PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO SOCIAL MATHEUS PONTELLI PEROBELLI AS UNIVERSIDADES COMUNITÁRIAS E SUA QUALIFICAÇÃO COMO INSTITUIÇÕES PÚBLICAS NÃO ESTATAIS: uma análise da sua capacidade de adequação aos Princípios Gerais de Direito Administrativo Santa Cruz do Sul, Abril de 2011. MATHEUS PONTELLI PEROBELLI AS UNIVERSIDADES COMUNITÁRIAS E SUA QUALIFICAÇÃO COMO INSTITUIÇÕES PÚBLICAS NÃO ESTATAIS: uma análise da sua capacidade de adequação aos Princípios Gerais de Direito Administrativo Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – Mestrado – PPGD/UNISC. Área de Concentração em Políticas Públicas de Inclusão Social – UNISC, sob a orientação do Prof. Doutor João Pedro Schmidt. Santa Cruz do Sul, Abril de 2011. MATHEUS PONTELLI PEROBELLI AS UNIVERSIDADES COMUNITÁRIAS E SUA QUALIFICAÇÃO COMO INSTITUIÇÕES PÚBLICAS NÃO ESTATAIS: uma análise da sua capacidade de adequação aos Princípios Gerais de Direito Administrativo Este trabalho foi submetido ao Programa de PósGraduação em Direito – Mestrado – da Universidade de Santa Cruz do Sul, para a obtenção do título de Mestre em Direito. Banca examinadora: ______________________________________ Prof. Dr. João Pedro Schmidt (UNISC) Professor orientador ______________________________________ Profª. Drª. Monia Clarissa Hennig Leal (UNISC) Professor avaliador ______________________________________ Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ) Professor convidado AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais por toda a experiência e a educação para a vida e pelo incentivo de sempre acreditar nos meus sonhos; A minha tia que acreditou e investiu na minha formação, e pela preocupação nas noites de estudo; A minha noiva que ofereceu o apoio necessário para as horas de desânimo; Aos amigos e colegas de mestrado e de escritório pelos momentos de estudo e prática; Especialmente, ao meu orientador, Prof. João Pedro, pelas orientações, ensinamentos e pela paciência dispensada a este trabalho; Aos professores, pelos valorosos ensinamentos; RESUMO O presente trabalho analisa a possibilidade de adequação das Instituições Comunitárias de Educação Superior aos princípios trazidos pelo artigo 37 da Constituição Federal de 1988, sob o contexto de uma crítica do Direito Administrativo clássico. As Instituições Comunitárias são consideradas fruto do protagonismo de cidadãos e organizações da sociedade civil, de grande relevância para o desenvolvimento do país e de construção de uma nova ordem política caracterizada pela cooperação entre Estado, comunidade e mercado. O estudo parte do pressuposto do esgotamento da dicotomia público x privado e de formas sóciopolíticas caracterizadas pelos extremos do estatismo e do privatismo. A formação de um ambiente propício à participação social dos cidadãos e a sua atuação cooperativa com os agentes estatais na prestação de serviços públicos é apontada como diretriz norteadora para a qualificação das políticas sociais. A notável contribuição das Instituições Comunitárias de Educação Superior no âmbito educacional ao longo das últimas décadas legitima sua busca por um marco legal específico, que assegure o reconhecimento do seu caráter público não estatal. É objeto da análise se tais instituições, que pretendem o reconhecimento de um estatuto público, embora não estatal, devem e estão aptas a respeitar os princípios aplicados a administração pública, segundo o estabelecido no Projeto de Lei 7639/2010. A relevância do presente trabalho se evidencia pelo significado jurídico e político do possível reconhecimento do caráter público não estatal das Instituições Comunitárias de Educação Superior, que sinaliza um caminho inovador a ser seguido na construção de políticas públicas de inclusão e desenvolvimento social. Além de relevante para o meio acadêmico, o presente trabalho se veste de fundamental importância para a linha de pesquisa de políticas públicas e inclusão social. No que tange à metodologia, adotou-se o método dedutivo, partindo de uma série de premissas sobre o público que permitiram chegar à conclusão sobre o caráter público das instituições comunitárias. Quanto à técnica da pesquisa, utilizouse a pesquisa bibliográfica e documental, que consistiu na revisão de bibliografia especializada, bem como de documentos dedicados ao tema. Em síntese, o trabalho apresenta as instituições comunitárias como resultado da deliberação política e social, convolando-se em um ente público não estatal, que deve e mostra-se habilitado a cumprir com os princípios gerais do Direito Público. Palavras-chave: Instituições Comunitárias de Educação Superior. Cidadania. Comunidade. Princípios Administrativos. Serviços Públicos. ABSTRACT This paper examines the fit of the Community Institutions of Higher Education to the principles brought by Article 37 of the Constitution of 1988, as part of a new vision of Administrative Law. The Community institutions are considered the fruit of the role of citizens and civil society organizations, of great relevance to the country's development and construction of a new political order characterized by cooperation between state, community and marketplace. The study assumes the breakdown of public versus private dichotomy and socio-political forms characterized by extremes of statism and privatism. The formation of an environment conducive to social participation of citizens and their cooperative action with state agents in the provision of public services is seen as guiding policy for the qualification of social policies. The remarkable contribution of the Community Institutions of Higher Education in the educational context over the past decades legitimizes their search for a specific legal framework, which ensures the recognition of his public character not the state. Object of analysis is whether these institutions, who wish to be given a public status, although not state, should and are able to observe the principles applied to public administration, as established in the Bill 7639/2010. The relevance of this work is evidenced by the significance of possible legal and political recognition of non-state public character of the Community Institutions of Higher Education, which signals an innovative path to be followed in building the public policies of inclusion and social development. Regarding the methodology, we adopted the deductive method, starting from a series of assumptions about the public that led to the conclusion about the character of public institutions. As for the research technique was used in the research literature and documents, which consisted of reviewing the relevant literature and documents devoted to the subject. In summary, the study shows the EU institutions as a result of political deliberation and social in a non-state public entity, and which must show itself able to meet with the general principles of public law. Keywords: Community Institutions of Higher Education. Citizenship. Community. Public Services and Administrative Principles. SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................... 1 DEMOCRACIA, CIDADANIA E COMUNIDADE: A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO ESTADO A PARTIR DO CARÁTER PÚBLICO NÃO ESTATAL............ 1.1 Cidadania ativa e democracia: uma reflexão necessária ao sentido do “comunitário”...................................................................................................... 1.2 O “comunitário” e o público não estatal: a busca por sentidos das Instituições Comunitárias...................................................................................................... 1.3 O caráter público não estatal e a construção de um novo modelo de Estado................................................................................................................ 2 INSTITUIÇÕES COMUNITÁRIAS NO BRASIL: OS DIVERSOS SENTIDOS DO “COMUNITÁRIO”......................................................................................... 2.1 Os primeiros elementos para o desenvolvimento do ensino comunitário........................................................................................................ 2.2. Significados do ensino comunitário em termos legais................................ 2.3. Universidades confessionais: sua missão e influência............................... 2.4. Comunitárias confessionais e não confessionais: similaridades e distinções........................................................................................................... 2.5 Cooperação entre universidades comunitárias e Estado ............................ 3 OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVO E OS ENTES PÚBLICOS NÃO ESTATAIS: as Instituições Comunitárias de Educação Superior e a necessidade de obediências aos princípios da Administração Pública............................................................................................................... 3.1 A dicotomia público-privado e as novas fronteiras do setor público na “republicização” do Estado................................................................................ 3.2 A aplicabilidade dos princípios do Direito Administrativo aos entes públicos não estatais – Administração de caráter não estatal........................... 3.3 O cumprimento dos princípios do Direito Administrativo pelas Instituições Comunitárias de Educação Superior – uma abordagem sobre a necessidade de formas democráticas de controle e fiscalização...................... 8 12 12 25 35 46 47 53 60 64 73 75 75 86 97 CONCLUSÃO.................................................................................................... 107 REFERÊNCIAS................................................................................................. 111 INTRODUÇÃO A sociedade vive tempos de mudanças e de celeridade, onde as informações são transmitidas e processadas de uma forma extremamente rápida. Os sujeitos, suas relações e suas necessidades são cada vez mais efêmeras e sofrem mutações na mesma velocidade. O emaranhado das relações sociais aumenta dia a dia. A complexidade social e a velocidade das transformações tornam cada vez mais evidente a inviabilidade da pretensão do Estado atender diretamente a todas as necessidades e exigências dos cidadãos. A participação das comunidades, da sociedade civil, na prestação de serviços de interesse público, particularmente aquelas do âmbito das políticas sociais, a exemplo da educação e da saúde, vem sendo considerada nas últimas décadas como um caminho indispensável. No Brasil, especialmente a partir da década de 1980, a sociedade civil, através de movimentos sociais, organizações não governamentais, instituições comunitárias e outras formas associativas, vem reivindicando perante o Estado um papel de participação ativa nas decisões da esfera pública. Mas, já em décadas anteriores, em diversas regiões, especialmente no Sul do país, diversas comunidades se organizaram para estruturar serviços de interesse público de forma autogestionária, de modo a suprir lacunas da ação estatal e suprir a falta de serviços públicos. Neste quadro é que se observa a formação das Instituições Comunitárias de Educação Superior - ICES, que serão o tema deste trabalho. As ICES contrariam as tradicionais categorias do direito público e do privado, desafiando a clássica dicotomia existente entre estas duas áreas do direito. Isso porque surgem da comunidade, através de agentes e organizações da sociedade civil e, apesar de serem carimbadas como pessoas jurídicas de direito privado, não possuem um “proprietário”1, figura clássica no direito privado liberal. A inexistência 1 As ICES podem ser consideradas como propriedade da comunidade. Em verdade existe dono, mas esse dono não é uma pessoa ou um grupo de pessoas que usufruem dos bens da instituição ou recebem dividendos do lucro gerado pela instituição. A propriedade é coletiva. Tal característica 9 de um quadro jurídico apropriado levou as ICES a lutar pelo reconhecimento da sua condição diferenciada em relação às instituições privadas e a outros entes do chamado Terceiro Setor, buscando o reconhecimento legal da sua natureza pública não estatal. Mas, ao reivindicarem o reconhecimento de um estatuto público inovador, afastando-se da seara privada, as ICES colocam-se diante do desafio de atenderem os princípios gerais de Direito Administrativo. O presente trabalho encontra-se na encruzilhada entre o direito privado e o direito público, administrativo e constitucional, debruçando-se sobre a aplicação a entes comunitárias dos princípios de direito administrativo que até então foram aplicados somente a entes estatais. O enfoque inovador do direito aqui proposto, que vai ao encontro do pensamento de diversos intelectuais e juristas, advém da necessidade de prover novas ferramentas conceituais e jurídicas para dar conta de uma realidade social que ultrapassou categorias clássicas próprias da dicotomia público/privado. Da mesma forma, o presente trabalho se mostra de fundamental importância para a sociedade como um meio teórico para a construção de respostas às demandas impostas pelas ICES. O desenvolvimento e a consolidação de Instituições Comunitárias de Educação Superior é uma conquista para a comunidade. O papel de uma Instituição Comunitária é justamente promover o desenvolvimento de uma determinada localidade. O presente trabalho faz uma releitura dos princípios gerais de Direito Administrativo, destacados pelo artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988. Procede uma análise do caráter público de Instituições Comunitárias, a necessidade e a possibilidade de cumprimento dos preceitos, princípios e finalidades previstos no Direito Administrativo e aplicados à Administração Pública. A compreensão dos efeitos e dos resultados obtidos a partir da implementação e desenvolvimento de Instituições Comunitárias possui significativa contribuição à academia, uma vez que poderá auxiliar no desenvolvimento de novas tecnologias do direito, através de áreas como o direito da comunidade2, bem como demonstra um caráter essencialmente público, como será estudado no decorrer do trabalho. O Projeto de Lei 7639, de 2010, apresentado ao Congresso Nacional pelo movimento das ICES reforça a posição de caráter público adotada por estas instituições. 2 Direito da comunidade não deve ser confundido com o Direito Comunitário que vem sendo nominado pela União Européia como o resultado das relações internas do seu Bloco econômico. Direito da comunidade são normas e regras concernentes às relações entre os iguais de uma comunidade e entre distintas comunidades. (ETZIONI, 2001) 10 para o desenvolvimento das áreas mais tradicionais, como o direito civil e o administrativo, assim como o constitucional. Também, a releitura dos princípios gerais de Direito Administrativo aplicados às ICES, proposta no presente trabalho, tem significativo valor para fortalecer a sociedade civil, legitimando iniciativas similares à que vem sendo proposta pelo movimento das ICES através do Projeto de Lei nº. 7.639 de 2010, em tramitação no Congresso Nacional. A presente pesquisa filia-se à linha de pesquisa de Políticas Públicas de Inclusão Social, com um viés para a consolidação da cidadania e inclusão social. O tema tem clara vinculação com a questão da cidadania e um conjunto de questões sociais de interesse público, a exemplo da educação. A formatação de um setor público não estatal de prestação de serviços amplia os espaços de exercício da cidadania e permite vislumbrar um maior acesso dos cidadãos a serviços públicos de boa qualidade. O problema inicialmente proposto restringia-se à capacidade das ICES de realizar um enfrentamento dos princípios do artigo 37 da Constituição Federal - CF. No desenrolar do trabalho mostrou-se importante incluir o enfrentamento da questão da necessidade das ICES atenderem aos princípios gerais de Direito Administrativo. O trabalho, portanto, possui o escopo de verificar a possibilidade e a necessidade das ICES respeitarem os princípios do artigo 37 da CF, compreendidos na Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. Cabe frisar que as ICES brasileiras não são idênticas, havendo características distintas no conjunto das mais de 430 instituições que o MEC classifica como instituições comunitárias/confessionais/filantrópicas e mesmo no interior das seis dezenas de afiliadas à Associação Brasileira de Universidades Comunitárias. Na análise aqui desenvolvida levam-se em conta os dispositivos do Projeto de Lei n° 7.639/2010, formulado pelas entidades representativas das ICES. Face à diversidade dessas instituições é importante destacar a possibilidade de encontrar ICES que não satisfaçam os requisitos do público, deixando de atender, portanto, aos princípios da administração pública, o que não enfraquece o tema, mas renova a pesquisa. O método de abordagem empregado é a metodologia dedutiva, a qual consiste em uma série de conexões, partindo do geral e indo para o particular. Dessa forma pode-se dizer que o método dedutivo parte da relação entre enunciados básicos, denominados premissas, chegando a uma conclusão pela análise dos enunciados. 11 As técnicas adotadas foram as pesquisas bibliográfica e documental. A primeira consiste em analisar metodicamente textos previamente elaborados por fontes confiáveis, versando sobre o mesmo tema que será pesquisado. A segunda compreende a observação de documentos propriamente ligados ao tema e ao objetivo do trabalho. Sua principal vantagem é que visto versarem sobre conteúdo restrito, permitem que o foco do pesquisador a seu respeito seja bastante específico. 1 DEMOCRACIA, CIDADANIA E COMUNIDADE: O PÚBLICO NÃO ESTATAL NA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA ORDEM POLÍTICA Ao longo do século XX as relações entre Estado, sociedade e mercado, pelo menos no campo teórico, foram tratadas em grande parte à luz da já defasada dicotomia público x privado. Nas teorias vinculadas ao welfare state, o Estado apareceu como o grande agente de desenvolvimento econômico e social. A sociedade foi tratada como receptora – muitas vezes passiva - dos serviços e da ação estatal. O mercado, por sua vez, atua apenas no campo privado, sem grandes atividades no campo social. A partir da década de 1970, com a predominância do modelo neoliberal, o papel do Estado passou a ser fortemente questionado e postulou-se a necessidade de sua minimização. Junto com o fortalecimento do mercado, tomaram corpo as proposições acerca da atuação da sociedade civil organizada nas áreas em que o Estado foi pouco exitoso na prestação de serviços. A substituição do modelo estatista (welfare state) pelo modelo privatista (neoliberalismo) mostrou-se igualmente insuficiente. Hoje, está colocado o debate sobre alternativas ao estatismo e ao privatismo3. O presente capítulo visa atualizar a discussão sobre a relação entre a sociedade civil organizada, o Estado e o mercado, e as perspectivas de superação da ultrapassada dicotomia público x privado. Essa superação é construída a partir da afirmação do relevante papel da comunidade e das instituições comunitárias. 1.1. Democracia, comunidade e cidadania ativa Com o colapso do Estado Liberal, marcado pela crise econômica de 1929 com a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque -, ganha espaço o Estado Social de Direito4. A idéia liberal da prevalência dos valores do indivíduo dá espaço a uma nova fase no Constitucionalismo, firmando-se a idéia de que o aspecto social deve prevalecer nas relações. O Estado Social de Direito surge como promessa de 3 SCHMIDT, João Pedro. O Comunitário em tempos de público não estatal. Revista de Avaliação da Educação Superior, Campinas, nº 15, 2010. pp. 9-39. p. 01-02 4 SCHMIDT, J. P. Gestão de políticas públicas: elementos de um modelo pós-burocrático e pósgerencialista In: Direitos Sociais e Políticas Públicas. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2007, v.7, p. 19882032, p. 1990-1991. 13 efetivação dos direitos formalmente assegurados na era liberal e incorpora à primeira dimensão de direitos – os direitos civis e políticos – uma segunda dimensão – os direitos sociais, culturais, e econômicos, bem como os direitos coletivos -, trazendo em seu bojo a necessidade de se realizar uma releitura dos primeiros direitos, chamados fundamentais, adaptados à demanda social. Ou seja, neste modelo de Estado o ‘social’ é priorizado e a ênfase é dada às leis que visam ao bem-estar social. A anterior conduta abstencionista do Estado dá lugar ao papel intervencionista. O princípio da igualdade material substitui a ideia da mera igualdade formal5. Após a Segunda Grande Guerra, o Estado apresenta-se como garantidor do bem estar social. Todavia, mesmo antes deste marco, já havia codificações que apresentavam esta formatação. Legislações sociais que, mesmo guardando fortes traços do Estado Liberal, buscavam prover determinadas e pontuais necessidades sociais deixadas pelo vazio que fora o modelo liberal de Estado. A adoção do modelo de Estado Social implicou em utilizar-se da máquina estatal para prover determinados bens e serviços à sociedade. Assim, conseguiu o Estado garantir a intervenção direta na economia, controlando-a, por meio de empresas estatais ou da ação direta6. No modelo do welfare state acabaram por se agregar inúmeras funções sociais ao Estado, como seguridade social, educação, habitação e assistência social. Sobrecarregado, o funcionamento da máquina pública perdeu-se em um limbo de procedimentos burocráticos e repetitivos, produzindo serviços de baixa qualidade, com morosidade e gastos excessivos, no ambiente tecno-burocrático da administração pública. Passada a era de ouro do Estado de Bem Estar Social (décadas de 1950 a 1970), avizinhou-se um período de crise do modelo do welfare state. A partir dos anos 1980, o papel do Estado passou a ser questionado quanto à efetividade, eficácia e eficiência nas políticas públicas, seja no plano econômico, seja no plano social. Muitas vozes, em parte com viés neoliberal, em parte com outros matizes políticos, passaram a defender uma visão do Estado como articulador de políticas 5 DOWBOR, Ladislau. Gestão Social e transformação da sociedade. In: ZILBOVICIUS, Glauco Arbix Maura; ABRAMOVAY, Ricardo (Org.). Razões e ficções do desenvolvimento. São Paulo: Editora UNESP; Edusp, 2001, p. 197-221, p. 197. 6 MEDEIROS, Marcelo. A trajetória do welfare state no Brasil: papel redistributivo das políticas sociais dos anos 1930 aos anos 1990. Brasília: IPEA, 2001, p. 8 14 públicas, com menos atribuições diretas, delegando serviços à iniciativa privada e a sociedade civil. A Administração Pública tem um papel fundamental dentro destes dois modelos de Estado, sendo o principal propulsor de medidas satisfativas dos anseios sociais e, por vezes, democráticos. [...] a Administração Pública, dessa forma, se apresenta corporificada no conjunto de órgãos a serviço do Estado e, objetivamente, é a expressão do Estado agindo in concreto para a satisfação de seus fins de conservação, de bem-estar individual e coletivo dos cidadãos e do progresso social, também revela um aspecto instrumental da Democracia, entendida aqui como forma de governo que conta, necessariamente, com procedimentos e mecanismos viabilizadores da constante interlocução e participação dos cidadãos na gestão dos interesses públicos. Desse modo, a natureza do Poder Público é a de um munus público para quem o exerce, impondo o cumprimento fiel dos preceitos do direito e da moral social e administrativa 7 que regem a sua atuação . Procura-se destacar que, a Administração Pública possui um papel fundamental na construção do Estado, principalmente na forma de condução dos ditames democráticos e constitucionais do Estado. Na era dos direitos sociais, a Administração Pública tornou-se a corporificação do Estado atuante na sociedade. As novas formatações do Estado desenvolvidas a partir do final do século XX tentam ser uma resposta às disfunções do modelo do welfare state, apontando a necessidade de diminuir a burocracia estatal, enxugar os gastos, transferir diversas formas de prestação de serviços e passar a gerenciá-las. A definição de alternativas positivas ao Estado-Providência supõe, ao mesmo tempo, que segmentos da sociedade civil (grupos de vizinhança, redes de ajuda mútua, estruturas de assunção de serviço coletivo, etc.) possam ser reconhecidos como sujeitos de direito e instâncias produtoras de um direito autônomo em relação à lei de essência estatal. [...] O EstadoProvidência estaria, aliás, falido há muito tempo se a sociedade fosse apenas o simples reflexo da representação que ele faz dela, se ela fosse pura coleção de indivíduos, definitiva e radicalmente atomizada. Nossa sociedade só funciona porque contradiz, nos fatos, mesmo de modo parcial e limitado, a plenitude do esquema do individualismo através do qual ela se 8 representa . 7 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade – novos paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 82. 8 ROSANVALLON, Pierre. A Crise do Estado Providência. Tradução de Joel Pimentel de Ulhôa. Goiânia: Unb e Ufg, 1997, p. 89. 15 Com a transferência de determinados serviços e bens públicos à iniciativa privada e à sociedade civil, pretende-se uma melhor prestação desses serviços, com um forte controle público visando assegurar sua qualidade. O controle público (ou controle social) substitui a ideia da execução direta pelo Estado de serviços públicos essenciais à sociedade, o que requer uma atuação forte da sociedade. A participação ativa da sociedade civil no acompanhamento e fiscalização dos serviços públicos ou assumindo a execução de parcela desses serviços não significa uma diminuição da importância do Estado. Significa, sim, uma redefinição das prioridades de atuação, ainda mais em face dos desafios colocados pela globalização. A crise do Estado implicou na necessidade de reformá-lo e reconstruí-lo; a globalização tornou imperativa a tarefa de redefinir suas funções. Antes da integração mundial dos mercados e dos sistemas produtivos, os Estados podiam ter como um de seus objetivos fundamentais proteger as respectivas economias da competição internacional. Depois da globalização, as possibilidades do Estado de continuar a exercer esse papel diminuíram muito. Seu novo papel é o de facilitar para que a economia nacional se torne internacionalmente competitiva. A regulação e a intervenção continuam necessárias, na educação, na saúde, na cultura, no desenvolvimento tecnológico, nos investimentos em infra-estrutura - uma intervenção que não apenas compense os desequilíbrios distributivos provocados pelo mercado globalizado, mas principalmente que capacite os 9 agentes econômicos a competir a nível mundial . A idéia de que apenas o Estado tem o dever de assegurar os direitos sociais perdeu espaço para a de que o chamado terceiro setor passe a desempenhar parte dos serviços públicos sociais. A rígida distinção entre público e privado é superada. Começa a ser discutida a regulamentação de uma nova espécie de pessoa jurídica, intitulada pública não estatal. O fortalecimento do terceiro setor é reflexo direto da insuficiência do modelo adotado e dirigido pela Administração Pública no final do século XX. Porém, seu oposto, o modelo de Estado mínimo, voltado tão somente para o gerenciamento de serviços e a prestação precária de poucos e determinados serviços essenciais, não consegue cumprir com as funções básicas do aparelho estatal. No caso do Brasil, [...] O denominado Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado partiu, em nosso sentir, de uma premissa equivocada: a de que a crise latinoamericana e brasileira é uma crise do Estado, ou seja, o Estado, em uma PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Da administração pública à gerencial. Disponível em: <www.bresserpereira.org.br>. Acesso em: 08 de maio de 2009, s.p. 9 16 modalidade mais social, tornou-se disfuncional para o mercado livre. Todavia, em face de que é o mercado livre que não cumpriu com suas promessas da modernidade, tornando-se disfuncional para a sociedade pós-industrial, a crise do Estado se apresenta com sua incapacidade de regular as relações tensionais entre economia e sociedade, sendo insipiente 10 na geração de empregos e mesmo no financiamento do Welfare State [...] . A aplicação do modelo de Administração Pública neoliberal teve como característica marcante, e principal resultado, um abismo social entre as classes mais abastadas e as classes pobres. O déficit, ou a má prestação, de serviços essenciais, como educação e saúde, atestam a ineficiência do modelo neoliberal de governo do Estado. A reforma do modelo de Administração Pública que ocorreu no Brasil a partir de meados da década de 1990 acabou por desmantelar a prestação de serviços sociais necessários à parcela mais carente da população. O “novo” modelo estatal neoliberal fragilizou o amparo estatal da maioria, ignorando que sem as condições básicas de sobrevivência se lhes proibia completamente a condição de “cidadãos com direitos”. O resultado desta experiência neoliberal foi negativo no campo da construção e efetivação dos direitos sociais. Por mais de uma década houve um completo esquecimento por parte do Estado para com as parcelas mais necessitadas da sociedade, com grandes cortes de gastos na área social, especialmente da educação e da saúde. Diante de uma perspectiva de gestão, as reformas foram colocadas como mera questão técnica, administrativa, sem conotações de ordem societária, embora representem uma alteração na estrutura e no funcionamento do Estado brasileiro, com claro tom privatizante, sem qualquer preocupação, 11 mais consistente, com a alteração do grave quadro social do país . Tem-se, portanto, que as alterações estatais aplicadas pelo sistema neoliberal com vistas a buscar um novo modelo de Estado mais enxuto e gerencial, foram temerárias no sentido da construção de políticas sociais e no atendimento de necessidades básicas da parcela mais carente da população. As duas últimas décadas do século XX foram de grande importância para construção de uma identidade democrática nacional, tendo o movimento político amadurecido e possibilitado diversas conquistas, incluindo a construção de governos 10 11 LEAL, Rogério Gesta.Op. Cit. 2006, p. 90. LEAL, Rogério Gesta. Op. Cit. 2006, p. 91. 17 democráticos. No entanto, a construção de uma democracia forte se desvinculou, exatamente, das lutas sociais travadas em função de melhores condições à parcela de baixa renda. Didaticamente, pode-se dizer que o país fortaleceu-se do ponto de vista da democracia (formal), elegendo os seus governantes e representantes dentro de uma normalidade democrática, mas que do ponto de vista social não, pois a maioria continuou na miséria, enfrentando as mesmas dificuldades de outrora. Para Evelina Dagnino, [...] na medida em que o retorno às instituições formais básicas da democracia não produziu o encaminhamento adequado por parte do Estado dos problemas de exclusão e desigualdade social nas suas várias expressões, mas antes coincidiu com o seu agravamento, aguçaram-se percepções que enfatizam não só a ampliação e radicalização da própria noção de democracia, mas também a necessidade de aprofundar o controle 12 do Estado por parte da sociedade . A luta pela democracia acabou por determinar um caminho a ser seguido pelo Estado no campo da política, mas não conseguiu que o Estado voltasse sua atenção para as lutas sociais por políticas públicas e melhorias sociais. Nem estatização nem privatização mostraram-se caminhos adequados para resolver os problemas enfrentados pelo país, daí a necessidade de buscar novas alternativas. Isso requer a redefinição de fronteiras entre o Estado e a sociedade, subjacente ao debate sobre o público não estatal13. “Indivíduo e Estado são indissociáveis; os fenômenos de massificação social acompanham o movimento de atomização social. Não são contraditórios, mas logicamente complementares. O laço social liga essas duas extremidades”14. Neste mesmo sentido destaca-se que A história tem-nos demonstrado, contudo, que tal pretensão estatal e postura social não condizem com a verdade dos fatos e a natureza fenomênica e multifacetada dos interesses públicos e privados envolvidos nesse cenário. A falta de envolvimento efetivo no processo de definição e execução de políticas públicas das pessoas atingidas por elas, apresentase, por certo, como uma das grandes causas dos seus insucessos ou 15 mesmo, da falta de eficácia e ressonância societal . 12 DAGNINO, Evelina. Sociedade Civil e Espaço Público no Brasil. In: DAGNINO, Evelina (Org.) Sociedade Civil e Espaço Público no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 10. 13 ROSANVALLON, Pierre. Op. Cit. 1997, p. 87. 14 ROSANVALLON, Pierre. Op. Cit. 1997, p. 87. 15 LEAL, Rogério Gesta. Op. Cit. 2006, p. 167. 18 A transferência de responsabilidades por parte do Estado acabou por fomentar um ambiente para a participação da sociedade civil em determinadas áreas pontuais da prestação estatal16, geralmente em áreas ligadas à questão social, como saúde, educação, comunicação, entre outros. É em meio à crise dos modelos de administrações estatais tradicionais, estatistas e privatistas, que surgem novas propostas democráticas de enfrentamento dos problemas sociais, como aquelas alinhadas à valorização das formas de público não estatal e do comunitário. É da máxima relevância o aprofundamento do debate em torno de um modelo sóciopolítico-econômico edificado à luz da deliberação público-participativa, comprometido com a afirmação de um espaço público não estatal, aberto à expressão das mais diversas necessidades dos cidadãos e a sua participação na concretização das soluções. Estes novos espaços de discussão e a exigência de inclusão dos temas relacionados ao terceiro setor nas agendas políticas das últimas administrações governamentais têm ajudado na criação dos espaços necessários ao desenvolvimento do sentido “público”, neste caso ligado ao modelo não-estatal, principalmente quanto ao seu aspecto legal e sociológico, como reflexo de uma cidadania ativa. A concepção de Amitai Etzioni, talvez o mais conceituado pensador comunitarista da atualidade, é fecunda para o propósito da construção de uma nova ordem sócio-política-econômica. Para Etzioni, a “boa sociedade” exige o equilíbrio entre Estado, sociedade e mercado. Para Etzioni, é necessária uma redescoberta da importância da e do papel primordial da comunidade17. Nem o mercado e nem o Estado, mesmo em sua versão mais presente (welfare state), tem mostrado capacidade de impulsionar a desejada igualdade de oportunidades e o desenvolvimento com equidade. 16 Neste aspecto, entende-se que o início do movimento neoliberal, em que pese ter enfraquecido o papel estatal sobre a área social, passou a dar espaço para as iniciativas da sociedade civil, com especial atenção para o Terceiro Setor. Isso não quer dizer que as Instituições Comunitárias de Ensino Superior tenham surgido neste período, pois, como se verá no segundo capítulo deste trabalho, grande parte destas instituições surgiram entre as décadas de 1940 a 1960, ou seja, ainda durante o welfare state. O movimento neoliberal apenas auxilia na construção de um novo olhar sobre o direito que vai abordar também as ICES e, após o seu enfraquecimento, auxilia na retomada da discussão sobre o papel do Estado perante as necessidades da área social. 17 ETZIONI, Amitai. My brother's keeper: a memoir and a message. Rowman & Littlefield Publishers: Lanham, 2003, p. 204. 19 Não se trata, por outro lado, de supervalorizar a capacidade da comunidade fortalecida resolver os problemas sociais. O que Etzioni enfatiza é a interação dos três setores: comunidade, mercado e Estado, o tripé que, em equilíbrio, é a base de uma boa sociedade. O fundamento ético que subjaz à visão política, social e econômica de Etzioni é o de que os indivíduos devem sempre ser tratados como fins e não como meios18. Um dos imperativos éticos afirmados por Etzioni é que não basta a simples igualdade de oportunidades, sendo necessário um mínimo básico para todos. Comunidade – um conceito pouco elaborado no campo do direito – é, em Etzioni, um conceito central para a construção da boa sociedade. Comunidade, segundo o autor, são os grupos sociais caracterizados por laços de afeto e por uma cultura moral compartilhada. Etzioni entende que as comunidades contemporâneas não se caracterizam pela demarcação geográfica. Além das comunidades residenciais há uma infinidade de comunidades baseadas em outros vínculos, como os laços étnicos, religiosos, políticos, culturais, de opção sexual, entre outros. Neste sentido, o autor argumenta que: Las comunidades contemporáneas se desarrollan entre miembros de una profesión que trabajan en la misma institución (por ejemplo, los médicos de un hospital o el claustro de una universidad); miembros de un grupo étnico, incluso disperso entre otros (una comunidad judía o los inmigrantes de Bangladesh en East London); gente que comparte una misma orientación sexual, o intelectuales de la misma línea política o cultural. Algunas comunidades son enormes, y en parte imaginadas; por ejemplo, muchos homosexuales al visitar otras partes del país tienen algunos conocidos allí, y 19 se sienten próximos con respecto a otros a quienes ven por primera vez . Ou seja, a boa sociedade depende do desenvolvimento de vínculos de afeto e do compartilhamento de valores comuns. A moral tem um papel decisivo para a construção de uma nova sociedade. Etzioni desenvolve importante reflexão sobre a relação entre moral e direito, sustentando que, frequentemente, as leis terminam por enfraquecer a consciência moral da comunidade. Pelo autor, não se pode afirmar que a legislação não deve abordar determinados contextos morais, no entanto, a moral não pode ser desvalorizada a 18 ETZIONI, Amitai. La tercera vía hacia uma buena sociedad. Propuestas desde el comunitarismo. Traducción de José Ruiz San Román. Madri: Trotta, 2001, p. 16. 19 Ibidem. p. 24. 20 ponto de ser substituída pela legislação. O processo de normatização da moral vai enfraquecendo as relações entre os sujeitos, desencadeando a judicialização desnecessária de conflitos e questões dos sujeitos da comunidade. Etzioni defende que: No pretendo afirmar que las leyes no han de ocuparse de cuestiones morales o sociales. En todo caso, pretendo aclarar que es mucho más asequible para los estamentos informales apoyar comportamientos prosociales que para la policía, los tribunales de justicia o para los inspectores. Y que las leyes que complementan y ayudan a sostener la cultura moral serán más efectivas y humanas que aquellas que traten de liderar un 20 proceso de cambio . Neste entendimento, as leis que são precedidas por compromissos morais possuem muito mais aceitação social e produzem um efeito mais positivo na sociedade, diferentemente daquelas leis que não possuem qualquer compromisso moral. A “boa sociedade”21 apenas será construída com o fortalecimento da moral como motor da sociedade para a terceira via. A “boa sociedade”, para Etzioni, só pode ser construída a partir do reforço do papel da comunidade. O autor destaca diversas virtudes da comunidade e da vida comunitária, ligadas a aspectos como saúde, educação e o mínimo básico para uma vida digna. Etzioni vai além quando expõe que é necessário que cada um possua responsabilidade sobre as oportunidades dos demais, sem jamais esquecer a responsabilidade do Estado. Responsabilidad para con todos significa también asegurarse de que todo el mundo tiene acceso a cubrir las necesidades básicas de la vida. Las asociaciones de voluntarios, las familias extensas, los amigos, las asociaciones de ayuda mutua y la beneficencia religiosa pueden ayudar en este sentido, pero no pueden asumir la responsabilidad última de que todos van a estar atendidos. Es responsabilidad del estado que esos servicios 22 estén a disposición de todos . 20 Ibidem. p. 48. Para Etzioni, a “boa sociedade” é aquela na qual as pessoas se tratam mutuamente como se cada uma fosse um fim em si mesma e não como simples instrumentos de uma sociedade, como membros de uma comunidade, unidos por laços de afeto e compromisso e não apenas como empregados, comerciantes, consumidores, etc., enfim como pessoas da comunidade. Ao trabalhar este conceito, Etzioni, utiliza-se de premissas criadas pelo filósofo Martin Buber, em que uma boa sociedade fomenta/baseia as relações no binômio “eu-tu”, ainda que reconheça o papel das relações patrimoniais baseadas no binômio “eu-coisa”. Etzioni destaca a importância do respeito as pessoas da comunidade como seres humanos, bem como do respeitos as suas relações como família, amigos e membros da comunidade. Ibidem. p. 15.. 22 Ibidem. p. 56. 21 21 A preocupação de Etzioni com a construção de uma nova ordem social mais igualitária e fraterna é requisito básico para o desenvolvimento dos indivíduos. Não haverá qualquer progresso sem que as pessoas sejam tratadas com seu devido respeito. Trata-se da necessidade de tratar as pessoas como um fim em si mesmas. Neste aspecto, o autor expõe que: We must work together for a fair society: a society in which everyone is treated with full respect, recognizing that we are all God's children. A society in which no one—adult or child—is left behind. A place in which such moral commitments are truly honored rather than served up as hollow promises. A society in which one's race, ethnicity, country of origin, religion, gender, and sexual preference matter not. A society in which every person is treated with 23 the dignity they are entitled to by merely being human . A afirmação da importância da comunidade na concepção comunitarista de Etzioni coaduna-se com a noção de cidadania ativa24. A cidadania é ponto importante para a compreensão dos fatores que movem indivíduos e instituições na busca pelo desenvolvimento da sociedade. A cidadania possui diversas formas e sentidos e está vinculada a diversos condicionantes. O pertencimento a um determinado território é um importante fator para a constituição da cidadania de um povo, assim como, a definição de determinados direitos e deveres inerentes a este povo. Para alguns autores, como Maria Cristina dos Santos Cruanhes25, a cidadania está ligada diretamente ao processo histórico de um determinado povo ou de uma determinada nação. Um ambiente mais democrático pode favorecer determinada cultura no desenvolvimento de sua noção de cidadania26. 23 ETZIONI, Amitai. The Fair Society. The Goerge Washintown University. Disponível em: http://www2.gwu.edu/~ccps/etzioni/documents/A348-TheFairSociety.pdf. Acesso em: 15 jan 2011. 24 A Cidadania, no contexto clássico, configura-se como o conjunto de direitos e liberdades políticas, sociais e econômicas, já estabelecidas ou não por lei. Por outro lado, o exercício da cidadania é a forma de fazer valer cotidianamente esse conjunto de direitos. Assim, a idéia fundamental da cidadania é a transformação social para a conquista de uma sociedade mais justa, igualitária e solidária, traduzindo o trabalho em colaboração participativa e construindo a cidadania ativa. Neste aspecto, a cidadania ativa se alinha com o comunitarismo expressado por Etzioni, eis que aquela se propõe a alterar a realidade de uma comunidade através de ações positivas e sociais, valorizando as pessoas em si mesmas. 25 CRUANHES, Maria Cristina dos Santos. Cidadania: educação e exclusão social. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000, p. 25. 26 Há que se destacar que ainda que a noção de comunidade esteja sendo dissociada, por Etzioni, do simples espaço físico, no campo da cidadania, as formas conceituais ainda se debruçam sobre a questão do território. No entanto, verifica-se que mesmo questões como a cidadania ativa vem sendo desvencilhadas do simples apego ao espaço físico, ao lugar. 22 A noção de cidadão encontra-se diretamente ligada ao local, à noção de pertencimento, ou seja, onde o sujeito habita e onde participa das decisões da sua comunidade. Pode-se afirmar que o sujeito se torna um cidadão através do exercício dos seus direitos e deveres na comunidade. Maria Cristina Cruanhes, parafraseando Libânio, destaca que A própria palavra cidadão, em seu sentido etimológico, deriva da noção de cidade, daquele que habita a cidade. A cidadania é a ação pela qual alguém se torna civil, habitante de uma cidade e passa a fazer parte de uma civilização (Libânio, 1996:16). Temos então que o cidadão torna-se membro 27 de um Estado, detentor de direitos e deveres . Para Liszt Vieira, a cidadania teve grande impulso na área acadêmica do século XX28, tendo destaque a concepção desenvolvida por Thomas H. Marshall que, em 1940, propôs a primeira teoria sociológica da cidadania, centrando-se na realidade britânica da época, com a conquista de direitos sociais por parte dos trabalhadores sobre o capital. Ao final do primeiro capítulo do seu livro, Liszt Vieira afirma que a cidadania, “não pode mais ser vista como um conjunto de direitos formais, mas sim como um modo de incorporação de indivíduos e grupos ao contexto social29”. Para o autor a preocupação contemporânea direciona-se fundamentalmente para a busca de compatibilizar a existência de diversas possibilidades e gradações de cidadania: a vida em pequenas comunidades, a reformulação da 30 cidadania no Estado-nação ou mesmo em nível global . Portanto, é certo que o conceito de cidadania està diretamente ligado à construção histórica de um determinado povo, nação ou cultura. Para Hannah Arendt, a cidadania é o direito a ter direitos, que segundo José Renato Nalini, pode ser adotado como um conceito técnico para o Direito31. Procurase não discordar da posição do segundo autor, no entanto, observa-se que “o direito a ter direitos” pode ser bem mais que o conceito jurídico. Ao que se vê, o conceito proposto por Hannah Arendt, a cidadania não pode ser alcançada sem a devida 27 CRUANHES, Maria Cristina dos Santos. Op. Cit., p. 25. VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania: a sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 33. 29 VIEIRA, Liszt. Op. Cit., p. 48. 30 VIEIRA, Liszt. Op. Cit., p. 48. 31 NALINI, José Renato. Justiça e Cidadania. In: PINSKY, Jaime. Práticas de cidadania. São Paulo: Contexto, 2004, p. 11. 28 23 atenção da sociedade para os direitos básicos, que oportunizam a conquista-se o direito a ter direitos. Levar em conta o desenvolvimento da cidadania através do tempo e do espaço, sob determinadas condições, é fundamental para entender o processo de sua constituição no Brasil. Maria Cristina Cruanhes destaca que no Brasil “quando se fala em cidadania, nas classes mais privilegiadas, fala-se claramente que as classes mais pobres de nossa população estão despreparadas até para o exercício político, quanto mais para a cidadania32” A observação realizada pela autora remete para a educação e a atenção que as diferentes classes recebem do Estado brasileiro. Conforme afirmado anteriormente, para haver uma participação efetiva dos indivíduos na construção da cidadania, é necessário que se garanta os direitos sociais básicos, como educação, saúde e trabalho. Neste mesmo sentido, a introdução da obra de José Murilo de Carvalho, expõe que o povo muito se emocionou com a “Constituição cidadã”, e condicionou a sua cidadania ao voto nos seus representantes. No entanto, relata o autor que após quinze anos de liberdades (o livro foi escrito em meados de 2001), grande parte da população brasileira ainda vive e convive com a pobreza, violência, desemprego, analfabetismo, má qualidade da saúde, bem como diversos problemas clássicos das classes menos favorecidas33. As desigualdades entre as classes não podem ser supridas apenas com renda. A pessoa não é desprovida de capacidade cidadã apenas pela sua condição econômica. No mesmo sentido da manifestação de Cruanhes, o economista indiano Amartya Sen34 diz que: O problema da desigualdade realmente se magnifica quando a atenção é desviada da desigualdade de renda para a desigualdade na distribuição de liberdades substantivas e capacidades. Isso ocorre principalmente devido à possibilidade de algum “acoplamento” de desigualdade de renda, de um lado, e vantagens desiguais na conversão de rendas em capacidades, de outro. Este último aspecto tende a intensificar o problema da desigualdade já refletido na desigualdade de renda. (grifos no original) 32 CRUANHES, Maria Cristina dos Santos. Op. Cit., p. 25. CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 8. 34 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira de Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 144. 33 24 O autor expõe o problema referente às capacidades. Ainda que o texto esteja voltado às capacidades de atuação no mercado econômico, certamente a falta de capacidade para a atuação no setor econômico refletirá uma incapacidade para a participação na sociedade de forma efetiva. Para mudar esta situação em tela é necessário reformar o pensamento35 e investir em educação. Não que este termo “investir” esteja ligado somente ao dinheiro. É preciso uma reforma geral no que se refere ao aspecto da educação, fortalecendo as instituições que promovem a educação e cidadania. Edgar Morin e Anne B. Kern36 expõem que a reforma do pensamento requer uma reforma do ensino (primário, secundário, universitário) que por sua vez requer uma reforma de pensamento. Obviamente, a democratização do direito a pensar requer uma revolução paradigmática que permitiria a um pensamento complexo e reorganizar o saber e ligar os conhecimentos hoje compartimentados [...] Há que se destacar que para Murilo de Carvalho, a cidadania tem se desdobrado em direitos políticos, civis e sociais, sendo pleno cidadão aquele que exerce os três direitos.37 Neste contexto, os direitos civis são aqueles que garantem a vida em sociedade (liberdade, igualdade, propriedade, etc.), os direitos políticos são aqueles que permitem ao cidadão participar do governo da sociedade (votar e ser votado) e, por fim, os direitos sociais são aqueles que garantem ao cidadão a participação na riqueza coletiva (direito à educação, trabalho, salário justo, saúde, etc.)38 No que se pode absorver do contexto da cidadania ativa, os direitos sociais são aqueles que às sociedades devidamente organizadas utilizam para reduzir as desigualdades proporcionadas pelo capitalismo e garantir o bem-estar a todos, baseando-se na justiça social como norte. É com base nessas premissas que vem se propondo diversas mudanças, principalmente na área do Terceiro Setor, procurando-se a consolidação do público não estatal e a afirmação da relevância das Instituições Comunitárias. 35 O termo “reformar o pensamento” destaca justamente a crítica de Edgar Morin ao sistema educacional proposto na atualidade. A existência de visões compartimentadas da realidade, não permite que o sujeito/cidadão em formação enfrente a realidade como um todo, desfocando-se assim, de conceitos básicos como cidadania e comunidade e tornando-se individualista. 36 MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra pátria. Tradução de Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre: Sulina, 1995, p. 169. 37 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit., p. 9. 38 Ibidem, p. 10. 25 Para Liszt Vieira39, [...] os conceitos de público e privado não se aplicam mais automaticamente ao Estado e à sociedade civil, respectivamente. Hoje é possível dizer que existem também esferas do estatal-privado e do incipiente social-público. [...] na esfera social-pública, ainda emergente, encontram-se os movimentos e as instituições que, embora formalmente privados, perseguem objetivos sociais, articulando na prática a construção de um espaço público nãoestatal. A construção de uma ordem pública, democrática e com forte participação social, requer o fortalecimento da cidadania nas diferentes dimensões da sociedade. No campo das políticas sociais, uma importante tarefa é valorizar as iniciativas da sociedade civil e das comunidades, como as Instituições Comunitárias, legítimas manifestações do público não estatal. Neste primeiro tópico foram desenvolvidos aspectos relativos à cidadania e fatores que interferem na sua concretização, assim como sobre o desenvolvimento do terceiro setor no final do século XX. Para melhor compreensão da interrelação entre cidadania, do público não estatal e das Instituições Comunitárias é necessário aprofundar o estudo sobre conceitos frequentemente citados neste trabalho, quais sejam, o comunitário e o público estatal. 1.2. O comunitário e o público não estatal: a construção da cidadania pelo recurso ao capital social O termo “comunidade” pode adotar diversos sentidos em tempo, locais e ciências diversas, como a ecologia, a sociologia e até mesmo para o campo das informações. O termo comunidade se dobra a cada sentido, ainda que possua determinados elementos comuns a todos estes. O sentido do vocábulo comunidade possui em comum o fato de agrupar seres que, como entende Etzioni40, compartilham de afeto e valores comuns, que interagem com objetivos próprios e inter-relacionados. No entanto, quando se observa o sentido da comunidade dado pela ecologia, verifica-se que o sentido difere daquele dado pela sociologia, sendo que o primeiro considera a totalidade dos 39 VIEIRA, Liszt. Cidadania e Controle Social. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; GRAU, Nuria Cunill. O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 237. 40 ETZIONI, Amitai. Op. Cit., 2001 p. 23-24. 26 seres vivos que interagem em um ecossistema e o segundo considera um determinado número de indivíduos que interagem em um mesmo local sob as mesmas regras. O exposto por Bauman vai ao encontro do constatado por Kalina e Kovadloff, sendo o surgimento histórico do sentido da comunidade ligado com a concepção de cidade da antiga Grécia. A polis grega era o lugar onde o homem chegava a ser ele mesmo. A cidade, e todo o seu entorno, era para os gregos um âmbito de encontro interpessoal, de diálogo e de celebrações, referindo-se a vida comunitária em termos políticos, culturais, morais, econômicos e religiosos41. A visão grega de comunidade vai sendo historicamente substituída pela visão romana, onde os cidadãos não são mais tão somente pessoas que se relacionam e se desenvolvem em conjunto na comunidade, agora são também um conceito jurídico fixado pela urbs romana. No entanto, é após a revolução industrial que o fenômeno da comunidade passa a ser estudado com certo entusiasmo. A desestabilização das relações sociais modernas e a nova concepção de cidade na era do capitalismo fazem despertar o interesse de estudiosos pelo tema comunidade. Assim como os diversos sentidos falados inicialmente, diversos foram os estudos sobre a comunidade e as formas de intervenção e atuação perante a mesma. Diante dos primeiros suspiros de globalização, os estudiosos do fenômeno comunidade se voltam para as pequenas comunidades. Eduard Lindeman entende que a comunidade se traduz em uma associação de grupos, embora raramente aja como um todo. Posição compartilhada com Newsteter, sendo que este apenas considera o grupo e suas interações sociais42. Outro autor que refere a construção da comunidade é MacIver, para o qual a comunidade consiste em um circulo de pessoa que vivem juntas e, permanecendo juntas, procuram a realização de interesses comuns a comunidade. Para este autor, a comunidade não possui um tamanho real previamente determinado, mas do contrário, pode abranger desde uma aldeia até uma metrópole. Esta posição ainda é compartilhada por Arleen Jonhson, que define a comunidade como sendo um agrupamento de pessoas com interesses comuns, 41 KALINA, Eduardo e KOVADLOFF, Santiago. As ciladas da cidade. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1978, p. 30-1. 42 SOUZA, Maria Luiza de. Desenvolvimento de comunidade e participação. 6ª Ed. São Paulo: Ed. Cortez, 1999, p. 61-62. 27 sendo o tamanho qualquer área geográfica, seja ela grande ou pequena43. Gurvitch, diferentemente, considera a sociedade como uma forma de sociabilidade, um fenômeno resultante do equilíbrio entre as duas forças exercidas pelo conjunto sobre os participantes, sendo uma a atração interior e a outra a pressão exterior44. Além da multiplicidade de significados, cabe ressaltar as sensações produzidas pela palavra comunidade. O homem, como um ser sensível, experimenta sensações quando se defronta com determinados conceitos. Este é o caso da palavra “comunidade”. Para Zygmunt Bauman, a palavra comunidade carrega sensações de forte impacto sobre os seres humanos: a comunidade é um lugar “cálido”, um lugar confortável e aconchegante. É como um teto sob o qual nos abrigamos da chuva pesada, como uma lareira diante da qual esquentamos as mãos num dia gelado”45. Bauman diz que há uma visão mítica de comunidade, que sugere que a comunidade é formada por pessoas boas, pessoas que estão prontas a ajudar uns aos outros e apoiar-se mutuamente. Para o autor, “Numa comunidade, todos nos entendemos bem, podemos confiar no que ouvimos, estamos seguros a maior parte do tempo e raramente ficamos desconcertados ou somos surpreendidos46” A renovação dos estudos sobre comunidade nas últimas décadas deve muito ao comunitarismo responsivo norte-americano, liderado por Amitai Etzioni. O autor aponta a comunidade como um dos principais pilares para a sustentação das relações baseadas em fins, ou seja, relações não instrumentais entre pessoas. A comunidade importa na construção de uma realidade diversa daquelas relações próprias do mercado, relações instrumentais baseadas em interesses, em que os indivíduos são meios para a realização de fins econômicos. Na comunidade, as relações se estabelecem entre as pessoas, entre cidadãos. Para Etzioni, a comunidade, […] se basa en dos fundamentos, reforzadores ambos de las relaciones YoTú. En primer lugar, las comunidades proporcionan lazos de afecto que transforman grupos de gente en entidades sociales semejantes a familias amplias. En segundo lugar, las comunidades transmiten una cultura moral 43 SOUZA, Maria Luiza de. Op. Cit. p. 62. FERREIRA, Francisco de Paula. Teoria social da comunidade. São Paulo: Ed. Herder, 1968, p. 15. 45 BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: uma busca por segurança no mundo atual. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 7. 46 Ibidem, p. 8. 44 28 compartida: conjunto de valores y significados sociales compartidos que caracterizan lo que la comunidad considera virtuoso frente a lo que considera comportamientos inaceptables y que se transmiten de generación en generación, al tiempo que reformulan su propio marco de referencia 47 moral día a día . Sem cair na visão idílica criticada por Bauman, Etzioni sugere que as comunidades reais vão ao encontro dos sentimentos e ações indicados por Bauman. Para Bauman, [...] numa comunidade podemos contar com a boa vontade dos outros. Se tropeçarmos e cairmos, os outros nos ajudarão a ficar de pé outra vez. Ninguém vai rir de nós, nem ridicularizar nossa falta de jeito e alegrar-se com nossa desgraça. Se dermos um mau passo, ainda podemos nos confessar, dar explicações e pedir desculpas, arrepender-nos se necessário; as pessoas ouvirão cora simpatia e nos perdoarão, de modo que ninguém fique ressentido para sempre. E sempre haverá alguém para nos dar a mão em momentos de tristeza. Quando passarmos por momentos difíceis e por necessidades sérias, as pessoas não pedirão fiança antes de decidirem se nos ajudarão; não perguntarão como e quando retribuiremos, mas sim do que precisamos. E raramente dirão que não é seu dever ajudarnos nem recusarão seu apoio só porque não há um contrato entre nós que as obrigue a fazê-lo, ou porque tenhamos deixado de ler as entrelinhas. Nosso dever, pura e simplesmente, é ajudar uns aos outros e, assim, temos pura e simplesmente o direito de esperar obter a ajuda de que 48 precisamos . A formação e o fortalecimento de uma comunidade se dão pela existência de relações de confiança, amizade e companheirismo dos seus integrantes. Não se trata somente de ajuda mútua entre amigos e companheiros de uma mesma classe, mas do contrário, trata-se de ações de auxílio entre sujeitos de uma mesma comunidade, ou até de fora dela, motivados pela sua condição de ser humano. Este é o segundo ponto da caracterização da comunidade de Etzioni, que destaca os valores partilhados entre os indivíduos da comunidade. É o que o autor denomina como sendo uma cultura moral compartida49, que diz respeito a um dos grandes dilemas dos cidadãos da sociedade moderna, que pode ser traduzido pela parábola de Hume, trazida por Putman50: 47 48 49 ETZIONI, Amitai. Op. Cit., 2001 p. 24. BAUMAN, Zygmunt. Op. Cit., 2003, p. 8. A cultura moral compartida, na acepção de Etzioni, significa o conjunto de valores e significados sociais compartilhados entre a comunidade, caracterizando o que a comunidade acha virtuoso frente ao que considera inaceitável, passando tais informações de geração a geração ao mesmo tempo em que permitem a reforma dos marcos morais a cada dia. Op. Cit., 2001 p. 24.. 50 PUTNAM, Robert. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Editora Getúlio Vargas, 1996, p. 175. 29 Teu milho está maduro hoje, o meu estará amanhã. É vantajoso para nós dois que eu te ajude a colhê-lo hoje e tu amanhã. Não tenho amizade por ti e sei que também não tens por mim. Portanto não farei nenhum esforço em teu favor; e sei que se eu te ajudar, esperando alguma retribuição, certamente me decepcionarei, pois não poderei contar com tua gratidão. Então deixo de ajudar-te; e tu me pagas na mesma moeda. As estações mudam; e nós dois perdemos nossas colheitas por falta de confiança mútua. O dilema está diretamente ligado à existência ou não de capital social. O capital social diz respeito à intensidade e à qualidade das relações sociais entre determinados indivíduos de uma sociedade. Quanto mais elevada a intensidade e a qualidade das relações sociais entre os sujeitos pertencentes a determinada sociedade, maior é o capital social desta comunidade. Sob este aspecto, a parábola acima tratada demonstra a inexistência de capital social, uma vez que a inexistência de sensibilidade impõe uma incapacidade de relacionamentos entre os indivíduos, dificultando o seu crescimento pessoal e social. Na situação da parábola, se os indivíduos estabelecessem uma relação de confiança e, a partir dela, uma ajuda mútua, seria realizada a colheita de forma mais proveitosa para os produtores e para a comunidade. Este é o efeito inverso de que Etzioni conclama na defesa de uma terceira via. Para o autor, deve ser posto em prática o princípio de “tratar a la gente como um fin em si misma”51. A criação de valores propriamente comunitários passa pela estruturação das ações dos indivíduos desta comunidade, que deve pensar em seus próximos como se pensassem em si mesmos. A melhor qualidade e a maior quantidade de capital social apresentam as possibilidades de desenvolvimento do indivíduo, ou seja, a sua capacidade de interação entre seus pares e, consequentemente, as suas possibilidades de desenvolvimento social. Para Maria Alice Nunes Costa, O capital social tem sido identificado como um componente integral do desenvolvimento econômico e social, que molda a quantidade e a qualidade das interações sociais de uma sociedade. Reconhecendo o potencial desse conceito, o Banco Mundial vem-no usando para investigar e analisar como e de que forma o capital social habilita os pobres a participarem ativamente e a beneficiarem-se do processo de desenvolvimento. O termo “capital social” foi definido independentemente por Pierre Bourdieu e por James Coleman nos anos 1980, como laços sociais que possibilitam vantagens e oportunidades a indivíduos e comunidade. A análise de 51 ETZIONI, Amitai. Op. cit., p. 56. 30 Bourdieu focaliza os benefícios que resultam em virtude da participação dos indivíduos em grupos e o papel que a sociabilidade pode trazer aos indivíduos. O sociólogo definiu capital social como “o agregado de recursos reais ou potenciais que são ligados ao domínio de uma rede permanente de 52 conexões institucionais de habilidades ou reconhecimento mútuos” . Olgário Vogt realiza uma análise sobre o capital social como meio de quantificação das relações de uma comunidade. Para Vogt, o capital social é uma das inovações de maior destaque da teoria social contemporânea, pois pode ser analisado enquanto atributo de comunidades, de regiões, de estados, nações, tornando-se um dos ativos mais importantes de qualquer comunidade, com destaque para aquelas mais pobres53. Neste sentido, Vogt destaca que Entre os evangélicos e os católicos surgiram, posteriormente, escolas mantidas diretamente pelas comunidades. A vinda para a região de missionários das igrejas cristãs ajudou a impulsionar as escolas comunitárias. A maior parte da literatura referente ao tema atribui-lhes o nome de escolas paroquiais. Como, via de regra, eram mantidas sem o concurso do Estado e das igrejas – ainda que vinculadas às respectivas 54 igrejas -, o termo “comunitárias” lhe é muito mais apropriado . O capital social é o combustível do desenvolvimento das comunidades, estando diretamente ligado à construção e desenvolvimento das Instituições Comunitárias, seja de ensino, seja de outras áreas de atuação social. Diante da polissemia que recobre os termos comunidade e comunitário é preciso identificar aquele que é referido às Instituições Comunitárias brasileiras e está presente no seu discurso institucional. Para João Pedro Schmidt, a comunidade e o comunitário continuam fornecendo a tônica de diversas ações, discussões e teorias na modernidade. Muito se fala e age em nome da comunidade: Comunidade e comunitário são termos utilizados largamente utilizados, por uma variada gama de organizações e agentes sociais, sempre em tom positivo. Os europeus criaram a Comunidade Europeia, à qual está associado o direito comunitário. Governos, partidos e políticos de todos os matizes esforçam-se em mostrar seu compromisso com a comunidade. Empresas e organizações desenvolvem ou incentivam ações comunitárias. Movimentos sociais vão às ruas em nome dos interesses da comunidade. Associações e instituições incluem o comunitário na sua denominação. 52 COSTA, Maria Alice Nunes. Sinergia e capital social na construção de políticas públicas: a favela da mangueira no Rio de Janeiro. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, nº 21, p. 147-163, Nov. 2003. 53 VOGT, Olgário Paulo. Capital social e instituições comunitárias no Sul do Brasil. In: SCHMIDT, João Pedro (org.). Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2009. p. 65. 54 VOGT, Olgário Paulo. Op. Cit., 2009. p. 59. 31 Grupos rivais de bairros e favelas enfrentam-se em nome da sua comunidade. A comunidade continua no núcleo de grande parte das 55 doutrinas religiosas . Diante da amplitude do termo comunitário e também da chamada educação comunitária no Brasil, a vinculação do comunitário ao público não estatal requer que se considerem as diversas vertentes da educação comunitário. Nem toda a instituição que se denomina comunitária será pública não estatal. Entre as instituições comunitárias brasileiras são as Instituições Comunitárias de Educação Superior – ICES – do Sul do Brasil que mais utilizam o termo público não estatal na sua auto-denominação, a qual está relacionada a certas características dessas instituições. Schmidt, no artigo “O Comunitário em tempo de público não estatal”, relaciona tais características: São traços distintivos dessas instituições: criação impulsionada por organizações da sociedade civil e do poder público local, a quem pertence o patrimônio; não estão orientadas para a maximização do lucro, sendo os resultados financeiros reinvestidos na própria universidade; têm profunda inserção na comunidade regional, interagindo com os seus diversos segmentos; os órgãos deliberativos superiores são integrados por representantes dos diversos segmentos da comunidade acadêmica (professores, estudantes e técnicos administrativos) e da comunidade regional; os dirigentes são professores da universidade, eleitos pela comunidade acadêmica e por representantes da comunidade regional; a forma jurídica da mantenedora é a de fundação de direito privado, de associação ou de sociedade civil; o controle administrativo e da gestão financeira é feito pela mantenedora; o patrimônio, em caso de encerramento 56 das atividades, é destinado a uma instituição congênere . É necessário, portanto, que se estabeleça a diferenciação entre as instituições que se utilizam do termo “comunitário” no Brasil, o que será devidamente trabalhado na segunda parte deste trabalho, possibilitando uma melhor identificação e caracterização das Instituições Comunitárias de Educação Superior. De momento, ainda cabe estabelecer ainda a relação entre o comunitário – que vem sendo trabalhado -, e a sociedade civil, no contexto da economia de mercado e das políticas públicas do Estado. Um dos grandes resultados do estabelecimento de uma economia de mercado é a formação de ambientes distintos entre público e privado, o que, consequentemente, passa a delimitar e conceituar a sociedade civil. Ou seja, um 55 SCHMIDT, João Pedro. O Comunitário em tempos de público não estatal. Revista de Avaliação da Educação Superior, Campinas; Sorocaba, SP, v. 15, n. 1, p. 9-40, mar. 2010, p. 11. 56 SCHMIDT, João Pedro. Op.Cit. 2010, p. 30 32 corpo social independente da formação estatal, tanto nas suas ações como nas suas relações, convergindo dos diversos conflitos sociais existentes na sociedade para a sua organização e estruturação de movimentos e atuações frente ao Estado, ao mercado econômico e aos demais atores sociais existentes. Para Flávia Piovesan e Carla Bertucci Barbieri, [...] a sociedade civil é, assim, um fenômeno histórico que resulta do processo de diferenciação social. A emergência e a invenção da sociedade civil permitiriam que, gradativamente, regimes autoritários passassem a ser substituídos por regimes democráticos.[...] A sociedade civil, entendida como a sociedade que, fora do Estado, é politicamente organizada, passa a ser ator fundamental que, nas democracias contemporâneas, está, de uma forma ou de outra, 57 promovendo as reformas institucionais do Estado e do mercado. A sociedade civil caracteriza-se justamente por este campo de deliberação entre os agentes sociais que procuram um espaço maior para o desenvolvimento da própria sociedade. A sociedade civil se posta ao lado do Estado, convergindo para o desenvolvimento de pontos e setores estratégicos do meio social, como é o caso da educação e da saúde, geralmente enfrentados pelas ICES, sejam pelas próprias, sejam por parcerias. Neste sentido, Luiz Carlos Bresser Pereira defende que a sociedade civil não se fortalece nos momentos de fraqueza do Estado, mas pelo contrário, será mais forte quanto mais forte for o Estado. Entende-se por Estado forte aquele que é dotado de mais governança e governabilidade político-democrática58. O que na verdade se expõe, é a existência de um grande espaço de discussão tanto para o Estado como para a sociedade civil. Não é necessário que um se fortaleça à custa do outro, mas compreende-se que deva haver, ao contrário, uma reconstrução do Estado a partir da sociedade civil, fortalecendo a democracia. A sociedade civil, devidamente envolvida pelo capital social presente nas suas relações, caracteriza-se como sendo um propulsor de manifestações democráticas, um espaço de discussões políticas e deliberação de idéias sobre as necessidades e as reivindicações da sociedade perante o Estado. Tal espaço 57 PIOVESAN, Flávia; BARBIERI, Carla Bertucci. Terceiro Setor e direitos humanos. In CARVALHO, Marcelo; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Org.). Aspectos jurídicos do Terceiro Setor. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 76. 58 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Sociedade civil: sua democratização para a reforma do Estado. In. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; WILHEIM, Jorge; SOLA, Lourdes (orgs.). Sociedade e Estado em transformação. UNESP/ENAP, 1999, p. 91-92. 33 característico da sociedade civil permite a atuação de determinados organismos sociais, que formados pela vontade de uma comunidade prestam um serviço de caráter público, nas áreas da saúde, da educação e entre outros diversos meios sociais. Ainda na busca por um conceito completo sobre as Instituições Comunitárias, tais entidades podem ser melhor definidas como o resultado das relações e deliberações da sociedade civil, que impulsionadas pelo seu capital social, dão forma e organizam tais instituições, dirigindo a sua atuação para as áreas que possuem maior interesse público, como saúde e educação. Neste sentido, Richter e Leiders definem que, As instituições comunitárias são, via de regra, associações civis, sem fins lucrativos, que nas áreas de educação, ensino, pesquisa, extensão e saúde, entre outras, com a finalidade de contribuir para dignificar a vida em sociedade. Estão fora do mercado, não têm objetivos mercantis, ou seja, não buscam lucro. Elas resultam do esforço da sociedade civil que as 59 organiza e as utiliza em prol dela mesma . Há que se destacar que historicamente o Estado brasileiro foi incapaz de proporcionar serviços públicos básicos à população brasileira, como na área social, e ainda o é. Este é um dos fatores que ajudam a compreender o surgimento das Instituições Comunitárias. Observa-se que a formação das Instituições Comunitárias se dá onde o Estado se encontra ausente, por uma série de fatores históricos. A educação e a saúde são os dois pontos centrais na atuação daquelas instituições de caráter público não estatal. A pretensão atual das Instituições Comunitárias de Educação Superior é aumentar os vínculos com o Poder Público, através de uma inserção mais forte nas políticas públicas. A Justificativa do Projeto de Lei nº 7639, de 13 de julho de 2010, aponta que é possível a cooperação entre o Poder Estatal e as Instituições Comunitárias, justamente pelo caráter público destas. As instituições comunitárias, no sentido rigoroso do termo, preenchem os requisitos fundamentais do que é público. São associações e fundações cujo patrimônio pertence a entidades da sociedade civil e/ou a órgãos do poder público, não têm fins lucrativos e destinam todos os seus bens 59 RICHTER, Luiz Egon; LEIDERS, Letícia Virgínia. O marco legal do terceiro setor e sua (in)compatibilidade normativa com as instituições comunitárias. In: SCHMIDT, João Pedro (org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2009, p. 51. 34 remanescentes, após dissolução e liquidação, a ente congênere ou público. No seu conjunto, têm uma formidável capacidade instalada de prestação de serviços públicos, que pode ser ainda muito melhor aproveitada pelas 60 políticas públicas . As Instituições Comunitárias são, portanto, organismos concebidos por uma determinada comunidade, que necessitando de um serviço específico em determinada área, em regra, social, organiza-se no sentido de suprir essa necessidade. Observa-se que o modelo de instituição comunitária surge, justamente, de uma atividade democrática exercida pela comunidade. Este certamente é resultado do proposto por Etzioni, quando determina que a comunidade deva ser preocupar com seus pares, promovendo um intercambio de serviços e embasando o mutualismo onde os mais fracos são ajudados pelos relativamente mais fortes e ambos progridem61. Ao deliberar a criação de uma instituição comunitária, a comunidade poderia entregar a sua administração a terceiros, permanecendo apenas como ente fiscalizador. No entanto, esta não seria a opção democrática, pois afastaria a comunidade da administração dos seus interesses refletidos naquela instituição. As instituições comunitárias, tais como descritas, devem ser entendidas como fruto da aspiração de cidadãos que, ante a inexistência da oferta dos serviços básicos que a Constituição, a rigor, lhes garante, se unem para, mediante despesa minimizada, poderem ter acesso a tais serviços, sem abrir mão do controle de suas ações pela comunidade. Entende-se que, se já é direito da cidadania ter acesso àqueles serviços gratuitamente, a fortiori é obrigação da Sociedade não só admitir, mas favorecer, por todos os meios, essas iniciativas, cuidando de suprir suas necessidades na medida 62 em que se vão estabelecendo as condições para tanto . As Instituições Comunitárias auto-denominadas públicas não estatais, que surgiram da deliberação de uma determinada comunidade e permanecem com este anseio, caracterizam-se também pela sua administração democrática. A administração das Instituições Comunitárias é realizada através da participação social dos interessados e da comunidade. 60 BRASIL. Projeto de Lei nº 7639, de 13 de julho de 2010. Dispõe sobre a definição, qualificação, prerrogativas e finalidades da Instituições Comunitárias de Educação Superior – ICES. Disponível em: http://www.comunitarias.org.br/docs/pl7639.pdf. Acesso em: 10 de Nov de 2010, p. 11. 61 ETZIONI, Amitai. Op. cit., p. 34. 62 BRASIL. Projeto de Lei nº 7639, de 13 de julho de 2010. Ibidem. 2010, p. 11. 35 1.3. O público não estatal e a construção de uma nova ordem política Feitas as considerações sobre os conceitos de cidadania, de comunitário e de público não estatal, passa-se à análise da atuação e influência do público não estatal na elaboração de um novo modelo de Estado. No presente tópico pretende-se estabelecer uma ligação entre a formatação do Estado brasileiro no final do século XX e o fortalecimento do Terceiro Setor como alternativa à incapacidade do Estado prover os serviços públicos necessários ao bem estar social. Trata-se de conceber uma nova ordem sócio-política-econômica, com relações inovadoras entre o polo político (Estado), o polo social (sociedade civil, terceiro setor, comunidade) e o polo econômico (mercado). A histórica ausência do Estado na prestação de diversos serviços públicos agravou-se quando da adoção e aplicação da cartilha neoliberal pelo Brasil63. Resultado dos movimentos governamentais do Ocidente, principalmente pelo eixo Washington-Londres, o neoliberalismo foi sendo gradativamente adotado pelos governos do então “terceiro mundo”, devido, principalmente, à grande dependência externa de recursos64. Diante de tais perspectivas, áreas como educação e saúde, que são clássicos exemplos de atuação do Estado, acabaram tendo índices cada vez menores no que tange aos investimentos e índices cada vez maiores no que concerne às suas deficiências. Em diversas ocasiões, o Estado preferiu socorrer o setor econômico especutalivo ao invés de investir nos setores sociais. Os Índices de criminalidade, evasão escolar, mortalidade infantil, desemprego e analfabetismo funcional atingiram patamares alarmantes, sendo objeto de estudos por organismos internos e externos da nação. 63 Há economistas que entendem que os problemas sociais no Brasil se intensificaram quando da adoção do sistema neoliberal de gerência do Estado. Ou seja, defende-se que o Brasil não chegou a presenciar uma forma completa de welfare state devido à grande dependência de capital externo e principalmente pela sua ligação ideológica com os EUA. Haveria, portanto, existido tão somente uma forma de paternalismo social, principal expressão do populismo, mas sua “expressão” veio sendo enfraquecida desde a década de 1970 quando começaram as ondas neoliberais na América do Norte e na Inglaterra. Tais dados demonstram a existência de campo para atuação social muito fértil e que remonta ainda aos períodos da ditadura militar. Ver: SERRA, Calos Henrique Aguiar; SERRA, Maurício Aguiar. Neoliberalismo, Políticas Governamentais e Exclusão Social no Brasil. Anais do III Congresso Brasileiro de História Econômica do ABPHE. Ribeirão Preto, 1999, s. p. Disponível em: <http://www.abphe.org.br/congresso1999/ Textos/CARL_4C.pdf>. Acesso em: 15 out. 2009. 64 SERRA, Calos Henrique Aguiar; SERRA, Maurício Aguiar. Op. Cit., s. p. 36 É necessário destacar que: No Brasil, a modernização neoliberal assim como as anteriores não toca estrutura piramidal da sociedade. Apenas amplia sua verticalidade, que nota pelo aumento do número de desempregados, de moradores de rua, mendigos etc. Em outras palavras, a pirâmide social se mantém e 65 desigualdades sociais crescem . na se de as Certamente o resultado da ausência estatal em função da aplicação de políticas neoliberais é desastroso quando observado do ponto de vista das órbitas sociais. A ciência econômica vem realizando estudos no sentido de identificar e isolar os problemas trazidos pela aplicação do neoliberalismo. Neste sentido, José Luiz Fiori66 observa o seguinte: Estudando a trajetória da política neoliberal, tanto nos países centrais como nos periféricos, dos anos 80 até os dias atuais, sem dúvida, há que se constatar um relativo sucesso (FIORI, 1998) desta política. Aí encontra-se a tensão central da política neoliberal: para ter êxito no combate à inflação, aumentar os lucros, rebaixar os salários, diminuir os déficits públicos, desmantelar os sindicatos (OLIVEIRA, 1995) e etc., só produzindo mais desemprego e exclusão. A lógica neoliberal no que concerne aos problemas sociais é perversa e coerente, ou seja: perversa porque produz cada vez mais a exclusão e aumenta o desemprego, e coerente em face do seu próprio pensamento, isto desde 1945, que, sem dúvida, sofisticou-se muito dos anos 60 para a conjuntura atual. Entre as áreas mais afetadas pela ausência estatal está a educação, que se traduz em um dos pilares mestres de uma sociedade cidadã e participativa. O entanto, a atuação neoliberal exige a retração dos investimentos estatais em educação, não conhecendo esta área como de interesse do Estado. Os resultados alcançados pelo neoliberalismo, principalmente no que tange ao crescimento econômico, foram significativamente fracos, ainda mais quando se observa a intensidade da crise da economia norte-americana, que se espalhou por todo o mundo67. A crise de mercados de 2008-2009, iniciada pela crise do setor imobiliário 65 MARRACH, Sonia Alem. Neoliberalismo e Educação. In: "Infância, educação e neoliberalismo". São Paulo, 1996, s.p. Disponível em: <http://www.cefetsp.br/edu/eso/ neoeducacao1.html>. Acesso em: 15 out 2009. 66 SERRA, Calos Henrique Aguiar; SERRA, Maurício Aguiar. Op. Cit., s. p. 67 OLIVEIRA, Cláudia Regina de. Neoliberalismo, Globalização e Crises Econômicas. Revista Jurídica Praedicato. São Luís, 2009, s.p. Disponível em: <http://revistapraedicatio.inf.br/download/ artigo10.pdf>. Acesso em: 12 out 2009. 37 norte-americano, constitui o ato principal da desconstrução do neoliberalismo68. Tal situação cria as condições para uma reforma no sistema de atuação do Estado, não devendo o mesmo retornar aos moldes anteriores, do welfare state, mas buscar novos meios de atender às demandas sociais. Diante deste cenário de crise se impõe a reflexão sobre novas e possíveis formatações do Estado em um ambiente pós-neoliberalismo. O fracasso do neoliberalismo não absolve o fracasso das formas tradicionais de welfare state, por sua ineficácia, ineficiência e alto custo. É necessário que se analisem novas formas de atuação estatal. Entre elas, as parcerias entre o Estado e o polo da sociedade civil / Terceiro Setor / Instituições Comunitárias. A ausência do Estado na prestação de serviços em certos setores sociais, em função da aplicação da cartilha neoliberal, e as tentativas de sua minimização (como no período neoliberal), são fatores que contribuíram para o desenvolvimento desse polo. Nos períodos e nos locais em que o Estado se afastou houve o desenvolvimento de organismos de auxilio das mais diversas formas, com o fim de atender o cidadão mais necessitado e que estava/está distante do serviço estatal. É certo que o Estado tem um papel que não pode ser substituído por este ou aquele setor. Nem as empresas e nem as organizações sociais podem substituir de um modo geral a figura do Estado no que concerne à disponibilização de serviços sociais. No entanto, é certo que a sociedade civil pode ter um papel atuante no desenvolvimento de políticas e na prestação de serviços sociais. A sociedade civil caracteriza-se por proporcionar um ambiente de deliberação entre os agentes sociais que procuram um espaço maior para a o desenvolvimento da própria sociedade. Possibilidades de cooperação entre Estado e Instituições Comunitárias estão destacadas no texto do Projeto de Lei nº 7639/2010: [...] nos casos em que o Estado decide por ampliar ou criar novo serviço público em regiões nas quais existem instituições comunitárias capacitadas, proporcionar à autoridade responsável duas alternativas a serem analisadas: a) criação de uma instituição estatal; b) a contratação dos serviços da instituição comunitária. A avaliação rigorosa da autoridade competente indicará o que é mais apropriado, em termos de eficácia, eficiência e agilidade. Do ponto de vista dos custos, há estudos bem 68 SCHMIDT, João Pedro. O novo Estado, o público não-estatal e as instituições comunitárias. In: REIS, Jorge R.; LEAL, Rogério G. Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 9. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2009. 38 fundamentados indicando que as instituições comunitárias operam com um 69 custo menor do que as instituições estatais . A cooperação entre Estado e sociedade civil não deve ser pensada entre um polo forte e um polo fraco, e sim entre polos fortes, seguindo a lição de Bresser Pereira de que a sociedade civil não se fortalece nos momentos de fraqueza do Estado, mas será mais forte quanto mais forte for o Estado. Entende-se por Estado forte aquele que é dotado de mais governança e governabilidade políticodemocrática70. Não é necessário que um se fortaleça à custa do outro. E o mercado deve ter asseguradas condições para a produção e circulação de mercadorias conforme regras deliberadas publicamente. A literatura do Terceiro Setor apresenta uma série de argumentos em favor da participação desse setor na prestação de serviços públicos, que em parte se aplicam às Instituições Comunitárias. Terceiro Setor é uma expressão utilizada para denominar/delimitar a atuação de novas formas de organizações da sociedade civil. São organizações independentes do Poder estatal, não pertencentes ao denominado primeiro setor, que é composto pelas estruturas públicas estatais de atuação social. O Mercado é o denominado segundo setor. Neste setor estão alocadas as Empresas e todo o setor dito “produtivo”, no sentido “monetário” da palavra. Para Marlon Tomazette, o Terceiro Setor é composto por “entidades privadas, que não possuem fins lucrativos, não possuem fins econômicos”71. O autor entende, ainda, que as instituições que o compõem devem ser classificadas como instituições privadas de interesse público. Instituições que desempenham papel fundamental na sociedade, suprindo a ineficácia do Estado nas prestações sociais. Por outro lado, Rubem César Fernandes analisa a constituição do Terceiro Setor por um lado mais voltado para a compreensão dos valores envolvidos e pelo que move o setor. O autor analisa o conceito de Terceiro Setor através de duas negações freqüentes quando da abordagem do tema, o “não governamental” e o 69 BRASIL. Projeto de Lei nº 7639, de 13 de julho de 2010. Ibidem. 2010, p. 12. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Sociedade civil: sua democratização para a reforma do Estado. In. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; WILHEIM, Jorge; SOLA, Lourdes (orgs.). Sociedade e Estado em transformação. UNESP/ENAP, 1999: 67-116. p. 91-92. 71 TOMAZETTE, Marlon. A forma Jurídica das Entidades do Terceiro Setor. In: CARVALHO, Marcelo; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Org.). Aspectos jurídicos do terceiro setor. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 205. 70 39 “não lucrativo”72. Por “não governamental” se entende que não apenas o Estado tem a função pública dentro da esfera social, mas também os indivíduos e as empresas. Por “não lucrativo” observa-se que apesar de não gerarem lucro, os organismos do terceiro setor são autogeridos e independentes, como as empresas atuantes no mercado. Ainda sobre o termo “não lucrativo”, o autor expõe que: Incluir despesas alheias na minha contabilidade é expressão econômica da tese moral que alimenta a dinâmica do terceiro setor: importar-se com o outro (vizinhos, marginalizados, estrangeiros distantes, gerações futuras, etc.) é parte constitutiva da consciência individual. Palavras como gratidão, lealdade, caridade, amor, compaixão, responsabilidade, solidariedade, verdade, beleza, etc. são moedas correntes que alimentam o patrimônio do 73 setor . Observa-se, portanto, a necessidade de comprometimento dos envolvidos no debate proposto pelo Terceiro Setor. Da mesma forma, tais aspectos se apresentam nas atividades das Instituições Comunitárias, em áreas como educação, saúde, desportos, comunicação, entre outros. Ainda sobre o Terceiro Setor, Maria Teresa Fonseca Dias utiliza a expressão como forma de unificação das formas de organização das entidades da sociedade civil74. Ou seja, observar pontos de convergência entre as entidades que compõem esse setor. As Instituições Comunitárias de Educação Superior – ICES – encontram-se dentro do grupo de instituições forjadas pela sociedade civil atuando em prol do desenvolvimento. Têm afinidades com o chamado Terceiro Setor, porém apresentam singularidades, características próprias, como o desenvolvimento de um patrimônio público não estatal, o que as distingue das demais instituições do Terceiro Setor. No tocante às distinções entre as Comunitárias e as demais organizações do Terceiro Setor, é importante destacar a fundamentação trazida pelo Projeto de Lei 7639/201075: 72 FERNANDES, Rubem Cesar. Privado porém público: o terceiro setor na América Latina. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 22. 73 FERNANDES, Rubem Cesar. Op. Cit., p. 24. 74 DIAS, Maria Tereza Fonseca. Terceiro Setor e Estado: Legitimidade e Regulação por um marco jurídico. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 100. 75 BRASIL. Projeto de Lei nº 7639, de 13 de julho de 2010. Ibidem. 2010, p. 11-12. 40 As instituições comunitárias e as organizações compreendidas geralmente sob o termo terceiro setor apresentam aspectos comuns, como as finalidades públicas, o caráter não-governamental e a ausência de fins lucrativos. Mas há algumas diferenças importantes. A primeira é a envergadura organizacional. As instituições comunitárias têm, via de regra, envergadura muito maior. Universidades, escolas e hospitais, por exemplo, são grandes organizações, com centenas ou milhares de funcionários e que atendem grandes contingentes de usuários. De outra parte, parcela significativa das organizações do terceiro setor é constituída de poucos integrantes e atende um número restrito de pessoas. A segunda diferença é a profissionalização. As instituições comunitárias são organizações profissionalizadas, com funcionários especializados, contratados segundo as leis trabalhistas. Entre as organizações do terceiro setor, por outro lado, muitas são caracterizadas pela adesão voluntária e pela nãoprofissionalização de seus colaboradores. A terceira diferença refere-se à cobrança dos serviços. Enquanto boa parte das ações do terceiro setor é viabilizada por doações de pessoas físicas e jurídicas e repasses do setor público, as comunitárias sustentam-se principalmente através da cobrança dos serviços que prestam. Somente o reconhecimento dessas diferenças justifica que cada tipo institucional tenha legislação própria que o defina e que regule sua cooperação com o Estado. Desta forma, verifica-se que há sensíveis diferenças entre as Universidades Comunitárias e as Organizações Sociais – OSs – e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs. Todas, de uma forma ou de outra, estão incluídas no chamado Terceiro Setor, mas é preciso considerar as características de cada instituição. As ICES são classificadas – no rol de pessoas jurídicas do Código Civil como Pessoa Jurídica de Direito Privado. Seu modelo, todavia, também não se iguala às instituições particulares. O patrimônio constituído de forma comunitária não é patrimônio particular, mas pelo contrário, é um patrimônio público gerido pela instituição formada pela própria comunidade. Por força de lei, as Universidades Comunitárias são geridas por uma mantenedora, que é uma fundação ou associação comunitária. Há que destacar que a denominação ICES abriga instituições com diferenças e peculiaridades, tanto jurídicas como organizacionais. Destacam-se dois grandes grupos de instituições: as regionais e as confessionais. As ICES regionais existem principalmente no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Criadas por entidades sociais e pelo poder público local e regional, apresentam como características específicas o forte vínculo às regiões, a participação de representantes da comunidade regional nos seus órgãos de decisão, um elevado grau de transparência e de democracia (várias têm eleições diretas de seus dirigentes). As confessionais têm como caráter distintivo o vínculo com organizações 41 religiosas: as mantenedoras são entidades religiosas, católicas ou evangélicas. Existem em todos os estados do Brasil. Democracia e participação de representantes da comunidade regional nos órgãos de decisão não são características próprias dessas instituições. Em comum, as ICES regionais e confessionais possuem diversas características, que constituem as exigências estabelecidas no art. 1º do PL 7639/2010. O rol de requisitos do art. 1º do PL 7639/2010 a serem preenchidos por toda instituição comunitária, relacionados acima, evidencia que há uma clara diferenciação entre as ICES e as IES particulares, além, é claro, das públicas estatais (federais, estaduais e municipais). Para além do senso comum, o simples fato de uma instituição cobrar por seus serviços não é suficiente para ser classificada como pública ou privada. Observa-se que as instituições comunitárias, ainda que cobrem mensalidades pelo ensino disponibilizado e busquem superávit financeiro a cada ano, não permitem apropriação individual do resultado gerado e regem-se por uma lógica organizacional bastante distinta de uma empresa privada. Além de serem criadas e geridas pela comunidade, não permitirem a apropriação de lucro e seu patrimônio ser da coletividade, as ICES têm uma profunda inserção nas suas comunidades de origem. Um dos grandes diferenciais das instituições comunitárias é a sua inserção nas comunidades regionais e o seu compromisso com a extensão. Tais instituições, além de produzirem novos conhecimentos através da pesquisa e o difundirem nas salas de aula, dedicam importante esforço para partilhar, socializar o conhecimento, a arte e a cultura na comunidade. A relação com a comunidade é via de mão dupla: a universidade não só ensina, mas 76 também aprende, reinventa-se nesse diálogo . Para a consolidação do conceito de que as instituições comunitárias são instituições públicas não estatais, é preciso enfrentar a importante questão dos princípios gerais da Administração Pública. Preliminarmente, impõe-se recuperar o sentido originário e fundamental do termo “público”, confundido frequentemente com “estatal”. Para bem compreender a ligação entre o termo “estatal” e “público” é necessário trazer a análise o conceito de Estado exposto por Norberto Bobbio. Para 76 BRASIL. Projeto de Lei nº 7639, de 13 de julho de 2010. Ibidem. 2010, p. 13. 42 o autor77, o conceito de Estado Contemporâneo encontra-se na encruzilhada entre o Estado de direito – liberal – e o Estado social – intervencionista. Na segunda metade do século XIX, houve uma gradual integração do Estado político com a sociedade civil, gerando uma alteração na forma jurídica do Estado. Todas estas transformações passaram a dissociar o conceito de “estado’ do conceito de “público”. O conceito de “público”, para Maria Helena Diniz78, no que tange à linguagem jurídica geral, entende-se o que tem origem no “povo; massa popular”, “o que é comum do povo”, ou ainda, “o que serve ao uso de todos”. Ou seja, o que possui sua origem no povo e é comum do povo é público, portanto, o “público” pode ser dissociado do “estatal”, vez que existem – como está sendo estudado – instituições que se erguem/constroem na força e manifestação democrática da comunidade/povo. O respeito aos princípios gerais da Administração Pública, compreendidos no Art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988 – CF/88 –, é um importante passo para a consolidação do ambiente público não estatal que se pretende pelas Instituições Comunitárias. Para melhor compreender a inter-relação entre os princípios gerais da Administração Pública e as Instituições Comunitárias, é necessária uma melhor delimitação sobre os limites do público e da administração estatal. Os princípios gerais da Administração Pública trazidos pelo art. 37 da CF/88 estão diretamente e naturalmente voltados para a administração estatal, suas empresas, fundações e autarquias. No entanto, é importante observar que tais princípios foram concebidos muito antes da promulgação da CF/88. Mesmo presentes apenas nas legislações infraconstitucionais, os princípios gerais da Administração Pública estavam presentes nos ordenamentos anteriores. A CF/88 inovou quando trouxe para o texto constitucional os princípios que dariam o norte para a condução da Administração Pública, naquele momento concentrada na administração estatal. Com o passar dos anos a compreensão do que é público está sendo reestudada e redimensionada. Em que pese o texto constitucional fazer referência direta aos três graus da administração estatal, diante da retomada do debate sobre o desenvolvimento e, possível, consolidação do 77 BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Tradução João Ferreira. 11ª Ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 401. 78 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 998. 43 público não estatal, reivindica-se a aplicação de tais princípios também para esta nova formata de manifestação do público. Karl Larenz79 defende que os princípios são determinações que orientam a normatividade de um determinando sistema, pensando o sistema como um todo, persuadem e justificam as decisões jurídicas. Os princípios gerais da Administração Pública, ainda que pensados para a administração estatal, pode ser estudados com relação às Instituições Comunitárias, sejam de ensino ou demais áreas sociais. Ao encontro com o estudo dos princípios da Administração Pública está o discurso da reforma do aparelho estatal. É inegável que a última década do século XX foi marcada por profundas mudanças para o modelo estatal brasileiro. Uma década marcada pelas privatizações de empresas estatais e pela abertura de diversos setores da economia para o capital externo. Certo é que tais transformações causaram muita polêmica, principalmente no que tange ao limite da atuação do Estado dentro da economia, seja pela atuação com empresas públicas – forma mais direta –, seja pela regulamentação do setor econômico – pela atuação indireta. Ocorre que tais polêmicas sobre os limites da atuação estatal na economia, passam pela própria existência de limites entre o público e privado80. O que se questiona é o limite da atuação do Estado como ente público e qual a sua esfera de participação direta. Conforme citado anteriormente – e se aprofundará no terceiro capítulo, a dicotomia público x privado vem sendo superada. Considerar público o que se refere diretamente ao aparelho estatal e agrupar tudo o mais como sendo privado é em nossos dias um contra-senso. O privado ganha outra tônica, pois em determinados setores alarga sua margem para dentro do Estado, englobando determinadas formas de atuação do ente estatal. A Reforma Administrativa de 1995 contemplou a categoria do público não estatal, mas o fez sob o viés da redução do tamanho do Estado. As então chamadas organizações públicas não-estatais foram incluídas no setor dos “serviços não-exclusivos do Estado”, de modo que essas organizações passariam a exercer serviços desempenhados anteriormente por órgãos estatais. Como derivação da Reforma de 1995, foram criadas duas figuras jurídicas novas: as Organizações Sociais (OS) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Entretanto, nem uma nem 79 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000, p. 24. 80 MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação Estatal e Interesse Público. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 172. 44 outra figura contempla as instituições comunitárias, que constituem um importante contingente de organizações da sociedade civil, responsável por uma expressiva gama de serviços públicos, especialmente nas áreas da 81 educação e da saúde . A superação dos discursos estatista e privatista, de ser pró ou contra as privatizações, de ser em favor do Estado máximo ou mínimo, se impõe em favor da necessária republicização do Estado, no dizer de Azevedo Marques Neto. Para o autor, Parece ser imperativa a republicização do Estado, assim entendida não como a volta aos pressupostos conformadores do Estado Moderno, mas como a superação destes pressupostos tendo por guia justamente proteção dos interesses que não se encontram protegidos ou representados na nova configuração social e econômica se nos avizinha. [...] esta republicização reforça o caráter público do Estado, na exata medida em que aponta para 82 uma radical democratização do exercício do poder político . A doutrina ainda não faz a devida distinção entre os entes do Terceiro Setor, destacando-se, portanto, a necessidade do reconhecimento de uma nova forma de instituição ligada ao direito público, não diretamente ligada ao direito público tradicionalmente reconhecido estatal, mas “instituições de direito público de caráter não estatal e comunitário”. Observa-se que a construção destas novas instituições de direito público, vão de encontro com a necessidade de renovação da participação social no poder decisório do Estado, conforme explanou no início deste tópico. Infere-se, portanto, que as Instituições Comunitárias de Ensino Superior, ou demais áreas afins, possuem afinidades, pelo menos em um plano teórico, para com os Princípios da Administração Pública estatal. Requisitos, estes, que estão propriamente ligados a construção do público democrático, retomando a idéia do caráter público não estatal como resultado da manifestação do capital social presente na comunidade. Um capital que se expressa na ação das ICES e necessita de meios de proteção contra possíveis tentativas de desvio da sua função original. Não é demais afirmar, também, que a tomada de decisão pelas Comunitárias é argumento essencial para a conquista de mais espaço para as mesmas, principalmente para o reconhecimento pelo Estado do caráter público não estatal. 81 82 BRASIL. Projeto de Lei nº 7639, de 13 de julho de 2010. Ibidem. 2010, p. 10. MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Op. Cit., p. 174-5. 45 No entanto, para melhor compreender o comprometimento das Instituições Comunitárias de Ensino Superior com a construção de um novo modelo de Estado, assim como para alavancar o desenvolvimento regional das comunidades, se faz necessário uma análise quanto às origens das Comunitárias. No próximo capítulo será realizado um estudo sobre as instituições Comunitárias de Ensino Superior atuantes no Rio Grande do Sul83 e, eventualmente, em Santa Catarina, buscando estabelecer uma diferenciação entre as Universidades Comunitárias confessionais e não confessionais a forma de contribuição de cada uma delas para a consolidação do caráter não estatal do comunitário. 83 A pesquisa se restringiu as Universidades Comunitárias confessionais e não confessionais do Estado do Rio Grande do Sul, no entanto é importante ressaltar que a formação das Instituições Comunitárias de Ensino Superior não se desenvolveu apenas no RS, mas também em outros estados da Federação. O mais expressivo deles é o sistema de Associação Catarinense das Fundações Educacionais - ACAFE. 2 A EDUCAÇÃO COMUNITÁRIA NO BRASIL: OS DIVERSOS SENTIDOS DO “COMUNITÁRIO” O presente capitulo é dedicado a apresentar a formação e as características das Instituições Comunitárias de Educação Superior. Será evidenciado que o termo ICES recobre duas experiências com similaridades e também com diferenças: as instituições comunitárias regionais e as confessionais. Não se pretende contrapor umas às outras, e sim mostrar que além das características básicas que as aproximam há especificidades derivadas de origem histórica, de seus vínculos e de sua constituição social. A pertinência do presente estudo está alicerçada na necessidade de se evidenciar os benefícios advindos do reconhecimento do caráter público não estatal dessas instituições, no momento em que a sociedade brasileira está cada vez mais ciente da necessidade social do ensino como motor de desenvolvimento. O termo universidade comunitária recobre experiências variadas no Brasil. Uma distinção importante que será trabalhada aqui é a existente entre instituições vinculadas a Igrejas – as universidades comunitárias confessionais – e entre instituições vinculadas a comunidades regionais – as universidades comunitárias regionais. Há que considerar ainda nesse contexto a terminologia universidades filantrópicas. Bittar assinala que a presença do elemento confessional existe mesmo no caso das universidades comunitárias regionais: [...] a denominação universidade comunitária tem a sua gênese profundamente enraizada nas experiências de interiorização, integração regional e desenvolvimento das comunidades locais, preconizadas pelas universidades gaúchas. Dentre as sete universidades comunitárias nãoconfessionais do estado do Rio Grande do Sul, cabe destacar que apesar de se intitularem leigas, quatro delas sofreram influência muito forte de 84 grupos religiosos no ato de suas fundações [...] A influência do elemento religioso na gênese das universidades regionais não inviabiliza a distinção entre instituições confessionais e regionais. Essa diferenciação é apresentada no discurso de Sampaio, que assim refere: 84 BITTAR.Op. cit. p. 101 47 Instituições comunitárias são as que, criadas com ou sem interveniência do poder público local, são organizadas por comunidades nelas atuantes e a elas vinculadas por seus objetivos educacionais. Filantrópicas são as reconhecidas como tal pelo órgão competente, desde que se destinem exclusivamente a uma prestação de serviços educacionais que possa ser caracterizada pela gratuidade total ou parcial como um benefício. Confessionais são as instituições vinculadas a confissões religiosas legalmente constituídas ou a associações religiosas a elas ligadas, também 85 reconhecidas legalmente. O aspecto unificador entre as universidades comunitárias é que todas possuem um vínculo direto com comunidades (religiosas ou regionais), diferentemente das públicas estatais, cujo vínculo direto é com o Estado, e das privadas particulares, cujo vínculo é com grupos empresariais ou grupos familiares. As universidades filantrópicas não são um grupo à parte. São filantrópicas as universidades reconhecidas como tal pelo Estado, à luz de legislação específica, materializada no Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, que proporciona às instituições o direito de não pagar uma parcela de impostos e o dever de retribuir tal benefício em serviços educacionais à sociedade. 2.1 Universidades confessionais: missão e influência A confessionalidade nas universidades comunitárias tem berço na hegemonia da Igreja Apostólica Católica Romana, por volta dos primeiros séculos da Idade Média. De modo que havia escolas nas cidades e nos campos, sobre esse se tem a chamada “expansão católica”86, a Igreja naquela época exercia forte influência sobre as pessoas, o que incluía o controle da educação dos indivíduos. Em razão disto, ao tratar de Idade Média, erroneamente já se pensa na Idade das Trevas87. No entanto, este período não representou apenas aquele episódio. Segundo Cotrim “[...] esses julgamentos parciais tendem a ser ultrapassados, pois a riqueza da cultura medieval salta aos olhos [...] foi na Idade 85 SAMPAIO, Helena Maria Sant’Ana. O Setor Privado de Ensino Superior no Brasil . Tese de Doutorado. São Paulo: USP, 1998, p. 210 86 BITTAR. Op.cit., p. 118. 87 Foi o pedagogo alemão Cristoph Keller , em latim Clelarius ( 1638-1707), que consagrou a divisão da história ocidental em Antiga, Medieval e Moderna e divulgou a ideia de que o período medieval nada produziu de importante. NASCIMENTO,Carlos Arthur. O que é filosofia medieval. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 08. 48 Média que ocorreram: a criação das universidades, das catedrais, da filosofia cristã.”88 e outras grandes influências da sociedade atual. Acerca disto, Manacorda infere que Variada e complexa é a história das origens de cada universidade (no fim da Idade Média atingiam, na Europa Ocidental, o número aproximado de oitenta). O poder papal e imperial (ou régio), que inicialmente interveio para regulamentá-las, em seguida tomou a iniciativa de criá-las, como em Salamanca, Roma, Nápoles, Viena, Praga, Cracóvia etc., com dotações próprias. Mas a sua primeira origem consistiu na confluência espontânea de clérigos de várias origens para ouvir aulas de algum douto famoso. Foi esta a causa do fenômeno característico dos clerici vagantes, primeiramente condenado pela Igreja, sobretudo quando eles deixavam seus mosteiros ou colégios canonicais sem a autorização de seus superiores, e em seguida sancionado e protegido, como fez Honório III com a bula Super specula, 89 que lhes garantia os benefícios por cinco anos” Logo, as populações também começaram a se interessar pela educação. E isso resultou na expansão da mesma, bem como de sua mantenedora, a Igreja Católica, já que o ensino era controlado basicamente pelo clero. Assim, além “[...] das escolas mosteiros, fundaram-se as escolas junto as catedrais [...] e surgiram as primeiras universidades: Salerno, Oxford, Montpellier, Roma e Coimbra”.90 Não era tão fácil colocar uma escola em funcionamento naquela época, visto que era necessária a autorização da autoridade eclesiástica do local onde ela seria instalada. Quando em um centro de estudos havia grande número de pessoas e de professores, quem se tornava chefe imediato do centro era o papa e não o bispo da localidade. Isso bem demonstra o poder que a Igreja exercia à época sobre as universidades91, bem como o status que era dado por ela, para a educação. Já na transição da época moderna para a contemporânea, com o fortalecimento dos Estados Nacionais e o empoderamento da figura dos reis, decai o poder supranacional da Igreja. Após longo período de transição entre poder da Igreja e do Estado, ou seja, da concepção estatal eclesiástica para a concepção estatal laica, inversamente à tendência histórica do passado, assistir-se-ia a um movimento do Estado para criar os seus sistemas públicos de ensino, livres do poder eclesiástico. A Igreja, por seu turno, não esqueceu da missão 88 COTRIM.Op. cit., p. 118 MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação - da Antigüidade aos nossos dias. 4.ed. São Paulo: Cortez, 1995, p. 147 90 COTRIM. Op.cit., p. 118 91 BITTAR. Op. cit., p. 119 89 49 educativa que a acompanhava desde os tempos medievais e procurou, de certa forma, retomar suas iniciativas e reforçar ações no campo 92 educacional. Atualmente, percebe-se que o Estado, principalmente no caso brasileiro, não está mais conseguindo sozinho dar vazão à demanda por universidades. Diante disso, necessita da ajuda de outros setores, como o das universidades não-estatais. Logo, o Estado hoje necessita de ajuda de todos os entes da sociedade, na questão do ensino universitário, incluindo as universidades comunitárias. O fato é que apesar de no passado a Igreja ter sido agente central no processo educacional e após a Idade Média esse papel ter sido cumprido sempre mais pelo Estado, a Igreja, ou melhor dizendo, as Igrejas, continuaram sendo importantes agentes na missão de educar. No Brasil, essa missão de educar iniciou com os jesuítas e o processo de catequisação93. Contribui nesse sentido a afirmação de Schmidt, ao comentar: As escolas confessionais católicas foram os primeiros educandários criados no Brasil. Datam da década de 1550 as primeiras escolas e colégios, criados pelos jesuítas, inicialmente em Salvador, Olinda e São Paulo, difundindo-se depois pelo país, sob o regime do padroado, que vinculava estreitamente o Estado à Igreja Católica. Além da educação formal, os 94 jesuítas implementaram ainda meios de instrução informal dos indígenas. Posteriormente, já no início do século XIX com a Independência Administrativa do Brasil, o Governo de Dom João, trouxe benefícios para o país como a criação das escolas superiores e a consequente contratação de professores e artistas, que vieram na chamada “Missão Francesa”. O mesmo autor trata dessa questão ao afirmar que: Em 1828 são criados dois cursos de ciências jurídicas e sociais, instalados no Convento de São Francisco, em São Paulo, e no Mosteiro de São Bento, em Olinda. A fase imperial termina com a majoritária presença dos 95 educandários católicos na educação primária, média e superior. 92 BITTAR. Op. cit., p. 119 COTRIM. Op. cit., p. 215 “Os jesuítas tinham como objetivo conquistar índios e colonos, convertendo-se ao catolicismo, a arma utilizada nessa conquista espiritual foi à educação escolar, que enfatizou o ensino religioso.” 94 SCHMIDT. Op. cit., p. 07 95 SCHMIDT. Op. cit., p. 07 93 50 Mostra-se, assim que a Igreja permaneceu no cenário educacional, principalmente em países que por muito tempo foram colônias, como é o caso brasileiro. Sua influência e expansão pelo interior do país contribuíram e muito para o aumento do território nacional. Além disso, influenciou no desenvolvimento de povoados e vilas, que posteriormente se transformaram em cidades. A laicização do Estado, que resultou no rompimento entre Igreja e Estado, culminou na instalação de escolas protestantes, dentre as quais se destacam o “Instituto Gammon (Lavras, 1869); Mackenzie College (São Paulo, 1870); Colégio Piracicabano (Piracicaba, 1881); Instituto Granbery (Juiz de Fora, 1890); Colégio Americano (Porto Alegre, 1890).”96 Com a proclamação da República, houve a diminuição de verba para as instituições católicas, mantendo-se a liberdade da Igreja de ensinar. Como conseqüência, houve o aumento das instituições públicas de educação primária, e a predominância católica na educação secundária. No século XX, a Igreja manteve-se ativa no âmbito educacional. O papa Pio XI publicou em 1929 a Encíclica Divini Illius Magistri, merecendo o título de Magna Carta do sistema educacional cristão. Segundo esse documento, a missão de educar devia ser exercida por “três sociedades distintas: a uma ordem sobrenatural a Igreja e duas de natural - a família e o Estado.”97 Na concepção da igreja católica, porém, só era admitido o ensino confessional, uma vez que qualquer outro tipo de ensino, de cunho religioso neutro seria laico e, portanto, responsabilidade do Estado. Como o Estado admitia a educação livre para toda e qualquer religião, estas poderiam também criar suas próprias instituições.98 Além disto, a Igreja Católica trazia em sua carta magna educacional, segundo Ivan Manoel uma proposta humanizadora. Dessa forma, sua intenção era “[...] a criação de uma sociedade perfeita, onde o bem-comum seja realizado em sua plenitude. Entretanto, a criação de uma tal sociedade depende, fundamentalmente, da criação de um sistema econômico perfeito, o que vale dizer, cristão.99 Nesta mesma época, no Brasil, eram criadas mais escolas católicas de educação secundária e de ensino superior, dentre elas “[...] a primeira universidade 96 AHLERT, Alvori. Igreja e escola: desafios atuais para as escolas comunitárias da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e sua rede associativa. Actualidades Investigativas en Educación, Costa Rica, 2006, p. 03. 97 Papa Pio XI, p.154. 98 BITTAR. Op. cit., p. 122. 99 MANOEL, Ivan. As Reformas Conservadoras da “Nova” Pedagogia Católica. Dissertação de Mestrado. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 1982. p. 128 xeroc. 51 católica - a PUC do Rio de Janeiro - surgiu em 1946.”100 Além disto, revela Moacir Gadotti, que antes de 1970 “[...] as universidades católicas recebiam recursos públicos que atingiam até 60% do seu orçamento”101. Disto entende-se que a verba alcançada àquelas instituições, quando ainda havia apenas ensino primário e secundário deveria ser bem maior, tendo em vista que o Estado tinha diminuído o capital nas instituições católicas. Posterior a esta fase, com o Papa Paulo VI, a Igreja publica a Declaração sobre a Educação Cristã. Nesse documento, em síntese, a igreja “[...] chama a atenção para o direito universal à educação e, junto a ele, o papel da formação cristã.”102 Essa pretensão católica se fundamenta na salvação de todos os homens. Já na década de 90, com o Papa João Paulo II, surge outro documento que trata das universidades católicas. Ele emergiu como a Constituição Apostólica sobre as Universidades Católicas, que se preocupa com a verdade, dignidade humana e a missão de formação cristã. Com isto, a Igreja se torna mais próxima do homem e, com o processo de humanização, torna-se necessário também adverti-lo de que não é só a ciência e a tecnologia que formam o homem. O documento também faz uma crítica às universidades laicas. Aponta Bittar, uma distinção entre as universidades laicas e católicas. No caso das primeiras, ocorre a busca pelo conhecimento e sua produção, independente da corrente teórica, teológica ou filosófica. Diversamente agem as católicas, que buscam a verdade filosófica geral e abstrata, de cunho teológico. Segue o entendimento da autora: [...] nas universidades laicas predomina a preocupação com a produção do conhecimento, independentemente de sua matriz teórica, não se constituindo, em princípio, uma preocupação com a verdade enquanto questão filosófica geral e abstrata. Já para as universidades católicas, o que chama a atenção, pelo menos na declaração de princípios, é exatamente a 103 procura dessa verdade. E esse dever da Igreja Católica é passado para as suas universidades. Isso é o que se percebe nas propostas destas instituições, como é o caso da Pontifícia 100 SCHMIDT.Op. cit., p. 08 GADOTTI, Moacir. Universidade estatal, universidade comunitária: dois perfis em construção da universidade brasileira. 1995. Disponível em:<http://www.paulofreire.org.> Acesso em: 15 out. 2010. SP, p. 06 102 BITTAR. Op. cit., p. 126 103 BITTAR. Op. cit., p. 127. 101 52 Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Segundo sua declaração descritiva, ela É uma instituição de ensino superior, de pesquisa e de extensão, constituída por um conjunto de unidades (faculdades, institutos, etc.), que promove a formação profissional e científica de pessoal de nível superior, a realização de pesquisa teórica e prática nas principais áreas do saber, o armazenamento e a divulgação de seus resultados e a promoção de atividades de extensão. O título de "Pontifícia" é uma distinção outorgada pelo Papa a uma universidade católica. É o reconhecimento à contribuição de uma instituição universitária ao bem da Igreja no que diz respeito à 104 formação superior, tanto nas ciências, quanto nas artes. (grifo nosso) É clarividente essa missão da Igreja, de ensinar, bem como a sua preocupação com a busca pela verdade, nas pesquisas teóricas. Diante de tudo que já foi visto, é importante referir que a Igreja católica ajudou e influenciou o estabelecimento do Ensino nacional. Essa influência religiosa na educação também se deve ao seu compromisso com os “princípios humanísticos cristãos”105. Isso é perceptível quando os princípios são trazidos em textos de apresentação das instituições confessionais, como no caso da Unisinos: A Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) é mantida pela Associação Antônio Vieira, denominação civil da Província dos Jesuítas do Brasil Meridional, da Companhia de Jesus, a ordem dos jesuítas fundada por Santo Inácio de Loyola. Entre as maiores universidades privadas do Brasil, concentra, no câmpus, em São Leopoldo (RS), cerca de 25 mil estudantes em cursos de graduação, pós-graduação e extensão. Também integra uma rede de 200 instituições de ensino superior jesuítas, com 2,2 milhões de alunos no mundo todo[...]Seu projeto institucional está alicerçado nos princípios da pedagogia inaciana, em que a pesquisa e o ensino visam beneficiar o ser humano, em todas as suas dimensões, e 106 a promover a justiça[...] ( grifo nosso) Outra Instituição que também deixa claro seus valores católicos, bem como a preocupação com o ser humano, é a Universidade São Francisco, no estado de São Paulo. Ao apresentar sua história à comunidade, refere que Em 1976, com as então chamadas Faculdades Franciscanas, surgiu a Universidade São Francisco. Àquela época, ainda que contasse com três campi, dispunha de uma infraestrutura incapaz de abrigar um trabalho 104 (PUC-RS);Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. Disponível: <http://www3.pucrs.br/portal/page/portal/pucrs/Capa/AUniversidade>. Acesso: 30 out. 2010 105 BITTAR. Op. cit., p. 129. 106 (UNISINOS), Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, RS. Disponível: <http://www.unisinos.br/principal/index.php?option=com_content&task=view&id=64&Itemid=107&men u_ativo=active_menu_sub&marcador=107>. Acesso: 10 nov. 2011 53 educacional de qualidade em favor da comunidade. Em virtude disso, um grupo empreendedor de padres franciscanos decide mudar a história da universidade no que seria uma transição de interesses de duas partes envolvidas: o MEC, imensamente interessado em encontrar uma solução definitiva para a crise institucional que assolava o complexo universitário do Instituto Superior; e o propósito dos Franciscanos em intensificar sua presença institucional em meio à educação brasileira e, sobretudo, em meio à juventude universitária, para com ela compartilhar o legado deixado por São Francisco de Assis, a boa-nova do Evangelho e a missão de educar para o bem e a paz [...] Sob inspiração do seu patrono São Francisco de Assis, a USF tem como missão “produzir e difundir o conhecimento, libertar o ser humano pelo diálogo entre a ciência e a fé e promover fraternidade e solidariedade, mediante a prática do bem e consequente 107 construção da paz”[...] Realizado o resgate quanto a missão, influência e as origens das universidades confessionais, passa-se a análise do surgimento da educação comunitária na região Sul do Brasil, mais especificamente focada em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. 2.2 A educação comunitária na Sul do Brasil e as universidades comunitárias regionais No Rio Grande do Sul e Santa Catarina desenvolveu-se uma experiência de educação superior singular, cuja origem remonta às escolas comunitárias, criadas pelos imigrantes europeus e seus descendentes, para suprir a ausência do Estado no âmbito educacional. A estruturação das escolas comunitárias deveu-se ao fato de os imigrantes de Santa Catarina e Rio Grande do Sul estarem isolados nas décadas iniciais da imigração. Desse modo, cultivavam suas tradições, a língua e os costumes (festas, pratos típicos, etc), como elemento de diferenciação do restante da população brasileira. Permaneceram, de certo modo, “independentes”, como se cultivando seu próprio Estado, dentro do Estado brasileiro. Além disso, o próprio sistema de colônias facilitou esse processo, uma vez que, como observa Giralda Seyferth: [...] a localização de imigrantes [...] facilitou uma organização comunitária étnica e a manutenção do uso cotidiano da língua materna. Por outro lado, a relativa ausência do Estado [...] levou os colonos à formação de 107 (USF), Universidade São Francisco. São Paulo, SP. Disponível: <http://www.saofrancisco.edu.br/ sobreausf/FreeComponent824content1032.shtml>. Acesso: 10 nov. 2011 54 associações [...] que depois teriam papel importante na especificação das 108 peculiaridades étnicas. Nesse sentido, a educação comunitária surgiu em decorrência da própria realidade dos imigrantes. Importantes são as palavras de Egon Schaden. Ao relatar o caminho seguido pelas instituições de ensino, ele observa que a opção pelo comunitarismo era algo lógico, uma vez que era a opção de desenvolvimento viável do sistema educacional à época. O autor lembra que, inicialmente, A escola teuto-brasileira, criada e mantida pelos próprios colonos, estava ligada aos problemas internos da comunidade. O professor era membro desta e o seu trabalho não se limitava a ministrar um programa de ensino. Cabia-lhe dirigir o côro nas reuniões de culto religioso e organizar atividades festivas ou recreativas na colônia. Não raro era, também, conselheiro dos colonos nas mais variadas situações e podia mesmo exercer as funções de 109 médico ou de juiz. Fica claro, portanto, o alto grau de envolvimento e de responsabilidade que os professores das instituições comunitárias tinham não apenas no fornecimento de soluções ao nível educacional. Era por meio deles que se tornou possível aos imigrantes manterem contato com os valores religiosos. Considerando-se isso, os professores eram verdadeiros mantenedores das estruturas e relações sociais nos meios aos quais pertenciam. Dessa forma, atuavam como bastiões na manutenção dos sistemas sociais e culturais dos imigrantes. Acerca dos sistemas sociais e culturais, Talcott Parsons informa que [...] Se os sistemas sociais são organizados com referência fundamental à articulação de relações sociais, os sistemas culturais são organizados em torno de características de complexos de sentido simbólico - os códigos através dos quais são estruturados os feixes específicos de símbolos que empregam, as condições de sua utilização, manutenção e mudança, como 110 partes de sistemas de ação. Mais do que meros profissionais da educação, portanto, os professores da Escola Teuto-Brasileira se revelavam profissionais de atuação de amplo espectro. 108 SEYFERTH, Giralda. As identidades dos imigrantes e o melting pot nacional. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 6, n. 14, nov. 2000, p. 148. 109 SCHADEN, Egon. Aspectos históricos e sociológicos da escola rural teuto-brasileira. In: I Colóquio de Estudos Teuto-Brasileiros. Porto Alegre: UFRGS, 1963. p. 67 110 PARSONS, Talcott. O Sistema das Sociedades Modernas. São Paulo: Pioneira, 1974. 55 Eles cultivavam e reproduziam per se a própria noção de sociedade, respeitados os valores originais dos povos imigrantes. Neste viés convém ressaltar resumidamente como se deu o processo de inserção da educação no Sul do país. Aponta Schaden111, que os imigrantes alemães, ao se instalarem em Santa Catarina, sentiram falta do sistema educacional ao qual estavam habituados em seu país. Estava entre as suas prioridades a necessidade da manutenção e o respeito aos valores de sua pátria-mãe. No entanto, há que se observar que, como assevera Ellen Woortman, Não existia uma Alemanha como estado-nação à época da imigração e não existiam alemães, mas bávaros, renanos, etc. Por outro lado, o que os imigrantes retiveram na memória era menos a Bavária ou Renânia que a 112 aldeia ou pequena região de origem. Isso tornou necessária a manutenção dos valores nas colônias de imigrantes pautadas no caráter religioso. Principalmente considerando-se que o conceito de Estado-Nação, determinante do reconhecimento de sua identidade, não era aplicável à época, ao seu território de origem. Esse foi um caráter diferencial dos processos de imigração que formaram a população brasileira. Ao falar da colonização americana, Parsons estabelece que ela foi um processo mais determinístico, uma vez que O território norte-americano foi colonizado, inicialmente, sobretudo por um grupo característico de imigrante. Eram ‘não-conformistas’ em busca, não tanto de liberdade de associação, mas de maior independência religiosa do que aquela de que podiam gozar no país de origem. Eram predominantemente da ala puritana, que Weber considerava o núcleo do protestantismo ‘ascético’. Nas colônias como um todo, no entanto, se 113 dividiram em várias seitas religiosas. Tratava-se de um grupo de imigrantes mais ou menos “unificado” e “determinado”. Ele era compostos de pessoas transferidas de uma metrópole que já à época possui a forma de um Estado-Nação organizado. E isso possibilitou sua organização em um sistema pautado por um reconhecimento de nacionalidade. Além disso, como observa Gerard Jones, eram grupos muito organizados social e 111 SCHADEN. Op. cit. WOORTMANN, Ellen. Identidades e memórias entre teuto-brasileiros: os dois lados do Atlântico. : Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 6, n. 14, nov. 2000, p. 233. 113 PARSONS. Op. cit., p. 108-109. 112 56 politicamente, que vinham para os Estados Unidos, em especial, Nova Iorque, no séc. XIX e início do séc. XX114. Isso não quer dizer, porém, que os imigrantes, no caso brasileiro, não fossem, também um grupo bastante específico de pessoas. Nota-se que eles vinham, de certo modo, com o intuito de “tentar a sorte”, viver o sonho de “uma vida melhor”. Portanto, era necessário selecioná-los, o que foi feito. Dessa forma, como observa Woortmann, [...] não foram admitidos no contingente os totalmente destituídos, justamente 'porque só tinham uma camisa'. A grande maioria dos emigrantes detinha algum recurso e eram alfabetizados (Hunsche, 1975; 1977). A exceção foi um grupo de 345 deportados (homens, mulheres e crianças) de Mecklemburg, que trocaram suas penas por um recomeço no 115 novo mundo. Além disso, profissionais liberais também eram parte do contingente de imigrantes. Em sua maioria, no entanto, o grupo era formado por famílias inteiras, eventualmente completadas por solteiros. Esses solteiros, normalmente eram os não-primogênitos de famílias ricas. Graças à sua condição, eles eram desprovidos de direitos à heranças, que eram entregues aos primogênitos, segundo a cultura legal germana. Feita essa breve observação acerca do procedimento de colonização, retoma-se a questão do ensino comunitário. O essencial nessa forma de ensino é o seu significado. Os imigrantes optaram pelo comunitarismo, pois eles temiam que seus filhos crescessem como “caboclos”116. Temiam que eles perdessem o contato com as suas raízes e o significado da travessia. E mais, temiam que, em eventual retorno à Europa, seus filhos jamais fossem reconhecidos como legitimamente europeus. Assim sendo, os imigrantes fundaram a Escola Teuto-Brasileira, como uma forma de auto-proteção. Essa escola funcionou entre o final do século XIX e o início da década de 40 do século XX. Como dito, ela dava o suporte aos imigrantes na criação e educação de seus filhos, integrando-os à prática da fé cristã, ao mesmo tempo em que mantinha as tradições originárias daquele povo. 114 JONES, Gerard. Homens do Amanhã: Geeks, Gângsters e o nascimento dos Gibis. São Paulo: Conrad, 2006. 115 WOORTMANN. Op. cit., p. 207. 116 SCHADEN. Op. cit., p. 68 57 Assim, formou-se um processo de interação complexo. Ele envolvia, de um lado, o compromisso estatal com o provimento da educação. De outro, o compromisso da família no cumprimento do dever de mandar seus filhos para a escola. Esse é o contexto em meio ao qual emerge o comunitário no Brasil. Isso, porém, não quer dizer que nessa relação não tenham surgido alguns problemas, segundo o que pontua Schaden. E eles se concretizavam em dois elementos constitutivos daquela época: a avareza e a ambigüidade. No que se refere à ambigüidade, Schaden denota que havia um desejo, por parte imigrantes em viver e se integrar ao Brasil. Porém, ao mesmo tempo, havia um sentimento natural associado à disseminação de sua cultura originária, no seio das escolas teuto-brasileiras. Ao explicar essa ambigüidade, Schaden expõe que, enquanto buscava-se à integração, [...] do outro procuravam transmitir às novas gerações os valores e os padrões de sua cultura [...] Refletindo os conflitos culturais em que se viam envolvidos os colonos, a escola teuto-brasileira não podia deixar de caracterizar-se pela sua ambigüidade, ou seja, por funções em parte 117 contraditórias. Um dos exemplos dessa situação é o próprio ensino bilíngüe, como aponta Mariluce Bittar118. Isso bem demonstra essa ambigüidade, pois, ao mesmo tempo em que se quer uma integração com o Brasil, se ensina uma língua que não é a da pátria atual. Mas esse não era o único problema, como dito. Ao tratar do outro problema das escolas teuto-brasileiras, Schaden aponta a avareza dos imigrantes. Ela se configura à medida que os imigrantes, quando ainda viviam na Europa, não estavam habituados a gastar com a educação de seus filhos. Portanto, demonstravam pouco interesse na inclusão desse tipo de gasto no seu orçamento familiar. Eles “simplesmente não estavam acostumados a despender dinheiro com a instrução dos filhos”119. Com isto, os imigrantes tiveram que se adaptar ao meio. Passaram a ter uma atitude mais decisiva, em termos da educação, pois tinham que auxiliar os filhos para que estes pudessem ter uma instrução considerada boa, segundo os 117 SCHADEN. Op. cit. p. 66 BITTAR, Mariluce. O ensino superior privado no Brasil e a formação do segmento das universidades comunitárias. 23ª Reunião Anual da ANPED, 2000, Caxambu. Disponível: <http://www.anped.org.br/reunioes/23/textos/1108T.pdf>. Acesso: 30 nov.2010, p. 93. 119 SCHADEN. Op. cit., p. 67 118 58 padrões com os quais os imigrantes estavam acostumados. Pautando-se nesses caracteres é que se desenvolveu, inicialmente, a educação comunitária no Sul do Brasil. Mister ressaltar que as Escolas Teuto-Brasileiras sofreram forte impacto negativo na chamada “Era Vargas”, que culminou com seu declínio nas décadas seguintes. O governo ditatorial se insurgiu contra elas sob a alegação de se preocuparem com a manutenção das raízes européias, em especial o ensino da língua alemã, e que isso poderia representar uma ameaça ao país120, visto que era o período da Segunda Guerra Mundial. O ambiente da Segunda Guerra não era propício às interações com a Alemanha, e o governo brasileiro, não querendo ser visto como colaborador do nazismo, tratou de nacionalizar o ensino “especialmente em regiões estratégicas”121. Esse é um movimento que já havia sido experimentado, por exemplo, pelos EUA, como observa Parsons. Segundo sua perspectiva, que leva em conta o papel das diferentes religiões dos imigrantes que fundaram as treze colônias, O pluralismo religioso das treze colônias como um todo e a atmosfera cultural racionalista, influenciada pelo Iluminismo, prepararam o ambiente para a Primeira Emenda Constitucional – onde se exigia uma separação constitucional entre Igreja e Estado, o que ocorria pela primeira vez desde a 122 institucionalização do Cristianismo no Império Romano. Dessa forma, ao fundarem as primeiras escolas, que deram origem ao sistema educacional americano, trataram os pais fundadores por optar por um ensino não-confessional, igualitário em forma e conteúdos e essencialmente laico. Ao optar por analisar o seu contexto, Vargas apenas se utilizou dessa perspectiva para tentar criar um ensino unificado, capaz de construir a unidade brasileira que era necessária à época. Principalmente considerando-se a possibilidade de que as colônias de imigrantes, mantendo alguma autonomia cultural, pudessem influenciar levantes capazes de destruir a nação brasileira. Pautando-se no redimensionamento do sistema educacional, ascende uma nova perspectiva ao ensino comunitário. O surgimento das instituições de educação 120 A partir de 1941, o Brasil passou a fazer acordo apoiando os Aliados. Em troca de seu apoio, o governo Vargas conseguiu dos Estados Unidos grande parte do financiamento [...] para a industrialização do país. COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral. Saraiva: São Paulo, 1998, p. 419. 121 BITTAR. Op. cit. p. 94 122 PARSONS. Op. cit., p. 109 59 superior gaúchas e catarinenses a partir da década de 1940 inaugura um “novo” conteúdo para o comunitarismo, integrado a uma perspectiva nacional e regional. Como indica Bittar, na fase posterior ao “comunitarismo primário”123, a educação comunitária passou a se voltar ao desenvolvimento mais local. No transcurso das décadas de 1940 e 1980, desenvolveu-se um notável sistema de educação superior comunitário nos dois estados mais ao Sul do país. Em Santa Catarina, organizados na Associação Catarinense de Fundações Educacionais – ACAFE124, foram constituídas as seguintes instituições de educação superior comunitárias: Universidade Regional de Blumenau – FURB, Universidade do Contestado – UnC, Centro Universitário de Jaraguá do Sul – UNERJ, Centro Universitário Barriga Verde – UNIBAVE, Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí – UNIDAVI, Centro Universitário de Brusque – UNIFEBE, Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC, Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC e Universidade Comunitária Regional de Chapecó – UNOCHAPECÓ. No Rio Grande do Sul, as universidades (e instituições) comunitárias regionais são: Universidade de Caxias do Sul - UCS, Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS - UNIJUI, Universidade de Passo Fundo - UPF, Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI, Centro Universitário Feevale – FEEVALE, Pontifícia Universidade Católica do RS – PUCRS, Universidade Católica de Pelotas – UCPel, Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, Centro Universitário Univates – UNIVATES e Universidade da Região da Campanha – URCAMP. As comunitárias regionais e as confessionais gaúchas estão organizadas no Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas – COMUNG. O COMUNG, conforme seu site na internet125, começou sua história em 1993, sendo composto por nove instituições. O consórcio possuía o objetivo de “viabilizar um processo integrativo que resultasse no fortalecimento individual das instituições e no conseqüente favorecimento da comunidade universitária riograndense e da sociedade gaúcha como um todo.” Em 1996, o COMUNG passa a 123 BITTAR. Op. cit., p. 94. A Associação Catarinense das Fundações Educacionais – ACAFE, reúne mais de 130 mil estudantes, representando cerca de 65% dos universitários do Estado de Santa Catarina. 125 COMUNG. Disponível: <www.comung.org.br/comung>. Acesso: 03 dez. 2011. 124 60 existir efetivamente e rege-se por um Estatuto. Atualmente, a entidade conta com 15 instituições associadas. Todas as instituições que possuem vínculo com o Consórcio partilham os seguintes objetivos: 1. Planejar e desenvolver ações conjuntas, otimizando as relações internas, com as instituições públicas e com a sociedade. 2. Assegurar maior força na defesa dos interesses educacionais dos seus participantes, através de negociações mais significativas no âmbito público em todas as esferas administrativas e da sociedade civil organizada. 3. Alcançar maior representatividade perante organismos financiadores internacionais, pela capacidade de integração político-institucional. 4. Proporcionar e operacionalizar convênios, acordos, protocolos com instituições e órgãos governamentais e privados, tanto nacionais como internacionais. 5. Acentuar o trabalho de entrosamento com os organismos públicos, em todos os níveis, e/ou privados, em especial na área de Ciência e Tecnologia, assegurando a presença ativa do consórcio na implantação de pólos tecnológicos. 6. Viabilizar a realização de eventos que respondam ao interesse do ensino 126 superior e da pesquisa. Feitas as considerações sobre a formação históricas das comunitárias, passa-se a explorar as singularidades das formas em questão, quais sejam confessionais e regionais. 2.3 Universidades comunitárias confessionais e regionais: similaridades e diferenças Na definição das diferenças entre os dois tipos de universidades comunitárias impende reforçar que são confessionais, aquelas “[...] congregadas pela identidade na fé, na missão, pelos valores morais e religiosos e, em decorrência, organizados para oferecer serviços de educação à sociedade da qual fazem parte.” 127 Como já mencionado, os valores cristãos, ou da religião ao qual a instituição de vincule, e valores humanos são ensinados obrigatoriamente pelas instituições ao seu corpo discente. No caso das universidades regionais, 126 127 COMUNG. Op. cit. sp Id., Ibid., p. 03 61 [...] o termo é usado para expressar a organização da própria sociedade civil, normalmente em âmbito regional, com o objetivo de implementar um projeto comum de ensino superior: a universidade comunitária. Neste caso, o termo comunitário aparece como a idéia força que agrega pessoas e 128 organizações para a viabilização do projeto comum. No entanto, não é cabível supor que as universidades não confessionais não tenham valores, ou que não estejam comprometidas com a criação de uma sociedade mais justa, mais humana e mais ética. Pelo contrário, tais instituições também possuem tais atributos, porém, eles são diversos dessa fé que as confessionais proclamam como valor necessário à criação de uma sociedade justa e igualitária. Esclarecedor se torna este estudo quando dois professores são entrevistados por Bittar. De maneira bem simples e didática, eles diferenciam as comunitárias confessionais das não-confessionais. Em sua entrevista, Fernando Lopes, estabelece que Essa distinção é que quando você coloca confessional está restringindo, de certa forma, a uma parcela da comunidade, embora isso não esteja implícito, mas no momento em que você coloca um conjunto de disciplinas 129 [...] voltadas para a questão do catolicismo [...] Segundo Lopes, fica evidente quando uma instituição de ensino é confessional, quando através da grade curricular existem diversas disciplinas voltadas para o catolicismo. Um claro exemplo disso é a disciplina de Antropologia e Cosmovisão Franciscana130, disciplina comum, que é ministrada a todos os cursos do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Na definição das distinções entre os termos, Elizabeth Lara, explica, em entrevista a Bittar, [...] uma das diferenças que eu aponto [...] é que tem uma questão pontual que é o aspecto religioso [...] elas [as universidades confessionais] personalizam num santo essa missão - São Francisco, Santo Inácio - ele como modelo, como exemplo a ser seguido. E as comunitárias nãoconfessionais não têm nenhuma situação de religião [...]. Nós não temos dono nenhum, por exemplo quando alguns professores falam do grande Chanceler, que é Dom Evaristo Arns, quer dizer, existe a marca de uma 131 pessoa, de uma confissão religiosa [...]. 128 Id., Ibid., p. 03 LOPES, Fernando apud BITTAR. Op.cit. p. 133 130 UNIFRA. Centro Universitário Fransciscano. Disponível:<www.unifra.br>. Acesso: 05 jan. 2011 131 LARA, Elizabeth Rizzato apud BITTAR. Op.cit. p. 134 129 62 Lara, observa que as instituições confessionais atrelam sua missão ao santo que dá nome a Universidade ou a Mantenedora. As não-confessionais, ao contrário, como não têm vínculo algum com uma religião, não fazem o mesmo. Moraes elenca as características das universidades comunitárias confessionais: • • • • • • • é patrimônio de um grupo confessional, constituído sob a forma de sociedade civil; não tem finalidade lucrativa; aplica os excedentes financeiros nos objetivos educacionais da entidade; não privilegia os seus filiados ou associados em relação à coletividade na prestação de serviços; administrativamente é subordinada, em última instância, à mantenedora; o controle da administração e da gestão financeira é feita no âmbito da mantenedora e, em última instância, pela autoridade da organização confessional; a destinação do patrimônio, em caso de cessação das atividades, é deliberada pela autoridade confessional, ressalvada a aplicação tem 132 atividades de interesse social. Com esta sequência, torna-se mais fácil a compreensão das instituições que operam como confessionais. Neste ponto, convém citar as universidades que tem apoio confessional no Rio Grande do Sul. Dentre elas destacam-se: a PUC-RS, a UNISINOS, a Universidade Católica de Pelotas (UCPel), a UNIFRA133 e a Rede Metodista de Educação do Sul134. Por outro lado, Moraes traz também as características das universidades não-confessionais regionais, as quais assim se especificam: • • • • • 132 15 133 é patrimônio de uma comunidade, sem depender de famílias, empresas ou outros grupos com interesses econômicos; não tem finalidade lucrativa; aplica os eventuais excedentes financeiros na entidade; é constituído sob a forma de direito privado ou, ainda, de associação ou de sociedade civil; não privilegia seus integrantes, associados ou filiados, em relação à coletividade na prestação de seus serviços; MORAIS, João Luis de (org.). Perfil das Universidades Comunitárias. São Paulo: Loyola, 1989, p. A UNIFRA recentemente se tornou a mais nova associada da ABRUC. A Rede Metodista do Sul integra o COMUNG, desde setembro de 2010. Disponível:<http://www.metodistadosul.edu.br/institucional/canal/noticias.php?codigo=31042&secao= 237&pai=23>. Acesso: 26 nov. 2010. 134 63 • • • administrativamente é subordinada, em última instância, a um Conselho de representantes da comunidade à qual está ligada; em alguns casos, também do poder público (federal, estadual, municipal); o controle da administração e da gestão financeira de todo os seus recursos é feito com a participação da comunidade à qual está ligada e, no caso das fundações, pelo Ministério Público; o patrimônio pertencente a uma comunidade é destinado, no caso de 135 cessarem as atividades, a outra instituição congênere. A partir desta análise, percebem-se características semelhantes entre as instituições laicas regionais e as confessionais. Dentre elas, a principal é não ter fins lucrativos. A outra é não privilegiar seus filiados ou associados com relação à coletividade, na prestação de serviços. Ainda sobre as características das instituições em comento, não se deve deixar de fora outra informação expressa por Moraes. Acerca das universidades comunitárias confessionais, ele explica que elas “[...] invocam os princípios e valores cristãos como justificadores de sua ação”136. As não-confessionais, ao contrário, “[...] definem-se com base no princípio de regionalização, como sendo a realidade regional que fundamenta e justifica os seus objetivos e a sua programação”137. Saliente-se que uma instituição regional não afirma compromisso com valores cristãos, mas preocupa-se com valores éticos, humanos e de responsabilidade com a comunidade local, primando pela qualidade de seu ensino, pesquisa e extensão. Favorável a esse entendimento das comunitárias, Gadotti menciona que: Uma universidade não pode ser definida como tal se reduzir ao puro ensino. Sem pesquisa, extensão e desenvolvimento da cultura não há universidade. E essas são atividades muito mais caras do que o ensino. A universidade precisa voltar-se para fora e contribuir, hoje, decididamente, na reorganização do sistema econômico desse país, como ontem, na década de 70, a universidade brasileira ganhou prestígio social lutando pelo reordenamento político. E para isso é preciso que elas trabalhem conjuntamente, intercambiando experiências. Um projeto institucional isolado não tem condições de se implantar. Não pode haver desenvolvimento da qualidade do ensino e da pesquisa isoladamente: o 138 pesquisador isolado hoje é um anacronismo. 135 MORAIS. Op. cit., p. 16. Ibid. p. 20 137 Ibid. p. 21 138 GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da educação. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392000000200002. Acesso em: 16 jan. 2011 136 64 É necessário ainda mencionar as palavras de Solange Longhi, para quem [...] pode-se afirmar que estas IES foram sendo reconhecidas devido a sua contribuição em suas comunidades e regiões, principalmente, na formação inicial e continuada de recursos humanos através de cursos de extensão, graduação, pós-graduação [...] são reconhecidas por suas pesquisas que giram em torno de questões regionais e locais, pela constante busca de integração em planos e projetos e pelo compromisso assumido com o 139 desenvolvimento regional, calcado em princípios comunitários. Deste modo, observa-se que o fato das universidades de cunho confessional possuírem sua origem na religião não às exclui do foco comunitário. As universidades e centros universitários confessionais, ressalvadas determinadas diferenças, possuem também um compromisso com a qualidade do ensino e com o progresso das suas comunidades. 2.4 A educação comunitária em termos legais Os vários sentidos do comunitário no Brasil são constatados por Marilia Sposito e Vera Ribeiro, em pesquisa realizada na década de 1980. Observaram as pesquisadoras, acerca das escolas comunitárias, que: Algumas consideram-se comunitárias porque não têm fins lucrativos, outras porque desenvolvem trabalhos de natureza assistencial ou educativa para comunidades, entendidas como setores da população desprivilegiada, ou mais comumente, a “população carente”. Outras são comunitárias porque se voltam para uma integração com o seu entorno, entendido como a população local possivelmente atingida de forma mediata ou imediata, incluindo muitas vezes a ideia de região, figurada como espaço circunscrito geográfica ou culturalmente. Outras são comunitárias porque se estruturam “comunitariamente”, ou seja, seus integrantes participam de objetivos comuns e mantém sua interação em função da comunidade de ideias, o que não significa necessariamente gestão democrática ou participativa das instituições. Finalmente, há uma parcela que se autodenomina comunitária porque em certa medida a instituição respondeu a demandas de grupos mais ou menos organizados, articulados em movimentos dos setores 140 espoliados da sociedade brasileira. No entanto, o legislador, ao redigir o art. 213 da Constituição de 1988, não fez distinções entre as escolas comunitárias. 139 LONGHI, Solange M.; FRANCO, Maria Estela D. P.; ROCHA, Aline. Ultrapassando a dicotomia publico-privado - a identidade jurídica pública não-estatal reivindicadas pelas IES comunitárias. Disponível:<www.anpae.org.br/congressos_antigos/simposio2009/329.pdf>. Acesso: 15 jan. 2011 140 SANTOS, Marlene S. Formação continuada e professores de escolas comunitárias: sentidos do percurso formativo. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007, p. 88-89 65 Antes de aprofundar esse aspecto, cabe indicar que é digno de nota que a Constituição Cidadã de 1988, ao reconhecer as escolas comunitárias, supera a dicotomia público/privado, o que é fundamental para os objetivos deste trabalho. No processo constituinte de 1986-1987, a redação do artigo 213 sofreu a resistência de vários setores, relacionadas aos vários significados do termo, conforme constatado por Sposito e Ribeiro. As universidades católicas foram as que mais se engajaram na luta por uma normatização que tratasse e distinguisse aquelas instituições de cunho comunitário. É o que menciona João Pedro Schmidt, que “[...] o processo de construção da Constituição de 1988 foram as instituições católicas que tiveram atuação decisiva em prol do reconhecimento do caráter distintivo das comunitárias.”141 À frente do movimento estava a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Associação de Educação Católica (AEC) e Associação Brasileira das Escolas Superiores Católicas (ABESC). Sua petição contava com setecentas e cinquenta mil e setenta e sete assinaturas.142 As entidades representantes da visão estatista – grupo formado pela Confederação dos Professores do Brasil (CPB), Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES), União Nacional de Estudantes (UNE), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Central Geral dos Trabalhadores (CGT) - por meio petição reunindo duzentas e setenta e nove mil e trezes assinaturas143, manifestaram-se contrários ao repasse de recursos para as instituições nãopúblicas. A legitimação constitucional da possibilidade de transferência de recursos às escolas comunitárias sem fins lucrativos teve uma emenda para que fosse realizada a prestação de contas de todo recurso recebido. Uma terceira proposta foi apresentada. Ela foi encabeçada pelo Movimento de Defesa dos Favelados, pela Comissão de Justiça e Paz, ambos da Bahia, bem como pelo Movimento Negro de Brasília. Essa proposta contou com um total de vinte e três mil e quarenta e duas assinaturas. Essa terceira proposta buscava legitimar como públicas as escolas comunitárias voltadas às comunidades carentes ou minoritárias.144 141 SCHMIDT, João Pedro. Op. cit.. p. 23 Id., Ibid., p. 23. 143 SCHMIDT.Op. cit., p. 23. 144 MARTINS, Geraldo M. Universidade federativa autônoma e comunitária. Brasília: Athalaia, 2008. 142 66 A proposta vencedora, resultou no art. 213, com a seguinte redação: Art. 213 - Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação; II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades. [...] Percebe-se, portanto, que embora possam ser classificadas em diversos tipos, segundo a proposição de seus significados, as Universidades Comunitárias possuem duas características que as tornam únicas. São em sua grande maioria confessionais ou filantrópicas. Dessa forma, não podem ter fins lucrativos e, assim sendo, não tratam a educação como um negócio. Como entidades confessionais ou filantrópicas, em caso de encerramento, devem as instituições passar seu patrimônio a outra instituição que assim funcione. Alternativamente, devem passar seu antigo patrimônio para o poder público, para que este dê continuidade ao trabalho da comunitária. Essa é a essência do que se extrai do art. 213 da Constituição Federal, em seus incisos I e II. Corroboram com este entendimento Nara Stainr e Neiva Araújo quando mencionam que: O artigo 213 da Constituição Federal, faz menção às escolas comunitárias, referindo que independentemente de elas serem confessionais ou filantrópicas, não podem ser lucrativas, devendo, portanto,aplicar os seus excedentes financeiros em educação e em seu patrimônio; contudo, caso venham a encerrar suas atividades, elas poderão destinar seu patrimônio a 145 outra instituição congênere ou até mesmo ao poder público. No mesmo sentido, Walter Frantz, elucida que: O artigo 213 da Constituição Nacional Brasileira não trata de características, propriamente, mas de exigências para a liberação de recursos públicos. No entanto, na exigência da lei estão expressas as características legais de uma universidade comunitária ao falar da finalidade não lucrativa, da 146 aplicação de excedentes,de destinação do patrimônio. 145 PIRES, Nara Stainr; ARAUJO, Neiva Cristina de.Universidades Comunitárias: Propulsoras da Cidadania. Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI. Fortaleza, 2010, p. 2925. 146 FRANTZ, Walter. Universidade Comunitária, uma iniciativa pública não-estatal em construção. Portal das Instituições Comunitárias de Ensino Superior. Disponível em: <http://www.comunita rias.org.br/docs/artigos/universidade_comuni taria.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2010, p. 03. 67 Com isto, a Constituição não traz apenas as características das comunitárias. Ela também dita como devem se portar tais instituições para que possam receber os benefícios específicos, que lhes são assegurados na Carta Magna. Trata-se de uma série de compromissos que as escolas comunitárias devem assumir, para que possam usufruir deste título, bem como para poderem gozar dos benefícios que aquele diploma lhes proporciona. E é exatamente isto que dispõe o parágrafo primeiro do art. 213, uma vez que por meio dele se estabelece qual deve ser o compromisso ou a contrapartida à concessão do título de entidade comunitária, em termos da percepção de recursos públicos: § 1º - Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade. Neste viés, as escolas comunitárias também possuem o papel de oportunizar bolsas de estudos, para todos aqueles alunos que não possuírem recursos financeiros que lhes permitam estudar nelas. Nesse diapasão, as comunitárias se comprometem igualmente a, quando a rede pública não puder ofertar vagas, “substituir” o poder público, servindo como instrumentos aptos a suprir este déficit. Dessa forma, elas assumem um compromisso essencial com a possibilidade de um acesso à educação de forma universalizada. Elas atuam como verdadeiros suportes para o processo de inclusão por meio da educação. Em complemento ao explanado, exsurge do texto do § 2º do art. 213 o papel das universidades comunitárias, quanto ao desenvolvimento técnico do país, uma vez que “As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público”. Esse apoio financeiro demonstra o total incentivo que a Administração Pública deve oferece às universidades que puderem criar um universo de pesquisa, propiciando um diferencial entre as entidades comunitárias e as demais. Em razão disso, como elucida Frantz, a universidade comunitária é vista como “um esforço de construção de novos espaços públicos”147. Isto é, as 147 FRANTZ, W. Op. cit., p. 01. 68 instituições comunitárias tornam-se uma extensão do ente estatal, atuando para auxiliar na construção de um novo ensino, de caráter amplo, no país. Trata-se de uma perspectiva essencial, em vista dos grandes avanços que a atualidade experimenta, que tornam o fomento à pesquisa algo tão necessário. Uma nova relação entre o público e privado é inaugurada. A universidade comunitária deixa de ser confundida com um ente que almeja lucro e busca a expansão desenfreada do seu patrimônio, passando a ser vista como uma agência de financiamento que concede bolsas, que incentiva a pesquisa e que destina todos os recursos obtidos para a melhoria de seus serviços. A instituição comunitária se cerca de ideais humanistas e transfere para seu corpo discente os conhecimentos e as oportunidades que o Estado lhe concede. Nesta senda, Elisabete Ferrarezi elogia e apóia o estímulo dado pelo Estado às organizações comunitárias. Esse estímulo é um verdadeiro mecanismo de participação e concretização dos ditames constitucionais. Isso é verdadeiro, à medida que O estímulo à participação social e a promoção da organização comunitária é essencial ao desenvolvimento social. Contudo, é preciso desmitificar a participação em seus sentidos extremos: não é, por si só, a solução dos problemas sociais, mas pode ser vista como um meio para isso e, também, como um fim em si mesma porque agrega valores éticos à democracia e 148 constrói laços comunitários de solidariedade. Dessa forma, mais do que prestar um serviço educacional, as universidades comunitárias acabam sendo uma via alternativa de educação pública. Por meio delas se garante um compromisso entre público e o privado, no qual ambos se aproximam, tornando possível a chamada construção do espaço público não estatal. Sábias são as palavras de Frantz, ao observar que: A organização de espaços comunitários, na área da educação, não deve ser entendida como uma iniciativa de privatização do espaço da educação, mas de um esforço pela construção de novos e ampliados espaços públicos 149 de educação. 148 FERRAREZI, Elisabete. Estado e Setor Público Não Estatal: Perspectivas para Gestão de Novas Políticas Sociais. Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Brasília Disponível: <www.anesp.org.br/userfiles/file/estudos/estado_setor.pdf> acesso: 21 nov. 2010, p. 07 149 FRANTZ, W. Op. cit., p. 01 69 Para que se possa entender, portanto, o papel do ensino comunitário é necessário perceber que ele não representa per se, uma privatização da educação. Não há uma necessidade econômica de lucro, que precisa ser respeitada. Há, antes, um trabalho sério, voltado para a efetivação do direito à educação. A organização dos espaços comunitários é, por óbvio, uma iniciativa digna de aplausos. É positivo que o legislador, quando estava elaborando a Constituição, possibilitou a ampliação de espaços comunitários. Porém, deve ficar claro que essa não é uma medida suficiente para findar com o problema social que é a educação. Elas ajudam a amenizar as lacunas, como bem diz Ferrarezi. Mas esse é um problema que existe, cresce e precisa ser tratado como prioridade, pelo poder público. Ocorre que em 1996 observa-se um retrocesso em relação a essa nova lógica de ação possibilitada pela Constituição de 1988. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, Lei 9.394, 20 de dezembro de 1996150 novamente trouxe à baila a dicotomia público/privado, de forma expressa, nos arts. 19 e 20. Contrariamente ao que foi constitucionalmente estabelecido, as escolas comunitárias são consideradas uma modalidade das instituições privadas. A LDB veio em prejuízo e significou um recuo em relação aos termos da Constituição Federal, que já tinha concedido às escolas comunitárias status jurídico distinto das escolas privadas. É isso o que refere Schmidt, quando salienta que as entidades comunitárias possuem especificidades. Ao ver-se o texto da LDB, percebe-se que “[...] as comunitárias, portanto, não conseguiram fazer valer sua especificidade nesse importante documento legal da educação, que constitui uma das fontes de confusão entre o comunitário e o privado.”151 O “Plano Nacional de Educação” (PNE), Lei 10.172, de 09 de janeiro de 2001, não trouxe uma reversão desse quadro. Somente em seu item 27 recomenda apoio e incentivo governamental às escolas comunitárias, naquelas áreas às quais o Poder Público não consiga atender, reproduzindo de forma genérica a LDB. A recomendação não teve maior relevância. 150 LDB (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/Leis/L9394.htm>. Acesso: 10 dez 2010. 151 SCHMIDT. Op. cit., p. 24 70 Importante referir que, em paralelo e sem vínculo direto com as questões da educação, foi aprovado em 1995 o Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Sob o pressuposto da ineficiência da atuação estatal direta em diversas áreas, trouxe como novidade o reconhecimento da categoria do público não estatal.152 A partir desta reforma, foram criadas duas figuras jurídicas novas: as Organizações Sociais (Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999. Mudanças de paradigma no Estado, mas cuja eficácia política revelou-se bastante limitada e que não trouxe alteração substancial na educação. Sobre a lei das OSCIPs, Schmidt afirma que A lei das OSCIPs exclui explicitamente, no art. 2º, “as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras”, assim como “as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas em seu art. 2º 153 apenas faz remissão as instituições privadas e suas mantenedoras. Este raciocínio advém também do caput do art. 2º das OSCIPs, a qual dispõe que “não são passíveis de qualificação como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, ainda que se dediquem de qualquer forma às atividades descritas no art. 3o desta Lei [...]”154. O art. 3º da Lei da OSCIPs traz em seus incisos características que são próprias das universidades comunitárias. Dessa forma, mesmo que essas instituições não tenham fins lucrativos e possuam as características do art. 3º, não terão direito ao certificado de qualificação especial. O que as exclui dos benefícios. Por outro lado, as Organizações Sociais também não se adéquam às instituições comunitárias. Resta claro que nenhuma das leis contempla as instituições comunitárias. Contudo, no início da primeira década do século XXI, emergindo os debates sobre a Reforma Universitária no país em 2004, as universidades comunitárias aproveitaram a oportunidade para retomar a lógica constitucional. Dessa forma, puderam 152 exigir a substituição do par público/privado pelo trio Interessante salientar o grande papel do Plano de Reforma do Aparelho do Estado de 1995. Disponível: <http://www.planalto.gov.br/publi_04/colecao/plandi.htm>. Acesso: 12 jan. 2011 153 SCHMIDT. Op. cit. p. 24 154 BRASIL. LEI 9790/99. Lei das Organizações da Sociedade Civil de Interesse público. Disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9790.htm>. Acesso: 10 jan. 2011 71 público/comunitário/privado. Neste viés, obtiveram resultados favoráveis, mesmo que parcialmente. O Projeto de Reforma Universitária – Projeto de Lei nº 7.200, de 2006 – apresentado pelo Poder Executivo, que atualmente se encontra no Congresso, refere em seu art. 8º155, as três categorias de universidades denominadas: públicas, comunitárias e privadas. Art. 8º As instituições de ensino superior classificam-se como: I - públicas, as instituições criadas, mantidas e administradas pelo Poder Público; II - comunitárias, as instituições cujas mantenedoras sejam constituídas sob a forma de fundações ou associações instituídas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, com ou sem orientação confessional ou filantrópica, e que inclua majoritária participação da comunidade e do Poder Público local ou regional em suas instâncias deliberativas; III - particulares, as instituições de direito privado mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos. Com preocupações de outra ordem, observa-se que há setores do Estado dispostos a repensar as fronteiras entre o público e o privado, vendo no comunitário um caminho intermediário a ser fortalecido. Esse é, por exemplo, o raciocínio de renomados juristas que formularam, sob solicitação do Ministério do Planejamento e Orçamento, uma proposta de repensar o papel do Estado frente as novas demandas sociais. 156. O atual modelo apresenta-se esgotado perante as demandas e necessidade sociais, tornando pouco ágil. Deste modo, até mesmo o Estado vem procurando repensar e reformular seu papel na sociedade como um todo. Num Seminário realizado no IPEA em março de 2010, uma das ideias apontadas foi: A necessidade de repensar a atuação das instituições públicas, porém não estatais levou o Ipea a sugerir o debate, que apesar de ter origens antigas, 155 BRASIL. Projeto de Lei nº 7200, de 12 de junho de 2006. Estabelece normas gerais da educação superior, regula a educação superior no sistema federal de ensino e dá providências. Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/402692.pdf. Acesso em: 15 de jan de 2011, p. 3-4. 156 A comissão de juristas foi constituída por: Almiro do Couto e Silva, Carlos Ari Sundfeld, Floriano de Azevedo Marques Neto, Paulo Eduardo Garrido Modesto, Maria Coeli Simões Pires, Sergio de Andréa e Maria Sylvia di Pietro. Disponível: <http://www.planejamento.gov.br/ secretarias/upload/Arquivos/seges/comissao_jur/arquivos/090729_seges_Arq_leiOrganica.pdf.>. Acesso 12 dez. 2010, p. 01. 72 ganhou atualidade com o recrudescimento da última crise econômica global, 157 e as medidas adotadas para reduzir seu impacto sobre a economia real. As universidades comunitárias iniciaram, a partir de 2008, uma mobilização em favor de um Marco Legal específico. Sob iniciativa do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (COMUNG) e da Associação Catarinense de Fundações Educacionais (ACAFE), optaram por formular uma proposta de projeto de lei cujo núcleo é o reconhecimento das universidades comunitárias como instituições públicas não estatais. Em 2009, a Associação Brasileira das Universidades Comunitárias (ABRUC) assumiu a proposta do projeto de lei, juntamente com a Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC) e a Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas (ABIEE). Todas as entidades representativas estão unificadas em torno do Projeto de Lei 7639/2010, protocolado na Câmara dos Deputados em 13 de julho de 2007. A proposta das entidades foi assumida pelo Frente Parlamentar em Apoio às Universidades Comunitárias, e teve como primeira signatária a deputada Maria do Rosario (PT/RS). Afirma Schmidt que o PL 7639/2010 representa um salto qualitativo, em termos de poder de pressão, uma vez que de forma inédita, às comunitárias unificam seu discurso e sua ação em prol de um marco legal pelo qual o Estado e a sociedade brasileira passem a reconhecê-las como instituições com características distintas das privadas, 158 ou seja, como públicas não estatais. As entidades esperam a aprovação do PL 7639/2010, pelo apoio recebido no Ministério da Educação e nas bancadas de todos os partidos do Congresso, sob o entendimento de que sua aprovação auxiliará na concretização dos valores do ensino comunitário, compatibilizando-o com o ideal de um modelo diferenciado daquele mantido por instituições privadas de ensino que possuem caráter econômico. 157 COSTA, Gilberto. O público não-estatal: o debate continua. in: Revista Desafios do Desenvolvimento. Brasília. 59ª edição fevereiro/março, 2010, p. 60. Disponível: <http://desafios2. ipea.gov.br/003/00301009.jsp?ttCD_CHAVE=14118>. Acesso: 02 dez 2010 158 SCHMIDT.Op. cit., p. 25. 73 2.5 Cooperação entre universidades comunitárias e Estado A sociedade clama por mais educação e por educação de boa qualidade. O Estado necessita de toda a ajuda possível para prover oportunidades educacionais a todos seus cidadãos. Vilmar Tomé, presidente da Associação Brasileira das Universidades Comunitárias (ABRUC), em Seminário no IPEA em 2010, anunciou: [...] que a entidade articulou a criação de uma frente parlamentar em favor das universidades comunitárias, e que essa deverá propor um projeto de lei que regulamente o funcionamento das instituições de ensino superior comunitárias. Em sua opinião, estas instituições podem ser úteis para 159 ampliar o acesso ao ensino superior. Se todas as universidades comunitárias puderem contribuir sendo elas confessionais ou não, o Estado poderá também aumentar seus índices de estudantes no Ensino Superior. Impulsionar o modelo comunitário de educação é uma ação que se inclui na lógica da terceira via, que busca superar os extremos do estatismo e do privatismo. Para Amitai Etzioni, “la Tercera Via es el camino que nos guía hacia la buena sociedad.”160. Giddens aponta a terceira via como um momento de repensar a condição de ser humano e social, do homem, modificando-se comportamentos161 e quebrando as dualidades de pares opostos, que domina a lógica ocidental162. O Estado, argumenta, teria muitas vantagens se fundisse instituições públicas e privadas, para formar uma sociedade mais igualitária. Etzioni enfatiza que as escolas são o lugar de formação do caráter humano, e que a experiência de ajudar as outras pessoas é essencial para a formação de uma boa sociedade e para a formação dos indivíduos que exercitam aquela prática. Essa é uma razão a mais em favor do estímulo às instituições comunitárias, que têm dado mostras de levar a sério a missão de ensinar agregando valores como ética e dignidade. 159 COSTA, Gilberto. O público não-estatal: o debate continua. In: Revista Desafios do Desenvolvimento. Brasília. 59ª edição fevereiro/março, 2010, p. 59. Disponível: <http://desafios2. ipea.gov.br/003/00301009.jsp?ttCD_CHAVE=14118>. Acesso: 02 nov 2010. 160 ETZIONI, Amitai. Op. cit., 2001, p. 26. 161 GIDDENS, Anthony. A Terceira Via. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. 162 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Sociologia das Ausências e das Emergências. In: Revista crítica das ciências sociais, nº 63. Outubro de 2002. 74 Estes valores na atual sociedade acabam sendo confrontados pela competitividade e egoísmo. Competitividade e egoísmo que são prejudiciais à socialização e que acabam gerando atritos e distanciamento dos atores sociais – deriva163 –, como bem observa Sennet164. Etizioni combate a forma atual de ensino, que tem sido imposta aos indivíduos, revelando que “[...] Una buena sociedad necesita buenas personas; no puede permitir que la formación del carácter quede postergada por los docentes”165, neste sentido a observação de Etzioni centra-se no fato de que as instituições tem o dever ensinar lições de ética e civismo, sob pena de a sociedade criar pessoas mais técnicas e menos humanas. Esclarece ainda, que: Servicios comunitarios, tareas de tutoria y otros modos de ir asumiendo responsabilidades, de desempeñar papeles y de participar en instituciones semejantes al gobierno son mucho mejor vía de educación cívica que las 166 disertaciones formales y abstractas sobre el gobierno democrático. Fica clara a inclinação do autor, na defesa de um Estado mais sensível às questões comunitárias. Aliás, em determinado ponto de sua obra é dito que os indivíduos que se abstêm de viver em comunidades no sentido “lato” da palavra estão propensas a viverem doentes, pela deriva. A educação segue o caminho da terceira via e, ao Estado, cabe aceitar essa nova realidade em todos os âmbitos, para a construção da sociedade justa. 163 A palavra deriva, neste contexto, refere-se ao ”sem rumo próprio”, ou seja, elementos como a competitividade desenfreada e o egoísmo atuam como corrosivos no tecido comunitário/social, dissolvendo os laços e deixando o entes sociais a deriva. 164 SENNET, Richard. A Corrosão do Caráter. 12 ed. Rio de Janeiro: Record, 2007. 165 ETZIONI. Op. cit., p. 72 166 Id., Ibid., p. 72 3 OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVO E OS ENTES PÚBLICOS NÃO ESTATAIS: as Instituições Comunitárias de Educação Superior face aos princípios da Administração Pública O presente capítulo apresenta uma releitura dos princípios gerais de Direito Administrativo e a possível aplicação destes às Instituições Comunitárias de Educação Superior. O estudo aborda inicialmente a dicotomia público-privada, partindo-se para a verificação quanto à existência de novas formas de entes sociais, considerando-se o Terceiro Setor e, mais especificamente, as Instituições Comunitárias de Ensino Superior de caráter público não estatal. As limitações e insuficiências da dicotomia público x privado levam à releitura dos princípios gerais de Direito Administrativo, elencados no artigo 37 da Constituição Federal de 1988. 3.1 A dicotomia público-privado e as novas fronteiras do setor público na “republicização” do Estado; As relações sociais são objetos de intensas transformações desde a Idade Moderna até os dias atuais. Tais transformações influenciam diretamente na construção do fenômeno social chamado direito e da sua remodelagem, bem como dos seus desdobramentos e institutos. Como já foi citado no primeiro capítulo deste trabalho, até o final do século XX, as relações entre sociedade e Estado, pelo menos no campo teórico, eram tratadas pela já defasada dicotomia direito público x direito privado. Segundo Tércio Sampaio Ferraz Junior, a dicotomia entre as duas áreas trata-se de uma das grandes dicotomias do direito e é caracterizada pela criação de pontos de orientação e organização coerente de matéria para uma melhor compreensão do fenômeno jurídico167. Tradicionalmente o direito privado e o direito público se consagraram como áreas bem definidas e intangíveis pelas suas fronteiras. No entanto, o autor antes 167 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 4ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 132. 76 citado ressalva a existência de pontos de contato e troca de informações entre o direito público e o privado168. A dicotomia entre direito público e privado remota aos primórdios do direito romano. A Grande máxima do Digesto de Ulpiano sacramenta que “o direito público diz respeito ao estado da coisa romana, à polis ou civitas, o privado à utilidade dos particulares”. Hannah Arendt demonstra que a separação entre o direito público e direito privado se deu de forma peculiar na Antiguidade169. As duas esferas do direito se posicionavam em torno do cidadão. O direito privado na antiguidade romana se mostrou como uma construção relacionada com o cidadão e sua possibilidade/capacidade de trabalhar. Certo é que o ser humano sempre possuiu determinadas necessidades inerentes a sua condição, o que passa a refletir na sua forma de vida, relacionada diretamente ao trabalho. O trabalho se dava justamente pela necessidade de construção/constituição de bens necessários a economia da família e da casa do cidadão. Esses elementos que irremediavelmente se relacionavam com o cidadão tais como, trabalho, bens, família, residência, entre outros, constituía a seara do direito privado, a esfera particular do cidadão170. Tais elementos se voltam para a esfera particular e a palavra “privado” ganha o sentido “daquilo que é próprio”. Um âmbito no qual o homem é escravo da sua própria necessidade. Para alguns homens havia o privilégio de se libertar das necessidades através da atividade entre seus iguais, quais sejam, os cidadãos. Os cidadãos exerciam as suas atividades através da polis, da cidade. Na cidade o homem se encontrava com os iguais e manifestava a sua atividade, que naquele meio se traduzia na ação. 168 A pertinência em tratar da dicotomia entre direito público e privado é justamente a necessidade de estabelecer um ponto de estudo da dicotomia, que na visão moderna da doutrina vem perdendo, cada vez mais, o sentido da sua existência. GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos. Coimbra: Almedina, 2005. p.227. 169 Hannah Arendt infere que a dicotomia entre o direito público e o privado era concebida pela diferenciação entre o labor e a ação. A esfera privada compreendia as necessidades do homem na sua condição animal, ou seja, alimentar, vestir, descansar, procriar, etc. Estas necessidades exigem que o homem execute uma determinada atividade para que sejam supridas, esta atividade é o labor. A esfera pública, ao inverso, constituía a possibilidade de alguns homens – dotados da condição de cidadãos – participarem das atividades em meio a polis, ou seja, a cidade. ARENDT, Hannah. A condição humana. São Paulo: Forense, 1981, p. 31. 170 MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Op. Cit., p. 115. 77 A ação era somente possível aos cidadãos, por isso, tal condição dignificava o homem conferindo-lhe liberdade entre os iguais. É assim que se cria a ideia de ação política, que é fonte das normas do direito. Assim pode-se entender que o direito privado, no caso romano, é o ramo que se relaciona com à utilidade das pessoas e dos sujeitos, e o direito público romano é o ramo que se detém as coisas do Estado. Carlos Roberto Gonçalves, utilizando-se das palavras de Ulpiano, destaca: Pelo critério adotado, da utilidade ou do interesse visado pela norma, o direito público era o direito do Estado romano, o que dizia respeito aos negócios de interesse deste. O direito privado, por sua vez, era o que 171 disciplinava os interesses particulares, dos cidadãos . Durante a Idade Média houve um enfraquecimento do pensamento de Ulpiano. São Tomás de Aquino contribui com este efeito, transformando a expressão aristotélica de animal político em animal social. A troca do político pelo social determina o enfraquecimento da dicotomia público-privada, pois o “social” cabe tanto para uma como para outra esfera. A Idade Moderna, por sua vez, é marcada pela diferenciação entre as esferas do social e do individual. Essa dicotomia apresentada pela Idade Moderna inflige, gradativamente, a perda sobre o sentido da ação, que cada vez mais se confunde com o trabalho – o trabalho enobrece o homem -, ocorrendo um fortalecimento da dicotomia público-privada. O homem, cada vez mais burguês, deixa de atuar politicamente para poder atuar de uma forma que o leve a adquirir bens, serviços e patrimônio. Este movimento social na Idade Moderna acaba por determinar um enfraquecimento da esfera pública em detrimento da esfera privada. Assim, após a Revolução Industrial observa-se a valorização do direito privado, alicerçado na produção industrial e formação da classe burguesa. Conjuntamente com o surgimento da classe burguesa, houve a necessidade do homem burguês delegar a condução da sociedade. Na antiguidade o cidadão mantinha-se a frente dos assuntos da polis, no entanto a mudança de paradigma na Idade Moderna tornou necessária a criação de um novo corpo social para gerir e conduzir a sociedade. 171 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 8. 78 O Estado torna-se então o grande gestor do corpo social em seu entorno. Juridicamente, o Estado atua como um organismo burocrático, abstrato, que guarda uma relação de comando com os indivíduos através da soberania172. A soberania do Estado sobre os seus cidadãos toma a forma do poder estatal, o poder do Estado sobre os indivíduos, o poder de regular as condutas e exigi-las. A diferenciação entre o poder soberano e sua esfera e o poder dos indivíduos marca a diferenciação entre as esferas públicas e privadas e, consequentemente, da dicotomia entre direito público e privado. O direito privado, na modernidade, começa a identificar-se com a ideia burguesa de riqueza e de propriedade, fato que, aliado à falta de nitidez da distinção entre a esfera pública e privada, cria a necessidade de maior proteção dos direitos individuais, direitos clássicos da modernidade burguesa, destinados à proteção do cidadão contra os abusos do Estado. A distinção, portanto, entre direito público e privado, no entender de Tércio Sampaio Ferraz Junior, se dá com a oposição entre os interesses do Estado (administração e tributos) e os interesses dos indivíduos (relações da vida civil e comerciais, baseadas na riqueza). Na concepção do direito, a distinção entre os dois principais ramos – direito público e privado – não é apenas resultado de uma formação histórica. Do contrário, a ordenação de critérios de distinção dos tipos normativos permite a sua sistematização, isto é, o estabelecimento de princípios teóricos básicos que operam as normas de cada grupo. Dentre as principais formas de classificação da dicotomia entre direito privado e público, no entanto, entre as principais estão a “teoria do sujeito”, “teoria do interesse” e a “teoria da relação de dominação”. A teoria que toma por classificação o sujeito, procura dispor as normas em públicas e privadas conforme tenham por destinatários o Estado ou os indivíduos, relacionando assim o direito público e privado. Entretanto, Carlos Roberto Gonçalves expõe que: O fator subjetivo, entretanto, também é insatisfatório para fundamentar a distinção. Basta lembrar que o Estado coloca-se muitas vezes no mesmo plano dos particulares, submetendo-se às normas de direito privado. Não perde a natureza de norma de direito privado a que rege um negócio 172 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Op. cit., p. 135. 79 jurídico celebrado entre o Estado e o particular (a venda de bens dominicais, p. ex.) que com ele contratou, nem deixa de ser de ordem pública determinado preceito somente por disciplinar uma relação jurídica 173 entre pessoas naturais . Desse modo, a classificação do público e do privado através da destinação das normas aos sujeitos não é totalmente eficiente, uma vez que nem sempre o Estado é totalmente envolto por normas públicas, podendo prescindir de normas privadas para contratar, estabelecer empreendimentos, etc, bem como os indivíduos não são guiados apenas por normas de direito privado. A teoria do interesse compreende a classificação das normas pelo interesse que esta carrega, ou seja, contrapõe a defesa do interesse do Estado ao do indivíduo. O interesse do Estado seria aquele que busca o bem comum da sociedade, contraposto aos anseios e egoísmos individuais. Para Tércio Sampaio Ferraz Jr., essa teoria também não demonstra a correta separação com a devida propriedade. Essa noção, porém, perde nitidez em face de certos interesses particulares e não obstante sociais, como é o caso da proteção dos direitos trabalhistas. De qualquer modo, o que estas teorias acentuam é a diferença buscada pela Era Moderna entre o social privado e o social público, o âmbito da propriedade e da riqueza privada e o âmbito da propriedade e riqueza 174 comuns . Observa-se que, não é plenamente possível dissociar o interesse público do privado, como se estes fossem totalmente antagônicos. O ordenamento não atinge apenas o Estado ou apenas um indivíduo, mas do contrário, atinge toda a coletividade englobando todos os indivíduos, sejam privados ou públicos. A teoria mais acertada para demonstrar a relação entre direito privado e público é a relação de dominação ou ius imperium do Estado, ou seja, para esta teoria o direito público regula as relações do Estado e das demais entidades com poder de autoridade. O direito privado, nesta senda, seriam as normas que disciplinam as relações civis, comerciais, trabalhistas, consumeiristas, ou seja, de particulares entre si. Para Tércio Sampaio Ferraz Jr., 173 174 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 9. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Op. Cit., 2003, p. 138. 80 [...] nas relações do direito público o jus imperii do Estado, que se põe superiormente aos entes privados. Estes, ao contrário, guardam relações de paridade, um não pode imperar sobre o outro. Assim, nas relações sociais ressalta-se o monopólio da força pelo Estado e, em conseqüência, a concentração e centralização do poder de impor condutas. Também aqui vemos presente um topos relevante da Era Moderna, a concepção do poder como relação de comando e a unidade do Poder Público com base na 175 noção de soberania . Ainda que se busque uma diferenciação entre direito público e privado, não há, historicamente, uma concepção que defina com rigor as noções de direito postas à sociedade. Ou seja, direito público e privado se entrelaçam dificultando a existência de atos puramente de natureza privada ou de natureza pública. Não é objetivo do presente trabalho esgotar as possibilidades da dicotomia direito público-privado, mas tão somente servir-se dos aspectos necessários à discussão do público não estatal como elemento atuante na republicização do Estado. Os civilistas do final do século passado e deste início de século vêm se ocupando do estudo da publicização do direito privado176, existindo desde o pós II Grande Guerra um forte apelo pela desconstrução das fronteiras entre o público e o privado. Pela ótica do direito privado pode-se observar que houve uma alteração ainda maior nos fracos limites entre direito público e privado. Há, sem dúvida alguma, uma forte influência da Constituição sobre as demais normas. O Código Civil deixa de ser a espinha dorsal do ordenamento jurídico privado, dando lugar à Constituição, que abandona o mero status de carta política para ser a norma fundamental que guiará o restante do sistema. O avanço não se dá apenas do direito público para o direito privado, mas também pela via inversa. Do campo do direito privado partem organizações jurídicas da sociedade civil, consideradas apenas de direito privado, para a conquista de espaço e reconhecimento sobre o seu caráter público. Dalmo de Abreu Dallari já anunciava sobre a possibilidade de haver uma grande inter-relação entre direito público e privado. Para o autor, 175 Ibidem, p. 158. FACHIN, Edson Luiz. O direito civil contemporâneo, a norma constitucional e a defesa do pacto emancipador; In: CONRADO, Marcelo (coord.). Direito Privado e Constituição. Curitiba: Juruá, 2009, p. 20. 176 81 [...] as atividades públicas e privadas se interpenetram de tal maneira que o Estado, frequentemente, utiliza técnicas jurídicas anteriormente exclusivas do Direito Privado, enquanto os particulares, por seu lado, agem, cada vez com maior frequência, segundo as regras tradicionalmente consideradas 177 como de Direito Público . As palavras do autor citado refletem exatamente a realidade das relações sociais atuais. O Estado, desde quando assumiu tarefas de cunho social, passou a atuar fortemente na iniciativa privada, constituindo empresas e financiando a iniciativa privada. Para Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, quando o Estado passou a atuar na economia, preocupando-se com o bem estar social e assumindo novas funções ligadas a melhoria na qualidade de vida dos indivíduos, conhecido pela concepção do welfare state, houve uma forte mudança estrutural na dicotomia público-privado. Para o autor, o Estado desviou-se a simples tarefa de preservar a ordem, a segurança e a paz para se ocupar, também, de outros compromissos, quais sejam, o progresso, o bem-estar social e a prestação de serviços essenciais aos administrados. O Estado deixou de ser simplesmente o legislador e juiz para ser também o indutor de políticas e ações econômicas e sociais178. Ademais, a ideia de poder que era ostentada pelo Estado até a II Grande Guerra não mais prossegue nos dias atuais, pois a soberania do Estado nacional foi enfraquecida pela transnacionalização das economias e dos mercados. O exposto segue na mesma posição assumida por Habermas, que entende ser a dicotomia público-privada a mais abalada pela inter-relação entre os ramos do direito. Habermas, neste aspecto, disserta sobre os efeitos da “privatização do Direito Público” e a “publicização do Direito Privado”179. Nessa seara estão os entes tratados anteriormente neste trabalho como públicos não estatais. Entes que aparentemente não poderiam fazer parte do setor público, uma vez que se formam da sociedade civil - regulada pelo direito privado na concepção clássica do Estado -, mas passam a buscar um novo espaço e uma nova forma de relacionamento com os entes públicos e privados180. 177 DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do Estado. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 64 MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Op. Cit., p. 134. 179 HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural na Esfera Pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 180. 180 MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Op. Cit., p. 135. 178 82 Azevedo Marques181 entende que, Os processos de fragmentação social implodem de vez a possibilidade de preservação conceituai ou política da dicotomia público/ privado. Em grande medida, o processo de emergência de grupos de interesse, associações ou organizações não-governamentais implica a atribuição de um status público a estas instituições. Tal caráter reflete-se não só na obtenção de benefícios (tributários, sociais, eventualmente de acesso preferencial a bem público), mas também traduz a assunção de prerrogativas e de ascendência sobre um determinado agrupamento social, cujos integrantes (indivíduos) passam a ter com a instituição uma referência mais forte que com o próprio Estado. Onde o Estado deixa de atuar, desenvolve-se grupos e formas de atuação que possuem uma projeção e aceitação tão grande quanto àquela do próprio Estado. São verdadeiros organismos públicos, desligados da atuação estatal, mas voltados para o fornecimento de serviços necessários à sociedade. Diante da falência da dicotomia entre direito público e privado, torna-se necessária a concepção de novos parâmetros ou limitações para a atuação do Estado. A inexistência de critérios claros sobre o que é público e o que é privado, permite que seja traçado uma diferenciação entre o público e o estatal. A construção desses novos parâmetros passa pela atual estruturação do conceito público e suas novas fronteiras para além do setor estatal. A origem do setor público se identificou com o Estado, justamente pela razão da existência do corpo estatal, ou seja, pelo bem comum. No entanto, com a crise na dicotomia público-privado, passa a diferenciar-se o público do estatal. O Estado procurou, pelo menos nas últimas duas décadas do século XX, reduzir o seu espectro de atuação, convolando uma revolução para reformar a máquina estatal. Esta nova formatação, além da redução do corpo estatal, visava também a (re)condução da sociedade civil para o palco da deliberação e do debate político. A retomada do debate pela sociedade civil serve ao processo de desligamento do setor público do setor estatal. Maria João Estorninho analisa a questão da privatização e a retomada do debate com a sociedade civil. Para o autor, [...] o movimento de “privatização” da Administração Pública agrava-se devido à própria crise do Estado-Providência e a Administração Pública, qual náufrago que procura agarrar-se à tábua de salvação, tenta hoje 181 MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Op. Cit., p. 135/136. 83 desesperadamente reencontrar eficiência, nomeadamente através de 182 fenômenos de privatização e de revalorização da vida civil . Não se pretende no presente trabalho, defender os processos de privatização ocorridos na última década do século XX. No entanto, o processo de desconstrução do welfare state auxiliou na recondução da sociedade civil para o palco dos eventos decisórios da condução do Estado. Mas tão somente o desmanche do Estado de bem estar social não se mostrou suficiente, como já visto no primeiro capítulo do presente trabalho, para estabelecer um compromisso do setor público e privado para com o interesse público. A crise da dicotomia público-privado também é um reflexo da ineficiência do neo-liberalismo que se formou no final do século passado. De certa forma, ainda que o Estado tenha reduzido seu espectro de atuação, a sociedade civil ainda não se mostrava preparada para atuar nesta nova arena política. Inicialmente o Estado de bem estar supria – ou procurava suprir – a sociedade de suas necessidades de infra-estrutura, ensino, saúde, previdência, assistência social, etc., sendo desnecessária uma atuação forte da sociedade civil organizada. As manifestações da sociedade civil estavam representadas, em grande parte, por sindicatos e agremiações, dentre outros. Eram poucas as manifestações da sociedade civil organizadas para o atendimento de necessidades dos indivíduos ou pela luta por direitos e pelo espaço no campo político. Com o surgimento do neo-liberalismo do final do século XX, houve uma drástica guinada na condução do Estado, que começa a se retirar do campo da prestação de serviços à sociedade, principalmente com a venda de suas empresas estatais e o enxugamento da máquina estatal. O encaminhamento do Estado para uma reforma neo-liberal determinou a necessidade de uma forte atuação da sociedade civil183. O enxugamento do aparelho estatal vai buscar na sociedade civil organizada o apoio para manter determinados serviços a sociedade. Este apoio vai se mostrar através de todos os atores presente no terceiro setor (ONGs, OSCIPs, etc.) 182 183 ESTORNINHO, João Maria. Fuga para o Direito Privado. Coimbra, Almedina, 1986, p. 354. MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Op. Cit., p. 143. 84 Dentro desse processo de ampliação da participação de grupos sociais na condução de políticas públicas e sociais, auxiliado pela crise da dicotomia públicoprivada, houve também o alargamento do conceito de “setor público” que passa a ser muito mais amplo que o conceito concebido junto ao Estado. Para Odete Medauar, parafraseando Luiza Torchia, “a atenção se desloca dos critérios de diferenciação entre público e privado para os critérios de coexistência e de imbricação entre ambos184” Assim o interesse público vai se mostrar como um norte a ser seguido pelos teóricos no estudo do novo sentido do público. Isso porque, até então o Estado era o norte a ser seguido como estabelecimento do interesse público. A função administrativa exercida pelo Estado, hipoteticamente voltada para o bem geral da sociedade, necessitava de uma fundamentação, de um instrumento que lhe desse poder, mas ao mesmo tempo opusesse limites ao poder do Estado185. Essa foi a expressão do interesse público durante a concepção do Estado nacional, perdurando até o fim do welfare state. Com a superação da ideia do Estado como monopólio do interesse público, passa-se ao estudo deste fenômeno social como um norteador da própria sociedade e das suas instituições, que agora também possuem o caráter público. Para Torne Jiménez, Já não é o Estado que assume o controle e perfil do que se deva entender por interesse público, mas é a mesma sociedade, o conglomerado de associações e organizações, que indicam ao estado a política a desenvolver 186 e estabelecem ordem de prioridades . Os novos limites do termo “público” estão diretamente relacionados ao movimento de republicização do Estado ocorrido através da devolução de parte do interesse público à sociedade. A formação de novos atores sociais, destacados do setor privado e do setor público estatal permite uma oxigenação do próprio setor público, com a consequente 184 TORCHIA, Luiza. La scienza del diritto amministrativo. Riv. trim. de diritto publico. Vol. 4, 2001, p. 1122; apud: MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 116. 185 MEDAUAR, Odete. Op. Cit., 2003, p. 185-186. 186 JIMÉNEZ, Torne. De La democracia e la participación: remodelación de instituciones administrativas. Administración e Constitución (Estudios en homenaje al Profesor Mesa Moles). Madrid, 1979, p. 580; apud: MEDAUAR, Odete. Op. cit., 2003, p. 191. 85 ampliação do seu conceito funcional. Até então público era apenas o estatal e apenas o estatal – o Estado – atendia ao interesse público. Floriano Peixoto de Azevedo Marques afirma que, [...] diante do colapso da noção singular e monolítica de interesse público, a função de composição e conciliação entre os diversos interesses caberá sempre a esfera pública. Porém, as instituições, os órgãos e os instrumentos disponíveis a esta esfera pública redelineada são bastante diversos daqueles tradicionalmente disponíveis no âmbito do Estado 187 tradicional . A republicização do Estado demanda a divisão do interesse público do próprio Estado para com os demais atores da sociedade civil. O Estado não possui mais o monopólio do setor público, tampouco do interesse público. Para Azevedo Marques Neto188, O contexto de um Estado republicizado impõe novos desafios aos remos do Direito atinentes à atividade administrativa – desafios, estes, no âmbito dos quais é imperioso ter clara a mudança na noção de interesse público (grifo original). É posta uma nova ordem quanto à regência do poder e do interesse público. O Estado, em função da sua busca pela republicização e pela crise na dicotomia público-privada, não é mais o único condutor do setor público, dividindo esta tarefa com os atores da sociedade civil. Com a nova dimensão dada para ao setor público, com a atuação de atores da sociedade civil organizada, também expande o espectro de normatividade do ramo do direito que rege os atos e as decisões estatais, qual seja o Direito Administrativo. Além do interesse público, o Estado também passa a compartilhar as normas que regem o cotidiano administrativo. Tal fenômeno pode ser explicado pela necessidade de zelo com os interesses públicos, para que estes não sejam suplantados pelos interesses privados. Neste sentido, Azevedo Marques Neto189 entende que, 187 MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Op. Cit., p. 165. Ibidem, p. 194. 189 Ibidem, p. 194. 188 86 Não se coloca mais para o Direito Administrativo apenas o desafio de regrar a atividade de molde a proteger o administrado dos abusos do Poder Público – função que lhe acometera o modelo liberal. Tampouco se restringe a seara administrativa ao temário da forma de implementar e operacionalizar as políticas públicas, as ações sociais, ou, mesmo, prestar serviços públicos [...] Assim as normas de direito administrativo passam a regular não somente as atividades próprias do Estado, seus contratos, atos e decisões, mas também estão aptas a regulares os mesmos atos e decisões dos atores sociais envolvidos na prestação de serviços públicos de interesse social ou entes participantes do chamado público não estatal. Feitas as devidas anotações sobre as novas dimensões do setor público e a sua relação com a republicização do Estado, faz-se necessário estabelecer a aplicação dos Princípios gerais de Direito Administrativo, trazidos pelo artigo 37 da Constituição Federal de 1988, aos entes públicos não estatais. Tal proposição será realizada no próximo tópico. 3.2 A aplicabilidade dos princípios do Direito Administrativo aos entes públicos não estatais – uma Administração pública de caráter não estatal Após o estudo sobre a desconstrução da dicotomia público-privada e os reflexos nas fronteiras do setor público e da republicização do Estado, faz-se necessária uma apresentação quanto aos princípios gerais de Direito Administrativo, colhendo as peculiaridades e a aplicação de cada um e a sua aplicação ao público não estatal. No presente tópico, busca-se estabelecer uma relação entre os princípios gerais do Direito Administrativo, expressos pelo art. 37, caput, da Constituição Federal, com as Instituições Comunitárias e demais entes públicos não estatais. Com a crise da dicotomia público-privado houve o consequente alargamento do sentido do público, principalmente pela consideração dos movimentos de interrelação entre os citados ramos do direito. O enfraquecimento desta fronteira permitiu a formação de cada vez mais pontos de inter-relação entre os institutos. Nesse contexto, a republicização do Estado contou com a concepção de novos atores sociais formados pela atuação e organização da sociedade civil, devidamente diferenciado dos clássicos atores estatais burocratizados. A condição 87 destes novos atores sociais é a tônica da discussão sobre a formação do público não estatal. Essas novas entidades, surgidas da organização da sociedade civil, procuram, agora, novas formas de se relacionar com o Estado e com o setor privado – representado pelo setor econômico. O terceiro setor, em especial o setor público não estatal, através das Instituições Comunitárias de Ensino Superior, vem buscando espaço e reconhecimento da característica de ente “público”. Como se viu anteriormente, a natureza das Instituições Comunitárias, seja de ensino, saúde, cultura, etc., não se confundem com as sociedades ou associações civis, simplesmente voltadas ao interesse interno e limitadas aos seus participantes ou associados. Do contrário, as Instituições Comunitárias se formam pela força da sociedade e pela busca de melhorias para todos os integrantes de uma determinada comunidade. A capacidade de disponibilizar o acesso ao ensino, serviços, saúde, etc,, a preços mais próximos da realidade social é um dos diferenciais das Universidades Comunitárias. A forma de manuseio e aplicação dos recursos adquiridos pelo órgão comunitário é, também, fato que interessa à comunidade, assim como a condução do Estado e dos recursos aplicado por este190. O interesse público também demanda a atenção do gestor das Instituições Comunitárias, haja vista a sua formação. Para Nuria Cunill Grau191, [...] o desenvolvimento da sociedade moderna não só está marcado pela separação entre Estado e a sociedade e, com isto, entre as esferas pública e privada. O que é fundamental é que esta separação não é definitiva, à medida que é no âmbito privado-mercantil que a coisa pública encontra originalmente sua verdadeira expressão. A administração de bens públicos, a tomada de atos e decisões que se referem ao interesse público não é mais uma prerrogativa somente estatal, mas também passa a ser uma atividade dos organismos da sociedade civil. 190 DIAS, Maria Tereza Fonseca. Op. cit. p. 246. CUNILL GRAU, Nuria. Repensando o público através da sociedade: as novas formas de gestão pública e representação social. Tradução Carolina Andrade. Rio de Janeiro: Revan; Brasília, DF: ENAP, 1998, p. 25. 191 88 A autora acima citada entende que a esfera pública não pode estar adstrita apenas a esfera estatal, pois ocasionaria o recorte daquela com a limitação da autonomia e liberdade da sociedade. Para a autora, a esfera pública192, [...] se estende também à sociedade, segundo a orientação impressa historicamente, basicamente circunscrita ao tráfico mercantil. O desafio, portanto, é sua democratização, assumindo que a esfera pública abrange, centralmente, a própria sociedade e reconhecendo, ao mesmo tempo, sua pluralidade e seu papel-chave, inclusive na própria transformação do Estado. Nesse sentido, a questão central, que deve ser destacada, aponta para a rearticulação das relações entre o Estado e a sociedade, no quadro de sua recuperação como esferas simultaneamente públicas e políticas. Com a sociedade civil como legitimada para a administração dos interesses públicos, esta administração passa a ser dividida em estatal e não-estatal. Não está se defendendo uma reconstrução da administração pública, mas o reconhecimento de uma estrutura já existente nas Instituições Comunitárias de Ensino Superior. No segundo capítulo deste trabalho foi explorada a formação das Instituições Comunitárias como embasamento para a construção do público não estatal. No entanto, a formação por si só não possui força suficiente para a caracterização do público sob um aspecto legal. A questão a ser respondida na construção e consolidação das Instituições Comunitárias de Ensino Superior é a necessidade do respeito a critérios firmes e devidamente alinhados com a trajetória destas Instituições193. A possibilidade de respeito a determinados princípios de direito, como foi apontado no primeiro capítulo do trabalho, não demonstra a real necessidade do cumprimento destes princípios pelas Comunitárias. No entanto, os princípios gerais do Direito Administrativo apresentam-se como critérios firmes e viáveis para a consolidação do discurso das Comunitárias em fortalecer o público não estatal. Instituições surgidas da organização da sociedade civil propondo-se a obedecerem aos mesmos critérios aplicados à Administração Pública estatal, traduzse em uma forma viável de proteção do patrimônio público comunitário e fortalece a posição adotada como “público não estatal”. Os princípios gerais de Direito Administrativo ou como chamado anteriormente, “princípios gerais da Administração Pública”, é um grupo de 192 193 Ibidem, p. 44 DIAS, Maria Tereza Fonseca. Op. cit. p. 253. 89 enunciados de caráter geral e vinculante na interpretação das normas jurídicas com eles relacionadas, expressos pelo artigo 37 da Constituição Federal de 1988. Para Rizzatto Nunes, o princípio jurídico representa, [...] um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de proeminência nos horizontes do sistema jurídico e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam. [...] Percebe-se, assim, que os princípios exercem função importantíssima dentro do ordenamento jurídico-positivo, uma vez que orientam, condicionam e iluminam a interpretação das normas jurídicas em geral. Os princípios, por sua qualidade normativa especial, dão coesão ao sistema jurídico, 194 exercendo excepcional fato aglutinante . Os princípios representam, sob este aspecto, todo um argumento jurídico de representação do ordenamento e não apenas uma lei. Em determinada circunstância, a violação de um princípio não fere somente a lei, mas todo o ordenamento jurídico a ele submetido. O Direito Administrativo possui alguns princípios que se sobressaem na condução da “coisa pública” e desta forma demandaram uma atenção maior do legislador195 constituinte. É por este motivo que a Constituição Federal previu em seu artigo 37, caput, que a Administração Pública196 tem o dever de respeito a quatro princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. O referido artigo foi modificado pela Emenda Constitucional 19, de 04 de junho de 1998, tendo sido introduzido o princípio da eficiência. Os princípios da forma como estão dispostos na norma constitucional, representam regras de observância permanente e obrigatória nas três esferas da Administração pública estatal, independente da autonomia de cada uma. 194 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. O Principio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Ed. Saraiva, 2002, p. 37. 195 BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito Administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 56. 196 A doutrina sobre direito administrativo não se atém a aplicação dos princípios gerais do artigo 37 da Constituição Federal a pessoas jurídicas que não àquelas ligadas à Administração Pública estatal. Alguns teóricos vêm assumindo uma posição defensiva na aplicação dos princípios administrativos aos entes do Terceiro Setor. Gustavo Justino de Oliveira entende que as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP’s não podem ser obrigadas a cumprir com os princípios de Direito Administrativo, conforme o posicionamento que vem sendo adotado pela legislação e jurisprudência. No entanto, o autor não faz uma análise de toda a diversidade do Terceiro Setor, mas tão somente no que tange as OSCIP’s. Do mesmo modo, a aplicação dos princípios administrativos às ICES somente prima pelo fortalecimento do discurso comunitário, originado por uma administração pública não estatal. (OSCIPS e licitação: ilegalidade do decreto nº 5.504 de 05.08.05. Revista eletrônica sobre a reforma do Estado. Salvador, nº 12, p. 2-40, dez/jan/fev 2008. p. 4-5). 90 O princípio da Legalidade representa uma das principais garantias do indivíduo em face da Administração pública, pois a lei além de definir o direito a ser aplicado, estabelece os limites para a aplicação daquele direito pelo gestor público, seja estatal ou não estatal. Segundo Reinaldo Moreira Bruno197, a história mostra uma perene preocupação da sociedade em limitar o exercício de poderes do soberano, como forma de assegurar o respeito aos direitos individuais do cidadão, bem como ao direito de toda a coletividade envolvida pela decisão/ato do administrador. Assim, a Administração pública, ao contrário do particular, quando atua em nome de toda a coletividade ou de uma comunidade deve observar a existência de texto legal permitindo a ação. Hely Lopes Meireles198 ressalva que a Administração pública possui sempre o dever de atuar conforme as determinações legais, mesmo quando contrata como privado, não podendo utilizar-se da prerrogativa de fazer tudo que a lei não proíbe, dentro dos limites do artigo 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. A proposição dos referidos limites à Administração pública cuida de impedir a criação de direitos, obrigações ou vedações aos administrados por simples atos administrativos. As intenções da Administração devem, portanto, respeitar o disposto pelo legislador que é a expressa representação do administrado, assim como pelo Judiciário, quando necessário. Para Habermas199, O princípio da legalidade da administração esclarece o sentido nuclear da divisão dos poderes. Superando uma diferenciação funcional, que se explica a partir da lógica da argumentação que introduz uma diferença entre fundamentação de normas e aplicação de normas, a diferenciação institucional que se expressa na constituição de poderes separados tem por finalidade amarrar a aplicação do poder administrativo ao direito normatizado democraticamente, de tal modo que o poder administrativo só se regenera a partir do poder comunicativo produzido conjuntamente pelos cidadãos. Desse modo pode-se observar que efetivamente a concepção do princípio da Legalidade a ser aplicado à Administração pública, estatal ou não estatal, está 197 Ibidem, p. 58. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 86. 199 HABERMAS, Jürgen. Op. cit., v. I. 2003, p. 216. 198 91 diretamente ligado ao interesse público e coletivo. Há uma necessidade de proteção do patrimônio público comunitário, inclusive quanto ao desvio dos próprios gestores ou qualquer forma de agressão ao bem público comunitário, que assim como na esfera estatal200. O interesse público e o benefício da coletividade são os nortes da atuação do administrador, mas estes dois aspectos somente podem ser respeitados em decorrência do respeito à legislação administrativa aplicada ao caso concreto. Em face da construção de um novo formato do interesse público, propagado por Floriano Azevedo Marques201, no qual o referido interesse não pertence somente ao Estado, observa-se a necessidade de transferência destas responsabilidades para os novos “operadores/portadores” do interesse público. Habermas também entende que a barreira que um dia existiu entre a esfera estatal, condicionada a realização do bem comum, e o domínio social da busca autônoma e privada do bem individual foi rompida, estando todos sob a égide da Constituição202. Nesta nova ordem, em que a Administração Pública passa de intérprete do interesse público para mediador deste interesse, parece necessário que haja um comprometimento maior dos novos detentores do interesse público. Neste aspecto, Habermas203 entende que, No princípio da soberania popular, segundo o qual todo o poder do Estado vem do povo, o direito subjetivo à participação, com igualdade de chances, na formação democrática da vontade, vem ao encontro da possibilidade jurídico-objetiva de uma prática institucionalizada de autodeterminação dos cidadãos. Esse princípio forma a charneira entre o sistema dos direitos e a construção de um Estado de direito. Os indivíduos, ou seja, o próprio público passa a autodeterminar o seu interesse de uma forma desligada de qualquer ente estatal. Mas este interesse também não é privado, pois retorna para a sociedade, para os cidadãos, tornando assim um interesse público. 200 DIAS, Maria Tereza Fonseca. Op. cit. p. 440. MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Op. Cit., 2002, p. 147. 202 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre a facticidade e validade. v. II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 211. 203 HABERMAS, Jürgen. Op. cit., v. I. 2003, p. 212. 201 92 Além do princípio da Legalidade, o artigo 37 da Constituição Federal determina o respeito ao princípio da Impessoalidade nas ações e decisões do gestor público. O princípio da Impessoalidade pode ser traduzido como a necessidade da Administração atuar de forma que seus atos e decisões não prejudiquem ou beneficiem pessoas determinadas. Essencialmente, o respeito à impessoalidade nas decisões e atos administrativos está ligado ao respeito pelo interesse público. O referido princípio impõe uma vedação constitucional a qualquer forma de discriminação ou atentado à dignidade da pessoa humana. O princípio da impessoalidade se alinha com o princípio da isonomia, determinando que todos sejam igualmente tratados perante a lei, não havendo cabimento para distinções imotivadas. A impessoalidade na ação administrativa é característica necessária na constituição do Estado Democrático de Direito. No Estado absolutista a vontade da administração está diretamente alinhada com os anseios pessoais do administrador. Do contrário, no âmbito do Estado Democrático de Direito, tem-se a necessidade de respeito aos princípios administrativos que garantem um tratamento isonômico a todos os administrados. Até mesmo no que tange ao processo decisório administrativo, os artigos 18 a 21 da Lei 9.784/99, prevêem as hipóteses de impedimento e suspeição no âmbito da Administração pública estatal, como forma de fortalecimento dos princípios da impessoalidade bem como da moralidade. Odete Medauar204 descreve o princípio em questão do seguinte modo: [...] a Constituição visa a obstaculizar atuações geradas por antipatias, simpatias, objetivos de vingança, represálias, nepotismo, favorecimentos diversos, muito comuns em licitações, concursos públicos, exercício do poder de polícia. Busca deste modo, que predomine o sentido de função, isto é, a idéia de que os poderes atribuídos finalizam-se ao interesse de toda a coletividade, portanto a resultados desconectados de razões pessoais. A inexistência de favorecimentos de quaisquer espécies é pressuposto básico para o respeito ao princípio da impessoalidade, assim como do princípio da moralidade, e deve ser seguido por todos os ramos da Administração, seja estatal ou não. 204 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5ª ed. São Paulo: RT, 2003, p. 148. 93 O caráter público de determinadas instituições não estatais, pela sua formação, afirmação e discurso da sociedade, demonstra a necessidade de respeito aos princípios que regem a atividade e a condução da Administração pública estatal. Assim como o princípio da Impessoalidade, a Administração pública estatal possui o dever de respeito ao princípio da moralidade administrativa, rincípio que está diretamente ligado ao princípio da impessoalidade, pois determina o respeito à moral acima da legislação. Mesmo que seja legal, a ação do administrador deverá estar alinhada com a moral para que não seja repreendida pela sociedade e não seja cassada pelo parlamento ou Tribunal de Contas. O princípio da moralidade administrativa necessariamente estabelece uma dicotomia a ser discutida pela doutrina dedicada ao ramo administrativo do Direito. Determinada parcela dos doutrinadores entendem que é impossível a construção de um princípio dedicado a moralidade no campo da administração pública. Defendem que o conceito da moral administrativa tende a se tornar vago e impreciso na análise dos atos da Administração, acabando por se confundir com o conceito dado ao princípio da legalidade205. Este não é o entendimento adotado por Maria Sylvia Di Pietro, que afirma: [...] antiga é a distinção entre Moral e Direito, ambos representados por círculos concêntricos, sendo o maior correspondente à moral e, o menor, ao direito. Licitude e honestidade seriam os traços distintivos entre o direito e a moral, numa aceitação ampla do brocardo segundo o qual non omne quod licet honestum est (nem tudo o que é legal é honesto) (grifos originais). A autora, citando Antônio José Brandão206, demonstra que a moralidade entrou para a esfera jurídica através do direito civil, inicialmente pela abordagem do exercício abusivo dos direitos e, posteriormente, pela abordagem do não locupletamento à custa alheia e pela obrigação natural. No direito administrativo, a moralidade passou a ser estudada em função do questionamento judicial do desvio de poder. O desvio de poder nada mais é que a possibilidade de haver uma ação ou decisão administrativa devidamente fundamentada na norma aplicada ao caso, que procura atingir um fim que é lícito, porém, irregular perante o interesse público. 205 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit. p. 68. BRANDÃO, Antônio José. Moralidade Administrativa. Revista de Direito Administrativo nº 25, p. 454; apud, DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ibidem, p. 69; 206 94 Desse modo, a moralidade está diretamente ligada a intenção do gestor público, seja estatal ou não. Ainda que tenha sido trazido para o campo legal, como no exemplo do artigo 85, V207, da Constituição Federal de 1988, o princípio da moralidade merece destaque na atuação da Administração pública estatal ou não estatal. Desse modo, mesmo que a moralidade não se identifique com a legalidade, atos da Administração Pública que venham a agredir a moral, bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e equidade, entre outros, serão considerados imorais e podem ser questionados juridicamente. Assim entende-se por necessário que a Administração pública observe o cumprimento da moralidade para com seus atos e decisões. Do mesmo modo, a Administração pública não estatal encontra-se com a mesma responsabilidade, necessitando observar as regras da moral, dos bons costumes e boa administração para com as Instituições Comunitárias. O princípio da publicidade, por sua vez, exige que a Administração pública estatal torne público, ou seja, de conhecimento de todos os cidadãos aqueles atos e decisões praticados na condução do Estado. Para José Afonso da Silva208, A publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo, porque se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os administrados tenham, a toda hora, conhecimento do que os administradores estão fazendo. Observa-se que o autor explora justamente o cerne da questão. A publicidade sempre foi considerada um princípio eminentemente administrativo, pois está diretamente ligada à Administração da res publica. Para o autor, o Poder Público, ou aquele que age sob seu nome ou por sua concessão, em função da posição pública que ocupa, deve atentar para a transparência para com os administrados. 207 Cabe lembrar que o artigo 85 da Constituição Federal de 1988 estabelece os crimes próprios do Presidente da República, sendo que o inciso “V” estabelece que o atentado à probidade administrativa é crime. O artigo 85, V da CF consolida a necessidade de respeito e a relevância do princípio da moralidade no ordenamento jurídico brasileiro. 208 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 653. 95 A publicidade se mostra como um princípio imbuído no controle da Administração pública, seja estatal ou não, uma vez que permite aos administrados, cidadãos, pessoas da sociedade, conhecer os atos e as decisões dos administradores. Para Odete Medauar209, “o tema da transparência e visibilidade, também tratado como publicidade da atuação administrativa, encontra-se associado à reivindicação geral da democracia administrativa”. A publicidade é uma exigência própria do Estado Democrático de Direito, uma vez que permite ao cidadão tomar conhecimento das decisões do administrador público e sobre elas debater e, em sendo necessário, se manifestar. O princípio da publicidade deve ser respeitado também pelos entes tidos como de caráter público não estatal. A própria formação das instituições participantes do setor público não estatal, como foi observado no segundo capítulo deste trabalho, impõe a observância do princípio da publicidade. Trata-se de instituições surgidas dos movimentos de organização da sociedade civil que convergem serviços de fundamental interesse social, devendo respeitar a sua própria comunidade, permitindo o conhecimento das decisões e atos de relativa importância que venham a afetar a instituição e a comunidade. O quinto princípio administrativo apresentado pelo artigo 37 da Constituição Federal de 1988 é o princípio da eficiência. O princípio da eficiência foi inserido na constituição através da Emenda Constitucional nº 19, de 1998. Para Hely Lopes Meireles210, o princípio da eficiência é [...] o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. O princípio da eficiência apresenta-se, portanto, como uma exigência supra legal da Administração pública de buscar sempre o melhor resultado na prestação do serviço público, assim como seus servidores deverão apresentar os melhores modos de atuação. 209 210 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 198. MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p. 102. 96 O princípio da eficiência na Administração pública se mostra fundamental ao ordenamento brasileiro, principalmente pela necessidade de zelo pelos serviços públicos no sentido de combater a morosidade de atendimento das demandas públicas. Zelo este justificado pela cultura fomentada na ineficiência do velho Estado Nacional211. Gesta Leal também infere a necessidade de critérios e indicadores mais lúcidos aos olhos, seja da sociedade, seja do Poder Público212. Isso por que a eficiência não pode servir como motivação para o discurso de fragilização do setor público, sem qualquer compromisso com a publicização das relações. Essa questão é devidamente enfrentada por Jesus Leguina Villa213. Para o doutrinador espanhol a eficiência exigida pelo princípio constitucional não está ligada somente com a satisfação dos “clientes” do serviço público, ou seja, os administrados. A eficiência deve também estar orientada pelos demais princípios da Administração pública, pois jamais poderia se elogiar eficiência de uma administração contrária ao Estado Democrático de Direito. No ramo das comunitárias, pautado pelo público não estatal, o princípio da eficiência possivelmente seria aquele que mesmo apresentaria problemas para seu cumprimento. Isso por que, como já foi estudado, as Instituições Comunitárias, ainda que de caráter público não estatal, possuem a sua origem pautada pelo sistema privado, o que determina que a eficiência possua destaque na administração. No entanto, não se pode confundir a capacidade com a necessidade de cumprimento do princípio da eficiência. Certamente as instituições comunitárias quando denominam-se públicas não estatais, assumem o compromisso de prestar uma atendimento de excelência ao seu público. Da mesma forma, não se permite que uma instituição comunitária siga caminhos diversos da sua função. O desvio das atividades de uma instituição pública não estatal para atender aos interesses de uma pessoa ou grupo de pessoas certamente provoca um descrédito para as instituições deste meio. Um compromisso que deve ser assumido pelas Universidades Comunitárias é o respeito e à obediência aos Princípios da Administração Pública. Obviamente a construção de um ambiente público de participação e administração social exige que 211 LEAL, Rogério Gesta. Op. cit., p. 133 Ibidem, p.132. 213 VILLA, Jesus Leguina. A constituição espanhola e a fuga do direito administrativo. Revista de Direito Administrativo Aplicado, ano 2, nº 6, set. 1995, p. 637. 212 97 sejam estabelecidos determinados parâmetros de convergência para a administração destas Instituições. É necessário citar a obediência dos Princípios Administrativos elencados no Art. 37 da Constituição Federal de 1988, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Para Maria Sylvia Zanella di Pietro214, as organizações sociais do Terceiro Setor devem estar sujeitas ao controle dos Tribunais de Contas, assim como devem o respeito aos Princípios Administrativos, considerando-se o envolvimento daquelas organizações com recursos advindos do setor público. Assim, é necessária a preocupação com formas de controle público para a atuação das Instituições Comunitárias de Ensino Superior. Não está se defendendo uma completa intervenção da sociedade na gerência das Universidades Comunitárias e demais instituições, mas sim a obediência de determinados elementos cobrados da administração estatal que podem ser aplicados aos entes comunitários não estatais215. Realizadas as necessárias anotações sobre a aplicação dos princípios gerais de Direito Administrativo aos entes públicos não estatais, passa-se à verificação quanto às ações das Instituições Comunitárias de Ensino Superior na sociedade e a necessidade de compromisso e proteção do patrimônio comunitário público não estatal. 3.3 O cumprimento dos princípios do Direito Administrativo pelas Instituições Comunitárias de Educação Superior – uma abordagem sobre a necessidade de formas democráticas de controle e fiscalização Feitas as devidas anotações sobre os princípios constitucionais do Direito Administrativo e a sua aplicabilidade na esfera dos entes públicos não estatais, passa-se a uma análise centrada nas Instituições Comunitárias de Educação Superior e a sua capacidade para o atendimento dos princípios gerais do Direito Administrativo. O estudo não visa apenas a possibilidade de aplicação pura e simples dos princípios lançados no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, mas além, buscase uma análise quanto à necessidade de compromisso das ICES com o discurso 214 215 DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 458. DIAS, Maria Tereza Fonseca. Op. cit. p. 439. 98 determinando pelos entes públicos não estatais, assim como da sua capacidade em atender aos requisitos orientados pelos princípios. No segundo capítulo deste trabalho foi elaborado um estudo abordando a formação das Instituições Comunitárias de Ensino confessionais e regionais. Observou-se a formação das instituições através de um viés sociológico, ressaltando fatores convergentes ao aspecto público das ICES. No presente momento do trabalho mostra-se necessária a intersecção entre os aspectos de formação social das ICES com a sua formatação jurídica, verificando-se eventuais possibilidades de controle democrático destas instituições fazendo uso dos princípios gerais do Direito Administrativo. É importante lembrar que Luiz Carlos Bresser Pereira manifesta que, [...] o processo de ampliação do setor público não-estatal ocorre a partir de duas origens: de um lado, a partir da sociedade, que cria continuamente entidades dessa natureza; de outro lado, a partir do Estado, que, nos processos de reforma [...] se engaja em processos de publicização de 216 serviços sociais e científicos . É importante destacar, também, que as organizações do Terceiro Setor foram apresentadas como sendo parte de uma solução para o Estado até então burocrático e menos eficaz217. O compromisso que deve ser assumido pelas Universidades Comunitárias é o respeito e a obediência aos Princípios da Administração Pública. Obviamente a construção de um ambiente público de participação e administração social exige que sejam estabelecidos determinados parâmetros de convergência para a administração destas Instituições. Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, as entidades de apoio e as organizações sociais devem estar sujeitas ao controle dos Tribunais de Contas, assim como 216 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado para a cidadania: a reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional. Brasília: Enap, 1998. p. 242. 217 Como foi devidamente destacado no primeiro capítulo do presente trabalho, as instituições do Terceiro Setor ganham papel relevante na Reforma do Estado, intensificada a partir da gestão do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, passando a ser vistas como mais ágeis e eficazes que o Estado. Inicialmente houve confusão entre as diversas formas de organizações do Terceiro Setor e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs e Organizações Sociais – OSs, principalmente pela entrada em vigor da Lei 9790, de 23 de março de 1999. Em um primeiro momento, os organismos sociais criados pela sociedade passaram a atuar – por vezes com recursos advindos do Estado – sem efetiva fiscalização e controle de gastos ou mesmo da destinações dos recursos, sejam advindos do Estado, seja advindos da própria atividade do organismo social. Neste aspecto, tanto doutrina como a jurisprudência dos Tribunais de Contas começaram a exigir um controle da movimentação dos organismos sociais, legitimados pelo atuação pública destes. 99 devem respeito aos Princípios Administrativos, pois [...] considerando que tais entidades administram, em regra, bens do patrimônio público, inclusive dinheiro público, não é possível que fiquem inteiramente a margem de determinados preceitos publicísticos, sob pena de burla aos preceitos constitucionais que regem a Administração 218 Pública. Não restam dúvidas quanto à necessidade de formas democráticas de controle e fiscalização das Instituições Comunitárias de Educação Superior – as ICES –, sejam elas confessionais, sejam regionais. Como foi observado no início deste tópico, a simples necessidade de atenção aos princípios gerais do Direito Administrativo não é o ponto final do presente trabalho. Além disso, é escopo deste trabalho, entender se as Instituições Comunitárias regionais e confessionais estão juridicamente preparadas para atender aos princípios antes mencionados219. Além da construção sócio-jurídica antes apresentada, a qual já demonstrou de maneira satisfatória a formação das ICES, se mostra importante trazer para a análise do potencial público das ICES e a caracterização das mesmas, assim proposto pelo artigo 3º do Projeto de Lei 7639 de 2010, em tramitação na Câmara dos Deputados: Art. 3º Para obter a qualificação de Comunitária, a Instituição de Educação Superior deve prever em seu estatuto normas que disponham sobre: I - a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes para coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de privilégios, benefícios ou vantagens pessoais; II - a constituição de conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de competência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as operações patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade; III - normas de prestação de contas a serem atendidas pela entidade, que determinarão, no mínimo: a) a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas Brasileiras de Contabilidade; b) publicidade, por qualquer meio eficaz, no encerramento do exercício fiscal, do relatório de atividades e das demonstrações financeiras da entidade; c) prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública; 218 219 DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 458. DIAS, Maria Tereza Fonseca. Op. cit. p. 437. 100 IV - participação de representantes dos docentes, estudantes e técnicos 220 administrativos em órgãos colegiados deliberativos da instituição . Pelo exposto acima, compreende-se que o artigo 3º do Projeto de Lei tornarse um marco regulatório221 para quanto à formatação das ICES, onde apresentamse os requisitos necessários para que as Universidades Comunitárias, regionais ou confessionais, possam efetivamente caracterizar-se como “comunitárias”. Inicialmente, para releitura dos princípios gerais de Direito Administrativo na interpretação das disposições que vêm sendo discutidas no Projeto de Lei 7639/2010 cabe destacar que a própria atenção destinada ao texto legal já vem ao encontro do princípio da legalidade. Não se pode confundir o cumprimento de uma norma de caráter civil com o estrito cumprimento dos ditames de uma norma de caráter administrativo, voltada para a administração pública. Como já foi abordado no presente trabalho, o princípio da legalidade impõe um cumprimento exato das normas de caráter administrativo, onde o administrador pode agir apenas conforme a lei determina, enquanto no direito civil, o administrador privado, pode agir onde a lei é omissa. Desse modo, o administrador de uma Comunitária não pode apenas cumprir aquilo que a lei não proíbe, mas do contrário, tem o dever de agir conforme os ditames da lei administrativa, em estrito cumprimento ao disposto pelo princípio da legalidade. O cumprimento ao determinado pelo princípio da legalidade, assim compreendido pelo disposto no Projeto de Lei 7639/2010, vem sendo atendido pelas ICES. É o que se pode visualizar das experiências trazidas pelas próprias Comunitárias do Sul do Brasil. A experiência do Centro Universitário de Jaraguá do Sul222 demonstra a construção de uma Instituição Comunitária de Educação Superior preocupada com a participação da sociedade, mesclando a formação do Conselho de Administração, o órgão deliberativo máximo da instituição, com diversos atores sociais. 220 BRASIL. Projeto de Lei nº 7639, de 13 de julho de 2010. Dispõe sobre a definição, qualificação, prerrogativas e finalidades das Instituições Comunitárias de Educação Superior – ICES. Disponível em: http://www.comunitarias.org.br/docs/pl7639.pdf. Acesso em: 10 de Jan de 2011, p. 4-5. 221 DIAS, Maria Tereza Fonseca. Op. cit. p. 438. 222 SILVA JUNIOR, Achilles Santos. Centro Universitário Jaraguá do Sul. In: SCHMIDT, João Pedro (org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2009, p. 319-21. 101 Do mesmo modo, a experiência exposta pelo Centro Universitário de Brusque223 carrega na gestão participativa, com iniciativas populares e pela mobilização da sociedade para ações com a Universidade, uma forma de respeito ao próprio capital público ali envolvido. Além do princípio da legalidade, os demais princípios do artigo 37 da Constituição Federal vêm sendo agregados ao texto do Projeto de Lei n° 7.639, como forma de garantir o integral cumprimento destes princípios e consolidar o discurso encampado pelas Universidades Comunitárias. O disposto no artigo 3º, inciso “I” é de fundamental importância para o compromisso a ser assumido pelas ICES. A necessidade de proteção dos bens públicos adquiridos e pertencentes às Comunitárias demanda justamente que exista a previsão de respeito ao princípio da impessoalidade. A constituição de um capital público, formado por bens e recursos advindos da sociedade ou mesmo do Estado, não pode ficar desprotegido das ações de maus administradores ou mesmo de administradores corruptos. Para Ruy Cirne Lima224, o administrador público não exerce vontade, mas sim a função, no estrito cumprimento do princípio da impessoalidade, assim como da legalidade, moralidade e eficiência. Para Rogério Gesta Leal, o princípio da impessoalidade traduz a ideia de tratamento igualitário da administração para com os seus administrados, sem discriminações benéficas ou maléficas. A impessoalidade da ação administrativa decorre do fato legal de que ela se desenvolve dentro de um círculo onde não há liberdade de querer do agente público, ou, tal liberdade e querer vêm delimitados pontualmente pelos termos das disposições normativas cogentes, sempre expostas às 225 intempéries e variáveis interpretativas existentes . O princípio da impessoalidade possui fundamental importância para o cultivo de um ambiente democrático para as ICES. A democratização de oportunidades para estudar e trabalhar possui relevante importância nas trajetórias das Universidades Comunitárias. 223 GOMES, Marcilene Popper. Centro Universitário de Brusque. In: SCHMIDT, João Pedro (org.). Instituições Comunitárias: instituições públicas não-estatais. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2009, p. 346. 224 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1982, p. 19. 225 LEAL, Rogério Gesta. Op. Cit. p.126. 102 Nesse sentido é importante destacar ações que proporcionem uma maior impessoalidade na contratação de profissionais e de serviços às Universidades. Este é o exemplo da contratação de profissionais via concurso público e de serviços através de licitações, da forma mais aberta e democrática possível. 226 É oportuno destacar que, atualmente, em função de serem consideradas instituições privadas pela legislação civil, as ICES não são legalmente compelidas a licitar ou realizar concurso público. No entanto, pela própria natureza da ICES, as contratações por outros meios não teriam a mesma forma, salvo em casos especiais, devidamente fundamentados pelo administrador. A impessoalidade também será exigida no que tange ao texto disposto pelo Artigo 1º, §§ 3º e 4º227, do Projeto de Lei 7639, a exigência legal para que as ICES mantenham serviços gratuitos à comunidade – vinculados aos recursos estatais – e programas permanentes de extensão universitária e ação comunitária com vistas ao desenvolvimento do aluno e da comunidade como um todo, fortalece ainda mais o compromisso com o princípio da impessoalidade administrativa, considerando-se a necessidade da ação difusa da ICES dentro da comunidade. Além dos princípios da legalidade e impessoalidade, conforme já foi exposto no tópico anterior, é necessário que as ICES também possuam o compromisso com a moralidade administrativa, ou seja, o princípio da moralidade. Assim, como o princípio da legalidade, o respeito à moralidade administrativa passa por um conjunto de ações realizadas pela ICES, que além de respeitar à lei imposta ao agente/instituição administrativa possui ainda o compromisso com o agir moral da administração. Mais uma vez, o cumprimento do presente princípio esta ligado ao compromisso com o próprio discurso das ICES. Novamente ilustra-se a situação com o exemplo dos concursos públicos para seleção de professores das Comunitárias, que não é legalmente obrigado, mas em sendo imoral a simples contratação sem fundamentação necessária, a Instituição realiza um concurso 226 Um exemplo que pode ser mencionado é o da Universidade de Santa Cruz do Sul, que possui uma área em seu website, destinada aos editais dos concursos e das licitações que promove. UNISC. Universidade de Santa Cruz do Sul. Concursos e Editais. Disponível em: http://www.unisc.br/portal/pt/a-unisc/concursos-e-editais/apresentacao.html. Acesso em: 20 de fev 2011. s.p. 227 BRASIL. Projeto de Lei nº 7639, de 13 de julho de 2010. Dispõe sobre a definição, qualificação, prerrogativas e finalidades das Instituições Comunitárias de Educação Superior – ICES. Disponível em: http://www.comunitarias.org.br/docs/pl7639.pdf. Acesso em: 10 de Jan de 2011, p. 2. 103 público com fim de oportunizar o mais amplo acesso dos interessados na comunidade. Nesse aspecto, qualquer ação da ICES, mesmo que possa ser devidamente fundamentada na legislação, estando em conflito direto com à moralidade administrativa, ou seja, com a moral e os bons costumes sociais e comunitários, tais atos podem ser questionados pela própria comunidade ou pelo Tribunal de Contas. O princípio da publicidade também demanda atenção por parte do administrador de uma ICES, conforme já se observou anteriormente. As Universidades Comunitárias, pelo fato de serem consideradas bens pertencentes à comunidade, precisam respeitar a publicidade dos seus atos e ações. Nesse aspecto, observa-se que o artigo 3º do Projeto de Lei n° 7.936 já determina que seja respeitada, pela Universidade Comunitária, a publicidade quanto ao encerramento do exercício fiscal, do relatório de atividades e das demonstrações financeiras da entidade. A exigência que, se aprovada, será imposta pela Lei visa à proteção dos patrimônios comunitários, constituídos de todas as ações promovidas pelas Instituições Comunitárias de Educação Superior. A publicidade das contas e atos traz como resultado amplo conhecimento pela sociedade quando a situação da ICES, bem como quais as ações que estão sendo tomadas. Também, a informação quando a condição das Universidades Comunitárias deve ser devidamente explorada com a publicidade dos atos e decisões, pois não é raro que pessoas, inclusive alunos das próprias instituições, confundam a condição de Comunitária com filantrópica ou mesmo privada. De tal forma, é importante colacionar o entendimento de Maria Tereza Fonseca Dias, que entende necessário o controle das ações da administração pública e dos entes do Terceiro Setor228. As discussões sobre controle, avaliação e determinação de parâmetros para a relação entre as entidades do terceiro setor e o Estado justificam-se por um motivo capital: a transferência do patrimônio público, em sentido amplo, às entidades privadas sem fins lucrativos integrantes do terceiro setor. Essa questão envolve discussões que dizem respeito não só a problemas de legalidade administrativa, como, ainda, à busca pela legitimidade da atuação da administração pública e seus processos de regulação. O controle das ações da administração pública não diz respeito a préconceitos relacionados à desconfiança ou à certeza da ineficiência — seja da própria administração pública, seja das entidades privadas sem fins 228 DIAS, Maria Tereza Fonseca. Op. cit. p. 353. 104 lucrativos que recebem recursos financeiros do Estado —, mas integra o próprio processo democrático de legitimação e regulação das atividades estatais [...]. Portanto, verifica-se que as Instituições Comunitárias de Educação Superior possuem plena capacidade para enfrentar os princípios gerais de Direito Administrativo, mas para além, possuem o compromisso com o discurso do caráter público não estatal, convergindo para o fortalecimento e consolidação das ICES. Ainda, quanto ao fortalecimento do aspecto público das ICES, é importante observar e analisar o disposto no artigo 1º do PL 7639, de 2010229: Art. 1º As Instituições Comunitárias de Educação Superior são organizações da sociedade civil brasileira que possuem, cumulativamente, as seguintes características: I – estão constituídas na forma de associação ou fundação, com personalidade jurídica de direito privado, inclusive as instituídas pelo Poder Público; II – patrimônio pertencente a entidades da sociedade civil e/ou Poder Público; III - sem fins lucrativos, assim entendidas as que observam, cumulativamente, os seguintes requisitos: a. não distribuem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; b. aplicam integralmente no País os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; c. mantêm escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. IV - transparência administrativa, nos termos dos artigos 3º e 4º; V – destinação do patrimônio, em caso de extinção, a uma instituição pública ou congênere. Veja-se que o texto apresentado pelas ICES ao Congresso Nacional e adotado pelos deputados toma como norte a constituição e o fortalecimento de um capital público, livre da influência de capitais advindos do setor econômico ou da sua destinação a grupos econômicos. O texto vai ao encontro do proposto por Maria Tereza Fonseca Dias quanto ao fortalecimento do caráter público não estatal de determinadas organizações da sociedade civil230 A possibilidade de parcerias entre a sociedade civil e o Poder Público estatal é uma das características marcantes de algumas das Universidades do Estado de Santa Catarina, que mesmo possuindo apoio do capital público estatal, mantém as características comunitárias e públicas não estatais. Estas parcerias fortalecem a sociedade civil e aumentam a capacidade de ação das Comunitárias, demonstrando 229 230 BRASIL. Projeto de Lei nº 7639, de 13 de julho 2010. Op. cit., p. 1/2. DIAS, Maria Tereza Fonseca. Op. cit. p. 96. 105 que os limites entre o público e privado, com relação às ICES, encontram-se superados. Importante destacar, também, a constituição de patrimônio público, pertencente às entidades da sociedade civil ou do Poder Público. O PL 7639, de 2010, não possibilita a construção de ICES com a participação de capital econômico de Empresas, próprias do setor privado, que visam o lucro nas suas ações e seus investimentos. Ressalva-se, nestes casos, a possibilidade de parcerias para o desenvolvimento de projetos em comum com determinada Empresa, nos mesmos moldes daqueles desenvolvidos pelo Poder Público estatal, onde não há confusão entre o capital das entidades e o objeto da parceria. Ainda sobre a formação e a proteção do patrimônio público, destaca-se que as comunitárias são entidades da sociedade civil e o seu patrimônio não pode ser destinado a qualquer ente do setor privado. Na hipótese de uma ICES encerrar as suas atividades seu patrimônio deverá ser destinado a outra instituição da sociedade civil, dedicada ao mesmo fim ou, na falta desta, deverá ser destinado para instituição do poder público, também dedicada ao mesmo fim. No que tange à renda da instituição, é importante frisar que uma ICES não faz qualquer distribuição de renda, seja através de patrimônio seja por dividendos. Convolando o seu caráter público, as ICES aplicam toda a sua renda no fortalecimento da própria instituição. Para Maria Tereza Fonseca Dias231, não há na legislação pátria qualquer exigência de controle de resultados por parte dos administradores e das entidades do Terceiro Setor, podendo, por exemplo, serem aplicados recursos em altos salários e benefícios, utilizados unicamente para desvio das reais funções da entidade. Este é um problema que, em princípio, passa a ser combatido pela própria legislação proposta pelo PL 7639/2010, vez que determina que os procedimentos de admissão de funcionários, professores e colaboradores, assim como as verbas, salários e investimentos devem ser devidamente registrados nos livros contábeis, aos quais deverá ser dada a devida publicidade para a comunidade em geral, assim como o alto grau de profissionalização da prestação dos serviços comunitários. 231 Ibidem. p. 112/113. 106 A questão atinente à produção de bens e serviços, devidamente classificados pela sua finalidade, para Fonseca Dias, pode servir para a caracterização do caráter público da entidade do terceiro setor232. Neste aspecto o PL n° 7.639/2010233 prevê o seguinte: § 3º As Instituições Comunitárias de Educação Superior ofertarão serviços gratuitos à população, proporcionais aos recursos obtidos do Poder Público, conforme previsto em instrumento específico. § 4º As Instituições Comunitárias de Educação Superior institucionalizarão programas permanentes de extensão e ação comunitária voltados à formação e desenvolvimento dos alunos e ao desenvolvimento da sociedade. O Projeto de Lei determina que para o reconhecimento efetivo de uma ICES, é necessário que a entidade se comprometa com o desenvolvimento regional, promovendo atividades e serviços voltados à população, ainda que seja com a parceria do Poder Público, bem como deve desenvolver programas permanentes de extensão e ação comunitária para desenvolvimento da sociedade e seus alunos. A ação comunitária necessita, também, uma determinada imparcialidade para com as atividades políticas existentes na sociedade. É certo que as ICES se originam também da atividade política e democrática da sociedade civil. No entanto é necessária a imparcialidade quanto ao movimento político exercido por partidos políticos. Esta é a determinação que se pretende com a aprovação do artigo 13 do PL n° 7.639/2010, que dispõe: “É vedado às Instituições Comunitárias de Educação Superior financiar campanhas político-partidárias ou eleitorais”234. Assim, a proposição, pelas Universidades Comunitárias, de uma legislação especial a regular as suas atividades e sua condição, onde são dispostos requisitos que atendem aos princípios gerais de Direito Administrativo, os mesmos aplicados à Administração Pública, demonstra que as Universidades Comunitárias podem, e estão, cumprindo com os princípios reunidos pelo artigo 37 da Constituição Federal de 1988. 232 Ibidem. p. 113. BRASIL. Projeto de Lei nº 7639, de 13 de julho 2010. Op. cit., p. 2. 234 BRASIL. Projeto de Lei nº 7639, de 13 de julho 2010. Op. cit., p. 7. 233 CONCLUSÃO No decorrer do presente trabalho buscou-se pontuar conceitos necessários para entender a formação e a consolidação das Instituições Comunitárias de Educação Superior, principalmente àquelas formadas na Região Sul, da evolução do Estado, da visão de republicização da máquina pública e reconstrução dos princípios de Direito Público. Tais ideias e conceitos serviram para fomentar uma reflexão inicial sobre o fortalecimento da Democracia e Cidadania e, mais adiante, uma releitura sobre os princípios gerais do Direito Administrativo. Em um primeiro momento, foram trabalhados os elementos base para a compreensão da relação entre ICES, Estado e a Sociedade, destacando-se os conceitos de Estado e comunidade. Procurou-se embasar uma argumentação onde foram coletados e destacados os argumentos necessários à compreensão, desenvolvimento e a consolidação das ICES como instituições de caráter público não estatal. Foram apontadas as ambiguidades ideológicas do conceito de público não estatal, introduzido nos meios políticos pátrios no contexto da implantação de reformas neoliberais, de transferência de responsabilidade do Estado para a sociedade civil, particularmente a partir da Reforma Administrativa de 1995. Não se pode negar que estas políticas criaram oportunidades de crescimento e fortalecimento de entidades da sociedade civil em áreas pontuais, tais como educação, esporte, cultura, etc., reforçando ou mesmo substituindo a prestação estatal. No entanto, Estado enfraquecido, próprio das reformas de cunho liberal, levou a um abismo sem precedentes entre as classes sociais, com aumento da pobreza e da miséria, bem como a dependência de capital externo e crises econômicas recorrentes. Educação, saúde, esporte, lazer, entre outras necessidades da comunidade cada vez menos tiveram o respaldo do Estado como garantidor. Houve, portanto, uma redefinição dos limites de atuação do Estado, para 108 permitir que a sociedade civil atuasse na promoção de parte daqueles serviços que antes eram preocupação do Estado. O conceito de público não estatal aqui adotado distancia-se da conotação neoliberal e está afinado com a visão de um Estado forte, ativo, indutor do desenvolvido, mas ao mesmo tempo distanciado da visão estatista. Um Estado disposto a valorizar as iniciativas das comunidades, comprometido com a ideia de uma esfera pública não estatal e de um setor público não estatal que atue em cooperação com os entes estatais. Nesse contexto, as Instituições Comunitárias de Educação Superior são consideradas parceiras do Estado na oferta de uma educação pública de qualidade. A dicotomia público/privado é inadequada para dar conta dos entes da sociedade civil com características públicas, mas autônomos perante o Estado. Ao invés da dicotomia público/privado cabe trabalhar com a tríade público/comunitário/privado ou público estatal/público não estatal/privado. No momento atual, as Comunitárias vêm lutando por reconhecimento e espaço para atuação frente aos desafios do mercado educacional, visando, além de fomentar o desenvolvimento regional das suas comunidades, fornecer uma educação de qualidade e excelência. A busca por reconhecimento leva em conta, principalmente, a diferenciação das Comunitárias frente às Universidades particulares. Apesar de cobrar pelos serviços prestados, ponto fundamental na diferenciação das demais instituições do Terceiro Setor, as ICES prestam relevante serviço de cunho social a sua comunidade. Todos os recursos arrecadados por uma ICES são reinvestidos na própria instituição e parcela importante retorna para a comunidade na forma de prestação de serviços gratuitos como, por exemplo, atendimento odontológico, médico, assistências jurídicas, dentre outros, e programas educacionais, tais como, oficinas gratuitas, palestras e outras ações voltadas para o desenvolvimento local. As Comunitárias diferenciam-se das Universidades particulares, pois estas se destinam ao lucro do proprietário e não tem o mesmo compromisso com o desenvolvimento regional. A condição diferenciada das ICES, pela sua formação e pela execução dos serviços sociais, já embasa o caráter público não estatal destas entidades da sociedade civil. No entanto, com vistas a consolidar as posições que são adquiridas, 109 as ICES encaminharam ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n° 7.639/2010, com o fim de regulamentar a sua existência frente às demais entidades da sociedade civil estabelecendo, assim, características e procedimentos que devem ser respeitados pelas que entendem ser comunitárias. Nesse aspecto, é importante ressaltar que a formação antropológica e social das Comunitárias dividiu-as em dois ramos, as regionais e as confessionais. Em que pese a diferenciação entre os ramos das Universidades Comunitárias, ambas se enraízam na sociedade civil. As Comunitárias confessionais estão ligadas a congregações religiosas, mas compartilham com as regionais as características do público não estatal. Existem aspectos que diferenciam a formação de uma instituição da outra; no entanto, em ambas identificam-se os fins sociais comunitários. O destacamento da formação das Instituições Comunitárias de Ensino Superior na Região Sul construiu e fortaleceu o caráter público não estatal das universidades. O aspecto comunitário e o público não estatal de tais Universidades Comunitárias ajudaram no enfraquecimento da dicotomia público-privada – ainda forte na doutrina tradicional, mas que já não se sustenta diante das evidentes intersecções entre público e privado. Nesse particular, encontram-se entidades até então classificadas como privadas atuando de forma pública, com capital social e financeiro gerado pela própria comunidade. Por conta disso, as Comunitárias, regionais e confessionais, acabam por ter dificuldade na contratação de serviços e para formar parcerias com órgãos públicos e até mesmo com Empresas privadas. O Projeto de Lei n° 7.639/2010 tem por finalidade regulamentar a condição das ICES, demonstrando na caracterização das comunitárias que é possível o cumprimento dos princípios gerais de Direito Administrativo previstos no artigo 37, caput, da CF/1988 – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Pela releitura dos princípios realizada no presente trabalho, tais princípios são plenamente aplicáveis às ICES, assim como estas possuem plena capacidade em cumpri-los. As Instituições Comunitárias de Ensino Superior, ou Universidades Comunitárias, necessitam de uma nova configuração jurídica. E o reconhecimento do seu caráter público não estatal determina/impõe às Instituições Comunitárias de Ensino Superior o respeito aos princípios gerais de Direito Administrativo. As Universidades Comunitárias possuem condições para suprir e cumprir com as 110 obrigações advindas do compromisso de ser uma instituição de caráter público não estatal. É importante frisar, ainda, que o respeito dos princípios do direito administrativo pelas ICES não significa qualquer intervenção na condução das instituições através de um controle desnecessário de seus atos e decisões, mas pelo contrário, estabelece proteção ao patrimônio comunitário, coletivo, público, em consonância com a origem dessas organizações, atendendo, portanto, aos princípios do Estado Democrático de Direito. REFERÊNCIAS AHLERT, Alvori. Igreja e escola: desafios atuais para as escolas comunitárias da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e sua rede associativa. Actualidades Investigativas en Educación, Costa Rica, 2006. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. São Paulo: Moderna, 2002. ARENDT, Hannah. A condição humana. São Paulo: Forense, 1981 BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. BITTAR, M. 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