PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DEMANDAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS LINHA DE PESQUISA: CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO Neiva Cristina de Araujo INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR COMUNITÁRIAS A (DES) NECESSIDADE DA CONSTRUÇÃO DO MARCO LEGAL DAS: O EMBASAMENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL DO SETOR PÚBLICO NÃO ESTATAL NO BRASIL Santa Cruz do Sul, novembro de 2010 2 Neiva Cristina de Araujo INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR COMUNITÁRIAS A (DES) NECESSIDADE DA CONSTRUÇÃO DO MARCO LEGAL DAS: O EMBASAMENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL DO SETOR PÚBLICO NÃO ESTATAL NO BRASIL Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado, Área de Concentração em Demandas Sociais e Políticas Públicas, Linha de Pesquisa: Constitucionalismo Contemporâneo, Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Pós-Dr. Jorge Renato dos Reis Santa Cruz do Sul, novembro de 2010 3 folha das assinaturas 4 À luz de minha vida. Minha fonte de força e de perseverança, Júlia. 5 AGRADECIMENTOS À válvula de escape do turbilhão de leituras, um alguém tão especial que me levava ao mundo das princesas e da imaginação, companheira de desenhos, brincadeiras e programações especiais, minha parceira para a vida toda e que tão bem me faz. Filha, te amo. Cacius, muito obrigada por tudo. Como diz a música, “estranho seria se eu não me apaixonasse por você”. Ao professor, orientador e amigo, Jorge Renato dos Reis, obrigada por colaborar na realização deste trabalho. Aos professores João Pedro Schmidt e Luiz Egon Richter, grandes cooperadores deste trabalho; agradeço pela amizade, pelo apoio, pelas inúmeras colaborações e empréstimos de materiais. Àqueles que mais do que professores, tornaram-se excelentes amigos e conselheiros, Clóvis Gorczevski e André Custódio. À amiga Eliana Weber e ao professor João Telmo Vieira (presente no coração de muitos, ainda que não mais esteja no plano material), um obrigada pelos incentivos e palavras, sempre pertinentes e tocantes. Duas pessoas merecem destaque aqui, pois no decorrer do mestrado, mudaram o rumo de minha vida. À colega e amiga Tânia Reckziegel, que já havia cruzado meu caminho, desapercebidamente (lá em Canela!), mais do que um agradecimento pelos ensinamentos de vida, minha eterna gratidão, por razões que você bem sabe quais são. Ao colega e amigo, Iumar Junior Baldo, que acreditou em mim e fez um convite, para ingressar no mundo da docência, obrigada pelas palavras e auxílios. Ao trio de mulheres do Constitucionalismo Contemporâneo. Nara, Rosana e Camila. Nara, contigo aprendi que a vida vai além daquilo que nossos olhos enxergam; que os amigos de verdade, permanecem; e, que é preciso ter força para seguir o caminho e, como diz a música: não preciso nem dizer, tudo isso que eu lhe digo, mas é muito bom saber que você é minha amiga. Rosana você mostrou que o namoro traz tranquilidade às pessoas. Risos. Camila, sempre calma, revelou-se uma baita parceira lá em Fortaleza. Meninas, não sei o que seria de mim sem vocês no último trimestre! À Unisc, pela bolsa BIPPS que proporcionada no último ano de mestrado e aqui um agradecimento especial aos funcionários Eloísa Warken, Ana Karin Nunes, Chistian Rohr e Caroline Della Giustina, a esta pelos ensinamentos no envio de projetos e aos demais pela colaboração que deram em meus estudos acerca das instituições de ensino superior comunitárias. 6 Àqueles que, de um ou outro modo colaboraram. À força superior que pode ser chamada de Deus ou do que preferirem chamar e àqueles que não foram nominalmente citados, mas que têm lugar especial em meu coração: obrigada. 7 Nesta problemática de conhecimentos da vida, tem responsabilidade também a categoria dos juristas empenhados em dissertações impecáveis formalmente, mas pouco úteis para conhecer a realidade e para resolver seus complexos problemas. Pietro Perlingieri 8 RESUMO As instituições de ensino superior comunitárias regionais, com raízes no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, têm origem na segunda metade do século passado. Na virada do século, estas instituições enfrentam algumas crises e hoje buscam um marco regulatório capaz de atender às suas peculiaridades. Em meados de 2010, as entidades representativas das instituições de ensino superior comunitárias encaminharam ao Congresso Nacional a proposta de um Projeto de Lei que dispõe sobre definição, as prerrogativas, as finalidades e a qualificação das Instituições de Ensino Superior Comunitárias, no sentido do reconhecimento dessas instituições como públicas não estatais. A partir daí, cabe questionar, qual é o amparo constitucional e legal no Brasil para a construção do marco legal destas instituições, o qual pretende o seu reconhecimento como públicas não estatais? Para responder este questionamento, o trabalho enfrenta diversas questões, a exemplo da ideia dicotômica de Direito Público e Direito Privado, bastante forte no Estado Liberal, mas que aos poucos vai perdendo espaço. A concepção do vocábulo comunidade também é analisada, bem como os instrumentos jurídicos que hoje estão em vigor, mas que não atendem plenamente às necessidades das instituições de ensino superior comunitárias. A possibilidade da interpretação constitucional também é enfrentada, contudo, percebe-se que ela não se mostra suficiente, razão pela qual o marco regulatório próprio se faz necessário para melhor viabilizar as atividades das Instituições de Ensino Superior Comunitárias. Na mesma linha, é realizada uma análise constitucional dos vocábulos comunitário e comunidade no texto constitucional e feitas algumas comparações com a experiência das rádios comunitárias no Brasil. A temática aqui abordada está conectada à linha de pesquisa do Constitucionalismo Contemporâneo, pois busca entender o fenômeno constitucional no que se refere à materialização jurídica das garantias asseguradas a uma sociedade extremamente complexa, em decorrência da sua pluralidade normativa. O presente trabalho será norteado pelo método dedutivo, pois tem como ponto de partida a pesquisa bibliográfica, para então, realizar uma avaliação crítica. A técnica utilizada será a da pesquisa bibliográfica. Palavras-chave: Dicotomia público versus privado. Instituições de Ensino Superior Comunitárias. Público não Estatal. 9 ABSTRACT Institutions of higher education regional community, with roots in Rio Grande do Sul and Santa Catarina, have their origin in the second half of last century. At the turn of the century, these institutions face some crises and now seek a regulatory framework capable of supporting its own peculiarities. In mid 2010, the representative bodies of HEIs Community forwarded to Congress a proposed Bill which provides for defining the powers, purposes and qualification of Institutions of Higher Learning Community, towards the recognition of these institutions as public non-state actors. From there, one must question, what is the legal and constitutional protection in Brazil to build the legal framework of these institutions, which aims at being recognized as a public non-state? To answer this question, the work confronts many issues, such as the dichotomous idea of Public Law and Private Law, very strong in the Liberal State, but that is slowly losing ground. The design of the word community is also explored, as well as legal instruments that are now in force but did not fully meet the needs of institutions of higher education community. The possibility of constitutional interpretation is also faced, however, realizes that she does not show sufficient reason why the proper regulatory framework is needed to better facilitate the activities of Institutions of Higher Learning Community. In the same vein, is an analysis of the constitutional words community and community in the constitutional text and made some comparisons with the experience of community radios in Brazil. The issue addressed here is connected to the research line of Contemporary Constitutionalism therefore seeks to understand the phenomenon constitutional with regard to the materialisation of the legal guarantees provided to an extremely complex society, due to their normative plurality. This work will be guided by the deductive method, because it has as its starting point the literature, then, to make a critical assessment. The technique used will be the literature search. Keywords: public versus private dichotomy. Institutions of Higher Learning Community. State public does not. 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................13 1 A (IN) EXISTÊNCIA DA DICOTOMIA ENTRE DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO................................................................................................................................17 1.1 Do Estado Liberal ao Estado Democrático de Direito: uma análise histórica acerca da distinção entre o Público e o Privado enquanto dicotomia.......................................................18 1.2 Desvendando as atuais inter-relações existentes entre o Direito Público e o Direito Privado e compreendendo o papel da interpretação constitucional........................................................28 1.3 As novas inter-relações entre Estado e sociedade civil: da crise à incorporação de um novo papel..........................................................................................................................................42 2 O COMUNITÁRIO E O PÚBLICO NÃO ESTATAL NA CONSTITUIÇÃO E NA LEGISLAÇÃO........................................................................................................................54 2.1 Desvendando as diversas possibilidades do comunitário...................................................56 2.1.1 O comunitário na Constituição Federal de 1988..............................................................62 2.1.2 O comunitário na legislação.............................................................................................68 2.2 O público e o público não estatal na Constituição Federal de 1988 e na legislação: desvendando o Terceiro Setor no Brasil...................................................................................72 2.2.1 Breves notas acerca das Organizações não Governamentais – ONGs, no Brasil.........................................................................................................................................80 2.2.2 Organizações Sociais - OS...............................................................................................84 2.2.3 Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs...................................90 3 MARCO LEGAL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR COMUNITÁRIAS: PERSPECTIVAS DE MUDANÇAS...................................................95 3.1 Das complexidades do comunitário na legislação brasileira: a experiência pda regulamentação das rádios comunitárias...................................................................................96 3.2 O nascedouro das Instituições de Ensino Superior Comunitárias no Brasil.....................104 3.3 O tratamento jurídico hoje dispensado às instituições de ensino superior comunitárias e as dificuldades decorrentes............................................................ .............................................116 11 3.4 Análise da (des) necessidade de um marco legal às instituições de educação superior comunitárias: perspectivas de mudanças ...............................................................................129 3.4.1 Uma proposta hermenêutica às instituições de ensino superior comunitárias............................................................................................................................130 3.4.2 Análise do Projeto de Lei nº. 7.639/2010, da Câmara dos Deputados................................................................................................................................135 CONCLUSÃO.......................................................................................................................145 REFERÊNCIAS....................................................................................................................149 12 LISTA DE ABREVIATURAS ABERT – Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão ABESC - Associação Brasileira das Escolas Superiores Católicas ABIEE - Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas ABONG – Associação Brasileira das Organizações não Governamentais ABRAÇO – Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária ABRUC – Associação Brasileira das Universidades Comunitárias ACAFE - Associação Catarinense das Fundações Educacionais AEC - Associação de Educação Católica ANDES - Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior ANEC – Associação Nacional de Educação Católica do Brasil CGT - Central Geral dos Trabalhadores CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil COMUNG - Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas CPB - Confederação dos Professores do Brasil, CUT - Central Única dos Trabalhadores ENADE - Exame Nacional de Desempenho de Estudantes FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço IFETs – Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais LDB - Lei de Diretrizes e Bases MEC – Ministério da Educação OCBs – Organizações de Base Comunitária ONGs – Organizações não Governamentais OS – Organizações Sociais OSCIPS - Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público PL – Projeto de Lei PNE – Plano Nacional da Educação SESC – Serviço Social do Comércio SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SESI – Serviço Social da Indústria UNE - União Nacional de Estudantes 13 INTRODUÇÃO O Estado, ao longo dos tempos, tem alternado seu papel. Algumas vezes atua de modo liberal, outras vezes desempenha uma função mais social. Todavia, em pleno século XXI, questiona-se sobre o novo papel adotado pela sociedade civil perante o Estado, vez que a sociedade abandona a conduta passiva e assume uma postura mais ativa. Assim, a postura adotada pela sociedade merece não apenas ser questionada, mas avaliada perante o contexto das alterações, evoluções e retrocessos do Estado, até mesmo porque o papel desempenhado pela sociedade civil também tem sofrido alterações. A relevância do presente estudo está diretamente relacionada ao marco regulatório às instituições de ensino superior comunitárias, a ser definido pelo sistema jurídico brasileiro infra-constitucional fundamentado nas disposições constitucionais acerca do tema. Com o fortalecimento do público não estatal, nasce um novo paradigma, vez que esta figura ganha destaque, concretizando-se no ordenamento jurídico através da lei que regulamenta as OS – Organizações Sociais, (Lei nº. 9.637/1998) e a lei que trata das OSCIPs, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Lei nº. 9.760/1999), mas que notadamente no âmbito das instituições de ensino superior comunitárias carece de um marco regulatório próprio. Atualmente, as instituições de ensino superior comunitárias buscam uma regulamentação jurídica a fim de estruturar suas atividades e viabilizar as atividades de ensino, pesquisa, bem como aquelas voltadas à comunidade. Assim, a temática das instituições de ensino superior comunitárias possui importância no campo do Direito, eis que se trata de um fenômeno contemporâneo, que traz ao debate a discussão acerca da intersecção entre Direito Público e Direito Privado; quebrando a lógica dicotômica, até pouco tão presente em razão de uma cultura extremamente codicista, que por muito tempo se fez presente. A temática ganha relevância eis que associa dois temas que têm ganho força e atenção: o sentido do termo ‘comunidade’ e a (in) existência da dicotomia existente entre Direito Público e Direito Privado. O trabalho em tela tem como tema a análise acerca da (des) necessidade da construção do marco legal das instituições de ensino superior comunitárias, a partir do embasamento, constitucional e legal, do setor público não estatal, existente atualmente no Brasil. A ideia de desenvolver esta temática surgiu tanto em decorrência das mutações que o Direito hoje vem 14 sofrendo, bem como pela pouca discussão que há acerca do papel das instituições de ensino superior comunitárias. Trata-se de uma questão sempre posta de lado. O tema igualmente possui relevância, haja vista que além das instituições de ensino superior comunitárias estarem passando por um momento único que impulsiona a força do movimento por um marco regulatório, proposto pelas entidades representativas e pela própria sociedade civil, percebe-se, também uma mutação do Direito no momento atual, classificado como pósmoderno1. Assim premissas antes tidas como certas, acabadas e imutáveis, devem ser repensadas a partir de uma leitura da Constituição Federal de 1988. Muito embora o MEC – Ministério da Educação, informe que hoje há cerca de 437 (quatrocentos e trinta e sete) instituições de ensino superior comunitárias espalhadas pelo Brasil, a verdade é que as instituições originalmente comunitárias estão concentradas na região sul do País, especificadamente no Rio Grande do Sul e Santa Catarina.2 Este modelo surge nos anos 50, num momento onde existiam apenas 7 (sete) universidades no País, com o intuito de levar o acesso ao ensino superior ao interior, adquirindo importância no seio de suas comunidades. As instituições de ensino superior comunitárias apresentam uma série de peculiaridades, destacando-se a gestão democrática e o fato de seus bens não pertencerem a um ou outro sujeito, mas a uma comunidade. Hoje, estas instituições representam o surgimento de um novo espaço: o público não estatal, elas são um dos símbolos da inter-relação da esfera pública e da privada. Contudo, o marco regulatório ao setor público não estatal está adstrito às Organizações Sociais e às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, categorias estas que não são capazes de atender as demandas das instituições de ensino superior comunitárias, fator que as leva em busca de um marco regulatório próprio. 1 Muito embora haja divergência acerca do atual momento histórico, ou seja, se a sociedade vive a Modernidade ou a pós-Modernidade, compreende-se que assiste razão ao segundo grupo. Pois, como a promessa da Modernidade não restou concretizada, hoje se fala em crise da Modernidade, assim, estar-se-ia vivendo um momento pós-Moderno, onde a estética e a aparência levam larga vantagem em relação ao conteúdo. Muito embora as projeções da pós-Modernidade ainda sejam um tanto controversas em relação ao Direito, o fato é que este sofre algumas influências, eis que se mostra “refratário à abstração conceitual e à axiomatização” e “desponta a aversão às construções e valores jurídicos universais”. O paradigma da pós-Modernidade mostra-se relativo em relação às coisas do mundo, ou seja, não há mais uma certeza universal; as tradições locais são destacadas e valorizadas. Há o entendimento de que a excessiva regulação normativa se mostra prejudicial à harmonia social. Neste novo momento, há uma tênue separação entre Estado e sociedade civil. In: SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 40-41. 2 Dados do Censo da Educação 2008. Disponível em: <www.inep.gov.br>. Acesso em: 28 nov.2010. 15 Sob o viés da contemporaneidade, a presente pesquisa conecta-se perfeitamente à linha de pesquisa “Constitucionalismo Contemporâneo”, à medida que busca entender o fenômeno constitucional no que se refere à materialização jurídica das garantias asseguradas a uma sociedade extremamente complexa, em decorrência da sua pluralidade normativa. Necessário desvendar este novo espaço que surge num ponto de conexão entre o Direito Público e o Direito Privado, que é o público não estatal, que se traduz na questão central do presente trabalho. Assim, compete analisar as implicações do Projeto de Lei nº. 7.639/2010, da Câmara dos Deputados, projeto encaminhado pelas entidades representativas das instituições de ensino superior comunitárias brasileiras ao Congresso Nacional. Este projeto dispõe acerca da definição, das prerrogativas, das finalidades e da qualificação das instituições comunitárias de educação superior, no sentido do reconhecimento dessas instituições como públicas não estatais. Imprescindível contemplar qual o amparo constitucional e legal no Brasil para a construção do marco legal das instituições de ensino superior comunitárias, o que pretende o seu reconhecimento enquanto públicas não estatais? Forçoso, então, perceber se a Constituição Federal de 1988 e a legislação infraconstitucional contêm ou não princípios adequados para a construção do marco legal das instituições de ensino superior comunitárias, no intuito de reconhecê-las/enquadrá-las como públicas não estatais. Para construir este caminho, será necessário analisar o embasamento constitucional e legal de um marco legal das instituições de ensino superior comunitárias. Na construção deste caminho, indispensável a avaliação acerca da dicotomia entre Direito Público e Direito Privado à luz das transformações sociais e das inovações jurídicas em curso. Necessário, também, um olhar atento à Constituição Federal de 1988 e à legislação infraconstitucional, notadamente às leis que regulamentam as Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Imperativa a averiguação do tratamento jurídico atualmente dispensado às instituições de ensino superior comunitárias e das modificações a serem trazidas pelo marco legal, caso aprovado. 16 Para realizar a presente pesquisa será eleito o método de abordagem dedutivo3, “que, partindo das teorias e leis, na maioria das vezes prediz a ocorrência dos fenômenos particulares (conexão descendente)”. O método de procedimento serão o histórico e o monográfico. Já a técnica empregada será a da documentação indireta, o que abrange a pesquisa documental e a pesquisa bibliográfica, através de consultas a livros, revistas, legislação e demais materiais sobre o tema.4 Assim, no primeiro capítulo, a fim de verificar a (in) existência da dicotomia entre Direito Público e Direito Privado, será realizada uma análise histórica acerca da dita dicotomia, exame que tem início no Estado Liberal e que se encerra com a chegada do Estado Democrático de Direito. Além de abordar as atuais inter-relações entre Direito Público e Direito Privado, necessário também compreender a importância da interpretação constitucional, no contexto da pós-modernidade. Imprescindível, também, compreender as novas intersecções entre Estado e sociedade civil, relações estas que iniciam com a crise do Estado e culminam com o desempenho de um novo papel da sociedade civil, bem como do próprio Estado. O segundo capítulo terá por missão esclarecer algumas notas acerca do comunitário e do público não estatal na Constituição Federal de 1988 e na legislação infra-constitucional, estabelecendo as diferenças entre ambos. Em que pense a maleabilidade do termo comunitário, necessárias algumas análises sobre este vocábulo. A partir de então, são traçadas algumas ponderações sobre o terceiro setor no Brasil, sendo abordados alguns elementos sobre as Organizações não Governamentais, sobre as Organizações Sociais e acerca das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. No terceiro e último capítulo é feita uma análise acerca da necessidade de um marco legal às instituições de ensino superior comunitárias. Assim, a análise perpassa pela abordagem de importantes componentes do processo histórico destas instituições. Posteriormente, perpassa pelo exame do tratamento jurídico hoje dispensado às instituições de 3 O método dedutivo é aquele utilizado “explicar o conteúdo das premissas. Por intermédio de uma cadeia de raciocínio em ordem descendente, de análise do geral para o particular, chega a uma conclusão. Usa o silogismo, construção lógica para, a partir de duas premissas, retirar uma terceira logicamente decorrente das duas primeiras, denominada de conclusão”. In: GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999, p. 30. 4 LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do trabalho científico. 4. ed. revista e ampliada. São Paulo: Atlas, 1995, p. 106-107. 17 ensino superior comunitárias e das dificuldades daí decorrentes, a partir de então, as perspectivas de mudanças são analisadas, através de uma proposta hermenêutica e da possibilidade de um marco regulatório próprio, ideia que ganha força com o Projeto de Lei nº. 7.639/2010, da Câmara dos Deputados. Por fim, são tecidas considerações acerca da legislação que envolve o comunitário no Brasil, qual seja, a Lei nº. 9.612/1998, que regulamenta o funcionamento das rádios comunitárias. 18 1 A (IN) EXISTÊNCIA DA DICOTOMIA ENTRE DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO As certezas tão presentes no século passado já não mais parecem fazer parte do cotidiano. A atual onda de globalização não apenas alterou o eixo norteador da vida, mas fez com que estes eixos quase desaparecessem. Milton Santos5 elabora muito bem esta ideia quando refere que a humanidade vivenciou na segunda metade do século passado coisas que não foram possíveis de serem vividas ao longo de toda a história da humanidade. Em tempos onde se busca conciliar a heterogeneidade e a especificidade de culturas, as diversidades de mundos dentro de um mesmo mundo; num momento onde as pessoas estão longe e perto, ao mesmo tempo, graças aos avanços que a tecnologia proporcionou, criando mecanismos para sua aproximação, paradoxalmente, estas têm se afastado. A atual época é a época das incertezas e das mudanças e o Direito precisa estar apto a enfrentar esta realidade. Assim, muitas questões antes inimagináveis dentro do contexto social, passam a ocupar espaço significativo no campo de preocupação e, consequentemente, a atrair a atenção dos estudiosos. A dicotomia existente entre o campo público e o privado tem suas delimitações cada vez mais tênues. 6 A lógica existente entre mercado e Estado7 também busca encontrar um novo caminho para o que, Amitai Etzioni8 propõe chamar de terceira via. Dentro desta proposta, possível inserir as instituições de educação superior comunitárias (e as instituições 5 “Nos últimos cinqüenta anos criaram-se mais coisas do que nos cinqüenta mil precedentes. Nosso mundo é complexo e confuso ao mesmo tempo, graças à força com a qual a ideologia penetra objetos e ações. Por isso mesmo, a era da globalização, mais do que qualquer outra antes dela, é exigente de uma interpretação sistêmica cuidadosa, de modo a permitir que cada coisa, natural ou artificial, seja redefinida em relação com o todo planetário. Essa totalidade-mundo se manifesta pela unidade das técnicas e das ações”. In: SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 9. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2002, p. 171. 6 Expressão utilizada por Norberto Bobbio. O autor refere, ainda, que a distinção é mais marcante na teoria do direito, notamente quando da distinção entre direito privado e direito público. In: BOBBIO, Norberto. Da Estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. Barueri: Manole, 2007, p. 137 e seguintes. 7 Cabe destacar que “Estado e mercado podem lutar entre si ocasionalmente, mas a relação normal e comum entre eles, num sistema capitalista, tem sido de simbiose [...] A cooperação entre Estado e mercado no capitalismo é a regra; o conflito entre eles, quando acontece, é a exceção. Em geral, as políticas do Estado capitalista, “ditatorial” ou “democrático”, são construídas e conduzidas no interesse e não contra o interesse dos mercados; seu efeito principal (e intencional, embora não abertamente declarado é avalizar/permitir/garantir a segurança e longevidade do domínio do mercado“. In: BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo parasitário – e outros temas contemporâneos.Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 30-31. 8 ETZIONI, Amitai. La Tercera Vía - hacia una buena sociedad. Tradução de José A. Ruiz San Román. Madrid: Editorial Trotta, 2001. 19 comunitárias, em geral), onde se busca um ponto de equilíbrio que fuja do binômio Estado versus mercado. Assim, necessária a análise de diversas questões que circundam as instituições de educação superior comunitárias, a fim de que se possa construir um caminho que leve à compreensão da (des) necessidade de um marco regulatório a estas instituições. Para iniciar este caminho serão abordadas algumas mutações, no que pertine à referida dicotomia, mutações estas que tem como ponto de partida o Estado Liberal e vão até o Estado Democrático de Direito. 1.1 Do Estado Liberal ao Estado Democrático de Direito: uma análise histórica acerca da distinção entre o Público e o Privado enquanto dicotomia. A atual sociedade encontra-se em um momento, onde é necessário analisar a relação existente entre o Direito e a pós-Modernidade, relação esta “que se descortina no início do século XXI”. Hoje, vive-se uma fase onde a imagem está acima do conteúdo, onde o “efêmero e o volátil parecem derrotar o permanente e o essencial”. Evidente que ante esta enxurrada de mutações, não fica o constitucionalismo imune, à medida que vivencia “um momento sem precedentes, de vertiginosa ascensão científica e política”.9 O século XXI surge trazendo como palavras de ordem a complexidade e a relativização, de relações, de conceituações, de percepções. As certezas parecem ter ficado no século passado. Hoje, a sociedade depara-se com várias transições dos paradigmas, evidenciando, assim, um padrão “multifacetado e pluralista”, sofrendo diversas rotulações “(sociedade globalizada, de risco, pós-moderna, pós-industrial, etc).”10 A globalização traz consigo o conceito de desprendimento das localidades e a vivência em uma sociedade global, onde “o crescente hiato entre os espaços vivos/vividos foram deixados para trás é comprovadamente o mais seminal de todos os afastamentos sociais, culturais e políticos associados à passagem do estado “sólido” para o estado “líquido” da modernidade”.11 [...] o aumento da complexidade do mundo contemporâneo, o inexorável avanço tecnológico e dos meios informacionais, apoiado em um processo de globalização econômica, política e cultural, está construindo uma sociedade transcendental ao 9 BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro. In: _____ (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 02. 10 CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 11. 11 BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro, Zahar, 2003, p. 121. 20 capitalismo e ao socialismo, uma sociedade pós-moderna, ou seja, um padrão societário que rompeu com os valores e sistemas característicos ao período da modernidade, o que é visto por nós como uma posição teórica pouco consistente.12 Em uma sociedade de incertezas e transformações, a exemplo da sociedade em que se vive (leia-se, na sociedade ocidental), resta evidente que os conceitos não se mostram mais fechados, prontos e determinados, mas que eles cada vez mais ganham novos contornos. A verdade é que estes conceitos se materializam de modo cada vez mais aberto, a fim de buscar atender às rápidas mudanças que assolam a vida moderna. Nesta esteira, no campo do Direito, questiona-se se ainda há espaço à dicotomia público versus privado, vez que dia após dia uma esfera parece permear a outra. A fim de compreender esta questão, necessária se faz uma análise histórica, na tentativa de buscar elementos que conduzam a uma resposta.13 A dicotomia preceituada por Norberto Bobbio é principal. Em outras palavras, ela acaba por absorver ou anular/dissolver outras dicotomias, o que se dá até mesmo em relação à dicotomia direito natural-direito positivo, que tende a ser englobada pela distinção entre direito privado e direito público. Vislumbra-se uma grande dicotomia quando é possível, [...] a) dividir um universo em duas esferas, conjuntamente exaustivas, no sentido de que todos os entes daquele universo nelas tenham lugar, sem nenhuma exclusão, e reciprocamente exclusivas, no sentido de que um entre compreendido na primeira não pode ser compreendido contemporaneamente na segunda; b) estabelecer uma divisão que é ao mesmo tempo total, enquanto todos os entes aos quais atualmente e potencialmente a disciplina se refere devem nela ter lugar, e principal, enquanto tende a fazer convergir em sua direção outras dicotomias que se tornam, em relação a ela, secundárias.14 A partir desta premissa, cabe questionar se hoje, ainda há lugar a esta dicotomia? É este o ponto que dá origem à discussão aqui proposta, que remonta à Revolução Francesa, vista pelos historiadores como um marco histórico que aponta para a alteração do caminho seguido pela humanidade, ao menos sob o ponto de vista simbólico.15 A análise aqui proposta tem 12 LOUREIRO, Carlos Frederico B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem política. Rio de Janeiro; São Paulo: Quartet, 2006, p. 66. 13 A obra de Daniel Sarmento contextualiza com maestria as transformações sofridas pela sociedade e pelo Estado, através de uma leitura de fácil compreensão, agradável e bastante elucidativa. Prefere o autor adotar a expressão paradigma, a fim de expressar a ideia de que “as mudanças são muitas vezes graduais, e mesmo nas raras ocasiões em que ocorrem verdadeiras revoluções científicas, subsistem intactos certos aspectos do conhecimento acumulados no passado”. In: SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 04. 14 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade – para uma teoria geral da política. 4. ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001, p. 14. 15 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 14. ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 85. 21 origem com a Revolução Francesa, que dá início ao Estado Moderno16, “que se consolida ao longo do século XIX, sob a forma de Estado de Direito17”18, eis que trouxe e ainda traz diversos reflexos e contribuições à atual sociedade. Ademais, a “concepção jurídica instaurada promoveu uma mudança estrutural tanto na ordem política como nas relações sociais. Não só o sistema político foi transformado, mas toda a arquitetura social foi redesenhada”.19 Com a promessa de igualdade, liberdade e fraternidade, então, ganha força o movimento que determina a Revolução Francesa e, assim, nasce o Estado Liberal, que traz em seu bojo as ideias iluministas, as quais influenciaram a “consolidação e juridicização dos direitos do homem”20, que foram materializadas.Na própria Revolução burguesa na fundação do Estado norte-americano.21 No liberalismo, há ideia de que a Constituição é aplicada apenas em relação ao Estado, ao passo que o Código Civil se limita a regular as relações entre particulares, sob a justificativa da autonomia privada.22 A Revolução Francesa trouxe consigo a proteção aos direitos individuais, que passa a ser o marco do Estado Liberal, que não apenas marca o final da Idade Média, mas também o início da Idade Contemporânea (século XVIII e XIX). Este movimento adveio com o fito de evitar a concentração de poderes e as arbitrariedades tão presentes no Estado Absolutista23. 16 “O que caracteriza a sociedade moderna, permitindo o aparecimento do Estado moderno é por um lado a divisão do trabalho, por outro a monopolização da tributação e da violência física. Inicialmente, o rei detinha esses dois monopólios; de monopólio pessoais, monopólios privados, portanto, se tratava”. In: GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 16. 17 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo – os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 40. 18 “O Estado de Direito surge desde logo como o Estado que, nas suas relações com os indivíduos, se submete a um regime de direito quando, então, a atividade estatal apenas pode desenvolver-se utilizando um instrumental regulado e autorizado pela ordem jurídica, assim como, os indivíduos – cidadãos – têm a seu dispor mecanismos jurídicos aptos a salvaguardar-lhes de uma ação abusiva do Estado”. In: MORAIS, Jose Luiz Bolzan. Do Direito Social aos Interesses transindividuais – o Estado e o Direito na ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 66. 19 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de Direito Fundamental nas relações jurídicas entre particulares. In: BARROSO, Luis Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 125. 20 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 09. 21 No Brasil, muito embora as Constituições de 1824 e de 1891 possuam traços liberais, elas não são chegam a representar o dito liberalismo puro no país, vez que o liberalismo em seu casticismo não foi por aqui vivido. 22 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 09-12. 23 “En los orígenes del absolutismo monárquico la burguesia había sido la aliada de los reys contra el poder de la nobreza. Sin ayuda de las ciudades no hubiese sido posible la victoria sobre aquélla. Este pacto histórico constituye uma de las razones del respeto régio. La burguesia había inicia su gran despliege histórico”. In: ESTERUELAS, Cruz Martínez. La agonia del estado – Um nuevo orden mundial? Madrid: Centro de Estúdios políticos y constitucionales, 2000, p. 58-59. 22 Peter Häberle24 refere que o ano de 1789, embora represente apenas uma, das infindáveis, etapas na concretização do Estado Constitucional, possui um significado constitutivo à história, à atualidade e ao futuro do Estado Constitucional, pois concebe em termos de dogmática constitucional, uma garantia cultural com determinados conteúdos irrenunciáveis para o Estado constitucional. Trata-se de um momento determinante, à medida que consolidou uma série de elementos estruturantes e funções estatais, a exemplo dos direitos fundamentais de primeira dimensão do indivíduo como direitos inatos, da ideia de codificação e positivação do Direito com a dialética, da soberania popular e da representação, da separação de poderes, entre outros. A Revolução Francesa traçou um novo panorama, a partir do qual, o Direito Privado passou a ser o centro do sistema jurídico, sendo que com a proclamação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, a proteção aos direitos individuais passou a ser o marco do Estado Liberal. O liberalismo restou consagrado e consequentemente o homem passou a ser visto como sujeito livre e igual para agir, sem intervenção estatal nas relações privadas.25 O Estado era concebido como uma organização racional voltada para certos objetivos e valores, organização dotada de estrutura vertical ou hierárquica, ou seja, construída primordialmente sob relações de supra e subordinação. Tal racionalidade se expressava, principalmente, através: a) de leis abstratas – sistematizadas em códigos, na medida do possível -, b) da divisão de poderes como recurso racional para a garantia da liberdade e para a diversificação e integração do trabalho estatal e c) de uma organização burocrática da Administração Pública. Seus objetivos e valores eram a garantia da liberdade, da segurança e da propriedade, da convivência pacífica e da execução dos serviços públicos, fosse diretamente, fosse em regime de concessão.26 No Estado Liberal, ainda foram concebidos os direitos fundamentais, no intuito de limitar a atuação do Estado, na tentativa de assegurar a liberdade dos cidadãos.27 Neste 24 HÄBERLE, Peter. Libertad, igualdad, fraternidad - 1789 como historia, actualidad y futuro del Estado Constitucional. Madrid: Minima Trotta, 1998. 25 RAMOS, Carmem Lúcia. A constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras. In: FACHIN, Luiz Edson (Org.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 04-05. 26 GARCÍA-PELAYO, Manuel. As transformações do Estado contemporâneo. Tradução de Agassiz Almeida Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 09-10. 27 “Acerca do Estado Liberal, verifica-se que “o instrumento que melhor pode ordenar os regramentos sobre competências e atribuições, de uma maneira neutra e racional (sob a ótica liberal), é a lei, que, entretanto, para poder vincular inclusive o Estado, precisa adquirir uma conformação que ultrapassa o mero âmbito legal tradicional: a de lei constitucional. [...] A burguesia, na condição de detentora do poder econômico, assume o poder político, fazendo da lei racional e da igualdade jurídica seus instrumentos de atuação no sentido de consecução de seus interesses. Enquanto todos são iguais perante a lei, todos possuem igual capacidade para contratar, o que amplia os limites do mercado, que, regido pelo princípio do laissez faire, laissez passer, lê monde va lui mene, possibilita o acúmulo de capital e de propriedade daqueles que possuem maior e melhor 23 período, ficou nitidamente delimitado o campo de atuação do Estado e da sociedade civil, evidenciando, assim, a clara distinção daquilo que é público e daquilo que é privado. Assim, na dicotomia público/privado, a supremacia incidia sobre o privado, “o que decorria da afirmação da superioridade do indivíduo sobre o grupo e sobre o Estado”. Consequentemente, nesta fase, restou negligenciada a relação com os “laços sociais e os vínculos comunitários”.28 Com esta ideia os Códigos, que tinham por finalidade a proteção da burguesia à medida que protegiam a propriedade e a liberdade contratual e que se afinava com as ideias proferidas pelo Estado Liberal, ganham notável força e espaço. Assim, “o modelo de codificação vinculava-se a uma estrita e rígida separação entre o Direito Público e o Privado. O Direito Público era visto como reino do contigente, enquanto o Direito Privado pautava-se por regras imutáveis porque derivadas da razão”29. O Estado Liberal possuía como características a separação entre Estado e sociedade civil, a qual tinha como mediadora o Direito. Os direitos individuais eram assegurados a fim de possibilitarem uma intervenção na relação entre Estado e indivíduo. A democracia estava atrelada à noção de soberania da Nação, fruto da Revolução Francesa. O Estado se apresentava à sociedade como um Estado Mínimo, sob o argumento de proteger a liberdade dos cidadãos.30 Muito embora o Estado Liberal tenha preconizado os direitos individuais, foi ele também, baseado no direito individual da igualdade formal, responsável pela dominação do mais forte sobre o mais fraco, o que fez com que entrasse em declínio este modelo de Estado. Assim, o conceito liberalista de que a vontade dos indivíduos deve ser respeitada dá espaço a uma nova fase no Constitucionalismo, a social, onde é firmada a concepção de que o aspecto social deve prevalecer nas relações. Assim, “com a progressiva transformação do Estado Liberal no Estado Social, esta hegemonia do Código na disciplina das relações privadas será competência”. In: LEAL, Mônia Clarissa Henning. Jurisdição Constitucional Aberta - reflexões sobre a lçegitimidade e os limites da jurisdição constitucional na ordem democrática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p 15-18. 28 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 13. 29 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 13 e 70. 30 MORAIS, José Luiz Bolzan. Do Direito Social aos Interesses transindividuais – o Estado e o Direito na ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 70-71. 24 ameaçada”31. A ideia liberalista de que a vontade dos indivíduos deve ser respeitada dá espaço a uma nova fase no Constitucionalismo, firmando-se a percepção de que o aspecto social deve prevalecer nas relações. O Estado Social de Direito surge como promessa de efetivação dos direitos formalmente assegurados na era liberal e incorpora à primeira dimensão de direitos (os direitos civis e políticos), uma segunda dimensão de direitos (os direitos sociais, culturais, e econômicos, bem como os direitos coletivos), trazendo em seu bojo a necessidade de se realizar uma releitura dos primeiros direitos chamados fundamentais, adaptados à demanda social. O Estado Liberal tinha como missão garantir a propriedade privada, com a alteração para o Estado Social houve uma alteração de paradigma, a partir do qual buscou-se uma conduta ativa do Estado e o sujeito passou a ser o núcleo da proteção.32 O Estado, então, deixa de ter uma conduta abstencionista, que adotava até então, e passa a assumir o papel de interventor, pautando-se no princípio da igualdade material e não mais na mera igualdade formal. O Estado Social, na sua vertente democrática, não é outra coisa senão uma tentativa de composição e conciliação entre as liberdades individuais e políticas e os direitos sociais, possibilidade descartada tanto pelos teóricos do liberalismo ortodoxo como pelos marxistas. Apesar de lamentáveis desvios em que incorreu o Estado Social, com sua degenerescência para experiências totalitárias sobretudo na primeira metade do século XX, o fato é que em boa parte do mundo desenvolvido, e durante um razoável período de tempo no século XX, esta solução compromissória entre o capitalismo e o socialismo foi possível e teve razoável sucesso. 33 Ao passo que o Estado Liberal tinha como missão garantir a propriedade privada, com a alteração para o Estado Social houve uma alteração de paradigma, a partir do qual buscou-se uma conduta ativa do Estado e o sujeito passou a ser o núcleo da proteção. A expressão autonomia da vontade possui uma dupla concepção. A primeira diz respeito à autonomia de realizar negócios, a liberdade de escolher o outro contratante. A segunda acepção diz respeito 31 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 71. 32 REIS, Jorge Renato dos. Os Direitos Fundamentais de tutela da pessoa humana nas relações entre particulares. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 7. REIS, Jorge Renato dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2007, p. 2033-2064. 33 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 20. 25 à proteção da dignidade da pessoa humana numa visão democrática, onde a pessoa tem direito a tomar suas decisões e decidir o modo como deseja viver.34 Finda a Primeira Guerra Mundial o Estado passa a adotar uma conduta intervencionista e acaba rotulado como Estado Social. Cobra-se do Estado uma conduta capaz de enfrentar a injustiça social e de prestar serviços públicos à população. “Como natural e previsível, o Estado social rompeu o equilíbrio que o modelo liberal estabelecera entre público e privado”.35 O término da Segunda Guerra Mundial também marca a consolidação do Estado Social, que resta materializado e não apenas tem uma nova roupagem/concepção, mas também tem a busca pela igualdade entre as pessoas, através de uma intervenção na ordem econômica e social. Percebe-se uma “preocupação com o bem comum, com o interesse público. No período que compreende o Estado Social, tem início um processo de pulverização do poder na sociedade, assim, pouco a pouco o poder deixa de ficar centrado nas mãos do Estado, iniciando um processo de criação de mecanismos/instituições intermediárias entre a figura do estado e do indivíduo. Acerca das distinções existentes entre o Estado Liberal do século XIX e Estado Social do século XX, este buscará ajustar as relações que se dão de modo mais amplo, eis que englobam as inúmeras inter-relações possíveis entre o Estado, a sociedade e o indivíduo. 36 A tradicional dicotomia, de origem romana, Direito Público/Direito Privado, sofre grande impacto, em razão da progressiva publicização do Direito Privado, e da sua ‘invasão’ pela normativa constitucional. [...] O primado do público sobre o privado no Estado Social expressa-se pelo aumento da intervenção estatal e pela regulação coativa dos comportamentos individuais.37 O chamado Welfare State, Estado de Bem-Estar ou, como preferem alguns, Estado Protetor ou Assistencial, tem como característica primordial a interferência do Estado na oferta de serviços sociais, os quais são realizados de modo gratuito, para que seja prestado um mínimo de benefícios a todos. No modelo adotado pelo Welfare State, acabaram por se 34 REIS, Jorge Renato dos. Os Direitos Fundamentais de tutela da pessoa humana nas relações entre particulares. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 7. REIS, Jorge Renato dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2007, p. 2033-2064. 35 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo – os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 65. 36 LEAL, Mônia Clarissa Henning. Jurisdição Constitucional Aberta - reflexões sobre a lçegitimidade e os limites da jurisdição constitucional na ordem democrática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 30. 37 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 24. 26 agregar inúmeras funções ao Estado. O funcionamento da máquina pública perdeu-se em um limbo de procedimentos burocráticos e repetitivos que apenas, produzindo serviços de baixa qualidade, com morosidade e gastos excessivos, em decorrência do ambiente tecnoburocrático da administração pública. Muito embora as referências aqui adotadas estejam centradas na Europa, nos Estados Unidos, a materialização do Estado Social38 ocorre com a crise de 1929, com a tarefa de dar, efetivamente, condições para que os sujeitos usufruíssem os direitos assegurados formalmente. Tratava-se da busca pela garantia de “condições mínimas de existência para cada ser humano”.39 No Estado Social, o sujeito que, no curso do Estado Liberal, não desejava a intervenção estatal, passa a ordenar tal conduta, por parte do Estado. Visualiza-se, então, um desenvolvimento “desmensurado do Estado, que passou a atuar em todos os setores da vida social, com uma ação interventiva que coloca em risco a própria liberdade individual, afeta o princípio da separação de Poderes e conduz à ineficiência na prestação dos serviços”.40 Porém, este modelo de Estado não consegue atender a tantas demandas, que são desproporcionais ao que seu orçamento pode suportar, o resultado é o seu colapso. O Estado-Providência está doente. O diagnóstico é simples: as despesas com a saúde pública e com o setor social crescem muito mais depressa que as receitas. Daí um lancinante problema de financiamento, que se apresenta nos últimos vinte anos, em todos os países industrializados. [...] É a manutenção simultânea de uns e outros no seu nível atual que não será mais suportável num contexto de crescimento muito lento. Não se pode conter a progressão das cotizações sociais e dos impostos, garantindo ao mesmo tempo qualidade imutável dos serviços públicos e sociais e a manutenção das prestações que ele oferece. Ou, pelo menos, já não se poderá garanti-lo a todos. Os problemas de financiamento do Estado-providência mudam de natureza, precisamente nessa medida. [...] O verdadeiro desafio um novo contrato social entrete indivíduos, grupos e classes. O principal bloqueio do Estadoprovidência é, finalmente, de ordem cultural e sociológica.41 38 “Na União Soviética e nas democracias populares, implantou-se o Estado Socialista, com tudo o que ele significa de direção central da economia. Nas democracias ocidentais, está vigente a noção de Estado Social de Direito, à qual é inerente a idéia de prestação de serviços pelo Estado, à população, em grandes proporções”. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública – concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 27. 39 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 17-20. 40 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública – concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 29. 41 ROSANVALLON, Pierre. A Crise do Estado Providência. Tradução de Joel Pimentel de Ulhôa. Goiânia: UFG; Brasília: Unb, 1997, p. 07-08. 27 A nova formatação do Estado, desenvolvida no final do século XX, tenta ser uma resposta às enfermidades do Estado Contemporâneo. Trata-se de diminuir a burocracia, os gastos e as responsabilidades pelos serviços mal prestados. O Estado transfere diversas formas de prestação de serviços e passa a gerenciá-las. As soluções ao Estado-Providência têm diversas frentes, dentre as quais, destaca-se o reconhecimento da sociedade civil enquanto sujeitos de direito e produtores de um direito autônomo, que se encontra além daquele produzido pelo Estado.42 Com a transferência de determinados serviços e bens públicos à iniciativa privada, o Estado visa uma melhor prestação desses serviços. Isto, porque pode cobrar pela prestação de qualidade. O Estado propõe a participação da sociedade civil, transferindo boa parte das responsabilidades assumidas diretamente no período do Welfare State. Passada a era de ouro do Estado de Bem-Estar social (vivida no segundo pós-guerra até a década de 1970), o Estado passa a manter uma nova relação com a economia. Mais próximo ao final do século XX, inclusive no Brasil, o Estado passa a assumir um novo papel, de gestor dos problemas públicos, delegando determinados serviços à iniciativa privada ou, ainda, intervindo através de empresas públicas desburocratizadas. Assim, o Estado Social, busca, em “su primera versión dice razón de justicia – conectada com el principio de igualdad -, el Estado de la procura existencial – su segunda fase – apunta a la satisfacción sistemática de las necesidades, sin renunciar por ello a la preocupación igualitária”.43 Com o colapso do Welfare State, emerge o Estado Democrático de Direito 44, onde se verifica “um acréscimo do ideal participativo e democrático amplo do aspecto formal, que, como o próprio nome indica, o faz, notadamente, por meio do direito” 45 e que terá por características, “a) império da lei: lei como expressão da vontade geral; b) divisão dos poderes [...]; c) legalidade da Administração, atuação segundo a lei e suficiente controle judicial; d) direitos e liberdades fundamentais: garantia jurídico-formal e efetiva realização material”.46 42 ROSANVALLON, Pierre. A Crise do Estado Providência. Tradução de Joel Pimentel de Ulhôa. Goiânia: UFG; Brasília: Unb, 1997, p. 89-92. 43 ESTERUELAS, Cruz Martínez. La agonia del estado – Um nuevo orden mundial? Madrid: Centro de Estúdios políticos y constitucionales, 2000, p. 66. 44 Muito embora haja autores que entendem que o Welfare State e o Estado Democrático de Direito representam o mesmo modelo. 45 LEAL, Mônia Clarissa Henning. ESTADO DE DIREITO. In: BARRETO, Vicente de Paulo. (Coord.). Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: UNISINOS, 2006; Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 291. 46 DIAS, Elias. Estado de Derecho y Sociedad Democrática. Madrid: Editorial Cuadernos para el Dialogo, 1975, p. 29 apud LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 30. 28 Tem-se que o Estado Constitucional Democrático de Direito é sempre um ponto de partida, um início e nunca um fim, ou seja, um ponto de chegada. “Como ponto de partida, constitui uma tecnologia jurídico-política razoável para estruturar uma ordem de segurança e paz jurídicas. Mas os esquemas político-organizatórios, ou seja, as formas de organização política, não chegaram ao ‘fim da história’” .47 O Estado Democrático de Direito tem como norte a transformação da realidade social, ele irá além da tentativa de melhoria das condições de existência dos sujeitos, irradiando a ideia de democracia por todos os pontos que compõem o Estado. “E mais, a idéia de democracia contém e implica, necessariamente, a questão da solução do problema das condições materiais de existência”. Este modelo de Estado será norteado pela supremacia da Constituição, eis que o Estado estará a ela atrelado, as desigualdades sociais devem ser dirimidas ou amenizadas através da justiça social, a igualdade deve ser buscada não apenas no âmbito formal, mas também material; deve prevalecer a divisão dos poderes; a legalidade deve ser norteadora tanto do sistema quanto da segurança jurídica.48 A idéia moderna de um Estado Democrático tem suas raízes no século XVIII, implicando a afirmação de certos valores fundamentais da pessoa humana, bem como a exigência de organização e funcionamento do Estado tendo em vista a proteção daqueles valores. A fixação desse ponto de partida é um dado de fundamental importância, pois as grandes transformações do Estado e os grandes debates sobre eles, nos dois últimos séculos, têm sido determinados pela crença naqueles postulados, podendo-se concluir que os sistemas políticos do século XIX e da primeira metade do século XX não foram mais do que tentativas de realizar as aspirações do século XVIII. A afirmação desse ponto de partida é indispensável para a compreensão sobre os objetivos do Estado e a participação popular explicando também, em boa medida, a extrema dificuldade que se tem encontrado para ajustar a idéia de Estado Democrático às exigências da vida contemporânea. 49 Diferentemente do que ocorreu no século passado, onde havia a clara distinção entre público e privado, hoje, tem se visualizado a necessidade de integração entre o primeiro, o segundo e o terceiro setor50, para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A mentalidade de que o Estado deve ter uma conduta paternalista e assistencialista tem perdido 47 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. São Paulo: Gradiva, 1999, p. 34-35. MORAIS, Jose Luiz Bolzan. Do Direito Social aos Interesses Transindividuais – o Estado e o Direito na ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 75. 49 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 145. 50 Em poucas palavras, o primeiro setor corresponde ao governo; segundo é representado pelas instituições privadas, leia-se, mercado e, por fim, o terceiro formado por organizações sem fins lucrativos e não governamentais, que têm como objetivo gerar serviços de caráter público. 48 29 força; em contrapartida, o ideal de desenvolvimento sustentável a partir da união de esforços entre Estado e iniciativa privada vem cada vez mais ganhando adeptos. Evidentes as alterações sofridas pelo Estado que influenciam tanto o comportamento da sociedade e quanto do próprio Estado para com esta. Assim, uma vez analisada a evolução dos modelos de Estado (Liberal, Social e Democrático de Direito), necessário compreender de que modo se deram as inter-relações entre Direito Público e Direito Privado, a fim de compreender o que é grande dicotomia preceituada por Norberto Bobbio e se ainda há a ela nos dias atuais. 1.2 Desvendando as atuais inter-relações existentes entre o Direito Público e o Direito Privado e compreendendo o papel da interpretação constitucional Em relação à dita crise da distinção acerca do privado e do público, Pietro Perlingieri explica que tal dificuldade existe desde os Romanos, sendo que em determinados períodos prevalece o aspecto público, por vezes, o aspecto privado ao sujeito titular de interesses. Nesse tocante, então, a exemplo do interesse coletivo, o interesse sindical ou até mesmo das comunidades “as dificuldades de traçar linhas de fronteira entre direito público e direito privado aumentam, também, por causa cada vez mais incisiva presença que assume a elaboração dos interesses coletivos como categoria intermediária”.51 Assim sendo, “técnicas e institutos nascidos no campo do direito privado tradicional são utilizados naquele do direito público e vice-versa, de maneira que a distinção, neste contexto não é mais qualitativa, mas quantitativa”52, ou seja, ocorre a análise individual de cada instituto a fim de verificar se nele há predominância do público ou do privado. É, então, com base na ideia de intersecção entre o direito público e o direito privado que será analisada a figura do público não estatal, notadamente no que se refere às instituições de ensino superior comunitárias. O reconhecimento de um espaço público não-estatal tornou-se particularmente importante num momento em que a crise do Estado aprofundou a dicotomia Estadosetor privado, levando muitos a imaginar que a única alternativa à propriedade estatal seria a propriedade privada. A privatização é uma alternativa adequada quando a instituição pode gerar todas as receitas da venda de seus produtos e 51 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil – introdução ao Direito Civil Constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 53. 52 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil – introdução ao Direito Civil Constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 54. 30 serviços e o mercado tem condições de assumir para o público não-estatal. Por outro lado, no memento em que a crise do Estado exige reexame das relações Estadosociedade, o espaço público não-estatal pode exercer um papel de intermediação ou facilitar o aparecimento de novas formas de controle social direto e de parceria, que abrem novas perspectivas para a democracia. 53 Em verdade, o Estado nada mais é que uma criação do homem, em especial daquele que vive em sociedade.54 Na transição da Modernidade55 à Pós-Modernidade, iniciada no século XXI e na relação desta com o Direito, percebe-se a existência de um momento único, onde a imagem está acima do conteúdo, em um momento onde o “efêmero e o volátil parecem derrotar o permanente e o essencial”. Seguindo esta tendência, o constitucionalismo “vive um momento sem precedentes, de vertiginosa ascensão científica e política”.56 É neste momento de volatilidade e efemeridade que os princípios constitucionais invadem novos espaços, eis que se mostram como novas âncoras da sociedade em constante mutação, onde há “uma cultura consumista, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro”. 57 Ora, é nesta sociedade que o Direito tem não apenas de servir de parâmetro para as condutas, mas, principalmente, tem de se mostrar efetivo. O mundo pós-Moderno pode ser conceituado como qualquer coisa, menos como imutável. A pós-Modernidade chegou para ficar e com ela vêm uma gama de incertezas, pois “ela já não é vista como um mero inconveniente temporário, que com o mundo pós-moderno está-se preparando para a vida sob uma condição de incerteza que é permanente e irredutível”.58 53 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da administração pública burocrática à gerencial. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos e SPINK, Peter (Org.). Reforma do Estado e administração pública gerencial. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1998, p. 262. 54 PASOLD, César Luiz. Função social do Estado Contemporâneo. Florianópolis: Diploma Legal, 2001, p.45. 55 “A modernidade nasceu robusta de promessas. [...] A grande promessa foi desde sempre a emancipação humana: social e política. O passado era a referência para que o presente fosse pensado como possibilidades de futuro. Razão e vontade seriam capazes de construir o futuro, localizando o humano no centro e no objetivo do turbilhão de mudanças”. In: FREITAS, Ananias José de. Política e Estetização: perplexidades e caminhos contemporâneos. Caderno de Ciências Sociais, Minas Gerais, n. 09, p. 39, 1999. 56 BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro. In: _____ (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 02. 57 BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro, Zahar, 2003, p. 21-22. 58 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução de Mauro Gama e Cláudia Matinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 121 e 32. 31 Dentro de uma paisagem que se mostra, ao mesmo tempo, complexa e fragmentada, discute-se o desequilíbrio das relações (fruto do poder político e econômico), bem como o papel do Estado, o qual parece não mais cuidar das pequenezas, como os sonhos das pessoas, este Estado também parece ter abandonado o discurso igualitário ou emancipatório. O papel do Estado passa a ser questionado e ele busca soluções através de alterações políticas e das reformas dos Estados, iniciada na década de 80 com Ronald Reagan e Margareth Thatcher. Fato é que “quando a noite baixou, o espaço privado invadira o espaço público, o público dissociara-se do estatal e a desestatização virara um dogma. O Estado passou a ser o guardião do lucro e da competitividade”. No campo do Direito, a lei cai em desprestígio. A grande verdade é que ingressa à pós-modernidade sem ter alcançar o liberalismo, tampouco a modernidade, o País entra no terceiro milênio “atrasado e com pressa”.59 No que diz respeito à complexidade e unicidade do ordenamento jurídico e também o pluralismo de fontes do direito a Constituição assume um papel de coesão, vez que une todo o sistema jurídico, em um momento que há a fragmentação e superespecialização do saber jurídico, a Constituição torna-se uma referência, um porto seguro. Assim, “o controle da legitimidade da lei é, sobretudo controle da legitimidade constitucional relativo não somente ao aspecto procedimental, mas também e principalmente relativo ao conteúdo da lei”.60 O pós-positivismo surge na Europa com o fracasso do nazismo e do fascismo61 na tentativa de romper com o modelo positivista que sustentou estes regimes, atravessa o oceano e algum tempo depois ganha força, no Brasil, com a Constituição Federal de 1988. Trata-se de um sistema que tem suas bases calcadas em valores, em princípios e na supremacia dos direitos fundamentais.62 Assim, o moderno constitucionalismo “promove, uma volta aos valores, uma reaproximação entre ética e Direito [...] esses valores compartilhados por toda a comunidade, em dado momento e lugar, materializam-se em princípios, que passam a estar abrigados na Constituição”. Nesta esteira, o século XXI inicia tendo por base um aparato 59 BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro. In: _____ (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 04-05. 60 PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 02-03. 61 Embora Ana Paula Barcellos e Luís Roberto Barroso defendam esta ideia, historicamente, o pós-positivismo tem início na década de 70. 62 BARCELLOS, Ana Paula de e BARROSO, Luís Roberto. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito brasileiro. In: BARROSO, Luis Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 329. 32 jurídico calcado em um “sistema aberto de valores”. Assim, o pós-positivismo ganha destaque e se baseia na normatividade dos princípios constitucionais.63 A fim de uma melhor compreensão, necessário traçar um paralelo entre positivismo e pós-positivismo. Este tem por base um intérprete que se diz neutro e que se mostra atrelado ao texto legal; o sistema jurídico é tido como completo, razão porque é fechado (unidisciplinar); há uma evidente supremacia legal (normatividade das regras); a interpretação é realizada na esfera da abstração, o processo hermenêutico dá-se através do chamado método subsuntivo/silogístico – onde deve haver uma prevalência do valor segurança; e, por fim, o juiz tem uma postura passiva, eis que age como mero reprodutor da lei. Por sua vez, o pós-positivismo tem uma atitude diferenciada, haja vista que o intérprete adota uma postura construtiva, dando sentido ao que está expresso na lei; o sistema jurídico mostra-se aberto e complexo (interdisciplinar); a Constituição é o núcleo do ordenamento e com ela os princípios constitucionais; a interpretação é realizada no caso concreto; a hermenêutica adota o método ponderativo, onde deve haver uma prevalência da prudência e do valor da justiça; por sua vez, o juiz, desempenha um papel ativo, atuando como produtor do direito e, consequentemente, como transformador da realidade. A Constituição Federal de 1988 é um divisor de águas no ordenamento jurídico, antes dela, o Brasil era “um País que não dava certo”.64 Esta Constituição representa um “marco zero de um recomeço”, que embora não seja uma promessa de final feliz é, evidentemente, um documento que traz muitas esperanças e sobre a qual se desenvolve a ideia de nova interpretação constitucional, interpretação esta que não busca romper com o clássico método subsuntivo, mas sim fazer com que o clássico e o moderno encontrem uma harmonia. Em verdade, é a Constituição Federal de 1988 que fará com que o Brasil comece a enxergar a força do texto constitucional e, consequentemente, a alterar o centro do ordenamento jurídico, ou seja, o ordenamento deixa de ter o Código Civil como eixo central e passa, pouco a pouco, a ter a Constituição como grande norteadora de toda uma nova lógica. 63 BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro. In: _____ (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 28 e 35. 64 BARCELLOS, Ana Paula e BARROSO, Luís Roberto. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito brasileiro. In: BARROSO, Luis Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 329. 33 A Constituição Federal de 1988 traz consigo força normativa suficiente para garantir os subsistemas jurídicos. É ela também que insere no ordenamento jurídico brasileiro a ideia de que todos os demais regramentos devem estar a ela submetidos e recepcionados, sob pena de serem declarados inconstitucionais e é a partir desta Carta Política que a constitucionalização do direito privado ganha respaldo no ordenamento jurídico brasileiro. Indubitavelmente, que a mudança de paradigma advinda com o surgimento da Constituição Federal de 1988, trouxe influências ao direito privado, mudando qualitativamente o sistema clássico de Direito Civil.65 A superioridade hierárquico-normativa do Direito Constitucional impede que o Direito Civil seja tido como um ramo jurídico autônomo. Assim, a toda interpretação constitucional, bem como a interpretação da legislação ordinária conforme a Constituição, leva à concretização dos direitos fundamentais, admitindose sua eficácia nas relações interprivadas.66 As dificuldades de implantação de uma visão constitucional, embora tenham sido amenizadas (no Brasil passou a ocorrer a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988), ainda amargam com alguns resquícios da separação e isolamento dos dois institutos (público e privado), uma, porque a legislação baseada em lastros constitucionais é recente; duas, pelo poder que legislação civilista ainda desempenha no ordenamento jurídico brasileiro. “O Estado Brasileiro, na sua condição de instrumento para a obtenção do Bem Comum, tem de ser competente e capar de se organizar economicamente sob o império do Patrimônio Social da Sociedade que, com sacrifícios, o mantém”.67 A teoria da interpretação jurídica implica numa necessidade de manter coesas a interpretação das leis ordinárias e a interpretação das normas constitucionais. Assim, seja ou não a norma clara, ela deve estar em “conformidade com os princípios e valores do ordenamento e deve resultar de procedimento argumentativo não somente lógico”. Para tanto são necessárias: a) uma unicidade e indivisibilidade entre fato e lei; b) o uso da Constituição tem de ser, no caso concreto, coerente, adequada e razoável; c) não deve haver legitimação de uma violação à legalidade constitucional68 em nome da “cultura oficial”; d) “a passagem da 65 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 11. TUTIKIAN, Cristiano. Sistema e codificação: o código civil e as cláusulas gerais. In: ARONE, Ricardo. (Org.). Estudos de direito civil – constitucional. vol. I. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 21. 67 PASOLD, César Luiz. Função social do Estado Contemporâneo. Florianópolis: Diploma Legal, 2001, p. 54. 68 Muito embora, hoje a Itália seja uma referência na chamada doutrina do direito civil na legalidade constitucional, nem sempre foi assim, pois por tempos não houve um claro distanciamento entre o juiz comum e a Corte Constitucional, bem como não houve uma imediata garantia dos valores constitucionais, especificadamente entre 1956 e 1970. Todavia, no decorrer dos anos 70 esta ideia começa a ser dissolvida, vez que se inicia um de “reconhecimento fundamental do princípio hermenêutico de unidade do ordenamento que 66 34 lei ao direito é um processo contínuo, constituído pelo impacto com a peculiaridade do fato”; e) a solução do problema concreto deve ser buscado na totalidade do ordenamento jurídico, devendo-se respeitar as peculiaridades dos fatos; f) deve haver a formação de juristas que se mostrem aptos na construção de uma jurisprudência avaliativa.69 A interpretação jurídica70 consiste na busca de todo o conteúdo que está contido na norma. “A norma jurídica possui uma dupla face: ao mesmo tempo que é um mandamento impositivo é também uma afirmação de liberdade”. A unificação da Constituição com todo o ordenamento jurídico ocorrerá através da aplicação da norma, esta expressará o que é justo e o que é esperado dentro da lógica de proteção dos direitos e garantias constitucionais.71 A Constituição Federal de 1988 representa a modificação substancial de diversos dogmas, a exemplo da dignidade da pessoa humana que passa a ocupar papel central (ou seja, a propriedade já não é a diretriz do sistema). “O princípio da dignidade exprime a primazia da pessoa humana sobre o Estado”72, fazendo com que a dignidade da pessoa humana passa a permear por todos os sistemas jurídicos. Os Direitos Fundamentais também ganham papel de destaque, até mesmo pela sua posição dentro do texto constitucional. Consequência destas alterações é que os direitos da personalidade passam a ser protegidos no Direito Privado.73 As normas constitucionais sofrem um processo de ascensão e dividem-se, em duas categorias: princípios e regras. A distinção básica entre regras e princípios consiste no fato de que as primeiras serão ou não obedecidas, ao passo que os últimos poderão ter sua satisfação assegurada em diferentes níveis, ademais, aqui a satisfação depende tanto de possibilidade tem os preceitos constitucionais no topo”. Nos anos 80 tem início uma nova fase, onde o juiz comum é chamado ao enfrentamento das questões constitucionais, não devendo, então remetê-las à Corte. Por fim, a fase que compreende os anos 90 até os dias atuais, dá sinais de superação de posicionamento divisórios, eis que a aplicação da lei decorre de uma combinação da legislação infraconstitucional com a legislação constitucional. PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Temas de Direito Civil. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 06-08. 69 PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Temas de Direito Civil. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 03-04. 70 Peter Häberle esclarecerá que “a teoria da interpretação constitucional tem colocado até aqui duas questões essenciais: - a indagação sobre as tarefas e os objetivos da interpretação constitucional, e – a indagação sobre os métodos (processo da interpretação constitucional e regras de interpretação)”. In: HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição – contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1997, p. 11. 71 DERANI, Cristiane. Direto ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 22-27. 72 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 87. 73 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 03-47. 35 fática quanto jurídica, tratam-se, em verdade, de mecanismos de otimização.74 Dentro desta sistemática, a colisão de princípios não apenas é possível, como integra a lógica dialética do sistema. A colisão é solucionada através da ponderação de valores, trata-se da técnica através da qual se busca estabelecer o peso de cada princípio contraposto. A constitucionalização do Direito Privado pode ser abordada sob duas diferentes óticas. A primeira refere-se a muitos institutos que eram tratados somente pelo Direito Privado passaram a fazer parte das constituições, ou seja, passa a ver uma relevância constitucional nas relações privadas75. A segunda, diz respeito às consequências, no âmbito privado, de uma gama de princípios constitucionais pelo que se chama constitucionalização do Direito Civil, assim, a interpretação normativa deve sempre ocorrer em conformidade com a Constituição, a fim de seja dada maior eficácia aos direitos fundamentais. Cabe frisar que o legislador infraconstitucional também deve obedecer aos princípios constitucionais, sempre que for editar uma norma.76 Hoje, o entrelaçamento das diferentes estruturas parece cada vez maior e mais evidente, ao contrário do que pregava o projeto oitocentista, essencialmente dicotômico, onde “cosmos e taxis, natureza e cultura, economia e política, sociedade civil e Estado”, apresentavam em lados distintos, onde não se confundiam, eis que sequer se misturavam. Assim, necessário frisar que “a divisão dicotômica apresentou-se como necessidade na construção do Estado liberal oitocentista”.77 Acerca da interpretação constitucional, Peter Häberle78 propõe a adoção de uma hermenêutica constitucional adequada à sociedade pluralista, também chamada de sociedade 74 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 90-92. 75 No Brasil, o conflito ocorre a partir da ótica de um Código Civil (CC 1916) que abrangia a completa ordenação dos atos e fatos atinente à pessoa humana e, portanto, reputava-se ao mesmo a condição de eixo do sistema. Inegável que mesmo com o advento da Constituição de 1988, esta ideia de auto-suficiência permanece arraigada por um bom período, encontrando resistência por parte de alguns operadores do Direito. Fazendo uma análise historicista, verifica-se que faz pouco que a interpretação constitucional começa a ganhar força e espaço. In: LORENZETTI, Ricardo Luiz. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 43. 76 FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ivo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 35-39. 77 MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e solidariedade social entre cosmos e taxis: a boa-fé nas relações de consumo. In: ______. (Org.). A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 616623. 78 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição – contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1997. 36 aberta. Assim, a ampliação do círculo de intérpretes é tão-somente uma consequência da necessidade de integrar a realidade ao processo de interpretação. Nesta esteira, a interpretação constitucional deve, em um primeiro momento, questionar qual será a sua tarefa e quais os seus objetivos, e, após, perguntar qual método será utilizado para tanto, contudo, deve-se considerar, que por muito tempo a norma foi interpretada por uma sociedade fechada, aqui a interpretação era realizada, basicamente, pelo magistrado em procedimentos formais, ideia que perdurou até pouco tempo mas que vem sendo transformada, embora não de modo pleno. Portanto, aqueles que vivem a norma devem interpretá-la ou ao menos co-interpretá-la, sob a égide da democracia, de modo consciente e intencional, para tanto é necessária a compreensão da norma, para que depois ela possa ser explicitada, só a partir de então, é possível falar no método utilizado para tanto. Em verdade, a interpretação aberta, possibilita uma maior atuação do cidadão, bem como produz a vinculação à interpretação constitucional. Logo, deve haver pluralidade tanto no processo de formação quanto no desenvolvimento (a posteriori), o que acarreta uma simbiose entre Estado e sociedade, possibilitando, assim, o fortalecimento da democracia. Ademais, aqui os porquês devem ser suscitados justamente para que se fortaleça a teoria da constituição. Após, deve haver a sistematização, que vai instigar um ciclo de novas indagações. Todavia, esta sistematização necessita tanto do envolvimento daqueles que desempenham as funções estatais (Executivo, Legislativo e Judiciário), como dos participantes que não integram os órgãos do Estado (partes diretamente atingidas, auxiliares como peritos e pareceristas, por exemplo), da sociedade como um todo (igrejas, teatro, associações) e, ainda, da doutrina constitucional, que desempenha um importante papel.79 As normas constitucionais e os princípios, estes repletos de carga valorativa são supremos e como tal, devem ser respeitados, até mesmo em decorrência do “princípio geral da legalidade que assim exige”. Neste panorama, é evidente que as normas constitucionais não podem assumir o simples papel de seres limites ou impedimentos à lei ordinária, também não podem representar um simples suporte hermenêutico. Como “principais pressupostos teóricos da doutrina do direito civil na legalidade constitucional”, Pietro Perlingieri 80 cita: a) a 79 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição – contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1997. 80 PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 01- 02. 37 natureza normativa da Constituição; b) a complexidade e unicidade do ordenamento jurídico e também o pluralismo de fontes do direito; c) teoria da interpretação constitucional. A expressão ‘revisão dos institutos de Direito Civil à luz da Constituição’ ainda que com certa dose de ambiguidade, visa destacar não só que o objeto da interpretação com fins aplicativos seja o dispositivo infraconstitucional [...] mas também que o objeto da interpretação são as disposições infraconstitucionais integradas às normas constitucionais.81 Eugênio Facchini Neto82 refere que a publicização do direito privado e a privatização do direito público são, em verdade, fenômenos decorrentes da tendência de convergência entre as duas esferas, o público e o privado. Como principal indicativo deste movimento de deslocamento do direito privado em direção ao público tem-se, então, a funcionalização de diversos institutos típicos do direito privado (propriedade, empresa, contrato, família). Decorre daí que a intervenção que reduz o campo da autonomia privada, o que, pela doutrina é chamado de publicização do direito privado. Em outras palavras, há uma releitura do direito civil à luz da Constituição, a fim de que haja a proteção da dignidade humana em face dos valores patrimoniais, ou seja, o ser humano passa a ocupar o centro do ordenamento jurídico. Em verdade, o fenômeno de descodificação tem inicio quando se percebe a insuficiência do Código Civil para regular determinadas relações privadas. O Direito mostra que seus conceitos científicos da neutralidade e da objetividade são meras ficções. No campo do Direito “a moderna dogmática jurídica já superou a ideia de que as leis possam ter, sempre e sempre, sentido unívoco, produzindo uma única solução adequada para cada caso”. Assim, a dita objetividade do Direito, dentro de suas possibilidades, encontra-se no conjunto de possibilidades interpretativas que podem surgir em decorrência da análise da norma que o relato da norma oferece. Em verdade, a ideia de que o Direito é uma invenção humana na tentativa de solucionar conflitos não passa de um mito. 83 Do mesmo modo que o Estado é fruto de um processo de avanços e retrocessos, a sociedade civil encara um longo processo até chegar ao que hoje se conhece. A sociedade civil pode ser vista, em um primeiro momento, tanto quanto uma oposição ao mercado quanto 81 PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Revonvar, 2005, p. 02. 82 FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 26-32. 83 BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro. In: _____ (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 09. 38 ao Estado, (neste caso, por vezes, pode ser vista como uma aliada). Contudo, em um momento seguinte, a sociedade civil passa a ser encarada como uma terceira dimensão da vida pública, que se diferente do mercado e do governo, mas que não representada um campo de batalha entre tais esferas, mas um local onde cresce a ideia de solidariedade.84 Muito embora não haja uma definição clara do que seria a “sociedade solidária” é evidente que ela necessita de uma superação de uma visão/conduta individualista, que muitas vezes esta dicotomia é enfraquecida, fazendo com que os termos acabem se entrelaçando.85 Nesse cenário, compete ao juiz a aplicação (e interpretação) dos princípios e normas constitucionais. As normas constitucionais e os princípios, estes repletos de carga valorativa são supremos e como tal, devem ser respeitados, até mesmo em decorrência do “princípio geral da legalidade que assim exige”. Neste panorama, é evidente que as normas constitucionais não podem assumir o simples papel de seres limites ou impedimentos à lei ordinária, também não podem representar um simples suporte hermenêutico. No que diz respeito à complexidade e unicidade do ordenamento jurídico e também o pluralismo de fontes do direito a Constituição assume um papel de coesão, vez que une todo o sistema jurídico, em um momento que há a fragmentação e superespecialização do saber jurídico, a Constituição torna-se uma referência, um porto seguro.86 O enfraquecimento da ideia de distinção entre os sistemas, público e privado, decorre até mesmo do fato de a vida social ter sido assolada por uma complexidade sem fim, fazendo com que as situações previstas no Código não fossem mais, sozinhas, capazes de atender às demandas da população. E, nesta complexidade, as barreiras que diferenciam um sistema de outro passam a ter limites muito tênues. Nesse sentido, Pietro Perlingieri ensina que: [...] a supremacia do direito e da política sobre o mercado e sobre a economia representa e epifania do direito civil. [...] A mesma contraposição de privado e público se enfraquece que determina uma nova composição dos institutos e das instituições reavivados pela igualdade e pela diferenciação, mas sobretudo pela solidariedade como função primária de um Estado moderno. 87 84 VIEIRA, Liszt. Cidadania e controle social. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 235 85 MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e solidariedade social entre cosmos e taxis: a boa-fé nas relações de consumo. In: __________ (Org.). A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 621. 86 PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 02-03. 87 PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 05-06. 39 Hoje, portanto, verifica-se uma análise do Direito através de um novo ângulo, de uma nova ótica, a propriedade, por exemplo, passou a ser analisada a partir de sua função social. Os contratos pactuados são analisados não apenas com base no direito civilista, mas com base em uma série de elementos que o circundam, tendo, sempre, como ponto inicial a Constituição Federal e as garantias ali asseguradas. Os direitos, portanto, não mais são vistos de modo isolado, como se estivessem em um sistema paralelo há sim, uma unicidade do Direito. No âmbito jurídico, é revelada uma crise tanto no direito posto quanto na maneira como ele tradicionalmente costuma ser interpretado e convida à realização de uma nova visão, a fim de que haja uma revisão dos postulados clássicos que foram incorporados quando do surgimento do Estado Liberal e também do Estado Social. Portanto, é com base neste contexto de alteração Estatal e nesta nova concepção de papeis, onde não mais há uma evidente distinção do público e do privado, o campo fértil ao surgimento de uma nova figura, chamada público não estatal, “presumidamente poderá no século XXI constituir-se numa dimensão-chave da vida social”.88 O processo de ampliação do setor público não-estatal ocorre a partir de duas origens: de um lado, a partir da sociedade, que cria continuamente entidades dessa natureza; de outro, a partir d Estado, que nos processos de reforma deste último quartel do século vinte, se engaja em processos de publicização de seus serviços sociais e científicos.89 Luiz Carlos Bresser Pereira90 trata da dualidade do Direito e do hábito de realizar classificações, de um modo reducionista, em público – quando voltado ao interesse geral, ou privada – quando atende aos interesses dos indivíduos e de suas famílias. Todavia, o público não pode ficar limitado à concepção de estatal, vez que o público é bem mais abrangente que o estatal, tampouco as fundações e associações sem fins lucrativos não podem ser denominadas privadas. Daí a afirmação de que uma fundação91 muito embora regida pelas normas do Código Civil e não pelas de Direito Administrativo, deve ser tida como instituição pública, vez que atende aos interesses gerais. 88 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal. In: ______. (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 16 89 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal. In: ______. (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 28. 90 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal. In: ______. (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 25-27. 91 Em princípio todas as organizações sem fins lucrativos são ou devem ser públicas não estatais. In: BRESSER PEREIRA, Luiz C. A reforma do estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997, p. 26. 40 A criação de um espaço público não estatal rompe com a concepção de que a propriedade, por exemplo, limita-se à possibilidade de ser pública ou privada, até porque ante à crise do Estado que se apresenta aos olhos de todos, necessário se faz um reexame das relações existentes entre Estado e sociedade, razão pela qual o público não estatal pode tomar formas de um espaço que propicia a intermediação e que facilita o nascimento de modelos de controle social direto e de parceria, elementos que possibilitam novas esperanças à democracia.92 A introdução do público como uma terceira dimensão, que supera a visão dicotômica que enfrenta de maneira absoluta o estatal com o privado, está indiscutivelmente vinculada à necessidade de redefinir as relações entre Estado e sociedade. O público, no Estado não é um dado definitivo, mas um processo de construção, que por sua vez supõe a ativação da esfera pública social em sua tarefa de influir sobre as decisões estatais.93 Sob a ótica do aperfeiçoamento da democracia representativa94, percebe-se a importância do público não estatal em razão dos instrumentos de participação postos à disposição dos cidadãos para a tomada de decisões dos ditos assuntos públicos. “Ao apoiar, fortalecer e incluir as autênticas iniciativas da sociedade civil na lógica das políticas públicas, o Estado fortalece o senso de cidadania e estimula o capital social no país, inibido pela tradição autoritária da política brasileira”.95 O reconhecimento do chamado público não estatal ganha importância à medida que a crise estatal aprofunda a dicotomia Estado versus setor privado, desta maneira, o público nãoestatal tanto pode ocorrer através da privatização – onde o mercado assume a coordenação das 92 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da Administração Pública Burocrática à Gerencial. Revista do Serviço Público, ENAP, Brasília, n.1 jan/abr–1996. Disponível em: <www.enap.gov.br>. Acesso em 02 nov.2010. 93 CUNILL GRAU, Nuria. La Rearticulación de lás relaciones Estado-sociedad: em busqueda de nuevos sentidos. In: Revista del Clad – Reforma y Democracia, n. 4, julho 1995, p. 31-32. 94 “Democracia é conceito histórico. Não sendo por si um valor-fim, mas meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem, compreende-se que a historicidade destes a envolva na mesma medida, enriquecendo-lhe o conteúdo a cada etapa do evolver social, mantido sempre o princípio básico de que ela revela um regime político em que o poder repousa na vontade do povo. Sob esse aspecto, a democracia não é um mero conceito político abstrato e estático, mas é um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história”. In: SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2009, p.126 “Parceria, consenso e diálogo andam dialeticamente de mãos dadas com o enfrentamento, a dissensão e o conflito. Democracia é saber trabalhar estas dimensões numa relação entre aparato estatal e sociedade civil em que a identidade destes seja preservada e a autonomia da segunda estimulada diante de uma história opressora, autocrática, paternalista e assistencialista do Estado brasileiro”. In: LOUREIRO, Carlos Frederico B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem política. Rio de Janeiro; São Paulo: Quartet, 2006, p. 142. 95 SCHMIDT, João Pedro. O caráter público não-estatal da universidade comunitária: aspectos conceituais e jurídicos. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, v. 29, 2008, p. 50. 41 atividades ou através de uma nova relação entre Estado-sociedade, onde são estabelecidas parcerias e intermediações, tanto num quanto em outro caso se vê a formação do espaço público não estatal, que pode ser conceituado como um conjunto de “organizações ou formas de controle ‘públicas’ porque voltadas ao interesse geral; são ‘não-estatais’ porque não fazem parte do aparato do Estado, seja por não utilizarem servidores públicos, seja por não coincidirem com os agentes políticos tradicionais”.96 Os conceitos tanto de sociedade civil quanto de setor público não estatal são amplos e alcançam um grande número de organizações, que, todavia, não se confundem com o Estado, com a economia ou com outros sistemas de funções sociais, vez que continuam atrelados às estruturas privadas.97 A partir do Estado Social e do Estado Democrático de Direito não mais há uma nítida distinção entre o público e o privado. Assim, próximo ao final do século XX, inclusive no Brasil, o Estado passa a assumir um novo papel, de gestor dos problemas públicos, delegando determinados serviços à iniciativa privada ou, ainda, intervindo através de empresas públicas desburocratizadas. Vislumbra-se, então o enfraquecimento da ideia de que apenas o Estado tem o dever de assegurar os direitos sociais, assim, o chamado terceiro setor98 passa a ocupar alguns espaços deixados pelo Estado. A rígida distinção entre público e privado parece, então, estar diante de um novo paradigma, em razão do debate acerca de uma nova espécie de pessoa jurídica, intitulada pública não estatal. Hoje, como se sabe, os dados da equação dicotômica foram alterados. Nas democracias contemporâneas, o Estado não é instância alheia à sociedade, está sujeito à dinâmica dos movimentos sociais, responsabilizando-se pelas condições da vida coletiva. Mudada a compreensão do papel do Estado e a sua articulação com a sociedade civil, a Constituição passou a ter, desde a segunda metade do século XX, fundamentalmente modificado o seu modelo. De mero conjunto de normas de organização da estrutura política do Estado, passa a receber, positivamente, as declarações dos direitos humanos, acresce-lhes outros, direitos sociais e direitos 96 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal. In: ______. (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 16-26. 97 DIAS, Maria Tereza Fonseca. Terceiro setor e Estado: legitimidade e regulação. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 96. 98 Segundo Marlon Tomazette, o terceiro setor é formado por entidades privadas, que não possuem fins lucrativos, ou seja, fins econômicos. O autor também refere que é neste setor que se encontram as instituições de privadas de caráter público, que desempenham funções do primeiro setor, definido como “o Estado e seus vários braços”, suprimindo a ineficácia deste. Cabe ainda, elencar o conceito trazido por José Eduardo Sabo Paes, que caracteriza o terceiro setor como sendo “aquele que não é nem público nem privado, no sentido convencional desses termos; porém guarda uma relação simbiótica com ambos, na medida em que deriva sua própria identidade da conjugação entre a metodologia deste com a finalidade daquele”. TOMAZETTE, Marlon. A forma jurídica das entidades do terceiro setor. In: CARVALHO, Marcelo; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Org.). Aspectos jurídicos do terceiro setor. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 205. 42 difusos, renomeia-as sob o título de direitos fundamentais, soma-lhes garantias, também ditas fundamentais, traz para o seu corpus matérias de direito privado e arrola valores e objetivos e deveres, imputando a sua implementação tanto ao Estado quanto à sociedade. Mais do que tudo, a Constituição passa a colimar fins de ordem política, econômica, social, a implementar políticas, “normas-objetivo”, fins que vinculam o Estado e a comunidade.99 Essas ações geram uma série de consequências, quais sejam: a pessoa humana e a sua dignidade passam a ocupar um papel central no ordenamento jurídico, gerando, assim, uma certa despatrimonialização do direito. “A supremacia do direito e da política sobre o mercado e sobre a economia representa e epifania do direito civil”. À medida que resta enfraquecida a contraposição entre público e privado, necessária uma composição diferenciada tanto dos institutos quanto das instituições que são estimulados pela busca da igualdade e da diferenciação, mas em especial da solidariedade enquanto função primordial do Estado Moderno (em especial do dito Estado Democrático de Direito).100 Finalmente, compete ao juiz a aplicação (e interpretação) dos princípios e normas constitucionais. Portanto, ao passo que no Estado Social “o público avançara sobre o privado, agora ocorre o fenômeno inverso, com a privatização do público. Público e privado cada vez mais se confundem e interpenetram, tornando-se categorias de difícil apreensão neste cenário de enorme complexidade”.101 As barreiras que separavam um do outro por tantos anos, dão espaço a um terreno que entrelaça público e privado. Todos os elementos aqui suscitados geram, no âmbito jurídico, uma crise tanto no direito posto quanto na maneira como ele tradicionalmente costuma ser visualizado/interpretado, o que leva à realização de uma nova interpretação, sob o viés constitucional, a fim de que haja uma revisão dos postulados clássicos que foram incorporados quando do surgimento do Estado Liberal e também do Estado Social. As complexidades da atualidade, as mutações do formato adotado pelo Estado, a proximidade cada vez mais visível entre Direito Público e Direito Privado, a necessidade de uma interpretação constitucional que considere todos os elementos presentes na atualidade (que são muitos ), não apenas darão espaços a novas figuras e possibilidades como também 99 MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e solidariedade social entre cosmos e taxis: a boa-fé nas relações de consumo. In: ______. (Org.). A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 624. 100 PERLINGIERI, Pietro. A doutrina do Direito Civil na legalidade constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 05. 101 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 34. 43 abrirão caminho a discussões permeadas de novos subsídios, dando outras visões a questões que pareciam sedimentadas, a exemplo da grande dicotomia preceituada por Norberto Bobbio. 1.3 As novas inter-relações entre Estado e sociedade civil: da crise à incorporação de um novo papel As relações humanas, de um ou de outro modo, sempre foram objeto de análise. Por tempos, houve um nítido distanciamento da sociedade (sujeito) e do Estado. Contudo, a partir do momento em que se vislumbra a impossibilidade de o Estado atender a tantas demandas existentes, os movimentos da sociedade se iniciam, na tentativa de buscar soluções aos tantos problemas enfrentados. Assim, a sociedade abandona a conduta passiva e passa a agir de modo pró-ativo. “A redefinição das relações entre o Estado, a sociedade e o mercado projetase como um dos grandes desafios conceituais e políticos para a mudança do século”102, e esta redefinição que é o foco a ser aqui analisado.103 A crise do Estado gerará uma nova relação entre Estado e sociedade, onde haverá não apenas uma redefinição do papel desempenhado por ambos, mas também serão gerados reflexos a eles. Contudo, para compreender esta nova relação faz-se necessário compreender o papel da sociedade civil e o contexto em que se dá a crise que assola o Estado. A reconstrução, ou a redescoberta, da sociedade civil diz respeito a um novo arranjo societário a ser dado aos principais sistemas sociais – o Estado e o mercado – e supõe que não possa mais subsumir o público ao estatal, como ocorreu no período da modernidade e nos paradigmas do direito formal burguês (Estado Liberal) e do direito materializado do Estado social (Estado de Bem-Estar Social).104 Hoje, a simples ideia de estatização e/ou privatização, não tem se mostrado suficiente para resolver os problemas enfrentados pelo Estado, daí a necessidade de buscar alternativas. Isso requer a redefinição de fronteiras entre o Estado e a sociedade, subjacente ao debate 102 VELÁSQUEZ, Fabio E. A Observadoria cidadã na Colômbia em busca de novas relações entre o Estado e a sociedade civil. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 257. 103 “Numa primeira aproximação pode-se dizer que a sociedade civil é o lugar onde surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos, que as instituições estatais têm o dever de resolver ou através da mediação ou através da repressão. [...] Nas mais recentes teorias sistêmicas da sociedade global, a sociedade civil ocupa o espaço reservado à formação das demandas [...] que se dirigem ao sistema político e às quais o sistema político tem o dever de responder [...]: o contraste entre sociedade civil e Estado põe-se então como contraste entre quantidade e qualidade das demandas e capacidade das instituições de dar respostas adequadas e tempestivas.”. In: BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade – para uma teoria geral da política. 4. ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001, p. 37. 104 DIAS, Maria Tereza Fonseca. Terceiro setor e Estado: legitimidade e regulação. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 95. 44 sobre o público não estatal. É fato que “indivíduo e Estado são indissociáveis; os fenômenos de massificação social acompanham o movimento de atomização social. Não são contraditórios, mas logicamente complementares. O laço social liga essas duas extremidades”105. Dentro das mutações e complexidades enfrentadas, tem-se que atualmente se busca uma inter-relação entre Estado, mercado e sociedade civil, na tentativa de “construir juntos uma sociedade melhor”.106 Se o Estado de Direito tem suas raízes calcadas na limitação do poder do soberano na relação com seus súditos, o Estado Democrático de Direito, a relação vai além da limitação de poder, à medida que não busca apenas compreender o modo como a sociedade civil defendese do Estado, mas de como esta sociedade civil utiliza mecanismos de defesa em relação a outras pessoas, a exemplo do que ocorre na relação entre minorias e maiorias, onde mesmo em um campo de conflitos, há respeito às opiniões divergentes mesmo em campo de opiniões dominantes. Assim sendo, “espera-se do sistema jurídico que imponha tratamento isonômico, não discriminatório, e que regule as formas devoradoras de opressão, ou todas as foram de opressão, as formas dissimuladas da guerra de todos contra todos”.107 A relação entre Estado e sociedade civil é vital à mantença da própria sociedade, tal relação, ao longo da história, passa de uma fase de progressiva tolerância a uma fase onde se exige a participação “de modo que, hoje, são poucos os que admitem um comportamento omissivo do Estado frente ao encaminhamento e à solução dos grandes problemas sociais”.108 Nesse contexto historicista, percebe-se que o século XXI tende a ser caracterizado exatamente em razão do entrelaçamento das esferas e não mais pelo distanciamento entre elas. A interrelação entre Estado e sociedade é necessária “porquanto se reconhece sua dependência mútua, uma vez que nenhum ator detém todo o conhecimento e informação necessários para 105 ROSANVALLON, Pierre. A Crise do Estado Providência. Tradução de Joel Pimentel de Ulhôa. Goiânia: UnB, 1997, p. 85-87. 106 BARROS NETO, João Machado de. Parcerias Público-Privadas: um enfoque gerencial. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol e ANDRADE, Rogério Emílio (Coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Editora MP, 2006, p. 111. 107 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. Saraiva: São Paulo, 2002, p. 90. 108 PASOLD, César Luiz. Função social do Estado Contemporâneo. Florianópolis: Diploma Legal, 2001, p. 4344. 45 resolver problemas complexos, dinâmicos e diversificados”.109 Hoje, “o setor público nãoestatal é o espaço da autonomia, da construção da sociedade civil e da cidadania”.110 A sociedade civil é, assim, um fenômeno histórico que resulta do processo de diferenciação social. A emergência e a invenção da sociedade civil permitiriam que, gradativamente, regimes autoritários passassem a ser substituídos por regimes democráticos. [...] A sociedade civil, entendida como a sociedade que, fora do Estado, é politicamente organizada, passa a ser ator fundamental que, nas democracias contemporâneas, está, de uma forma ou de outra, promovendo as reformas institucionais do Estado e do mercado.111 O espaço de deliberação entre os agentes sociais que procuram um maior desenvolvimento da própria sociedade é o traço característico da sociedade civil, que, uma vez posta ao lado do Estado, acaba por convergir para o desenvolvimento de pontos e setores estratégicos da própria sociedade, tais como saúde e educação. 112 Este entrelaçamento configura, “uma verdadeira relação, um vínculo profundo entre o Estado e a iniciativa privada, muito diferente das privatizações, pois nestas o Estado se limitou, basicamente, à regulação e à supervisão das atividades desenvolvidas pelo setor privado”.113 A força da sociedade civil está diretamente relacionada à força do Estado e é considerado forte o Estado dotado de governança e de governabilidade político- 109 LEVY, Evelyn. Controle social e controle de resultados – um balanço dos argumentos e da experiência recente. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 389. 110 BARRETO, Maria Inês. As organizações sócias na reforma do Estado brasileiro. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 145. 111 PIOVESAN, Flávia; BARBIERI, Carla Bertucci. Terceiro setor e direitos humanos. In: CARVALHO, Marcelo; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Org.). Aspectos jurídicos do terceiro setor. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 76. 112 “Nos Estados Unidos, contudo, essa evolução do provincianismo ao centro da economia mundial não se fez contra a autoridade do Estado, mas, ao contrário, contou positivamente com ela, com sua força agregadora e catalisadora e, justamente pelo fato de não haver antagonismo entre Estado e sociedade civil, estabeleceu-se um relacionamento muito mais funcional entre a autoridade e os cidadãos, a partir de elementos que já estavam dados desde a independência americana. [...] O caso brasileiro é ainda mais problemático, considerando-se que além dos problemas próprios do modelo de autoridade centralizada, do lado da sociedade não se chegou a um patamar de cidadania, o que faz com que, em termos de funcionalidade, se esteja num estágio comparável ao de certas nações européias no fim do século XVIII [...]. A transposição do modelo federal dos Estados Unidos pra o Brasil na Constituição republicana ou do modelo das agências, um século depois, padecem do mesmo problema, na medida em que não se pode transpor a relação subjacente, entre autoridade e liberdade, entre governo e cidadania, entre Estado e sociedade”. In: BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. Saraiva: São Paulo, 2002, p. 85-87. 113 BARROS NETO, João Pinheiro de. Parcerias Público-Privadas: um enfoque gerencial. In. PAVANI, Sérgio Augusto Zampol e ANDRADE, Rogério Emílio de. (Coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP Editora, 2006, p. 111-112. 46 democrática114. Um não precisa ser fortalecido às custas do outro, o que se busca é uma reconstrução do Estado a partir da sociedade civil, no intuito de fortalecer a democracia, pois evidente que a sociedade civil propicia um amplo campo que se propõe ao debate tanto do papel a ser desempenhado por um quanto pelo outro. “Família, sociedade civil e Estado são manifestações, que não se anulam entre si, manifestações de uma mesma realidade, a realidade do homem associando-se a outros homens”.115 [...] o primado do público significa o aumento da intervenção estatal na regulação coativa dos comportamentos dos indivíduos e dos grupos infra-estatais, ou seja, o caminho inverso ao da emancipação da sociedade civil em relação ao Estado, [...] Com o declínio dos limites à ação do Estado, [...], o Estado foi pouco a pouco se reapropriando do espaço conquistado pela sociedade civil burguesa até absorvê-lo completamente [...]. Dessa reabsorção da sociedade civil pelo Estado, [...] representa simultaneamente a tardia tomada de consciência e a inconsciente representação antecipada [...] história em que são julgadas épocas de decadência [...] em que se manifesta a supremacia do direito privado, tais como a idade imperial romana [...] e a idade feudal [...]. Ao contrário, épocas de progresso são aquelas em que o direito público impõe a revanche sobre o direito privado, tal qual como a idade moderna [...].116 Não é possível confundir a sociedade civil com a sociedade política de partidos, organizações políticas e afins. A primeira caracteriza-se por representar tão-somente uma das esferas que compõe “o mundo sociológico de normas, práticas, papeis, relações competências ou um ângulo particular de olhar este mundo de ponto de vista da construção de associações conscientes vida associativa, auto–organização e comunicação organizada”. Todavia, esta esfera possui extrema importância, haja vista que é a sociedade civil que representa e que apesar de encontrar limitações, é parte que possui maior amplitude no campo “social” ou no “mundo da vida”.117 A sociedade civil é uma impulsionadora de manifestações democráticas, um espaço de discussões políticas e deliberação de ideias sobre as necessidades e as reivindicações da sociedade perante o Estado. Tal espaço característico da sociedade civil permite a atuação de determinados organismos sociais, que formados pela vontade de uma comunidade prestam um serviço de caráter público, nas áreas da saúde, da educação e entre outros diversos meios sociais. “Uma estratégia global de desenvolvimento deve ter por base dois elementos 114 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Sociedade civil: sua democratização para a reforma do estado. In: BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; WILHEIM, Jorge; SOLA, Lourdes (Org.). Sociedade e estado em transformação. São Paulo: UNESP/ENAP, 1999. p. 91-92. 115 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 21. 116 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade – para uma teoria geral da política. 4. ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001, p. 25. 117 VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 7. ed. Record, São Paulo: 2004, p. 45-46. 47 fundamentais: a participação ativa dos cidadãos, voltada para a ação local, e uma parceria entre Estado, mercado e sociedade civil”.118 Para além dos espaços entre Estado e mercado estão as associações da sociedade civil que atuam como formadoras de opinião pública. A distinção destas associações dos “grupos de interesse” reside no fato de estes restarem caracterizados pela lógica dos interesses privados específicos, a exemplo do que ocorre com os sindicatos e com alguns órgãos de representação empresarial. Falar em sociedade civil não significa falar em sociedade, tais expressões não são sinônimas, pois aquela pressupõe uma maneira de pensar a sociedade, segundo uma perspectiva de igualdade de direitos, de autonomia para participar, ou seja, a idéia de sociedade civil está diretamente atrelada à ideia de “direitos civis, políticos e sociais de cidadania”. 119 O modelo que representa uma menor centralização no Estado tem por foco, mecanismos que representam uma cidadania menos centrada na força do Estado, trata-se de um espaço representando por “família, comunidade e associações voluntárias, [...] mas essas fontes informais de bem estar social têm importantes limitações, que precisam ser identificadas e pesquisadas”. 120 As entidades de cunho “não-governamental, não-mercantil, não-corporativo e não-partidário, podem assumir um papel estratégico quando se transformam em sujeitos políticos autônomos e levantam a bandeira da ética, da cidadania, da democracia” 121 e de um modelo de desenvolvimento capaz de gerar a inclusão social. Desde a década de 60, percebe-se a capacidade de articulação e mobilização da sociedade civil, até mesmo em razão da carência de políticas públicas capazes de atender as demandas existentes, determinando um crescimento de associações civis, ONGs e atividades de voluntariado, sendo elas focadas na proteção dos interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, não atendidos pelo Estado. Estes elementos alteram de modo profundo o perfil da sociedade e até mesmo da relação desta com o Estado, eis que são criadas mais vias de 118 VIEIRA, Liszt. Cidadania e controle social. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 241. 119 VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 7. ed. Record, São Paulo: 2004, p. 61-63. 120 ROBERTS, Bryan R. A Dimensão Social da Cidadania. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n. 33, fev. 1997, p. 15. 121 VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 7. ed. Record, São Paulo: 2004, p. 66. 48 comunicação destinadas à definição de pautas de gestão não apreciadas pela política oficial.122 Contudo, as políticas sociais vigorantes no Brasil até os anos 80 excluíam a sociedade civil do processo de formulação das ditas políticas, bem como da “implementação dos programas e do controle da ação governamental. [...] é preciso ter em mente, no entanto, que havia, no padrão estabelecido, mecanismos de articulação entre Estado e Sociedade”. 123 No panorama teórico e político, a ideia de sociedade civil ressurge nos anos 80124 e no decorrer dos anos 90, as propostas de atuação estatal e da sociedade restam redefinidas e as ideias de descentralização são ressaltadas, bem como o conceito de ação que é enfatizado, assim como a busca por novas modalidades de interação entre a sociedade civil e o mercado, o que pressupõe o envolvimento e a participação de ONGs, da comunidade e do setor privado no fornecimento de serviços públicos. As novas configurações de gestão nas organizações estatais buscam dar uma nova agilidade, eficiência e efetividade prestação dos serviços, a fim de superar rigidez decorrente da burocratização de procedimentos e da excessiva hierarquia dos processos decisórios.125 No Brasil, é a partir dos anos 90, com o retorno da democracia que a “sociedade civil passou a vislumbrar novas formas de expressão política”126, a aproximação entre Estado e sociedade civil é intensificada com a Constituição Federal de 1988. A democratização no País deu-se como um longo procedimento que buscou compatibilizar o modo de operação das instituições políticas e dos valores da sociedade dita democrática. Assim, busca-se equacionar a relação entre estas duas distintas culturas políticas, a “semidemocrática e predominante no nível do sistema e das instituições políticas; e outra democrática, predominante no nível do mundo da vida e da sociedade civil”.127 122 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 71. 123 FARAH, Marta F. S. Parcerias, novos arranjos institucionais e políticas públicas no Brasil. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 18, 2000, p. 07-08. 124 VIEIRA, Liszt. Cidadania e controle social. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 221. 125 FARAH, Marta F. S. Parcerias, novos arranjos institucionais e políticas públicas no Brasil. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 18, 2000, p. 15. 126 SILVA, Carla Almeida. Os fóruns temáticos da sociedade civil: um estudo sobre o fórum nacional da reforma urbana. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 143. 127 AVRITZER, Leonardo. Cultura política, atores sociais e democratização: uma crítica às teorias da transição para a democracia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n. 28, jun/1995, p. 118-119. 49 As instituições sociais são fruto de uma formação artificial e não possuem a mesma linearidade presente nos processos naturais, trata-se de uma “variação do sistema conceitual, patentea-se uma nova relação entre Indivíduo/Sociedade Civil/Estado, que se alicerça numa concepção de homem e de Estado”, assim sendo, não é apenas o homem que produz de modo isolado as formas sociais de vivência, mas a sociedade que busca produzir as organizações. As concepções contemporâneas apontam a uma convergência que leva à ideia de que o Estado é uma má organização que deve ser controlada por organismos surgidos no seio da sociedade civil; uma outra posição aponta os indivíduos, de modo isolado ou analisados em grupo, como maus e como tais devem ser controlados pelo poder emanado do Estado.128 É através de lutas nascidas em espaços ecumênicos, de movimentos sociais, de ONGs e entidades de classe, que a sociedade civil demonstra a conexão de forças e a busca pela “eficácia ou a realização de direitos ganha foros de compreensão da missão individual de cada crente ou fiel”.129 Apesar de hoje muito se falar em globalização e em governos globais, a verdade é que os problemas precisam ser enfrentados na esfera local, pois é neste espaço que se multiplicam os pequenos eventos que levam à proliferação de ONGs, OCBs e de organizações de outro tipo que tem como elemento fundador, a solidariedade, em diferentes níveis. Todos estes movimentos representam basicamente uma resposta natural da sociedade que busca uma auto-organização a fim de solucionar os problemas que não foram solucionados pelo mercado ou pelo Estado, tais razões então levam ao surgimento do terceiro setor.130 Da mesma forma que a sociedade altera sua postura, adotando uma conduta que busca reequilibrar o papel que desenvolve. O Estado também adota uma maneira diferenciada de agir, não se versa sobre um Estado Liberal, mas de um Estado que tem o compromisso de buscar mecanismos capazes de regular a lógica planetária que se materializa juntamente com o processo de globalização. O que se quer é menos Estado e mais setor público, mas também se quer um setor privado que se mostre eficiente e funcional, mas tanto um quanto o outro 128 ROSSATTO, Noeli Dutra. A relação ciência e teoria do Estado na modernidade. Revista Sociais e Humanas, Santa Maria, n. 2-3, maio/dez, 1994, p. 28-29. 129 BITTAR, Eduardo C. B. Direitos Humanos, pluralismo religioso e democracia: um estudo a partir da dialética da secularização de Jürgen Habermas. In: TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; OLIVEIRA, Elton Somensi de Oliveira (Orgs.). Correntes Contemporâneas do Pensamento Jurídico. São Paulo: Manole, 2010, p. 105. 130 DOWBOR, Ladislau. A Reprodução Social: Descentralização e Participação, as novas tendências. vol. III. São Paulo, 2001, p. 18. 50 devem se submeter ao controle da sociedade civil, a fim de que a cidadania reste exercitada, demonstrando o resgate das habilidades políticas dos cidadãos. A grande questão está centrada na relação existente entre poder e sociedade civil.131 A chegada da pós-modernidade, marcada por vários paradigmas não deixa a sociedade civil imune às mutações, eis que há uma ruptura de paradigma, vez que se passa “gradualmente da pirâmide vertical e autoritária herdada do direito romano e retransmitida pela estrutura da igreja tradicional, para o conceito de redes interativas de uma sociedade muito mais horizontal”.132 Percebe-se hoje que a sociedade sofre um processo de reinvenção, assim como as perspectivas que cercam sua compreensão, ocasionando, consequentemente, um processo de mediação do conhecimento cotidiano na edificação das relações sociais. Neste cenário, o “novo herói da vida é o homem comum, imerso no cotidiano, pois no pequeno mundo de todos os dias, está também o tempo e o lugar e o lugar da eficácia das vontades individuais, daquilo que faz a força da sociedade civil, dos movimentos sociais”.133 Hoje, a humanidade vive um momento de desenvolvimento, de disseminação de informação e de possibilidade de acesso aos meios de comunicação e, consequentemente, de acesso à democratizacão, que cresce no seio da sociedade. Neste contexto, surge um cidadão “inteligente, conectado com sua comunidade real e virtual, bem informado, reflexivo, ativo diante dos desafios que a vida lhe coloca, empreendedor e criativo, disposto a ou já exercendo atividades cívicas, base da constituição de articulações, redes e associações” de quaisquer tipos que levam a um processo que hoje é denominado de sociedade civil.134 É esse novo cidadão produzido pela contemporaneidade que está fazendo a diferença, abrindo uma perspectiva de grandes inovações e mudanças na cultura política e no padrão das relações sociais. É esse novo autor social, aparentemente atomizado, frágil, desorganizado se analisado pela ótica da ciência política convencional, que está na verdade sendo o novo agente propulsor das transformações de toda ordem que ocorrem na vida em sociedade nas últimas 135 décadas. 131 DOWBOR, Ladislau. A Reprodução Social: Descentralização e Participação, as novas tendências. vol. III. São Paulo, 2001, p. 10-12. 132 DOWBOR, Ladislau. A Reprodução Social: Descentralização e Participação, as novas tendências. vol. III. São Paulo, 2001, p. 19. 133 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 85. 134 FEIJÓ, Jandira; FRANCO, Augusto de. Olhares sobre a experiência da Governança Solidária Local de Porto Alegre. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008, p. 14-15. 135 FEIJÓ, Jandira; FRANCO, Augusto de. Olhares sobre a experiência da Governança Solidária Local de Porto Alegre. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008, p. 15. 51 O cidadão que exerce certas atividades públicas em sua comunidade, rompe com a idéia dicotômica de Estado e mercado, busca parcerias no compromisso de assumir responsabilidades que estejam preocupadas com o destino comum que une a humanidade. É o cidadão que convoca todos, ou seja, “governos, empresas, universidades, meios de comunicação, organizações sociais, cidadãos em geral para exercerem a sua responsabilidade social, criarem ambientes participativos e solidários” 136, a fim de constituir redes sociais de cooperação destinadas à melhora da vida e da convivência entre os sujeitos em suas comunidades. O equilíbrio entre Estado e sociedade civil é fruto de um processo democrático, que tem como um de seus elementos o pluralismo (a pluralidade pode ser de equilíbrio ou de desequilíbrio), que realça a busca pela conciliação, pelo equilíbrio entre as demandas e as possibilidades de atendê-las, de modo que o interesse público não seja visto como algo independente da sociedade civil.137 Na mesma linha, os valores da solidariedade e da cooperação tendem a criar uma sociedade mais livre e aberta, assim, “a sociedade civil [...] deve assumir o controle, através de sistemas de rede descentralizadas e livremente articuladas, envolvendo universidades, organizações comunitárias, administrações locais, representações profissionais”.138 [...] os fundamentos necessários para uma autodeterminação capaz de realizar o projeto modernista de emancipação, embasado na razão e na ação comunicativas, devem integrar a vida social cotidiana, e exigem, portanto, um engajamento da sociedade civil, por meio de participação política, associações voluntárias, movimentos sociais e desobediência civil, no processo de busca de entendimento mútuo (Verständigung) em juízos de validade.139 Com a Constituição Federal de 1988, uma nova ordem jurídica instala-se no Brasil, eis que se inicia um processo que estimula a democracia participativa, na mesma linha, a legislação infraconstitucional busca energizar este processo, propiciando a maturidade crítica da sociedade e a aproximação desta com o Estado, a ponto de haver uma identidade entre os 136 FEIJÓ, Jandira; FRANCO, Augusto de. Olhares sobre a experiência da Governança Solidária Local de Porto Alegre. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008, p. 15-16. 137 GRAZIANO, Luigi. O Lobby e o interesse público. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n. 35, out./1997, p. 136. 138 DOWBOR, Ladislau. A Reprodução Social: Descentralização e Participação, as novas tendências. vol. III. São Paulo, 2001, p. 56. 139 OLIVEIRA JÚNIOR, Nythamar H. Fernandes de. Teoria discursiva do Direito e democracia deliberativa segundo Jürgen Habermas. In: TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; OLIVEIRA, Elton Somensi de Oliveira (Org.). Correntes Contemporâneas do Pensamento Jurídico. São Paulo: Manole, 2010, p. 68. 52 intentos da sociedade civil e as escolhas feitas pelo Estado, de modo a buscar a paz, o progresso e a justiça.140 A renovação das esperanças, inovações decorrentes dos princípios e a nova concepção de Estado, de sociedade civil e de democracia, também são frutos da Constituição Federal de 1988. Todos estes elementos levarão a um novo modelo de Administração Pública que vai se modelar e se ampliar de modo a expandir os direitos fundamentais de participação e os demais daí decorrentes.141 Nessa esteira, “[...] os atores da sociedade civil são transformados em atores intermediadores de interesses políticos, destituídos de qualquer idiossincrasia sociocultural”.142 As novas percepções trazidas pela Constituição Federal de 1988 provocam a necessidade de reconhecer uma nova relação entre sociedade civil e Estado, a qual está calcada na consideração efetiva dos direitos fundamentais de participação política, bem como na concepção de mecanismos e de instrumentos capazes de viabilizar a dita participação, por sua vez, o Estado perde o controle central do poder político, à medida que aderiu a um novo pacto social.143 Por sua vez, a Administração Pública passa a atuar de um modo diferente, eis que tem por base a cultura do diálogo, a fim de enxergar e compreender na as divergências sociais existentes e, assim, não mais se contrapor à sociedade civil, mas favorecer o trabalho desta. Há uma mudança nas relações entre Estado e sociedade civil, eis que não mais há uma condição de tutela, haja vista que a Administração Pública está atrelada às mediações sociais e à dinâmica dos atores sociais.144 140 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Participação Democrática: Audiências Públicas. In: GRAU, Eros Roberto e Sérgio Sérvulo da Cunha. (Org.). Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Ed. Malheiros Editores, 2003, p. 349-350. 141 LEAL, Rogério Gesta. Esfera Pública e Participação Social: Possíveis dimensões jurídico-políticas dos direitos civis de participação social no âmbito da gestão dos interesses públicos no Brasil. In: A Administração Pública Compartida no Brasil e na Itália: reflexões, preliminares. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 196. 142 COSTA, Sérgio. Movimentos sociais, democratização e a construção de esferas públicas sociais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n. 35, out./1997, p. 132. 143 LEAL, Rogério Gesta. Esfera Pública e Participação Social: Possíveis dimensões jurídico-políticas dos direitos civis de participação social no âmbito da gestão dos interesses públicos no Brasil. In: A Administração Pública Compartida no Brasil e na Itália: reflexões, preliminares. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 200. 144 PEREZ, Marcos Augusto. A participação da sociedade na formulação, decisão e execução das políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 166. 53 Hoje se verifica que “os grandes embates pela redenção do gênero humano de suas limitações e misérias estão sendo readaptados a esse novo território da vida e do viver”. Há uma reinvenção da sociedade, o que gera novas perspectivas de compreendê-la. É nesse âmbito que ganha força a mediação do conhecimento do dia-a-dia na construção das relações sociais. Em tal cenário, o novo herói da vida é o homem comum, imerso no cotidiano, pois, no pequeno mundo de todos os dias está também o tempo e o lugar da eficácia das vontades individuais, daquilo que faz a força da sociedade civil, dos movimentos sociais.”145 A proximidade entre Estado e sociedade civil altera a concepção dicotômica entre Direito Público e Direito Privado, fazendo com que a linha limítrofe se mostre cada vez mais tênue a ponto de não mais ser possível classificar de modo taxativo o que pertence ao Direito Público ou ao Direito Privado, vez que se verifica a presença dos traços de ambos. Estas alterações mostram-se em conformidade com as demais mudanças presentes na sociedade dita globalizada e líquida, para utilizar a expressão de Zygmunt Bauman, mas esta sociedade também busca no passado alguns elementos e valores, a exemplo da comunidade. O comunitário valoriza certos ideais, busca emancipar a sociedade, por meio do cultivo de uma nova cultura política e uma de nova qualidade de vida pessoal e coletiva. Iniciado o processo de participação dos novos atores sociais, em razão da suavização da mencionada dicotomia; aflora, então, uma nova concepção, calcada no trinômio Estado/mercado/sociedade civil. Aos poucos, as organizações, fruto da sociedade civil, passam a integrar “o espaço público, espaço esse que era antes considerado como esfera reservada ao Estado (confundindo espaço público estatal com espaço público social) o qual não conseguiu efetivamente garantir o interesse público, os direitos sociais e democratizar o acesso às políticas sociais”.146 A transferência de responsabilidades tende a criar um ambiente propício à participação da sociedade civil em áreas pontuais da prestação estatal, geralmente em áreas ligadas à questão social, como por exemplo, saúde e educação. É em meio à crise dos modelos estatais tradicionais, estatistas e privatistas, que surgem novas propostas democráticas de 145 LEAL, Rogério Gesta. As potencialidades lesivas à democracia de uma jurisdição constitucional interventiva. In: LEAL, Rogério Gesta. O Estado-Juiz na democracia contemporânea: uma perspectiva procedimentalista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 150. 146 FERRAREZI, Elisabete. Estado e setor público não estatal: perspectivas para a gestão de novas políticas sociais. Disponível em: <http://www.anesp.org.br/userfiles/file/estudos/estado_setor.pdf>. Acesso em: 03 mar.2010. 54 enfrentamento dos problemas sociais e é neste contexto que as instituições de ensino superior comunitárias desenvolvem suas atividades, consoante restará aprofundado. Ao propor uma terceira via em busca de uma boa sociedade, Amitai Etzione147 sugere que esta sociedade “é aquela que equilibra três elementos aparentemente incompatíveis: o Estado, o mercado e a comunidade”. Uma vez analisados aqui o papel, a mutação do Estado e a importância da sociedade civil; cabe ponderar acerca do termo comunitário e, do público não estatal, a fim de compreender função que as comunidades desempenham neste contexto de mutações e de novas possibilidades que se apresenta nesta era pós-moderna e de que modo ambos se apresentam no texto constitucional e infraconstitucional. Para desvendar o papel das instituições de ensino superior comunitárias, antes, porém necessário compreender relação deste modelo com as organizações não-governamentais, paraestatais, serviços sociais autônomos, organizações sociais e com as organizações da sociedade civil de interesse público, para que, em um momento posterior seja possível perceber o porquê da (des) necessidade de um marco regulatório próprio às ditas instituições de ensino superior comunitárias. 147 ETZIONI, Amitai. La Tercera Vía - hacia una buena sociedad. Propuestas desde el comunitariamo. Madri: Minima Trotta, 2000, p. 17. 55 2 O COMUNITÁRIO E O PÚBLICO NÃO ESTATAL NA CONSTITUIÇÃO E NA LEGISLAÇÃO Antes de se adentrar na análise da presença do termo comunitário e do público não estatal na legislação brasileira é necessário compreender o que cada expressão significa, o que as diferencia, o que as aproxima, como elas surgiram. O comunitário é um termo com tradição milenar, presente na Bíblia e ao longo do pensamento ocidental. Por sua vez, o vocábulo público não estatal, no Brasil, passa a ser utilizado no Governo Fernando Henrique Cardoso, a partir da Reforma do Estado, coordenada pelo então Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, na metade dos anos 90. Zygmunt Bauman dirá que a comunidade é fruto de preferências individuais, tratando-se de um ente instituído e livremente escolhido, sendo assim, a sua experiência e as suas escolhas, “sustentam essa existência, são irremediavelmente sobrecarregadas com as mesmas ansiedades de correr riscos que todos os outros aspectos das vidas das pessoas completamente individualizadas, que agem sob a condição de incerteza permanente”.148 Outra linha marcante no perfil de uma verdadeira comunidade é a presença e a força de um interesse comum, uma causa agregadora, que gera a adesão e a coesão das pessoas em torno de determinados valores ou normas, coesão, aliás, que será tanto mais forte quanto maior for a atratividade dos objetos propostos. 149 Já o público não estatal150 mostra-se como uma figura mais contemporânea, que decorre das mutações havidas na sociedade a partir da década de 70, quando “expressões como, autonomia, autogestão, independência, participação, empowerment, direitos humanos e cidadania passaram a ser associadas ao conceito de sociedade civil”.151 Isso acarreta um novo modo de pensar a sociedade. Consequência desta sociedade civil é que público e privado já não mais significam, necessariamente, Estado e sociedade civil, haja vista que nascem outros espaços denominados estatal-privado (empresas e corporações estatais, que apesar de públicas têm comportamento semelhante ao das empresas e 148 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-Modernidade. Tradução de Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1998, p. 241. 149 VANUCCHI, Aldo. A universidade comunitária – o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2004, p. 20. 150 Aqui cabe fazer uma referência à principal obra de Luiz Carlos Bresser Pereira que trata desta temática: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999. 151 VIEIRA, Liszt. Cidadania e controle social. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 236-237. 56 corporações privadas) e social-público (movimentos e instituições que mesmo sendo privados buscam atender a objetivos sociais, construindo, o chamado espaço público não estatal152).153 O público não estatal está “associado às alterações das relações entre Estado e sociedade, entre Estado e mercado, e mais amplamente à problemática geral das transformações na própria natureza do político”.154 Necessário destacar que a ampliação da “esfera pública não-estatal [...] não significa em absoluto a privatização de atividades do Estado. Ao contrário, trata-se de ampliar o caráter democrático e participativo da esfera pública, subordinada a um direito público renovado e ampliado”.155 A noção de público não-estatal contribui para assinalar a importância da sociedade como fonte de poder político, atribuindo-lhe papel expresso – bem além do voto – na conformação da vontade política e reivindicando asas funções de crítica e controle do estado e, em geral, sua preocupação com a res publica. Mas o tema do público não-estatal também implica atribuir à sociedade uma responsabilidade na satisfação de necessidades coletivas, mostrando que também nesse campo o Estado e o mercado não são as únicas opções válidas.156 Há princípios que sinalizam a caracterização das organizações sem fins lucrativos, quais sejam “a solidariedade, o compromisso, a cooperação voluntária, o sentido do dever, a responsabilidade, [...] e, em termos mais amplos, a “comunidade” enquanto mecanismo de atribuição de valores” 157 . Esta comunidade diferencia-se do mercado, que tem por foco a competição e do Estado, que tem sua origem baseada no poder coercitivo. É sob a ótica do comunitário e do público não estatal, tanto sob um viés constitucional quanto legal, que serão analisadas algumas figuras hoje presentes no cotidiano brasileiro e que merecem destaque, a exemplo das rádios comunitárias, que desempenham um importante papel e que, por vezes, são marginalizadas. Assim, para compreender o papel do terceiro setor no Brasil e como ele se desenvolve serão avaliadas as figuras das ONGs, das Organizações 152 Necessário frisar que os partidos políticos não fazem parte deste grupo, pois fazem as vezes de Estado. VIEIRA, Liszt. Cidadania e controle social. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 237. 153 VIEIRA, Liszt. Cidadania e controle social. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 236-237. 154 LANDER, Edgardo. Limites atuais do potencial democratizador da esfera pública não-estatal. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 453. 155 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da administração pública burocrática à gerencial. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos e SPINK, Peter (Org.). 2. Reforma do Estado e administração pública gerencial. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1998, p. 263. 156 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal. In: ______. (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 30. 157 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal. In: ______. (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 32. 57 Sociais e das OSCIPs, que não apenas inauguram uma nova fase no Estado brasileiro, mas que também se destacam pelas suas atividades junto a muitas comunidades. Necessário, porém, não esquecer qual o grande foco deste trabalho que são as instituições de ensino superior comunitárias, que, na prática, representam o comunitário no País. 2.1 Desvendando as diversas possibilidades do comunitário Em tempos de globalização em que se fala no fim da geografia158 e onde as pessoas buscam cada vez mais ter acesso ao cosmopolitismo prometido, o interesse pelo estudo de comunidades vem, gradativamente aumentando, pois é na comunidade que se verifica a possibilidade tanto de fatores de proteção quanto de fatores de risco aos indivíduos que nela vivem. Contudo, para que se chegue a uma conclusão do papel a ser exercido pela comunidade e qual a sua função, é necessário, antes, compreender o seu significado, ou seja, para saber se o comunitário é bom ou ruim, é preciso conhecê-lo, desvendá-lo. A globalização altera a geografia, os costumes, o modo de vida, cria a ilusão de que os espaços geográficos foram encolhidos e institui um modo de vida que até pouco não era sequer imaginado pelas pessoas. E neste momento de grandes mudanças e de complexidades que se discute o papel e a importância da comunidade, pois as mazelas do mundo que hoje se apresenta estão, de um ou outro modo ligadas à ideia de globalização.159 “Seja o que for que se conheça como “comunidade local”, foi algo que surgiu dessa oposição entre “aqui” e “acolá”, “longe” e “perto””.160 Zygmunt Bauman ensina que as palavras possuem significados, que algumas delas, todavia, despertam sensações. Comunidade é uma palavra que desperta o sentimento de pertencer a algo, de sentir-se seguro e nos dias atuais, a comunidade seria uma espécie de paraíso perdido. “Para começar, a comunidade é um lugar ‘cálido’, um lugar confortável e 158 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999, p.19. 159 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 9. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2002, p. 20. 160 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999, p. 21. 58 aconchegante. É como um teto sob o qual nos abrigamos da chuva pesada, com uma lareira diante da qual esquentamos as mãos num dia gelado”.161 A ideia de comunitário não fica adstrita ao sentimento que a palavra gera, vai além, pois para existir a comunidade é necessário que haja algo em comum entre as pessoas que a compõem, tal vocábulo parte do conceito de comum. Trata-se de um termo polissêmico. Ademais, o “comunitário distingue-se do estatal e do privado: não pertence ao Estado, nem a grupos particulares. Pelas suas finalidades e modus operandi é uma das formas do público, abrangendo as instituições e organizações voltadas à coletividade”.162 [...] tem-se que: a) a comunidade é natural e espontânea, sendo a sociedade, de certa maneira, artificial; b) a comunidade é uma maneira de ser (se é membro dela), enquanto a sociedade é uma maneira de estar (se faz parte dela); c) na comunidade existe integração e hierarquia, já na sociedade existe uma soma convencional de elementos; d) na comunidade, têm primazia os valores (virtus), ao passo que, na sociedade, predominam os valores divergentes (necessitas); e) na comunidade predomina o ético e, na sociedade, o jurídico; f) a justiça comunitária possui natureza distributiva, ao contrário da sociedade, onde a justiça é de natureza comutativa.163 A verdade é que o termo comunidade é muito ambíguo, seja pela imprecisão ou até mesmo pela diversidade conceitual. Tal termo pode ser utilizado tanto para dar uma noção geográfica ou territorial, quanto para dar a ideia de relação para com uma rede social, onde há qualidade nas relações humanas dentro deste circuito. Todavia, em ambos os casos são gerados sentimentos de pertença. Amitai Etzioni164 defenderá que uma boa sociedade terá de equilibrar três elementos, quais sejam: ao Estado, o mercado e a comunidade e indica que o caminho para chegar a esta boa sociedade será a terceira via, ou seja, uma alternativa que não seja o mercado ou o Estado. Assim sendo, as ditas comunidades [...] proporcionam laços de afeto que transformam grupos de pessoas em entidades sociais semelhantes a grandes famílias. Também transmitem uma cultura moral compartida em conjunto de valores e significados sociais que consideram virtuosos. Ademais, as comunidades podem ter uma base fundamentalmente residencial, porém, contemporaneamente elas se desenvolvem entre membros de uma mesma profissão, entre pessoas de uma mesma etnia, entre pessoas de uma mesma 161 BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 07. 162 SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 19. 163 LEAL, Mônia Clarissa Henning. Jurisdição Constitucional Aberta: reflexões sobre a legitimidade e os limites da jurisdição constitucional na ordem democrática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 56. 164 ETZIONI, Amitai. La Tercera Vía - hacia una buena sociedad. Propuestas desde el comunitariamo. Madri: Minima Trotta, 2000, p. 17. 59 orientação sexual, ou compatíveis por uma mesma linha de pensamento político ou cultural.165 Para que haja um processo comunitário é necessário haver uma interação comum na busca de soluções a problemas enfrentados/sentidos por um grupo de pessoas, seja num determinado espaço geográfico, seja em um espaço social formalizado. Ao mencionar interesses comuns, tem-se, consequentemente, decisões que serão compartilhadas, vez que todos do grupo serão atingidos pelas ditas decisões. Se houver continuidade nas relações, está-se falando de algo mais profundo. A comunidade integra e também delimita, por vezes o fato de ser de uma comunidade e de outra pode gerar grandes choques. Mesmo em tempos de globalização, há traços que permanecem entre as pessoas, que são mais sólidos do que a fluidez que a modernidade anuncia, “A fluidez é a qualidade dos líquidos e gases, que os distingue dos sólidos”.166 Mas estas comunidades existem em tempos globais? A comunidade, outrora em casas e em aldeias, em cidades e em províncias, em corporações e confrarias, foi a condição geral, o princípio que formou e afetou em seu âmago a vida em sua totalidade. Hoje ela existe somente quase como algo pessoal, como um feliz alvorecer da verdade entre os homens e persiste em formas duradouras – em geral em estruturas decaídas ou decadentes – nas quais o Estado contemporâneo não pode ou não quer tocar.167 Em uma boa sociedade deverá haver a combinação entre o respeito aos direitos individuais e o atendimento de necessidades básicas do ser humano, assim, cada sujeito viverá de acordo com suas responsabilidades para consigo, para com a família, os amigos e a comunidade. Em outras palavras, ninguém será privado do acesso aos direitos básicos, ainda que haja descumprimento das responsabilidades. “Quanto mais se avança na Terceira Via, mais se deve buscar eliminar as fontes de exclusão social, [...] facilitar o acesso a universidades de maior qualidade a todos é essencial para uma sociedade que pretenda desenvolver-se com êxito na economia do conhecimento”.168 165 ETZIONI, Amitai. La Tercera Vía - hacia una buena sociedad. Propuestas desde el comunitariamo. Madri: Minima Trotta, 2000, p. 24. 166 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 10. 167 BUBER, Martin. Sobre comunidade. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 51-52. 168 ETZIONI, Amitai. La Tercera Vía hacia una buena sociedad. Propuestas desde el comunitariamo. Madri: Minima Trotta, 2000, p. 51-59. 60 Muito embora fique evidenciada a polissemia que cerca o vocábulo comunidade, parece haver consenso de que para haver uma comunidade é necessária a presença de pelo menos três características, quais sejam, o compartilhamento de um espaço, a existência de relações e de laços comuns e, ainda, a ocorrência de uma interação social. Assim sendo, um grupo social que possua características e interesses comuns ou que se diferencie dos aspectos gerais da sociedade em que está contida, pode ser caracterizado como uma comunidade, pois, em verdade, a comunidade não está adstrita a um local, mas sim a um processo interativo. O termo comunidade tem sido amplamente empregado como um conceito de incrível abrangência. É usado no sentido localista (esta comunidade mantém-se firme na questão de...), na retórica da política mundial (a postura da comunidade internacional contra o terrorismo), no sentido profissional (a comunidade científica), na política do uso da franqueza em questões sexuais (padrões de decência da comunidade) e no sentido nostálgico que remete a uma suposta era da harmonia 169 (precisamos resgatar o sentido de comunidade. O comunitário está ligado a uma gama de ideias, que estão diretamente atreladas ao conceito de comunidade, destacando-se o elevado grau de intimidade pessoal; a vivência de relações sociais alicerçadas no afeto; a ocorrência de um compromisso moral; a existência de uma coesão social e, ainda, uma continuação temporal. Entende-se, que é no seio da comunidade que os membros desenvolvem a consciência e o sentimento de compartilhamento de uma forma de vida, de referências em comum, de ideais a serem alcançados em prol do coletivo.170 É na comunidade que os sujeitos criam não apenas o sentimento de pertença, mas aguçam a sensação de ser integrantes de um contexto social onde há um intercâmbio entre as pessoas do grupo, o que gera laços verdadeiros. Assim, de um lado ocorre a prestação de apoio social e de outro, são disponibilizados recursos capazes de minimizar os efeitos decorrentes do enfrentamento de situações de stress ao longo da vida pelos sujeitos. Zygmunt Bauman refere que “o ‘comunitarismo’ ocorre mais naturalmente às pessoas que tiveram negado o direito à assimilação. Tiveram negada a escolha – procurar abrigo na suposta ‘fraternidade’ do grupo nativo é sua única opção”.171 169 DOWNING, D. H. John. Mídia radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais. São Paulo: Senac, 2002, p. 73-74. 170 MARSHALL, Gordon. Oxford Concise Dictionary of Sociology. Oxford: Oxford University Press, 1994. 171 BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 87. 61 Martin Buber traça diferenças entre comunidade e sociedade, referindo que a primeira “é a expressão e o desenvolvimento da vontade original, naturalmente homogênea, portadora de vínculo, representando a totalidade do homem. A sociedade é a expressão do desejo diferenciado em tirar vantagens, gerado por pensamento isolado da totalidade” e afirma que a sociedade dissolve a comunidade, contudo, ambas são “expressão e desenvolvimento de tipos de vontade”. 172 Para o autor, até o início do capitalismo a ideia de comunidade estará atrelada à localização geográfica. Hoje, não necessariamente se faz necessária a geografia. Amitai Etzioni destaca que quem “vive em comunidade, vive mais tempo, com mais saúde e mais satisfação, com menos problemas mentais, são menos agressivos e menos propensos a juntar-se a grupos violentos, do que aquelas pessoas que vivem isoladas”.173 Assim, “o termo costuma ser associado a características como coesão, comunhão, laços sociais fortes, integração, interesse público. Polissêmico e analiticamente impreciso, é muito empregado na linguagem política e religiosa [...]”.174 Para atingir os objetivos que almeja, a comunidade deve enfatizar e estimular as capacidades e Os predicados dos sujeitos que a compõem, além de buscar mecanismos capazes de minimizar os efeitos dos déficits dos indivíduos ou até mesmo da própria comunidade. Ao contrário do que se passa no mundo fora da comunidade, onde está presente a voracidade da competitividade e a acentuação dos defeitos dos outros, a fim de que sujeitos se sobressaiam em relação a outros, o que se tem na comunidade é a busca do desenvolvimento pessoal, não de um ou outro membro, mas de todos eles. “Nossa vida comunitária não é mais um “viver-um-no-outro” primitivo, mas um “viver-ao-lado-do-outro” ajustado”.175 Amitai Etzioni trabalha com algumas das ideias de Martin Buber, em especial das relações “Eu-Tu” (relação materializada pela comunidade) e “Eu-coisas” (relação consolidada pelo mercado), a fim de demonstrar que uma boa sociedade é composta por diversos valores nucleares, entre os quais são destacados: “a autonomia individual, o amor à paz, a contemplação à cultura, os vínculos recíprocos com a família, os amigos e os membros da 172 BUBER, Martin. Sobre comunidade. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 50-52. ETZIONI, Amitai. La Tercera Vía hacia una buena sociedad. Propuestas desde el comunitariamo. Madri: Minima Trotta, 2000, p. 26. 174 SCHMIDT, João Pedro. O caráter público não-estatal da universidade comunitária: aspectos conceituais e jurídicos. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, n. 29, jan./jun. 2008, p. 22-43. 175 BUBER, Martin. Sobre comunidade. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 53. 173 62 comunidade, a justiça social”. Em síntese, a boa sociedade será aquela capaz de encontrar um ponto de equilíbrio entre o Estado, o mercado e a comunidade. 176 Portanto, enquanto Martin Buber trabalha com a ideia Eu-Tu, Amitai Etzione explora as relações Eu-Nós. Estado, mercado e comunidade em equilíbrio compõem a chamada boa sociedade, sendo que cada um desempenha seu papel na construção do ser humano e é apenas com a colaboração destes três membros e não através do confronto entre eles que a sociedade evoluirá e considerará “o indivíduo como um todo, questão essencial para tratar as pessoas como fins em si mesmas”. Necessário também esclarecer que “numa boa sociedade os níveis sempre crescentes de bens materiais não são uma fonte confiável para o bem-estar e a felicidade, ou mesmo, para uma sociedade sólida”.177 A comunidade em todas as suas formas deve ser enriquecida com nova realidade, com a realidade das relações, puras e justas, entre os homens, de modo que, da união de autênticas comunidades, surja um verdadeiro sistema comunitário que observa, sorridente, como a engrenagem enferrujada se transforma, pedaço por pedaço, em sucata.178 Em outras palavras, para materializar o comunitário é imprescindível que, primeiramente, sejam asseguradas as garantias individuais, que são garantias que não apenas protegem o todo, mas também são instrumentos capazes de gerar a simbiose necessária a um equilíbrio e harmonia na comunidade. “Comunidade e comunitário são categorias com grande relevância nos dias atuais. O discurso comunitário vem sendo constantemente retomado por organizações sociais, instituições e agentes com diferentes orientações ideológicas”.179 A fim de que o projeto comunitário se concretize é necessário apelar às mesmas “(e desimpedidas) escolhas individuais cuja possibilidade havia sido negada. Não se pode ser um comunitário bona fide sem acender uma vela para o diabo: sem admitir numa ocasião a liberdade da escolha individual que se nega em outra”.180 Viver em comunidade significa estar disposto a compartilhar as coisas boas e ruins, trata-se de um espaço onde o outro é incluído, onde os sujeitos devem atender a determinadas regras, é um ambiente onde há o 176 ETZIONI, Amitai. La Tercera Vía hacia una buena sociedad. Propuestas desde el comunitariamo. Madri: Minima Trotta, 2000, p. 16-17. 177 ETZIONI, Amitai. La Tercera Vía hacia una buena sociedad. Propuestas desde el comunitariamo. Madri: Minima Trotta, 2000, p. 75 e 103. 178 BUBER, Martin. Sobre comunidade. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 55. 179 SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010. 180 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade liquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 195. 63 compartilhamento das vidas, seja por ideologia, tradição, ideologia ou trabalho. A comunidade pode adquirir várias faces, eis que se trata de um termo maleável, “existem comunidades de vida e de destino”.181 É com base nestas premissas que o comunitário passará a ser analisado na Constituição Federal de 1988 e na legislação brasileira. 2.1.1 O comunitário na Constituição Federal de 1988 O século XXI inicia, trazendo mudanças ao centro do ordenamento jurídico, a exemplo da Constituição que passa a ser o epicentro de uma nova lógica. Não se trata de uma Constituição perfeita, mas ela “será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria”.182 Peter Häberle183 dá a exata dimensão da importância de uma constituição em um estado constitucional, bem como do papel que a cultura desempenha neste contexto. Assim, a cultura há de ser vista sob a perspectiva histórica, enquanto processo de aprendizagem, como conjunto de costumes seculares, como modelo de organização da própria cultura, bem como produto, como ideias ou como símbolos. Todavia, é a cultura a mediação do passado, presente e futuro, em outras palavras, trata-se de uma tradição, inovação e pluralismo. Assim, o resultado destas facetas resulta um conceito cultural igualmente aberto, que abarca tanto a cultura educacional tradicional cidadã como a popular, quanto às culturas alternativas, anticultura ou subcultura. A Constituição, como delimitadora de práticas na sociedade, atua coordenando estas ações ou, pelo menos, garantindo sua legitimidade. f: a norma, seja no seu processo de elaboração, seja na sua aplicação, determinada histórica e socialmente. Assim, quando trato do âmbito da norma (elementos e situações do mundo da vida sobre as quais recai determinada norma), não me refiro a um tema metajurídico, porque história, cultura, enfim, as características de uma sociedade, são os próprios componentes da norma. A propalada característica de objetividade e generalidade do direito aplica erroneamente o "absoluto" utilizado pelos parâmetros das ciências naturais. Ademais, a norma não é uma obra acabada, que seria utilizável sem maiores dificuldades. Muito mais, permanecem as concepções normativas 181 BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p. 17. 182 Discurso do Deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Constituinte, em 05 de outubro de 1988, por ocasião da promulgação da Constituição Federal. Revista Direito GV, São Paulo, n. 8, p. 595-602, jul.-dez. 2008. 183 HÄBERLE, Peter. Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura. Traducción de Emilio Mikunda. Madrid: Tecnos, 2002, p. 33-35. 64 orientadoras no espaço de um campo de problemas que abrange o âmbito da norma e a estrutura do possível e dos casos concretos. Este é o motivo hermenêutico para a caracterização da estrutura fática normativa como âmbito da norma, que não é nenhum fato isolado, porém um quadro verbal que delimita o campo sobre o qual 184 permanece imprescindível a concretização prática. Desse modo, o Direito passa a ser um mero instrumento, já que o homem não consegue viver sem cultura e, assim, sendo, a Constituição é muito mais que um ordenamento jurídico, ela assume o papel de fonte adutora ao cidadão, vez que ela não é apenas um conjunto de textos jurídicos ou um compêndio de normas, mas sim a expressão de um desenvolvimento cultural. As constituições, fruto dos intérpretes da sociedade aberta são, essencialmente, um “instrumento mediador de cultura, marco reprodutivo e de recepções culturais, e depósito de futuras configurações culturais, experiências e vivências, e saberes”185, sendo que, por vezes, a constituição está até mesmo a frente de seu tempo. “A pessoa e o Estado Constitucional que a “comunitariza” dependem de “fontes consensuais racionais” e “emocionais””.186 A Teoria da Constituição como ciência da cultura interfere de sobremaneira tanto nos chamados processos culturais básicos (conteúdo) quanto na simbiose que se processa dentro da federação. O texto constitucional é concebido a partir de uma série de elementos estruturais individuais prévios, razão pela qual os textos jurídicos sejam apenas pontos de partida de objetos educacionais (busca da verdade no Estado constitucional) e valores orientativos, estes, por sua vez, servem especificamente como textos constitucionais em sentido amplo, por serem elementos consensuais do Estado constitucional quando formam uma parte da identidade cultural e das instituições públicas do Estado. Assim os preâmbulos as constituições visam justamente estipular consensos básicos a todos os cidadãos, de modo claro e acessível, os elementos contidos nos preâmbulos dão uma dimensão temporal, o que pode acontecer até mesmo com a rejeição a um determinado passado histórico, podendo, todavia, ter uma ligação com seu presente.187 A promulgação da Constituição Federal de 1988 significa a assunção de um novo pacto sobre o modo como o País será guiado, trata-se de uma “nova estrutura normativa que 184 DERANI, Cristiane. Direto ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 20. HÄBERLE, Peter. Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura. Traducción de Emilio Mikunda. Madrid: Tecnos, 2002, p. 35. 186 HÄBERLE, Peter. Constituição e cultura - O direito ao feriado como elemento de identidade cultural do Estado Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 26-27. 187 HÄBERLE, Peter. Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura. Traducción de Emilio Mikunda. Madrid: Tecnos, 2002. 185 65 envolve um conjunto de valores [...] o objetivo primordial da constituição é a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade”.188 O texto constitucional estará empenhado com a materialização da igualdade, bem como com a efetivação da dignidade da pessoa humana e para que estes e outros ideais sejam alcançados, a comunidade é chamada a opinar e a participar. A Constituição Federal de 1998 tem cunho comunitário, pois além de buscar romper com o positivismo e com a ideia privatista, a fim de construir uma sociedade mais justa e igualitária, ela também assume o compromisso de desligar-se do passado com a ditadura militar, em síntese, esta constituição simboliza o retorno do direito ao País. 189 Assim, esta Constituição traz o vocábulo comunitário e comunidade em diversos artigos, sendo que em cada momento tais expressões assumem diferentes nuances. Assim, a fim de vislumbrar a amplitude que ditos vocábulos possuem, serão traçadas algumas linhas a fim de analisar o texto constitucional, para tanto os artigos serão esmiuçados um a um. O parágrafo único do artigo 4º.190 da Constituição Federal de 1988 faz menção ao compromisso do Brasil em tentar uma integração social e cultural dos povos que se encontram na América Latina, a fim de criar uma comunidade latino-americana de nações, menção que é feita no topo do regramento constitucional. As Constituições anteriores a de 1988 não trazem qualquer preceito similar a este, cujo objetivo está centrado na homogeneidade dos povos da América Latina no que tange à economia, política, cultos, costumes e outros.191 “Trata-se de uma norma de caráter pragmático, [...] que tem como objetivo o pleno desenvolvimento nacional em sua mais ampla expressão, através das relações entre os Estados em referência”.192 Percebe-se que este artigo não apenas autoriza a integração da dita comunidade latino-americana, mas também coloca a integração como objetivo, o que só pode ser alcançado com a ação comum dos países que fazem parte da dita comunidade.193 188 CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva – elementos de filosofia constitucional contemporânea. 4. ed. Rio de janeiro: Lúmen Júris, 2009, p. 16. 189 CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva – elementos de filosofia constitucional contemporânea. 4. ed. Rio de janeiro: Lúmen Júris, 2009, p. 03-04. 190 Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: [...] Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. 191 BRASIL. Constituição Federal Anotada. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 101-102. 192 BRASIL. Constituição Federal de 1988 comparada e comentada. São Paulo: Price Waterhouse, 1989, p.154. 193 BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 2 ed., vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 510. 66 O artigo 9º., § 1º.194 da Constituição Federal de 1988, discorre acerca do direito de greve, e menciona o fato de que as necessidades inadiáveis da comunidade deverão ser objeto de lei, assim como os serviços e atividades tidos como essenciais. Muito embora o termo comunidade esteja presente neste artigo, o que se presa, em verdade, é a mantença de um mínimo de serviços enquanto perdurar a greve, a fim de não prejudicar justamente a comunidade195, por isso alguns trabalhadores devem permanecer em seus postos de trabalho. A Emenda Constitucional nº. 45/2002 traz a chamada Reforma do Judiciário e a alteração do status dos tratados internacionais, mas também traz mais uma vez o comunitário para dentro do texto constitucional, no artigo 107, § 2º.196, pois ao falar dos Tribunais Regionais Federais menciona que estes poderão, em sua jurisdição e a fim de criar a justiça itinerante, utilizar equipamentos públicos e comunitários. Na mesma linha, dispõem os artigos 115197 e 125198 da Constituição Federal de 1988, ao falar do funcionamento dos Tribunais Regionais do Trabalho e da Justiça Estadual, respectivamente. No que se refere aos serviços públicos de saúde, a Constituição Federal de 1988, entre outras coisas, prevê a participação da comunidade na tomada de decisões, consoante demonstra o artigo 198, inciso III199. A execução de serviços e a prática de ações atrelados ao SUS (Sistema Único de Saúde) compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal, “com base nos princípios da descentralização, atendimento integral e participação da comunidade, os quais denotam um direito difuso da comunidade, de um lado, e o direito social do indivíduo, tomado em si mesmo, do outro”.200 A assistência social segue por um caminho semelhante, à 194 Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercêlo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. § 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade [...]. 195 BRASIL. Constituição Federal Anotada. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 473. 196 Art. 107. Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo: [...] § 2º Os Tribunais Regionais Federais instalarão a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários. [...]. 197 Art. 115. Os Tribunais Regionais do Trabalho compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região, e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo: [...] § 1º Os Tribunais Regionais do Trabalho instalarão a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções de atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários. [...] 198 Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. [...] § 7º O Tribunal de Justiça instalará a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários. 199 Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: [...] III - participação da comunidade. [...]. 200 BRASIL. Constituição Federal Anotada. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1341. 67 medida que coloca como sendo um de seus objetivos (artigo 203201) a promoção da integração dos portadores de deficiência junto à vida comunitária. Quando se fala em educação das comunidades indígenas, a elas é assegurada a possibilidade de utilizar as línguas maternas, em razão do disposto no artigo 210, § 2º 202, da Constituição Federal de 1988; tal dispositivo busca proteger tanto o idioma pátrio quanto a preservação das línguas nativas dos indígenas, a fim de conservar um dos pilares históricos e culturais, que são referência do e no Brasil. Os índios têm proteção constitucional, artigo 231, § 3º.203, da Constituição Federal de 1988, onde o termo comunidade resta expressado ao mencionar o caso de aproveitamento de recursos hídricos, ocasião em que devem ser ouvidas as comunidades indígenas. Trata-se de um “tema controvertidíssimo, porque interesses econômicos gravitam em torno dele. Mas está dependendo de norma expressa para tornar-se plenamente aplicável”.204 O artigo 232205 da Constituição Federal de 1988 refere que as comunidades indígenas têm legitimidade para ingressar em juízo, a fim de defender seus direitos e interesses. O artigo 213206 da Constituição Federal de 1988 tem aqui destaque, eis que ele que dará margem à discussão de uma regulamentação específica às instituições de ensino superior comunitárias, ao dispor sobre os critérios que devem ser atendidos para a obtenção de recursos públicos, neste caso. Tal dispositivo trata da aplicação dos recursos públicos às entidades não estatais, ou seja, às escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas. A discussão acerca deste dispositivo constitucional restará aprofundada no terceiro capítulo. 201 Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: [...] IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; [...]. 202 Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. [...] § 2º - O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. 203 Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. [...] § 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. [...]. 204 BRASIL. Constituição Federal Anotada. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1432. 205 Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. 206 Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: [...] II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades. [...]. 68 Ao tratar do patrimônio cultural brasileiro, no artigo 216207, da Constituição Federal de 1988 há menção no § 1º. à colaboração da comunidade para a proteção e promoção do mesmo. A família, ao receber proteção constitucional, no artigo 226, § 4º.208, da Constituição Federal de 1988 (a partir daqui não mais há distinções entre a família e a entidade familiar) é entendida como a comunidade formada por um ou dois genitores e pelos seus descentes.209 No artigo 227 da Constituição Federal de 1988,210, ao abordar os direitos das crianças e adolescentes, há menção de que se trata de uma obrigação do Estado, da sociedade e da família a proteção daqueles, o que inclui a proteção da convivência familiar e comunitária. Na mesma linha, a proteção do idoso fica a cargo da família, da sociedade, do Estado e da comunidade, de acordo com a disposição do artigo 230211 da Constituição Federal de 1988. A Constituição Federal de 1988 aborda o compromisso da Imprensa Nacional e das demais gráficas oficiais, no artigo 64 das disposições constitucionais transitórias212, de promoverem a divulgação da Constituição através de edições populares, as quais deverão ser distribuídas aos representantes da comunidade, escolas, cartórios, sindicatos, quarteis e igrejas. A ideia trazida por este artigo é a de popularização da Constituição, todavia, é necessário atentar ao linguajar do texto, o qual é bastante prolixo e robusto, o que leva a uma dificuldade de compreensão por parte da população. Outra conotação dada à comunidade diz respeito às comunidades quilombolas que têm proteção especial em razão do artigo 68, também das disposições constitucionais 207 Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: [...] § 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. 208 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. 209 Apesar de o Direito de Família trazer na doutrina diversas espécies de família, não cabe aqui tal discussão. 210 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 211 Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. 212 Art. 64. A Imprensa Nacional e demais gráficas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, promoverão edição popular do texto integral da Constituição, que será posta à disposição das escolas e dos cartórios, dos sindicatos, dos quartéis, das igrejas e de outras instituições representativas da comunidade, gratuitamente, de modo que cada cidadão brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituição do Brasil [...]. 69 transitórias213. Aqui, necessárias duas ponderações, a primeira é de que o texto constitucional se mostra rígido em relação à delimitação do princípio geral da inalienabilidade das terras públicas; de outra banda, vislumbra-se que, apenas o Estado, pode emitir título de propriedade aos remanescentes das comunidades quilombolas.214 Apesar de as expressões comunitário e comunidade estarem presentes em diferentes momentos na Constituição Federal de 1988, tem-se que o ideal comunitário é refletido nesta Constituição basicamente em três momentos: a) ao expressar valores constitucionais, direitos fundamentais, possibilidade de participação da sociedade (democracia participativa), remédios constitucionais que possibilitam a adoção de medidas por parte da comunidade; b) a busca de uma operacionalidade à Constituição através do mandado de injunção e da ação de inconstitucionalidade por omissão; c) O Supremo Tribunal Federal como órgão dotado de caráter político que deve interpretar a Constituição e orientá-la em função dos valores nela expressados.215 Ao analisar a Constituição Federal de 1988, percebe-se que a expressão comunitário(a) ou comunidade é utilizada a fim de expressar e proteger diferentes situações, mas o fato de estes vocábulos serem utilizados em diversos dispositivos demonstra a importância que o comunitário/comunidade possuem para o texto constitucional e, consequentemente, à sociedade brasileira. As variações que o termo sofre, eis que assume diferentes contornos ao longo do texto constitucional, demonstra a plasticidade do mesmo. Logo, percebe-se que o termo comunitário ou comunidade é utilizado em diferentes contextos, sem, contudo, perder a sua identidade. 2.1.2 O comunitário na legislação O comunitário vive hoje um momento de resgate, de retomada de valores que ao longo do tempo ficaram perdidos e/ou esquecidos e isso acaba se expressando no modo de agir das pessoas e, consequemente, reflete-se na legislação216. A legislação brasileira ainda tem utilizado o vocábulo comunitário de modo tímido, todavia, percebe-se a presença da expressão em diferentes contextos, o que então demonstra que o comunitário ganha diferentes 213 Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. 214 BRASIL. Constituição Federal Anotada. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1517. 215 CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva – elementos de filosofia constitucional contemporânea. 4. ed. Rio de janeiro: Lúmen Júris, 2009, p. 43-61. 216 Necessário esclarecer que Zygmunt Bauman se mostra pessimista à experiência comunitária. 70 contornos, razão pela qual serão analisados alguns institutos que empregam o termo, devendose, desde já referir que o Código Civil217, o Código de Processo Civil218 e a Consolidação das Leis Trabalhistas219 não fazem qualquer alusão à expressão. O Código Penal220 faz menção à expressão comunidade ao abordar a aplicação das penas, no artigo 46221, trata da prestação de serviços à comunidade. Na mesma linha, o Código de Processo Penal222, por sua vez, traz a expressão em três oportunidades: a) no artigo 425, § 2º.223 ao discorrer acerca do alistamento de pessoas para compor o Tribunal do Júri; b) no artigo 698, inciso II224, ao versar sobre a suspensão condicional da pena, traz a possibilidade de prestação de serviços à comunidade; c) ao tratar do livramento condicional, o artigo 725225 faz menção ao conselho de comunidade que atuará como observador no cumprimento da pena, bem como orientando e protegendo o beneficiário. O Código de Defesa do Consumidor226, ao tratar das penas privativas de liberdade e de multa, faz alusão à prestação de serviços à comunidade, em seu artigo 78227. 217 BRASIL. Lei no. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010. 218 BRASIL. Lei no. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010. 219 BRASIL. Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Lei no. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <www.planalto.gov.br. Acesso em: 31 out.2010. 220 BRASIL. Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010. 221 Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade. § 1o A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado. § 2o A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais. 222 BRASIL. Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010. 223 Art. 425. Anualmente, serão alistados pelo presidente do Tribunal do Júri de 800 (oitocentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados nas comarcas de mais de 1.000.000 (um milhão) de habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas comarcas de mais de 100.000 (cem mil) habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos) nas comarcas de menor população. [...] § 2o O juiz presidente requisitará às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a função de jurado. 224 Art. 698. Concedida a suspensão, o juiz especificará as condições a que fica sujeito o condenado, pelo prazo previsto, começando este a correr da audiência em que se der conhecimento da sentença ao beneficiário e lhe for entregue documento similar ao descrito no art. 724. [...] II - prestar serviços em favor da comunidade. [...]. 225 Art. 725. A observação cautelar e proteção realizadas por serviço social penitenciário, patronato, conselho de comunidade ou entidades similares, terá a finalidade de: [...]. 226 BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:< www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010. 227 Art. 78. Além das penas privativas de liberdade e de multa, podem ser impostas, cumulativa ou alternadamente, observado o disposto nos arts. 44 a 47, do Código Penal: I - a interdição temporária de direitos; 71 A Lei nº. 8.472/1993228, que trata da organização da Assistência Social no Brasil, menciona o comunitário tanto em seus objetivos, previstos no artigo 2º., inciso IV (a assistência social tem por objetivos: [...] a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária), quanto ao discorrer acerca de seus princípios, no artigo 4º., inciso III, onde é destacado o “respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade”. Merece destaque especial a Lei nº. 9.612/1998229, que regulamenta o funcionamento das rádios comunitárias, trata-se de uma lei que vai, de modo muito claro, trazer ao ordenamento jurídico brasileiro a ideia de comunidade, eis que diz respeito a um modelo de rádio que é feito pela e para a comunidade. O artigo 1º. da lei conceitua “Serviço de Radiodifusão Comunitária a radiodifusão sonora, em frequência modulada, operada em baixa potência e cobertura restrita, outorgada a fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, com sede na localidade de prestação do serviço”. Este modelo terá, então, a missão de trazer diferentes pontos de vista acerca de temas polêmicos, justamente com o intento de vedar o proselitismo. Talvez esta, hoje, seja a maior e melhor expressão do comunitário na legislação brasileira. Necessário ainda destacar que boa parte da legislação que utiliza a expressão comunitária diz respeito justamente à autorização para funcionamento das rádios comunitárias. Ao passo que aqui se fala de instituições de ensino superior comunitárias, necessário mencionar a Lei no. 9.394/1996230, que tratará das diretrizes e bases da educação nacional e que abordará o comunitário em dois momentos. No artigo 5º., ao dizer que o “acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo”. A segunda II - a publicação em órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às expensas do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação; III - a prestação de serviços à comunidade. 228 BRASIL. A Lei nº. 8.472/93, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010. 229 BRASIL. Lei 9.612/98, de 19 de fevereiro de 1998. Institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010. 230 BRASIL. Lei no. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010. 72 alusão ao comunitário, diz respeito às categorias de instituições privadas de ensino, artigo 20, inciso II, dentre as quais estarão as comunitárias, “assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas educacionais, sem fins lucrativos, que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade”. Percebe-se que a classificação aqui realizada adotará a lógica dicotômica do público versus privado. A Lei nº. 9.766/98231 tratará do salário educação, mencionando, então, as escolas comunitárias. Apesar de não haver legislação federal regulando a polícia comunitária (MG, RJ e SP têm legislações estaduais regulamentando a matéria), necessário destacar que o Ministério da Justiça232 trata do assunto, que ganhou destaque nos últimos tempos, por aliar a participação da comunidade na identificação e resolução de problemas, bem como por atuar de modo preventivo em relação ao crime. O Ministério da Justiça divulga e fomenta este modelo de policiamento e oferece curso para líderes comunitários interessados em colaborar com as instituições de segurança pública e defesa social. Tal qual que ocorreu na análise da utilização do termo comunitário e comunidade ao longo do texto constitucional, percebe-se também na legislação infraconstitucional uma maleabilidade do termo, eis que é empregado tanto na área da educação, do policiamento, da assistência social, da execução de penas, da radiodifusão. Estes elementos apontam à maleabilidade do termo que se molda e se adapta às necessidades e expectativas da maior interessada, qual seja: a comunidade. Ao passo que o presente trabalho tem por fito trabalhar as instituições de ensino superior comunitárias, necessário não apenas compreender o significado do comunitário, que marca esta modalidade de instituição, mas também entender os elementos que compõem o público não estatal, eis que as mencionadas instituições também têm traços que se assemelham a este modelo. 231 A Lei nº. 9.766, de 18 de dezembro de 1998. Altera a legislação que rege o Salário-Educação, e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010. 232 MINISTÉRIO DE JUSTIÇA. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/transparencia/data/Pages/MJE9CFF814ITEMID006F145729274CFB9C3800A0650511 07PTBRNN.htm>. Acesso em: 31 out.2010. 73 2.2 O público e o público não estatal na Constituição Federal de 1988 e na legislação: desvendando o Terceiro Setor no Brasil Antes de ingressar na esfera do público não estatal, é necessário compreender o significado da palavra público, que pode ser definido233 como aquilo que “pertence ou destinado ao povo, à coletividade [...]. Que é do uso de todos; comum”.234 Uma outra definição de público diz respeito a “aquilo que todos podem participar, igualmente, podendo portanto também ser expresso ou comunicado pela linguagem”.235 O público, entendido como o que é de todos e para todos, se opõe tanto ao privado, que está voltado para o lucro ou para o consumo, como ao corporativo, que está orientado para a defesa política de interesses setoriais ou grupais (sindicatos ou associações de classe ou de região) ou para o consumo coletivo (clubes). Por sua 236 vez, dentro do público, pode-se distinguir entre estatal e não-estatal. O público pode ser manifestado de duas maneiras: público estatal e público não estatal. “O estatal, por definição, tem (deve ter) finalidades exclusivamente públicas. Todavia, o público é mais abrangente que o estatal”.237 Ademais, “o entendimento de que público é aquilo que pertence a todos, ao povo, está na raiz do postulado de que o comunitário é uma das formas do público, do público não estatal”. 238 Ao público a propriedade é coletiva, seu usufruto é coletivo, enquanto no setor privado a propriedade é individual, uma pessoa adquire um determinado bem, este passa a ser sua posse. No público não-estatal assim como no privado, embora seus defensores afirmem que seu fim é público este não se torna coletivo. O seu usufruto depende das possibilidades econômicas do proprietário. 239 O público não estatal é um espaço que possibilita não apenas o aprofundamento da cidadania, mas a construção de um paradigma diferente dos que até então se apresentavam, 233 Em idêntico sentido, DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 1129. 234 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 1664. 235 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 813. 236 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal. In: ______. (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 21. 237 SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 18. 238 SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010. 239 BORGES, L. F. P; NOGUEIRA. F. M. G. A efetivação da universalização do ensino fundamental e o processo de democratização no Brasil. Revista HISTEDBR. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/rev16.html>. Acesso em: 19 jul.2009. 74 vez que além de estimular o aprofundamento da democracia e a construção de novos espaços, possibilitam que ações baseadas na cidadania. Possibilitam também a criação de espaços destinados à participação, espaços estes que têm lastros não em estruturas físicas, mas em relações sociais que fogem à lógica público e/ou privado. O espaço público é mais amplo do que o estatal, já que pode ser estatal ou nãoestatal. No plano do dever-ser o estatal é sempre público, mas na prática, não é: o Estado pré-capitalista era, em última análise, privado, já que existia para atender às necessidades do príncipe; no mundo contemporâneo o público foi conceitualmente separado do privado, mas vemos todos os dias as tentativas de apropriação privada do Estado. É público o espaço que é de todos e para todos. É estatal uma forma específica de espaço ou de propriedade pública: aquela que faz parte do Estado. É privada a propriedade que se volta para o lucro ou para o consumo dos indivíduos ou dos grupos. Uma fundação, embora regida pelo Direito Civil e não pelo direito administrativo, é uma instituição pública, na medida que está voltada para o interesse geral. Em princípio todas as organizações sem fins lucrativos são ou devem ser organizações públicas não-estatais. Poderíamos dizer que, afinal, continuamos apenas com as duas formas clássicas de propriedade: a pública e a privada, mas com duas importantes ressalvas: primeiro, a propriedade pública se subdivide em estatal e não-estatal, ao invés de se confundir com a estatal; e segundo, as instituições de Direito Privado voltadas para o interesse público e não para o consumo privado não são privadas, mas sim públicas não-estatais.240 Necessário, também, traçar ponderações acerca dos entes administrativos que compõem a Administração Pública, para compreender a sua estrutura e, ainda, firmar um pacto semântico em relação às expressões e divisões que serão adotadas, para tanto, o referencial utilizado será o de Diogo de Figueiredo Moreira Neto 241, em que pesem as diferentes abordagens realizadas pelos administrativistas brasileiros. Assim, a Administração Pública é cindida em três grandes blocos: Administração Direta, Administração Indireta e Administração Associada. A Administração Direta é composta pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal, conforme previsão constitucional. A Administração Indireta será composta pelas autarquias e pelas paraestatais242, o que engloba: empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas. Por sua vez, a Administração Associada é integrada pelas paraestatais, que abrange 240 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da Administração pública burocrática à gerencial. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; SPINK, Peter (Org.). Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 26. 241 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. 242 Existe divergência na doutrina acerca das paraestatais. Para uma parcela, as paraestatais são as pessoas jurídicas de direito privado criadas pelo Estado, como por exemplo: empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas de direito privado. Defende este posicionamento: Hely Lopes Meirelles. Para outra parcela, são paraestatais as entidades privadas não criadas pelo Estado, mas que se valem de prerrogativas deste para se manter, a exemplo do que acontece com SESC, SENAI, SESI. Esta idéia é defendida por Diogo Figueiredo Moreira Neto. 75 os Serviços Sociais Autônomos e os Conselhos Fiscais e pelas extraestatais, que, por sua vez, são divididos em entes de parceria e entes de colaboração, estes abrangem as Organizações Sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Traçadas essas considerações acerca da Administração Pública, é possível ingressar na seara do público não estatal. Ao passo que a rígida distinção entre público e privado é superada, discute-se a regulamentação de uma nova espécie de pessoa jurídica, intitulada pública não estatal. O vocábulo público não estatal não está materializado no texto da Constituição Federal de 1988, muito embora o texto constitucional aponte à necessidade e à importância de uma inter-relação entre Estado e sociedade civil. A legislação infraconstitucional, então, é que trará a figura do público não estatal ao ordenamento jurídico brasileiro, através das Leis nº. 9.637/1998 e 9.790/1999, firmando, assim, o marco regulatório do terceiro setor no Brasil. O terceiro setor contribui para assinalar a importância da sociedade como fonte de poder político, atribuindo-lhe papel na vontade política e na reivindicação de suas funções de crítica e controle do Estado. Também implica atribuir à sociedade uma responsabilidade na satisfação de necessidades coletivas. E, à proporção que redundam no desenvolvimento de capacidades e habilidades da sociedade civil na solução de seus problemas, criam condições estáveis para a retirada do Estado como produtor direto de bens e serviços.243 Com o colapso do Welfare State, enfraquece a ideia de que apenas o Estado tem o dever de assegurar os direitos sociais. O chamado terceiro setor passa a ocupar alguns espaços deixados pelo Estado. Compreender o dito terceiro setor significa fugir da dualidade mercado e Estado. Falar de terceiro setor é falar de algo que não está atrelado ao governo nem à esfera privada, mas ao chamado terceiro setor ou público não estatal, ou seja, trata-se de um setor que busca atender às demandas públicas, mas que não está ligada ao Estado, é uma ideia mais abrangente que dá à sociedade civil a possibilidade de resolução dos conflitos/dificuldades por ela enfrentados, “o terceiro setor tem um papel mais complementar do que substitutivo dos outros setores”.244 243 GONÇALVES, Vânia Mara Nascimento. Estado, sociedade civil e princípio da subsidiariedade na era da globalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 168. 244 DOWBOR, Ladislau. A Reprodução Social: Descentralização e Participação, as novas tendências. Vol. III. São Paulo, 2001, p. 61-62. 76 As discussões acerca do terceiro setor iniciam nos campos da antropologia, ciência política e das ciências sociais, e, datam da metade da década de 90 245. Contudo, ganham destaque apenas a partir do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado246 e dos estudos daí decorrentes. Augusto de Franco247 denomina o terceiro setor, como sendo tudo aquilo que não pertence ao primeiro ou segundo setor, ou seja, o que não engloba o Estado ou o Mercado, e, arrebata referindo que tal conceituação pode parecer simplória, contudo, uma classificação diversa seria incompatível com o termo. Muito embora, a classificação aqui realizada seja bastante abrangente, há consenso acerca das características das aludidas organizações, quais sejam: (1) estão fora da estrutura formal do Estado (o que não impede que o Estado, em alguns casos, regule o seu funcionamento, como ocorre em relação aos partidos políticos); (2) não têm fins lucrativos (quer dizer, não distribuem eventuais lucros auferidos com suas atividades entre os seus diretores ou associados); (3) são construídos por grupos de cidadãos na Sociedade Civil como pessoas de direito privado; (4) são de adesão não-compulsória; e, (5) produzem bens e/ou serviços de 248 uso (ou interesse) coletivo. No Brasil, a expressão terceiro setor passa a ser utilizada após o Plano Diretor da Reforma do Estado249, em 1995250, muito embora o crescimento tenha se dado nas últimas três décadas, contudo, é a Lei no. 9.790/1999 que será apontada como marco legal do terceiro setor no País.251 Trata-se de um fenômeno que ultrapassa as fronteiras do Brasil e da América Latina e ganha o mundo, assim, crescem as entidades privadas, sem fins lucrativos, destinadas 245 “A década de 1990 assistiu a uma espécie de entronização da ideia de sociedade civil nos projetos de reforma do Estado. Hoje, é quase unânime o argumento de que só pode haver reforma que produza um Estado ativo, competente e democrático se ela trouxer consigo uma sociedade igualmente forte, ativa e democrática”. In: NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para a sociedade civil: temas éticos e políticos da gestão democrática. 2. ed. São Paulo: Nogueira, 2005, p. 58. 246 PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO. Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/recipient3.asp?cat=153. Acesso em: 31 out.2010. 247 FRANCO, Augusto de. A Reforma do Estado e o Terceiro Setor. In: BRESSER PEREIRA, L. C.; WILHEIM, Jorge e SOLA, Lourdes. Sociedade e Estado em Transformação. São Paulo: Unesp; Brasília: Enap, 1999, p. 283. 248 FRANCO, Augusto de. A Reforma do Estado e o Terceiro Setor. In: BRESSER PEREIRA, L. C.; WILHEIM, Jorge e SOLA, Lourdes (Org.). Sociedade e Estado em Transformação. São Paulo: Unesp; Brasília: Enap, 1999, p. 284. 249 “A reforma administrativa de 1995 teve como objetivo a substituição da administração pública burocrática pela gerencial, abrindo-se cada vez mais para uma política de incentivo e financiamento de atividades executadas pelos cidadãos na consecução de resultados, trabalhando com a perspectiva de redução do tamanho do Estado promotor de bens e serviços. A nova proposta da administração pública de formação gerencial tem como ideia norteadora apresentar como elementos a eficiência, a flexibilização, o controle finalístico, o contrato de gestão, a qualidade e o cidadão-cliente. In: RICHTER, Luiz Egon; LEIDENS, Letícia Virgínia. O marco legal do terceiro setor e sua (in)compatibilidade normativa com as instituições comunitárias. In: SCHMIDT, João Pedro (org.). instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 42. 250 BRASIL. Presidência da República. Câmara da Reforma do Estado. Plano diretor da reforma do aparelho do Estado. Brasília: MARE, 1995. 251 SCHMIDT, João Pedro. O caráter público não-estatal da universidade comunitária: aspectos conceituais e jurídicos. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, n. 29, jan./jun. 2008, p. 22-43. 77 a atender as demandas no campo da assistência social, da saúde, da defesa do meio ambiente e da proteção de direitos humanos, entre outras.252 Boaventura de Sousa Santos253 atrela o surgimento do terceiro setor à crise do Estado Providência, vez que ele não surge num processo de lutas, sejam elas sociais ou políticas, mas decorre, sim, de um processo contornado por cooperação, solidariedade e participação, num momento em que os direitos de terceira dimensão começam a ser implementados. Em 1995, o Brasil inicia o processo de reforma administrativa, trata-se do primeiro País em fase de desenvolvimento a adotar tal medida. Historicamente, é a segunda importante reforma administrativa do Estado moderno, que mais dia menos dia deverá ocorrer em outros países e “uma vez iniciada, não há alternativa senão prossegui-la”.254 A dita reforma tem por fito colaborar na formação de um Estado que se mostre forte e também eficiente, para tanto é necessário que três dimensões sejam enfrentadas: a) uma dimensão institucional-legal, voltada à descentralização da estrutura organizacional do aparelho do Estado através da criação de novos formatos organizacionais, como as agências executivas, regulatórias, e as organizações sociais; b) uma dimensão gestão, definida pela maior autonomia e a introdução de três novas formas de responsabilização dos gestores – a administração por resultados, a competição administrada por excelência, e o controle social – em substituição parcial dos regulamentos rígidos, da supervisão e da auditoria, que caracterizam a administração burocrática; e c) uma dimensão cultural, de mudança de mentalidade, visando passar da desconfiança generalizada que caracteriza a administração burocrática para uma confiança maior, ainda que limitada, própria da administração gerencial.255 Falar em terceiro setor256, significa falar de uma pluralidade de possibilidades e “a pluralidade normativa de regência das entidades do terceiro setor pode resultar – como parece 252 BARBOSA, Maria Nazaré Lins. A experiência dos termos de parceria entre Poder Público e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). In: SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias Público-Privadas (Coord.). São Paulo: Malheiros, 2005, p. 488-489. 253 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma reinvenção solidária e participativa do Estado. In: BRESSER PEREIRA, L. C.; WILHEIM, Jorge e SOLA, Lourdes (Org.). Sociedade e Estado em Transformação. São Paulo: Unesp; Brasília: Enap, 1999, p. 255. 254 PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/rgp.asp>. Acesso em: 31 out.2010. 255 PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/recipient3.asp?cat=153>. Acesso em: 31 out.2010. 256 Boaventura de Sousa Santos critica o uso generalizado da expressão. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma reinvenção solidária e participativa do Estado. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carkis; WILHEIM, Jorge; SOLA, Lourdes (Org.). Sociedade e Estado em Transformação. São Paulo: UNESP; Brasília: ENAP, 1999, p. 250-258. “Ao passo que são apresentadas “quatro justificativas para o agrupamento dos componentes do terceiro setor sob uma mesma terminologia: o contraponto às ações do governo, pois destaca a idéia de que os bens e serviços públicos resultam não apenas da atuação do Estado, mas também de outras alternativas; o contraponto às ações do mercado; a unificação terminológica, que empresta um sentido maior aos elementos que o compõem (caridade, filantropia, mecenato e cidadania); uma visão integradora da vida pública, enfatizando a 78 ocorrer na realidade – na inefetividade dos diversos modelos de qualificação jurídica e ainda criar uma disputa interna entre as entidades que devem possuir interesses que são, em alguma medida, semelhantes”.257 É através do controle social que o público não estatal resta fortalecido, eis que os cidadãos têm a oportunidade de “exercer uma função crítica sobre o comportamento dos agentes públicos, estatais e não-estatais. É, neste sentido, um instrumento de regulação que pode ser exercido quer em função de interesses particulares, quer em função de interesses gerais”.258 O terceiro setor, então, pode ser conceituado como um espaço que não integra nem o Estado, nem o mercado, e, que busca trazer o cidadão para participar na tomada de decisões e na busca de soluções a problemas que são identificados em distintas esferas da sociedade. Assim, a sociedade civil não apenas é fortalecida, mas também se compõe como “uma esfera de ação social, de demanda por cidadania e 'democracia, onde o próprio conceito de ONG é entendido como parte constituinte deste”.259 O Terceiro Setor tem origem norte-americana e é fruto “de um recorte do social em esferas: o Estado (“primeiro setor”), o mercado (“segundo setor”) e a “sociedade civil” (“terceiro setor”). Carlos Montaño aponta quatro debilidades do chamado terceiro setor, a saber: a) em relação a dificuldade de conceituação; b) quais entidades o integram; c) a amplitude do conceito de terceiro setor, o que leva a uma abertura capaz de abrigar, sob o mesmo manto, organizações formais e atividades informais, voluntárias e/ou individuais, atividades de interesse político, ambiental, entre outros; d) características que não atendem à generalidade das entidades do terceiro setor, a exemplo das expressões, não-governamental, autogovernado e não-lucrativo.260 Não há no terceiro setor nem a lógica do Estado, ou seja, a ideia de um direito público; tampouco a lógica lucrativa do mercado. O chamado Terceiro Setor “perturba estas lógicas. complementaridade entre as ações públicas e privadas”. In: DIAS, Maria Tereza Fonseca. Terceiro setor e Estado:legitimidade e regulação. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 99-100. 257 DIAS, Maria Tereza Fonseca. Terceiro setor e Estado: legitimidade e regulação. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 202. 258 VELÁSQUEZ, Fabio E. A Observadoria cidadã na Colômbia em busca de novas relações entre o Estado e a sociedade civil. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 264. 259 LOUREIRO, Carlos Frederico B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem política. Rio de Janeiro; São Paulo: Quartet, 2006, p. 124. 260 MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social – crítica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2002, p. 53-57. 79 As suas iniciativas nascem do movimento espontâneo de um grupo de pessoas preocupadas com um problema social que não encontra soluções aparentes nem no Estado nem na empresa, e que se organizam para dar uma resposta.”261 O problema resultante diretamente deste conceito é que resulta numa despolitização na pratica cidadã individual e coletiva em função da incapacidade de se entender como estes setores só fazem sentido vistos em relações de constituição mútua. [...] A base de sustentação do conceito de terceiro setor está nas categorias parceria e cooperação entre os setores sociais e, conseqüentemente, em uma publicização que deve ser vista como resultante de avanços nas relações sociais, uma vez que expressa a instituição de organismos ou instâncias que congregam governo, empresas e entidades civis não-lucrativas, na resolução de problemas eminentemente sociais. Tal perspectiva está concretizada, no Brasil, por meio da Lei das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), de 23/4/99, e do Decreto. n° 3.100, de 30161 99, que acentua a responsabilidade privada de cidadãos associados, operando em áreas de interesse público (Bocayuva, 1999) por intermédio do conceito chave de parceria.262 Apesar de a Constituição Federal de 1988 não trazer as expressões público não estatal, terceiro setor, organização não governamental, vislumbra-se que em diversos momentos há a previsão de participação da sociedade civil263. Falar em terceiro setor significa falar em uma “esfera da sociedade civil que se utiliza primordialmente da estratégia da parceria e da cooperação como mecanismo de democratização e realização de serviços pela sociedade civil organizada, com pouca ênfase na disputa por hegemonia e autonomia”.264 “O setor produtivo público não estatal é também conhecido por ‘terceiro setor’, ‘setor não-governamental’ ou 261 DOWBOR, Ladislau. Democracia econômica: alternativas de gestão social. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 170171. 262 LOUREIRO, Carlos Frederico B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem política. Rio de Janeiro; São Paulo: Quartet, 2006, p. 124-125. 263 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 05 out.2010. Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. [...] § 2º - às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: [...] II - realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil; [...]. Art. 79. É instituído, para vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, a ser regulado por lei complementar com o objetivo de viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000) Parágrafo único. O Fundo previsto neste artigo terá Conselho Consultivo e de Acompanhamento que conte com a participação de representantes da sociedade civil, nos termos da lei. Art. 82. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem instituir Fundos de Combate á Pobreza, com os recursos de que trata este artigo e outros que vierem a destinar, devendo os referidos Fundos ser geridos por entidades que contem com a participação da sociedade civil. 264 LOUREIRO, Carlos Frederico B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem política. Rio de Janeiro; São Paulo: Quartet, 2006, p. 124. 80 ‘setor sem fins lucrativos’. [...] o público não-estatal é também o espaço da democracia participativa ou direta, ou seja, é relativo à participação cidadã nos assuntos públicos”.265 Muito embora, “para muitos, as atividades da sociedade civil organizada simplesmente desresponsabilizam o Estado das suas obrigações, para outros constituem um bandaid para os desmandos corporativos”.266 Na prática, percebe-se que a situação apresentada é diferente, notadamente, no que diz respeito às instituições de ensino superior comunitárias é necessário destacar que, muito embora, elas possuam semelhanças, a exemplo da finalidade pública, do caráter não governamental e da ausência de persecução pelo lucro, elas também possuem traços diferenciadores, quais sejam: a) envergadura organizacional: as instituições comunitárias têm, via de regra, envergadura bem maior. Universidades, escolas, hospitais são grandes organizações, com dezenas, centenas ou milhares de funcionários, que atendem a grandes contingentes de usuários; por outro lado, boa parte das organizações do terceiro setor tem poucos funcionários e atende a um número restrito de pessoas; b) adesão voluntária x trabalho profissional: a adesão voluntária é uma característica fundamental de boa parte das organizações do terceiro setor, de modo que o vínculo do cidadão com a organização mantém-se com base nessa premissa, já as instituições comunitárias são organizações profissionalizadas, com funcionários contratados segundo as leis trabalhistas; c) pluralidade e amplitude da participação da comunidade regional: boa parte das organizações do terceiro setor é composta por um pequeno número de componentes; as instituições comunitárias são formadas por vários segmentos sociais, donde deriva seu caráter de pluralidade; d) doações voluntárias x cobrança pelos serviços: enquanto boa parte das ações do terceiro setor é viabilizada por doações de pessoas físicas e jurídicas, as comunitárias sustentam-se através da cobrança dos serviços que prestam aos usuários.267 Dada a ampla gama de possibilidades que envolve o terceiro setor, percebe-se que, aqui foram traçadas apenas algumas pinceladas, no intuito de esclarecer alguns conceitos e ter alguns aportes que possibilitem a continuidade da discussão proposta. Pois bem, nota-se que há diferenças entre o terceiro setor e o chamado público não estatal, muito embora existam também muitas afinidades. Ora, o terceiro setor abrange as entidades tidas como de caráter público não estatal. Por outro lado, o terceiro setor abarca organizações com finalidades muito distintas, consoante já referido. Assim, as chamadas instituições comunitárias não tendem a ser consideradas integrantes do terceiro setor, em virtude da estrutura organizacional, do trabalho profissional, da participação comunitária plural e em razão da cobrança dos serviços, 265 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal. In: ______. (Org). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 16. 266 DOWBOR, Ladislau. Democracia econômica: alternativas de gestão social. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 173. 267 SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais, p. 30. 81 contudo, é possível dizer que as instituições comunitárias, possuem o caráter público não estatal. 2.2.1 Breves notas acerca das Organizações não Governamentais – ONGs, no Brasil As ONGs268 têm início na década de 70, no Brasil, com os movimentos ambientalistas, contudo, é a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 que elas ganham força, visibilidade e certa proteção graças à abertura democrática que ocorre no País, muito embora, “no início da década de oitenta, o termo ONG passou a ser amplamente utilizado, expressando um segmento importante da vida coletiva para designar as relações na e com a sociedade civil e com o governo”.269 É a partir da década de 90, então, que estas organizações começam a ter mais destaque e mais adesão da sociedade civil, na esfera ambiental, o “boom da criação das ONGs ambientalistas no Brasil deu-se a partir do início dos anos 80, com grande pico no início da década de 90 (às vésperas da realização da Rio 92)”.270 . Portanto, as ONGs colaboram para que haja a materialização da dita inter-relação entre Estado e sociedade civil, fugindo à lógica do binômio Estado versus mercado. O termo "organização não-governamental" (ONG), tradução do inglês nongovernamental organization (NGO), tem sua origem nas Nações Unidas, onde foi utilizado pela primeira vez para designar organizações que atuavam em nível internacional. A Resolução 288(x) de 1950 do Conselho Econômico e Social (Ecosoc) definiu ONG no âmbito das Nações Unidas como sendo uma organização internacional a qual não foi estabelecida por acordos governamentais. Na literatura latino-americana, mais especificamente brasileira, o termo ONG surge na metade dos anos 80 em estudos sobre o que Rubem César Fernandes chamou na época de “microorganizações não-governamentais" sem fins lucrativos. Em organizações que realizavam projetos junto aos 268 O termo “ONG” não é uma figura jurídica, e sim, uma expressão carregada de identidades e revestida de um manto simbólico repleto de significados contraditórios, que foi ganhando sentidos a partir da década de 1980 por meio das dinâmicas sociais e políticas da sociedade brasileira. Historicamente, as primeiras ONGs foram constituídas nas décadas de 1970, 1980 e 1990, tendo como objetivo a defesa de direitos e a promoção do desenvolvimento sustentável, em uma perspectiva de redução das desigualdades. Parte do universo associativo e fundacional brasileiro, as ONGs de defesa de direitos e desenvolvimento construíram uma nova dimensão ou segmento na vida associativa brasileira, com organizações pautadas pela luta por direitos e pela constituição de novos direitos, especialmente os chamados direitos humanos, econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais”. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS – ABONG. Um novo marco legal para as ONGs no Brasil – fortalecendo a cidadania e a participação democrática. Disponível em: <http://www.abong.org.br>. Acesso em: 01 nov.2010. 269 LOUREIRO, Carlos Frederico B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem política. Rio de Janeiro; São Paulo: Quartet, 2006, p. 120. 270 FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo: Annablume, 2009, p. 159. 82 movimentos populares, por exemplo, na área da promoção social. Na Alemanha, por outro lado, o termo ONG surgiu dentro do governo. Ao ser criado, em 1962, o Ministério da Cooperação Econômica e Desenvolvimento começou a repassar subsídios para o que definiu como “unicht staatliche organisationen", ou seja, organizações não estatais, como por exemplo, as igrejas católica e evangélica. 271 A história das ONGs está diretamente atrelada à história dos movimentos sociais, assim, ao longo dos tempos, estas buscam “melhor organização, participação, articulação nas suas demandas, reivindicações e lutas”.272 Hoje, percebe-se que “a dificuldade em medir o número preciso de organizações no País está não apenas na falta de dados e instrumentos confiáveis de medição, como também no debate sobre o que faz parte ou não do universo das ONGs”.273 Conceituar as ONGs, hoje, significa fugir à lógica dicotômica público versus privado, vez que surgiu uma nova possibilidade, intitulada “público-comunitário-não-estatal, vindo a se constituir no “terceiro setor” economia, no plano informal”.274 “é fundamental a clareza de que o conceito ONG é apenas político, ou seja, ele não existe formalmente e tem sido comumente usado de forma generalista”.275 Falar em ONGs significa falar de organizações não criadas pelo governo, que devem ter como características gerais o fato de que: [...] são organizações formais, pois não constituem apenas um agrupamento de pessoas, mas apresentam estrutura estabelecida com a finalidade explícita de atingir certos objetivos; são organizações sem fins lucrativos; possuem uma certa autonomia; realizam atividades, projetos e programas na chamada área de "política de desenvolvimento", visando contribuir para a erradicação das condições de vida desiguais e injustas no mundo. 276 As ONGs têm por finalidade atender necessidades da população, de modo direto em comunidades específicas ou através de uma atuação em comunidades específicas ou, ainda, agirem por meio de parcerias e de articulações com entidades, sejam elas privadas ou governamentais. Ao contrário do que se dá com as organizações tradicionais, as ONGs não 271 FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo: Annablume, 2009, p. 140. 272 MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social – crítica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2002, p. 138. 273 TEIXEIRA, Ana Claudia Chaves. A atuação das organizações não-governamentais: entre o Estado e o conjunto da sociedade. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 105. 274 GOHN, Maria da Glória. Os sem-terra, ONGs e cidadania. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2003, p. 54. 275 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS – ABONG. Um novo marco legal para as ONGs no Brasil – fortalecendo a cidadania e a participação democrática. Disponível em: <http://www.abong.org.br>. Acesso em: 01 nov.2010. 276 FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo: Annablume, 2009, p. 141. 83 falam de comunidades ou classes específicas, mas sim em prol de causas e de objetivos, o que possibilita uma maior mobilização e articulação. O que diferencia as ONGs é justamente a amplitude de sua atuação e busca por uma consciência cidadã, onde são refutados os benefícios que não se mostrem capazes de gerar autonomia e independência.277 Após a aprovação da Lei n. 9.790, de 23 de março de 1999, pelo Congresso Nacional, foi definido um marco legal para as ONGs, genericamente mencionadas como "o terceiro setor", após ampla discussão pela sociedade civil e setores de governo. Essa lei dispõe sobre as organizações da sociedade civil de interesse público, sem fins lucrativos. A lei estabelece um parâmetro para as organizações não-governamentais, uma vez que reconhece como organizações de interesse público aquelas que têm por objeto: (a) promoção da assistência social; (b) promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; (c) promoção gratuita da educação; (d) promoção gratuita da saúde; (e) promoção da segurança alimentar e nutricional; (f) defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; (g) promoção do voluntariado; (h) promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; (i) experimentação, não-lucrativa, de novos modelos socioprodutivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; (j) promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; (k) promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; (1) estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos mencionadas nos itens acima.278 A proliferação e fortalecimento das ONGs, corrobora a ideia de que o interesse pelos assuntos públicos não é exclusividade do Estado. Ademais, as ONGs são tidas como garantidoras de determinados bens coletivos, fazendo às vezes do Estado, que deveria suprir a estas demandas da sociedade, mas que não o faz. “Segundo essa definição as ONGs são consideradas como uma compensação para atender determinadas necessidades da sociedade, considerando a deficiência do Estado e do mercado em supri-las”.279 O financiamento das ONGs brasileiras, até a década de 1990 era basicamente realizado por governos europeus, as mudanças governamentais, porém, deixaram as ONGs brasileiras órfãs, assim elas foram empurradas a realizar uma aproximação com o governo, sob pena de não sobreviverem. As alterações havidas na cooperação internacional, que financiava as organizações, implicaram na “necessidade de procurar novas formas de sobrevivência, e a abertura de concursos para que as ONGs se inscrevessem e realizassem 277 LOUREIRO, Carlos Frederico B. O movimento ambientalista e o pensamento crítico: uma abordagem política. Rio de Janeiro; São Paulo: Quartet, 2006, p. 120-123. 278 FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo: Annablume, 2009, p. 144-145. 279 FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo: Annablume, 2009, p. 141. 84 seus projetos parecia muito atrativa”.280 A relação entre Estado e ONGs será marcada basicamente por dois elementos, quais sejam, pelo “projeto político que perpassa essa relação, o poder efetivo de cada uma das partes no momento do encontro e o grau de empenho por parte das pessoas envolvidas”.281 Somem-se estes dois elementos às variáveis que são peculiares das ONGs e será possível verificar o porquê da dificuldade de chegar a um único padrão de ONG, consequentemente, será possível visualizar as dificuldades e ambiguidades que cercam estas entidades. Os contatos estabelecidos entre ONGs e órgãos governamentais geralmente são precedidos de expectativas de ambas as partes. Algumas vezes, essas expectativas são confirmadas, em outros casos, não. As maiores expectativas das ONGs em relação aos órgãos de governo são de que eles sejam transparentes, abertos, partilhem o poder de decisão sobre os rumos dos projetos, sejam capazes de formular políticas públicas que incluam as perspectivas das organizações, sejam ágeis e que tenham confiança ao repassarem recursos. Por parte do Estado, espera-se das ONGs que elas sejam eficazes, com boa capacidade interna de organização, com quadros profissionais bem qualificados, que estabeleçam uma relação de confiança com o governo e estejam em sintonia com os objetivos do programa a ser implementado.282 Segundo dados da Associação Brasileira das Organizações não Governamentais ABONG283 existem hoje no Brasil, 338 (trezentos e trinta e oito mil) organizações nãogovernamentais, que refletem a democracia no País. As organizações não-governamentais podem ser divididas em cinco grandes grupos: a) as privadas; b) as que não distribuem eventuais excedentes; c) as tidas como voluntárias; d) aquelas que têm capacidade de autogestão; e, e) as institucionalizadas. Sob um ponto de vista político, as ONGs hoje podem ser vistas de três modos distintos. Primeiro, como um espaço privilegiado, tanto para possibilitar a participação cidadã quanto para construir um espaço democrático. Segundo, a partir de uma visão reducionista e conservadora, elas são taxadas como organizações que contrariam as 280 TEIXEIRA, Ana Claudia Chaves. A atuação das organizações não-governamentais: entre o Estado e o conjunto da sociedade. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 121. 281 TEIXEIRA, Ana Claudia Chaves. A atuação das organizações não-governamentais: entre o Estado e o conjunto da sociedade. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 121. 282 TEIXEIRA, Ana Claudia Chaves. A atuação das organizações não-governamentais: entre o Estado e o conjunto da sociedade. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 127. 283 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS – ABONG. Disponível em: <http://www.abong.org.br/ongs.php>. Acesso em: 01 nov.2010. 85 tradicionais estruturas de poder, quebrando assim, com uma lógica que imperou por muitos anos. O terceiro ponto de vista, entende que as ONGs têm o papel de assumir maiores responsabilidades seja na prestação de serviços, seja na execução de políticas públicas. Tudo isso influirá para que venha à tona o debate em prol de um marco regulatório próprio às ONGs bem como na direção da sua relação com o Estado. Tal qual ocorre hoje com as instituições de ensino superior comunitárias, as ONGs buscam um marco regulatório específico, capaz de abranger as especificidades e a variedade de formatos por elas apresentadas e objetivar a relação entre Estado e sociedade civil, notadamente no que se refere ao financiamento das ações e ao rumo destas ações, que devem se voltar à defesa e à promoção da cidadania. Nessa esteira, à medida que as ONGs desempenham uma importante contribuição à democracia, necessário se faz que a sociedade desperte para a importância destas entidades.284 [...] As ONGs são organizações que objetivam mudanças sociais globais através da influência na adoção de políticas. As ONGs possem tanto uma função social como uma função política. Alguns autores denominam as ONGs como “pressure groups”, ou como “political nonprofit organization” (organizações políricas sem fins lucrativos). Levando-se em consideração sua função política, como “think tanks” (depósitos ou fontes de idéias) para inovações políticas, pois geralmente os governos não estão em posição de desenvolver programas e políticas novas e viáveis. Ou seja, as ONGs oferecem imaginação e criatividade ao processo político. 285 Evidente que as ONGs representam um ponto de equilíbrio entre mercado e Estado, elas tentam suprir as lacunas deixadas por este sem, contudo, desenvolver atividades semelhantes àquele. Pois bem, apesar de as ONGs avocarem funções públicas, atuarem de modo inovador, e criarem uma nova esfera pública social, percebe-se que elas não seguem, consoante referido, as mesmas diretrizes que as instituições de ensino superior comunitárias. Têm em comum a busca por um marco regulatório adequado à sua realidade. 2.2.2 Organizações Sociais - OS A crise financeira que assolou o Brasil nos anos 80 reflete também uma crise do Estado. A ideia de que “Estado e sociedade formam, numa democracia, um todo indivisível”286 dará 284 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS – ABONG. Disponível em: <http://www.abong.org.br/ongs.php>. Acesso em: 01 nov.2010. 285 FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo: Annablume, 2009, p. 142. 286 PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/rgp.asp>. Acesso em: 31 out.2010. 86 origem às OS, frutos do processo de Reforma do Estado, ocorrido em 1995, este instituto traz para o ordenamento jurídico brasileiro a ideia de publicização dos serviços sociais. Inicialmente, elas são regulamentadas pela Medida Provisória nº. 1.591/97; posteriormente, pela Lei nº. 9.637/1998. As OS representam o público não estatal e têm por finalidade atender às ditas atividades publicizáveis, através de uma qualificação específica. Estas entidades serão constituídas por associações civis sem fins lucrativos, que não integram nem a propriedade de determinado indivíduo ou grupo, estando, porém, pautada pelo atendimento do interesse público. Trata-se de um modelo que representa a parceria entre o Estado e a sociedade, através do qual aquele continua fomentando as atividades publicizadas e sobre elas exercendo controle estratégico, ao passo que esta exercerá o controle social e atuará também na prestação de determinados serviços, adotando, portanto, uma conduta ativa.287 Baseada no diagnóstico que considera a rigidez burocrática o problema central da administração pública, essa iniciativa presume que esses serviços ganharão em qualidade e eficiência se, mantidas as dotações orçamentárias e as subvenções sociais transferidas pelo poder público, eles saírem do âmbito de atuação do Estado. Através desse programa, o Estado abre espaço para a transformação de entidades estatais em organizações públicas não-estatais. Estas últimas, ao serem qualificadas como organizações sociais, são reconhecidas como de interesse coletivo e de utilidade pública e ficam habilitadas a receber recursos financeiros do Estado e a gerenciar bens, equipamentos e servidores cedidos pelo poder Executivo para a 288 execução de serviços públicos. As OS e as OSCIPs, então, nascem dentro desta nova formatação de Estado e desta nova divisão de funções, desempenhando, assim, um ponto de equilíbrio entre Estado e mercado. “A inovação, portanto, não está na estrutura da pessoa jurídica, mas, sim, na nova forma de parceria entre o ente privado e o Poder Público”.289 A Lei n°. 9.637/1998 regulamenta as OS, que são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades devem ser dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, desde que cumpridos os requisitos legais. O processo de criação das organizações sociais 287 ORGANIZAÇÕES SOCIAIS. Cadernos MARE. 5. ed. Brasília, 1998. Disponível em: <www.bresserpereira.org.br>. Acesso em: 31 out.2010. 288 BARRETO, Maria Inês. As organizações sócias na reforma do Estado brasileiro. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 120. 289 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro setor. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2006, p. 98. 87 compreende basicamente sete passos: “a decisão do governo, a criação da entidade pública não-estatal; a proposta de publicização, a aprovação legal; o inventário simplificado; a implementação do contrato de gestão e a gestão das organizações sociais”.290 A implantação desse modelo inaugura nova forma de parceria entre a sociedade e o Estado, baseada em resultados, que conjuga autonomia, flexibilidade, responsabilidade na gestão: o Estado assume o financiamento total ou parcial, e as organizações sociais qualificadas para tanto absorvem a prestação desses serviços, ficando responsáveis pelos resultados pactuados através de contratos de gestão. Com essa iniciativa, o Estado oferece aos dirigentes de órgãos e entidades públicas estatais responsáveis pela prestação de serviços sociais a possibilidade de se libertarem das disfunções operacionais do Estado e, portanto, de assumirem 291 plenamente a gestão estratégica de suas respectivas organizações. Falar em organização social não significa falar em um novo ente administrativo, mas sim de uma titulação outorgada pela Administração Pública a uma entidade privada, que não tem fins lucrativos, para que esta possa receber certas benesses do Poder Público, dentre as quais, podem ser destacadas dotações orçamentárias, isenções fiscais, entre outras, a fim de desempenhar atividades interesse coletivo.292 De acordo com Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado293, as instituições intituladas OS terão maior autonomia administrativa e seus dirigentes maiores responsabilidades. De outra banda, as organizações sociais buscam não apenas uma parceria com a sociedade, mas também um controle e o financiamento de uma parcela do custo dos serviços oferecidos por parte desta. A proposta do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado completa-se com a admissão, ao lado da propriedade estatal e da propriedade privada, da denominada propriedade pública não-estatal e da propriedade privada, da denominada propriedade pública não-estatal de bens e serviços a ser titularizada pelas organizações sem fins lucrativos. Ao setor de serviços não exclusivos de atuação do Estado deve corresponder a propriedade pública não-estatal e, por essa razão, bens e serviços de titularidade do Estado são transferidos a organizações sem fins lucrativos e de direito privado por intermédio de um processo denominado de “publicização”.294 290 BARRETO, Maria Inês. As organizações sócias na reforma do Estado brasileiro. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 123. 291 BARRETO, Maria Inês. As organizações sócias na reforma do Estado brasileiro. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 121. 292 MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2006, p. 382. 293 PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO. Disponível em: <www.bresserpereira.org.br>. Acesso em: 31 out.2010. 294 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro setor. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2006, p. 100. 88 A fim de serem conceituadas como OS, as entidades precisam cumprir alguns requisitos, quais sejam, aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social e a comprovação do registro de seu ato constitutivo, onde deverá constar: a natureza social de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação; finalidade não-lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no desenvolvimento das próprias atividades; previsão expressa de a entidade ter, como órgãos de deliberação superior e de direção, um conselho de administração e uma diretoria definidos nos termos do estatuto, asseguradas àquele composição e atribuições normativas e de controle básicas previstas nesta Lei; previsão de participação, no órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral; composição e atribuições da diretoria; obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial da União, dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão; no caso de associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto; proibição de distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese, inclusive em razão de desligamento, retirada ou falecimento de associado ou membro da entidade; previsão de incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe foram destinados, bem como dos excedentes financeiros decorrentes de suas atividades, em caso de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra organização social qualificada no âmbito da União, da mesma área de atuação, ou ao patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, na proporção dos recursos e bens por estes alocados. Destaque-se que as OS não têm por fito apenas “absorver competências, patrimônio e servidores de entes públicos extintos; elas podem, também, exercer atividades socialmente relevantes, não de competência exclusiva do Poder Público, mas incentivada por ela mediante o repasse” 295 de recursos expressos no contrato de gestão”. De acordo com o artigo 2º 296., I, 295 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro setor. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2006, p. 102. Art. 2° São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social: I - comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre: a) natureza social de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação; b) finalidade não-lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no desenvolvimento das próprias atividades; c) previsão expressa de a entidade ter, como órgãos de deliberação superior e de direção, um conselho de administração e uma diretoria definidos nos termos do estatuto, asseguradas àquele composição e atribuições normativas e de controle básicas previstas nesta Lei; d) previsão de participação, no órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral; 296 89 alínea d da Lei nº. 9.637/1998, as OS precisam ter um conselho de administração, no qual deve haver a participação de representantes da comunidade e do poder público, os quais deverão contar com notória capacidade profissional e idoneidade moral. O projeto de organizações sociais prevê um mecanismo específico de controle social: a participação de entidades representativas da sociedade civil na gestão e no controle dessas instituições. Para que esse mecanismo contribua para a eficiência na prestação dos serviços, são necessários três requisitos [...]. As entidades representativas da sociedade civil têm que representar os interesses dos usuários; a instituição deve contar com instrumentos de gestão adequados para lidar com o aumento da incerteza e com a maior discricionariedade que essa participação envolve; e cumpre fortalecer os canais de comunicação entre os políticos e os usuários para que as informações relativas ao desempenho dos burocratas cheguem aos primeiros.297 Será atribuição privativa do Conselho de Administração, a fixação do âmbito de atuação da entidade, para consecução do seu objeto; a aprovação de proposta de contrato de gestão da entidade; bem como a aprovação de proposta de orçamento da entidade e o programa de investimentos; a designação e dispensa dos membros da diretoria; a fixação da remuneração dos membros da diretoria; a aprovação e disposição acerca da alteração dos estatutos e a extinção da entidade por maioria, no mínimo, de dois terços de seus membros; a aprovação do regimento interno da entidade, que deve dispor, no mínimo, sobre a estrutura, forma de gerenciamento, os cargos e respectivas competências; a aprovação por maioria, no mínimo, de dois terços de seus membros, o regulamento próprio contendo os procedimentos que deve adotar para a contratação de obras, serviços, compras e alienações e o plano de cargos, salários e benefícios dos empregados da entidade; a aprovação e encaminhamento ao órgão supervisor da execução do contrato de gestão, os relatórios gerenciais e de atividades da entidade, elaborados pela diretoria; a fiscalização do cumprimento das diretrizes e metas e) composição e atribuições da diretoria; f) obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial da União, dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão; g) no caso de associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto; h) proibição de distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese, inclusive em razão de desligamento, retirada ou falecimento de associado ou membro da entidade; i) previsão de incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe foram destinados, bem como dos excedentes financeiros decorrentes de suas atividades, em caso de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra organização social qualificada no âmbito da União, da mesma área de atuação, ou ao patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, na proporção dos recursos e bens por estes alocados; II - haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado. 297 NASSUNO, Marianne. O controle social nas organizações no Brasil. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 357. 90 definidas e aprovar os demonstrativos financeiros e contábeis e as contas anuais da entidade, com o auxílio de auditoria externa. As OS, “que têm bens públicos, orçamentos públicos e servidores públicos, estranhamente não precisarão licitar seguindo as regras da Administração Pública, porém devem ter regulamento próprio”298, todavia, deverão atender os princípios administrativos da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade, bem como especificar o programa de trabalho proposto, estipular as metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução, e prever de modo expresso os critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade; deverão ainda ser estipulados os limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais, no exercício de suas funções. O projeto das organizações sociais revelada, ao mesmo tempo, grandes oportunidades e desafios. A oportunidade consiste em apresentar uma possibilidade concreta de superação da atual situação de imobilidade e impotência administrativa por que passa o setor público não-estatal, especialmente nas áreas sociais. Nesse sentido, o modelo avança na medida em que concilia a finalidade social dos serviços públicos com a eficiência do setor privado, abrindo espaço para a ampliação da representação social. O desafio reside em contemplar as questões centrais apontadas no diagnóstico, principalmente no que concerne à dimensão política: além de enfrentar os problemas advindos da crise fiscal do estado, é necessário que o modelo esteja orientado para a superação do atual descompasso Estado-sociedade.299 Uma vez verificado o descumprimento das disposições expressadas no contrato de gestão, a entidade perderá a qualificação de OS, todavia, haverá processo administrativo onde restará assegurada a ampla defesa. A desqualificação envolverá a reversão dos bens permitidos e dos valores entregues à utilização da organização social, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. Muito embora, as OS tenham trazido ao ordenamento jurídico brasileiro a expressão da inter-relação entre Estado e sociedade, concretizando, na prática, tal interação, e, apesar de elas, em tese, representarem um impulso às atividades nos campos do ensino, da pesquisa científica, do desenvolvimento tecnológico, da proteção e preservação do meio ambiente, da cultura e da saúde, percebe-se que a teoria trouxe melhores frutos que a prática, pois “essa 298 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 155 BARRETO, Maria Inês. As organizações sócias na reforma do Estado brasileiro. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 139. 299 91 forma jurídica é uma experiência que de um modo geral não vingou”300, até porque se na teoria a ideia era publicizar, na prática isso se converteu em uma possibilidade de privatização sem a ocorrência de licitação. 2.2.3 Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs O Brasil desbrava o século XXI tendo uma indústria modernizada e diversificada, apresentando, porém, uma estrutura social ainda atrasada, percebe-se que “a riqueza está concentrada no arquipélago, e uma parcela importante da população busca a sobrevivência nadando no oceano da informalidade”.301 Neste cenário de desigualdade, as OSCIPs surgem como tentativa de universalizar à população os serviços sociais, cuja demanda não consegue ser suprida pelo Estado.302 Assim como as OS, as OSCIPs são fruto do processo de Reforma do Estado, ocorrido em 1995. Com a Lei n°. 9.790/1999, as OSCIPs ingressam no ordenamento jurídico brasileiro, elas são caracterizadas por na possuírem fins lucrativos, embora sejam pessoas jurídicas de direito privado, e por ter pelo menos um dos seguintes objetivos sociais: promoção da assistência social; promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata a Lei nº. 9.790/1999; promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de acordo com a Lei nº. 9.790/1999; promoção da segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; promoção do voluntariado; promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; promoção de direitos estabelecidos, construção de 300 SCHMIDT, João Pedro. O caráter público não-estatal da universidade comunitária: aspectos conceituais e jurídicos. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, n. 29, jan./jun. 2008, p. 22-43. 301 SACHS, Ignacy. Inclusão social pelo trabalho decente: oportunidades, obstáculos, políticas públicas. In: ______. Desenvolvimento includente, sustentável sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008, p. 111-112. 302 Pelo fato de contribuir diretamente ao bem-estar da população, a universalização do acesso aos serviços sociais afigura-se como uma componente essencial do tripé de desenvolvimento includente, sustentável e sustentado. Em que pesem as investidas dos economistas neoliberais contra a hipertrofia do aparelho do Estado, a demanda por serviços sociais está longe de ser saturada, inclusive nos países mais ricos do planeta. O escopo, volume e qualidade destes serviços oferecem numerosas oportunidades de emprego e um campo de atuação para organismos públicos, OSCIPs, e diferentes parcerias entre o público e o privado. In: SACHS, Ignacy. Inclusão social pelo trabalho decente: oportunidades, obstáculos, políticas públicas. In: ______. Desenvolvimento includente, sustentável sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008, p. 139. 92 novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito a estas atividades. [...] Tais entidades nada têm a ver com as organizações sociais. Se bem implementadas, seriam, sem dúvida, ótimo mecanismo para auxílio das amplas e necessárias atividades cometidas ao Estado pelo Constituinte de 1988. Infelizmente, o que vemos é a criação de alguns entres, como as organizações sociais, para que possa haver um afastamento das competências obrigatórias. 303 O artigo 1º. da Lei nº. 9.790/1999 especifica que “podem qualificar-se como OSCIPs as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei”.304 A lei, no artigo 1º., § 1º., estabelece o que considera sem fins lucrativos, ou seja, é necessário que não haja a distribuição, entre os sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, de quaisquer valores percebidos em decorrência do exercício de suas atividades, devendo estes valores serem aplicados de modo integral na consecução do respectivo objeto social. Assim, para ser considerada uma OSCIP é necessário cumprir os requisitos ditados pela Lei nº. 9.790/1999, necessário, também, destacar que os serviços por elas prestados devem ser gratuitos. As OS e as OSCIPs nascem em um mesmo ambiente, elas “têm uma perspectiva diferenciada: não estão vinculadas exclusivamente ao intento da privatização dos serviços públicos”305. As OSCIPs diferenciam-se das OS; uma por não estarem submetidas à discricionariedade ao serem qualificadas pelo Poder Público como entidade destinada à parceria; duas, por serem “abertas a todas as entidades que não estiverem impedidas, nos termos do art. 2º. da Lei nº. 9.790/1999; devem necessariamente respeitar o princípio da universalização dos serviços e ser vocacionadas às atividades descritas no art. 3º. da Lei nº.9.790/1999”.306 303 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 160. BRASIL. Lei no. 9.790, 23 de março de 1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010. 305 SCHMIDT, João Pedro. O caráter público não-estatal da universidade comunitária: aspectos conceituais e jurídicos. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, n. 29, jan./jun. 2008, p. 22-43. 306 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 160. 304 93 A Lei nº. 9.790/1999 elenca, em seu artigo 2º., quais as entidades que não poderão ser consideradas OSCIPs, ainda que cumpram algum dos objetivos sociais supra referidos, são elas: as sociedades comerciais; os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional; as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais; as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações; as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios; as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados; as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras; as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras; as organizações sociais; as cooperativas; as fundações públicas; as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundações públicas; as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com o sistema financeiro nacional (artigo 192307 da Constituição Federal de 1988). Estão as OSCIPs obrigadas a cumprir os princípios que norteiam a Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e economicidade), os quais estão previstos no artigo 37308 da Constituição Federal de 1988. Devendo, ainda adotar práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em decorrência da participação no respectivo processo decisório; além de constituir um conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de competência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as operações patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade. Necessário destacar que servidores públicos poderão integrar este conselho, sendo vedada a percepção de remuneração ou subsídio, a qualquer título. Necessitam também, as OSCIPs preverem que, em caso de dissolução da entidade, o respectivo patrimônio líquido será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos da Lei nº. 9.790/1999, e que esta, preferencialmente, tenha o mesmo objeto social da extinta. Na hipótese de a pessoa jurídica perder a qualificação instituída por esta Lei, o respectivo 307 Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram 308 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]. 94 acervo patrimonial disponível, adquirido com recursos públicos durante o período em que perdurou aquela qualificação, será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social. Os estatutos devem abarcar a possibilidade de instituição de remuneração aos dirigentes da entidade que atuem efetivamente na gestão executiva e àqueles que a ela prestam serviços específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado, na região correspondente a sua área de atuação. No tocante à prestação de contas, as OSCIPs devem observar algumas regras mínimas: a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas Brasileiras de Contabilidade; que se dê publicidade por qualquer meio eficaz, no encerramento do exercício fiscal, ao relatório de atividades e das demonstrações financeiras da entidade, incluindo-se as certidões negativas de débitos junto ao INSS e ao FGTS, colocando-os à disposição para exame de qualquer cidadão; a realização de auditoria, inclusive por auditores externos independentes se for o caso, da aplicação dos eventuais recursos objeto do termo de parceria conforme previsto em regulamento; a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública recebidos pelas OSCIPs será feita conforme determina o parágrafo único do art. 70309 da Constituição Federal de 1988. Qualquer pessoa pode requerer através da via administrativa ou judicial, sendo vedado o anonimato e, desde que, com evidências de erro ou de fraude, a perda da qualidade de OSCIPs. A perda ocorre quando houver pedido ou decisão proferida em processo, seja ele administrativo ou judicial, de iniciativa popular ou do Ministério Público, devendo, contudo, ser assegurados tanto a ampla defesa quanto o contraditório. O termo de parceria deve ser precedido de consulta aos Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação existentes, nos respectivos níveis de governo e consiste no instrumento firmado entre poder público e OSCIPs, sendo nele estipuladas as atividades desta, devendo a fiscalização ser realizada por aquele. É o termo de parceria que estipulará 309 Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. 95 direitos, responsabilidades e obrigações das partes signatárias. As OS e as OSCIPs possuem tanto semelhanças quanto diferenças. A primeira consiste no fato de as OS não terem a possibilidade de serem qualificadas como OSCIPs. A segunda diferença se dá em razão de a qualificação, para fins de habilitação, das OSCIPs ocorrer ante ao Ministério da Justiça e as OS o fazem perante à Administração Pública. Por fim, a terceira diferença, incide no fato de que as OS substituem a Administração Pública ao passo que as OSCIPs realizam parcerias.310 Organizações Sociais e OSCIPs são instrumentos jurídicos impróprios para uma gama importante de instituições comunitárias, que prestam serviços de interesse público para vastos segmentos da população em várias regiões. Todas as instituições comunitárias que atuam na educação, na saúde e nas demais áreas, que necessitam cobrar pelos serviços que prestam por não serem custeadas com recursos públicos, estão excluídas. No atual quadro jurídico, qualquer entidade da sociedade civil, mesmo quando criada pelas comunidades regionais para propiciar à população serviços que o Estado historicamente não proporcionou, caso cobre dos usuários os serviços prestados é impedida de concorrer à condição do público não-estatal nas 311 formas existentes. A legislação que regula o funcionamento das OS não se aplica às instituições de ensino superior comunitárias, em razão de estas entidades substituírem o “Estado na execução de serviços sociais”, ao passo que as estas atuam em nome próprio desde a sua criação e aquelas surgem para cooperar com o Estado e não para substituí-lo. A Lei das OSCIPs não se aplica às instituições de ensino superior comunitárias; uma, pela vedação específica do artigo 2º., inciso VIII312; duas, por ser imperativa a gratuidade.313 E a legislação destina às ONGs também não se aplica, em razão do objeto extremamente abrangente. Uma vez traçadas as diferenças entre comunitário e público não estatal, analisada a presença de ambos no texto constitucional e no texto infraconstitucional, traçadas considerações acerca do terceiro setor no Brasil, possível ingressar na esfera das instituições de ensino superior comunitárias propriamente ditas, a fim de compreender seu histórico, suas 310 RICHTER, Luiz Egon; LEIDENS, Letícia Virgínia. O marco legal do terceiro setor e sua (in) compatibilidade normativa com as instituições comunitárias. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 50. 311 SCHMIDT, João Pedro. O caráter público não-estatal da universidade comunitária: aspectos conceituais e jurídicos. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, n. 29, jan./jun. 2008, p. 22-43. 312 Art. 2o Não são passíveis de qualificação como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, ainda que se dediquem de qualquer forma às atividades descritas no art. 3 o desta Lei: [...] VIII - as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras; [...]. 313 RICHTER, Luiz Egon; LEIDENS, Letícia Virgínia. O marco legal do terceiro setor e sua (in) compatibilidade normativa com as instituições comunitárias. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 52. 96 peculiaridades, suas lutas, qual o atual panorama, e as dificuldades por ela enfrentadas. Uma vez construído este caminho, possível a análise da possibilidade de interpretação constitucional a estas instituições e uma apreciação do Projeto de Lei nº. 7.639/2010. Antes, porém, será feita uma breve reflexão acerca da Lei nº. 9.612/1998, que é, hoje, a expressão legislativa do comunitário no Brasil. 97 3 MARCO LEGAL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR COMUNITÁRIAS: PERSPECTIVAS DE MUDANÇAS A ABRUC – Associação Brasileira das Universidades Comunitárias materializa a preocupação de diversas instituições de ensino superior comunitárias com o rumo que as mesmas tomarão, além da preocupação com a educação. Também é a ABRUC responsável por buscar nortear alguns elementos comuns a esta modalidade de instituição de ensino superior. A partir de uma análise histórica, percebe-se que as instituições de ensino superior comunitárias surgem em decorrência da falta de atuação social, vez que estas instituições não são criação do Poder Público314 e atendem a uma demanda crescente de serviços públicos, assim, no que colaboram no desenvolvimento social. A partir da afirmação de que as organizações públicas não estatais propiciam serviços sociais (saúde, educação e assistência social) e científicos, de qualidade e com eficiência315, e em decorrência das características que as revestem, entende-se que compreendem também as instituições de ensino superior comunitárias, fruto de uma sociedade que não fica esperando por uma atuação estatal, mas que buscará a concretização de suas necessidades através dos seus próprios meios. Necessário se faz compreender as distinções entre as instituições de ensino superior comunitárias, as públicas, as privadas e as filantrópicas. A principal distinção existente dá-se entre as instituições públicas e as privadas, estando englobadas nestas últimas as comunitárias e as confessionais, podendo tanto uma quanto outra receber classificação de filantrópica. O Projeto de Lei nº. 7.639/2010 visa obter uma classificação tripartite, ou seja, públicas (estatais), comunitárias (e confessionais) e particulares. Em outras palavras, o projeto de lei já colabora para o enfraquecimento da ideia dicotômica (público e privado). 314 Em Santa Catarina, há uma proximidade entre as instituições de ensino superior comunitárias e o Poder Público, notadamente o municipal. No Rio Grande do Sul a proximidade com o Poder Público não é tão evidente, porém, em ambos os estados, o poder local e regional mantém relações continuadas com as instituições de ensino superior comunitárias. 315 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Sociedade Civil: sua democratização para a Reforma do Estado. In: BRESSER PEREIRA, L. C.; WILHEIM, Jorge e SOLA, Lourdes (Org.). Sociedade e Estado em Transformação. São Paulo: Unesp; Brasília: Enap, 1999, p. 91-103. 98 Não é a simples cobrança pelos serviços que determina se uma instituição é pública ou privada. As chamadas instituições de ensino superior comunitárias, muito embora cobrem mensalidade pela prestação dos serviços que disponibilizam, têm um forte compromisso com a realidade social de suas comunidades, até porque foi em decorrência destas que elas surgiram. Ademais, as ditas comunidades são responsáveis pelo nascimento de um espaço público, organizado juridicamente em decorrência da ineficiência do Estado e das lacunas por este deixadas na área da educação superior. Sucintamente, a sociedade civil tem na comunidade, uma possibilidade de fortalecer a democracia. As instituições de ensino superior comunitárias têm características próprias, a exemplo do patrimônio público não estatal. Em outras palavras, seu patrimônio não se constitui como particular, pois é gerido pela instituição constituída pela própria sociedade, logo, é um patrimônio público, mas que não pertence ao Estado. A comunidade, por sua vez, além de colaborar na criação destes espaços, também atua como administradora. São estes elementos que propiciam, então, a formação de um espaço que dará origem às instituições de ensino superior comunitárias. Justamente em razão de suas particularidades que elas hoje postulam por um marco regulatório próprio. Assim, imperativo traçar considerações acerca do histórico das instituições de ensino superior comunitárias, a fim de compreender as peculiaridades que cercam este modelo de instituição, após, é necessário analisar o tratamento jurídico que possuem, para que, então seja possível, dentro de uma proposta hermenêutica, analisar a (des) necessidade de um marco legal a estas instituições. Ao final, necessário, então, uma análise do Projeto de Lei nº. 7.639/2010, que hoje se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados, bem como da Lei nº. 9.612/1998, que regulamenta o funcionamento das rádios comunitárias no País, tema que, embora não seja o foco central do presente trabalho, diz respeito à primeira grande representação legislativa do comunitário no Brasil e como tal, não pode passar despercebida. 3.1 Das complexidades do comunitário na legislação brasileira: a experiência da regulamentação das rádios comunitárias Ao tratar do serviço de radiofusão, a Constituição Federal de 1988 menciona em seu artigo 223, que “compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio 99 da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. Trata-se do único momento do texto constitucional em que há uma diferenciação entre privado, público e estatal, lembrando que o público é mais abrangente que o estatal. Assim, muito embora a Constituição Federal de 1988 não utilize a expressão público não estatal, percebe-se que, de fato, há uma distinção entre o que é público e o que é estatal. Dentro dessa concepção que traça distinções entre a ideia de público e de estatal, há entendimento de que o sistema público, mencionado pelo artigo 223 da Constituição Federal de 1988, no que se refere à radiodifusão, abrangeria as rádios comunitárias e as rádios universitárias. Assim, pertinente o recorte aqui realizado, acerca das rádios comunitárias. Se hoje as instituições de ensino comunitárias buscam um marco regulatório, a fim de viabilizar as suas atividades; as rádios comunitárias, por sua vez, passam por um processo de amadurecimento, razão pela qual, necessário traçar um comparativo entre as duas instituições, haja vista que ambas têm como nascedouro a ideia de comunitário e de comunidade. Assim, a fim de facilitar a compreensão dos pontos que interligam estas duas instituições é preciso compreender o que cada uma delas traz, tanto no seu processo de formação quanto no desempenho de suas atividades, razão pela qual será traçado um paralelo entre as instituições de ensino superior comunitárias e as rádios comunitárias. As telecomunicações têm uma forte influência no comportamento dos seres humanos, eis que atuam como formadores de opinião, através das informações que oferecem, porém, antes da absorção de tais informações, deve-se tomar a devida cautela, visto que muitas destas vêm maquiadas e manipuladas, distorcendo muitas vezes, a realidade dos fatos, a fim de atender aos interesses de determinados grupos. As rádios comunitárias316, além de propiciarem uma porta a notícia com o devido comprometimento com a verdade, expressam a vivência do comunitário no Brasil, pois 316 “Rádio Comunitária é um tipo especial de emissora de rádio FM, de alcance limitado a, no máximo, 1 km a partir de sua antena transmissora, criada para proporcionar informação, cultura, entretenimento e lazer a pequenas comunidades. Trata-se de uma pequena estação de rádio, que dará condições à comunidade de ter um canal de comunicação inteiramente dedicado a ela, abrindo oportunidade para divulgação de suas idéias, manifestações culturais, tradições e hábitos sociais. A Rádio Comunitária deve divulgar a cultura, o convívio social e eventos locais; noticiar os acontecimentos comunitários e de utilidade pública; promover atividades educacionais e outras para a melhoria das condições de vida da população. Uma Rádio Comunitária não pode ter fins lucrativos nem vínculos de qualquer tipo, tais como partidos políticos e instituições religiosas”. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Disponível em: <www.mc.gov.br>. Acesso em 28 nov.2010. 100 ganham força, buscam engajamento entre as comunidades e, acima tudo, lutam por uma legislação protetiva, a fim de assegurar melhorias a este modelo de radiodifusão. Milton Santos317 relata que os meios de comunicação delimitam o que transmitem, pois fazem parte de um jogo de interesses sem fim, para benefícios apenas de uma minoria, restando ao sujeito as mensagens postas, muitas delas irrelevantes e outras repetidas continuamente para reforçar determinados contextos da realidade. Niklas Luhmann318, acerca da realidade dos meios de comunicação, refere que fatos/noticiários/reportagens são transmitidos, através do melhor entendimento “que para eles ou por meio deles aparece como realidade para outros”. As rádios comunitárias surgem com o ideal de aproximar o cidadão dos conflitos e discussões existentes, haja vista que estes farão parte do processo como atores principais. Trata-se de um processo novo que tem vivido momentos de avanço e de retrocesso. O nascedouro das telecomunicações convencionais e comunitárias no Brasil é bastante distinto. As primeiras obtiveram suas concessões a fim de atender interesses políticos e econômicos de um distinto e reduzido grupo. O segundo grupo é fruto de movimentos sociais, com o desígnio de propiciar a criação de mais um canal de participação social, de fortalecimento de comunidades, de preservação da identidade e, principalmente, de ebulição de ideias, elementos que contribuem à formação de um terreno fértil que dá espaço à formação da cidadania. Nos anos 80, as rádios comunitárias surgem na Inglaterra, como forma de represália ao monopólio de rádios e televisões que até então estava centrado nas mãos do Estado. Indignados com a programação imposta, estudantes decidiram instalar uma estação de rádio em um barco em alto mar, com o intuito de driblar a legislação britânica. Estes estudantes serviram de inspiração para que proliferassem diversas “rádios piratas” no interior de São Paulo. A Constituição Federal de 1988 trouxe consigo a promessa e a esperança da dita liberdade de expressão, tal fato impulsionou o movimento das rádios livres. Porém, em 1991, tem início um processo de fechamento das rádios, levando o movimento a um novo rumo, vez que nasce o dito efeito “cobra de vidro”, ou seja, cada rádio fechada dava origem a outras que iniciavam suas atividades. 317 SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 4. ed. – São Paulo: Nobel, 1998, p. 14-18. LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. Tradução de Ciro Marcondes Filho. São Paulo: Paulus, 2005, p. 20. 318 101 As rádios comunitárias trouxeram consigo aspectos inovadores, tanto na sua programação quanto no seu processo de gestão. Em verdade, as rádios comunitárias são rádios de baixa frequência, que costumam ser chamadas de comunitárias por seus simpatizantes, até mesmo porque atendem ao caráter público; eram qualificadas como “clandestinas” ou “piratas”. A ideia de clandestinidade proliferou graças à grande mídia. Hoje, a ABRAÇO – Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária, lidera um movimento de proteção a estas rádios. Em sentido contrário, ou seja, na luta contra estas rádios, está a ABERT – Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão. No final dos anos 90, as rádios comunitárias conquistam um marco regulatório, a Lei nº. 9.612/1998. Porém a legislação não é auto-suficiente, porque não consegue estancar todos os problemas enfrentados por esta modalidade de rádios. A realidade fática demonstra que o movimento que originou as rádios comunitárias perdura mesmo com a conquista de uma legislação própria, pois ainda existem muitos percalços a serem vencidos. Como avaliação final do movimento, feita pelo Fórum da Democracia na Comunicação, alguns pontos ficaram bastante claros: a) repressão é impotente diante de um ideal; b) o movimento se enraizou e não tem retorno; c) as rádios livres e comunitárias acabaram com o monopólio “classista-político” da radiodifusão, pois onde elas atuam têm maior audiência que as emissoras comerciais; d) o que está por trás da repressão é medo de que tais emissoras germinem a televisão comunitária; e) a repressão tenta afastar o impacto demonstrativo atendendo aos interesses das grandes redes, que se beneficiam ao status atual com mais de dois bilhões de dólares 319 ao ano. Até a tramitação do Projeto de Lei nº. 1.521/1996, que deu origem à Lei nº. 9.612/1998, o Brasil era o único País da América Latina que não tinha uma legislação para regulamentar o funcionamento das rádios de baixa frequência. Quando da tramitação do mencionado projeto de lei, outros também estavam em debate. Contudo, o projeto de lei que se transformou em lei foi justamente aquele apoiado pela ABERT. As rádios convencionais têm receio de pulverizar sua audiência, concorrendo com as rádios comunitárias e, assim, acabarem perdendo anunciantes. Falar em rádio comunitária significa falar de um fenômeno mundial, que possibilita tanto a prática de atividades sociais quanto educativas, trata-se de um meio de comunicação 319 COELHO NETO, Armando. Rádio comunitária não é crime – o direito de antena: o espectro eletromagnético como um bem difuso. São Paulo: Ícone, 2002, p. 67. 102 que realiza um rol de serviços que dificilmente seriam prestados por grandes emissoras. Ademais, as rádios comunitárias buscam preencher lacunas deixadas pelas emissoras de médio e grande porte, que geralmente se mostram apáticas em relação às necessidades e demandas das pequenas comunidades. As rádios de médio e grande porte destinam-se a um público amplo, que é bastante distinto daquele envolvido pelas rádios comunitárias.320 [...] é válido considerar que as rádios comunitárias correspondem a uma modalidade de transmissão radiofônica diferente, própria de uma nova era, à qual o Direito precisa se adaptar. Assim, não há como se confundir com as grandes emissoras, até porque o seu público, diferenciado por si, a qualifica e dá ares próprios.321 As rádios comunitárias possuem características próprias, dentre as quais, o fato de: “pertencer à comunidade, ser organizada, dirigida, pautada e operada pela comunidade. Quem fala e quem ouve é a comunidade, sem os mediadores diplomados. [...] E saberá buscar no mercado os profissionais, quando deles sentir necessidade”.322 Constata-se que é um modelo que se distingue do modelo convencional em diversos aspectos, o que significa dizer, desde a sua concepção/criação até o momento em que a programação é levada aos ouvintes. Sem fins lucrativos, portanto, as rádios comunitárias têm os recursos coletados, que são destinados a custear, manter e reinvestir nas atividades por elas desempenhadas. A principal responsável pela programação é a comunidade, também é ela que organiza o conteúdo a ser divulgado mediante órgãos deliberativos (por exemplo, conselhos e assembleias) responsáveis pela gestão das informações, quadro este que permite visualizar uma verdadeira interação entre comunicador e comunicando, devido à vinculação fidedigna da realidade vivenciada pelos habitantes locais, de modo a incentivar a manifestação de sua cultura. O compromisso assumido pelas rádios comunitárias com a educação e com a cidadania reflete-se na programação, assim, mais do que informação são realizadas prestações positivas que impulsionam e propiciam estes ideais. À medida que as rádios comunitárias têm a possibilidade de treinar as pessoas originárias da própria comunidade para que estas manuseiem equipamentos, auxiliem na programação e até mesmo sejam locutores, percebe-se que há um processo de democratização da comunicação. 320 COELHO NETO, Armando. Rádio comunitária não é crime – o direito de antena: o espectro eletromagnético como um bem difuso. São Paulo: Ícone, 2002, p. 67-68. 321 COELHO NETO, Armando. Rádio comunitária não é crime – o direito de antena: o espectro eletromagnético como um bem difuso. São Paulo: Ícone, 2002, p. 68. 322 MANZANO, Nivaldo. Escandulo no Ar. Caros Amigos. São Paulo: Casa Amarela, maio de 1997, n. 2, p.12. 103 Necessário destacar que a programação das rádios comunitárias devem vedar a expressão de qualquer tipo de preconceito, seja de ordem religiosa, racial, sexual ou outra qualquer, também devem ser evitadas questões de cunho político-ideológico-partidário, a condição social das relações comunitárias devem ser respeitadas e zeladas. A programação criada pelas rádios comunitárias tem de ser acompanhada e fiscalizada por um Conselho Comunitário, “composto por pelo menos 5 (cinco) pessoas, a fim de que seja verificado o interesse da comunidade e a obediência à legislação em vigor, contudo, há muito a fazer tanto em termos de qualidade participativa na programação quanto na gestão das rádios comunitárias”.323 As rádios comunitárias enfrentam uma série de dificuldades, muito embora desenvolvam um significativo papel nas comunidades em que atuam. Não se percebe a existência de um consenso, na doutrina, acerca do papel da legislação aplicável às rádios comunitárias, ou seja, se ela traz mais auxílios ou percalços. A lei nº. 9.162 de 1988 e o Decreto correspondente nº. 2.165, mais a Norma Operacional nº. 02/98 estabelecem as diretrizes sobre o funcionamento das rádios comunitárias. O que poderia ser considerado uma abertura a um novo tipo de comunicação, a denominada alternativa, acabou tendo uma legislação tão restritiva que é preciso muita disposição e teimosia para abrir esse topo de veículo de comunicação. As rádios comunitárias, por exemplo, não podem entrar em rede, fazer publicidade, ultrapassar um quilômetro de distância. E ainda: não podem causar interferência nas rádios comerciais, podendo ser punida, se o fizer; vale lembrar que a recíproca não é verdadeira.324 Apesar das divergências que circundam a Lei nº. 9.612/1998, conformidade com tal lei, a concessão das rádios comunitárias é permitida tão-somente a fundações e associações sem fins lucrativos, que tenham sede na localidade onde ocorre a prestação do serviço. Deve, também, haver um comprometimento com fins educativos, artísticos e culturais, a fim de desenvolver e informar a comunidade. As rádios comunitárias devem promover o respeito aos valores éticos e sociais tanto da pessoa quanto da família, no intuito de favorecer a integração dos membros que compõem a comunidade abrangida. O movimento liderado pelas rádios comunitárias tem caráter público, o que engloba um viés político quanto um viés cultural, que demonstra as alterações existentes tanto na esfera 323 SCHIRMER, C.; ARAUJO, Neiva C. de. Direito na sociedade de informação: as telecomunicações sob a ótica do comunitário. In: XIX Encontro Nacional do CONPEDI, Fortaleza, 2010. 324 GUARESCHI, Pedrinho A. e BIZ, Osvaldo. Mídia & Democracia. 2. ed. Porto Alegre: Evangraf Ltda, 2005, p. 107-108. 104 das rádios quanto no sistema de televisão. Contudo, é preciso esclarecer que o objetivo das rádios comunitárias não é competir com as emissoras convencionais, mas sim, possibilitar às comunidades o acesso à cultura e à educação. Em outras palavras, as rádios comunitárias buscam ser um espaço capaz de propiciar a cidadania, vez que possibilitam a participação da população nas diversas etapas do processo de comunicação, leia-se, tanto no planejamento e produção dos programas quanto da gestão. As rádios comunitárias representam a prova do aumento de interesse pela radiodifusão comunitária, pela mídia e pela programação local, elementos que fortalecem a identidade cultural de populações locais, o que proporciona a expressão das diferenças oriundas no seio de cada comunidade, ademais, o trabalho desenvolvido por estas rádios fortalece os movimentos populares e a gera novos valores, tal qual ocorre com a participação popular, pois de acordo com Zygmunt Bauman325, “nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem”. Contudo, estes indicadores positivos não implicam na inexistência de problemas enfrentados pelas rádios comunitárias, vez que de um ou outro modo, elas sofrem certas restrições. As rádios comunitárias devem se mobilizar e fazer o processo de democratização construir uma nova estética. É preciso desconstruir o mundo e fazer o novo. O povo – e não a elite, como hoje – é que vai determinar o que é e o que não é belo. A estética está relacionada com a política, com o social. [...] Rádio comunitária, portanto, é o começo e não o fim. Ela deve se inserir no processo maior de educação para uma sociedade mais justa e igualitária. Antes, porém, deve ser parte de um processo de democratização dos meios de comunicação, abrindo as porteiras dos monopólios, ocupando o espaço (latifúndio) eletromagnéticco para que o povo possa falar e ser ouvido. Fazer a reforma agrária do ar. Ocupar, resistir, transmitir.326 Apesar de a democratização da comunicação ter “sido uma bandeira consensual, percebe-se que uma das falácias dessa construção discursiva é aquela que aponta à possibilidade de a grande mídia hegemônica, privada e comercial, seria passível de ser democratizada”.327 Por outro lado, as rádios comunitárias não apenas se dispõem a cumprir o papel da democratização da comunicação como também se mostram aptos a realizá-lo, o que é facilmente comprovado pela análise de seus feitos. O fator de identidade da radiodifusão comunitária é a titularidade, a gestão e o controle da parte da sociedade civil, de forma independente do Estado; daí a necessidade de, por exemplo, previsão estatutária de um Conselho Comunitário 325 BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Tradução de Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. LUZ, Dioclécio. Rádio para mudar o mundo. Sem Terra, jul/set 2002, p. 54. 327 LIMA, Venício. Novos rumos na luta pela democratização da comunicação? Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3161>. Acesso em: 08 fev.2010 326 105 composto por diversos representantes da comunidade local, independentemente de entidades religiosas, familiares, governamentais e político-partidárias ou comerciais, 328 nos moldes das rádios comunitárias. É através do fomento à criação de espaços democráticos que se viabiliza a discussão sobre qual o melhor caminho a ser seguido, ou não, pela comunidade. São estes espaços que possibilita que se incorporem as múltiplas e diferentes perspectivas que tendem a viabilizar “condições materiais e sociais concretas que o façam possível”.329 Ora, as rádios comunitárias têm possibilidades e meios de desempenhar atividades capazes de fomentar o fortalecimento e a ampliação dos espaços democráticos referidos, haja vista que detém os instrumentos necessários à realização da diminuição das diferenças, seja no campo do conhecimento, seja no campo da educação, diferenças que dificilmente são consideradas pelas rádios convencionais. As dimensões territoriais do Brasil traduzem uma ampla gama de diversidades e desigualdades, as quais tendem a ser ampliadas pelo processo de globalização, dando aos sujeitos uma falsa ilusão de ter acesso a todo o mundo sem sair do lugar, sendo que, na realidade, muitas vezes, estes mesmos sujeitos são “abandonados” por este mesmo mundo. Embora seja extremamente contraditório, o comunitário ganha força e adeptos justamente num momento em que o mundo tende a se tornar “um só, sem ser nenhum”. A ferocidade do mundo globalizado e complexo dá espaço à comunidade, e, esta propicia a formação de um espaço seguro e protetor, onde discussões, deliberações e execuções são realizadas pelos cidadãos, na busca por uma maior inclusão das camadas menos abastadas da sociedade. O espaço ocupado pelas rádios comunitárias é de grande valia, pois propicia o fortalecimento do espaço e dos laços comunitários. Todavia, para que haja democracia é necessário que existam condições igualitárias de participação nos processos de uma sociedade mais justa, ética e solidária. Muito embora as rádios comunitárias sofram algumas restrições, seja de cunho financeiro, estrutural e até mesmo legal, são elas que possibilitam o fortalecimento das comunidades em que atuam. Esta assertiva também é aplicável às instituições de ensino superior comunitárias. 328 SCORSIM, Ericson Meister. TV digital e comunicação social: aspectos regulatórios: TVs pública, estatal e privada. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 303. 329 VITULLO, Gabriel E. O desafio da construção de um modelo democrático deliberativo. In: Sociologias, Porto Alegre, ano 2, n. 3, jan/jun 2000, p. 228. 106 Constata-se que as rádios e instituições de ensino superior comunitárias têm como ponto de conexão, a participação da comunidade, que viabiliza uma participação democrática vencendo as barreiras financeiras, haja vista que as rádios estão proibidas de vender espaços publicitários e as instituições de ensino superior comunitárias encontram dificuldades para obter verbas públicas e têm de sobreviver às custas da cobrança de mensalidades. Na mesma linha, os bens de ambas não são considerados privados, todavia, o ápice da diferenciação de ambas, por ora, reside no fato de as rádios possuírem um marco regulatório próprio, ao passo que as instituições de ensino superior comunitárias ainda buscam a aprovação de um marco que atenda às suas necessidades. As rádios comunitárias pertencem à comunidade, têm compromisso com conteúdo de cunho político, desempenham uma função social e estão comprometidas tanto com as problemáticas locais quanto à abertura para a concretização da participação popular (que se constitui no grande diferencial deste modelo). A lei que hoje regulamenta as rádios comunitárias é restritiva, à medida que impõe limite à potencia (que é igual em todo o País) e à modalidade de antena, bem como pela determinação de apenas uma rádio por localidade (enquanto as entidades reivindicam de duas a doze rádios por município), e, ainda,m pela vedação de formação de “redes de cooperação” entre as rádios comunitárias. De outra banda, o surgimento de uma legislação que diz respeito às rádios comunitárias diz respeito à proteção legal dada. Ao traçar um comparativo entre as instituições de ensino superior comunitárias e as rádios comunitárias, percebe-se que há um sopro de esperança às primeiras, haja vista que hoje são elas próprias que norteiam o rumo do Projeto de Lei nº. 7.639/2010, que busca um marco regulatório a estas. Diferentemente do que ocorreu com as rádios comunitárias que tiveram como “mentoras” da Lei n°. 9.612/1998 a ABERT. É uma possibilidade, mas não uma certeza. Daí, a necessidade de um olhar atento ao futuro que se desenha e que se aproxima. 3.2 O nascedouro das Instituições de Ensino Superior Comunitárias no Brasil Antes de ingressar na esfera das instituições de ensino superior comunitárias, necessário compreender os processos que cercam o ensino superior no Brasil. Em 1550, iniciaram no País as atividades das escolas confessionais católicas, fato que marcou, por muito tempo, a 107 relação entre educação e igreja, haja vista que em 1580, beneditinos, carmelitas e franciscanos também passam a educar. O modelo de educação pública, gratuita, apesar de não estatal está atrelado à religião e perdura até a expulsão dos jesuítas, em 1759, muito embora o rompimento do vínculo entre Igreja e Estado ocorra tão-somente em 1889, com a Proclamação da República.330 A história da educação pode ser partida em quatro momentos distintos: a) que vai do descobrimento até a Revolução de 1930; b) de 1930 a 1964, período que vai abarcar a reforma de 1961331; c) de 1964, com o golpe militar até os anos 80, quando ocorrerá a Reforma Universitária e em que surgirão as Fundações de Universidade, através da Lei nº. 5.540/1968; d) a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 e com a publicação da Lei nº. 9.394/1996, LDB. É na penúltima fase que se concentra o surgimento das instituições de ensino superior comunitárias. A Universidade do Rio de Janeiro é considerada a primeira do País e tem sua criação no ano de 1920. O Ministério da Educação e o Estatuto das Universidades Brasileiras são criados em 1930, mesmo ano em que ocorre a primeira reforma na educação superior. Até 1945, existiam apenas 5 (cinco) universidades no País, sendo 4 (quatro) na região Sudeste e uma na região Sul.332 Apesar da separação entre Igreja e Estado, é necessário esclarecer que serão as igrejas católica e luterana que estimularão o surgimento das instituições de ensino superior comunitárias, até mesmo em razão da experiência das escolas comunitárias, presentes no cotidiano dos imigrantes chegados ao Brasil.333 Por longos anos, as instituições de ensino superior seguiram a lógica dicotômica, sendo classificadas como públicas ou privadas, estas eram aquelas que não se enquadravam na categoria de públicas estatais334. Hoje, o panorama ainda reflete este quadro, contudo, vem, paulatinamente, sendo alterado. Até o final dos anos 50, o estado de Santa Catarina não 330 SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010. 331 GADOTTI, Moacir. Educação brasileira contemporânea: desafios do ensino básico. Disponível em <www.paulofreire.org>. Acesso em: 20 jul.009. 332 MACHADO, Ana Maria Netto et al. Universidade do Planalto Catarinense: pioneirismo na interiorização da educação superior. In: SCHMIDT, João Pedro (Org). Instituições comunitárias: instituições públicas nãoestatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 351. 333 As escolas comunitárias foram incentivadas e, posteriormente, boicotadas pelo governo Getúlio, durante a Segunda Guerra Mundial, seguindo a lógica da onda nacionalista que assolava o Brasil. 334 CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. Universidade comunitária: uma proposta para o Brasil. Revista Textual, Porto Alegre, ago./2003, p. 22. 108 possuía nenhuma universidade, pois a UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, referência em educação, foi criada apenas em 1960335, tal fato serve para ilustrar a importância que as instituições de educação superior comunitárias representaram e representam ao passo que não apenas levaram o ensino superior ao interior do estado, mas também possibilitaram à população o acesso à educação e a uma gama de outros serviços decorrentes das atividades das ditas instituições. O senso cívico aprendido em boa parte dessas escolas era em primeiro lugar o compromisso com a comunidade do entorno. O comunitarismo dos imigrantes não tinha a democracia como referência central, o que é compreensível ao se considerar a cultura política vigente à época, de traços fortemente autoritários, tanto aqui quanto nos países europeus. A consolidação dos regimes e culturas democráticos em nível internacional ocorreu tão-somente após a Segunda Guerra Mundial, e aqui no Brasil a partir do processo de redemocratização ocorrido da década de 1980. 336 As instituições de ensino superior comunitárias têm seu surgimento atrelado a basicamente dois elementos: a ausência do Estado e a interiorização do ensino no País, notadamente, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. É a força das comunidades que impulsiona o surgimento destas instituições, à medida que não apenas estimula o crescimento de um espaço democrático, mas também cria um espaço propício à participação da comunidade na tomada de decisões que sanarão os problemas por ela enfrentados. Portanto, é fomentado um espaço de comunicação e de debate que acaba por fortalecer a democracia. “Sem fins lucrativos, com gestão democrática e participativa, são autênticas instituições públicas não-estatais”.337 [...] O conceito de “universidade comunitária” carece de entendimento consensual. A expressão é interpretada e utilizada com enfoques diferentes por grupos de universidades ou, isoladamente, por algumas instituições universitárias, ainda que elas reconheçam a convergência dos significados e das práticas comunitárias. Em razão dessa ambigüidade, as interpretações tendem a se diferenciar conforme a ênfase concedida ao caráter “público não-estatal”, à vinculação confessional, à atividade de extensão como meio de inserção comunitária ou, ainda, ás formas adotadas de gestão universitária.338 335 LIMA, Luiz Gonzaga de. Contribuições das instituições de educação superior da Associação Catarinense de Fundações Educacionais a Santa Catarina e ao Brasil. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 93. 336 SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010. 337 LAZZARI, Ney José; KOEHNTOPP, Paulo Ivo; SCHMIDT, João Pedro. Apresentação. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 12. 338 MARTINS, Geraldo Moisés. Universidade federativa, autônoma e comunitária. Brasília: Athalaia, 2008, p. 120-121 109 Muito embora o modelo de instituição de ensino superior comunitária tenha predominância nos estados do Sul, em especial Rio Grande do Sul e Santa Catarina, é necessário destacar que há experiências similares em outros estados do Brasil. A origem deste tipo de instituição está atrelada “à capacidade das organizações da sociedade civil e do poder público local de associar-se no esforço de suprir a lacuna de educação superior nas regiões interioranas”.339 A Universidade Comunitária brasileira tem como uma de suas marcas e fonte de tensões a sustentabilidade. A tensão decorre da sua dupla natureza: o caráter público de serviço à comunidade, que tende a ser visto como oposto à sustentabilidade, e o caráter heterônomo e cambiante de sua inegável inserção num mundo globalizado, competitivo e em luta pela sobrevivência, que exige o empreendedorismo. 340 As instituições de educação superior comunitárias não apresentam um formato institucional único, pois muito embora “[...] proclamem possuir uma identidade própria que as diferencia dos demais setores do ensino superior, esta identidade é um processo em construção, mais avançado em algumas, incipiente em outras”.341 Necessário destacar que, embora o compromisso com a pesquisa e com a extensão tenha certa onerosidade, estes são alguns dos elementos que caracterizam as instituições de educação superior comunitárias. No Rio Grande do Sul, em 1931 inicia-se a criação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Surgem na década de 40, a Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ e a Universidade de Caxias do Sul - UCS (que se iniciou com movimentos isolados, em 1949, por exemplo, tem início a Escola Superior de Belas Artes). Porém, é nos anos 50 que o ensino superior começa a tomar o interior do estado,342 nesse período surgem a Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, a Universidade de Passo Fundo – UPF e a Universidade da Região da Campanha – URCAMP. Nos anos 60 têm início as atividades da Universidade Católica de Pelotas – UCPEL, da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC e do Centro Universitário Univates – UNIVATES. A Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI, tem 339 SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010. 340 MOROSINI, Marilia e FRANCO, Maria Estela Dal Pai. Universidades Comunitárias e sustentabilidade: desafio em tempos de globalização. In: Educar, Curitiba: UFPR, n. 28, p. 61. 341 BITTAR, M. Universidade comunitária: uma identidade em construção. São Carlos, 1999. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de São Carlos., p. 226. 342 Todavia, necessário destacar que em 1931 inicia-se a criação da PUCRS. Surgem na década de 40, a Unicruz – Universidade de Cruz Alta e a UCS – Universidade de Caxias do Sul (que se iniciou com movimentos isolados, em 1949, por exemplo, tem início a Escola Superior de Belas Artes). 110 seu reconhecimento como tal no ano de 1992, muito embora já viesse desenvolvendo atividades de integração e de trabalho comunitário.343 Em Santa Catarina, a pioneira no processo de interiorização do ensino superior é a Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC, que iniciou suas atividades em 1959. Em 1962 é criada a Universidade do vale do Itajaí – UNIVALI. A Universidade Regional de Blumenau – FURB é fundada em 1964, apesar de as tentativas terem iniciado já no ano de 1953. A Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí – UNIDAVI, é criada em 1966, mesmo ano em que a Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, dá início às suas atividades. Em 1967, nasce a Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. A Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC é criada em 1968, assim como a Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC. A Universidade do Contestado – UNC, desenvolve as suas atividades a partir de 1970. Em 1972 é criada a Universidade Comunitária Regional de Chapecó – UNOCHAPECÓ. O Centro Universitário de Jaraguá do Sul – UNERJ, é instituído no ano de 1973, no mesmo ano também é instituído o Centro Universitário de Brusque - UNIFEBE. No ano seguinte, 1974, é criado o Centro Universitário Barriga Verde – UNIBAVE.344 [...] apesar do centralismo conservador, presente em boa parcela dos governantes e das pessoas ligadas ao ensino, aos poucos as comunidades regionais e microrregionais começam a se organizar, dando vida a um sistema fundacional de educação superior totalmente diferenciado de qualquer outra experiência vivida nos demais estados da federação brasileira.345 Esses elementos servem para demonstrar que as instituições de educação superior comunitárias não apenas pulverizaram suas atividades pelo interior dos estados, mas levaram consigo a possibilidade de acesso ao ensino superior de qualidade, coisa que antes era viabilizada apenas àqueles que podiam alterar sua rotina e ingressar em uma universidade pública localizada nas capitais. Ademais, esta experiência também demonstra a força da sociedade civil, que, ao se mobilizar obtém resultados positivos, haja vista que é graças a ela que estas instituições deixam de ser um ideal e passam a ser uma realidade. 343 In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 223-307. 344 SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 308-393. 345 LIMA, Luiz Gonzaga de. Contribuições das instituições de educação superior da Associação Catarinense de Fundações Educacionais a Santa Catarina e ao Brasil. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 93. 111 Hoje, as instituições de ensino superior comunitárias constituem-se em instituições isoladas que têm de conviver com problemas que, por vezes, afetam a todas elas, mas, geralmente atuam isoladamente, salvo em determinadas situações, a exemplo do COMUNG346 – Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas, criado em 1996, e da ACAFE347 - Associação Catarinense das Fundações Educacionais, fundada em 1974; tratamse de entidades que levam a voz das instituições de ensino superior que representam para além de seus muros, são associações que em determinadas situações agem de modo a solucionar problemas que atingem mais de uma instituição e busca, alcançar melhores resultados pela ação unificada. As universidades constituem o segmento mais estruturado dentre as comunitárias do país. No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina elas constituem os maiores segmentos da educação superior. No Rio Grande do Sul, as instituições do COMUNG abrangem cerca de 400 municípios e seus 120 mil estudantes correspondem a mais de 50% do total dos estudantes do ensino superior. Em Santa Catarina, as instituições da ACAFE reúnem mais de 130 mil estudantes, o que representa 65% dos universitários do estado.348 O histórico das instituições de ensino superior comunitárias comprova que seu surgimento foi diferente das demais instituições do gênero, eis que, além de serem fruto dos esforços da comunidade, valorizam as peculiaridades das regiões em que atuam, deixam suas marcas na comunidade, agem tanto como protagonistas do desenvolvimento social, quanto econômico, cultural e até mesmo ambiental, à medida que não apenas compõem a comunidade, mas também adicionam experiências e vivências, modificando a realidade, procurando desenhar um espaço mais igualitário e justo. O surgimento deste espaço democrático acaba por transferir as responsabilidades da Administração Pública à população, o que alimenta a participação da sociedade civil em áreas específicas que, a princípio deveriam ser atendidas pelo Estado. Cria-se, então, uma redefinição dos espaços ocupados pelo Estado e pela sociedade civil. Necessário ponderar que a sociedade civil poderia delegar as atividades a terceiros e atuar como mera fiscalizadora das atividades, contudo, tal conduta não condiz com uma participação democrática, consequência 346 Hoje, o COMUNG conta com a participação de 13 instituições, quais sejam: FEEVALE, PUCRS, UCPEL, UCS, UNICRUZ, UNIJUÍ, UNISC, UNISINOS, UNIVATES, UPF, URCAMP, URI e, mais recentemente, IPA. 347 Por sua vez, a ACAFE é composta por 16 instituições, são elas: FURB, UDESC, UNC, UNERJ, UNESC, UNIBAVE, UNIDAVE, UNIFEBE, UNIPLAC, UNISUL, UNIVALI, UNOCHAPECÓ, UNOESC, USJ, IELUSC e UNIARP. 348 LAZZARI, Ney José; KOEHNTOPP, Paulo Ivo; SCHMIDT, João Pedro. Apresentação. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 13. 112 disso será uma administração realizada para e pela a comunidade, que terá como marca principal a democracia.349 O comunitário tem como premissa básica o fato de ser mantida por organizações da sociedade civil e por órgãos públicos da região e manifesta-se no conjunto de sua vida institucional, vinculada estreitamente à dinâmica regional. O democrático expressa-se na forma de escolha dos seus gestores e nas amplas oportunidades de participação dos diversos segmentos da comunidade acadêmica no processo decisório, associado à transparência dos atos administrativos. 350 No entanto, há que se destacar que algumas áreas, mesmo com o enxugamento da máquina e com a estruturação de uma órbita gerencial, continuam deficitárias de uma atuação do Estado. São prestações públicas que, mesmo sendo realizadas por entidades jurídicas privadas, devem ser fiscalizadas e obedecer a diretrizes estatais. Este é um dos fatores que ajudam a compreender o surgimento e conceito das instituições comunitárias. Observa-se que a formação das instituições comunitárias se processa justamente onde o Estado encontra uma maior dificuldade de se fazer presente, a exemplo da educação e da saúde, pontos centrais na atuação do espaço público não estatal. As instituições superiores de ensino superior comunitárias não seguem a lógica de privatizações, vez que se trata de “um esforço pela construção de novos e ampliados espaços públicos de educação”351, ademais, elas nasceram em um outro contexto. De um modo geral, as instituições comunitárias são concebidas por comunidades que, ao necessitar de um determinado serviço público, organizam-se e buscam meios de suprir tal necessidade, através da formação de um espaço público devidamente organizado e juridicamente constituído, tratase de uma materialização da democracia no seio da sociedade civil organizada. O motivo de as instituições de ensino superior comunitárias estarem centradas no Rio Grande do Sul e Santa Catarina tem ligação com o processo de imigração, pois nestes estados, percebe-se o nascimento das ditas instituições, basicamente nos locais de colonização alemã, 349 Aqui é necessário esclarecer que criação das CPAs – Comissão Própria de Avaliação Institucional, através da Lei nº. 10.861/2004, determina no artigo 3º, VI e no artigo 11, I, a participação da comunidade nos processos de avaliação. Contudo, esta participação é reduzida e limitada, se comparada aos processos que envolvem as instituições de ensino superior comunitárias. 350 THOMÉ, Vilmar e NUNES, Ana Karin. Universidade de Santa Cruz do Sul: uma instituição comunitária de caráter público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 267. 351 FRANTZ, Walter; SILVA, Enio Waldir da. As funções sociais da universidade – o papel da extensão e a questão das comunitárias. Ijuí: Unijuí, p. 17. 113 italiana e polonesa352. A preocupação com a educação e com o futuro dos filhos levou estes imigrantes a implementarem condições de ensino, que, mais tarde deram surgimento às instituições aqui estudadas. Entre os evangélicos e os católicos surgiram, posteriormente, escolas mantidas diretamente pelas comunidades. A vinda para a região de missionários das igrejas cristãs ajudou a impulsionar as escolas comunitárias. A maior parte da literatura referente ao tema atribui-lhes o nome de escolas paroquiais. Como, via de regra, eram mantidas sem o concurso do Estado e das igrejas – ainda que vinculadas às respectivas igrejas -, o termo “comunitárias” lhe é muito mais apropriado353. No período em que os imigrantes desembarcaram no Brasil, ainda havia uma forte influência da igreja. É no ambiente comunitário da imigração que se originaram as instituições comunitárias em geral. As necessidades e dificuldades encontradas pelos imigrantes aproximaram a comunidade imigrante, até mesmo por haver uma identidade354 entre eles. Dentro da sistemática da Constituição Federal de 1988, percebe-se que “o princípio de que a educação é dever do Estado, não implica no imobilismo da população e de cada indivíduo: a educação é também dever de todos, pais, alunos, comunidade”.355 O espírito comunitário é parte integrante da própria história da colonização ocorrida no Sul do Brasil. O tipo de povoamento adotado – o do habitat em fileira e a formação de comunidades rurais nas linhas ou picadas –, juntamente com o cristianismo social desenvolvido pela igreja da imigração, mais a experiência associativa trazida pelos imigrantes da Europa, podem ser apontados como os grandes responsáveis pelos vínculos sociais densos e a coesão social que se estabeleceram nas comunidades. Portanto, foram fatores de natureza endógena, mesclados com outros exógenos, que viabilizaram um intenso desenvolvimento associativo e o acúmulo de capital social nas áreas coloniais alemãs. 356 A evolução das escolas comunitárias, que mais tarde darão origem às instituições de ensino superior comunitárias em geral, tem um processo de ascensão em razão dos imigrantes. Contudo, sofrerão um retrocesso no final dos anos 30, quando a onda nacionalista invade o Brasil, durante o Governo Vargas. Este episódio deixa marcas na educação brasileira. A primeira, pelo fato de os espaços ocupados pelo Estado deixarem a desejar, outra, em razão da 352 VOGT, Olgário Paulo. Capital social e instituições comunitárias no sul do Brasil. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 60. 353 VOGT, Olgário Paulo. Capital social e instituições comunitárias no sul do Brasil. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 59. 354 “A concepção de “identidade’ nasceu da crise do pertencimento e do esforço que esta desencadeou no sentido de transpor a brecha entre o ‘deve’ o ‘é’ e erguer a realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela idéia – recriar a realidade à semelhança da idéia”. BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. 355 GADOTTI, Moacir. Educação brasileira contemporânea: desafios do ensino básico. Disponível em <www.paulofreire.org>. Acesso em: 20 jul.2009. 356 VOGT, Olgário Paulo. Capital social e instituições comunitárias no sul do Brasil. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 69-70. 114 perda da identidade até então cultivada e a terceira porque estas escolas levam anos para se reestruturarem fisicamente e financeiramente. A partir de 1937, o Estado brasileiro promoveu o abrasileiramento forçado das regiões coloniais do Sul do país onde viviam imigrantes e descendentes de imigrantes. Especificamente no que tange à nacionalização do ensino, o Estado atuou em duas frentes: de um lado, colocou escolas públicas em locais em que já existiam as comunitárias; de outro lado, criou empecilhos legais para inibir a continuidade dessas escolas. Em 1938 e 1939, leis e decretos de nacionalização, que disciplinavam a licença de professor, o uso de material didático e que culminou na interdição do uso de línguas estrangeiras no ensino, praticamente puseram fim ao funcionamento das escolas comunitárias.357 Após a Segunda Guerra Mundial, Organizações Internacionais, a exemplo da ONU – Organização das Nações Unidas, UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, e OEA – Organização dos Estados Americanos, assumiram o compromisso com um mundo livre de ideologias antidemocráticas. Assim, foram criados programas que buscaram auxiliar os países pobres através do desenvolvimento da comunidade. No Brasil, esta ideia foi incorporada na década de 40 e desenvolvida entre as décadas de 50 e 80. O propósito daí decorrente é materializado em projetos que unem o empenho da comunidade e as iniciativas governamentais. São projetos criados neste período, a Campanha Nacional de Educação Rural, os Conselhos Comunitários, o Movimento de Educação de Base - MEB, a Mobilização Nacional contra o Analfabetismo, o Projeto Rondon, entre outros tantos mais.358 Com a ditadura militar no Brasil, houve certo enfraquecimento das práticas comunitárias, que eram questionadas e tidas como subversivas. Mais uma vez a igreja, em especial a católica, desempenha um papel de destaque, ao apoiar movimentos que ocorrem no seio da comunidade. Outra decorrência deste período é a proliferação de diferentes linhas de pensamento, fato que tem continuidade nos anos 70 e 80. Nos anos 70, o Ministério do Interior, criou um órgão que tinha por objetivo coordenar os Programas de Desenvolvimento da Comunidade. Durante o Governo Sarney é criada a Secretaria Especial de Ação Comunitária – SEAC. As ditas políticas têm caráter integracionista e assistencialista. 359 357 VOGT, Olgário Paulo. Capital social e instituições comunitárias no sul do Brasil. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 67. 358 SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010. 359 SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010. 115 É na década de 80 que as instituições de ensino superior comunitárias consolidam-se, quando se verifica uma expansão das mesmas e, logo, após, final dos anos 2000 sofrem um período de crise360 decorrente do início da expansão do ensino superior pelo País. Em verdade, as instituições de ensino superior comunitárias são frutos de alternados processos de avanços e retrocessos, que ocorreram ao longo dos anos e que tende a sofrer mais uma guinada em breve. Nos anos 90, “o desenvolvimento de comunidade perdeu força nos meios governamentais. Um fator importante nesse sentido foi a consolidação de um novo paradigma de desenvolvimento”, expressado pelo Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, que leva em conta três elementos: a longevidade, a educação e a renda per capta. 361 Ademais, a perda da força da comunidade no meio governamental coincide com a crise enfrentada pelas instituições de ensino superior comunitárias.362 As instituições de ensino superior comunitárias crescem em razão da ausência e da distância da universidade estatal, da falta de estrutura das universidades confessionais para disseminarem suas atividades no interior dos estados. Somados a estes elementos, há a mobilização das comunidades do interior na busca pelo ensino de qualidade, o compromisso com a formação do ser humano, com a comunidade e não com o lucro. A instituição de ensino superior comunitária é vista como um “serviço público e não como negócio particular”.363 Falar em comunitário pressupõe falar de uma série de peculiaridades enraizadas na comunidade regional. As instituições de ensino superior comunitárias possuem laços externos e laços internos. Os primeiros são mais difíceis de visualizar, eis que dizem respeito às relações mantidas com a comunidade. Já os outros estão diretamente atrelados ao tratamento dispensado aos alunos, são aqueles laços que tendem a diminuir à medida que as instituições crescem. 360 Necessário frisar que estas instituições cresceram até 2002, 2003, 2004 e, depois, passaram a enfrentar algumas crises. 361 Este índice recebe críticas por limitar a análise dos países a uma equação simplória de três elementos. Ademais, há entendimento de que este índice deveria levar em consideração, por exemplo, o respeito aos direitos humanos. 362 SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010. 363 VANUCCHI, Aldo. A universidade comunitária – o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2004, p. 10. 116 Martin Buber364, em Sobre comunidade, questiona o que uma escola comunitária deve ter para ser considerada como tal? Segundo ele, uma instituição atende a tal comando quando propicia uma relação profunda entre pessoas, a exemplo da relação mantida entre professores e alunos. O grande diferencial das instituições de ensino superior comunitárias reside no bom atendimento realizado em setores específicos solicitados pela comunidade. No tocante à relação entre as pessoas é necessário questionar até que ponto vai este vínculo comunitário? Evidente que a instituição deve favorecer este tipo de aproximação, no intuito de fomentar a ideia comunitária. Como pode surgir uma comunidade?365 Ainda é Buber que responde, dizendo que é necessário o senso de comunidade entre as pessoas para que haja a dita comunidade. Indispensável a ocorrência de um relacionamento horizontal e democrático, sob pena de o discurso comunitário, sem a devida prática, cair num vazio. Ademais, os diferentes níveis de afeto acabarão por gerar diferentes níveis de convivência comunitária. O compromisso das instituições de ensino superior comunitárias vai além do ensinar, eis que perpassa pelo aprendizado promovido em razão das relações humanas aí existentes. As instituições de ensino superior comunitárias possuem características366 que lhe são peculiares, a exemplo do desenvolvimento de um patrimônio público não estatal, trata-se de um patrimônio instituído de modo comunitário, que é gerido por uma instituição formada pela própria comunidade, que tem o papel de criar e administrar este patrimônio. Muito embora, este modelo de instituição seja englobado na classificação privada, é evidente que sua proposta não se assemelha às particulares, pois se trata de uma inovação inteligente e diferenciada que tem carga histórico-valorativa, bem como pelo fato de estas instituições estarem estruturadas de modo que é possível visualizar muitas características próprias das 364 BUBER, Martin. Sobre comunidade. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 88-90. BUBER, Martin. Sobre comunidade. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 91. 366 Entre estas características também merecem destaque o comunitário e ö aspecto democrático. “O comunitário tem como premissa básica o fato de ser mantida por organizações da sociedade civil e por órgãos públicos da região e manifesta-se no conjunto de sua vida institucional, vinculada estreitamente à dinâmica regional. O democrático expressa-se na forma de escolha dos seus gestores e nas amplas oportunidades de participação dos diversos segmentos da comunidade acadêmica no processo decisório, associado à transparência dos atos administrativos”. In: THOMÉ, Vilmar e NUNES, Ana Karin. Universidade de Santa Cruz do Sul: uma instituição comunitária de caráter público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 267. 365 117 figuras de Direito Público367, a exemplo da tendência à persecução dos princípios que norteiam a Administração Pública. Algumas instituições de educação superior possuem marcas que lhes são próprias, pois, desde suas origens, vêm construindo um modo de ser institucional enraizado em suas regiões, que se expressa no profundo compromisso social com a preservação do nosso habitat e com o desenvolvimento humano, social, econômico, científico, técnico, cultural das comunidades em que se inserem. Para entender melhor essa realidade, é interessante examinar experiências de diferentes instituições 368 que aglutinam muitas características comuns. A fluidez que se apresenta nos dias atuais, fruto da globalização e das alterações sociais, já perpetuadas, trazem a necessidade de repensar o papel que as instituições de ensino superior, em especial as comunitárias, têm com a educação, mas também o papel integrador que as instituições de ensino superior realizam, ao fazer com que a comunidade resgate e/ou mantenha as suas tradições e tenha uma identidade definida, pois indubitável é o fato de que elas desempenham tão bem e por vezes até mesmo melhor o papel que competiria ao Estado. Portanto, se faz necessário um marco legal capaz de impulsionar esta atuação positiva, que demonstra os bons frutos oriundos deste modelo de instituição. Dentro da perspectiva histórica é necessário atrelar o ideal trazido com as instituições de ensino superior comunitárias ao conceito de público não estatal, que se mostra estratégico a estas instituições por duas razões fundamentais e de extrema relevância, que são: a) para evidenciar à sociedade que ensino pago não é sinônimo de “universidade privada”. As instituições comunitárias, embora necessitem cobrar pelos serviços que prestam, têm características fundamentais do que é público, ou seja, coletivo, de todos: a democracia, a participação, a transparência, administrativa, a inserção na comunidade regional. Trata-se de ajudar os cidadãos a entender a natureza do que é público, evidenciando que tanto organizações estatais como não-estatais podem cumprir finalidades públicas; b) no âmbito dos debates da política educacional, se o comunitário não mantém seu vínculo com o público, acaba por ser empurrado para as bandas do privado, como vem acontecendo historicamente. 369 A fim de não restarem inviabilizadas as atividades desempenhadas pelas instituições de ensino superior comunitárias e, para que não fique este modelo condenado a permanecer na esfera privada, fator que contraria a sistemática dos projetos por elas assumidos e desempenhados, é que se busca um marco regulatório próprio, até mesmo para que as 367 SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 22. 368 LONGHI, Solange Maria e BOTH, Agostinho. Universidade de Passo Fundo: modos de ser universidade – comunitárias, por que não?. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 289. 369 UNISC. A universidade de Santa Cruz do Sul e o modelo comunitário de universidade: aspectos conceituais e jurídicos. Santa Cruz do Sul, 2009, p. 7. 118 comunitárias não acabem por perder a sua identidade ou até mesmo para que as mesmas não fiquem fadadas ao desaparecimento. Um conceito e uma prática ainda em construção, a partir de necessidades, interesses, valores ou motivações e envolvem diferentes agentes sociais, como tal, o termo está sendo empregado para designar iniciativas distintas, mesmo olhares distintos, em termos de necessidades, interesses, motivações, valores e que, portanto, guardam diferenças entre si, as quais podem ser consideradas importantes para uma 370 caracterização objetiva. Apesar de ser um conceito em fase de construção, haja vista as peculiaridades existentes dentro de cada uma das instituições de ensino superior comunitárias, trata-se de um conceito que reclama por um tratamento adequado, versa-se de um conceito que precisa ser discutido, desconstruído, repensado, questionado para que então possa haver um consenso e um norte na busca de um marco regulatório e de uma conduta protetiva a estas instituições. Ademais, a relação existente entre as instituições de ensino superior comunitárias e as comunidades em que atuam, seja em decorrência da origem comunitária, seja em razão do perfil institucional, das ações desenvolvidas, do compromisso firmado com a responsabilidade social, dos princípios éticos tão fortemente arraigados a este modelo, do pacto para com a região; além de todos estes traços diferenciadores, este modelo de instituição ainda busca manter-se entre as instituições que têm comprometimento com a formação humanística e de qualidade.371 3.3 O tratamento jurídico hoje dispensado às instituições de ensino superior comunitárias e as dificuldades decorrentes As instituições de ensino superior comunitárias têm sua história diretamente atrelada à história do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Hoje, estas instituições buscam um marco regulatório próprio, capaz de atender às suas necessidades. Ao passo que se fala de história e de Direito, necessário destacar que “não é possível despir-se o direito de um País de sua história e cultura - seja durante sua formação, seja na sua aplicação -, as quais atuam como filtro, extraindo de cada fato genérico um fenômeno específico”.372 370 POLI, Odilon e JACOSKI, Cláudio. Universidade Comunitária Regional de Chapecó: a experiência do público comunitário. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas nãoestatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 374. 371 CONFORTIN, Helena e BOEIRA, Cleusa Salete. Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 307. 372 DERANI, Cristiane. Direto ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 02. 119 A chamada civilização moderna tem sua trajetória marcada pela busca da ordem, da organização, da confecção de normas e da institucionalização de regras que devem ser obedecidas. O surgimento das normas jurídicas não está ligado à busca do desenvolvimento do ser humano ou à felicidade coletiva e à justiça, mas à mantença da organização social. “O direito não é uma parte, um estamento da sociedade, é uma prática social”, que se revela como a materialização das expectativas da constituição da sociedade, através de um código de regras próprio, é fruto da produção humana, assim sendo, o sistema jurídico passa a ser estruturado como fruto do movimento social.373 Nessa linha de pensamento, necessário voltar os olhos ao sul do Brasil, notadamente para o Rio Grande do Sul e para Santa Catarina, berço das instituições de ensino superior comunitárias, local onde o espírito comunitário foi cultivado e fomentado. O sul do País é também o nascedouro do movimento em prol de um marco regulatório próprio às instituições de ensino superior comunitárias, através do COMUNG e da ACAFE, ou seja, nessa região do País tem início o processo de busca de um direito que se mostre adequado a estas sociedades, que têm em seu seio instituições de ensino diferenciadas.374 Muito embora a Constituição Federal de 1988 contenha pressupostos capazes de quebrar com a lógica dicotômica375, percebe-se que, na prática muitos entraves são postos no caminho das instituições de ensino superior comunitárias. A ideia de que a divisão das instituições de ensino superior limita-se ao público e ao privado ainda é muito forte, tanto junto à opinião pública quanto em meio às instituições oficiais que costumam jogar as instituições de ensino superior comunitárias à vala comum. Contudo, esta visão não corresponde ao atual quadro das instituições de ensino. Por força da tradicional dicotomia público-privado, a opinião pública até agora não conseguiu assimilar, de todo, a presença e a realidade do terceiro setor na sociedade brasileira. A visão dual simplifica toda a realidade num dilema falso e fechado, que tudo submete a essa inexorável visão bipartida das instituições, classificando-as, sem mais, em públicas ou privadas. E nesse esquema é que se costuma também 376 enquadrar as universidades. 373 DERANI, Cristiane. Direto ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 03-17 PORTAL DAS INSTITUIÇÕES COMUNITÁRIAS DE ENSINO SUPERIOR. <www.comunitarias.org.br>. Acesso em: 28 nov.2010. 375 LAZZARI, Ney José; KOEHNTOPP, Paulo Ivo; SCHMIDT, João Pedro. Apresentação. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 12. 376 VANUCCHI, Aldo. A universidade comunitária – o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2004, p. 24. 374 120 Bem, antes de compreender qual o tratamento jurídico hoje dispensado às instituições superiores de ensino comunitárias, necessário assimilar que a história jurídica destas instituições passa por, basicamente, três momentos. O primeiro deles têm vinculação direta com o processo de elaboração da Constituição Federal de 1988, onde o debate acerca do comunitarismo se mostrou bastante forte. Na ocasião, muito se discutiu acerca da possibilidade de transferir recursos377 e as instituições católicas tiveram um importante papel no processo de reconhecimento das instituições comunitárias, tratava-se da busca de um traço diferenciador, que ficou nítido na redação do artigo 213378 da Constituição Federal de 1988.379 A redação do artigo 213 da Constituição Federal acabou contemplando o intento das entidades católicas, ao contemplar a categoria das escolas comunitárias no texto constitucional e possibilitar a transferência de recursos públicos para escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas que comprovem finalidade não lucrativa, apliquem seus excedentes financeiros em educação e assegurem a destinação de seu patrimônio a escola congênere em caso de encerramento de suas atividades. Na educação fundamental e média, os recursos são para bolsas de estudo; na educação superior, para atividades de pesquisa e extensão. 380 O artigo 213 da Constituição Federal, ao fazer menção às escolas comunitárias, refere que, independentemente de elas serem confessionais ou filantrópicas, não podem ser 377 “Na Constituinte de 1986-1987 confrontaram-se duas posições acerca do tema da transferência ou não de recursos públicos para estabelecimentos educacionais que não pertencessem à rede pública. Contra a possibilidade da transferência de recursos foi apresentada uma emenda patrocinada pela Confederação dos Professores do Brasil - CPB, da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior - ANDES, da União Nacional de Estudantes - UNE, da Central Única dos Trabalhadores - CUT e da Central Geral dos Trabalhadores - CGT, com 279.013 assinaturas. A favor da transferência de recursos públicos para instituições não estatais sem fins lucrativos e que prestassem contas dos recursos recebidos, foi apresentada uma emenda pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, Associação de Educação Católica - AEC e Associação Brasileira das Escolas Superiores Católicas - ABESC, com 750.077 assinaturas. Uma terceira proposta foi apresentada pelo Movimento de Defesa dos Favelados, pela Comissão de Justiça e Paz (ambos da Bahia) e pelo Movimento Negro de Brasília, com 23.042 assinaturas, que visava legitimar como públicas as escolas comunitárias voltadas às comunidades carentes ou minoritárias”. In: SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-40772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010. 378 Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação; II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades. § 1º - Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade. § 2º - As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público. 379 SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010. 380 SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010. 121 lucrativas, devendo, portanto, aplicar os seus excedentes financeiros em educação e em seu patrimônio; contudo, caso venham a encerrar suas atividades, elas poderão destinar seu patrimônio a outra instituição congênere ou até mesmo ao poder público. O segundo momento deste processo histórico-jurídico, diz respeito ao debate dos anos 90, que resultou numa tensão, eis que houve uma posição diferente daquela adotada quando do processo de elaboração da Constituição Federal de 1988. Por ocasião da redação da Lei nº. 9.394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, verificou-se uma redação prejudicial às instituições de ensino superior comunitárias, haja vista que as classificou como privadas. O artigo 19381 da LDB segue a classificação dicotômica e divide as instituições de ensino superior em públicas ou privadas. Seguindo esta linha de pensamento, o artigo 20 382 da LDB divide as instituições privadas em particulares, comunitárias, confessionais e filantrópicas e, muito embora trace distinções acerca destes modelos, percebe-se que não estabelece grandes diferenças acerca das comunitárias, “as comunitárias, portanto, não conseguiram fazer valer sua especificidade nesse importante documento legal da educação, que constitui uma das fontes de confusão entre o comunitário e o privado”.383 A Lei no. 9.394/1996 e o Decreto no. 2.306/1997 determinam duas grandes divisões às instituições de ensino superior comunitárias, uma em relação à natureza jurídica das mantenedoras384, a outra aborda a organização acadêmica. A primeira classifica as instituições em: a) públicas, ou seja, aquelas “criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público, consoante dispõe o artigo 19, inciso I da Lei nº. 9.394/1996; b) privadas, as 381 Art. 19. As instituições de ensino dos diferentes níveis classificam-se nas seguintes categorias administrativas: I - públicas, assim entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público; II - privadas, assim entendidas as mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. 382 Art. 20. As instituições privadas de ensino se enquadrarão nas seguintes categorias: I - particulares em sentido estrito, assim entendidas as que são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem as características dos incisos abaixo; II - comunitárias, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas educacionais, sem fins lucrativos, que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade; III - confessionais, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior; IV - filantrópicas, na forma da lei. 383 SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010. 384 Abordar os conceitos de mantida e de mantenedora significa tratar de conceitos complexos e confusos. Em síntese, a mantida é a instituição de ensino e a mantenedora é a instituição de direito privado, sob a forma de associações ou fundações, que respondem juridicamente pelos atos da mantida. 122 “mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado”, conforme determina o artigo 19, inciso II, da mesma Lei. É público o espaço que é de todos e para todos. É estatal uma forma específica de espaço ou de propriedade pública: aquela que faz parte do Estado. É privada a propriedade que se volta para o lucro ou para o consumo dos indivíduos ou dos grupos. Uma fundação, embora regida pelo Direito Civil e não pelo direito administrativo, é uma instituição pública, na medida que está voltada para o interesse geral. Em princípio todas as organizações sem fins lucrativos são ou devem ser organizações públicas não-estatais. Poderíamos dizer que, afinal, continuamos apenas com as duas formas clássicas de propriedade: a pública e a privada, mas com duas importantes ressalvas: primeiro, a propriedade pública se subdivide em estatal e não-estatal, ao invés de se confundir com a estatal; e segundo, as instituições de Direito Privado voltadas para o interesse público e não para o consumo privado não são privadas, mas sim públicas não-estatais.385 A partir daí é feita uma subdivisão das instituições privadas, o que compreende as instituições particulares, comunitárias, confessionais e filantrópicas. As particulares, em sentido estrito, são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem as características das comunitárias, confessionais ou filantrópicas. Ademais, as instituições privadas têm como características básicas, a propriedade e o processo decisório centrado nas mãos do proprietário.386 As instituições privadas trazem consigo a expressão do individualismo e não do caráter público. As universidades comunitárias em sentido estrito distinguem-se, pois, nitidamente das instituições de ensino superior privadas em vários aspectos, como a inexistência de fins lucrativos, a gestão democrática, a transparência administrativo-financeira, o controle social, a prestação de contas à sociedade e ao poder público e a ênfase no desenvolvimento regional.387 As instituições de ensino superior comunitárias são “instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas educacionais, sem fins lucrativos, que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade”.388 As confessionais são aquelas instituídas “por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendam orientação confessional e ideologia específicas”, que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade. Estas instituições têm como raiz, como base, a ideia de ‘comum à comunidade’, às causas coletivas. 385 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal. In: ______. (Org.). O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 26. 386 SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 19. 387 SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 29. 388 BRASIL. Lei no. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 31 out.2010. 123 As instituições confessionais são aquelas que possuem cunho religioso ou filosófico. Por fim, as instituições filantrópicas, apesar das divergências quanto à categoria, são aquelas que têm ligação com ações humanitárias. Filantrópico designa tradicionalmente as ações de humanitarismo e ajuda fraterna desenvolvidas por organizações assistenciais, muitas delas com caráter religioso. Nos tempos atuais, ao termo é utilizado para caracterizar ações finalidades sociais, sem fins lucrativos. Uma organização sem fins lucrativos deve reinvestir o resultado financeiro na atividade-fim. [...] Do ponto de vista jurídico a filantropia não é sinônimo de comunitário ou de interesse coletivo.389 Em relação à organização acadêmica, o Decreto no. 5.773/2006, dispõe que as instituições de educação superior sofrerão a seguinte divisão: faculdades, centros universitários e universidades. As instituições são inicialmente credenciadas como faculdade. Os centros universitários serão caracterizados pelo oferecimento de ensino de excelência; pela atuação em uma ou mais áreas do conhecimento. As universidades terão como característica fundamental o compromisso com o ensino, com a pesquisa e com a extensão; terão autonomia didática, administrativa e financeira. Seguindo os passos da LDB, o Plano Nacional da Educação390, Lei no. 10.172/2001, pouco fala do modelo comunitário. Contudo, ao dispor sobre os objetivos e metas, o item de número 27 menciona o oferecimento de apoio e incentivo governamental às “instituições comunitárias sem fins lucrativos, preferencialmente aquelas situadas em localidades não atendidas pelo Poder Público, levando em consideração a avaliação do custo e a qualidade do ensino oferecido”391. Na prática, tal recomendação surtiu pouquíssimos efeitos.392 Também nos anos 90, houve muita discussão acerca do chamado público não estatal, quando o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, promoveu uma série de reformas, entre as quais são destacadas a Reforma do Aparelho do Estado e a Reforma 389 SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 19. 390 O Plano Nacional de Educação – PNE, é elaborado a cada 10 (dez) anos e tem validade por igual período. Contudo, o PNE que deveria ter sido votado em julho de 2010 está com processo de elaboração atrasado, eis que em até o mês de novembro ele ainda não foi votado. O PNE é um documento que serve para nortear as políticas públicas voltadas ao ensino e o que entrou em vigor tem sua validade expirada em 31 de dezembro de 2010. 391 BRASIL. Lei nº. 10.172, de 09 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 27 nov.2010. 392 SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010. 124 Administrativa.393 Da dita reforma, surgiram os marcos regulatórios do público não estatal no Brasil, a Lei das Organizações Sociais, Lei nº. 9.637/1998 e a Lei das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, Lei 9.790/1999, sendo que a discussão acerca das instituições comunitárias não foi contemplada pelo debate. Nenhuma destas legislações é aplicável às instituições de ensino superior comunitárias, em razão das peculiaridades destas.394 O terceiro momento do processo histórico-jurídico ainda está em construção, diz respeito aos primeiros anos do século XXI. Com o debate acerca da Reforma Universitária, iniciado em 2004, houve uma postulação das instituições de ensino superior comunitárias para que a ideia bipartida de público/privado fosse substituída por uma concepção tripartida, a fim de contemplar as comunitárias, assim, haveria a formulação do trinômio, público/privado/comunitário. E obtiveram êxito parcial. O Projeto de Reforma Universitária enviado pelo governo ao Congresso estabelece no art. 8º três categorias de instituições de ensino superior: públicas, comunitárias e particulares. Embora se trate apenas de um projeto de lei, que enquanto projeto não produz efeitos práticos, é uma sinalização de que o governo começa a se posicionar em favor da superação da simplificação público x privado, tomando o comunitário como um modelo diferenciado. Ainda na esfera das iniciativas do governo e no mesmo sentido, vale mencionar o consistente estudo de um grupo de juristas convidados pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para apresentar uma proposta de nova estrutura orgânica para o funcionamento da Administração Pública Federal e das suas relações com entes de colaboração. O anteprojeto apresentado pelos juristas considerou "altamente relevante" incluir no instrumento que trata da organização da administração publica o tratamento a ser dado aos entes de colaboração, entidades que "embora instituídas no âmbito não estatal - ainda que, em alguns casos, com impulso estatal desenvolvem atividades de interesse público, que as habilitam a atuar como parceiras do Estado. Elas estão a meio caminho entre o estatal e o não estatal, gerindo, muitas delas, verbas públicas". Os entes de colaboração indicados no documento são as organizações não governamentais, mas a lógica dos juristas é plenamente compatível com os pressupostos de um marco legal das comunitárias. 395 Em 2008, as instituições de ensino superior comunitárias, através de entidades representativas, COMUNG e ACAFE, começaram a articular um processo de formulação de um marco regulatório próprio, postulando junto ao Governo Federal e ao Congresso Nacional 393 Porém, na ocasião, o público não estatal foi sinônimo de um Estado mínimo, que seguia a tendência neoliberal. Contudo, na atualidade, o governo FHC já começa a ser visto como um governo de terceira via e não mais como um governo neoliberal. 394 SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010. 395 SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010. 125 um projeto de lei que abarcasse as suas necessidades e peculiaridades. Em 2009, a ABRUC – Associação Brasileira das Universidades Comunitárias, abraçou a ideia e agregou força ao movimento, somando forças com a ANEC – Associação Nacional de Educação Católica do Brasil e com a Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas - ABIEE.396 A partir de então, o movimento começou a ganhar corpo e hoje pede o apoio das comunidades, através de assinaturas junto a uma lista de apoio, que conta com cerca de 3.600 (três mil e seiscentas) assinaturas, sendo que diariamente mais pessoas aderem à causa.397 Cabe esclarecer que a ABRUC abriga as instituições de ensino superior comunitárias do País e hoje conta com a participação de 57 (cinquenta e sete) instituições. Em seu estatuto398, artigo 6º.399, a ABRUC reproduz a definição da LDB às instituições de ensino superior comunitárias. De acordo com a ABRUC, para uma instituição ser classificada como comunitária, a fim de ingressar e permanecer na associação, é necessário que a mantenedora esteja legitimamente constituída no Brasil, sob a forma de fundação de direito privado, de associação ou de sociedade civil; que seu patrimônio pertença à comunidade, não tendo o vínculo com interesses econômicos. As rendas e recursos de quaisquer espécies devem ser aplicados na mantença do desenvolvimento dos objetivos institucionais. É vedada a distribuição de quaisquer resultados financeiros, sob qualquer modo ou justificativa. Integrantes, associados, membros, participantes, instituidores e filiados, não podem ser privilegiados na prestação de serviços. A instância máxima deve ser uma Assembleia ou Conselho que deve, por sua vez, contar com a participação da comunidade onde atua. A administração da gestão financeira e seus recursos devem ser controlados com a participação da comunidade e no caso das fundações, também deve haver a atuação do Ministério Público. Havendo a dissolução ou extinção da instituição, o patrimônio remanescente deve ser destinado a uma entidade pública com similares finalidades. A instituição deve ser reconhecida como de utilidade pública. O objetivo social deve levar em conta a natureza e o interesse público das atividades e o patrimônio deve estar vinculado ao interesse público de 396 SCHMIDT, João Pedro. O comunitário em tempos de público não estatal. Revista Avaliação da Educação Superior, Campinas, n. 1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772010000100001&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 19 nov.2010. 397 PORTAL DAS INSTITUIÇÕES COMUNITÁRIAS DE ENSINO SUPERIOR. <www.comunitarias.org.br>. Acesso em: 28 nov.2010. 398 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS UNIVERSIDADES COMUNITÁRIAS. Disponível em: <http://www.abruc.org.br/005/00502003.asp?ttCD_CHAVE=704>. Acesso em: 19 nov.2010. 399 Art. 6º - Consideram-se Instituições Comunitárias, para os efeitos deste Estatuto, as Universidades e Centros Universitários instituídos por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de professores e alunos que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade. 126 suas atividades. O artigo 8º. do Estatuto da ABRUC estabelece que as instituições comunitárias devem propiciar a participação da comunidade acadêmica nos órgãos colegiados institucionais; ter comprometimento com a qualidade acadêmica, através de programas de capacitação e de permanência de professores, manutenção de quadros e regimes de garantia de carreira docente e de fomento à pesquisa e extensão, submetendo-se aos processos de avaliação institucional; por fim, deve ser mantido um projeto educacional que possibilite o aperfeiçoamento da pessoa humana, numa lógica ética de formação e construção da cidadania. [...] tanto a LDB como o Estatuto da ABRUC põem o acento comunitário não na universidade – a mantida -, mas no poder instituidor e mantenedor. Não enfocam traços característicos e essenciais de uma comunidade, como a posse em comum, a colegialidade participativa, o pertencimento, o vínculo orgânico, a coesão interna. 400 De acordo com o INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, existem hoje, 2.252 instituições de ensino superior (universidades, centros universitários, faculdades e IFETs – Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia), no Brasil, sendo que destas são classificadas como comunitárias 437, porém as ditas comunitárias regionais, o que significa dizer instituições públicas de direito privado não confessionais, tem um reduzido número, sendo no total 18 (dezoito), as quais estão divididas entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O Censo realizado pelo INEP faz uma divisão em dois grandes blocos, ou seja, instituições de ensino superior públicas, que englobam instituições federais, estaduais e municipais, e, outro grande grupo que abrange as instituições privadas, estas incluindo as particulares, comunitárias, confessionais e filantrópicas. Portanto, constata-se que o INEP ao realizar o senso das instituições de ensino superior em 2008, segue a lógica dicotômica, pois agrega três modalidades de instituição, as quais têm peculiaridades, em único bloco (comunitárias, confessionais e filantrópicas). [...] A imperiosidade e a urgência em estabelecer com clareza o conceito desse tipo de instituição (comunitária) de educação superior estão associadas a dois fatores: 1) ao risco de ‘extinção’ iminente em que se encontram atualmente; e 2) ao fato de que elas costumam ser consideradas e enquadradas juntamente com as IES particulares de fins lucrativos e as IES confessionais de grande porte. A distinção conceitual fazse necessária para dar visibilidade a algumas peculiaridades que poderão levar ao reconhecimento da função social e histórica que esse conjunto de instituições desempenhou na interiorização da educação superior e, mais recentemente, vem 400 VANUCCHI, Aldo. A universidade comunitária – o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2004, p. 24. 127 desempenhando na interiorização da pós-graduação stricto sensu, sobretudo na área da Educação, desde a qual nos pronunciamos. 401 Muito embora as instituições de ensino superior comunitárias ainda possuam uma caracterização bastante ambígua, elas, paulatinamente, ganham força na ideia de um marco regulatório próprio, tanto junto ao Estado, mas também junto à sociedade civil que passa a incorporar a concepção de público não estatal e a reconhecer as mencionadas instituições como instituições dotadas de características próprias, que em muito se diferem das instituições privadas. Percebe-se que as instituições de ensino superior comunitárias são fruto do público não estatal, muito embora, conste legislação em vigor, uma distinção acerca do público e do privado, haja vista que as figuras jurídicas previstas no artigo 40 do Código Civil dispõem que, “as pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado”. Nessa esteira, o artigo 41 Código Civil refere que “são pessoas jurídicas de direito público interno: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, os Municípios, as autarquias, inclusive as associações públicas e as demais entidades de caráter público criadas por lei”. Ao passo que são classificadas como pessoas jurídicas de direito privado, em consonância com o artigo 44 e seus incisos “as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos”. Enquanto ainda não possuem um marco regulatório adequado, as instituições de ensino superior comunitárias vão desenvolvendo suas atividades dentro de outra perspectiva. São instituições que têm natureza jurídica de fundações de direito privado ou de associações, que têm em seus órgãos deliberativos representantes acadêmicos e membros da comunidade. Por sua vez, a reitoria é composta por docentes da universidade, através de eleição, cujos votantes são, geralmente, acadêmicos, docentes, alunos e comunidade.402 Em verdade, a grande diferença das instituições de ensino superior comunitárias em relação às demais instituições de ensino superior é que aquelas contam com dois aspectos diferenciadores: o elemento comunitário e o elemento democrático. 401 MACHADO, Ana Maria Netto. Universidades comunitárias: um modelo brasileiro para interiorizar educação superior. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 74. 402 RICHTER, Luiz Egon; LEIDENS, Letícia Virgínia. O marco legal do terceiro setor e sua (in) compatibilidade normativa com as instituições comunitárias. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 52. 128 As instituições comunitárias são, via de regra, associações civis, sem fins lucrativos, que atual nas áreas de educação, ensino, pesquisa, extensão e saúde, entre outras, com a finalidade de contribuir para dignificar a vida em sociedade. Estão fora do mercado, não têm objetivos mercantis, ou seja, não buscam lucro. Elas resultam do esforço da sociedade civil que as organiza e as utiliza em prol dela mesma 403. Embora seja uma aposta para o século XXI e, mesmo realizando um serviço de qualidade e um papel social relevante, as instituições de ensino superior comunitárias iniciam o século sem uma figura jurídica própria. Verifica-se, então, que a legislação brasileira incorporou a figura do público não estatal de modo tímido, indicando, assim uma possível existência da dicotomia público versus privado, tida como empobrecedora e inadequada à realidade social do País. Ao passo que a legislação brasileira aplicável à educação evidencia em seu texto, a dicotomia público versus privado, as instituições de ensino superior comunitárias arcam com ônus de serem tratadas como privadas com traços peculiares.404 Um contingente de centenas de instituições comunitárias – compreendendo universidades, escolas, hospitais e outras – presta relevantes serviços na área social. Cabe insistir na idéia de que a utilização da capacidade das comunitárias não significa disputar o espaço das estatais. O espaço das comunitárias é o espaço não ocupado pelas estatais. As instituições estatais devem ser preservadas, fortalecidas e qualificadas, de modo a bem cumprir as grandes tarefas que lhes estão confiadas. Há que promover a expansão das estatais em regiões carentes de capital social. Já nas regiões em que há um expressivo capital social, uma vida comunitária e associativa consolidada, onde a sociedade civil conseguiu erguer estruturas capazes de suprir os serviços públicos que o Estado não conseguiu, a estratégia política apropriada é cooperar e compartilhar responsabilidades. 405 De modo geral, as instituições comunitárias brasileiras são fruto dos esforços da sociedade civil, têm como características a essência do que é público e, assim, incorporam em seu funcionamento os princípios aplicáveis à Administração Pública, a exemplo da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência. Ademais, estas instituições não visam ao lucro, eis que reinvestem os valores arrecadados nas atividades da instituição, têm patrimônio pertencente às entidades da sociedade civil ou órgãos do poder público local ou regional, primam pela transparência administrativa, têm gestão democrática e conexão com as realidades regionais das comunidades em que atuam.406 403 RICHTER, Luiz Egon; LEIDENS, Letícia Virgínia. O marco legal do terceiro setor e sua (in) compatibilidade normativa com as instituições comunitárias. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 51. 404 SCHMIDT, João Pedro. O caráter público não-estatal da universidade comunitária: aspectos conceituais e jurídicos. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, v. 29, p. 54. 405 SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 25. 406 SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 28. 129 Ademais, as instituições de ensino superior comunitárias têm aspectos extremamente importantes que devem ser considerados, até porque hoje muito se discute acerca da expansão do ensino superior no País e como de fazer tal operação. Ora, estas instituições podem colaborar na expansão dos serviços públicos, pois já têm uma estrutura física e organizacional pronta, assim, podem colaborar com a expansão do ensino que se persegue, até mesmo porque elas têm características que colaboram com este intento407, vez que têm: a) agilidade: a oferta de serviços pode se dar em um prazo curto, pois as instituições comunitárias já estão instaladas e podem fazer adequações e inovações com celeridade; em contrapartida, instalar uma nova instituição estatal leva anos para a estruturação e muitos anos mais para adquirir maturidade institucional; b) padrão de qualidade: grande parte das instituições comunitárias é conhecida pela boa qualidade dos serviços que prestam, segundo aferição de órgãos estatais, como acontece com as Instituições de Ensino Superior, avaliadas pelo MEC; é saudável a exigência contratual de avaliação da qualidade do serviço prestado; c) sinergia com a comunidade regional: a inserção social é uma das virtudes relevantes construídas pelas comunitárias ao longo de sua trajetória, fundamental para o êxito do modelo comunitário, e que estará presente na oferta dos serviços solicitados pelo Estado; d) possibilidade de adequação dos serviços às necessidades cambiantes da sociedade: a contratação de serviços às instituições comunitárias por parte do Estado pode ser por tempo determinado, possibilitando novas ênfases e novos serviços após um certo período, de acordo com as necessidades da sociedade regional.408 Observa-se que o modelo de instituição comunitária surge, justamente, de uma atividade democrática exercida pela comunidade, a deliberação. Ao deliberar a criação de um organismo, a sociedade poderia entregar a sua administração a terceiros, permanecendo apenas como mera fiscalizadora. No entanto, esta não seria uma opção fortemente democrática. Assim sendo, as instituições comunitárias, que surgem pela força deliberativa de uma determinada comunidade e permanecem com este anseio durante a sua existência, caracterizam-se também pela sua administração democrática, eis que a administração delas é realizada através da participação social dos interessados e da comunidade. 407 Necessário, todavia, esclarecer que “[...] as políticas de federalização vêm ignorando a história construída por este conjunto de Universidades Comunitárias nas suas regiões, muitas vezes instalando campus federais próximos das comunitárias, sem estabelecer relação de parceria ou cooperação entre ambas. Por um lado, a instalação de universidade gratuita é bem-vinda e importante nessas localidades. Por outro lado, seu perfil elitizado, com vestibular exigente, atrai estudantes excedentes dos grandes centros urbanos, deixando pouca chance para a população local ocupar tais vagas. Os níveis educacionais baixos do ensino fundamental e médio tornam os candidatos dos pequenos municípios pouco competitivos para conseguir aprovação em vestibulares, excluindo-os. Nesse contexto, a presença de uma universidade federal pode não significar que a população local tenha acesso às vagas públicas, ou que o impacto de sua instalação gere desenvolvimento local”. In: MACHADO, Ana Maria Netto. Universidades comunitárias: um modelo brasileiro para interiorizar educação superior. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 90. 408 SCHMIDT, João Pedro e CAMPIS, Luiz Augusto Costa a. As instituições comunitárias e o novo marco jurídico do público não-estatal. In: SCHMIDT, João Pedro. Instituições Comunitárias: instituições públicas nãoestatais. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2009, p. 33. 130 As instituições de ensino superior comunitárias não trabalham com a lógica do lucro pecuniário, mas do ganho social, que é mais ampla que a primeira. Assim sendo, necessária também a ruptura da dicotomia entre economia e social, onde está a economia atrelada à ideia de riqueza e o social à percepção de pobreza. Ora, não mais há ambiente capaz de suportar um modelo de produção que não é capaz de considerar os “impactos sociais da própria economia, e que não integra os processos corretivos na sua própria área, como não há mais espaço para políticas sociais que tentam ignorar os seus custos e implicações econômicas”. 409 O projeto de sustentabilidade deve ser pautado pelas questões econômicas, mas também sociais. Ao passo que as instituições de ensino superior comunitárias buscam um marco regulatório capaz de viabilizar as suas atividades, que sofrem restrições de cunho econômico; em razão do pouco incentivo que hoje recebem e, considerando que estas instituições operam atividades que atentem ao desenvolvimento social das comunidades em que atuam, parece adequada à reivindicação de suas postulações. Até porque, muito embora se fale em interpretação constitucional, percebe-se que as brechas do comunitário, lançadas no texto constitucional, em especial o artigo 213, que trata da educação, não são capazes de dar conta da demanda deste modelo de instituição. Um virtual desaparecimento ou enfraquecimento das Universidades Comunitárias certamente deixaria muitas seqüelas. Uma delas deveria implicar a diminuição do estoque de capital social existente nas regiões onde elas atuam. Sendo considerado pela teoria social contemporânea como um dos ativos mais importantes de qualquer comunidade, dilapidar capital social não parece ser uma opção interessante neste início de terceiro milênio. Há um consenso sobre o fato de sua existência ser intrinsecamente boa para o funcionamento da sociedade por capacitar seus membros a atuar coletivamente para resolver problemas e trabalhar pelo bem comum. Portanto, um bom patrimônio de capital social em uma sociedade reforça a democracia política e os ganhos econômicos, ao incrementar a capacidade dos indivíduos para cooperar em um empreendimento comum. 410 É em prol deste capital social, que pode ser conceituado como “conjunto de redes, relações e normas que facilitam ações coordenadas na resolução de problemas coletivos e que proporcionam recursos que habilitam os participantes a acessarem bens, serviços e outras formas de capital”411, que deve haver um estímulo ao funcionamento e fortalecimento das 409 DOWBOR, Ladislau. A Reprodução Social: Descentralização e Participação, as novas tendências. vol III. São Paulo, 2001, p. 58. 410 VOGT, Olgário Paulo. Capital social e instituições comunitárias no sul do Brasil. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 71. 411 SCHMIDT, João Pedro. Exclusão, inclusão e capital social: o capital social nas ações de inclusão. In: LEAL, Rogério Gesta; REIS, Jorge Renato dos. (Org.) Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 6. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006, p. 1760. 131 instituições de ensino superior comunitárias, seja através de um marco regulatório adequado, seja através de uma lógica que nasce com a concepção de interpretação constitucional. 3.4 Análise da (des) necessidade de um marco legal às instituições de educação superior comunitárias: perspectivas de mudanças A busca por um marco regulatório para as instituições de ensino superior comunitárias leva em conta as particularidades presentes neste modelo, as prestações positivas por elas oferecidas às comunidades em que atuam, bem como as atuais dificuldades por elas enfrentadas, haja vista que, hoje, o financiamento das atividades destas instituições é quase que exclusivamente advindo dos valores das mensalidades cobradas. Consoante já mencionado, a legislação hoje aplicável ao público não estatal no País, ou seja, a Lei das Organizações Sociais, Lei nº. 9.637/1998 e a Lei destinada às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, Lei nº. 9.790/1999, não se aplicam às instituições de ensino superior comunitárias. Ora, a primeira tem por fito substituir o Estado na execução dos serviços sociais, o que não corresponde ao objeto exercido pelas instituições de ensino superior comunitárias. Por sua vez, a segunda exclui a possibilidade, de modo expresso, no artigo 2º, inciso VIII, bem como por ser vedada a cobrança de quaisquer valores, sendo que as instituições de ensino superior comunitárias cobram mensalidade pelos serviços que prestam. Ao fim, a legislação destinada às ONGs, devido à sua abrangência, também não é aplicável. Ao passo que as instituições de ensino superior comunitárias não possuem hoje um marco regulatório próprio, duas vertentes podem ser seguidas: a hermenêutica, que através de uma leitura dos princípios constitucionais previstos na Constituição Federal de 1988, onde há menção ao comunitário e até mesmo às instituições de ensino comunitárias (artigo 213 da Constituição Federal de 1988) ou então através da busca de uma legislação específica a esta figura jurídica. Assim, restará analisada a possibilidade hermenêutica, o projeto de lei que trata das instituições de ensino superior comunitárias, PL nº. 7.639/2010, da Câmara dos Deputados. 132 3.4.1 Uma proposta hermenêutica às instituições de ensino superior comunitárias A Constituição Federal de 1988 representa mais do que uma carta política, trata-se de um instrumento com uma série de outros aspectos, a exemplo, da participação social, trata-se de um mecanismo que rompe com uma lógica positivista centrada no Código Civil e abre possibilidade a uma interpretação diferente daquela até então praticada, ou seja, a aplicação do método subsuntivo412 deixa de ser a única via possível e abre-se espaço a uma interpretação que tem por norte os princípios constitucionais, trazendo uma alteração de paradigmas.413 Acerca da chamada hermenêutica contemporânea, percebe-se que os métodos hermenêuticos tradicionais não mais demonstram dar conta da realidade que se apresenta. Neste sentido, parece já haver um senso comum, de que uma decisão envolvendo a mesma matéria pode ter finais distintos, em razão do conteúdo argumentativo que cada caso traz consigo. A concepção de que os princípios possuem lugar central no ordenamento jurídico tem origem com o chamado pós-positivismo, movimento que ganhou força na Europa, com o colapso dos regimes nazista e fascista, e, que se materializou no Brasil com a Constituição Federal de 1988. Trata-se de um sistema que busca a integração entre a lei e uma gama de diretrizes éticas e valorativas, a fim de que, a partir desta integração, haja efetividade e justiça.414 A distinção básica entre regras e princípios consiste no fato de que as primeiras serão ou não obedecidas, ao passo que os últimos poderão ter sua satisfação assegurada em diferentes níveis. Ademais, aqui a satisfação depende tanto de possibilidade fática quanto jurídica, tratam-se, em verdade, de mecanismos de otimização. No plano concreto, fica mais fácil verificar a distinção entre regras e princípios. O conflito entre regras pode ser sanado através de uma cláusula de exceção. Já no caso de haver colisão de princípios, um dos princípios acabará por ceder, o que não acarreta na invalidade de um dos princípios ou na ocorrência de uma cláusula de exceção. “O que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do 412 O método subsuntivo pode ser descrito como aquele onde o intérprete tem por função apenas identificar a regra atinente à conduta do sujeito e aplicá-la. 413 REIS, Jorge Renato dos e FISCHER, Eduardo Ferreira. Hermenêutica para vinculação dos particulares a direitos fundamentais. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 6. REIS, Jorge Renato dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006, p. 1643-1675. 414 REIS, Jorge Renato dos e FISCHER, Eduardo Ferreira. Hermenêutica para vinculação dos particulares a direitos fundamentais. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 6. REIS, Jorge Renato dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006, p. 1643-1675. 133 outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta”.415 No tocante à supremacia dos princípios sobre as regras, a mesma decorre da ausência de soluções justas através da utilização do modelo subsuntivo. As diferenças entre regras (que possuem a ideia de tudo ou nada) e os princípios (que podem assumir diferentes graus). No que se refere aos conflitos entre regras e colisões entre princípios, aqueles são solucionados com base numa cláusula de exceção ou com a declaração de invalidade de uma das normas; ao passo que no caso de colisão deve haver uma ponderação e gradação dos direitos para se chegar a uma solução.416 Regras e princípios possuem caráter prima facie distintos. Ao passo que estes “exigem que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”, aquelas, apenas solicitam à obediência ao comando, de modo a ficar adstrita à determinação dos limites de seu conteúdo e das suas possibilidades fáticas e jurídicas. Necessário que se mantenha o caráter diferenciado de ambas. “Em um ordenamento jurídico, quanto mais peso se atribui aos princípios formais, tanto mais forte será o caráter prima facie de suas regras”. 417 A teoria dos princípios está diretamente atrelada à proporcionalidade e desta decorrem três máximas parciais, a saber: adequação, necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito) que decorre relativização em razão das possibilidades jurídicas. “A máxima da proporcionalidade em sentido estrito decorre do fato de princípios serem mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas”. Por seu turno, a necessidade e a adequação têm ligação com a natureza dos princípios enquanto mandamentos de otimização das ante às probabilidades fáticas. 418 415 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 92. 416 REIS, Jorge Renato dos e FISCHER, Eduardo Ferreira. Hermenêutica para vinculação dos particulares a direitos fundamentais. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 6. REIS, Jorge Renato dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006, p. 1643-1675. 417 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 103-105. 418 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 118. 134 As regras constitucionais, que incorporam os direitos fundamentais têm por característica uma abertura que possibilita um amoldamento de tais princípios à realidade a eles apresentada.419 Isto é bastante benéfico, eis que o Direito nem sempre se mostra capaz de acompanhar as evoluções da sociedade. Assim, a Constituição Federal de 1988 é pautada por uma série de superprincípios que servirão de base à realização de uma interpretação constitucional e de norte ao restante do ordenamento jurídico. A Constituição Federal de 1988 é dotada de vigência e de vinculatividade, possuindo uma estrutura principiológica que serve de base a todo o ordenamento jurídico do Brasil. Deste modo, “a Constituição (em sua totalidade) deve ser o paradigma hermenêutico de definição do que seja um texto normativo válido ou inválido, propiciando uma filtragem dos dispositivos infraconstitucionais”.420 Consequentemente, a legislação infraconstitucional, ao passar por este filtro pode continuar a ser classificada como vigente, contudo, perderá sua validade em razão da supremacia do texto constitucional. O Código Civil, assim como os demais instrumentos jurídicos que compõem o ordenamento, necessitam de interpretação e esta interpretação deve ser feita em conformidade com a Constituição Federal de 1988. Assim, estes elementos tornam a dicotomia público versus privado, cada vez mais tênue, sendo que os responsáveis pela ruptura dicotômica são a constitucionalização do direito privado e a força normativa da Constituição. Evidenciada a vinculação dos particulares a direitos fundamentais, seja no plano contratual ou extracontratual, bem como a influência do pós-Guerra para o enfraquecimento do positivismo e ao reconhecimento dos direitos fundamentais e, consequentemente, para a ascensão dos princípios dentro do ordenamento jurídico.421 A verdade é que boa parte do discurso ainda não se implementou, permanecendo no plano retórico, haja vista que “o aumento dos canais de ligação da Constituição com o direito privado não foi suficiente para relegar a ‘Constituição à posição de centro gravitacional do 419 REIS, Jorge Renato dos. Os Direitos Fundamentais de tutela da pessoa humana nas relações entre particulares. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 7. REIS, Jorge Renato dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2007, p. 2033-2064. 420 REIS, Jorge Renato dos; DURIGON, Diogo. Autonomia Privada e Direitos Fundamentais: uma proposta de conciliação. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 8. REIS, Jorge Renato dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 2577. 421 REIS, Jorge Renato dos e FISCHER, Eduardo Ferreira. Hermenêutica para vinculação dos particulares a direitos fundamentais. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 6. REIS, Jorge Renato dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006, p. 1643-1675. 135 Direito Privado’”.422 Consoante ensina Konrad Hesse, “a norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade”.423 Acerca da necessidade de realizar uma interpretação constitucional é necessário ter em mente que, “diferentemente de outras disciplinas (ou ciências), o Direito possui uma especificidade, que reside na relevante circunstância de que a interpretação de um texto normativo depende de sua conformidade com um texto de validade superior”. 424 Ora, considerando que a sociedade sofre mutações extremamente velozes e que o direito não acompanha esta dinâmica de modo sistemático, necessário uma agilidade, que é proposta através de leitura hermenêutica. Deve a Constituição incidir sobre todo o ordenamento jurídico, eis que ela é “razão e fonte dos direitos fundamentais”.425 Nunca é demais esclarecer que a Constituição Federal de 1988 traz consigo a prevalência do Direito Público sobre o Direito Privado, uma gama de valores e de princípios constitucionais, que primarão pelo zelo à pessoa humana e à sua dignidade, reconhecendo o ser humano em seu universo jurídico.426 A partir de então, os demais elementos que compõem o ordenamento jurídico pátrio terão de ser lidos, interpretados e aplicados a partir dos ditames constitucionais. “Foi com a Constituição Federal de 1988 que se começou a enfatizar, no Brasil, princípios que valorizassem o social e a dignidade da pessoa humana. Também, representou a transformação do Estado Liberal para o Estado Social”. 427 422 REIS, Jorge Renato dos; DURIGON, Diogo. Autonomia Privada e Direitos Fundamentais: uma proposta de conciliação. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 8. REIS, Jorge Renato dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 2579 423 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 14-15. 424 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 179. 425 REIS, Jorge Renato dos; DURIGON, Diogo. Autonomia Privada e Direitos Fundamentais: uma proposta de conciliação. In: Direitos Sociais e Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Tomo 8. REIS, Jorge Renato dos; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 2584. 426 CAGLIARI, Cláudia Taís Siqueira; REIS, Jorge Renato dos. A função social dos contratos como instrumento de efetivação dos direitos fundamentais nas relações interprivadas. In: Direitos Fundamentais Sociais como paradigmas de uma sociedade fraterna: constitucionalismo contemporâneo. GORCZEVSKI, Clovis. REIS, Jorge Renato dos (Org.). Santa Cruz do Sul: IPR, 2008, p. 15. 427 CAGLIARI, Cláudia Taís Siqueira; REIS, Jorge Renato dos. A função social dos contratos como instrumento de efetivação dos direitos fundamentais nas relações interprivadas. In: Direitos Fundamentais Sociais como paradigmas de uma sociedade fraterna: constitucionalismo contemporâneo. GORCZEVSKI, Clovis. REIS, Jorge Renato dos (Org.). Santa Cruz do Sul: IPR, 2008, p. 15. 136 Essas considerações são extremamente breves, se avaliadas a densidade e a amplitude da temática. As breves notas apenas servem de pano de fundo para ilustrar que as instituições de ensino superior comunitárias, muito embora detenham a possibilidade de uma interpretação hermenêutica, através de uma leitura atenta tanto do artigo 213 da Constituição, quanto dos artigos que mencionam o comunitário e a possibilidade de participação da sociedade civil, encontram, na prática, diversos percalços, entre os quais é possível destacar a regulamentação das instituições de ensino superior feitas pela LDB, onde há uma clara visão dicotômica. A verdade é que para muitos operadores do Direito, a ideia de que o Código Civil ainda está no centro do ordenamento jurídico ainda se mostra muito presente, consequência disto é uma visão que deixa a Constituição Federal de 1988 de lado, portanto, apesar de ser vigente, o texto constitucional, por vezes não tem vinculatividade. Em razão disto, o Código Civil ao realizar a classificação das pessoas jurídicas não dá margem à existência/prevalência das instituições de ensino superior comuntárias. Caso a Constituição Federal de 1988 tivesse desenvolvido a perspectiva de que o público ultrapassa o estatal, a legislação teria sido redigida de outro modo, o que não se percebe no artigo 19 e 20 da LDB, postulados que ratificam a idéia dicotômica. Os instrumentos que tratam da regulamentação das instituições de ensino criam obstáculos às instituições de ensino superior comunitárias, à medida que reproduzem o ultrapassado modelo dicotômico, não atentando às especificidades destas instituições, conduta que acaba por se reproduzir reiteradamente nas mais diferentes esferas, pois embora haja menção à ideia de instituição comunitária, o cerne da questão aqui não é discutida428. 3.4.2 Análise do Projeto de Lei nº. 7.639/2010, da Câmara dos Deputados Antes de mais nada, é necessário referir que o Projeto de Lei nº. 7.639/2010 foi protocolado na Câmara dos Deputados, em 13 de julho de 2010. Trata-se de um projeto de lei diferenciado, pois foi formulado e apresentado aos deputados pelas entidades que representam as instituições de ensino superior comunitárias. Inicialmente, o projeto de lei foi formulado 428 MS 26143 MC-AgR / MG - Minas Gerais e RE 241757 AgR / MA – Maranhão, ambos do Supremo Tribunal Federal. 137 pelo COMUNG e ACAFE. A partir de então, foi levado para um debate junto à ABRUC429 – Associação Brasileira das Universidades Comunitárias, onde passou por ajustes e, posteriormente, foi avalizado tanto pela ABRUC, quanto pela ANEC430 - Associação Nacional de Educação Católica do Brasil e pela ABIEE431 - Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas. Abordar as questões que envolvem as instituições de ensino superior comunitárias implica na análise de um fenômeno distinto, haja vista que estas instituições não se enquadram no rol das instituições públicas, tampouco naquele que engloba as privadas, razão pela qual se busca, hoje, uma terceira possibilidade, a via comunitária, a fim de realizar uma classificação adequada à realidade apresentada. Suprindo, ademais, o espaço deixado tanto pela Constituição Federal de 1988 quanto pela Lei de Diretrizes Básicas – LDB, que, apesar de mencionarem as instituições comunitárias, não aprofundam o que elas são/representam, possibilitando que obstáculos sejam impostas a estas instituições. O fato de este modelo ser ambíguo não justifica o não enfrentamento das questões que aqui serão suscitadas. Hoje, o Projeto de Lei que busca a criação de um marco regulatório próprio às instituições de educação superior comunitárias encontra-se não apenas em debate, mas em tramitação na Câmara dos Deputados. “A constituição de um novo marco jurídico do público não-estatal, que inclua as comunitárias possibilitará ao Estado brasileiro aproveitar o grande potencial destas instituições em favor da inclusão social e do desenvolvimento do País”.432 429 A ABRUC foi fundada em janeiro de 1995, tem sua sede em Brasília. Atualmente, reúne 54 instituições de ensino superior que não possuem fins lucrativos e que tem ações prioritárias às ações educacionais de caráter social. Disponível em: www.abruc.org.br. Acesso em: 28 nov.2010. 430 “A Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC) – anteriormente denominada Associação de Educação Católica do Brasil (AEC/BR) – foi criada decorrente da incorporação da Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas (ABESC) e Associação Nacional de Mantenedoras de Escolas Católicas do Brasil (ANAMEC). A ANEC é uma associação de direito privado, constituída por pessoas jurídicas, sem fins lucrativos e econômicos, de caráter educacional, cultural, beneficente, filantrópico e de assistência social, ligada à Educação Católica no Brasil e reunida em comunhão de princípios com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)”. Disponível em: www.anec.org.br. Acesso em: 28 nov.2010. 431 “ABIEE - Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas, pessoa jurídica de direito privado, com fins não-econômicos constituída por tempo indeterminado, fundada em três de abril de dois mil e um, congrega entidades representativas de instituições de ensino, com fins não-econômicos, vinculadas às denominações evangélicas e mantenedoras de instituições de ensino reconhecidamente evangélicas, com fins não-econômicos, de natureza confessional, que tenham por objetivos a promoção da educação, da pesquisa, do ensino, da cultura e de conhecimentos que contribuam para a melhoria das condições sociais do povo, empregando seus recursos em atividades e projetos desenvolvidos exclusivamente no território brasileiro”. Disponível em: www.abiee.org.br. Acesso em: 28 nov.2010. 432 LAZZARI, Ney José; KOEHNTOPP, Paulo Ivo; SCHMIDT, João Pedro. Apresentação. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 12. 138 [...] para que o País possa conquistar posição de destaque entre as nações e afirmar efetivamente a sua soberania, são necessárias ações concretas que: 1) protejam o interesse do Estado na educação superior, reafirmando a noção de que educação é, antes de tudo, um bem público e não uma mercadoria, e 2) permitam expandir agressivamente a oferta de vagas nas instituições federais e estaduais. 433 O projeto de lei em análise busca mais do que a expansão de vagas no ensino superior e do que a proteção do Estado na educação superior, eis que busca possibilitar às instituições de ensino superior comunitárias a cooperação continuada entre Estado e comunidade. Assim, mais do que promover uma educação superior de qualidade estas instituições, beneficiam as comunidades em que atuam, propiciando, então, uma melhora na qualidade de vida destes ambientes. Em outras palavras, as instituições de ensino superior comunitárias desenvolvem condições para que o ganho social seja viabilizado/efetivado. O Projeto de Lei nº. 7.639/2010434 possui 15 (quinze) artigos que têm por fito regulamentar as instituições comunitárias de educação superior. Para serem classificadas como tal é necessário que possuam, cumulativamente, as seguintes características: a) estarem constituídas na forma de associação ou fundação, com personalidade jurídica de direito privado, inclusive as instituídas pelo Poder Público; b) possuírem patrimônio pertencente a entidades da sociedade civil e/ou Poder Público; c) não ter fins lucrativos, o que significa dizer, não distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; aplicar os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais integralmente no País e manter a escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão; d) transparência administrativa; e) em caso de extinção, o patrimônio deverá ser destinado a uma instituição pública ou congênere. O ato que outorga a qualidade de instituição comunitária de educação superior está vinculado ao atendimento dos requisitos mencionados. É possibilitada a estas instituições a qualidade de entidade de interesse social e de utilidade pública, desde que, cumpridos os requisitos mencionados em lei. Tais instituições terão a obrigação tanto de assegurar programas de extensão permanentes e ação comunitária, destinados tanto à formação quanto 433 PACHECO, E. e RISTOFF, D. I. Educação Superior: democratizando o acesso. Série Documental. Textos para Discussão. Brasília: Inep/MEC - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2004, p. 09. 434 BRASIL. Projeto de Lei nº. 7.639 de 2010. Dispõe sobre a definição, qualificação, prerrogativas e finalidades das Instituições Comunitárias de Educação Superior - ICES, disciplina o Termo de Parceria e dá outras providências. Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso em: 01 nov.2010. 139 ao desenvolvimento de alunos e da sociedade. Faculta, ainda, a oferta à população de serviços gratuitos, na proporção dos recursos recebidos do Poder Público, o que deverá ser previsto em instrumento específico. De acordo com o Projeto de Lei nº. 7.639/2010, as instituições comunitárias de educação superior têm as seguintes prerrogativas: a) acesso aos editais de órgãos governamentais de fomento direcionados às instituições públicas; b) recebimento de recursos orçamentários do Poder Público para desenvolver atividades de interesse público; c) possibilidade de apresentar proposta de prestação de serviço público quando o Estado pretender ampliar ou oferecer novo serviço, a fim de que seja analisada a pertinência, em termos de eficácia, eficiência e agilidade, do aproveitamento da capacidade instalada da instituição pública comunitária interessada em comparação à criação de nova instituição estatal; d) ser alternativa na oferta de serviços públicos nos casos em que não são proporcionados diretamente por entidades públicas estatais; e, por fim, e) oferecer conjuntamente com órgãos públicos estatais, mediante parceria, serviços de interesse público, de modo a bem aproveitar recursos físicos e humanos existentes nas instituições comunitárias, evitar a multiplicação de estruturas e assegurar o bom uso dos recursos públicos. As instituições de educação superior comunitárias, classificadas como tal, devem ter em seu estatuto normas que disponham sobre: a) a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes para coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de privilégios, benefícios ou vantagens pessoais; b) a constituição de conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de competência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as operações patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade; c) a possibilidade de participação de representantes dos docentes, estudantes e técnicos administrativos em órgãos colegiados deliberativos da instituição; d) normas de prestação de contas a serem atendidas pela entidade, que determinarão, no mínimo: a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas Brasileiras de Contabilidade; a publicidade, por qualquer meio eficaz, no encerramento do exercício fiscal, do relatório de atividades e das demonstrações financeiras 140 da entidade, bem como a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública.435 Atendidas as disposições pertinentes à qualificação das instituições comunitárias de educação superior, deverá ser formulado requerimento junto ao Ministério da Educação, o qual deverá conter cópia dos seguintes documentos: estatuto registrado em cartório, balanço patrimonial e demonstração do resultado do exercício anterior, declaração de Regular Funcionamento, relatório de Responsabilidade Social relativo ao exercício do ano anterior e inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas. Uma vez recebido pelo Ministério da Educação terá este o prazo de 30 (trinta) dias para analisar o pedido e deferi-lo ou não. Em caso de deferimento, haverá publicação da decisão no Diário Oficial da União, no prazo de quinze dias. No mesmo prazo será emitido certificado de qualificação da requerente como instituição comunitária de educação superior. Caso os requisitos legais não sejam cumpridos ou no caso de a documentação apresentada mostrar-se incompleta, o pedido será indeferido. Assim, havendo o indeferimento, será dada ciência da decisão através de publicação no Diário Oficial da União, cabendo recurso no prazo de 30 (trinta) dias. A instituição comunitária de educação superior poderá perder esta qualidade em razão de pedido por ela formulado ou em decorrência procedimento provocado por iniciativa popular, pelo Ministério da Educação e Cultura ou pelo Ministério Público e que tenha gerado uma decisão judicial com trânsito em julgado. Percebe-se, portanto, que embora a instituição adquira o status de comunitária terá de continuar seguindo uma série de ditames para permanecer com esta qualidade, tal medida protege as instituições sérias e coíbe certas “malandragens”. O termo de parceria é o instrumento a ser firmado pelo Poder Público e pelas instituições de educação superior qualificadas como comunitárias, com a finalidade de formar o vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas nesta Lei. O termo de parceria discriminará os direitos, as responsabilidades e as obrigações dos signatários. A celebração do termo de parceria deve ser 435 BRASIL. Projeto de Lei nº. 7.639 de 2010. Dispõe sobre a definição, qualificação, prerrogativas e finalidades das Instituições Comunitárias de Educação Superior - ICES, disciplina o Termo de Parceria e dá outras providências. Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso em: 01 nov.2010. 141 precedida de consulta aos Conselhos de Políticas Públicas da área educacional, nos respectivos níveis de governo. O termo de parceria deverá mencionar como cláusulas essenciais: o objeto, que conterá a especificação do programa de trabalho proposto pela instituição comunitária de educação superior; a estipulação das metas e dos resultados a serem atingidos e os respectivos prazos de execução ou cronograma; a previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de resultado; a previsão de receitas e despesas a serem realizadas em seu cumprimento, estipulando item por item as categorias contábeis usadas pela organização e o detalhamento das remunerações e benefícios de pessoal a serem pagos, com recursos oriundos ou vinculados ao Termo de Parceria, a seus diretores, empregados e consultores. As obrigações da instituição de educação superior comunitária, entre as quais a de apresentar ao Poder Público, ao término de cada exercício, relatório sobre a execução do objeto do Termo de Parceria, contendo comparativo específico das metas propostas com os resultados alcançados, acompanhado de prestação de contas dos gastos e receitas efetivamente realizados. A publicação, na imprensa oficial do Município, do Estado ou da União, conforme o alcance das atividades pactuadas entre o órgão parceiro e a instituição de ensino superior comunitária, de extrato do Termo de Parceria e de demonstrativo da sua execução física e financeira, conforme modelo simplificado. A execução do objeto do termo de parceria deverá ser acompanhada e fiscalizado pelo Conselho da Instituição Comunitária de Educação Superior, responsável pelas parcerias com o Poder Público, com caráter deliberativo; pelo Órgão do Poder Público responsável pela parceria com a instituição comunitária de educação e pelo Conselho de Política Pública educacional da esfera governamental correspondente. Os resultados decorrentes da execução do termo de parceria deverão ser analisados pela comissão de avaliação (composta de comum acordo entre o órgão parceiro e a Instituição Comunitária de Educação Superior), que encaminhará à autoridade competente relatório conclusivo da dita avaliação. Os Termos de Parceria destinados ao fomento de atividades nas áreas de que trata esta Lei estarão sujeitos aos mecanismos de controle social previstos na legislação. A instituição comunitária de educação superior publicará, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a contar da assinatura do Termo de Parceria, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará 142 para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos provenientes do Poder Público. Necessário destacar que o Termo de Parceria referido não substitui as outras modalidades de ajuste, a exemplo de acordos e convênios previstos na legislação vigente. Às instituições comunitárias de educação superior vinculadas aos sistemas estaduais de educação é possibilitada a permanência nos mesmos. O Projeto de Lei em análise também proíbe que as instituições de ensino superior comunitárias financiem campanhas político-partidárias ou eleitorais. O Projeto de Lei aqui comentado busca não apenas definir o que são as instituições de ensino superior comunitárias, mas também qualificá-las, dispor acerca de suas prerrogativas e finalidades. A justificativa do projeto de lei ressalta que, em diversos momentos, o texto constitucional traz em seu bojo a ideia de cooperação entre o Estado e a sociedade civil, destacando a área da saúde (artigo 197436), da assistência social (artigo 204437), da educação (artigo 205438), bem como na preservação do meio ambiente (artigo 225439) e na comunicação social, onde há previsão de complementaridade dos sistemas privado, público e estatal (artigo 223440). Na esfera infraconstitucional também são postos à disposição uma série de mecanismos que estimulam a participação da sociedade civil, no intuito de cumprir os dispositivos constitucionais e perfectibilizar, na prática, a melhora dos serviços públicos, a exemplo das 436 Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. 437 Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. [...] 438 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 439 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...] 440 Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. 143 figuras jurídicas como: subvenção social, auxílio, contribuição, convênio, termo de parceria, imunidade de impostos, imunidade de contribuições sociais, isenção, incentivo fiscal ao doador e até mesmo voluntariado. Contudo, consoante já mencionado há questões que precisam ser enfrentadas, como é o caso de um novo tratamento a ser dado tanto às ONGs quanto às instituições de ensino superior comunitárias, a fim de que, de fato, haja o rompimento com a ideia dicotômica público versus privado. As regras contidas na legislação hoje destinadas ao terceiro setor no Brasil não atendem às peculiaridades que envolvem as instituições de ensino superior comunitárias e, por isso, não são a elas aplicáveis. Apesar de as instituições de ensino superior comunitárias terem aspectos comuns com as instituições que integram o terceiro setor, a exemplo da finalidade pública, o aspecto não governamental e a não persecução de fins lucrativos, não se confundem com ele. Necessário destacar que também existem aspectos diferenciadores, como o fato de a estrutura organizacional das instituições de ensino superior comunitárias serem mais robustas, terem maior número de funcionários e de usuários. A profissionalização dos serviços também se mostra um elemento diferenciador, pois geralmente as instituições que compõem o terceiro setor contam com colaboradores voluntários. Ao passo que os serviços prestados pelas instituições do terceiro setor tendem a ser gratuitas até mesmo em decorrência das doações que lhe chegam, enquanto as instituições de ensino superior comunitárias realizam a cobrança de mensalidades, a fim de viabilizar as atividades por elas desempenhadas. Todas estas peculiaridades reclamam uma atenção que atente a tais diferenças, em outras palavras, postulam por uma legislação própria. Com uma história de compromissos regionais, com financiamento público escasso (salvo raras exceções), dependendo basicamente das mensalidades dos alunos de graduação, tendo que manter um quadro de docentes titulados e programas de pósgraduação produtivos gerando pesquisas, a situação das universidades comunitárias é delicada no atual quadro da educação superior. A expansão das IES privadas mercadológicas que tratam a educação como negócio e não como bem público foi autorizada pelas políticas governamentais, liberando as do compromisso com a pesquisa, e permitindo que operem como instituições de ensino apenas. Dessa forma, muitas praticam concorrência que podemos considerar desleal, resultando no esvaziamento das salas de aula das universidades comunitárias que vão fechando gradativamente seus cursos, ficando os professores, em geral horistas, sem trabalho.441 441 MACHADO, Ana Maria Netto. Universidades comunitárias: um modelo brasileiro para interiorizar educação superior. In: SCHMIDT, João Pedro (Org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009, p. 87-88. 144 Por óbvio que a aprovação do projeto de lei em voga trará consequências. Uma delas será resgatar a contribuição do Estado para com as instituições comunitárias, de modo geral, conduta que contraria o tratamento vigente nas últimas décadas. Duas, a proteção legal não apenas especificará e ampliará a previsão constitucional já existente, que tenta se impor através de uma interpretação constitucional, mas que nem sempre logra êxito, mas também facilitará a operacionalização do sistema educacional superior. Três, a proteção assegurará às instituições de ensino superior comunitárias mais recursos para a mantença, melhoria e aumento das atividades por elas desempenhadas, consequentemente, haverá uma contribuição para com o desenvolvimento das regiões e do País. O projeto de lei em análise destaca, ainda, outra consequência: [...] nos casos em que o Estado decide por ampliar ou criar novo serviço público em regiões nas quais existem instituições comunitárias capacitadas, proporcionar à autoridade responsável duas alternativas a serem analisadas: a) criação de uma instituição estatal; b) a contratação dos serviços da instituição comunitária. A avaliação rigorosa da autoridade competente indicará o que é mais apropriado, em termos de eficácia, eficiência e agilidade. Do ponto de vista dos custos, há estudos bem fundamentados indicando que as instituições comunitárias operam com um custo menor do que as instituições estatais. Nelson Cardoso Amaral, conhecido estudioso do tema e defensor das instituições públicas, apresentou em 2006 um cálculo do custo médio do aluno na educação superior, no qual o custo médio do aluno das instituições comunitárias/confessionais/filantrópicas equivale a 62% do custo médio do aluno nas instituições federais. No mesmo sentido, em Santa Catarina, um estudo comparativo entre a maior universidade federal e a maior universidade comunitária catarinense concluiu que o custo anual de um aluno da graduação na instituição comunitária equivale a 60% do custo de um aluno na instituição federal.442 O custo é outro elemento importante da equação, pois num momento de expansão do ensino superior no País, necessário destacar o compromisso das instituições superiores de ensino comunitárias não apenas com a educação, mas com a comunidade, com a eficácia e eficiência, no fornecimento de seus serviços. Ora, este elemento deve ser pontuado até porque a mantença e o futuro destas instituições têm relação com questões financeiras, isso é inegável. Ademais, estas instituições de ensino superior têm de atender ao interesse público da comunidade, devendo, ainda se pautarem pela participação democrática e pelo controle social. Como as instituições, especialmente as universidades, possuem múltiplas funções, o custo total é, obviamente, mais elevado do que o custo do ensino, propriamente dito. A não ser que seja possível distinguir o custo do ensino do custo total, as comparações entre as instituições se tornam distorcidas pois, quanto maior o número de atividades que a universidade desenvolve (ensino, pesquisa, prestação de serviços, extensão), maior o custo total, mesmo que o custo do ensino não seja muito elevado.443 442 BRASIL. Projeto de Lei nº. 7.639 de 2010. Dispõe sobre a definição, qualificação, prerrogativas e finalidades das Instituições Comunitárias de Educação Superior - ICES, disciplina o Termo de Parceria e dá outras providências. Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso em: 01 nov.2010. 443 PEÑALOZA, V. Um Modelo de Análise de Custos do Ensino Superior. São Paulo: NUPES, 1999, p. 03. 145 Cabe, ainda, destacar o compromisso que as instituições de ensino superior comunitárias têm com a extensão, que integra a ação comunitária e pode ser traduzida como uma tentativa de superar as mazelas tão presentes no seio da sociedade. A concepção de extensão reside na carência de recursos e na necessidade de serviços que a comunidade possui, traduz-se na ideia de solidariedade, desenvolvimento social, compromisso com a comunidade e com a dignidade da pessoa humana. Uma universidade não pode ser definida como tal se reduzir ao puro ensino. Sem pesquisa, extensão e desenvolvimento da cultura não há universidade. E essas são atividades muito mais caras do que o ensino. A universidade precisa voltar-se para fora e contribuir, hoje, decididamente, na reorganização do sistema econômico desse país, como ontem, na década de 70, a universidade brasileira ganhou prestígio social lutando pelo reordenamento político. E para isso é preciso que elas trabalhem conjuntamente, intercambiando experiências. Um projeto institucional isolado não tem condições de se implantar. Não pode haver desenvolvimento da qualidade do 444 ensino e da pesquisa isoladamente: o pesquisador isolado hoje é um anacronismo. A partir daí, é fomentada a relação simbiótica entre as instituições de ensino e as comunidades, haja vista que a comunidade aprende e é compensada com profissionais que além de terem conhecimento em suas áreas têm compromisso com uma formação e atuação humanística, provando que as atividades destas instituições vão para além das salas de aula. Ao passo que o comprometimento com a extensão é uma das características marcantes das instituições de ensino superior comunitárias, é fato que a promulgação do projeto de lei em pauta, colaborará para o fomento destas atividades, beneficiando um maior número de comunidades e de pessoas. Ante as dificuldades hoje enfrentadas pelas instituições de ensino superior comunitárias, as quais não são facilmente dribladas pela possibilidade da interpretação constitucional. Percebe-se que a viabilização de um marco regulatório próprio tende a ser a saída mais interessante, até mesmo a fim de regulamentar e estruturar a organização e o funcionamento destas instituições. Hoje, consoante já pontuado, a referência legislativa da ideia comunitária, no Brasil, diz respeito à regulamentação das rádios comunitárias. Esta legislação, portanto, serve de referência à realização de algumas ponderações acerca da proteção ao comunitário. 444 GADOTTI, Moacir. Universidade estatal e universidade comunitária: dois perfis em construção da universidade brasileira. Disponível em: <http://www.paulofreire.org/twiki/pub/Institucional/MoacirGadottiArtigosIt0020/Universidade_estatal_1995.pdf >. Acesso em: 21 jul.2009. 146 CONCLUSÃO Uma vez tecidas considerações acerca da (in) existência da dicotomia público versus privado, da análise da mutação das relações havidas no seio da sociedade e até mesmo do papel desempenhado pelo Estado e do contato mantido com aquela; percebe-se a necessidade de novas válvulas de escape, capazes de suprir as crescentes demandas que a sociedade apresenta, as quais, consoante percebeu-se, não conseguem ser supridas unicamente pelo ente estatal, o que comprovado pelas as experiências e pela prática legal. Dentro desse contexto, percebe-se que o público não estatal não apenas ganha força, mas que ele se mostra capaz de realizar uma proposta diferenciada, de modo a quebrar com o appartheid social hoje tão presente na sociedade brasileira e que deve ser quebrado não apenas com uma distribuição justa e equilibrada da renda, mas, principalmente, com a solidariedade, que deve ser .445 Aliás, esta sociedade tem mostrado ter fôlego e vontade de alterar o contexto social, especialmente após ter ganho, com a Constituição Federal de 1988, respaldo para tanto. O século XXI iniciou trazendo consigo uma gama de novos paradigmas, os quais precisam ser assimilados e incorporados pela sociedade. Dentre estes novos paradigmas, em especial, dois, merecem destaque: a inter-relação entre Direito Público e Direito Privado e a existência de uma sociedade complexa, que requer sejam apresentados mecanismos originais, que se mostrem capazes de suprir as reivindicações crescentes. Ora esta saída, também é fruto da intersecção do Público e do Privado, eis que, sob um olhar mais atento, percebe-se que não mais há uma separação entre o que é Estado e o que é sociedade. Há, sim, uma conexão entre ambos, conexão que foi legitimada, fortalecida e estimulada com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Nesta mutação o Direito também repensa seus objetivos, à medida que abre seus olhos à interpretação jurídica constitucional, a uma nova concepção acerca de seu próprio papel e, que, passa a se pautar por elementos que até pouco eram deixados em um segundo plano. Ademais, percebe-se que neste contexto, a efetivação dos direitos fundamentais têm enorme relevância. 445 GADOTTI, Moacir. Educação brasileira contemporânea: desafios do ensino básico. Disponível em <www.paulofreire.org>. Acesso em 20 jul.2009. 147 Necessário, mais uma vez, destacar a importância que as instituições de ensino superior comunitárias possuem nas comunidades em que atuam; do compromisso que elas possuem para com a educação de qualidade e com a formação humanística dos cidadãos que por ela passam e que, mais tarde tendem a integrar junto à sociedade um processo simbiótico. São estas instituições fruto de um processo histórico, que, pouco a pouco, foi gerando não apenas o amadurecimento de uma série de ideias, mas, principalmente, de uma identidade própria. As instituições de ensino superior comunitárias vêm obtendo resultados positivos nas avaliações do ENADE, demonstrando uma boa formação de seus alunos, bem como um ensino de qualidade. A globalização e as mudanças com ela vindas parecem ter rompido com a visão dicotômica do Direito. Utiliza-se a expressão parece devido ao fato de, na prática ser nítida a inexistência desta dicotomia, haja vista que, cada dia mais, percebem-se pontos de conexão entre o Direito Público e o Direito Privado. De outra banda, constata-se, ainda, uma certa resistência por parte de alguns operadores do Direito e até mesmo do senso comum, que teimam em persistir na ideia dicotômica que, a cada dia, parece mais ultrapassada. A Constituição Federal de 1988 traz elementos que propiciam uma forte aproximação entre Estado e sociedade civil, o que, pouco a pouco, vai gerar uma simbiose entre ambos, bem como enfraquecer as fortes barreiras que sustentavam a divisão entre o Direito Público e o Direito Privado. Esta conjectura levará a sociedade civil e o Estado a incorporarem papeis diferentes daqueles desempenhados até então, haja vista que o Estado deixará de centrar em suas mãos muitas das ações e, que, a sociedade passará a ter uma conduta pro ativa, eis que buscará mecanismos que levem à solução de seus anseios. A maleabilidade que o termo comunitário assume dá dinamicidade e várias possibilidades à utilização deste. Contudo, a ideia de comunitário significa mais do que uma representação histórica, ele se constitui na criação e fortalecimento de laços que são dotados de uma carga de afeto e de valores, os quais são compartilhados no seio daquela comunidade. O comunitário é moderno, mas ao mesmo tempo remonta à história da humanidade. É um termo antigo, mas que ainda tem seu conceito em construção. Em razão de todas estas variáveis que o comunitário se mostra tão atraente e instigante, daí o porquê de sua crescente utilização em tempos de globalização. 148 O comunitário representa o ponto de equilíbrio entre o social e o liberal. Nesse contexto, o comunitário volta a ganhar força e a se destacar no plano material e não apenas no discurso. Muito embora o trabalho tenha destacado a experiência das instituições de ensino superior comunitárias no sul do País, especialmente aquelas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, onde há toda uma questão que envolve a identidade destas localidades, necessário frisar que ocorreram outras experiências no Brasil, contudo, estas ficaram adstritas à educação pré-escolar até o segundo grau446 (hoje chamado de ensino médio). A busca de um marco regulatório às instituições de ensino superior comunitárias, hoje, significa a sistematização de um setor da educação que está a mercê da possibilidade da interpretação constitucional, a qual nem sempre se mostra capaz de dar respaldo às necessidades enfrentadas por estas instituições. De outra banda, consoante já frisado, a legislação hoje aplicável ao público não estatal no Brasil, não é capaz de atender às necessidades das instituições de ensino superior comunitárias. A reforma do Estado e a Reforma Administrativa, trazidas por Luiz Carlos Bresser Pereira, no governo Fernando Henrique Cardoso, deram origem à Lei no. 9.637/1998, que regulamenta as OS, e à Lei no. 9.790/1999, que trata das OSCIPs. Entretanto, nenhuma destas leis pode ser aplicável às instituições de ensino superior comunitárias. Não se assemelham às OS, em decorrência de elas substituírem o Estado no desempenho de serviços sociais, à medida que as instituições de ensino superior comunitárias atuam como parceiras e não como substitutas do Estado. A legislação que trata das OSCIPs, também não se aplica, em razão da necessidade de gratuidade dos serviços, o que não se aplica às instituições de ensino superior comunitárias. Hoje, as instituições de ensino superior comunitárias têm mostrado a soma de esforços em prol das instituições. Um exemplo significativo desta afirmativa vem das instituições que compõem a ACAFE, que unem esforços tanto para a compra de material a ser utilizado pelas instituições, o que acarreta numa redução do preço dos produtos, bem como em decorrência da unificação do vestibular, onde é feita uma única prova que é válida para todas as instituições, o que determina uma diminuição dos custos. 446 LONGHI, Solange Maria. A face comunitária da universidade. Tese de doutoramento. Porto Alegre: UFRGS, Programa de pós-Graduação em Educação, 1998, p. 133. 149 Ao traçar um comparativo com as rádios comunitárias, constata-se que os rumos que levaram às limitações e dificuldades hoje enfrentadas por estas têm origem na condução do projeto de lei, que mais tarde se transformou na Lei no. 9.612/1998, projeto que foi guiado pela ABERT e, de modo mais tímido, pelas comunidades que criam e fomentam o funcionamento das rádios comunitárias. Talvez, as instituições de ensino superior comunitárias, caso obtenham a aprovação do projeto de lei nº. 7.639/2010, tenham um desfecho diferente, pois este projeto de lei é conduzido/observado pelas próprias instituições. Mesmo com as dificuldades presentes, as instituições de ensino superior comunitárias já deixaram muitas de suas marcas nas comunidades em que atuam, desenvolveram projetos de pesquisa e de extensão, atuam em prol da comunidade, gerando o aumento do capital social nas ditas comunidades. A aprovação do projeto de lei nº. 7.639/2010 representa uma esperança de melhoria das prestações positivas desempenhadas pelas instituições de ensino superior comunitárias, representa uma possibilidade de ampliação das atividades até hoje prestadas. 150 REFERÊNCIAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ABRUC. Disponível em: <http://www.abruc.org.br/005/00502003.asp?ttCD_CHAVE=704>. Acesso em: 19 nov.2010. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS – ABONG. Um novo marco legal para as ONGs no Brasil – fortalecendo a cidadania e a participação democrática. Disponível em: <http://www.abong.org.br>. Acesso em: 01 nov.2010. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS UNIVERSIDADES COMUNITÁRIAS. Disponível em: www.abruc.org.br. Acesso em: 28 nov.2010. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CATÓLICA DO BRASIL. 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