualidade e com a formação humanística dos cidadãos que por ela
passam e que, mais tarde tendem a integrar junto à sociedade um processo simbiótico. São
estas instituições fruto de um processo histórico, que, pouco a pouco, foi gerando não apenas
o amadurecimento de uma série de ideias, mas, principalmente, de uma identidade própria. As
instituições de ensino superior comunitárias vêm obtendo resultados positivos nas avaliações
do ENADE, demonstrando uma boa formação de seus alunos, bem como um ensino de
qualidade.
A globalização e as mudanças com ela vindas parecem ter rompido com a visão
dicotômica do Direito. Utiliza-se a expressão parece devido ao fato de, na prática ser nítida a
inexistência desta dicotomia, haja vista que, cada dia mais, percebem-se pontos de conexão
entre o Direito Público e o Direito Privado. De outra banda, constata-se, ainda, uma certa
resistência por parte de alguns operadores do Direito e até mesmo do senso comum, que
teimam em persistir na ideia dicotômica que, a cada dia, parece mais ultrapassada.
A Constituição Federal de 1988 traz elementos que propiciam uma forte aproximação
entre Estado e sociedade civil, o que, pouco a pouco, vai gerar uma simbiose entre ambos,
bem como enfraquecer as fortes barreiras que sustentavam a divisão entre o Direito Público e
o Direito Privado. Esta conjectura levará a sociedade civil e o Estado a incorporarem papeis
diferentes daqueles desempenhados até então, haja vista que o Estado deixará de centrar em
suas mãos muitas das ações e, que, a sociedade passará a ter uma conduta pro ativa, eis que
buscará mecanismos que levem à solução de seus anseios.
A maleabilidade que o termo comunitário assume dá dinamicidade e várias
possibilidades à utilização deste. Contudo, a ideia de comunitário significa mais do que uma
representação histórica, ele se constitui na criação e fortalecimento de laços que são dotados
de uma carga de afeto e de valores, os quais são compartilhados no seio daquela comunidade.
O comunitário é moderno, mas ao mesmo tempo remonta à história da humanidade. É um
termo antigo, mas que ainda tem seu conceito em construção. Em razão de todas estas
variáveis que o comunitário se mostra tão atraente e instigante, daí o porquê de sua crescente
utilização em tempos de globalização.
148
O comunitário representa o ponto de equilíbrio entre o social e o liberal. Nesse
contexto, o comunitário volta a ganhar força e a se destacar no plano material e não apenas no
discurso. Muito embora o trabalho tenha destacado a experiência das instituições de ensino
superior comunitárias no sul do País, especialmente aquelas do Rio Grande do Sul e de Santa
Catarina, onde há toda uma questão que envolve a identidade destas localidades, necessário
frisar que ocorreram outras experiências no Brasil, contudo, estas ficaram adstritas à educação
pré-escolar até o segundo grau446 (hoje chamado de ensino médio).
A busca de um marco regulatório às instituições de ensino superior comunitárias, hoje,
significa a sistematização de um setor da educação que está a mercê da possibilidade da
interpretação constitucional, a qual nem sempre se mostra capaz de dar respaldo às
necessidades enfrentadas por estas instituições. De outra banda, consoante já frisado, a
legislação hoje aplicável ao público não estatal no Brasil, não é capaz de atender às
necessidades das instituições de ensino superior comunitárias.
A reforma do Estado e a Reforma Administrativa, trazidas por Luiz Carlos Bresser
Pereira, no governo Fernando Henrique Cardoso, deram origem à Lei no. 9.637/1998, que
regulamenta as OS, e à Lei no. 9.790/1999, que trata das OSCIPs. Entretanto, nenhuma destas
leis pode ser aplicável às instituições de ensino superior comunitárias. Não se assemelham às
OS, em decorrência de elas substituírem o Estado no desempenho de serviços sociais, à
medida que as instituições de ensino superior comunitárias atuam como parceiras e não como
substitutas do Estado. A legislação que trata das OSCIPs, também não se aplica, em razão da
necessidade de gratuidade dos serviços, o que não se aplica às instituições de ensino superior
comunitárias.
Hoje, as instituições de ensino superior comunitárias têm mostrado a soma de esforços
em prol das instituições. Um exemplo significativo desta afirmativa vem das instituições que
compõem a ACAFE, que unem esforços tanto para a compra de material a ser utilizado pelas
instituições, o que acarreta numa redução do preço dos produtos, bem como em decorrência
da unificação do vestibular, onde é feita uma única prova que é válida para todas as
instituições, o que determina uma diminuição dos custos.
446
LONGHI, Solange Maria. A face comunitária da universidade. Tese de doutoramento. Porto Alegre: UFRGS,
Programa de pós-Graduação em Educação, 1998, p. 133.
149
Ao traçar um comparativo com as rádios comunitárias, constata-se que os rumos que
levaram às limitações e dificuldades hoje enfrentadas por estas têm origem na condução do
projeto de lei, que mais tarde se transformou na Lei no. 9.612/1998, projeto que foi guiado
pela ABERT e, de modo mais tímido, pelas comunidades que criam e fomentam o
funcionamento das rádios comunitárias. Talvez, as instituições de ensino superior
comunitárias, caso obtenham a aprovação do projeto de lei nº. 7.639/2010, tenham um
desfecho diferente, pois este projeto de lei é conduzido/observado pelas próprias instituições.
Mesmo com as dificuldades presentes, as instituições de ensino superior comunitárias já
deixaram muitas de suas marcas nas comunidades em que atuam, desenvolveram projetos de
pesquisa e de extensão, atuam em prol da comunidade, gerando o aumento do capital social
nas ditas comunidades. A aprovação do projeto de lei nº. 7.639/2010 representa uma
esperança de melhoria das prestações positivas desempenhadas pelas instituições de ensino
superior comunitárias, representa uma possibilidade de ampliação das atividades até hoje
prestadas.
150
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1 A (in) existência da dicotomia entre Direito Público e